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PEDIDO SUBSIDIÁRIO
CONHECIMENTO OFICIOSO
CONTRATO DE SEGURO
INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS
Sumário
I- Concluindo pela improcedência dos pedidos principais, impõe-se ao Tribunal analisar e decidir o pedido subsidiário em obediência ao estabelecido no n.º 1 do art. 554º do CPC, sob pena de, não o fazendo, a sentença enfermar, nessa parte, da nulidade, por omissão de pronúncia [art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do CPC]. II- É ao autor que cabe o ónus de alegar e provar a existência e o conteúdo do contrato de seguro, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art. 342º, n.º 1, do CC); III- Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, tais como as causas de limitação ou os factos excludentes da sua responsabilidade (n.º 2 do mesmo preceito). IV- No âmbito de um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, que abrange, entre outras, a cobertura de incêndio, a cláusula de exclusão que afasta da cobertura do seguro os danos em construções cujos materiais de construção resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, não desvirtua nem esvazia consideravelmente o conteúdo do referido seguro, nem beneficia, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
C. C. instaurou, no Juízo Central Cível de Viana do Castelo – Juiz 1 – do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradoras …, S.A., pedindo que:
a) Se declare que não integram o contrato ou que são inválidas todas as cláusulas de exclusão da cobertura, incluindo as cláusulas 3ª, 2.2, alíneas a) e b) e 6ª, bem como a cláusula 4ª e a alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento;
b) Se condene a Ré a pagar/reembolsar o A. pelos custos da demolição e remoção de escombros, e reconstrução do edifício referido no artigo 2º da p.i.;
c) Se condene a Ré a compensar o A. pela privação do uso do edifício referido no artigo 2º da p.i., deste a data do sinistro até à conclusão da sua reconstrução, no valor equivalente à renda da locação de um edifício com características semelhantes, à razão de €600,00 mensais, sendo que à data da propositura da acção o valor líquido é de €4.200,00.
d) Subsidiariamente, caso não proceda, por qualquer motivo, o pedido formulado em c), seja a Ré condenada a indemnizar o A. pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro, num valor de €2.100,00.
e) Se condene a Ré no pagamento dos juros legais, até efectivo e integral pagamento dos montantes peticionados.
Para o efeito alegou, em resumo, a ocorrência de um incêndio, em 15/10/2017, num edifício de que é proprietário, sendo que, como consequência, directa e necessária do incêndio, resultaram danos patrimoniais, cuja indemnização reclama à Ré por força de contrato de seguro com a mesma celebrado.
A Ré recusa a regularização do sinistro invocando a verificação de cláusulas de exclusão.
Sucede que tais cláusulas de exclusão não fazem parte do contrato de seguro, pois o A. nunca as aceitou, nunca assinou qualquer documento de onde elas constassem, nem as mesmas sequer lhe foram comunicadas. Mas se o tivessem feito, seriam excluídas e inválidas, nos termos do artigo 8º do D.L. nº 446/85. Mas mesmo que tais cláusulas pudessem ser válidas, a sua invocação constitui abuso de direito, pois em virtude das mesmas o objecto seguro fica excluído da cobertura do seguro, em que nenhum sinistro está coberto: a Ré celebrou um contrato de seguro, fez seus os respectivos prémios, que foram pagos ao longo do tempo, teve informação suficiente para aferir da natureza do edifício objecto do seguro, e que, se mais informação necessitava, não a pediu ao A., como era seu ónus; passados anos em que o A. cumpriu as suas obrigações contratuais, ocorrido o sinistro, vem a Ré invocar cláusulas que esvaziam o seguro de qualquer utilidade, frustrando o seu fim, pois, afinal, nada estava, na prática, segurado.
Era obrigação contratual da Ré dar uma resposta num prazo razoável, ou seja, até final de Dezembro de 2017. A Ré não cumpriu tal obrigação, tendo ultrapassado o prazo razoável em três meses e meio. A demora na resposta implica igual demora na reconstrução e estabelecimento de condições para a utilização do edifício. Se não for concedida a cobertura da privação do uso, a Ré terá sempre de indemnizar o A. pela demora na comunicação da sua posição; em concreto pelo valor de três meses e meio do valor da renda de um edifício de características semelhantes.
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Citada, a Ré apresentou contestação, pugnando pela total improcedência da acção (ref.ª 30095114 - fls. 16 a 27).
Para tanto excepcionou com a ocorrência de fundamentos de exclusão da responsabilidade, impugnando os danos sofridos pelo A. e o montante ou respectivo custo de reparação.
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A fls. 61 e ss. veio o A. ampliar o pedido nos seguintes termos:
“Subsidiariamente, caso não proceda, total ou parcialmente o peticionado em B) e/ou C) da p.i., em virtude do disposto nos artigos 24º e 26º do D.L. 72/2008, seja a Ré condenada a indemnizar o A. nos valores que corresponderiam aos pedidos B) e C), com base em responsabilidade civil, por não cumprimento dos deveres de informação que sobre ela recaíam”.
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Foi admitida a ampliação do pedido, fixado o valor à causa, bem como proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância. Foi fixado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova, tendo sido admitidos os meios de prova (ref.ª 43225100).
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A fls. 112 e ss., a A. deduziu incidente de liquidação do pedido formulado na al. B) supra, liquidando-o, ainda que parcialmente, num mínimo de €85.000,00, acrescido de IVA à taxa legal; peticionando, ainda, que uma eventual sentença condene ainda nos eventuais montantes, para além do liquidado, que se venham a revelar necessários à reconstrução do edifício.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (ref.ª 45126124).
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Posteriormente, a Mmª. Julgadora “a quo” proferiu sentença, datada de 7/4/2020 (ref.ª 45133946), nos termos da qual, julgando totalmente improcedente ação, absolveu a ré dos pedidos contra si formulados.
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Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença (ref.ª 35932886) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1ª – O recorrente não se conforma com a sentença, proferida nos autos em referência, na medida em que julga totalmente improcedente a presente acção, entendendo que há erros de julgamento, quer da matéria de facto, quer da matéria de Direito.
Do recurso da decisão da matéria de facto 2ª – O recorrente não se conforma com a decisão sobre a matéria de facto e considera incorrectamente julgado o ponto 1.38 da matéria de facto provada, quando dá como provado que o armazém em apreço era constituído em 20% por materiais não combustíveis, por isso ditos de resistentes, e em 80% por materiais combustíveis; pois impõem decisão diversa as respostas dos pontos 3.1.1 e 3.2.1 do relatório pericial de 07/01/2019, em fls. 81 e ss., e do ponto I.1 dos esclarecimentos dos peritos de 18/03/2019, em fls. 100 e ss., confrontadas com a resposta dada no ponto 3.2.14 do relatório e as regras do ónus da prova, no sentido de ser darem os respectivos factos como não provados; e a resposta dada no ponto IV.9 dos esclarecimentos dos peritos de 18/03/2019, no sentido de se dar como provado que o armazém era constituído em 60% em materiais não combustíveis e 40% em materiais combustíveis . 3ª – Nas respostas dos pontos 3.1.1 e 3.2.1 do relatório pericial de fls. 81 e ss. e do ponto I.1 dos esclarecimentos dos peritos de fls. 100 e ss., os mesmos afirmam que 80% do edifício seguro resultou destruído ou danificado, sendo que os restantes 20% correspondem a uma parcela da estrutura metálica do mesmo, que não ficou danificada e pode ser utilizada na reconstrução. 4ª – De tal resulta que, na percentagem de 80% do edifício, estão incluídos, inter alia, a restante parte da estrutura metálica (parte danificada), o pavimento em betão e as pedras de soco. 5ª – Mais à frente no relatório pericial referido, na resposta ao ponto 3.2.14, os peritos vêm dizer que o edifício é constituído, também em 80%, por materiais combustíveis. 6ª - No entanto, se, desde logo, 20% correspondem a uma parcela apenas da estrutura metálica, e se ainda há que acrescentar, à parte constituída por materiais não combustíveis, a restante parte da estrutura metálica, o pavimento em betão e as pedras de soco, então, necessariamente, a parte do armazém constituída por materiais não combustíveis é muito superior a 20% e a parte constituída por materiais não combustíveis é muito inferior a 80%. 7ª - Portanto, as respostas dadas pelos senhores peritos aos pontos 3.1.1, 3.2.1 da relatório pericial de fls. 91 e ss. e ao ponto I.1 dos esclarecimentos de fls. 100 e ss. são irreconciliáveis com a resposta dada ao ponto 3.2.14 daquele relatório e conformam uma dúvida inultrapassável sobre as percentagens de materiais que compunham o armazém. 8ª - O ónus da prova dos factos relativos à exclusão de cobertura, aqui em causa, pendia sobre a ré/recorrida, por se tratar de defesa por excepção; pelo que, perante a dúvida sobre as percentagens de materiais combustíveis e não combustíveis que compunham o edifício seguro, terão de se dar como não provados os factos que contam do ponto 1.38 da decisão da matéria de facto. 9ª – Impõe-se, por isso, eliminar o ponto 1.38 do elenco dos factos provados, dando-se os respectivos factos como não provados. 10ª – Sem prescindir, é óbvio que, perante tal contradição, o recorrente procurou que os senhores peritos a esclarecessem, no seu requerimento de 21/01/2019, no ponto IV.8 a), onde expôs a contradição nas respostas dadas e pediu a sua clarificação; mas os senhores peritos, nos esclarecimentos juntos a 18/03/2019 (fls. 100 e ss.), dizem que não entendem qual é o esclarecimento pretendido. 11ª - No entanto, mais abaixo no mesmo documento, em reposta ao ponto IV.9, corrigem efectivamente as percentagens, de tal modo que deixou de haver contradições nas respostas dadas. 12ª – Note-se que o recorrente, no ponto IV.9 do seu requerimento de 21/01/2019, na sequência do exposto no ponto IV.8, pede “que os senhores peritos corrijam o relatório pericial (sublinhado nosso)”, “fazendo um novo cálculo das percentagens do edifício que são combustíveis e não combustíveis” - nada se pede ou pergunta quanto ao eventual custo da obra. 13ª – O novo cálculo das percentagens, que consta da resposta ao ponto IV.9 dos esclarecimentos de 18/03/2019, articula-se perfeitamente com as respostas dadas aos pontos 3.1.1 e 3.2.1 do relatório pericial de 07/01/2019, pois a parte não danificada da estrutura metálica, que representa 20% do edifício, é minoritária em relação à parte danificada da estrutura metálica (ponto 3.2.1) pelo que a parte danificada tem de representar mais de 20% do edifício - os senhores peritos, na resposta em causa, atribuem à totalidade da estrutura metálica 50% do edifício (20% da parte não danificada e 30% da parte danificada), à qual se somam 10% do pavimento de betão e pedras de soco, para perfazer a parte não combustível do edifício. 14ª – Pelo contrário, as percentagens indicadas na resposta ao referido ponto IV.9 nada têm a ver com o custo da obra, conforme se constata pela resposta ao ponto I.2 do esclarecimentos de 18/03/2019, na página 3, onde se indica o valor para a reconstrução total da estrutura metálica de €15.610,00 e os pontos I a IV do anexo ao relatório pericial de fls. 124 e ss, donde resulta o valor para a reconstrução total do pavimento e pedras de soco de €11.972,00. 15ª - Os senhores peritos, na audiência de julgamento, vieram dizer que a resposta àquele ponto respeitava às percentagens do custo da obra, mas tal só se pode dever ao facto de os senhores peritos não terem preparado devidamente o julgamento, não tendo estudado os relatórios periciais que tinham produzido um ano antes da referida audiência, e por isso não se lembravam dos fundamentos da resposta dada naquele ponto, tendo respondido o primeiro que veio à cabeça do senhor perito da ré/recorrida, no que foi seguido, acriticamente, pelos restantes. 16ª – O depoimento dos senhores peritos, neste particular, apenas vem acrescentar confusão e contradição aos relatórios periciais; sendo que os mesmos, na audiência de julgamento, nada disseram – e por isso nada esclareceram – sobre a contradição entre as respostas dadas nos referidos pontos 3.1.1 e 3.1.2 do primeiro relatório pericial e a dada no ponto 3.2.14 do mesmo relatório. 17ª - Apesar do dito pelos peritos em julgamento, as respostas que deram nos esclarecimentos de 18/03/2019 (fls. 100 e ss.) dão uma coerência ao relatório pericial, que não fica abalada por aquele depoimento. 18ª - Assim, deve dar-se como provado que o edifício seguro era constituído, em 60% por materiais não combustíveis e em 40% em materiais combustíveis; aditando-se, por isso, ao elenco dos factos provados um ponto 1.38-A, com o seguinte texto: O armazém aqui em apreço, em termos de área e volume, era constituído por materiais não combustíveis na ordem dos 60% e em materiais combustíveis na ordem dos 40%. 19ª - O recorrente não se conforma com a decisão sobre a matéria de facto, pois considera incorrectamente julgados os pontos 1.33, 1.34 e 1.46 da matéria de facto provada, na medida em que dão como provado que o edifício seguro se encontrava próximo de zona circundado por vegetação baldia, que distava 10/15 metros do mesmo ou que a zona arbórea fosse densa; pois impõem julgamento diverso as fotografias do referido edifício e da sua envolvente, antes do sinistro, que constam na primeira página dos vários relatórios periciais e a fotografia/figura nº 9 que consta do anexo (página 10) ao relatório pericial de fls. 81 e ss., junto aos autos em 07/01/2019. 20ª – Nenhuma prova foi produzida – nem a sentença recorrida a refere – que permita dar como provados os factos referidos dos pontos 1.33, 1.34 e 1.46 da matéria de facto provada. 21ª – A única prova sobre tais factos consiste nas fotografias referidas, em que é possível constatar que se trata um terreno limpo, onde não se vislumbra, nas proximidades do edifício seguro, vegetação baldia ou arvoredo denso; podendo utilizar-se como referência tal edifício, para ter ideia das distâncias em causa, pois ficou provado o que o mesmo tem 16 metros por 10. 22ª - Mas nem é preciso ver as medidas, pois olhando para as fotografias torna-se imediatamente evidente que o terreno à volta do edifício estava limpo e está ausente vegetação baldia ou arvoredo denso. 23ª – Competia à recorrida a prova da existência de vegetação baldia ou arvoredo denso, bem como as respectivas distâncias, que pudessem ser significativas para o cálculo do risco, mas nenhuma prova se produziu nesse sentido, antes temos prova em contrário. 24ª – Impõe-se, por isso, eliminar totalmente o ponto 1.33 do elenco dos factos provados, dando-se os respectivos factos como não provados; eliminar-se a expressão “ as mais distantes situadas a escassos 10/15 metros do armazém ” do ponto 1.34 dos factos provados e eliminar-se também, do ponto 1.46, a expressão “ e ainda que o mesmo estava construído próximo de uma zona arbórea densa”. 25ª – O recorrente não se conforma com a decisão sobre a matéria de facto, pois considera erradamente julgados os pontos 1.39 e 1.40 da matéria de facto provada e 2.3 e 2.4 da matéria de facto não provada, quando se afirma terem sido prestadas todas as informações relevantes, nomeadamente quanto à exclusão de cobertura prevista na cláusula 3º 2.2 a) e que lhe tenham sido colocadas à disposição todas as condições gerais e especiais aplicáveis à apólice. 26ª - Impõem julgamento diverso o que consta das informações complementares na simulação do seguro, junta pela X a fls. 79-D verso confrontado com a nota informativa e a cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais juntas à contestação, o disposto na alínea e) do artigo 21º do D.L. 446/85 sobre a validade das declarações de conhecimento de aspectos materiais do contrato, o depoimento da testemunha M. R. entre os minutos 12:10 a 12:40 e 14:40 a 15:33, o depoimento da testemunha E. C. entre os minutos 25:08 a 28:35 e, ainda, porque a matéria é parcialmente conclusiva. 27ª – O cumprimento das obrigações, incluindo das obrigações de informação, no nosso Direito, não se presume, pelo que o ónus da prova, quanto a tal cumprimento, como refere extensa jurisprudência, pende sobre o obrigado – neste caso a recorrida. 28ª - Aquilo que deve ser considerado relevante para um aderente ao contrato de seguro é matéria conclusiva, a ser apreciada pelo tribunal, pelo que afirmar a informação prestada tenha sido “toda a relevante” é matéria conclusiva, que, nessa parte, deverá ser eliminada do ponto 1.39. 29ª – Quanto às testemunhas, uma disse que só fez a entrega das condições especiais ao recorrente, mas não entregou as condições gerais e especiais e que não sabe o que é a Tarifa MR Estabelecimento, e a outra explicou que a Tarifa MR Estabelecimento é um documento interno, que não é entregue aos clientes; sendo que o tribunal recorrido utilizou os depoimentos de ambas para fundamentar a decisão da matéria de facto e não pôs em causa a sua credibilidade. 30ª – As declarações de ter tomado de ter sido informado ou de terem sido entregues informações, não têm valor enquanto declaração voluntária, nos termos da alínea e) do artigo 21º do D.L. nº 446/85. 31ª – Como refere a sentença recorrida, nas informações complementares que constam da simulação do seguro (fls. 79-D verso), existe a informação sobre a exclusão de cobertura de determinados edifícios, que versa sobre a mesma matéria da cláusula de exclusão 3ª 2.2 a), mas que diverge bastante do teor desta, ou seja ao recorrente foram-lhe comunicadas duas cláusulas divergentes sobre a exclusão de cobertura relativa aos materiais de construção do edifício seguro - tal situação é relevante no que respeita ao cumprimento dos deveres de informação, pelo que tem de constar dos factos provados referência a que foram prestadas informações divergentes. 32ª – De tudo o que se vêm de expor resulta que se deverá alterar o julgamento da matéria de facto, quanto aos pontos 1.39, 1.40, 2.3 e 2.4 desse julgamento, nos seguintes termos: α) - O ponto 1.39 dos factos provados deverá ficar com a seguinte redacção: “Aquando da celebração do contrato, o A. teve acesso parcial às principais características, âmbito das garantias prestadas e exclusões do constantes do contrato; sendo que, quanto à cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais, foram-lhe prestadas informações divergentes”. β) - No ponto 1.40 dos factos provados, deverá ser eliminada a sua 2ª parte, a partir de “sendo ainda certo...” até ao final do texto deste ponto. γ) - Os pontos 2.3 e 2.4 deverão ser eliminados do elenco dos factos não provados, perante o novo texto do ponto 1.39. 33ª - O recorrente não se conforma com a decisão sobre a matéria de facto, pois considera erradamente julgado o ponto 1.26 da matéria de facto provada, quando, por um lado, se utiliza o advérbio “inicialmente” antes da referência a “objecto seguro”, daí significando, em bom português, que o objecto seguro foi alterado depois e, por outro lado, quando omite que o local do objecto seguro foi, depois, corrigido para lugar …, …, freguesia ..., ..., Monção. 34ª – Impõe julgamento diverso o depoimento da testemunha M. R. entre os minutos 12:10 a 12:40 e 14:40 a 15:33, funcionária da X, que tratou, quer da celebração do contrato aqui em causa, quer da correcção do endereço indicado para o edifício seguro; e que esclareceu que houve uma falha na morada indicada e pediu-se uma rectificação; tem ideia de ter enviado um pedido de rectificação para a companhia de seguros, para rectificarem o endereço; e que o seguro era sempre para o mesmo armazém 35ª - Assim sendo, deverá eliminar-se o advérbio “inicialmente” da parte do texto do ponto 1.26 da decisão da matéria de facto, onde se encontra inserido, e aditar-se que se tratou de uma rectificação do endereço do edifício, sendo que o ele foi sempre o mesmo objecto do contrato de seguro em causa; devendo o ponto 1.26 da matéria de facto provada passar a ter a seguinte redacção: “O seguro em causa nos autos teve como objecto um edifício, cujo endereço foi indicado, por lapso, como sendo em ..., .... Monção; mas depois foi rectificado para um endereço em ..., ..., Monção; sendo que o edifício objecto do contrato foi sempre um e o mesmo”. 36ª – O recorrente não se conforma com a decisão da matéria de facto, na medida em que omite completamente que o documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informativa e as informações completares que constam da simulação do seguro, não estão rubricados ou assinados pelo recorrente, quando tal foi alegado e é notório pela mera visualização do documento de onde constam as condições gerais e especiais, junto à contestação, da nota informativa, junta pela X a fls. 79-K a 79-M e da simulação do seguro, a fls. 79-D verso. 37ª – Sendo relevante para apreciar a aplicação da alínea d) do artigo 8º do D.L. nº 446/85, impõe-se aditar um ponto 1.47 ao elenco dos factos provados, com o seguinte texto: “O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informativa e a simulação do seguro não se encontram rubricadas ou assinadas pelo A. em nenhuma das suas páginas, inclusive a última ”. 38ª - Igualmente, a sentença recorrida omite que o valor da renda de mercado de um imóvel, como aquele que está em causa nos autos, é de €400,00 mensais, mas impõe que tal facto se dê como provado a resposta ao ponto 3.1.4 do relatório pericial de fls. 81 e ss. (páginas 3 e 4). 39ª - Tal facto deve constar da decisão das matéria de facto, por ser essencial ao julgamento do peticionado em C e D da p.i., pois tratando-se de compensação pela privação do uso e, subsidiariamente, de indemnização pela demora da recorrida em dar resposta à comunicação do sinistro, o valor de mercado da renda é relevante para calcular o montante em causa. 40ª – Tendo os senhores peritos, concluído, na resposta ao ponto 3.1.4 do relatório pericial de 07/01/2019, que a renda de mercado do imóvel em causa era no valor de €400,00 mensais; deve aditar-se um ponto 1.48 ao elenco dos factos provados, com o seguinte texto: “A renda de mercado para o arrendamento de um imóvel com as características daquele em causa nestes autos é de €400,00 mensais ”.
Do recurso da matéria de Direito 41ª – Procedendo o recurso da decisão da matéria de facto, com as alterações propostas nas conclusões 9ª e 18ª, de modo algum se verifica a excepção à cobertura do seguro, prevista na cláusula 3ª 2.2 a) e, por isso, deve proceder a acção, quando ao peticionado em B da petição inicial.
Sem prescindir, mesmo que não procedessem as alterações à matéria de facto, 42ª - Estamos perante um contrato que cai no âmbito do D.L. nº 446/85 (artigo 1º e ponto 1.18 dos factos provados), onde se impõem deveres particulares de informação, desdobrados em deveres de comunicação e esclarecimento. 43ª – Não basta a mera comunicação, mas esta tem de ser adequada, pelo que, perante a extensão e complexidade do clausulado em causa, tal comunicação teria de ser feita com alguma antecedência, mas resulta da decisão da matéria de facto que a comunicação teria ocorrido no próprio momento da subscrição da proposta contratual, 44ª – Também nunca poderia ser comunicação adequada a indicação, no momento da subscrição da proposta, de um endereço da internet, onde as cláusulas poderiam ser consultadas, pois tal implica que o aderente apenas as poderá consultar após este momento, ou seja, após a subscrição. Assim, mostra-se claramente violado o artigo 5º do D.L. nº 446/85. 45ª – Há uma outra violação do referido artigo 5º – a recorrida entregou ao recorrente duas informações consideravelmente divergentes quanto ao disposto na cláusula de exclusão relativa à percentagem de materiais constituintes do edifício seguro, quando uma comunicação adequada deve transmitir a cláusula de modo correcto, preciso e claro. 46ª – Acresce que prestação de informações divergentes implicaria sempre o surgimento da necessidade de esclarecimento sobre a divergência, ao abrigo do nº 1 do artigo 6º do D.L. nº 446/85 – esclarecimento que nunca foi prestado. 47ª – Violados os deveres de informação consagrados nos referidos artigos 5º e 6º, quanto a todas as cláusulas de exclusão e limitação da cobertura, mas principalmente quanto à cláusula 3ª 2.2 a) da condições gerais do contrato, devem as mesmas ser consideradas excluídas do contrato, nos termos das alíneas a) e b) do artigo 8º do D.L. nº 446/85 e, em consequência, proceder o peticionado nos pontos A e B da p.i. 48ª - O recorrente não rubricou, nem assinou os documentos relativos à simulação do seguro, à nota informativa e às condições gerais do contrato; conforme se constata nos próprios documentos, pelo que, relativamente às cláusulas que constam de tais documentos, há duas hipóteses: ou elas não se podem considerar como fazendo parte da declaração negocial do recorrente, ou terão de se considerar como inseridas após a sua assinatura, para os efeitos da alínea d) do artigo 8º do D.L. nº 446/85; devendo, neste último caos, considerar-se excluídas do contrato e, em ambas as hipóteses, proceder o peticionado nos pontos A e B da p.i. 49ª – Relativamente à cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais, não fosse a mesma de excluir nos termos do referido artigo 8º, sempre ela teria de ser declarada nula, por ser uma cláusula abusiva, nos termos dos artigos 15º e seguintes do D.L. nº 446/85. 50ª – A exclusão de cobertura do seguro, que consta desta cláusula, não é uma exclusão normal, uma vez que exclui a cobertura, não de um tipo de sinistro, mas do próprio bem segurado, ou seja, exclui, ab initio, o próprio objecto do seguro - portanto, ficamos com um contrato de seguro “vazio”, porque nada segura. 51ª – Uma cláusula destas, ao excluir o próprio objecto segurado, da cobertura do seguro, frustra o fim típico do contrato de seguro, em prejuízo do aderente; o que constitui uma das referências básicas para considerar a cláusula contrária à boa fé (artigo 16º b) do D.L. nº 446/85). 52ª – Podendo a matéria de tal cláusula ser também matéria abrangida pela dever de declaração inicial do risco, tal cláusula entra em conflito com o disposto no nº 4 do artigo 26º do D.L. nº 72/2008 (regime jurídico do contrato de seguro), pois interpretando-se o disposto no referido nº 4 do artigo 26º como apenas sendo aplicável se o sinistro tiver efectiva cobertura, o funcionamento do cláusula em crise, ao afastar a cobertura, liberta a seguradora das obrigações de cobertura parcial ou de devolução do prémio. 53ª - Do Por tudo isto, a cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais deve ser julgada abusiva e contrária à boa fé, levando à sua nulidade, nos termos dos artigos 15º e ss. do D.L. nº 446/85 e à consequente procedência parcial do peticionado em A e total do peticionado em B da p.i. 54ª – Acresce que, se for de considerar que o referido nº 4 do artigo 26º não pode ser afastado por disposição das partes, no que respeita aos direitos do segurado, então a cláusula 3º 2.2 a) das condições gerais é contrária à lei e nula, nos termos do artigo 294º do C.C. 55ª – Aspecto central e fundamental em toda esta questão e o facto de que, na fase pre-contratual, que e o momento próprio, o recorrente informou que o edifício era uma estrutura em PVC e fê-lo de tal modo que ate dava a ideia de que ele era constituído a 100% ou, pelo menos, essencialmente por PVC (não há claramente, intenção de omitir este facto). 56ª – O momento próprio para prestar tal informação é “antes da celebração do contrato” e, dentro de tal momento, não haverá ocasião mais adequada para tal do que no pedido de cotação do seguro, por ser facto relevante para o cálculo do prémio. 57ª – A informação de que o edifício era uma estrutura em PVC foi prestada de modo que não escaparia à recorrida e, perante tal informação, é de esperar que a recorrida actue com a diligência exigível a um profissional do ramo, com a dimensão e experiência da mesma – o seu comportamento foi dar uma cotação para o seguro. 58ª – O recorrente, perante isto, só tinha que confiar que a recorrida estava ciente deste facto, que não havia problema e que ela estava disposta a segurar o edifício. 59ª – Perante o facto de que o recorrente informou que o edifício era estrutura em PVC e não teve qualquer intenção de omitir tal facto, perante a confiança gerada pelo comportamento da recorrida, depois dessa informação ter sido prestada, e porque a mesma não podia ignorar, sem culpa, a referida informação, a invocação, agora, de tal cláusula constitui abuso de direito, pelo que não deve ser consentida tal invocação e, ao invés, decidir-se que a cobertura do seguro se verifica no sinistro em causa, determinando-se a procedência total do peticionado em B da p.i. 60ª – O recorrente não estava obrigado a informar o que quer que seja sobre a presença de vegetação ou arvoredo, independentemente da decisão sobre o recurso da matéria de facto, porque a mesma não se justificava e não era relevante; como fica patente e evidente pela observação da fotografia da primeira página dos relatório periciais e da fotografia/figura nº 9 da página 10 do relatório de fls. 81 e ss. - nada há ali que represente um risco para o edifício, que justifique a sua comunicação à seguradora. 61ª – Sem prescindir, caso este tribunal chegue a diferente conclusão sobre a necessidade de prestar tal informação, então o pedido B deduzido na p.i. deve proceder parcialmente, nos termos do disposto na alínea a) do nº 4 do artigo 26º do D.L. nº 72/2008 (regime jurídico do contrato de seguro). 62ª – A sentença recorrida decide que absolver a recorrida dos pedidos contra este formulados, em princípio abrangendo o peticionado nos pontos C e D da p.i., no entanto, não oferece uma única palavra no sentido de explicar e fundamentar porque é que tais pedidos devem improceder - existe, portanto, uma nulidade na sentença nos termos do nº 1 do artigo 615º do C.P.C., seja pelo previsto na alínea b), por não haver fundamentação da decisão quanto aos referidos pedidos C e D, seja pelo previsto na alínea c), porque a decisão quanto a estes pedidos é ininteligível ou, então, pelo previsto na alínea d), porque parece que a tribunal a quo, em termos substantivos, não se pronunciou sobre tais pedidos. 63ª – Existe uma cobertura dos danos pela privação temporária do uso, mas a cláusula única relativamente a esta cobertura, nas condições especiais, restringe de tal modo a mesma, que ela fica reduzida a uma parte ínfima desses danos; pelo que, não fosse de excluir tal cláusula nos termos do artigo 8º, como já se referiu, ela sempre seria nula, por ser contrária à boa fé, ao induzir em erro e consubstanciar uma redução significativa dos direitos contratuais do aderente (artigos 16º e alínea a) do artigo 21º do D.L. nº 446/85). 64ª – Deve antes permanecer em vigor a cobertura em causa, tal como ela surge na apólice de seguro, interpretando-se como tendo a extensão habitual dos danos assim designados e, em consequência, proceder totalmente o peticionado em C da p.i.; pois embora o cálculo deva ser feito pela valor de €400,00, conforme os factos provados, a verdade é que ele acaba por atingir o capital máximo da cobertura em causa, que também consta da apólice. 65ª – Se o pedido C não devesse proceder, seria necessário analisar o pedido subsidiário, deduzido em D da p.i., que se fundamenta-se em responsabilidade contratual por mora no cumprimento da obrigação acessória da recorrida de analisar o sinistro e dar uma resposta, num prazo razoável, sobre o mesmo ao recorrente (princípio da boa fé e nº 2 do artigo 762º do C.C.); pois a recorrida levou seis meses a cumpri-la, sendo adequado, nos termos do artigo 566º nº 3 do C.C., que os danos causados pela mora sejam ressarcidos à razão de €400,00 por mês; assim devendo proceder parcialmente o peticionado em D. Nestes termos, o A./Recorrente pede a V.as Ex.as a revogação da sentença recorrida, decidindo pela procedência integral da presente accao; fazendo-se assim a sempre necessária JUSTICA».
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Contra-alegou a ré, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (ref.ª 36686395).
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª 46083970).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
1.ª – Da(s) nulidade(s) da sentença;
2ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
3ª – Da reapreciação da decisão de mérito:
- Da violação dos deveres de comunicação e de informação previstos nos arts. 5º e 6º do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10;
- Da invalidade formal do contrato de seguro;
- Da nulidade da cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais, dado ser abusiva e contrária à boa fé;
- Da não prestação de declarações/informações inexactas ou reticentes do tomador de seguro, quer aquando da celebração do contrato, quer no decurso da sua execução.
- Da procedência do pedido B) nos termos do disposto no art. 26º, n.º 4, al. a) do RJCS e do pedido C).
- Do pedido subsidiário (no caso de improcedência dos pedidos principais).
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto.
1. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1.1. O A. é proprietário do prédio rústico, denominado ..., sito no lugar da …, freguesia ..., deste concelho de Monção; que confronta a norte e nascente com M. G., a sul com L. R. e a Poente com J. P., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … (cfr. certidão junta com a p.i. a fls. 6 vº).
1.2. Nesse prédio edificou um armazém, com a área de 10x16m, constituído por uma estrutura tubular em aço galvanizado, constituído por 9 asnas de secção circular na cobertura e madres tubulares de secção quadrada; sendo a estrutura das fachadas também do mesmo material, com secção retangulares, quer nos montantes, quer nos elementos horizontais.
1.3. O material de revestimento da cobertura do imóvel era constituído por um material flexível, em manta de PVC, revestida pela sua face interior com espuma de poliuterano.
1.4. O revestimento das fachadas do imóvel era constituído por material que praticamente derreteu no contacto com as chamas, deixando muito poucos vestígios, por ter sido consumido pelo fogo.
1.5. O A. utilizou tal edifício para a guarda de máquinas agrícolas, utilizadas na sua actividade de agricultor, e para cedência de espaço a terceiros para guarda de maquinaria.
1.6. Celebrou contrato de seguro com a Ré, tendo por objecto o referido armazém, actualmente titulado pela apólice ......47.
1.7. Em 15 de Outubro de 2017, Portugal sofreu vários incêndios de larga escala, tendo sido afectado o concelho de Monção.
1.8. Um destes incêndios chegou ao imóvel supra descrito e danificou o edifício descrito supra em 1.2.
1.9. Devido aos danos causados pelo incêndio, o edifício deixou de poder ter qualquer uso e necessita de ser reconstruído.
1.10. O contrato de seguro referido supra em 1.6. tinha, entre outras, as seguintes coberturas: incêndio, raio e explosão, danos por fumo, demolição e remoção de escombros e privação temporária do uso do local.
1.11. O A. participou o sinistro pouco depois de ter ocorrido – cf. doc. de fls. 70
1.12. Apesar de a Ré ter enviado um perito ao local, os meses passaram-se sem que tivesse comunicado ao A. a sua posição perante o sinistro.
1.13. Em Fevereiro, o seu mandatário remeteu carta à Ré, pedindo-lhe uma resolução célere da questão (Doc. 2 junto com a p.i., fls. 7 vº).
1.14. Em 18 de Abril a Ré remeteu ao A. a carta- resposta de fls. 8 vº dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde assume a posição de recusar a compensação dos danos do sinistro, pois, segundo a Ré, o objecto seguro estava excluído da cobertura do seguro com base nos seguintes fundamentos:
a) dizendo que a construção, objecto do seguro, é de “3º risco” “toda em material combustível” e que tal deveria ter sido comunicado à direcção técnica, conforme a alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento;
b) a exclusão prevista na cláusula de exclusão (cláusula 3ª, 2.2, alínea a)) de construções “de reconhecida fragilidade”;
c) incumprimento pelo A. do dever da declaração inicial do risco – cláusula 4ª das condições gerais da apólice;
d) incumprimento negligente do dever de declaração inicial do risco – cláusula 6ª das condições gerais da apólice.
1.15. A Ré invoca ainda um segundo fundamento para a exclusão, referindo que o prédio, onde está implantado o edifício, é rústico, e indicando mais abaixo uma cláusula de exclusão para construções clandestinas (cláusula 3ª, 2.2, alínea b)).
1.16. Através da corretora de seguros X, e mais concretamente na fase preliminar de “Pedido de Cotação para seguro de Multirisco Estabelecimento”, o A. informou o seguinte: “Atividade: Armazém de Alfaias Agrícolas (estrutura do armazém PVC) – cf. doc. de fls. 79-A, vº.
1.17. Tendo a Ré respondido nos termos constantes do email de fls. 79-B vº e 79-C.
1.18. As cláusulas do contrato de seguro, em discussão nestes autos, foram concebidas pela Ré, que as apresentou ao A., sem possibilidade de este negociar qualquer alteração às mesmas, tendo apenas a hipótese de aderir a elas, com o conteúdo pré-determinado pela Ré.
1.19. O A. comunicou o sinistro logo em Outubro de 2017 e ficou à espera que a Ré tomasse uma posição sobre o mesmo até 18 de Abril de 2018.
1.20. O A. não procedeu à reconstrução do edifício, nem propôs acção judicial enquanto a Ré não deu reposta à comunicação.
1.21. Para reparação dos danos sofridos no edifício em causa, através da sua reconstrução, são necessários os trabalhos e obras descritos no anexo do relatório de peritagem de fls. 129 e 130 cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais.
1.22. O custo total dos trabalhos e obras descritos supra ascende a €48.351,90, acrescido de IVA.
1.23. O contrato de seguro em causa nos autos titula um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, opção “Valor Mais”, o qual foi celebrado entre o autor C. C. e aqui ré, a pedido daquele, no dia 01 de Abril de 2014 – cf. docs. de fl.s 28 e ss e 79-F e ss.
1.24. A supra referida e denominada “X – CORRETOR DE SEGUROS, S.A, a qual mediou o contrato de seguro em apreço, trata-se de uma corretora de seguros registada da Y - Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, com a categoria de “Corretor de Seguros”, sob o no ……../3, com autorização para o exercício da actividade nos Ramos Não Vida e Vida – cf. informação de fls. 80.
1.25. Esta entidade actuou e representou o autor perante a ré na celebração deste contrato de seguro e, bem assim, na sua alteração.
1.26. Tal como indicado pelo autor, inicialmente, o contrato de seguro ora em apreço teve como objecto seguro um imóvel cujo local de risco foi identificado como sendo em “...,..., Monção”.
1.27. Este contrato de seguro garantia os riscos previstos nas Condições Especiais da apólice, quando expressamente contratadas e designadas nas Condições Particulares, até aos limites previstos nestas ultimas.
1.28. Assim, entre outras coberturas, o contrato de seguro garantia os danos causados ao imóvel seguro pelo fogo, nos termos das cláusulas 2a e 3a das condições gerais da Apólice: a) “Cláusula 2.ª – Objecto e Garantias do Contrato 1. O presente Contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndio, ainda que tenha havido negligência do Segurado ou de pessoa por quem este seja responsável. 2. Para além da cobertura dos danos previstos no número anterior, o presente Contrato garante igualmente os danos causados no bem seguro em consequência dos meios empregados para combater o incêndio, assim como os danos derivados de calor, fumo, vapor ou explosão em consequência do incêndio e ainda remoções ou destruições executadas por ordem da autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão do incêndio ou de qualquer dos factos anteriormente previstos. 3. Salvo convenção em contrário, o presente Contrato garante ainda os danos causados por acção mecânica de queda de raio, explosão ou outro acidente semelhante, mesmo que não acompanhado de incêndio. 4. A título facultativo, ao abrigo do presente Contrato de Seguro, poderão igualmente ficar garantidos: a) Bens não enquadráveis no n.º 1 da presente Cláusula em relação aos riscos de Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio e Explosão, nos termos previstos nos números anteriores; b) Outros riscos para além dos acima referidos, nos termos previstos nas respectivas Condições Especiais e Condições Particulares da Apólice. b) Cláusula 3.ª – Exclusões 1. Exclusões aplicáveis à Cobertura Obrigatória de Incêndio Excluem-se da garantia obrigatória do seguro, designadamente do risco de Incêndio previsto no n.º 1 da Cláusula anterior, os danos que derivem, directa ou indirectamente, de: a) Guerra, declarada ou não, invasão, acto de inimigo estrangeiro, hostilidades ou operações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião ou revolução; b) Levantamento militar ou acto do poder militar legítimo ou usurpado; c) Confiscação, requisição, destruição ou danos produzidos nos bens seguros, por ordem do governo, de direito ou de facto, ou de qualquer autoridade instituída, salvo no caso de remoções ou destruições previstas no n.º 2 da Cláusula 2.ª; d) Greves, tumultos e alterações da ordem pública, actos de terrorismo, vandalismo, maliciosos ou de sabotagem; e) Explosão, libertação do calor e irradiações provenientes de cisão de átomos ou radioactivas e ainda os decorrentes de radiações provocadas pela aceleração artificial de partículas; f ) Incêndio decorrente de fenómenos sísmicos, tremores de terra, terramotos e erupções vulcânicas, maremotos ou fogo subterrâneo; g) Efeitos directos de corrente eléctrica em aparelhos, instalações eléctricas e seus acessórios, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela electricidade atmosférica, tal como a resultante de raio, e curto-circuito, ainda que nos mesmos se produza incêndio; h) Actos ou omissões dolosas do Tomador do Seguro, do Segurado ou de pessoas por quem estes sejam civilmente responsáveis; i) Lucros cessantes ou perda semelhante; j) Extravio, furto ou roubo dos bens seguros, quando praticados durante ou na sequência de qualquer sinistro coberto. 2. Exclusões aplicáveis às restantes coberturas e à própria cobertura de incêndio quando contratada como seguro facultativo 2.1. Ao abrigo do presente Contrato ficam excluídos, na parte relativa às restantes coberturas e à própria cobertura de incêndio, quando contratada como seguro facultativo nos termos previstos no n.º 4 da Cláusula 2.ª, as perdas ou danos que derivem, directa ou indirectamente, de: a) Guerra, declarada ou não, invasão, acto de inimigo estrangeiro, hostilidades ouoperações bélicas, guerra civil, insurreição, rebelião e revolução, bem como os danos causado acidentalmente por engenhos explosivos ou incendiários; b) Actos de terrorismo e / ou de sabotagem, como tal tipificados na legislação penal portuguesa vigente; c) Levantamento militar ou acto de poder militar legítimo ou usurpado; d) Confiscação, requisição, destruição ou danos produzidos nos bens seguros, por ordem do governo ou de qualquer autoridade instituída, salvo quando praticados com o fim de salvamento em razão de qualquer risco coberto pelo contrato; e) Explosão, libertação de calor e irradiações provenientes de cisão de átomos ou radioactividade e ainda os decorrentes de radiações provocadas pela aceleração artificial de partículas; f) Reparação, remoção, uso ou exposição ao amianto e seus derivados, quer tenha ou não existido outra causa que tenha contribuído concorrentemente para a produção do dano; g) Poluição ou contaminação de qualquer espécie; h) Actos ou omissões intencionais, praticados pelo Segurado ou por pessoas por quem seja civilmente responsável, com o objectivo de produzir um dano; i) Acidentes consequentes de embriaguez, demência, alcoolismo ou uso de estupefacientes por parte do Segurado; j) Furto, roubo ou extravio de objectos seguros quando praticados durante ou na sequência de qualquer outro sinistro coberto pelo contrato; k) Acção da luz ou de uma fonte de calor, em estampas ou quadros seguros; l) O valor estimativo ou depreciação de uma colecção em virtude de ficar desfalcada de alguma unidade.
2.2. De igual modo, não ficam garantidos os danos: a) Em construções de reconhecida fragilidade (tais como de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, nos edifícios que se encontrem em estado de reconhecida degradação no momento da ocorrência e, ainda, em quaisquer objectos que se encontrem no interior dos mesmos edifícios ou construções; b) Sofridos por edifícios de construções clandestinas, entendendo-se como tal àquelas que não tenham sido previamente legalizadas pelas autoridades competentes, quando o próprio sinistro ou o agravamento das suas consequências tenha origem em tal facto; c) Resultantes de trabalhos de reparação, beneficiação ou reconstrução do edifício seguro ou do local onde se encontrem os bens seguros, bem como os causados em edifícios contíguos ou adjacentes, salvo quando esta situação tenha sido previamente comunicada ao Segurador e por este aceite. 2.3. Salvo expressa convenção em contrário nas Condições Particulares, não ficam igualmente garantidas as perdas ou danos que derivem directa ou indirectamente de: a) Actos de grevistas e distúrbios laborais, bem como os actos de vandalismo, mesmo que deles resultem danos eventualmente abrangidos por outra cobertura; b) Efeitos directos de corrente eléctrica em aparelhos, instalações eléctricas e seus acessórios, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela electricidade atmosférica, tal como a resultante de raio, e curto-circuito, ainda que nos mesmos se produza incêndio; c) Incêndio decorrente de fenómenos sísmicos, tremores de terra, terramotos e erupções vulcânicas, maremotos ou fogo subterrâneo; d) Prejuízos indirectos, tais como a perda de lucros ou rendimentos; e) De carácter estético originados pelo facto dos bens afectados pelo sinistro não apresentarem, após reparação, a mesma textura, coloração, aspecto visual, tamanho ou formato em relação aos restantes bens seguros danificados. 2.4. O contrato também não garante quaisquer outros riscos previstos nas Condições Especiais que não tenham sido expressamente contratados pelo Tomador do Seguro e designados nas Condições Particulares.”
1.29. O capital máximo em risco para a cobertura de INCÊNDIO correspondia, à data da celebração deste contrato de seguro, ao montante de 130.000,00€, sem franquia.
1.30. No dia 6 de Outubro de 2014, o autor solicitou à ré uma alteração ao contrato de seguro exclusivamente ao nível do local de risco passando do local “..., ..., Monção” para Lugar de ... – ... – ..., ..., Monção, com as seguintes confrontações: Norte: Estrada Nacional; Sul: M. S.; Este: Terreno Agrícola; Oeste: Terreno Agrícola – cf. doc. de fls. 47 e ss.
1.31. Esta alteração ao contrato de seguro, que foi aceite pela ora Ré, foi igualmente levada a efeito por intermédio da corretora X, corretora que representou o autor nesta modificação do contrato.
1.32. À data da ocorrência do sinistro invocado nos autos, o local de risco previsto na sobredita apólice era o descrito supra em 1.30., sendo que, fruto dos sucessivos aumentos convencionados de capital e premio de 3%, na respectiva data de vencimento, o capital máximo em risco para a cobertura de INUNDAÇÕES correspondia ao montante de 142.054,51€, sem franquia.
1.33. O edifício seguro situava-se próximo de uma zona circundada por vegetação baldia.
1.34. As zonas arbóreas envolventes, as mais distantes situadas a escassos 10/15 metros do armazém, encontravam-se completamente carbonizadas como consequência do incêndio florestal que vigorou e que atingiu o local seguro.
1.35. O armazém ora em apreço tinha resultado totalmente destruído em consequência do incêndio advindo da zona florestal envolvente, cuja propagação rápida e incontrolável das chamas o acabou por atingir.
1.36. Após o acidente, a estrutura do indicado armazém, que era constituída nos termos supra descritos em 1.2., 1.3. e 1.4., apresentava um grau de dano generalizado, com destruição total dos materiais, ficando apenas erguida a estrutura metálica do mesmo, embora bastante oxidada.
1.37. O armazém em apreço nos presentes autos resultou destruído na sequência do incêndio.
1.38. O armazém aqui em apreço consubstanciava um imóvel em que, em termos de área e volume de construção, os materiais de construção ditos resistentes ou não combustíveis eram na ordem dos 20% e os materiais combustíveis eram na ordem dos 80%.
1.39. Quer aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações, o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes – cf. doc. de fls. 33.
1.40. Aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma nota informativa com o resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato, sendo ainda certo que no acto da celebração do contrato de seguro foram colocadas à disposição do A., as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos – cf. doc. de fls. 33.
1.41. O autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente as características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.
1.42. A Ré colocou no seu portal informático, acessível à corretora X, as condições gerais da apólice de seguro, além de também lhas ter entregue em papel.
1.43. Nos termos do preceituado na condição especial de Privação Temporária de Uso do Local, em caso de sinistro coberto pelo Contrato que origine privação temporária de uso do local de risco o Segurador indemnizará o Segurado, dentro dos limites para o efeito fixados nas Condições Particulares, pelas despesas que o mesmo tiver razoavelmente de incorrer com o transporte dos objectos seguros não destruídos e respectivo armazenamento, ou com o exercício provisório da actividade noutro local.
1.44. O armazém sinistrado não foi objecto de processo de licenciamento, designadamente para a sua construção.
1.45. Todas as fachadas do armazém do autor derreteram e desapareceram na totalidade.
1.46. Aquando da alteração do contrato de seguro quanto ao local de risco – cf. doc. de fls. 47 e ss – o A., por intermédio da corretora de seguros “X”, não informou a Ré das características do imóvel a segurar pela apólice, designadamente quanto à natureza e composição dos seus elementos estruturais e materiais, e ainda que o mesmo estava construído próximo de uma zona arbórea densa.
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2. E deu como não provados os restantes factos alegados, designadamente:
2.1. O edifício em causa era, no essencial, constituído por armações e placas de metal, as fachadas eram revestidas com painéis “sandwich” com recheio de espuma modificada, com 25 milímetros de espessura, e a cobertura do mesmo não era em placas de alumínio e PVC.
2.2. À data do sinistro / incêndio, aquele espaço estava a ser utilizado por uma empresa espanhola, para guarda de maquinaria, pagando o montante de €600,00 mensais a título de renda.
2.3. O A. desconhece, e nunca lhe foi comunicado, antes ou depois da celebração do contrato, o que seja 3º risco, o que consta da alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento, ou qualquer cláusula de exclusão da cobertura, incluindo a referida cláusula 3ª, 2.2, alínea b).
2.4. Do mesmo modo não lhe foram comunicadas as cláusulas 4ª e 6ª, também referidas na carta da Ré, relativas ao dever de declaração inicial de risco e respectiva responsabilidade.
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V. Fundamentação de direito.
1. Nulidades da sentença com fundamento nas als. b), c) e d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Sustenta o recorrente que a sentença recorrida é nula, porquanto decidiu absolver a recorrida dos pedidos contra esta formulados sob os pontos C e D sem que tenha oferecido uma única palavra no sentido de explicar e fundamentar porque é que tais pedidos devem improceder, seja por não haver fundamentação da decisão quanto aos referidos pedidos C e D, seja por a decisão quanto a estes pedidos ser ininteligível, seja porque parece que o tribunal a quo, em termos substantivos, não se pronunciou sobre tais pedidos.
Como é sabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC (1).
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito (2).
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.
Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula (entre o mais) quando:
«b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível». d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
A nulidade prevista na al. b) está relacionada com o dever de fundamentação que decorre do princípio enunciado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no art. 154.º, n.º 1, do CPC, onde se diz que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo essa justificação/fundamentação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2 do art. 154º).
Como tem sido reiteradamente apontado pela doutrina (3) e jurisprudência (4), só integra o apontado vício a falta absoluta de fundamentação da sentença, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, incompleta, medíocre, não convincente ou mesmo errada.
No tocante à nulidade enunciada na al. c) – oposição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, trata-se de um vício lógico da sentença/decisão que a compromete; «se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença» (5). Não se trata de um simples erro material (em que o juiz, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia escrever - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real) (6). O que não é, também, confundível com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, nem, tão pouco, a uma errada interpretação desta, vícios estes só sindicáveis em sede de recurso jurisdicional (7). Na verdade, quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade (8).
Por último, como vício de limites, a nulidade de sentença enunciada na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Esta nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada (9).
Doutrinária (10) e jurisprudencialmente (11) tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)” (12).
O juiz não tem, por isso, que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente (13).
Por outro lado, não há omissão de pronúncia sempre que a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada (14).
Analisando a sentença impugnada constata-se que a Mmª Juíza “a quo” julgou improcedente a ação, quer por considerar verificada a excepção de cobertura prevista na cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais do contrato, quer por o autor ter prestado declarações inexatas ou reticentes sobre factos relevantes na avaliação do risco, concluindo, pois, que a Ré não se mostrava obrigada a cobrir o sinistro dos autos, nos termos da alínea b) do n.º 4 da cláusula 6ª das condições gerais da apólice e, bem assim, nos termos dos arts. 26º e 91º do RJCS.
Embora seja certo que não se tenha expressa e especificadamente pronunciado sob o pedido formulado sob a al. C), não menos verdade é que, ao concluir e decidir pela verificação de uma causa de exclusão da cobertura do contrato de seguro, aquela questão, embora aparentemente omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria atinente à inexistência da obrigação da ré seguradora de cobrir o sinistro dos autos,
Nesta conformidade, relativamente ao pedido objeto da al. C) a sentença recorrida não padece das apontadas nulidades.
Já no tocante ao pedido formulado sob a al. D), ter-se-á de concluir pela verificação da nulidade prevista na 1ª parte da al. d), do n.º 1 do art. 615º do CPC, posto que, tendo concluído pela improcedência dos pedidos principais, a sentença omitiu qualquer pronúncia sobre o pedido subsidiário.
Conforme resulta do n.º 1 do art. 554º do CPC, as partes podem formular pedidos subsidiários, entendendo-se como tal “o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior”.
Ou seja, quando propõe a ação, o autor tem em vista um determinado propósito que exara na petição. Pode, porém, suceder que tenha dúvidas objetivas quanto à admissibilidade ou sucesso da sua pretensão. Nesse caso, em vez de correr o risco da improcedência e da necessidade de instaurar nova ação em que deduza outra pretensão, o autor pode logo deduzir na petição inicial os dois ou mais pedidos. Mas porque tem preferência por um deles, formula-o em primeiro lugar, sendo esse o pedido que o tribunal vai analisar e decidir prioritariamente, só se debruçando sobre o pedido subsidiário (ou seja, o apresentado em segundo lugar), se concluir pela improcedência do primeiro ou se, por qualquer motivo, houver desistência do pedido principal ou absolvição da instância nessa parte (15).
Os pedidos subsidiários são, pois, pedidos condicionais por se encontrarem sujeitos á condição suspensiva de improcedência do pedido principal (16).
Ora, tendo concluído pela (total) improcedência dos pedidos principais, impunha-se à Mm.ª Julgadora “a quo” analisar e decidir o pedido subsidiário formulado sob a al. d) em obediência ao estabelecido no n.º 1 do art. 554º do CPC.
Não o tendo feito, a sentença recorrida enferma, nessa parte, da nulidade, por omissão de pronúncia [art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do CPC].
Procedendo a nulidade arguida pelo recorrente, e caso venha a improceder a apelação no tocante à impugnação que faz aos pedidos principais da ação, nada obsta a que este Tribunal de recurso, substituindo-se ao tribunal recorrido (art. 665º do CPC), se pronuncie sobre a pretensão em apreço (pedido subsidiário), sendo certo que as partes tiveram já oportunidade de exercer o direito ao contraditório [uma vez que a questão foi colocada em sede de alegações de recurso pelo recorrente, que, ao argui-la, não podia deixar de integrar (como, de resto, não deixou), de forma imediata, os fundamentos dessa impugnação e a recorrida, nas contra-alegações apresentadas, teve oportunidade de quanto a essa matéria se pronunciar], mostrando-se, pois, desnecessária qualquer ulterior notificação para esse efeito (17).
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2. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que seja decididos de modo diverso, a resposta que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à transcrição dos excertos que considera relevantes, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado art. 640º.
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2.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (18):
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
- a demonstração da realidade de factos a que tende a prova (art. 341º do Cód. Civil) não é uma operação lógica, visando uma certeza absoluta. “A provavisa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto” (19). O mesmo é dizer que “não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança” (20).
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2.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o recorrente pretende:
i) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 1.38 e 1.33 dos factos provados da decisão recorrida
ii) - O aditamento à matéria de facto provada de diversos factos (1.38-A, 1.47 e 1.48);
iii) - A modificação/alteração de redação da resposta positiva aos pontos 1.34, 1.46, 1.39, 1.40 e 1.26 dos factos provados da decisão recorrida.
iv) A eliminação dos pontos 2.3 e 2.4 dos factos não provados da decisão recorrida.
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Vejamos, circunstanciadamente, cada um dos factos impugnados.
2.3.1. - Da alteração da resposta positiva para negativa do ponto 1.38 dos factos provados da decisão recorrida e aditamento de um novo ponto fáctico ao elenco dos factos provados (conclusões 2ª a 18ª).
O referido ponto fáctico tem a seguinte redação:
«1.38. O armazém aqui em apreço consubstanciava um imóvel em que, em termos de área e volume de construção, os materiais de construção ditos resistentes ou não combustíveis eram na ordem dos 20% e os materiais combustíveis eram na ordem dos 80%».
Aditamento pretendido:
1.38-A. O armazém aqui em apreço, em termos de área e volume, era constituído por materiais não combustíveis na ordem dos 60% e em materiais combustíveis na ordem dos 40%.
À semelhança do propugnado na motivação da matéria de facto da sentença recorrida, decisivo à resposta do ponto fáctico em apreço é a prova pericial, de composição colegial, produzida nos autos, cujo resultado foi unânime, complementada quer com os esclarecimentos escritos (cfr. fls. 100 a 104, 124 a 130, 135 e 136), quer com os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento.
Apesar da aparente contradição entre o item 14 do relatório inicial e o item 9 dos esclarecimentos escritos de fls. 103 e 104, os esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência de julgamento permitem inequivocamente concluir no sentido de inexistir a apregoada contradição, dado as respostas em causa não versarem sobre o mesmo parâmetro.
Para tanto urge ter presente o seguinte:
- na resposta ao quesito 14 (21) formulado pela Ré, a fls. 87 dos autos, os Srs. Peritos referiram ser “(…) de parecer que os materiais combustíveis em termos de área seriam na ordem dos 80%.”
- em sede de esclarecimentos escritos, na resposta ao quesito 9, de fls. 103 e 104 dos autos, os peritosreferiram que:
“(…) consideram que as percentagens do edifício são as seguintes: Partes combustíveis – São elementos de revestimento das fachadas e da cobertura – 40% da obra Partes não combustíveis – Sã a estrutura metálica das fachadas e cobertura, pavimento em betão e pedras de soco – 60% Das partes não combustíveis as percentagens são: Percentagem da parte metálica – 50% Placa de cimento / pavimento em betão e pedras de solo – 10%”.
Por sua vez, em sede de audiência de julgamento, esclareceram os Srs. Peritos não existir qualquer contradição porquanto:
- na primeira resposta (fls. 87), referem que, quanto à composição da construção do armazém, tendo em conta a sua área, 80% era em material combustível;
- na segunda resposta objeto de esclarecimento (fls. 104), as percentagens aí estabelecidas são com referência a outro parâmetro diferente do da composição da construção do armazém em termos de área (que subjaz à primeira resposta); nessa segunda resposta, o parâmetro atendível foi o do valor do custo da obra (ou do custo da recuperação ou do valor dos trabalhos), sendo que 60% do custo da obra é para as partes não combustíveis e 40% para as partes combustíveis.
Termos em que, dissipada cabalmente que se mostra a aparente contradição, com base na prova pericial produzida nos autos é de manter inalterada a resposta ao ponto impugnado (1.38), do mesmo modo improcedendo o aditamento à matéria de facto provada do ponto fáctico que o recorrente propugna na conclusão 18ª.
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2.3.2. - Da alteração da resposta positiva para negativa do ponto 1.33 dos factos provados e da modificação/alteração de redação da resposta aos pontos 1.34 e 1.46 dos factos provados.
Aos aludidos pontos fácticos corresponde a seguinte redação:
«1.33. O edifício seguro situava-se próximo de uma zona circundada por vegetação baldia. 1.34. As zonas arbóreas envolventes, as mais distantes situadas a escassos 10/15 metros do armazém, encontravam-se completamente carbonizadas como consequência do incêndio florestal que vigorou e que atingiu o local seguro». «1.46. Aquando da alteração do contrato de seguro quanto ao local de risco – cf. doc. de fls. 47 e ss – o A., por intermédio da corretora de seguros “X”, não informou a Ré das características do imóvel a segurar pela apólice, designadamente quanto à natureza e composição dos seus elementos estruturais e materiais, e ainda que o mesmo estava construído próximo de uma zona arbórea densa».
Lida (e relida) a motivação da matéria de facto da sentença recorrida, não se vislumbra em que meios probatórios a Mmª Juíza “a quo” se alicerçou para dar como demonstrado que o edifício seguro estava localizado próximo de uma zona dominada por vegetação baldia.
Aliás, sem quebra do devido respeito, na referida motivação, não obstante enunciar os diversos meios de prova produzidos e de os valorar criticamente, certo é que a Mmª Julgadora não fez qualquer correspondência ou conexão entre os factos provados e não provados e os elencados meios probatórios que tiveram esse(s) facto(s) como objeto, pelo que fica sem se perceber quais os concretos meios probatórios que fundamentaram as respostas da matéria de facto.
Tal procedimento, além de não dar cabal cumprimento à fundamentação da matéria de facto, não permite que, através da mera leitura da mesma, qualquer pessoa (incluindo as partes, os respetivos mandatários ou este Tribunal superior que julga em recurso) possa aferir quais os concretos meios probatórios em que o tribunal recorrido se baseou para considerar determinado facto como provado (ou não provado), além de dificultar, substancialmente, quer o trabalho do(s) recorrentes na impugnação da decisão da matéria de facto, quer deste Tribunal Superior.
Sem embargo do antecedentemente afirmado, este Tribunal não deixou de proceder à audição integral da prova testemunhal produzida a fim de formar uma convicção autónoma sobre a prova produzida.
E, no tocante àquele concreto facto impugnado, somos levados a concordar com o recorrente no sentido de não ter sido feita prova suficiente sobre tal materialidade fáctica.
Em bom rigor, o único elemento probatório que de algum modo versa sobre o referido facto reconduz-se às fotografias do edifício objecto do seguro e da sua envolvente, antes e depois do sinistro, que constam dos relatórios periciais, designadamente de fls. 81, 89, 90, 100 e 124, bem como das fotografias juntas com a contestação de fls. 53 v.º a 56 (a maior parte delas retratando o estado em que ficou o armazém após o incêndio).
Das diversas fotografias juntas não é por si só possível retirar que o edifício seguro se situava próximo de uma zona circundada por vegetação baldia, como também não resulta que as mais distantes zonas arbóreas envolventes se encontravam situadas a escassos 10/15 metros do armazém.
Aliás, apesar de inquirida em audiência de julgamento a testemunha L. F., perito averiguador que, a mando da ré, se deslocou ao local a fim de proceder a uma averiguação destinada a apurar as causas e consequências dos factos em apreço, a verdade é que a mesma nem sequer foi instada sobre tais questões.
Nesta conformidade, impõe-se nesta parte a procedência da impugnação da matéria de facto, pelo que o ponto 1.33, obtendo a resposta de não provado, deverá ser transferido para o elenco da matéria de facto não provada.
Por sua vez, os pontos 1.34 e 1.46, carecendo de uma resposta restritiva, passarão a vigorar com a seguinte redação:
1.34. As zonas arbóreas envolventes encontravam-se completamente carbonizadas como consequência do incêndio florestal que vigorou e que atingiu o local seguro.
1.46. Aquando da alteração do contrato de seguro quanto ao local de risco – cf. doc. de fls. 47 e ss –, o A., por intermédio da corretora de seguros “X”, não informou a Ré das características do imóvel a segurar pela apólice, designadamente quanto à natureza e composição dos seus elementos estruturais e materiais.
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2.3.3. - Da modificação/alteração de redação da resposta positiva aos pontos 1.39 e 1.40 dos factos provados e da eliminação dos pontos 2.3 e 2.4 dos factos não provados.
Os referidos pontos fácticos têm a seguinte formulação: «1.39. Quer aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações, o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes – cf. doc. de fls. 33. 1.40. Aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma nota informativa com o resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato, sendo ainda certo que no acto da celebração do contrato de seguro foram colocadas à disposição do A., as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos – cf. doc. de fls. 33». «2.3. O A. desconhece, e nunca lhe foi comunicado, antes ou depois da celebração do contrato, o que seja 3º risco, o que consta da alínea m) da Tarifa MR Estabelecimento, ou qualquer cláusula de exclusão da cobertura, incluindo a referida cláusula 3ª, 2.2, alínea b). 2.4. Do mesmo modo não lhe foram comunicadas as cláusulas 4ª e 6ª, também referidas na carta da Ré, relativas ao dever de declaração inicial de risco e respectiva responsabilidade».
Respostas pretendidas:
Ponto 1.39: “Aquando da celebração do contrato, o A. teve acesso parcial às principais características, âmbito das garantias prestadas e exclusões constantes do contrato; sendo que, quanto à cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais, foram-lhe prestadas informações divergentes”.
Ponto 1.40: “Aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma nota informativa com o resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato”.
Diversamente do propugnado pelo recorrente, adianta-se desde já que as respostas impugnadas deverão manter-se.
Desde logo, assim o impõe o depoimento da testemunha M. R., profissional de seguros na corretora X - com o esclarecimento de que o autor, além de cliente, também é agente mediador da X (também vende e celebra contratos de seguros, quer multirriscos, habitação, automóvel) -, a qual procedeu à contratação do seguro objeto dos autos em representação do autor, sendo que o contrato visava segurar um armazém onde eram guardadas alfaias agrícolas, tendo sido a testemunha quem fez o pedido de cotação à Ré, por escrito, indicando, por lapso, como local de risco a residência fiscal do tomador de seguro (cfr. doc. de fls. 79-A/vº). Após o contrato ter sido aceite e de emitida a apólice, o próprio A. apercebeu-se que a morada indicada não estava correta e a X pediu, por email, a alteração do local do risco (reportando-se ao pedido de alteração datado de 6/10/2014, cuja cópia consta de fls. 47 e 48, o qual não foi preenchido pela testemunha).
Por outro lado, no tocante à proposta do seguro de fls. 33, que se mostra assinada pelo Autor, enquanto cliente/tomador de seguro, e pela testemunha, como mediadora, no qual aquele declarou terem-lhe sido prestadas todas as informações, a testemunha M. R. foi explícita ao referir que o cliente assinou porque aceitou as condições que lhe foram por si comunicadas, tendo-lhe dado conhecimento “de todas as condições”.
Mais referiu que, normalmente, são entregues ao cliente os recibos e as condições particulares da apólice, delas constando a menção da existência de condições gerais, que entregam ao cliente se este o solicitar.
A estas considerações acresce o facto de o autor há já vários anos desenvolver a actividade de agente mediador de seguros, pelo que está plenamente familiarizado com as condições contratualizadas, bem sabendo, aliás, que os documentos respeitantes às condições, normalmente, são sempre informatizados, estando disponíveis no site da companhia seguradora. Está igualmente familiarizado com os deveres de informação que impendem sobre as seguradoras ou agentes mediadores (como é o seu caso), quer nos preliminares, quer na celebração, quer na execução dos contratos.
Ora, no caso, a declaração de fls. 33, assinada pelo autor/tomador de seguro, é explícita ao declarar “que lhe foram prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do (…) contrato de seguro, nomeadamente as suas principais características, âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes (…), bem como ter recebido a “Nota Informativa” com um resumo das Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao contrato”, e que lhe foram “explicadas e colocadas à disposição, no acto da celebração do contrato, as Condições Gerais aplicáveis à Apólice de Seguro”, tomando “ainda conhecimento que, para sua maior comodidade, as mesmas se encontram ainda disponíveis, a todo o tempo, para consulta ou impressão no sítio da internet (…)”.
Assim, conjugando quer o depoimento da testemunha M. R., quer o conteúdo dos supra referidos documentos, assim como o facto de o autor exercer a actividade de mediador de seguros, é de secundar a convicção do tribunal recorrido no tocante aos pontos factos impugnados, motivo por que improcede, nesta parte, a deduzida impugnação.
*
2.3.4. - Da modificação/alteração de redação da resposta positiva ao ponto 1.26 dos factos provados.
Ponto impugnado:
«1.26. Tal como indicado pelo autor, inicialmente, o contrato de seguro ora em apreço teve como objecto seguro um imóvel cujo local de risco foi identificado como sendo em “...,..., Monção”».
Resposta pretendida:
“O seguro em causa nos autos teve como objecto um edifício, cujo endereço foi indicado, por lapso, como sendo em ..., .... Monção; mas depois foi rectificado para um endereço em ..., ..., Monção; sendo que o edifício objecto do contrato foi sempre um e o mesmo”.
Como resulta da explicitação referente ao pontos antecedente (2.3.3.), aquando da celebração do seguro foi indicado, por lapso, que o local de risco correspondia à morada fiscal do segurado, “..., ..., Monção”, sendo que o A., através da X, providenciou pela alteração logo que se apercebeu desse involuntário lapso. Para tanto, foi formulado o pedido de alteração constante de fs. 47 e 48, de modo a alterar o local de risco do imóvel segurado.
Contudo, não obstante a testemunha M. R. ter referido ter-se tratado de um lapso a primitiva indicação local de risco e que o pedido de alteração se destinava a retificar esse lapso, certo é que não decorre dos autos que esse lapso tenha sido comunicado à ré seguradora ou que esta dele tenha tido conhecimento por qualquer meio, posto que no pedido de alteração formalizado através do documento de fls. 47 e 48 não é feita qualquer menção ao apontado lapso, não se depreendendo tratar-se da retificação de erro constante do contrato inicial, tão só se aludindo à solicitação da alteração do local de risco para a seguinte morada:
“Lugar de ... – ... – ..., ..., Monção”, com as seguintes confrontações: “Norte: Estrada Nacional; Sul: M. S.; Este: Terreno Agrícola; Oeste: Terreno Agrícola”.
Deste modo, como bem refere a recorrida, independentemente do conhecimento que a testemunha M. R. tinha a respeito da alegada intenção do autor, aquando do preenchimento da proposta de alteração ao contrato de seguro de fls. 47 e ss., isso em nada releva quanto ao conhecimento que a recorrida tinha a respeito dos mesmos factos, porquanto o autor nunca lhe transmitiu que pretendia simplesmente proceder a uma rectificação de um erro contido no primitivo contrato.
Assim sendo, é de manter inalterada a resposta ao ponto 1.26 dos factos provados.
*
2.3.5. - Do aditamento ao elenco dos factos provados.
Propugna o recorrente que se adite aos factos provados um ponto 1.47 com o seguinte texto:
“O documento de onde constam as condições gerais e especiais do contrato, a nota informativa e a simulação do seguro não se encontram rubricadas ou assinadas pelo A. em nenhuma das suas páginas, inclusive a última”.
Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a referida facticidade não foi por si alegada, daí que se mostre justificada a não pronúncia do Tribunal recorrido sobre a mesma.
Sempre se dirá que, conforme resulta do depoimento da testemunha M. R., em conjugação com a proposta do seguro de fls. 33, que se mostra assinada pelo Autor, este aceitou todas as condições contratuais, as quais lhe foram comunicadas pela referida testemunha e de que o autor também tem conhecimento por força da actividade de mediador de seguros que exerce.
De resto, o que releva é o que consta do ponto 1.41 dos factos provados, donde resulta que o autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração que eram omissas relativamente as características técnicas construtivas do imóvel aqui em apreço.
Termos em que improcede o ponto impugnado.
*
2.3.6. - Defende, igualmente, o recorrente que deve ser aditado ao elenco dos factos provados um ponto 1.48 com o seguinte texto:
“A renda de mercado para o arrendamento de um imóvel com as características daquele em causa nestes autos é de €400,00 mensais”.
Lida a petição inicial, o requerimento de ampliação do pedido, bem como o incidente de liquidação, em lado algum o autor alegou a referida facticidade.
Alegou sim que, à data do sinistro/incêndio, o armazém objecto do contrato de seguro estava a ser utilizado por uma empresa espanhola, para guarda de maquinaria, pagando o montante de €600,00 mensais a título de renda (cfr. art. 8º da p.i).
Sucede que, em face da insuficiência da prova produzida, o referido facto não resultou provado (cfr. ponto 2.2 dos factos não provados), não tendo esta resposta sequer sido impugnada.
Ora, recentrando-nos no ponto fáctico que o recorrente pretende, agora, ver aditado, não se tratando de um facto instrumental ou complementar ou concretizador dos que hajam sido alegados, mas sim de um facto essencial tendente a fundamentar o seu direito a uma indemnização pela privação do uso do imóvel, não estava o autor dispensado de tempestivamente o alegar para, uma vez submetido à produção de prova, o Tribunal ficar habilitado (e vinculado) a responder à referida facticidade.
Não se tendo verificado o respetivo ónus de alegação, estava o Tribunal recorrido (bem como este Tribunal de recurso) impedido de o tomar em consideração.
Termos em que improcede este ponto da impugnação da matéria de facto.
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2.4. Em suma, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto nos termos supra explicitados (22).
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3. Reapreciação da decisão de mérito.
3.1. - Discute-se nos autos se o evento danoso que atingiu um armazém do autor/recorrente – incêndio advindo de zona florestal adjacente que destruiu o referido armazém – se encontra, ou não, coberto pela garantia do seguro “Multirrisco Estabelecimento”, titulado pela apólice n.º 000347014, que o autor celebrou com a Ré seguradora.
A sentença recorrida decidiu pela improcedência da ação quer por ter julgado verificada a excepção de cobertura prevista na cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais do contrato, ao considerar que 80% do edifício seguro era constituído por materiais não resistentes ou combustíveis, quer por a Ré não se mostrar obrigada a cobrir o sinistro dos autos, nos termos da alínea b) do n.º 4 da cláusula 6ª das condições gerais da apólice e, bem assim, nos termos dos arts. 26º e 91º do RJCS.
Discorda o recorrente/autor do assim decidido, defendendo, além do mais, que as referidas causas de exclusão deverão ter-se por excluídas do contrato de seguro, por terem sido violados os deveres de informação previstos nos arts. 5º e 6º do Dec. Lei n.º 446/85, por não ter rubricado, nem assinado os documentos relativos à simulação do seguro, à nota informativa e às condições gerais do contrato, o que releva para efeitos da alínea d) do art. 8º do D.L. n.º 446/85, por ser nula a cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais, dado ser abusiva e contrária à boa fé, mais rejeitando que tenha prestado declarações/informações inexactas ou reticentes, quer aquando da celebração do contrato, quer no decurso da sua execução.
Não se mostra controvertido estarmos no âmbito de um contrato de seguro multi-riscos.
Como é sabido, o contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes (a seguradora) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (o segurado), a assumir determinado risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado (23).
Trata-se do “contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto” (24).
Por regra, o seguro configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático – por dele emergirem obrigações para ambas as partes, visto a prestação da seguradora consistir na assunção do risco, por contrapartida do recebimento do prémio –, oneroso – dele resulta para ambas as partes uma atribuição patrimonial e um correspetivo sacrifício patrimonial, materializados no pagamento do prémio pelo tomador de seguro e na prestação indemnizatória ou convencionada a cargo do segurador – e de execução continuada – a sua execução prolonga-se no tempo (25). Usualmente, é também um contrato de adesão (26), pois a vinculação do segurado faz-se através da subscrição de um esquema contratual preestabelecido pelo segurador, consubstanciado nas condições gerais das apólices.
Trata-se de um contrato tipicamente aleatório, “porquanto a obrigação contraída por uma das partes (o segurado) é certa, enquanto a obrigação principal assumida pela outra parte (a seguradora) é incerta, além de futura”. Ao concluir o contrato, o tomador do seguro sabe que tem de pagar o prémio, já o segurador não sabe se terá de realizar a prestação convencionada, porque não sabe se se verificará o evento previsto (27). O que significa que não envolve necessariamente um equilíbrio de prestações entre as partes, que tem inerente um risco de uma ou outras das partes perder dinheiro. Na verdade, se não ocorrer sinistro, o segurador ganha e o tomador perde; mas se houver sinistro acontece o contrário (28).
Do ponto de vista da forma, determina o art. 32º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16/04 (29) (doravante, abreviadamente, designado por RJCS), que a validade do contrato de seguro não depende da observância de forma especial.
A outorga do contrato de seguro resultará, em regra, da subscrição de uma proposta que seja aceite pela seguradora. Mas pode assentar também numa troca de correspondência entre o tomador do seguro e a seguradora (30).
Contudo, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal, o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro (e que é integrada pelas condições gerais, especiais e particulares acordadas), e a entregá-lo ao tomador de seguro.
A apólice deve ser datada e assinada pelo segurador (n.º 3 do mesmo artigo).
Continua, assim, a ser exigida a redução a escrito da apólice para efeitos de prova do contrato de seguro e não da sua validade (31) (32).
No art. 1º do RJCS dispõe-se sobre o conteúdo típico do contrato de seguro, dizendo-se que, “[p]or efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
Como referem Pedro Romano Martinez e outros (33), “a obrigação típica do segurador não é a de assumir o risco de outrem, mas sim a de realizar a prestação resultante de um sinistro associado a tal risco. O sinistro é o “evento aleatório” a que se refere o art. 1º (…). O contrato de seguro caracteriza-se pela obrigação, assumida pelo segurador, de realizar uma prestação (máxime, pagar uma quantia), relacionada com o risco do tomador do seguro ou de outrem (segurado, eventualmente, pessoa segura). (…) A cobertura é uma atribuição que se realiza por mero efeito do contrato”, sendo “com a cobertura que a obrigação de pagar o prémio constitui uma relação sintagmática ou (…) uma relação de troca”. É “o contrato de seguro que define exactamente que risco é esse, pois só é sinistro «a ocorrência do evento aleatório previsto no contrato». Nessa medida, diz-se que é um risco formal aquele que releva para o contrato de seguro”.
Constitui, deste modo, o risco um elemento essencial ou típico do contrato de seguro, traduzindo-se o mesmo na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato.
O risco é assim delimitado em função do tipo de evento como tal contemplado, bem como relativamente à localização e ao tempo em que possa ocorrer.
Na prática negocial, a delimitação do risco, mormente na vertente causal, é tecnicamente feita, primeiro, por cláusulas definidoras da chamada “cobertura de base” e, depois, pela descrição de hipóteses de exclusão ou de delimitações negativas daquela base.
Por outro lado, subjacente a qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está o sinistro, consubstanciando-se este como a realização do risco previsto no contrato de seguro, desencadeador, pela sua própria natureza, da garantia subjacente ao seguro; não coincide necessariamente com o acidente, mas com as consequências deste (34).
Atento o princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), expressamente reafirmado no art. 11.º do RJCS, o contrato de seguro é regulado pelas estipulações da respetiva apólice, que não sejam proibidas pela lei e, supletivamente, pelas disposições do Regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo citado Decreto Lei e, subsidiariamente, pelas disposições da lei comercial e da lei civil (art. 4.º do RJCS).
Importa ainda ter presente que o âmbito de aplicação do regime geral do contrato de seguro não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10 (RJCCG), alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31/08, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7/07, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17/12 (art. 3º do RJCS).
Esta questão está relacionada com o facto de os seguros, na generalidade dos casos, serem contratos de adesão, sendo compostos por cláusulas contratuais gerais às quais o tomador de seguro adere. Com efeito, nele, “um dos contraentes – o cliente, o consumidor – (…) não tendo a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” (35). Dizem-se cláusulas contratuais gerais o conjunto de cláusulas negociais elaboradas sem prévia negociação individual que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respectivamente, a propor ou aceitar (art. 1º, n.º 1 do RJCCG). Os contratos que incorporem tais clausulados gerais, ficam subordinados ao regime legal, independentemente de o conteúdo negocial se esgotar em tais clausulados ou prever, simultaneamente, outras cláusulas particulares ou individuais.
E o conjunto de tais cláusulas negociais não só fica subtraído à negociação individual, como se identifica por um conjunto de caraterísticas essenciais ou necessárias, tais como a predisposição unilateral – condições pré-elaboradas unilateralmente por um dos contraentes –, generalidade – a fim de ser incorporadas numa pluralidade de contratos de uma certa categoria que o segurador venha a celebrar com tomadores indeterminados – e rigidez e imodificabilidade – sendo acolhidas, em bloco, e imutavelmente por quem as subscreva ou aceite, estando vedada a possibilidade de os intervenientes modelarem o seu conteúdo, introduzindo, nelas, alterações (36) (37).
Em regra, a apólice dos contratos de seguro, documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, contém (i) condições gerais, que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade, (ii) condições especiais, que completando ou especificando as condições gerais são de aplicação generalizada a determinados contratos do mesmo tipo, e (iii) condições particulares, que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir (art. 37º, n.º 1, do RJCS) (38).
Do seu texto devem constar, no mínimo, a natureza do seguro e os riscos cobertos (art. 37º, n.º 2, als. c) e d) do RJCS).
Devem ainda constar da apólice, escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes, as cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação (al. b) do n.º 3 do art. 37º do RJCS).
Em geral, para a delimitação do objeto do contrato de seguro há que interpretar, as condições gerais, especiais e particulares, que o constituem e que constam da apólice do contrato.
A lei não estabelece qualquer hierarquia entre as referidas condições, mas a própria lógica gerais>especiais>particulares, refletindo uma progressiva aproximação a um contrato em concreto, evidencia a regra segundo a qual as cláusulas particulares especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes (art. 7º, primeira parte, do Decreto Lei n.º 446/85), ao que acresce não poderem as condições especiais e particulares modificar a natureza dos riscos cobertos tendo em conta o tipo de contrato de seguro celebrado (39).
No que diz respeito à interpretação e integração das declarações negociais estabelece o art. 10º do citado Dec. Lei n.º 446/85 que “[a]s cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam”.
Seja nas cláusulas contratuais gerais e especiais do seguro, sejas nas cláusulas particulares, estas individualmente contratadas, deve seguir-se as regras gerais de interpretação das declarações negociais previstas nos arts. 236º a 238º do CC.
Do aludido art. 236º do CC decorre que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (n.º 1); sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (n.º 2). Todavia, porque se trata, no caso, de um negócio formal, o art. 238º do CC vem restringir os termos do art. 236º, estipulando que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (40).
Importa ter também presente o princípio da boa fé contratual, no sentido de que os contratos devem ser negociados, celebrados, interpretados, integrados e cumpridos, segundo os princípios da boa fé. Dado que o contrato de seguro, em especial no que se trata das cláusulas gerais que o regem, é essencialmente um contrato de adesão, em que o particular aceita um conjunto de cláusulas, cujo texto foi via de regra preparado antecipada e genericamente pela seguradora (e que normalmente só pode aceitar ou recusar, sem lhe poder introduzir qualquer alteração), a interpretação das suas cláusulas de harmonia com os princípios da boa fé é uma forte e natural imposição legal (41).
Igualmente relevante é o facto de o regime imperativo das cláusulas contratuais gerais aplicar-se às condições gerais e especiais elaboradas sem prévia negociação individual, mas já não às cláusulas particulares, as quais não participam dos requisitos das cláusulas predispostas por apenas uma das partes, pelo que se lhes aplicam as regras gerais de interpretação do negócio jurídico (42).
Para terminar esta exposição de cariz teórica há que ter em conta o seguinte:
– ao abrigo das regras gerais da distribuição do ónus da prova, é ao autor que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato, designadamente que o sinistro está compreendido no âmbito geral da cobertura fornecida pelo contrato (art. 342º, n.º 1 do CC);
– Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, tais como as causas de limitação ou os factos excludentes da sua responsabilidade (n.º 2 do mesmo preceito) (43).
Particularizando o caso em apreço, mostra-se provado que, no dia 1 de abril de 2014, o A. celebrou com a Ré um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, opção “Valor Mais”, titulado pela apólice ......47, tendo por objecto um armazém.
O aludido contrato de seguro garantia os riscos previstos nas Condições Especiais da apólice, quando expressamente contratados e designados nas Condições Particulares, até aos limites previstos nestas últimas, abrangendo, entre outras, as seguintes coberturas: incêndio, raio e explosão, danos por fumo, demolição e remoção de escombros e privação temporária do uso do local.
O contrato de seguro em causa é, assim, um contrato de seguro facultativo, integrando o denominado seguro de danos e dado que respeita a uma coisa - um bem imóvel - um seguro de coisa (arts. 43º, n.º 2, 123º e 130º do RJCS) (44).
Sendo o contrato unilateralmente redigido pelo predisponente em vista da generalidade dos seus contratantes, não se poderá assumir que estes conheçam os termos do contrato e, muito menos, que compreendam o seu alcance.
Na verdade, estando em causa cláusulas contratuais gerais é manifesta a impossibilidade fáctica de uma das partes exercer a sua liberdade de estipulação, que fica assim apenas na mão da outra parte. Um dos efeitos perversos que essa situação é suscetível de provocar é a circunstância de o contrato poder ser celebrado sem que uma das suas partes se possa aperceber do seu conteúdo, só sendo confrontada com o regime contratual que aceitou no momento em que surge um litígio. Outro efeito perverso é a possibilidade de serem introduzidas no contrato cláusulas iníquas ou abusiva, em benefício de um dos contraentes, que qualquer contraente normal tenderia a rejeitar se pudesse discutir as condições do contrato (45).
Por isso, a fim de evitar o primeiro dos aludidos efeitos perversos, o RJCCG prevê deveres especiais de comunicação, de informação e de esclarecimento ao contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais.
Nos termos do art. 5.º, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las (n.º 1), devendo a comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência (n.º 2), cabendo ao predisponente o ónus da prova de tal comunicação adequada e efectiva (n.º 3).
Por sua vez, segundo o dever de informação previsto no art. 6.º, “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (n.º 1), devendo, ainda, prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (n.º 2).
Caso as cláusulas não sejam comunicadas, ou ocorra violação do dever de informação, não sendo de esperar o seu conhecimento efectivo, as cláusulas afectadas consideram-se excluídas do contrato em causa (art. 8.º, als. a) e b) do RJCCG).
Tais deveres de comunicação e informação previstos nos arts. 5º a 8º do RJCCG correspondem, respectivamente, aos deveres de informação e de esclarecimento, previstos no Regime jurídico do contrato de seguro (RJCS) cujo incumprimento faz incorrer o segurador em responsabilidade civil, nos termos gerais(arts. 18.º, 22.º e 23.º, n.º 1, do RJCS).
E não são mais do que a concretização dos deveres pré-contratuais previsto no art. 227º do CC, já que nenhum contrato se celebra se não houver uma comunicação integral, oportuna e adequada à compreensão da parte contrária, uma vez que sem um entendimento adequado das declarações contratuais não haverá sequer consenso (46).
Revertendo ao caso sub júdice, mostra-se provado que, em 31/3/2014, (11:43), o A., através da corretora de seguros X, atuando esta em representação do demandante, dirigiu à Ré um pedido de cotação para seguro Multiriscos Estabelecimento, referindo na comunicação electrónica “Actividade: Armazém de Alfaias Agrícolas (estrutura do armazém em PVC)”, solicitando resposta no próprio dia (cfr. fls. 79-A vº).
Na sequência de nova mensagem eletrónica do mesmo dia, (17:27), na qual a colaboradora da X solicitava informação se podia avançar com a emissão do seguro, a Ré, pelas 18:19, enviou a simulação do seguro (cfr. fls. 79-B vº a 79-D vº), sendo que na ”Informação Complementar” dessa simulação (cfr. fls. 79-D vº) prevê-se que “Ao abrigo do presente contrato de seguro, não poderão em caso algum ficar garantidos: a) Imóveis cujas paredes exteriores, separação entre pisos (placas), estrutura do telhado e pelo menos 50% da cobertura não sejam construídos em materiais incombustíveis, incluindo os respectivos recheios” (sublinhado nosso).
Foi, então, emitida a apólice de fls. 79-F a 79-M, com efeitos a partir de 1/4/2014, (19:05), constando as exclusões das págs. 15vº e 16 (fls. 79-K vº e 79-L).
Mais resultou provado que, aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, assim como das suas alterações, o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes.
E que, aquando da celebração do contrato, foi fornecida ao autor uma nota informativa com o resumo das condições gerais e especiais aplicáveis ao contrato, sendo ainda certo que, no acto da celebração do contrato de seguro, foram colocadas à disposição do A. as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro em causa nos autos.
Ora, tendo sido a X, actuando e representado o autor perante a ré na celebração do contrato de seguro, quem solicitou urgência na emissão do seguro, não colhe a argumentação da violação do disposto no art. 5º do RJCCG sob o pretexto de que, perante a extensão e complexidade do clausulado em causa, a comunicação das cláusulas contratuais teria de ser feita com alguma antecedência, e não apenas no próprio dia da subscrição da proposta contratual.
Por outro lado, no tocante à informação complementar da simulação [cfr. fls. 79-d] e da nota informativa do seguro [cfr. fls. 79-k/v.º], inexiste qualquer divergência sobre o disposto na cláusula de exclusão relativa à percentagem de materiais constituintes do edifício seguro, pelo que não se evidencia a que suposta omissão de esclarecimento o recorrente pretenda aludir na conclusão 46ª.
Aliás, exercendo o recorrente a atividade de agente de seguros, e estando plenamente familiarizado com as cláusulas contratuais gerais a que se mostram subordinados tais seguros, o mesmo jamais comprovou ter solicitado a prestação de esclarecimentos da seguradora atinente a cláusulas cujo conteúdo lhe merecesse dúvidas, designadamente sobre a causa de exclusão constante da cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais.
Significa isto que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a recorrida/seguradora logrou demonstrar os deveres de comunicação e de informação das cláusulas contratuais que sobre si impendiam, o que nos reconduz à improcedência das conclusões 42ª a 47ª.
Relativamente às objeções apontadas quanto à validade formal do contrato, pelo facto de o tomador de seguro não ter rubricado, nem assinado os documentos relativos à simulação do seguro, à nota informativa e às condições gerais do contrato (conclusão 48º), dir-se-á inexistir violação do disposto no art. 8º, al. d) do Dec. Lei n.º 446/85, posto estar provado que o autor assinou tanto a proposta inicial do contrato de seguro, como a proposta de alteração.
E, como se disse, o contrato de seguro deixou de ser formal para passar a ser um negócio consensual, devendo ser formalizado num instrumento escrito, a denominada apólice de seguro, que, no caso, depois de datado e assinado pela seguradora, foi entregue ao tomador de seguro, cumprindo a seguradora as obrigações previstas nos arts. 32º e 34º do RJCS.
Improcede, por isso, a conclusão 48ª.
Sem embargo do regime dos deveres de comunicação e de informação – que, no caso, se têm como cumpridos –, o recorrente suscita também o escrutínio do conteúdo do contrato.
Assim, relativamente (ainda) à cláusula 3ª 2.2 a) das condições gerais, e não sendo a mesma de excluir nos termos do referido art. 8º do Dec. Lei n.º 446/85, defende o recorrente que sempre teria de ser declarada nula, por ser uma cláusula abusiva, nos termos dos arts. 15º e ss. do mencionado diploma legal.
Tal reconduz-nos à indagação da verificação do supra enunciado segundo efeito perverso que pode advir do recurso às cláusulas contratuais gerais consistente na introdução no contrato de cláusulas iníquas ou abusivas.
Como já anteriormente explicitámos, são conhecidos os riscos de abuso que a contratação por adesão faculta ao predisponente das cláusulas.
Trata-se de uma situação de desequilíbrio proveniente de uma assimetria na distribuição de informação, posto que quem redige um contrato de fornecimento de bens ou serviços, e o apresenta à contraparte para que ela o aceite ou rejeite em bloco, conhece muito melhor o conteúdo desse contrato do que a contraparte. E funcionando o mercado sobretudo através de contratos de adesão, os aderentes deixam de ter condições reais para comparar as várias ofertas, já que não conseguem avaliar devidamente o conteúdo dos clausulados correspondentes a cada um dos ofertantes.
Desse desequilíbrio informativo decorre um risco, que é o de o predisponente do contrato construir o contrato a seu favor, distribuindo direitos e deveres de um modo desequilibrado, contrariando as expectativas legítimas do aderente face ao tipo contratual em causa.
É para corrigir este risco que o nosso ordenamento jurídico consagra normas que proíbem cláusulas abusivas, corrigindo o conteúdo de contratos de adesão (47).
Concretizando esse propósito, como princípio geral, de harmonia com o art. 15° do RJCCG “[s]ão proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.
E o art. 16º concretiza:
“Na aplicação da norma anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito relevantes em face da situação considerada e, especialmente: a) – A confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) – O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.
Nos termos do art. 12.º do RJCCG, as cláusulas proibidas são nulas.
Trata-se de uma hipótese de nulidade parcial – não é nulo todo o contrato, nem toda a cláusula, mas apenas o segmento afectado. De outro modo, seria penalizado o aderente, caso dependesse do bem ou serviço em causa.
Segundo a síntese enunciada no Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt., relativamente às cláusulas abusivas no contrato de seguro tem vindo a ser entendido, no tocante às cláusulas de definição e exclusão/limitação do risco, nomeadamente, que se deverá ponderar a finalidade do contrato e, assim, quando, em resultado de cláusulas de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquela com que o tomador do seguro podia (de boa fé) contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do contrato, tais cláusulas são nulas.
Como refere Pedro Romano Martinez (48), pronunciando-se sobre as cláusulas de exclusão ou de limitação do risco, “apesar de a exclusão de alguns riscos ser lícita por assentar na liberdade contratual e não contrariar o disposto no regime das cláusula contratuais gerais, em situações limite pode corresponder a uma solução inadmissível por desvirtuar o objecto do contrato; isto é, se a modalidade de seguro ajustada não abrange o respectivo âmbito de risco. Deste modo, na hipótese de, tendo em conta o típico risco coberto naquele contrato de seguro, se inviabilizar essa cobertura por via de várias exclusões e risco, ainda que a respectiva informação tenha sido prestada, conclui-se que o objecto do contrato fica esvaziado, podendo consubstanciar uma situação ilícita. Assim, se num seguro de incêndio se determinar que estão excluídas do âmbito de cobertura as usuais causas de incêndio (curto-circuito, raio, rebentamento de bombas e foguetes, etc.), pode chegar-se ao ponto de o contrato de seguro em análise se encontrar quase sem objecto, pois os riscos próprios daquela modalidade de seguro não se encontram cobertos no contrato em causa”.
O contrato de seguro objeto dos presentes autos garantia os riscos previstos nas Condições Especiais da apólice, quando expressamente contratadas e designadas nas Condições Particulares, até aos limites previstos nestas ultimas.
Entre outras coberturas, o contrato de seguro garantia os danos causados ao imóvel seguro pelo incêndio, nos termos das cláusulas 2ª e 3ª das condições gerais da Apólice: a) “Cláusula 2.ª – Objecto e Garantias do Contrato 1. O presente Contrato destina-se a cumprir a obrigação de segurar os edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns, que se encontrem identificados na apólice, contra o risco de incêndio, ainda que tenha havido negligência do Segurado ou de pessoa por quem este seja responsável. 2. Para além da cobertura dos danos previstos no número anterior, o presente Contrato garante igualmente os danos causados no bem seguro em consequência dos meios empregados para combater o incêndio, assim como os danos derivados de calor, fumo, vapor ou explosão em consequência do incêndio e ainda remoções ou destruições executadas por ordem da autoridade competente ou praticadas com o fim de salvamento, se o forem em razão do incêndio ou de qualquer dos factos anteriormente previstos. 3. Salvo convenção em contrário, o presente Contrato garante ainda os danos causados por acção mecânica de queda de raio, explosão ou outro acidente semelhante, mesmo que não acompanhado de incêndio. 4. A título facultativo, ao abrigo do presente Contrato de Seguro, poderão igualmente ficar garantidos: a) Bens não enquadráveis no n.º 1 da presente Cláusula em relação aos riscos de Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio e Explosão, nos termos previstos nos números anteriores; b) Outros riscos para além dos acima referidos, nos termos previstos nas respectivas Condições Especiais e Condições Particulares da Apólice. b) Cláusula 3.ª – Exclusões 1. Exclusões aplicáveis à Cobertura Obrigatória de Incêndio (…) 2. Exclusões aplicáveis às restantes coberturas e à própria cobertura de incêndio quando contratada como seguro facultativo (…) 2.2. De igual modo, não ficam garantidos os danos: a) Em construções de reconhecida fragilidade (tais como de madeira ou placas de plástico), assim como naquelas em que os materiais de construção ditos resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, nos edifícios que se encontrem em estado de reconhecida degradação no momento da ocorrência e, ainda, em quaisquer objectos que se encontrem no interior dos mesmos edifícios ou construções; b) Sofridos por edifícios de construções clandestinas, entendendo-se como tal àquelas que não tenham sido previamente legalizadas pelas autoridades competentes, quando o próprio sinistro ou o agravamento das suas consequências tenha origem em tal facto; c) Resultantes de trabalhos de reparação, beneficiação ou reconstrução do edifício seguro ou do local onde se encontrem os bens seguros, bem como os causados em edifícios contíguos ou adjacentes, salvo quando esta situação tenha sido previamente comunicada ao Segurador e por este aceite. (…)”.
Ora, dissentindo também nesta parte do aduzido pelo recorrente, dir-se-á que a exclusão da cobertura do seguro constante da cl.ª 3.2.2 das condições gerais não esvazia consideravelmente o conteúdo de um seguro multirriscos, tão pouco desvirtua a natureza deste, nem beneficia, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato.
Deixando-se de fora todos os casos em que as construções cujos materiais de construção resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, não se poderá dizer que tal acabaria em rigor por excluir da cobertura o próprio bem segurado, porque nada seguraria.
Obviamente que, na verificação dessa hipótese, o sinistro em apreço estará excluído da cobertura do seguro; em contrapartida, predominando os materiais de construção resistentes ou não combustíveis em, pelo menos, 50% estará assegurada a cobertura do seguro.
Considerando, por outro lado, que o risco de incêndio até ao limite de 130.000,00€, sem franquia, estava anualmente transferido para a seguradora pela quantia de € 213,10/ano de prémio, inexiste qualquer desproporção entre o prémio pago e os riscos cobertos que pudesse determinar a invalidade da referida cláusula de exclusão da apólice em causa.
Por conseguinte, é de concluir que a referida cláusula de exclusão da cobertura do seguro não comporta uma restrição desproporcionada dos direitos do segurado, impedindo o contrato de cumprir devidamente a sua finalidade prática.
Nessa medida, afastada está a violação do princípio da boa-fé, princípio este que se impõe em todas as etapas do desenvolvimento da relação negocial: formação, integração/interpretação e cumprimento – cfr. arts. 227.º, 239.º e 762.º, n.º 2, todos do CC (49).
Inexiste, por outro lado, qualquer conflito entre a referida cláusula de exclusão e o disposto no art. 26º, n.º 4 do RJCS, posto o seu âmbito não ser confundível.
Este normativo estabelece que, se antes da cessação ou da modificação do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes, verifica-se uma redução na cobertura do sinistro proporcional à diferença entre o prémio pago e o que seria devido, caso tal facto tivesse sido previsto desde o início, aquando da celebração do contrato. Mas se o segurador demonstrar que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.
Já o funcionamento da causa de exclusão da cobertura do seguro coloca-se independentemente de o tomador de seguro ter ou não prestado declarações reticentes ou inexatas.
No caso dos autos, embora a seguradora tenha invocado os dois fundamentos para se eximir ao pagamento da indemnização que lhe é exigido pelo autor/tomador de seguro, a verdade é que os dois podem – e devem – ser valorados e apreciados autonomamente.
Comprovado o fundamento da exclusão constante da cl.ª 3.2.2 das condições gerais – como se evidencia no caso sub júdice –, há que concluir que o sinistro não se encontra abrangido pela cobertura do articulado contrato de seguro.
Consequentemente, com vista à improcedência dos pedidos formulados a título principal não há sequer que recorrer ao regime do n.º 4 do art. 26º do RJCS.
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3.2. - Da não prestação de declarações/informações inexactas ou reticentes, aquando da celebração do contrato de seguro e/ou no decurso da sua execução.
Embora a questão em apreço tenha perdido a sua utilidade prática em face da não procedência da invalidade da causa de exclusão constante da cl.ª 3.2.2 das condições gerais, na hipótese de se admitir uma opinião divergente não deixaremos de a apreciar.
É usual distinguir duas fases no processo de formação dos contratos: i) a «fase negociatória», que se carateriza pelo conjunto de atos tendentes à celebração do contrato, incluindo propostas, convites a contratar, contrapropostas, acordos pré-contratuais e os atos inseridos em concurso para a formação do contrato; ii) a «fase decisória», que consiste na conclusão do acordo assente na emissão de declarações, a proposta e a aceitação (50).
Durante as fases referidas, a lei impõe que cada parte «deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte» (art. 227º do CC).
A propósito dos deveres de informação do tomador do seguro ou do segurado, dispõe o n.º 1 do art. 24º do RJCS que “o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, acrescentando o n.º 1 do art. 25º que, em caso de incumprimento doloso deste dever, “o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro”, e estabelece, por sua vez, o art. 26º, n.º 1, que, «em caso de incumprimento com negligência deste citado dever, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento: a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta; b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente» (51).
Por declaração de risco entende-se o conjunto de informações que devem ser unilateralmente prestadas pelo tomador do seguro ou pelo segurado na proposta de seguro, as quais visam permitir que a seguradora, mediante o cálculo exato do risco e do correspondente valor do prémio e a apreciação das restantes cláusulas contratuais, decida aceitar ou recusar tal proposta. Constitui, assim, um dever pré-contratual, por surgir na formação do contrato de seguro, isto é, antes da celebração do contrato, antes da sua celebração e com vista à sua celebração (52).
Impõe-se por isso ao segurado ou ao tomador do seguro que forneça ao segurador elementos relevantes e verdadeiros de que esta carece para a assunção e delimitação do risco.
Embora o tomador do seguro deva declarar com exatidão todas as circunstâncias que interessem ao julgamento a fazer pelo segurador em termos de aceitação ou não aceitação do risco (n.º 1 do art. 24º do RJCS), não existe um dever geral de verificação dessa exatidão por parte do segurador (53).
O art. 25º do RJCS estabelece, como sanção para o incumprimento do dever do tomador do seguro ou do segurado de declarar inicialmente o risco nos termos do art. 24º, a invalidade – na forma de anulabilidade – do contrato de seguro, por se verificar erro provocado ou dolo (art. 252º do CC).
Contrariamente ao que sucedia com o revogado art. 429º do CCom, só o comportamento doloso do segurado conduz à anulabilidade do contrato, como decorre inequivocamente do n.º 1 do art. 25º do RJCS (54).
No caso de omissões ou inexatidões negligentes, a solução consagrada na lei não é a da invalidade do contrato, mas sim a da validade do contrato e da consagração do direito potestativo do segurador à sua alteração ou cessação (art. 26º do RJCS).
Assim, o âmbito do art. 26º do RJCS abrange aqueles casos em que, apesar da violação de um dever pré-contratual de informação, se chega a celebrar contrato de seguro válido, mas em que poderá existir um desequilíbrio de prestações ou mesmo a cobertura de objeto que, caso o segurador tivesse conhecido devidamente os factos omitidos ou inexatos, não teria existido (55).
Porém, se antes da cessação ou da modificação do contrato ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes, verifica-se uma redução na cobertura do sinistro proporcional à diferença entre o prémio pago e o que seria devido, caso tal facto tivesse sido previsto desde o início, aquando da celebração do contrato. Só se permite que o segurador não cubra o sinistro se demonstrar que em caso algum teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente, nesse caso devolvendo o valor do prémio de modo que o tomador de seguro não fique excessivamente prejudicado (56).
Com relevância mostra-se provado que:
- Em 31/3/2014, através da corretora de seguros X, o A. fez à Ré um pedido de cotação para seguro Multiriscos Estabelecimento, referindo na comunicação electrónica de fls. 79-A vº “Actividade: Armazém de Alfaias Agrícolas (estrutura do armazém em PVC)”
- Na sequência, a Ré enviou a simulação do seguro, sendo que na ”Informação Complementar” dessa simulação (cfr. fls. 79-D vº) prevê-se que “Ao abrigo do presente contrato de seguro, não poderão em caso algum ficar garantidos: a) Imóveis cujas paredes exteriores, separação entre pisos (placas), estrutura do telhado e pelo menos 50% da cobertura não sejam construídos em materiais incombustíveis, incluindo os respectivos recheios” (cf. fls. 79-B vº a 79-D vº).
- Foi emitida a apólice de fls. 79-F a 79-M, com efeitos a partir de 1/4/2014, constando as exclusões das pág. 15vº e 16 (fls. 79-K vº e 79-L).
- Em 6 de outubro de 2014, o autor, por intermédio da corretora X, atuando esta em representação daquele, solicitou à ré uma alteração ao contrato de seguro exclusivamente ao nível do local de risco passando do local “..., ..., Monção” para Lugar de ... – ... – ..., ..., Monção, com as seguintes confrontações: Norte: Estrada Nacional; Sul: M. S.; Este: Terreno Agrícola; Oeste: Terreno Agrícola, alteração essa que foi aceite.
- O objeto seguro corresponde a um armazém, com a área de 10x16m, constituído por uma estrutura tubular em aço galvanizado, constituído por 9 asnas de secção circular na cobertura e madres tubulares de secção quadrada; sendo a estrutura das fachadas também do mesmo material, com secção retangulares, quer nos montantes, quer nos elementos horizontais.
- O material de revestimento da cobertura do imóvel era constituído por um material flexível, em manta de PVC, revestida pela sua face interior com espuma de poliuterano.
- O revestimento das fachadas do imóvel era constituído por material que praticamente derreteu no contacto com as chamas, deixando muito poucos vestígios, por ter sido consumido pelo fogo.
- O aludido armazém consubstanciava um imóvel em que, em termos de área e volume de construção, os materiais de construção ditos resistentes ou não combustíveis eram na ordem dos 20% e os materiais combustíveis eram na ordem dos 80%.
- Quer aquando da celebração do contrato de seguro em causa nos autos, quer aquando das suas alterações, o A. teve acesso a todas as informações relevantes para a subscrição do mesmo, nomeadamente as suas principais características, o âmbito das garantias prestadas e exclusões dele constantes – cf. doc. de fls. 33.
- Aquando da alteração do contrato de seguro quanto ao local de risco, o A., por intermédio da corretora de seguros “X”, não informou a Ré das características do imóvel a segurar pela apólice, designadamente quanto à natureza e composição dos seus elementos estruturais e materiais.
Ora, à semelhança do decidido na sentença recorrida, afigura-se-nos que a informação constante do pedido de cotação que antecedeu a celebração do contrato de seguro em 2014 [“Atividade: Armazém de Alfaias Agrícolas (estrutura do armazém PVC) - cfr. doc. de fls. 79-A, vº)] não era suficiente para elucidar a seguradora quanto à análise do risco do edifício, sendo certo que, aquando do pedido de alteração do local de risco (cf. fls. 47 e ss.), o A. omitiu qualquer referência quanto às características do “novo” local seguro.
Sempre se dirá que a mera referência a uma “estrutura do armazém PVC” não equivale a dizer que se tratava de uma estrutura em que os materiais de construção não resistentes ou combustíveis predominem em, pelo menos, 50%.
Veja-se que, quer na ação, quer na apelação, o autor/recorrente apresentou e pugnou por uma versão fáctica diferente; na petição inicial, alegou que o edifício em causa era, no essencial, constituído por paredes em placa “sandwich”, com recheio de espuma modificada, com 25 milímetros de espessura e a cobertura do mesmo em placas de alumínio e PVC; na apelação, por sua vez, pugna pela não demonstração do ponto 1.38 dos factos provados e, em sua substituição, que se dê como provado que o “armazém aqui em apreço, em termos de área e volume, era constituído por materiais não combustíveis na ordem dos 60% e em materiais combustíveis na ordem dos 40%”.
Serve isto para dizer que o autor omitiu da ré informação relevante referente às caraterísticas do imóvel segurado, designadamente de que os materiais de construção ditos resistentes não predominavam em, pelo menos, 50% da construção.
Não o tendo feito, nem inicialmente, nem aquando da proposta de alteração do contrato de seguro, o autor incumpriu, com negligência, o dever que sobre ele impendia de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conhecia e razoavelmente devia ter por significativas para a apreciação do risco pela seguradora Ré.
Ora, como expressamente advertiu a Ré na “Informação Complementar” da simulação do seguro, “Ao abrigo do presente contrato de seguro, não poderão em caso algum ficar garantidos: a) Imóveis cujas paredes exteriores, separação entre pisos (placas), estrutura do telhado e pelo menos 50% da cobertura não sejam construídos em materiais incombustíveis, incluindo os respectivos recheios” (sublinhado nosso).
O que significa que aquele elemento era essencial para o segurador.
Tal leva-nos a concluir que o segurador logrou demonstrar que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, pelo que o mesmo ficaria legitimado a não cobrir o sinistro, ficando apenas vinculado à devolução do prémio (pretensão esta que não foi peticionada), nos termos do disposto no art. 26º, n.º 4, al. b) do RJCS.
Termos em que improcedem as conclusões 55º a 60ª
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3.3. - Da procedência do pedido B) nos termos do disposto no art. 26º, n.º 4, al. a) do RJCS e do pedido C).
Como flui do ponto antecedente, no caso a prestação de informações inexatas ou deficientes pelo tomador do seguro seria subsumível ao disposto no art. 26º, n.º 4, al. b) do RJCS, e não na alínea a) do citado normativo.
De qualquer modo, tendo-se concluído pela não invalidade da causa de exclusão da cobertura do seguro constante da cl.ª 3.2.2, al. a) das condições gerais, é manifesta a improcedência do pedido formulado sob a al. B) – condenação da Ré a pagar/reembolsar o A. pelos custos da demolição e remoção de escombros, e reconstrução do edifício referido no artigo 2º da p.i. –, visto o sinistro objeto dos autos estar excluído da cobertura do contrato de seguro.
Com efeito, não há, na situação versada nos autos, que recorrer ao regime previsto no art. 26º, n.º 4, al. a) do RJCS, posto que, independentemente das informações inexatas ou reticentes prestadas pelo tomador de seguro quanto às caraterísticas do objeto segurado, sempre estaria excluída a cobertura do seguro em causa ante a verificação da exclusão prevista naquela cláusula.
O juízo de improcedência é também extensível ao pedido formulado sob a al. C -compensação pela privação do uso do edifício.
Conforme resulta do preceituado na condição especial de “Privação Temporária de Uso do Local”, “em caso de sinistro coberto pelo Contrato que origine privação temporária de uso do local de risco, o Segurador indemnizará o Segurado, dentro dos limites para o efeito fixados nas Condições Particulares, pelas despesas que o mesmo tiver razoavelmente de incorrer com o transporte dos objectos seguros não destruídos e respectivo armazenamento, ou com o exercício provisório da actividade noutro local”.
Ora, tendo-se concluído que os prejuízos sofridos e reclamados nos autos não se encontram abrangidos pela cobertura desta apólice de seguro, afastado fica o ressarcimento dos prejuízos que resultem da privação temporária do uso do local de risco nos termos da apontada cláusula (além de que o recorrente tão pouco logrou demonstrar os respectivos pressupostos fácticos determinantes do ressarcimento dos danos previstos na referida cláusula).
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3.4. - Do pedido subsidiário.
Improcedendo (totalmente) os pedidos principais, e tal como sustenta o recorrente (e foi afirmado supra aquando do reconhecimento da nulidade da sentença), ao abrigo do disposto no art. 554º, n.º 1, 2ª parte, do CPC, impõe-se analisar o pedido subsidiário formulado sob a al. d) – condenação da Ré a indemnizar o A. pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro, num valor de € 2.100,00 –, o qual se fundamenta em responsabilidade contratual por mora no cumprimento da obrigação acessória da recorrida de analisar o sinistro e dar uma resposta, num prazo razoável, sobre o mesmo ao recorrente. Isto porque, segundo alega o recorrente, tendo comunicado o sinistro em outubro de 2017 e só tendo recebido a necessária resposta da recorrida em 18 de abril de 2018, incorreu esta em mora (princípio da boa fé – art. 762º, n.º 2 do C.C.).
O princípio geral no que se refere à reparação do dano é o estabelecido no art. 562º do CC, nos termos do qual «[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».
No tocante ao cálculo da indemnização prescreve o n.º 1 do art. 564.º do mesmo diploma legal que o «dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Como resulta do critério legal acolhido pelo art. 566º do CC, a indemnização é fixada em dinheiro, por sucedâneo pecuniário da reconstituição natural, sempre que – na perspetiva do interesse do credor – a reconstituição natural não seja possível ou não repare integralmente os danos e ainda quando – na perspetiva do interesse do devedor – seja excessivamente onerosa (n.º 1); a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos (n.º 2); se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3).
Saliente-se, contudo, que a regra geral do art. 566º, n.º 2, do CC – teoria da diferença – não pode ser aplicável ao dano de privação de uso, na medida em que “a comparação entre a situação patrimonial real e a situação patrimonial hipotética do lesado, na data mais recente que puder ser atendida [se] adequa a privações definitivas e não a privações limitadas no tempo” (57). Deste modo, a indemnização pelo dano de privação de uso terá de ser fixada de acordo com a equidade (art. 566º, n.º 3 do CC) (58).
A propósito dos danos da privação do uso de um veículo automóvel, no domínio da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, a jurisprudência não tem sido totalmente uniforme:
i) Uma posição mais restritiva, defende só haver lugar a indemnização pela privação de uso de um bem, se tiver sido alegada e demonstrada a existência de um dano específico (59). Segundo esta posição, muito embora a privação de um bem constitua um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, é insuscetível, só por si, de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, sendo necessário que se comprove a sua repercussão negativa na situação patrimonial do lesado (60).
ii) Uma outra posição mais favorável à indemnização por dano de privação de uso, defende que, “mesmo que nada se prove a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, o lesado deve ser compensado monetariamente pelo período correspondente ao impedimento dos poderes de fruição ou de disposição” (61).
iii) Uma posição intermédia, que se tem como maioritária, sustenta que a privação do uso de um bem (designadamente, um veículo automóvel) em resultado de danos sofridos na sequência de um ato ilícito constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o art. 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem com tal fundamento, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava (62). Ao lesado pede-se apenas a prova de que utiliza habitualmente o bem na sua vida diária, presumindo-se que, da respetiva privação, derivam danos efetivos (63).
Entendemos ser esta última posição a que melhor tutela a lesão dos interesses do proprietário de um bem, que se vê privado de extrair dele todas as vantagens e utilidades que o seu uso lhe proporciona, devido à atuação culposa de terceiro que o danifica num acidente de viação.
E não se vê razão para também no campo da responsabilidade contratual ser acolhida desde que demonstrados o incumprimento culposo do outro contraente e o dano (64).
A propósito, tem-se sustentado, em termos essenciais, que, tendo a empresa de seguros o dever de “atuar de forma diligente, equitativa e transparente no seu relacionamento com os tomadores de seguros, segurados, beneficiários e terceiros lesados” (cfr. art. 153º, n.º 1, da Lei n.º 147/2015, de 9/09), os deveres de averiguação, confirmação e resolução dum sinistro, em prazo razoável, configuram verdadeiros deveres legais acessórios de conduta, pelo que, quando tal não ocorre, ou seja, quando há injustificada demora na resolução de um sinistro ou quando a indemnização devida não é paga em prazo razoável, são violados tais deveres legais acessórios de conduta, obrigando tal violação à indemnização pelos danos que assim hajam sido causados ao segurado. Esta indemnização pelo dano patrimonial da privação do uso do bem tem a sua fonte na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta por parte da seguradora, os quais, uma vez demonstrados, merecem tutela jurídica e vão além do estrito cumprimento da obrigação de pagamento da indemnização pelos danos resultantes do sinistro coberto pelo seguro nas condições contratadas (65).
Com interesse para este segmento do recurso apurou-se essencialmente que:
- O incêndio que danificou o armazém do autor deu-se em 15 de outubro de 2017.
- O A. participou o sinistro logo em outubro de 2017 e ficou à espera que a Ré tomasse uma posição sobre o mesmo até 18 de abril de 2018.
- O A. não procedeu à reconstrução do edifício, nem propôs acção judicial enquanto a Ré não deu resposta à comunicação.
- Apesar de a Ré ter enviado um perito ao local, os meses passaram-se sem que tivesse comunicado ao A. a sua posição perante o sinistro.
- Em fevereiro, o seu mandatário remeteu carta à Ré, pedindo-lhe uma resolução célere da questão.
- Em 18 de abril, a Ré remeteu ao A. a carta-resposta de fls. 8 vº dos autos, na qual assumiu a posição de recusar a compensação dos danos do sinistro, por entender que o objecto seguro estava excluído da cobertura do seguro.
- O A. utilizava tal edifício para a guarda de máquinas agrícolas, utilizadas na sua actividade de agricultor, e para cedência de espaço a terceiros para guarda de maquinaria.
- Devido aos danos causados pelo incêndio, o edifício deixou de poder ter qualquer uso e necessita de ser reconstruído.
No caso, independentemente de o sinistro estar excluído da cobertura do contrato de seguro o que se pretende sancionar é a injustificada demora na resolução do sinistro por parte do segurador, abstendo-se de tomar a decisão de assumir ou declinar a responsabilidade pelo sinistro participado.
Tendo demorado mais de seis meses a comunicar a sua posição, sem que se vislumbrem motivos justificados para tão dilatado período temporal – aceitando-se, como defende o recorrente, que dois meses e meio era suficiente para a seguradora dar uma resposta –, tendemos a concordar que o recorrente terá direito a ser ressarcido pela privação do uso do bem segurado equivalente a um período de três meses e meio.
Relativamente à fixação da indemnização, constata-se que não foram demonstrados factos que permitam apurar o valor dos danos exatos sofridos pelo Autor, pelo que a indemnização deverá ser fixada por recurso à equidade.
Assim, ponderando as escassas circunstâncias factuais do caso – na perícia colegial realizada nos autos os peritos concluíram, na resposta ao ponto 3.1.4, que o valor mensal a atribuir ao arrendamento da construção e do terreno de logradouro, tendo em conta as características do imóvel e a localização, bem como o mercado de arrendamento do local, é de €400,00/mês (cfr. fls. 84) – não perdendo de vista as regras da boa fé (art. 762.º do CC) e tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”, temos como justo e equilibrado fixar, como compensação do dano de privação do uso, pelos cerca de 3 meses e meio em que se considera injustificada a não tomada de posição sobre o participado sinistro, o montante mensal de 300,00€ (ligeiramente aquém do indicado valor locativo do prédio), o que perfaz a quantia global de € 1.050,00.
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3.5 - Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Como a apelação foi julgada parcialmente procedente, ambas as partes ficaram parcialmente vencidas no recurso, pelo que devem as mesmas ser responsabilizadas pelo pagamento das custas do recurso (bem como da ação) na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 98,25% a cargo do A./recorrente e 1,75% da Ré/recorrida.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
I - Concluindo pela improcedência dos pedidos principais, impõe-se ao Tribunal analisar e decidir o pedido subsidiário em obediência ao estabelecido no n.º 1 do art. 554º do CPC, sob pena de, não o fazendo, a sentença enfermar, nessa parte, da nulidade, por omissão de pronúncia [art. 615º, n.º 1, al. d), 1ª parte, do CPC].
II - É ao autor que cabe o ónus de alegar e provar a existência e o conteúdo do contrato de seguro, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (art. 342º, n.º 1, do CC);
III - Em contrapartida, é à ré (seguradora) que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito, tais como as causas de limitação ou os factos excludentes da sua responsabilidade (n.º 2 do mesmo preceito).
IV - No âmbito de um contrato de seguro Multirrisco Estabelecimento, que abrange, entre outras, a cobertura de incêndio, a cláusula de exclusão que afasta da cobertura do seguro os danos em construções cujos materiais de construção resistentes não predominem em, pelo menos, 50%, não desvirtua nem esvazia consideravelmente o conteúdo do referido seguro, nem beneficia, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato.
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VI. Decisão
Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação interposta e, em consequência, revogando parcialmente a sentença recorrida, decidem:
- condenar a Ré/apelada a pagar ao A./apelante a quantia de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros) a título de indemnização pelo atraso na tomada de posição sobre o sinistro, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado do presente acórdão.
- Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida (no tocante à absolvição da R./apelada em relação aos pedidos principais).
Custas da ação e da presente apelação da responsabilidade de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento – correspondendo a 98,25% a cargo do A./apelante e 1,75% da Ré/apelada –, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o Autor.
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Guimarães, 29 de abril de 2021
Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)
1. Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
2. Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
3. Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 140, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 603.
4. Cfr. Acs. da RP de 28/10/2013 (relator Oliveira Abreu) e de 2/05/2016 (relator Correia Pinto), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
5. Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 736.
6. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 141 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 690.
7. Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371.
8. Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 383.
9. Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
10. Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364.
11. Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
12. Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 713.
13. Cfr. Ac. do STJ de 30/04/2014 (relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt. e Cardona Ferreira, obra citada, pp. 69/70.
14. Cfr. Ac. do STJ de 7/09/2020 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt.
15. Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 613.
16. Cfr., António Júlio Cunha, obra citada, p. 205/206.
17. Como refere Abrantes Geraldes, obra citada, p. 322, «a anulação da decisão (v.g por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo».
18. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
19. Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 435/436; no mesmo sentido, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pp. 191/192.
20. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Fundamentais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 202.
21. «Pelo menos, 75% do armazém aqui em apreço era constituído por materiais de construção ditos pouco resistentes, por comparação a uma estrutura de betão armado ou de betão e chapas metálicas na cobertura e nas fachadas ?».
22. Por se tratar de uma alteração/modificação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se os pontos fácticos objeto de alteração nos termos supra explicitados.
23. Cfr. Almeida Costa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 129.º, n.º 3862, pp. 20-21.
24. Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de Direito Civil, Coimbra Editora, 2010, p. 66.
25. Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, pp. 102-110.
26. Cfr. Ac. da RL de 9/11/2010 (relator Luís Filipe Brites Lameiras), in www.dgsi.pt. e Ac. da RP de 15/03/1999, CJ, Ano XXIV-1999, T. 2, p. 182.
27. Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 132.
28. Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, vol. I, Almedina, p. 248/249.
29. Que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro.
30. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, O novo regime do contrato de seguro antigas e novas questões, in http://www.trl.mj.pt/PDF/REGIME.pdf, p.
31. Cfr. Ac. do STJ de 04/12/2014 (relatora Maria dos Prazeres Beleza), in www.dgsi.pt.
32. Como se refere no Preâmbulo do Dec. Lei n.º 72/2008, “[q]uanto à forma, e superando as dificuldades decorrentes do artigo 426.º do Código Comercial, sem descurar a necessidade de o contrato de seguro ser reduzido a escrito na apólice, admite-se a sua validade sem observância de forma especial. Apesar de não ser exigida forma especial para a celebração do contrato, bastando o mero consenso, mantém-se a obrigatoriedade de redução a escrito da apólice. Deste modo, o contrato de seguro considera-se validamente celebrado, vinculando as partes, a partir do momento em que houve consenso (por exemplo, verbal ou por troca de correspondência), ainda que a apólice não tenha sido emitida. (…) Contudo, o regime do contrato de seguro aperfeiçoa as regras existentes, distinguindo os vários planos jurídicos relevantes:
i) Quanto à validade do contrato, ela não depende da observância de qualquer forma especial. (…)
ii) Quanto à prova do contrato, eliminam-se todas as regras especiais. (…)
iii) Quanto à eficácia e à oponibilidade do contrato e do seu conteúdo, estatui-se que o segurador tem a obrigação jurídica de reduzir o contrato a escrito na apólice e de entregá-la ao tomador. (…)».
33. Cfr. Lei do Contrato de Seguro – Anotada, 3ª ed./2016, Almedina, p. 38.
34. Cfr. Ac. da RL de 19/12/2019 (relator Carlos Castelo Branco), in www.dgsi.pt.
35. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2018, pp. 252/253.
36. Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa e António Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotações ao Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, Almedina, 1993, p. 17, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., 2000, Almedina, pp. 416/417, Ac. da RC de 03/03/2015 (relator Henrique Antunes) e Ac. da RC de 17/05/2018 (relatora Maria João de Matos), in www.dgsi.pt.
37. Para além disso, as cláusulas contratuais gerais costumam caraterizar-se pela desigualdade entre os contraentes, pela complexidade e pela estandardização ou natureza formulária, ainda que estas caraterísticas, frequentes, não sejam de verificação necessária (cfr. António Menezes Cordeiro, obra citada, p. 417).
38. Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, (…), pp. 30-31 e o Ac. do STJ de 4/12/2014 (relator Granja da Fonseca), in www.dgsi.pt.
39. Cfr. José Vasques, Lei do contrato de Seguro Anotada (Pedro Romano Martinez e Outros), 2016 – 3ª ed., Almedina, pp. 218 e 219.
40. Cfr. Acs. do STJ de 19/06/2018 (relator Paulo Sá) e 5/07/2012 (relator António Joaquim Piçarra), ambos disponíveis in www.dgsi.pt., que enunciam variada doutrina.
41. Cfr. Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt.
42. Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, (…), p. 350, Ac. do STJ de 31/01/2019 (relatora Graça Trigo), Ac. da RC de 30/06/2015 (relator Fonte Ramos), Ac. da RP de 17/01/2008 (relator Teles de Menezes) e Ac. da RG de 20/02/2020 (relatora Maria João Matos), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
43. Cfr. Acs. do STJ de 13/07/2017 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), de 9/01/2018 (relator José Rainho) e de 18/02/2021 (relator Oliveira Abreu), todos disponíveis in www.dgs.pt.; na doutrina, José Vasques, Contrato de Seguro, (…), p. 334 e Maria Inês de Oliveira Martins, Contrato de seguro e conduta dos sujeitos ligados ao risco, Almedina, 2018 , p. 36 e ss.
44. O seguro de danos tem por finalidade a cobertura de riscos relativos a coisas, bens materiais, créditos e outros direitos patrimoniais.
45. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, 2002, p. 31.
46. C. Ferreira, de Almeida, Contratos I. Conceitos, fontes, formação, 3ª ed. Almedina, p. 160-164.
47. Cfr. Maria Inês de Oliveira Martins, Parecer jurídico sobre seguro de responsabilidade civil extracontratual por actividade de construção civil junto ao processo n.º 5688/17.0T8GMR.G1, pp. 26/27.
48. Cfr. Direito dos Seguros, Principia, p. 95/96.
49. Cfr. Ac. do STJ de 24/01/2018 (relatora Graça Amaral), in www.dgsi.pt. 50. Cfr. Joana Galvão Telles, Deveres de Informação das Partes, Temas de Direito dos Seguros, 2ª ed., Almedina, 2020, pp. 330/331.
51. Os arts. 24º a 26º do RJCS vieram regular matéria que era, anteriormente, regulada pelo art. 429º do Código Comercial (CCom), nos termos do qual "[t]oda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. § único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio".
52. Cfr. Joana Galvão Telles, Deveres de Informação das Partes, Temas de Direito dos Seguros, 2ª ed., Almedina, 2020, p. 364.
53. Cfr. Arnaldo Costa Oliveira, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 3ª edição/2016, Almedina, pp. 129 e ss..
54. Cfr. Ac. da RG de 15/01/2015 (relator Manuel Bargado), in www.dgsi.pt.
55. Cfr. Joana Galvão Telles, estudo e obra citados, p. 386.
56. Cfr. Joana Galvão Telles, estudo e obra citados, p. 387.
57. Cfr. Maria da Graça Trigo, Dano de privação de uso de veículo automóvel, in Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 58.
58. Cfr. Ac. do STJ de 13/07/2017 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt.
59. Cfr., neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 6/05/2008 (relator Urbano Dias), de 30/10/2008 (relator Bettencourt de Faria), de 30/10/2008 (relator Salvador da Costa), de 16/09/2008 (relator Garcia Calejo), de 19/11/2009 (relator Hélder Roque) e de 21/04/2010 (relator Garcia Calejo), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
60. Cfr., Ac. do STJ de 08-06-2006 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.
61. Cfr., Ac. do STJ de 8/10/2009 (relator Oliveira Rocha), in www.dgsi.pt.
62. Cfr., neste sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 9/07/2015 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 8/05/2013 (relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), de 10/01/2012 (relator Nuno Cameira), de 16/03/2011 (relator Moreira Alves), de 12/01/2010 (relator Paulo Sá) e de 5/07/2007 (relator Santos Bernardino), disponíveis in www.dgsi.pt.
63. Cfr. Maria da Graça Trigo, Dano de privação (…), obra citada, p. 60.
64. Ac. do STJ de 14/12/2016 (relatora Fernanda Isabel Pereira), in www.dgsi.pt.
65. Acs. do STJ de 14/12/2016 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 23/11/2017 (relator Salazar Casanova), de 23/11/2017 (relator Távora Victor), de 27/11/2018 (relator J. Cabral Tavares), Ac. da RG de 09/03/2017 (relatora Anabela Tenreiro), Ac. da RP de 21/02/2018 (relator Filipe Caroço), Ac. RC de 28/05/2019 (relator Barateiro Martins) e Ac. da RE de 19/11/2020 (relatora Maria da Conceição Ferreira), todos disponíveis in www.dgsi.pt.