ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
VALOR DA CAUSA
DIREITOS REAIS MENORES
Sumário


I- O valor da acção deverá corresponder ao da coisa reivindicada, pelo que estando em causa, não a totalidade da coisa/prédio, mas uma fracção ou parte dela, o valor da causa terá que ser determinado não pelo valor de toda a coisa, mas pelo da parcela ou fracção em litígio; se apenas estiver em causa parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que marca o valor processual da causa.
II- O valor das acções que se reportem a direitos reais menores determina-se atendendo, em concreto, às utilidades proporcionadas ao seu titular (benefícios ou utilidades com eventual e directa repercussão no respectivo património) e à sua duração provável.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I-Relatório

F. F. e esposa M. R., residentes na Rua …, nº .., freguesia de ..., do concelho de Fafe, vieram intentar contra D. C. e esposa M. F., residentes na Rua …, nº …, freguesia de ..., do concelho de Fafe, acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo, a final, o seguinte:

A-) Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio supra descrito no artigo 1º;
B-) Serem os RR. condenados a reconhecerem tal direito de propriedade;
C-) Serem os RR. condenados a restituírem o prédio dos AA. à situação anterior às obras supra alegadas nos artigos 17º a 24º supra;
D-) Serem os RR. condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra o direito de propriedade
dos AA.;
E-) Serem os RR. condenado a indemnizar os AA. a título de danos patrimoniais e não patrimoniais na quantia de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data citação e até efectivo e integral pagamento;

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Os RR. vieram contestar e reconvir, concluindo pela improcedência da acção e procedência da reconvenção, pedindo a este título:

b- Serem os AA. condenados a reconhecer serem os RR. donos e legítimos proprietários dos prédios identificado nos artigo 39. E 43. supra;
c- Serem os AA. condenados a reconhecer existir a favor dos prédios dos RR. referido na antecedente alínea b) servidão de água e aqueduto, para fruição de todas as suas utilidades agrícolas e domésticas, na sua configuração física actual, ou seja, conforme descrita nos artigos 52. a 86. supra;

ou SUBSIDIARIAMENTE, na eventualidade de não vir a entender-se nos termos da antecedente alínea c),
d) Serem os AA. condenados a realizar, à sua custa, obra que reponha as infra-estruturas de servidão de mina, por meio de capelas em betão, ou solução técnica análoga da nascente e por vinte metros até um óculo/abertura, que reponha a galeria da mina e tubos no estado em que se encontrava antes do respectivo desmoronamento;
ou SUBSIDIARIAMENTE, na eventualidade de não vir a entender-se nos termos das antecedentes alíneas c) e d)
e) serem os AA. condenados a pagar aos RR., a título de danos patrimoniais o montante global de €9.752,13 (nove mil setecentos e cinquenta e dois euros e treze cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a notificação deste, até efectivo e integral embolso.
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Os AA. replicaram, concluindo como na petição inicial e pela improcedência da reconvenção.
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Após, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:

“O Tribunal é competente em razão do território.

I. Da Reconvenção

Os Réus formulam, na contestação, pedido reconvencional, alegando, em suma, que são proprietários de dois prédios, a favor dos quais se encontra constituída servidão de água, mina e aqueduto, com determinada configuração, a onerar o prédio dos Autores, tendo os Autores vindo a prejudicar o exercício da referida servidão.
Pedem, a final, a título principal, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os prédios identificados e o reconhecimento da existência da aludida servidão.
Os Autores pediram, em suma, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado na p.i., a condenação dos Réus a restituírem o prédio à situação em que se encontrava antes de os Réus ali terem realizado obras e trabalhos que alteraram a servidão, bem como a pagarem aos Autores indemnização pelos prejuízos causados.
Ora, dispõe o artigo 266º, nºs 1 e 2, CPC, “O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.
Compulsada a contestação e o pedido reconvencional formulado, pretendendo os Réus o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os identificados prédios e o reconhecimento da existência da servidão - nos termos e com as características por si alegadas - a favor de tais prédios e a onerar o prédio dos Autores – que pedem o reconhecimento do direito de propriedade sobre tal prédio e a condenação dos Réus na reposição das obras que alegam ter alterado a servidão existente - não pode, nos termos das alíneas a) e c) supra transcritas, deixar de se ter por admissível a reconvenção, pelo que, sem necessidade de adicionais considerações, admito a reconvenção apresentada.
Notifique.

II.Do valor

Nos termos do disposto nos artigos 296º, 297º, 299º, 305º e 306º, nºs 1 e 2, do CPC, em face dos pedidos formulados, em acção e reconvenção (a título principal), o valor da acção deve ser fixado no valor correspondente à soma do valor patrimonial dos prédios cujo reconhecimento da propriedade vem peticionado, o valor da indemnização pedida pelos Autores e o valor atribuído pelos Réus/Reconvintes à servidão, i.e., em € 105.630,65 (cento e cinco mil seiscentos e trinta euros e sessenta e cinco cêntimos) – o que se decide.
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O valor da causa fixado em função do exposto supra determina a incompetência deste juízo local para a tramitação e julgamento da presente acção.
Com efeito, nos termos do art. 130º, nº1, L.O.S.J. (L. 62/2013, 26/8, na atual redação), os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada.
Dispõe o art. 117º, nº1, a), da mesma lei, “[C]ompete aos juízos centrais cíveis: a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000”.
A incompetência assim constatada, apesar de relativa, é de conhecimento oficioso (art. 104º, nº2, CPC).
Nessa sequência, declaro este juízo local incompetente, em razão do valor, sendo competente o Juízo Central Cível de Guimarães (R.L.O.S.J. – DL. 49/2014, 27/3, na atual redação).
Notifique e, após trânsito, remeta ao juízo competente (art. 105º, nº3, CPC).”.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, vieram os AA. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
1. Ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 627.°, n.º 1, 629.°, n.º 1, 631.°, n.º 1 e 2, e 644.°, n.º 1, alínea a), última parte, do CPC, vem o presente recurso interposto do douto despacho de 06/12/2020 que, decidindo o incidente de verificação do valor da causa, fixou-o em €105.630,65;
2. O valor da causa deve exprimir a "utilidade económica imediata do pedido";
3. Para o seu apuramento, fundamental é distinguir "pedidos principais" de "pedidos instrumentais" e, ainda, "cumulação real" de "cumulação aparente" de pedidos.
4. Assim, porque melhor não o sabemos exprimir, diremos, tal como Anselmo de Castro, que "há um elemento comum às acções de simples apreciação, condenação e constitutiva: o carácter total ou parcialmente declarativo da actividade do tribunal. Em qualquer destes tipos de acções há sempre a necessidade de verificação e declaração judicial de uma situação jurídica anteriormente existente. Nalgumas - típicas são as de simples declaração - o poder jurisdicional esgota-se aí; noutras, porém, a referida declaração é pressuposto de certa providência (condenatória, constitutiva, ou preventiva), assumindo, assim, a declaração um sentido meramente instrumental."
5. E, tal como ensina Castro Mendes, que "do ponto de vista económico, que domina a matéria de fixação do valor da causa (art.º 305.°, n.º 1) é necessário distinguir a cumulação real de pedidos da cumulação aparente. Na primeira o autor pretende utilidades económicas diversas; na segunda, embora tenha de formular várias pretensões correspondentes a vários estádios jurídicos da tutela do seu interesse a utilidade económica imediata derivada da procedência do pedido é uma só (cfr. arts. 26.°, n.º 2, e 305.°, n.º 1)"; 6. Tais formulações encontram eco, entre outra jurisprudência, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20/10/2009, proferido no proc. 73/09.0TBAW-A.G1, onde se pode ler, para além do mais, que "na acção de reivindicação, não obstante os autores pedirem o reconhecimento do direito de propriedade sobre a totalidade do seu prédio bem como a condenação dos réus nos pedidos acessórios de indemnização dos danos causados na coisa ou de condenação na demolição de obra feita por eles, o valor da causa deve ser fixado em função do valor da parcela de terreno reivindicada";
7. Na senda do exposto, a cumulação dos pedidos formulados pelos AA. sob as alíneas a) a d) é meramente aparente, já que todos têm a mesma utilidade económica - o pedido formulado na alínea c) de condenação dos RR. a destruírem as obras descritas nos artigos .17.° a 24.°, respondo o prédio dos AA. no seu estado anterior;
8. Os AA. consideram que o valor económico de tal pedido é de €500,01;
9. A par da cumulação aparente daqueles pedidos, foram formulados outros pedidos em cumulação real, mormente o pedido de condenação dos RR. a pagar a quantia de €4.500,00, a título de danos não patrimoniais;
10. Por seu turno, a cumulação dos pedidos reconvencionais formulados pelos RR. sob as alíneas a) a c) é também meramente aparente, já que todos têm a mesma utilidade económica - o reconhecimento do direito de servidão de água e de aqueduto, a onerar o prédio dos AA. a favor dos prédios dos RR.;
11. Em conclusão, o valor da acção deveria ter sido fixado em €15.752,14.
12.Assim não decidindo, violou o Tribunal a quo os arts. 296.°, 297.°, 299.°, 305.° e 306.°, n.º 1 e 2, do CPC.

Termos em que se requer a V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, que concedam provimento à presente Apelação e, em consequência, revoguem o douto despacho recorrido, proferindo douto Acórdão que fixe o valor da acção em €15.752,14 e determine a anulação de todo o processado após o despacho recorrido, designadamente, o douto despacho que julgou competente para preparar e julgar a presente acção, em razão do seu valor, o Juízo Central Cível de Guimarães, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual, JUSTIÇA.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre o valor da acção.
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Fundamentação de facto

A materialidade supra descrita no ponto I.
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Fundamentação jurídica

A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido (art.º 296º, n.º 1 do CPC). Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (n.º 2).
Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal (art.º 299º, n.º 1 do CPC). O valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530º (n.º 2).
Ora, este preceito diz-nos que “n[N]ão se considera distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos”.
Se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa (art.º 302º, n.º 1 do CPC). Tratando-se de outro direito real, atende-se ao seu conteúdo e duração provável (n.º 4).
Por sua vez, no caso de pedidos subsidiários, atende-se unicamente ao pedido formulado em primeiro lugar – art. 297.º, n.º 3, 2.ª parte do Cód. Proc. Civil.
Já, por sua vez, estabelece-se no art. 306.°, n.º 2, do mesmo diploma legal que "c[C]umulando-se na mesma acção vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles (...)".
Quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite, a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar (art.º 308.º do CPC).
Se for necessário proceder a arbitramento, é este feito por um único perito nomeado pelo juiz, não havendo neste caso segundo arbitramento (art.º 309.º do CPC).
Ora, in casu, os AA. pedem que se declare e reconheça o seu direito de propriedade sobre o prédio que identificam, e assim sejam os RR. condenados a reconhecer esse seu direito e sejam condenados a restituí-lo à situação anterior às obras alegadas nos artigos 17º a 24ºda petição inicial, para além da indemnização que pedem no valor total de € 4.500,00.
Por sua vez, os RR., para além de igualmente pedirem a condenação dos AA./Reconvindos a reconhecer o seu direito de propriedade sobre os prédios identificados nos pontos 39 e 43, da contestação/reconvenção, pedem que os mesmos sejam condenados a reconhecer existir a favor dos prédios dos RR. servidão de água e aqueduto, para fruição de todas as suas utilidades agrícolas e domésticas, na sua configuração física actual, ou seja, conforme descrita nos artigos 52. a 86., do referido articulado, formulando, após, vários outros pedidos subsidiários.
Tendo em conta a delimitação dos pedidos que têm na sua base a servidão que pende sobre o prédio dos AA. a favor do dos RR., importa, para o efeito considerar que uma servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (art.º 1543º do Código Civil).
Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor (art.º 1544º do CC).
A servidão cria um direito em benefício do prédio dominante e um encargo sobre o prédio serviente. O valor daquele direito determina-se pela maior estimativa dos cómodos a que der lugar; assim, para a fixação do valor do direito há-de atender-se ao proveito ou comodidade que para o prédio dominante representa a existência da servidão, computando-se (no máximo) tal proveito ou comodidade.
Já quanto ao valor do encargo, importa atender aos prejuízos a que der causa - apura-se o prejuízo ou detrimento que o prédio serviente sofre em consequência da servidão.
Como se começou por referir, para a fixação do valor da causa, o critério fundamental que a lei nos fornece é o da utilidade económica imediata que com a acção se pretende obter, ou seja, a expressão monetária do benefício que pela acção se pretende assegurar, sendo que, em rigor, o benefício a que a acção visa é dado, não pelo pedido isoladamente considerado, mas pelo pedido combinado com a causa de pedir - o valor do(s) pedido(s) considerado(s) em atenção à relação jurídica com base na qual se pede – cfr. J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 591 e seguintes, a propósito de idênticas disposições do CPC de 1939.
Assim, no caso em análise, o que importa é apurar quanto se teria de gastar para recolocar o imóvel dos AA. antes das obras aí alegadamente realizadas pelos RR. contra a sua vontade, que se encontram vertidas nos artigos 17º a 24º da petição inicial, para além do pedido de indemnização formulado, dado que quer o direito de propriedade dos AA., quer dos RR., não é posta em causa por nenhuma das partes.
Por outro lado, tendo em conta a reconvenção deduzida, em que se pede o reconhecimento da existência a favor dos prédios dos RR. de uma servidão de água e aqueduto, para fruição de todas as suas utilidades agrícolas e domésticas, na configuração física descrita nos artigos 52. a 86. da contestação/reconvenção, para consubstanciar o conteúdo e duração provável desse invocado direito de servidão (art.º 302º, n.º 4 do CPC), importa(va) apurar, sobretudo, o proveito ou comodidade que representa a existência da servidão.
Ora, de acordo com a própria “natureza das coisas”, o valor das acções que se reportem a direitos reais menores determina-se atendendo, em concreto, às utilidades proporcionadas ao seu titular (benefícios ou utilidades com eventual e directa repercussão no respectivo património) e à sua duração provável - Vide Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 297.
Como já referia Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, V. III, pág.s 594 e segs., não é pelo facto de o autor pedir o reconhecimento da propriedade de todo o seu prédio que o valor da acção passa necessariamente a ser o de todo esse prédio. Se afinal o A. apenas pretende que se reconheça que certa faixa faz parte do seu prédio por força da linha divisória que o separa de outro, há um “contraste manifesto entre o pedido formulado pelo autor e o objectivo real da acção”. O interesse do autor é, tão só, a resolução do litígio e este cinge-se à porção de terreno que é negada pelo réu. Quanto ao restante - isto é, quanto à propriedade do terreno restante do prédio do autor - não há qualquer diferendo a dirimir. Daí que não haja qualquer utilidade para o autor na declaração de tal extensão. O método prático de aferir a utilidade da acção é, pois, o de crivar ou cotejar o pedido com os factos que integram a causa de pedir, sendo o valor da causa o que resultar da conjunção dos dois elementos (fórmula de Chiovenda).
Tal como se entendeu no acórdão desta mesma Relação (cfr. 73/09.0TBAVV-A.G1, publicado na dgsi), o pedido de reconhecimento do domínio implicitamente abrangido num outro pedido, como ocorre quando se pede, na acção de reivindicação, a restituição da coisa, tal reconhecimento da existência do direito é um pressuposto e não um pedido a acrescer ao pedido formulado de entrega da coisa.
Só aparentemente existe uma acção de simples apreciação cumulada com uma acção de condenação, sem que tal configure uma cumulação real de pedidos, tratando-se, antes, de uma multiplicidade ou pluralidade de pedidos aparente e não real.
Assim, o valor da acção deverá corresponder ao da coisa reivindicada, pelo que estando em causa, não a totalidade da coisa/prédio, mas uma fracção ou parte dela, o valor da causa terá que ser determinado não pelo valor de toda a coisa, mas pelo da parcela ou fracção em litígio; se apenas estiver em causa parte de uma coisa, ainda que se peça a declaração do direito de propriedade sobre toda ela, é o valor da parte em litígio que marca o valor processual da causa (neste mesmo sentido vide, nomeadamente, J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. 593 e seguintes; J. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 543 e 551; E. Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, Livraria Petrony, Lisboa, 1992, págs. 54 e seguinte e Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª edição, Almedina, 2008, pág. 47, pronunciando-se, todos estes autores, sobre idênticas disposições dos Códigos de Processo Civil de 1939 e/ou de 1961, bem como entre outros, o Ac. da RC de 11.7.2012-processo 286/10.2TBSPS-B.C1, e da RG de 14.02.2013-processo 1226/11.7TBFAF-A.G1, publicados no “site” da dgsi).
Entende-se, em suma, que o interesse do autor/reconvinte é, tão só, a resolução do litígio e este cinge-se à parte da propriedade que é afectada, dado que, quanto ao restante, isto é, quanto à propriedade restante, não há qualquer diferendo a dirimir. Daí que não haja qualquer utilidade para o autor na declaração de tal extensão.» - neste sentido Ac. da RG de 14.02.2013, processo 1226/11.7TBFAF-A.G1, e da RC de 11.7.2012-processo 286/10.2TBSPS-B.C1, publicados no “site” da dgsi.
Posto isto, o valor da acção deve reflectir o montante que custará proceder à restituição do bem imóvel à situação anterior às obras alegadas nos artigos 17º a 24ºda petição inicial, a que se somará a indemnização que os AA. pedem no valor total de € 4.500,00, bem como o montante a que corresponder a utilidade, proveito ou comodidade da servidão de água e aqueduto, conforme descrita nos artigos 52. a 86., da conestação/reconvenção apresentada pelos RR./Reconvintes, ainda que para tal se tenha e deva recorrer ao arbitramento (cfr. art.º 309.º do CPC).
Nestes termos, tem, pois, de proceder o recurso, anulando-se, em consequência, o despacho proferido e o demais processado, se necessário, por forma a ser substituído por outro que determine as diligências necessárias a apurar o valor da acção nos termos expostos, ainda que com recurso ao arbitramento.
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III-Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso procedente, devendo, em consequência, ser revogada a decisão nos termos e em conformidade com o exposto.
Sem custas.
Registe e notifique.
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Guimarães, 29.4.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida