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REGIME DE BENS DO CASAMENTO
PARTILHA SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
Sumário
- A constatação de erro de julgamento no âmbito da matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do C.P.C., impõe que se tenha chegado à conclusão que a formação da decisão devia ter sido em sentido diverso daquele em que se julgou, emergindo de um juízo conclusivo de desconformidade inelutável e objectivamente injustificável entre, de um lado, o sentido em que o julgador se pronunciou sobre a realidade de um facto relevante e, de outro lado, a própria natureza das coisas, o que se veio a verificar no caso em apreço, pois, no que tange à redacção de alguns pontos dos factos dados como provados, existiu erro notório na apreciação da prova (testemunhal e documental) carreada para os autos, o que, inexoravelmente, levou à alteração da factualidade apurada nos autos por parte deste Tribunal Superior. - “In casu”, nos termos do disposto no artigo 1789.º, n.º 1, do Código Civil, só os bens existentes à data da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges (A. e R.) - 22/7/2011 - é que podem ser objeto de partilha, pelo que, seja qual for o destino dado ao dinheiro levantado da conta bancária pelo R. em 25/5/2011, ou seja, em data anterior à data da propositura da ação de divórcio (cerca de dois meses), o respetivo valor não poderá ser chamado ao inventário para separação de meações. - Isto porque, no processo de inventário apenas são partilhados os bens existentes à data da cessação dos efeitos patrimoniais entre os cônjuges (cfr. artigo 1689.º do Código Civil) e já não os bens que existiam em qualquer momento anterior. - Face ao estipulado no artigo 1790.º do Código Civil, o R., aqui apelante, não obstante ter sido casado com a A. no regime de comunhão geral de bens, não poderá receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos. - Atenta a factualidade apurada nos autos, resulta claro que do património comum dos ex-cônjuges faz parte, indubitavelmente, o bem imóvel que constituiu a casa de morada de família de A. e R. durante a vigência do casamento, que, por isso, deve integrar os bens a partilhar, sendo certo que, por virtude de tal partilha, o aqui recorrente não poderá receber mais do que lhe caberia se o regime de bens entre eles fosse o de comunhão de adquiridos. - Com efeito, o citado artigo 1790.º não se preocupa com a determinação do acervo dos bens a partilhar, mas com o resultado a que se chega finda a partilha. - Por isso, tendo sido determinado que o imóvel identificado no ponto 4. dos factos provados é bem comum do dissolvido casal constituído por A. e R., deverá proceder-se à sua partilha (adicional) entre eles, com recurso a licitações se necessário, e tendo sempre presente em tal partilha a regra constante do referido artigo 1790.º do Código Civil. (Sumário do Relator)
Texto Integral
P. 2126/16.0T8STR.E3
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
(…) intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra (…), peticionando (com exclusão dos pedidos relativamente aos quais foi declarada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por despacho datado de 17.02.2017):
a) A condenação do réu a reconhecer que o saldo dos depósitos existentes na conta titulada por autora e réu junto do Millenium BCP, agência da (…), à data de 24.05.2011, era da propriedade de autora e ré;
b) A condenação do réu a restituir ao património do dissolvido casal, constituído por ele e pela autora, os montantes existentes na conta referida no ponto antecedente, a fim de ser partilhado entre eles;
c) Subsidiariamente, a condenação do réu a restituir à autora metade do montante referido no ponto antecedente no prazo de 10 dias após o trânsito da sentença que for proferida;
d) A condenação do réu a reconhecer que a casa de habitação inscrita na matriz sob o atual artigo (…) da União de Freguesias de (…) é bem comum do dissolvido casal constituído pela autora e pelo réu.
Para fundamentar a sua pretensão, invocou a autora, em curta síntese, consubstanciar património comum do dissolvido casal – constituído por si e pelo réu – o dinheiro existente numa conta do Millennium BCP de cuja totalidade do saldo afirma que o demandado se apropriou em proveito exclusivo. Alegou, ainda, a autora factos suscetíveis de integrarem a aquisição originária, por usucapião, pelo dissolvido casal, do direito de propriedade sobre a casa de habitação inscrita na matriz sob o n.º (…).
O réu apresentou contestação, impugnando motivadamente a matéria articulada pela autora.
Ao abrigo do disposto no artigo 590.º/2/3 do C.P.C. foi proferido despacho pré-saneador de convite à junção de documentos e de convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto alegada pela autora.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
De seguida foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Declarou que o saldo do depósito existente na conta n.º (…) junto do Millenium BCP, agência de (…), à data de 24.05.2011, era da propriedade de autora e réu, assistindo à autora o direito a metade do seu valor;
b) Condenou o réu a restituir ao património do dissolvido casal, constituído por ele e pela autora, o montante existente na conta referida no ponto antecedente, a fim de ser partilhado entre eles;
c) Declarou que a casa de habitação inscrita na matriz sob o atual artigo (…) da União de Freguesias de (…) é bem comum do dissolvido casal constituído pela autora e réu, assistindo à autora o direito a metade do seu valor.
Inconformado com tal decisão dela apelou o Réu para esta Relação que, por acórdão datado de 2/10/2018, anulou a sentença proferida na 1ª instância (determinando que fosse realizada uma perícia, bem como um novo julgamento para averiguar diversa factualidade importante para a boa decisão da causa, através de diligências de prova documental, testemunhal e/ou por declarações das partes – cfr. artigos 423.º, 466.º e 495.º do C.P.C.).
O tribunal “a quo” ordenou a realização da perícia e, de seguida, designou logo data para continuação do julgamento, no qual apenas foram proferidas alegações pelo ilustre mandatário do R., único presente na audiência.
Posteriormente foi proferida nova sentença pela Julgadora “a quo”, a qual julgou a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Declarou que o saldo do depósito existente na conta n.º (…) junto do Millenium BCP, agência de (…), à data de 24.05.2011, era da propriedade de autora e réu, assistindo à autora o direito a metade do seu valor;
b) Condenou o réu a restituir ao património do dissolvido casal, constituído por ele e pela autora, o montante existente na conta referida no ponto antecedente, a fim de ser partilhado entre eles;
c) Declarou que a casa de habitação inscrita na matriz sob o atual artigo (…) da União de Freguesias de (…) é bem comum do dissolvido casal constituído pela autora e réu, assistindo à autora o direito a metade do seu valor.
Novamente inconformado com tal decisão dela apelou o Réu para este Tribunal Superior que, por acórdão datado de 10/10/2019, anulou a sentença proferida na 1ª instância (pois o tribunal “a quo” não realizou todas as diligências prova que tinham sido ordenadas no aresto anteriormente proferido nesta Relação, tendo realizado, apenas, a perícia aí determinada).
No tribunal “a quo” procedeu-se então à realização de uma nova audiência de julgamento, na qual foram inquiridas diversas testemunhas e tomadas declarações de parte ao Réu.
De seguida, veio a ser proferida nova sentença pela Julgadora “a quo”, a qual julgou a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Declarou que o saldo do depósito existente na conta n.º (…) junto do Millenium BCP, agência de (…), à data de 24.05.2011, era da propriedade de autora e réu, assistindo à autora o direito a metade do seu valor;
b) Condenou o réu a restituir ao património do dissolvido casal, constituído por ele e pela autora, o montante existente na conta referida no ponto antecedente, a fim de ser partilhado entre eles;
c) Declarou que a casa de habitação inscrita na matriz sob o atual artigo (…) da União de Freguesias de (…) é bem comum do dissolvido casal constituído pela autora e réu, assistindo à autora o direito a metade do seu valor.
Uma vez mais inconformado com a dita sentença dela apelou o Réu para esta Relação, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal a quo considerou erradamente como provado que a autora saiu da casa que foi a residência do casal em 24/05/2011, considerando tal facto admitido por acordo das partes.
2 - Sucede que, logo no artigo 2º da contestação, o réu afirma que “É verdade o alegado nos artigos 1º a 10º da douta P.I., todo o restante articulado se impugna por não corresponder à realidade”.
3 - Ora, tendo em consideração “A simples negação da veracidade do facto articulado satisfaz o ónus de impugnação” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/03/1985, BMJ, 345.º - 455) e que “impugnar significa contrariar, refutar, fazer oposição, negar, em suma, a veracidade de um facto” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – 7ª, de 29/02/2000, Sumários, 38.º-53),
4 - É evidente que a data da separação de facto não poderia ter sido considerada assente por acordo das partes.
5 - Por outro lado, em face dos elementos probatórios carreados para os autos, deveria ter sido julgado como assente que a casa de habitação descrita no ponto 4) dos factos assentes foi construída no ano de 1973, pelo réu e constituía a residência do casal. Porquanto:
6 - Da própria sentença resulta que na data do casamento aquela casa de habitação já se encontrava pronta a habitar passando a constituir a residência habitual da autora e réu.
7 - Dos documentos nºs 3, 4 e 5 juntos à contestação decorre que o procedimento de licenciamento de obras foi promovido pelo recorrente, a licença de obras terminou no ano de 1973 e o seguro inerente a esta construção foi pago pelo réu, que figura na respetiva apólice como segurado, constando do pedido de licença de construção junto da Câmara Municipal de Ourém, de 13 de Agosto de 1973, que o prédio vai ser construído numa propriedade do requerente (Doc. nº 2 junto à contestação).
8 - Também a testemunha “(…) – de 76 anos de idade, que no ano de 1973, se deslocou, por mais do que uma vez à casa em discussão para carregar material (ferro, cimento) …” (cfr. motivação da decisão sobre a matéria de facto).
9 - Assim, a casa foi construída em 1973, antes da celebração do casamento, pelo réu, tendo a autora ajudado com o seu trabalho na construção, trazendo água e o seu pai também ajudou e deu 40 contos para a ajuda das despesas.
10 - As relações pessoais e patrimoniais dos cônjuges cessam pela dissolução do casamento e com a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, opera-se a partilha dos bens do casal.
11 - Quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retrotraem- se à data da propositura da ação de divórcio, ou à data da cessação da coabitação entre os cônjuges, que ficará consignada na respetiva sentença, a requerimento de qualquer um deles (cfr. artigo 1789.º do CC)
12 - In casu, tendo o processo de divórcio sido autuado em 22/07/2011 e não tendo sido fixada na sentença que decretou o divórcio a data da cessação da coabitação entre os cônjuges, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessaram naquela data.
13 - Tanto mais que, também nos presentes autos, não foi feita prova de que a separação de facto dos cônjuges ocorreu em 24/05/2011.
14 - A composição dos bens que integram a comunhão deve-se considerar fixada no dia da propositura da ação de divórcio, ou seja, em 22/07/2011, devendo a partilha dos bens ser efetuada tendo em consideração esta data e não o património que existia em momento anterior.
15 - Só os bens existentes à data da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges é que podem ser objeto de partilha, sendo irrelevante o destino dado ao dinheiro levantado da conta bancária em data anterior à data da propositura da ação de divórcio.
16 - Pelo exposto, não podendo o saldo da conta bancária do Millennium BCP integrar a relação dos bens do casal do dissolvido casal, para partilha, também não se pode aplicar o disposto no artigo 1790.º do Código Civil, uma vez que esta norma prevê expressamente a partilha (dos bens atuais e não os existentes no passado)
17 - O saldo bancário no valor de € 7.500,00 não existia no momento temporal definido pela lei como sendo o momento da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, ou seja, 22/07/2011.
18 - Sendo certo que, o levantamento do saldo bancário pertencente a ambos os cônjuges, designadamente por força do regime de bens de casamento (comunhão geral) e a sua destinação em plena vigência do casamento integra um ato de administração de um bem comum, permitido pelo disposto no artigo 1678.º do Código Civil.
19 - Com o devido respeito, considera o recorrente que a aplicação do instituto jurídico da usucapião ao caso sub judice não tem cabimento. Senão vejamos:
20 - A posse que pode levar à aquisição originária por usucapião é integrada por dois elementos essenciais: corpus e animus.
21 - Para além da materialidade de atuação que se manifesta quando alguém age relativamente a um bem como titular do direito de propriedade (corpus), tem de se verificar o elemento subjetivo (animus), a saber: o indivíduo tem de agir como titular de um direito real que formalmente pertence a outro sujeito.
22 - A autora teria de ter atuado em relação à casa de habitação como se fosse sua proprietária, sendo que formalmente tal bem pertenceria a outro sujeito (marido).
23 - No entanto, considerando que a autora era efetivamente proprietária da casa, conjuntamente com o seu marido, atendendo ao regime de bens do casamento, é evidente que nunca se poderá afirmar que se comportou como proprietária de um bem pertencente a terceiro, inexistindo, por isso, animus.
24 - Mais, ficou demonstrado que a casa de habitação é bem comum do casal e sendo ambos os cônjuges proprietários por serem casados sob o regime da comunhão geral, não faz sentido invocar qualquer situação de posse para justificar e determinar o âmbito de aplicação do disposto no artigo 1790.º do Código Civil.
25 - Importa, antes, averiguar qual o verdadeiro estatuto jurídico do bem anterior ao casamento (comum ou próprio), dilucidando quem o adquiriu ou custeou a sua construção.
26 - Sem prescindir, ainda que se entenda que o instituto da usucapião é aplicável ao caso em apreço, o que não se aceita, sempre se dirá que a utilização de uma habitação ao abrigo das regras próprias do casamento, não é suscetível de levar a aquisição originária por usucapião.
27 - Porquanto, no âmbito do casamento, é admitida a fruição plena da casa de morada da família dos cônjuges, sem que essa fruição tenha virtualidade de alterar o estatuto jurídico do bem (comum ou próprio), designadamente, por força do princípio da intangibilidade do regime de bens do casal, previsto no artigo 1714.º do Código Civil.
28 - Na verdade, os atos materiais praticados pela autora, bem como a sua fruição da casa é uma decorrência lógica dos deveres matrimoniais, designadamente, o dever de coabitação, cooperação e assistência.
29 - Trazer água para a construção da casa, limpar, reparar, pagar impostos, vigiar, ter as chaves, cozinhar, lavar a roupa, dormir, na casa de morada da família, não é mais do que uma manifestação daqueles deveres conjugais, que não tem a virtualidade de alterar o estatuto jurídico do bem.
30 - Sem prescindir, “Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse” (artigo 1288.º do CC)
31 - In casu, a autora começou a viver na referida casa, no dia 20.01.1974, ou seja, precisamente na data do casamento e, portanto, seria neste dia que, segundo a tese da aquisição originária por usucapião, teria adquirido a propriedade do imóvel, conjuntamente com o seu marido.
32 - No entanto, a casa de habitação foi construída no ano de 1973, antes do casamento e o que realmente importa indagar é o direito de propriedade do bem, antes da celebração do casamento, para aplicação do artigo 1790.º do Código Civil.
33 - Assim, a autora apenas conseguiu demonstrar que ajudou a trazer água e o seu pai deu 40 contos, o que não é idóneo a tornar a autora proprietária do imóvel em causa.
34 - Pelo contrário, a autora, que tinha o ónus de alegar e provar que também era proprietária da casa antes do casamento, e não conseguiu, relativamente à sua pessoa, demonstrar mais do que o facto de ter ajudado a trazer água para a construção do edifício.
35 - Por conseguinte, terá de se concluir que a construção foi promovida e custeada pelo réu, (excetuando os 40 contos que foram dados pelo pai da recorrida), antes da celebração do casamento, pelo que deverá ser considerada como tendo o estatuto de bem próprio deste (antes da celebração do casamento), que depois passou a integrar a comunhão do casal, por força do regime de bens de casamento adotado: comunhão geral de bens.
36 - Foi o réu quem requereu o licenciamento de obras da casa, pagou o seguro de construção, figurando na respetiva apólice como segurado e construiu o imóvel.
37 - Por todo o exposto, considerando o teor do artigo 1790.º do Código Civil, a casa de habitação, terá necessariamente de ser excluída da partilha dos bens do dissolvido casal, detendo o estatuto de bem próprio do réu.
38 - Quanto muito a autora terá direito a uma compensação equivalente ao valor doado pelo seu pai para aplicar na construção da mesma (40 contos, atualmente € 199,52).
39 - E assim, deve ser alterada a resposta à matéria de facto provada quanto aos pontos 3 e 4 e nos termos seguintes:
Ponto 3:
- “No dia 24-05-2011, o réu liquidou a conta n.º (…) junto do Millennium BCP de agência de (…), constituída por autora e Réu em regime de solidariedade.”
Ponto 4:
- “Quanto à casa de rés-do-chão, com 6 divisões, área de 116 m2 destinada a habitação hoje inscrita na matriz sob o artigo … (anterior …) e não descrita na Conservatória do Registo Predial, a confrontar do nascente com estrada e do norte, sul e poente com (…), a mesma foi construída, pelo Réu (…), antes do casamento no ano de 1973, e em terreno por si comprado, aos pais da autora.”
40 - Por outro lado a matéria do ponto 9 dos factos provados, deve passar a constar da matéria dos factos “Não Provados”, o mesmo sucedendo à matéria do ponto 12.
41 - E deve a matéria dos pontos G, H, I, K, e M, passar a integrar, os pontos da matéria de facto provada. E, nessa medida,
42 - Sempre, face ao que atrás fica exposto, a acção ser julgada totalmente improcedente por não provada, e nessa medida revogando-se totalmente a decisão ora impugnada, ou seja, a sentença de 03-07-2020. É que,
43 - A mesma viola, além do mais, o disposto nos artigos 1688.º, 1789.º, 1714.º, 1287.º, 1288.º e 1790.º, todos do C.C. e artigo 662.º, n.º 2, alínea c) e 609.º do C.P.C..
44 - Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, por violadora, por erro de aplicação do disposto nos artigos 1688.º, 1789.º, 1714.º, 1287.º, 1288.º e 1790.º, todos do C.C e ainda o disposto nos artigos 662.º, n.º 2, alínea c) e 609.º, todos do C.P.C., julgando-se improcedente por não provada a presente acção como é de Lei e de Justiça, e o Réu sempre absolvido dos pedidos, com as legais consequências.
Pela Autora foram apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1][2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável ao recorrente (artigo 635.º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3][4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões: 1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova (documental e testemunhal) carreada para os autos e, por isso, deve ser alterada a factualidade dada como provada e não provada; 2º) Saber se a A., na sequência da dissolução, por divórcio, do casamento contraído com o R. segundo o regime da comunhão geral de bens, não tem direito, à luz do regime preceituado no artigo 1790.º do Código Civil, a metade do valor correspondente à quantia depositada em conta bancária no BCP, co-titulada pelo dissolvido casal, nem à casa de habitação onde outrora residiram juntos (que foi a casa de morada de família), a qual era um bem próprio do R. até à celebração do casamento com a A., não lhe assistindo, por isso, o direito a metade do seu valor.
Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever: 1) Autora e réu foram casados um com o outro segundo o regime da comunhão geral de bens desde 20.01.1974. 2) No âmbito do processo n.º 1208/1.9TBVNO, autuado a 22.07.2011, o referido casamento foi dissolvido por divórcio por sentença proferida a 20.12.2011, transitada em julgado a 17.10.2016. 3) No dia 25/5/2011, o R. liquidou a conta nº (…) junto do Millennium BCP, agência de (…), constituída por A. e R. em regime de solidariedade (alterada a redacção neste aresto – cfr. fls. 16). 4) Quanto à casa de rés-do-chão, com 6 divisões, área de 116 m2 destinada a habitação hoje inscrita na matriz sob o artigo … (anterior …) e não descrita na Conservatória do Registo Predial, a confrontar do nascente com estrada e do norte, sul e poente com (…), a mesma foi construída antes do casamento, no ano de 1973, a expensas do R. e do pai da A., e em terreno que era pertença dos pais da A., que ali deixaram as partes construí-la (alterada a redacção neste aresto – cfr. fls. 17). 5) A autora ajudou com o seu trabalho na construção da casa, a trazer água. 6) O pai da autora ajudou na construção da casa e deu 40 contos para a ajuda das despesas. 7) O réu, quando veio de França, pagou ao eletricista (…). 8) A autora sempre viveu na referida casa, desde 20.01.1974, limpando-a, mandando-a reparar, pagando os impostos da mesma, vigiando as estremas,possuindo as chaves das portas, nela cozinhando, lavando a roupa, dormindo, confecionando as refeições. 9) Sempre à vista de toda a gente, de forma contínua, pacífica, convicta de que não lesava direitos de ninguém e convencida de que a mesma pertencia a si e ao seu ex-marido. 10) O valor do terreno onde se encontra construída a casa de rés-do-chão, com 6 divisões, área de 116 m2 destinada a habitação, hoje inscrita na matriz sob o artigo … (anterior artigo …) do concelho de Ourém, freguesia de (…), e não descrita na Conservatória do Registo Predial, a confrontar a nascente com estrada e do norte, sul e poente com (…) era, à data de fevereiro de 2019, de € 9.300,00. 11) O valor da casa implementada no terreno referido no ponto antecedente era, à data de fevereiro de 2019, de € 25.500,00. 12) O pai da autora procedeu ao pagamento de dois pedreiros, que estiveram envolvidos na construção da casa durante o período de pelo menos um ano, auferindo cada um deles, por cada díade trabalho (oito horas de trabalho), a quantia de 60 escudos, trabalhando seis dias por semana.
Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pelo R., ora apelante – saber sefoi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova (documental e testemunhal) carreada para os autos e, por via disso, deverá ser alterada a factualidade dada como provada e não provada – importa dizer a tal respeito que sustenta aquele a sua pretensão tendo por base, nomeadamente, os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas (…), (…) e (…) e ainda pelas declarações de parte por si prestadas, todos eles ouvidos em audiência de julgamento, bem como em diversos documentos por si juntos aos presentes autos.
Ora, a este respeito, o n.º 1 do artigo 662.º do C.P.C. estipula o seguinte:
- “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o artigo 640.º do C.P.C. especifica ou concretiza qual o ónus que incumbe ao recorrente quando pretender impugnar a matéria de facto, sendo que a alínea b) do n.º 1 do referido preceito legal é bem clara nesta matéria ao mencionar que o recorrente deve especificar quais os meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, não se contentando o legislador nesta matéria com uma mera faculdade (como por exemplo “podiam dar lugar” em vez de “impunham”), mas antes consagrando um imperativo.
Ora, no caso dos presentes autos, houve gravação dos depoimentos testemunhais e das declarações de parte da A. e do R., prestados em julgamento e, por isso, este último podia impugnar, com base neles, a decisão da matéria de facto, seguindo, naturalmente, as regras impostas pelo citado artigo 640.º do C.P.C..
Com efeito, verifica-se que, como vimos supra, o recorrente indicou, nas suas alegações e conclusões de recurso, quais os concretos meios probatórios que, em seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, identificando as testemunhas e as partes, concretizando ainda com exactidão as respectivas passagens da gravação dos depoimento das ditas testemunhas e das declarações de parte do R., sendo que, por isso, deu cumprimento, nesta parte, ao estatuído no n.º 1, alíneas a), b) e c) e n.º 2, alínea a), do já citado artigo 640.º do C.P.C..
“In casu” – e após audição de todas as gravações da prova realizada nas sessões de julgamento – verifica-se que o R., desde logo, pretende que seja alterada a resposta dada ao ponto 3. dos factos provados, uma vez que a data em que a A. terá saído do lar conjugal, ao contrário do que é referido pela Julgadora “a quo” na respectiva motivação da decisão sobre a matéria de facto, não resultou de qualquer acordo das partes nesse sentido.
Com efeito, o R., no art. 2º da sua contestação, veio impugnar toda a factualidade alegada pela A. na petição inicial, com excepção dos arts. 1º a 10º de tal articulado, por a mesma não corresponder à realidade e, por isso, negou, de forma expressa, a veracidade relativa à data em que a A. veio a sair do lar conjugal, a qual consta elencada no art. 11º da referida petição.
Ora, tal impugnação não carece, porém, de ser motivada, através de uma contraversão dos factos articulados pelo autor, bastando a mera negação expressa de factos alegados na petição – cfr. C.P.C. Anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, 2ª ed., pág.672.
Por isso, não mencionando a lei processual a forma a que deve obedecer a impugnação dos factos para a termos por eficaz, a simples negação da sua veracidade será meio idóneo para o efeito, atenta a atual redação do artigo 490.º, n.º 2 do CPC(que corresponde ao n.º 2 do artigo 574.º do actual C.P.C.).E impugnar significa contrariar, refutar, fazer oposição, negar, em suma, a veracidade de um facto” – cfr. Ac. do STJ, de 29/02/2000, 7ª sec., Sumários, 38º-53.
Acresce que, após ter sido decretado o divórcio por mútuo consentimento entre A. e R., como veio ocorrer por sentença datada de 20/12/2011, transitada em julgado (cfr. ponto 2. dos factos provados), já não é possível fixar a data em que cessou a coabitação entre os cônjuges (nomeadamente pela saída da A. do lar conjugal), como estipula o n.º 2 do artigo 1789.º do Código Civil.
Neste sentido, podem ver-se, entre outros, o Ac. do STJ de 22/1/1997, in CJSTJ, Tomo 5º, página 63 e, ainda, o mais recente Ac. do STJ de 7/6/2018, disponível in www.dgsi.pt.
Assim sendo, e tendo por base a documentação junta a fls. 230 a 236 dos autos, o ponto 3. dos factos provados não se pode manter, tendo de ser alterado, passando a sua redacção (a negrito) a ser a seguinte: 3 - No dia 25/5/2011, o R. liquidou a conta n.º (…) junto do Millennium BCP, agência de (…), constituída por A. e R. em regime de solidariedade.
Por sua vez, no que tange ao ponto 4. dos factos provados, sustenta o R. que a casa foi construída por si em 1973, antes do casamento celebrado com a A., e em terreno que adquiriu verbalmente ao pai da A.
Ora, da análise dos documentos juntos a fls. 167/168 com a contestação (não impugnados pela A.) resulta claro que o procedimento de licenciamento junto da Câmara Municipal competente foi promovido pelo R., tendo a respetiva licença de obras terminado no ano de 1973, assim como o seguro inerente a esta construção foi pago pelo R.
Por outro lado, também se apurou que A. e R. casaram em Janeiro de 1974 e logo foram viver para a referida casa, como ambos referiram nas declarações de parte prestadas em julgamento, pelo que é mais que verosímil que a construção da dita casa haja terminado em finais de 1973.
Todavia, relativamente à propriedade do terreno onde foi implantada a casa e quem pagou os materiais e a mão de obra necessárias para a sua construção, não resultou da prova testemunhal aquilo que o R. sustenta pela presente via recursiva.
Na verdade, a testemunha (…) afirmou, de forma categórica e peremptória, que o pai da A. lhe disse que tinha dado o terreno à filha para a mesma aí construir a sua casa (o que é corroborado através da escritura de doação que a A. juntou aos autos – cfr. fls.202 a 210), bem como aquele ainda se gabava regularmente de ter oferecido 40 contos para ajudar a filha na construção da dita casa.
Todas as restantes testemunhas, incluindo as arroladas pelo R., desconheciam a quem pertencia o terreno onde foi construída a casa aqui em litígio, sendo que foi apenas o R. que veio a referir, nas suas declarações de parte prestadas em julgamento, ter comprado tal terreno verbalmente ao seu futuro sogro.
Já a testemunha (…), que trabalhou como pedreiro na construção da casa, referiu, sem hesitações, que era o pai da A. – e não o R. – que o contratou a si e ao (…) e que lhes pagava o trabalho (por vezes ao mês, outras vezes à semana), tendo pormenorizado ainda quanto ganhavam ao dia (60 escudos), trabalhando 8 horas e 6 dias por semana.
Por sua vez, a A. confessou que foi o R. que pagou a instalação eléctrica da casa e o respectivo trabalho efectuado pelo electricista, sendo que a testemunha (…) afirmou que viu a A. e o R. a trabalhar na construção da casa em conjunto com mais 3 a 4 pessoas, muito embora desconhecesse quem pagava os materiais adquiridos e necessários para a dita construção (tais, como cimento, tijolos, telhas, portas, janelas, loiças sanitárias, etc.).
Finalmente, as testemunhas (…) e (…), arroladas pelo R., disserem que naquela altura estavam emigrados em França, acrescentando o (…) que costumava vir a Portugal no Natal, mas não viu a A. a trabalhar na casa, sendo que o (…) referiu não ter assistido, sequer, à construção da dita casa.
Assim sendo, o ponto 4. dos factos provados tem também de ser alterado, passando a sua redacção (a negrito) a ser a seguinte: 4 -Quanto à casa de rés-do-chão, com 6 divisões, área de 116 m2 destinada a habitação hoje inscrita na matriz sob o artigo … (anterior …) e não descrita na Conservatória do Registo Predial, a confrontar do nascente com estrada e do norte, sul e poente com (…), a mesma foi construída antes do casamento, no ano de 1973, a expensas do R. e do pai da A., e em terreno que era pertença dos pais da A., que ali deixaram as partes construí-la.
Por outro lado, sustenta o R. que os pontos 9. e 12. dos factos provados devem passar a ter respostas negativas (“não provados”), tendo por base, respectivamente, o por si alegado quanto à alteração da redacção do ponto 4. dos factos provados e o por si referido quanto à não credibilidade da testemunha (…).
Ora, a alteração efectuada na redacção do ponto 4. dos factos provados não foi feita no sentido que o R. pretendia – já que não foi dado como provado que a casa foi por si construída, a suas expensas, e que tinha comprado verbalmente o terreno onde a mesma estava implementada ao pai da A. – pelo que inexiste fundamento para alterar a resposta dada ao ponto 9. dos factos provados.
Relativamente à não credibilidade da testemunha (…), já acima foi por nós afirmado que, da audição do seu depoimento, não vislumbramos que o mesmo fosse hesitante ou pouco credível; muito pelo contrário, o mesmo foi peremptório nas afirmações que fez sobre o valor que recebia ao dia a trabalhar como pedreiro, quem o contratou e quem lhe pagava (o pai da A.), pelo que, também aqui, não há fundamento para alterar a resposta dada ao ponto 12. dos factos provados.
Finalmente, sustenta o R. que os pontos G., H., I., K. e M. dos factos não provados devem obter respostas positivas (“provados”).
Assim, e antes de mais, importa saber qual a redacção que consta dos pontos acima referidos, os quais, de imediato, passamos a transcrever: G. A quantia monetária referida no ponto 3) foi utilizada pelo réu para fazer face a despesas do extinto casal. H. O réu adquiriu o terreno onde foi construída a habitação referida no ponto 4) por compra verbal aos pais da autora. I. Foi o réu que contratou e pagou toda a empreitada da casa. K. Foi o réu que pagou os restantes materiais usados na construção da casa (tijolos, cimentos, telhas, portas, janelas, loiças sanitárias). M. Foi o réu quem efetuou o pagamento das remunerações aos trabalhadores da referida obra, em montante não concretamente apurado.
Não obstante a pretensão do R. entendemos que a redacção dos referidos pontos G., H., I., K. e M. dos factos não provados se deve manter inalterada, de todo, atentas as razões e fundamentos que já foram por nós devidamente explanados supra, a propósito dos pontos 3. e 4. dos factos provados e da respectiva alteração aos mesmos (cfr. fls. 14 a 17 deste aresto).
Além disso, sempre se dirá que tal factualidade – pontos G., H., I., K. e M. dos factos não provados – apenas foi confirmada, por inteiro, pelo R., nas declarações de parte que prestou em julgamento, sendo certo que o mesmo é parte directamente interessada no desfecho da presente acção e, por outro lado, tais declarações, na ausência de outros meios de prova, não poderão fundar a convicção acerca da realidade de factos que são integralmente favoráveis ao R.
Neste sentido, pode ver-se, entre outros, o Ac. da R.P. de 15/9/2014, disponível in www.dgsi.pt, no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte: - (…) as declarações de parte – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado, mesmo sem considerarmos as incongruências relatadas. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos. Por estas razões, e inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, o mesmo não deve ser valorado, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se decidam apenas com as declarações das próprias partes.
Deste modo – com excepção da alteração efectuada supra na redacção dos pontos 3. e 4. dos factos provados – mantém-se inalterada toda a restante factualidade (provada e não provada) inserta na sentença recorrida.
Analisando agora a segunda questão levantada pelo R., ora apelante – saber se a A., na sequência da dissolução, por divórcio, do casamento contraído com o R. segundo o regime da comunhão geral de bens, não tem direito, à luz do regime preceituado no artigo 1790.º do Código Civil, a metade do valor correspondente à quantia depositada em conta bancária no BCP co-titulada pelo dissolvido casal, nem à casa de habitação onde outrora residiram juntos (que foi a casa de morada de família), a qual era um bem próprio do R. até à celebração do casamento com a A., não lhe assistindo, por isso, o direito a metade do seu valor – haverá que referir a tal propósito que as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento (cfr. artigo 1688.º do Código Civil) sendo que, só a partir daí, poderá ter lugar a partilha dos bens do (dissolvido) casal.
Nos termos do disposto no artigo 1789.º, n.º 1, do Código Civil, os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.
Excepcionalmente, o n.º 2 de tal preceito legal permite que os aludidos efeitos patrimoniais retroajam à data da cessação da coabitação entre os cônjuges, desde que a referida data fique consignada na respectiva sentença que decretou o divórcio, a requerimento de qualquer das partes.
No caso em apreço, resulta do ponto 2. dos factos provados que o processo de divórcio foi instaurado em 22/7/2011, não tendo sido fixada, na respectiva sentença que o decretou, a data em que cessou a coabitação entre os cônjuges, pelo que forçoso é concluir que as relações patrimoniais entre A. e R. cessaram na data acima referida.
Deste modo, resulta claro que a composição dos bens que integram a comunhão, com vista à consequente partilha, tem de se considerar fixada no dia da propositura da acção de divórcio entre A. e R., isto é, “in casu”, em 22/7/2011.
Na verdade, apenas os bens existentes à data da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges (A. e R.) – 22/7/2011 – é que podem ser objeto de partilha, pelo que, seja qual for o destino dado ao dinheiro levantado da conta bancária pelo R. em 25/5/2011, ou seja, em data anterior à data da propositura da ação de divórcio (cerca de dois meses), o respetivo valor não pode ser chamado ao inventário para separação de meações.
Isto porque, no processo de inventário são partilhados os bens existentes à data da cessação dos efeitos patrimoniais entre os cônjuges e não os bens que existiam em qualquer momento anterior!
Pelo exposto, a liquidação pelo R., em 25/5/2011, da conta bancária referida no ponto 3. dos factos provados, com saldo bancário no valor de € 7.500,00, não existia no momento temporal definido pela lei como sendo o momento da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges – “in casu”, 22/7/2011 – não podendo, por via disso, ser trazido ao processo de inventário para ulterior partilha do respectivo saldo.
Assim sendo, no caso dos autos, não pode ser tido em consideração o disposto no artigo 1790.º do Código Civil, pois estamos em presença de um bem que, por força da lei, não é chamado à partilha para separação de meações, uma vez que o saldo existente naquela conta bancária em 25/5/2011 se reporta a um momento temporal durante o qual o casamento entre A. e R. ainda se encontrava na sua plena vigência.
Além disso, a liquidação e levantamento do saldo bancário (€ 7.500,00) pertencente a ambos os cônjuges, nomeadamente por força do regime de bens do casamento – comunhão geral – e a sua destinação em plena vigência do casamento, quando ainda não haviam cessado as relações patrimoniais entre A. e R., representa um acto de administração de um bem comum, o qual é permitido por lei – cfr. n.º 3 do artigo 1678.º do Código Civil – sendo certo que, no caso da A. se sentir prejudicada com tal acto de gestão praticado pelo R., sempre poderá reagir contra o mesmo, através da propositura de uma acção de indemnização de perdas e danos – cfr. artigo 1681.º, n.º 1, do Código Civil.
Neste sentido, e em caso similar ao destes autos, pode ver-se o Ac. do STJ, datado de 26/11/2014, disponível in www.dgsi.pt, no qual, a dado passo, é afirmado o seguinte: -No caso dos autos a acção de divórcio foi instaurada em 05-04-2009, pelo que à luz do artigo 1789.º, n.º 1, do CC, os efeitos patrimoniais devem ser considerados tendo em conta essa data. - O movimento de transferência do dinheiro da identificada conta de que ambos os cônjuges eram titulares teve lugar em 14-10-2004, data em que o casamento estava em plena vigência. - À luz do n.º 1 do artigo 1789.º do CC, a considerar o saldo da conta como bem relacionável, apenas poderia ser o que resultasse naquela data de 05-04-2009 e nunca o da data de 14-10-2004, porque nessa data o casamento estava em plena vigência e a partilha do casal só acontece com a cessação das relações patrimoniais em virtude da dissolução do casamento por divórcio – artigo 1689.º do CC. - Se a requerente se sentir prejudicada com um acto de gestão praticado pelo recorrente, pode reagir através da propositura de uma acção de indemnização de perdas e danos, conforme decorre do artigo 1681.º, n.º 1, do CC, sendo nesta acção que poderá obter a fixação do seu direito à indemnização.
No mesmo sentido do aresto anterior, veja-se ainda o Ac. do STJ de 2/5/2012, também disponível in www.dgsi.pt, no qual é referido o seguinte: - Tendo o cabeça de casal levantado aplicações financeiras (bem comum), antes da propositura da acção de divórcio, não tem que relacionar metade do seu valor, podendo o ex-cônjuge, se se sentir prejudicado, propor a respectiva acção de indemnização de perdas e danos, nos termos do artigo 1681.º, n.º 1, parte final, do C.C.
Nestes termos, atentas as razões supra elencadas, resulta claro que o saldo da conta bancária que o R. liquidou em 25/5/2011 (cfr. ponto 3. dos factos provados) não tem que ser objecto de partilha com a A., o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos.
Por outro lado, relativamente à casa de habitação em litígio, que constituiu o lar conjugal de A. e R. durante a vigência do casamento, constata-se que, ao contrário do que era sustentado pelo recorrente, a mesma não foi implementada em terreno por si adquirido ao pai da A., nem a sua construção foi feita apenas a expensas do R., pelo que a mesma não pode ser considerada como sendo um bem próprio do R. até à celebração do casamento com a A. (e passando, a partir daí, a ser um bem comum do casal, por força do regime de comunhão geral de bens convencionado entre as partes).
Com efeito, foi apurado nos autos que tal casa foi construída, antes de ter sido celebrado o casamento entre A. e R. (1973), em terreno pertencente aos pais da A. e, por outro lado, quer a A. (com trabalho), quer o R. e o pai da A., contribuíram financeiramente para a sua construção – cfr. pontos 4. a 7. e 12. dos factos provados.
Como vimos anteriormente, os efeitos patrimoniais do divórcio entre os cônjuges retroagem à data da propositura da respectiva acção de divórcio – ou seja, no caso em apreço, a 22/7/2011 – sendo que, nessa data, estava já em vigor a redação que a Lei n.º 61/2008, de 31/10, deu ao artigo 1790.º do Código Civil, que é a seguinte: - Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.
Assim, por força de tal preceito legal, o R., aqui apelante, não obstante ter sido casado com a A. no regime de comunhão geral de bens, não poderá receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos.
Por isso, do património comum dos ex-cônjuges faz parte, indubitavelmente, o bem imóvel que constituiu a casa de morada de família de A. e R. durante a vigência do casamento, que, por isso, deve integrar os bens a partilhar, sendo certo que, por virtude de tal partilha, o aqui recorrente não poderá receber mais do que lhe caberia se o regime de bens entre eles fosse o de comunhão de adquiridos.
Na verdade, o artigo 1790.º do Código Civil não se preocupa com a determinação do acervo dos bens a partilhar, mas com o resultado a que se chega finda a partilha.
Neste sentido, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela que: - Seja qual for o regime de bens convencionado ou aplicado por força da lei, esse cônjuge não pode receber na partilha mais do que lhe pertenceria, se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. A sanção prescrita na lei não significa que o regime aplicável à partilha seja necessariamente o da comunhão de adquiridos. O que importa, na correcta aplicação da lei e do pensamento legislativo, é confrontar o resultado que advém para o cônjuge declarado único ou principal culpado da aplicação do regime convencionado ou legalmente fixado com o que se obteria mediante a aplicação do regime da comunhão de adquiridos. Porque só no caso de o primeiro ser mais favorável à sua posição do que o segundo é que a lei manda aplicar este último – cfr. Código Civil Anotado, Vol. IV, 2.ª ed., pág. 562 (embora estes autores se referissem à redação anterior à Lei n.º 61/2008, a ideia subjacente ao seu ensinamento tem aqui aplicação).
Em sentido idêntico afirmam Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira que: - (…) cabe referir que o artigo 1790.º, quando tenha aplicação, não implica a substituição do regime da comunhão geral pelo da comunhão de adquiridos. Não pode, pois, o cônjuge declarado inocente ou menos culpado na sentença pedir a inscrição a seu favor dos bens que levou para o casamento ou depois lhe advieram por herança ou doação com base em certidão da sentença de divórcio proferida naqueles termos. Tendo sido estipulado o regime da comunhão geral, esses bens entraram na comunhão e nela permanecem até à partilha; só depois desta poderá saber-se a quem ficarão a pertencer – cfr. Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª ed., pág. 660 (no qual se tem igualmente em consideração o texto anterior à Lei n.º 61/2008). De tudo exposto, retira-se a seguinte conclusão: do mapa de partilha deverão fazer parte todos os bens comuns do (dissolvido) casal – nomeadamente, “in casu”, o bem imóvel que constituiu a casa de morada de família das partes e devidamente identificada no ponto 4. dos factos provados – fazendo-se a sua adjudicação conforme as licitações ou outras indicações da lei e acautelando-se, se for caso disso e através do mecanismo das tornas, o objetivo garantido pelo citado artigo 1790.º – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 7/6/2018, o qual seguimos de perto, bem como o Ac. do STJ de 26/3/2019, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
E, neste último aresto, a dado passo, foi afirmado o seguinte: - Tendo vigorado o regime de comunhão geral de bens no casamento, no inventário subsequente ao divórcio devem ser relacionados todos os bens comuns para, na fase da partilha, poder ser considerado o teor do artigo 1790.º do Código Civil. - Este artigo não se preocupa com a determinação do acervo dos bens a partilhar, mas com o resultado a que se chega finda a partilha.
Todavia, voltando ao caso em apreço, constata-se que a partilha de bens já foi efectuada no processo de inventário, o qual correu termos por apenso à acção de divórcio, tendo já sido proferida sentença, devidamente transitada em julgado, que homologou judicialmente tal partilha de bens realizada entre A. e R. (cfr. fls. 244 a 248).
Deste modo, atentas as razões e fundamentos supra referidos, forçoso é concluir que a sentença recorrida não se poderá manter, na sua globalidade, revogando-se a mesma na parte em que decidiu que a A. tinha direito a metade do valor do saldo bancário da conta identificada no ponto 3. dos factos provados, à data de 24/5/2011 e, por outro lado, determinando-se que o imóvel identificado no ponto 4. dos factos provados é bem comum do dissolvido casal constituído por A. e R., devendo proceder-se à sua partilha (adicional) entre eles, com recurso a licitações se necessário, e tendo sempre presente em tal partilha a regra constante do referido artigo 1790.º do Código Civil.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
Decisão:
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto pelo R. e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas em partes iguais por A. e R. em ambas as instâncias (sem prejuízo do apoio judiciário de que eles são beneficiários).
Évora, 15 de Abril de 2021
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).