OMISSÃO DE PRONÚNCIA. PRESTAÇÃO DE CONSENTIMENTO. REABERTURA DE AUDIÊNCIA. REENVIO DO PROCESSO
Sumário


Não faria sentido estar a reabrir uma audiência de julgamento, nos termos do disposto no artigo 371º do Código de Processo Penal, para prestação pelo arguido do consentimento pressuposto para a aplicação da pena de substituição da prisão pela permanência na habitação, pois que toda a demais prova já havia sido produzida, quando a diligência a efetuar de revelaria impossível, dada a ausência do arguido e o desinteresse manifestado pelo mesmo quanto ao destino dos autos.
Acresce, que a notificação para comparência em audiência de julgamento, a qual o arguido ignorou, não obstante ter sido regularmente notificado, foi feita nos termos legais, nada mais tendo que conter, até porque o arguido tanto poderia ser absolvido como condenado, e neste último caso, nada poderia fazer supor que lhe seria aplicada uma pena concreta suscetível de substituição, nem em parte alguma da decisão condenatória se diz que a pena de prisão, a cumprir em Estabelecimento Prisional, apenas se revestia desta gravidade, dada, exclusivamente, a falta de consentimento do arguido para o cumprimento na habitação.
Essa falta foi um mais de natureza exclusivamente formal, mas não a justificação última, como se deduz do texto, tanto da sentença como do acórdão desta Relação.
Como tal, não compete nem reabrir a audiência, por falta de fundamento legal para tal, nem tão pouco reenviar o processo para novo julgamento, por idêntico motivo.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a secção criminal do Tribunal da Relação de Évora

Por acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 23-03-2021, foi negado provimento ao recurso interposto pelo arguido LMM da sentença proferida no Processo Comum Singular nº 22/17.2GABNV, do Juízo Local Criminal de Benavente, da Comarca de Santarém, de 15-07-2019, que o condenara pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo disposto nos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal (na pessoa do Militar RM) na pena de 2 meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelo disposto nos artigos 181º, nº 1, 184º e 132º, nº 2, alínea l), todos do Código Penal (na pessoa do Militar FF) na pena de 2 meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2º, nºs 1, alínea v), 3º, alíneas g) e h), 3º, nº 2, alínea l) e 86º, nº 1, alínea c) do RJAM, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão; e, em cúmulo jurídico destas penas na pena única conjunta de 1 ano e 7 meses de prisão, a cumprir em estabelecimento prisional.

Por requerimento de fls. 709 a 714, vem agora este arguido invocar que o dito acórdão incorre numa nulidade por omissão de pronúncia, quer por não se ter pronunciado sobre a requerida reabertura da audiência, quer por não ter sido determinada a notificação do arguido para prestar o consentimento, pressuposto para a aplicação da pena de substituição da prisão pela permanência na habitação.

Mais considera que o acórdão, que diz reclamado, incorre em inconstitucionalidade na aplicação do artigo 43º do Código Penal, quando interpretado no sentido de não substituir a pena de prisão pelo regime de permanência na habitação, por falta de consentimento do arguido, quando o mesmo não foi expressamente notificado para o prestar, por violação da norma constante do artigo 32º, nº 1, da Constituição.

Conclui entendendo que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que:

- Determine a notificação do arguido para prestar o seu consentimento à execução da pena em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, ou

- Julgue desde já prestado tal consentimento, ou

- Determine o reenvio dos autos para reabertura da audiência com o propósito de colher o respetivo consentimento do arguido à aplicação daquela pena de substituição.

Decidindo:

Desde logo, e como se pode ler no acórdão proferido na 1ª Instância, o arguido não contestou esta acção criminal nem apresentou prova em sua defesa.

Sempre se recusou a receber as notificações do Tribunal, mormente, a que lhe foi feita para comparecer em audiência de julgamento.

Daqui se conclui que o arguido sempre se quis alhear e alheou da sorte desta acção.

Tanto mais, que sabendo que iria ser julgado, não comparecer à audiência de julgamento, não contribuindo, assim, para o apuramento da verdade material, caso entendesse fazê-lo, não obstante o seu direito ao silêncio.

O arguido, só agora, em sede de recurso e na iminência de cumprir uma pena de prisão é que veio declarar que até consente em cumprir essa pena em regime de permanência na habitação, pedindo, inclusivamente, a reabertura da audiência de julgamento a fim de prestar esse mesmo consentimento.

Ora, parafraseando a 1ª Instância, e sobre esta questão, o acórdão desta Relação referiu:

“Acresce que o arguido tem antecedentes criminais por crimes de idêntica e de diferente natureza, registando nove condenações pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, condução em estado de embriaguez, detenção de arma proibida e ofensa à integridade física.

Ao arguido já lhe foram aplicadas penas de multa, de prisão suspensas na execução, de trabalho a favor da comunidade e até de prisão por dias livres, tendo a última condenação em prisão por dias livres sido substituída por prisão em regime de permanência na habitação.

Por conseguinte, tendo presente este vasto percurso do arguido pelo mundo do crime e o contacto com o sistema de justiça, entende o Tribunal que as exigências de prevenção não se bastam com a aplicação ao arguido de penas de multa.

O arguido tem um extenso certificado de registo criminal, num total de nove condenações, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, condução em estado de embriaguez, detenção de arma proibida e ofensa à integridade física.

Já lhe viu serem aplicadas penas de multa, de prisão suspensas na execução, de trabalho a favor da comunidade e até de prisão por dias livres, continuando a praticar crimes.

Repare-se que os factos em apreço foram praticados já depois de lhe ter sido aplicada uma pena de prisão por dias livres, sendo que o cumprimento desta pena de prisão, ainda que por dias livres, não o demoveu.

Desvalorizou todas as advertências que lhe foram dadas e não interiorizou a ilicitude e o desvalor da sua conduta.

Depois de ter praticado os factos em apreço, continuou a praticar crimes, pelos quais foi julgado e condenado novamente em pena de prisão por dias, tendo esta pena sido alterada para o cumprimento de um pena de prisão em regime de permanência na habitação.

Desta feita, a pena de prisão aplicada não deve ser substituída por uma pena não privativa da liberdade.

Refere, contudo, o artigo 43º, nº 1, alínea a) do Código Penal que “sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos”.

No caso em apreço, considerando que o arguido não prestou o seu consentimento, não obstante se encontrar notificado para comparecer em audiência de julgamento com essa finalidade e estando advertido das consequências da não comparência, importa concluir que não se encontram reunidos os pressupostos para que a pena de prisão a cumprir em EP possa ser substituída por pena de prisão em regime de permanência na habitação com recurso aos meios técnicos de controlo à distância (cfr. Artigo 4º, nºs 1 e 2 da Lei nº 33/2010, de 02.09).

Pelo exposto, o arguido LM deverá cumprir a pena única conjunta de 1 ano e 7 meses de prisão em estabelecimento prisional.”

E este Tribunal Coletivo da Relação de Évora referiu o seguinte:

Ora, concorda-se inteiramente com o decidido, tanto mais que o arguido sempre se recusou a receber quaisquer notificações do Tribunal, numa atitude de profundo desrespeito, e daí não ter apresentado a sua versão dos factos, contribuindo, assim, para a sua defesa, nem tão pouco, sequer, em prestar o seu consentimento para a dita pena substitutiva de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

Além do mais, isto é, além do seu passado criminal, e das penas não detentivas de que já beneficiou, a pena que ora pretende só iria agravar a situação já de si precária do seu agregado familiar, o qual sempre o teria de continuar a sustentar, dada a situação de desemprego em que se encontra.

Sobre as vantagens e inconvenientes desta pena principal de privação da liberdade pronunciou-se o Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pgs. 112 e 113, nos seguintes termos:

“Vantagens só podem ser divisadas, na verdade, - se abstrairmos de um ponto de vista «metafísico»-retributivo ultrapassado, que encontraria na privação de liberdade o mal por excelência, capaz de compensar o mal do crime – na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, ainda em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor.

Na outra vertente, porém, os inconvenientes da pena privativa da liberdade residem desde logo – e mesmo no que respeita à adequação à culpa – em que a privação da liberdade pode representar (e representará muitas vezes) um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre, sem que essa diferente «sensibilidade à privação da liberdade» possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Acresce que a tentativa de socialização em que, como vimos, deve traduzir-se a execução da pena é declaradamente contrariada - e, nesta aceção, mais que «compensada» - pela forçosa dissocialização derivada do corte das relações familiares e profissionais do condenado, do efeito da infâmia social que inevitavelmente se liga à entrada na prisão e ainda, na maioria dos casos, da inserção daquele na subcultura prisional, em sim mesma criminógena. E a estes inconvenientes se ligam ainda, num plano diferente, os altíssimos – e às vezes insuportáveis – custos financeiros públicos do sistema. Todo este conjunto de inconvenientes vincula estritamente os legisladores e os aplicadores a usarem da pena privativa de liberdade apenas como extrema ratio da política criminal.”

Muito embora o lapso de tempo entretanto decorrido, o juízo exposto, na sua essência, não perdeu a sua atualidade, concordando-se com o teor do mesmo.

Este adquire especial relevo quando se trata de uma curta pena privativa da liberdade, como é o caso da que ora está em causa.

Não se ignora que o arguido só reagirá à pena, em termos de futuro comportamento, se a mesma se revestir de um rigor que a tal o conduza interiormente.

Ora, é precisamente essa a esperança ínsita nesta pena única aplicada, a qual pelos motivos expostos, nunca poderia possuir outra natureza, e daí concordar-se quer com as medidas das penas parcelares, quer com a pena única, pelo que se entende que bem andou o Tribunal a quo ao decidir da forma por que o fez.

Pelo exposto, conclui-se não ter existido qualquer omissão de pronúncia quanto a esta questão, apenas uma decisão contrária à defendida pelo arguido, pelo que improcede a arguida nulidade a que alude a al. c) do nº 1, do artigo 379º do Código de Processo Penal.

Igualmente, não faria sentido estar a reabrir uma audiência de julgamento, nos termos do disposto no artigo 371º do Código de Processo Penal, pois que toda a demais prova já havia sido produzida, quando a diligência a efetuar de revelaria impossível, dada a ausência do arguido e o desinteresse manifestado pelo mesmo quanto ao destino dos autos.

Acresce, que a notificação para comparência em audiência de julgamento, a qual o arguido ignorou, não obstante ter sido regularmente notificado, foi feita nos termos legais, nada mais tendo que conter, até porque o arguido tanto poderia ser absolvido como condenado, e neste último caso, nada poderia fazer supor que lhe seria aplicada uma pena concreta suscetível de substituição, nem em parte alguma da decisão condenatória se diz que a pena de prisão, a cumprir em Estabelecimento Prisional, apenas se revestia desta gravidade, dada, exclusivamente, a falta de consentimento do arguido para o cumprimento na habitação.

Essa falta foi um mais de natureza exclusivamente formal, mas não a justificação última, como se deduz do texto, tanto da sentença como do acórdão desta Relação.

Como tal, não compete nem reabrir a audiência, por falta de fundamento legal para tal, nem tão pouco reenviar o processo para novo julgamento, por idêntico motivo.

Não se vislumbra, igualmente, no que respeita às normas em causa, a verificação de qualquer inconstitucionalidade.

Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes que constituem a secção criminal deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a arguida nulidade, bem como em indeferir tudo o demais peticionado.

Custas pelo incidente pelo arguido.

Évora, 11 de maio de 2021

Maria Fernanda Palma

Maria Isabel Duarte