ARRENDAMENTO RURAL
DENÚNCIA DO CONTRATO
OPOSIÇÃO
PERITAGEM
JURAMENTO
Sumário

1. A cláusula do contrato de arrendamento rural ajuizado que exclui os arrendatários do direito de indemnização pelas benfeitorias realizadas na parte urbana e rústica do prédio, não viola norma imperativa.
2. Reconhecida a validade e alcance dessa cláusula, não é lícito ao arrendatário obter indemnização pela via do instituto de enriquecimento sem causa.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Proc. 696/15.9T8STC.E1

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO

(…) intentou a presente ação sob a forma de processo comum de oposição à denúncia do contrato de arrendamento rural, artigo 30.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13/10/2009, contra (…) e (…), pedindo que:

i) Se proceda a oposição à caducidade do contrato de arrendamento rural;

ii) Seja renovado o contrato de arrendamento rural;

iii) Subsidiariamente, a compensação por benfeitorias existentes no arrendado, cujo valor provisório se estima em € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), podendo ser alterado pela peritagem ou relegado para liquidação de execução de sentença.

Alegou para tanto e em síntese:

-O A. é o atual arrendatário do prédio misto, denominado “(…)”, sito na freguesia de Porto Covo, concelho de Sines, inscrito na respetiva matriz, a parte rústica sob o artigo (…) da Sec. (…) e a parte urbana sob o artigo (…), ajudado na exploração pelo seu filho (…);

-O A., na qualidade de arrendatário, foi judicialmente notificado da denúncia do contrato de arrendamento rural, no dia 2/09/2015 para produzir efeitos em 15/08/2017;

-O contrato de arrendamento rural acima referido foi celebrado em 1877, por escrito, com a duração de 120 anos e mantém a sua vigência ao longo do tempo;

-O rendeiro contratante foi o trisavô, tendo-se transmitido ao A;

-O montante da renda é variável e a última foi de € 94,00, depositados na CGD à ordem dos RR.;

-O A. tem 83 anos de idade e explora desde antes da transmissão do arrendado, com a ajuda do filho (…), sendo titular do cartão do produtor Nacional de Cereais;

-O Autor é reformado da Segurança Social com uma pensão mensal no montante de € 303,23 e o cônjuge como doméstica recebe complemento solidário para idosos, no valor de € 9,55/mês;

-A exploração do prédio determina a sobrevivência do A., da mulher e do seu filho que explora e vive dos frutos do arrendado, não tendo outros meios de sobrevivência.

-Pelo que a efetivar-se o desejo do prédio, fica o A. e o cônjuge sem os meios necessários à subsistência económica, sobretudo o seu filho, que não tem outros proventos;

-Na verdade, o filho do A., (…), com 52 anos de idade, sempre tem auxiliado o pai, ora A., nos trabalhos agrícolas, tratando do gado, fazendo as sementeiras com trator e alfaias, trabalho que realiza há mais de 30 anos.

Os réus deduziram contestação, concluindo em síntese:

-Deve a oposição à denúncia, deduzida pelo A., improceder, por carecer de fundamento e, consequentemente, cessar por caducidade o arrendamento, por atingir seu termo;

-Caso assim se não entenda deve a peritagem que venha a realizar incidir ainda sobre a matéria indicada, a que na escritura de arrendamento se faz referência quanto a responsabilização dos rendeiros, quer quanto a benfeitorias, quer quanto ao estado em que o prédio e o que ele contém, se encontra, em deterioração e não conservação, quanto a casas, árvores de fruto e demais árvores e bem assim outras árvores colocadas.

O autor respondeu à contestação.

Foi proferido despacho saneador que julgou o pedido subsidiário manifestamente improcedente, e, em consequência, absolveu-se os réus do mesmo, tendo do mesmo sido interposto recurso.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada e absolveu os réus do pedido formulado, tendo da mesma sido interposto recurso.

Na sequência do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-10-2017 que revogou o despacho saneador na parte em que julgou improcedente o pedido subsidiário, foi realizada conferência entre as partes, tendo sido proferido despacho que determinou o prosseguimento dos autos para o apuramento da existência e do valor das benfeitorias. Foi ainda admitida nessa fase a prova pericial requerida.

O Sr. Perito juntou aos autos relatório pericial, tendo prestado compromisso de honra.

Realizou-se nova audiência de julgamento e na sequência da qual foi proferida sentença que julgou o pedido subsidiário improcedente por não provado e, em consequência, absolveu os réus do mesmo.

O autor (…) interpôs recurso desta sentença com as seguintes conclusões:

1-Na douta sentença não foi apreciado o requerimento apresentado em 28/11/2018, no qual de arguiu vicio no compromisso de honra do perito, originando omissão de pronuncia, violado a artigo 479.º do C.P.C, gerando nulidade da sentença, artigo 651.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma legal,

2-Na audiência de julgamento de 19/11/2018, sobre as benfeitorias, as explicações do perito sobre os da atribuição dos valores, foram manifestamente insuficientes, o que determinou sugerir-se verbalmente que, oficiosamente, se ordenasse perícia ao abrigo do artigo 485.º, n.º 4, do C.P.C. sendo indeferida requereu-se que a mesma fosse efectuada pelos motivos expressos na acta, mas foi indeferida por se entender que era uma medida dilatória.,

3-Subsistindo dúvidas ao julgador, o mesmo tem o poder dever de ordenar os meios julgados convenientes para procurar a verdade material e tal não se verificando, ofendeu-se as normas dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do C.P.C.

4-Na sentença o iter cognitivo que terminou a absolvição de pedido foi o entendimento da ausência de conhecimento do senhorio como decorre das normas para atribuição do valor das benfeitorias, artigos 19.º, 23.º e 24.º do D.L.294/2009 de 13/10,

5-Decorrendo mais de 120 anos sobre a vigência do contrato de arrendamento rural, exigir-se documento de consentimento não é credível nem viável, pois as construções e as plantações de eucaliptos e de sobreiros, foram ocorrendo ao longo dos anos, sem qualquer oposição dos proprietários, ocorrendo manifesta aceitação tácita, apesar do que foi acordado pelos outorgantes de 1877,não prevendo a evolução no futuro quanto a construção de novas habitações e florestação, sendo violados os artigos 19.º, 23.º e 24.º da lei em referência,

6- A implantação das habitações e seus anexos, bem como o eucaliptal e sobreiral, valorizam o prédio, “(…)”, pois são bens que não podem ser levantados, originado riqueza para o futuro, levando a que os proprietários enriqueçam a custa do apelante, agindo este ao longo dos anos de boa- fé, decorrendo daí que tem direito a indemnização, sendo também violado a artigo 1273.º do C.C.

Termos em que, Exmos. Senhores Desembargadores a sentença “a quo” tem de ser anulada e firmado acórdão comentário em consonância com a decisão a decisão de fundo, sendo feita JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Juíza a quo não se pronunciou sobre a nulidade arguida no despacho de admissão do recurso; razão pela qual o Juiz relator ordenou a baixa dos presentes autos para esse efeito, tendo a mesma sanado a omissão de pronúncia invocada, julgando improcedente a nulidade do relatório pericial invocado pelo autor com base na omissão ou realização posterior da declaração a que alude o n.º 3 do artigo 479.º do Código de Processo Civil.

Notificado deste despacho que foi considerado parte integrante da sentença recorrida, nos termos do n.º 2 do artigo 617.º do Código de Processo Civil, veio o recorrente dizer que não aceita que foi dado cumprimento ao n.º 3 do artigo 479.º do CPC, por declaração escrita, o que devia ter acontecido na data da nomeação para fazer a peritagem e não no dia 19/11/2018 às 19.26 após a audiência.

O recurso foi admitido.

Foi dado cumprimento aos vistos por via eletrónica.

II- OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2, do CPC, as questões a decidir são as seguintes:

1- Se foi dado cumprimento ao disposto no artigo 479.º, n.º 3, do CPC;

2- Violação dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do CPC;

3- Violação dos artigos 19.º, 23.º e 24.º do DL n.º 294/2009, de 13-10 e 1273.º do Código Civil.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida foi fixada a matéria de facto da seguinte forma:

1- Factos provados:

A- Por contrato de arrendamento rural celebrado em 1877 e com a duração de 120 anos, foi dado de arrendamento o prédio denominado “(…)” no sítio da mesma denominação, freguesia de Sines, que se compõe de casas, arramadas, palheiros, terras de semear, árvores de fruto e chaparros e que confronta do norte com (…), sul com Cabeça da (…), nascente com Vale de (…) e poente com (…).

B- Mais declararam que “dá de arrendamento este prédio com todas as suas servidões, activas e logradouros aos segundos outorgantes pelo tempo, renda e condições seguintes”.

C- Declararam ainda na cláusula sétima “Que os rendeiros poderão fazer no prédio, tanto na parte urbana como rústica, as benfeitorias, tanto necessárias como úteis que quiserem, mas não poderão pedir indemnização por elas”.

D- E, na cláusula décima “Que os rendeiros ficam obrigados a fazer no prédio e dentro do prazo de três anos, uma cerca e um poço e a plantar no mesmo prazo, trinta pés de oliveiras.

E- Declaram ainda na cláusula décima primeira “Que no fim do arrendamento, os rendeiros entregarão o prédio sem deteriorações e com as benfeitorias que tiverem feito”.

F- No prédio identificado em A) existe actualmente:

G- Uma casa com uma área aproximada de 72 m2 e ainda arrecadação, palheiro e telheiro, sem licença de utilização e sem condições de habitabilidade, com a cobertura, paredes, portas e janelas em mau estado, com um valor estimado de € 15.000,00.

H- Uma casa com área aproximada de 54 m2, arrecadação, palheiro e telheiros sem licença de utilização e sem condições de habitabilidade, com a cobertura, paredes, portas e janelas em mau estado, com um valor estimado de € 7.000,00.

I- Uma casa com área aproximada de 70 m2, de construção antiga, tendo o telheiro várias telhas de zinco, com a cobertura, paredes, portas e janelas em mau estado, com um valor estimado de € 10.000,00.

J- Um poço com um valor estimado em € 366,00.

K- Um furo com bomba de água de valor estimado de € 1.300,00.

L- Algumas árvores de fruto, com um valor estimado de € 75,00.

M- Um eucaliptal que aparenta não estar ordenado, com alguns cortes, com um valor estimado de madeira com corte em 2010 de € 8.200,00.

N- 450 sobreiros em fase de tirar cortiça e 200 sobreiros em fase de crescimento, alguns de crescimento espontâneo.

2- Factos não provados:

1) Em resultado do trabalho e investimento do Autor e das gerações antecedentes, o referido prédio encontra-se hoje totalmente desbravado e agricultável.

2) Em resultado do trabalho e investimento do Autor e das gerações antecedentes, o referido prédio encontra-se hoje enriquecido com as seguintes construções e plantações:

i) Uma casa com três divisões, cozinha, celeiro, palheiro, forno e alpendre, com área total de 178,4m2;

ii) Uma casa com três divisões, cozinha, arrecadação, palheiro, pombal e galinheiro, com a área total de 120,90m2;

iii) Uma casa com quatro divisões, cozinha, arrecadação, garagem, palheiro, pombal e galinheiro com área de 120,00m2 e dois anexos (forno e chiqueiro);

iv) Três poços com casa de motor e tanque;

v) Sistema de rega.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1- Se foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 479.º do CPC.

Sustenta o recorrente que não foi apreciado o requerimento apresentado em 28/11/2018, no qual se arguiu vício no compromisso de honra do perito, originando omissão de pronúncia, violando o disposto no artigo 479.º do CPC, gerando nulidade da sentença.

No despacho de admissão do recurso, a Juíza a quo não se pronunciou sobre esta nulidade, tendo o Juiz relator ordenado a baixa dos autos à 1ª instância para esse efeito.

A Srª Juíza a quo pronunciou-se da seguinte maneira:

“No caso vertente, concluindo-se que na decisão não se conheceu da nulidade invocada pelo Autor, em 28-11- 2018, requerimento constante da ref.ª 3998546, impõem-se conhecer da mencionada questão, suprindo a mencionada nulidade.

Estatui o artigo 195.º do Código de Processo Civil que:

1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

2 - Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

3 - Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo.

O prazo para arguir as nulidades previstas no artigo anterior é, nos termos do artigo 199.º do Código de Processo Civil é o acto a que se assiste enquanto este não terminar ou o prazo geral de 10 dias. A nulidade invocada pelo Autor (no mencionado requerimento de 28-11-2018, ref.ª 3998546) é a falta de compromisso de honra por banda do Sr. Perito ou a realização de compromisso de honra realizado a posteriori.

A nulidade invocada não tem como proceder.

Por um lado, e como se vislumbra do teor do relatório pericial, o compromisso de honra foi prestado no mesmo em obediência ao que dispõe o n.º 3 do artigo 479.º do Código de Processo Civil e isto, independentemente das dúvidas que as partes suscitaram no Sr. Perito, ou seja, não há nenhum “compromisso de honra a posteriori”.

Mesmo que assim não fosse, e ainda que a falta de declaração mencionada no n.º 3 do artigo 479.º de Código de Processo Civil consubstanciasse uma nulidade na vertente de “omissão de formalidade que a lei prescreve”, a mesma teria de ter sido arguida após a notificação do relatório pericial efectuada em 10-07-2018 e não em 28-11-2018 como foi, razão pela qual a respectiva arguição é manifestamente intempestiva.

Mesmo que assim não fosse, nunca a omissão da menção a que alude o n.º 3 do artigo 479.º do Código de Processo Civil consubstanciaria uma nulidade susceptível de determinar a nulidade dos actos posteriores, por não influir na decisão da causa, uma vez que nada foi invocado que colocasse em causa a validade do relatório pericial ou a idoneidade do Sr. Perito.

Por fim, e ainda que a declaração mencionada no n.º 3 do artigo 479.º de Código de Processo Civil tivesse sido efectuada em audiência de julgamento e tal consubstanciasse a nulidade do acto, essa mesma nulidade teria de ter sido invocada no próprio acto, ou seja, no decurso da audiência de julgamento.

Em face do exposto, sanando-se a omissão de pronúncia invocada, julga-se improcedente a nulidade do relatório pericial invocado pelo Autor com base na omissão ou realização posterior da declaração a que alude o n.º 3 do artigo 479.º do Código de Processo Civil.

O presente despacho será considerado parte integrante da sentença recorrida, nos termos do n.º 2, do artigo 617.º do Código de Processo Civil.”

Na sequência deste despacho, sustenta o recorrente que não aceita que foi dado cumprimento ao n.º 3 do artigo 479.º do CPC, por declaração escrita, o que devia ter acontecido na data da nomeação para fazer a peritagem e não no dia 19/11/2018 às 19.26 após a audiência.

Dispõe o artigo 479.º do CPC com a epígrafe “Prestação de compromisso pelos peritos”

“1- Os peritos nomeados prestam compromisso consciencioso da função que lhes é cometida, salvo se forem funcionários públicos e intervieram no exercício das suas funções.

2- O compromisso a que alude o número anterior é prestado no ato de inicio da diligência, quando o juiz a ela assista.

3- Se o juiz não assistir à realização da diligência, o compromisso a que se refere o nº 1 pode ser prestado mediante declaração escrita e assinada pelo perito, podendo constar do relatório pericial.

Consta do 1º parágrafo do relatório pericial junto aos autos em 10-07-2018 “…, Engenheiro Técnico Civil, contribuinte nº …, indicado pelo Tribunal perito nos autos acima indicados, vêm, sob compromisso de honra de cumprimento consciencioso da função que lhe é cometida, proceder à realização de perícia, que resulte na produção de relatório de avaliação de benfeitorias no Pédio misto, denominado “(…)”, sito na freguesia de Porto Covo, concelho de Sines, inscrito na respetiva matriz rústica sob o Art.º (…) da Secção (…) e a parte urbana sob o Art.º (…), conforme ordenado por Vossa Excelência”.

Consta do e-mail enviado pelo Sr. Perito com a data de 19-11-2018, 19:26 o seguinte: “Hoje quando questionado, sobre se teria prestado compromisso de honra, fui de alguma forma pouco preciso na minha resposta, já que conforme se pode ler no início do relatório este compromisso está nele expresso, como tem sido hábito, aquando da minha nomeação como perito (vide 1.º parágrafo do relatório pericial apresentado).

Pelo facto de eventualmente poder ter criado alguma dúvida, peço as minhas desculpas.

Sem outro assunto de momento, despeço-me enviando-lhe os meus melhores cumprimentos.

(…)”.

Entendemos, pois, que o compromisso de honra constando do relatório pericial foi prestado pelo Sr. Perito em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 479.º do CPC.

Acresce dizer que, tendo o relatório pericial sido notificado aos Ilustres Mandatários das partes em 10-07-2018, a arguição de nulidade processual relativamente ao mesmo tinha que ser feita no prazo de 10 dias, o que não aconteceu, já que o requerimento invocado pelo recorrente tem a data de 28-11-2018, pelo que tem de ser concluir que tal arguição é manifestamente extemporânea.

2- Violação dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do CPC.

Segundo o recorrente verificou-se na audiência uma manifesta insuficiência de esclarecimentos do perito sobre as benfeitorias. Em razão de tal dificuldade, requereu que fosse efetuada uma segunda perícia, o que foi indeferido por se entender que se estava a utilizar medidas dilatórias. Contudo, subsistindo dúvidas ao julgador, tem o poder dever de ordenar os meios julgados convenientes para procurar a verdade material e tal não se verificando, ofendeu-se as normas dos artigos 5.º, 6.º e 7.º do CPC (Conclusões 2 e 3).

Artigo 5.º Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal

1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

Face ao disposto nas alíneas a) a c) do nº 2 do artigo 5º do CPC, para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados, os factos que tenham sido complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles aquelas tenham tido a possibilidade de se pronunciarem, bem como os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Para o efeito, atento o principio do inquisitório ínsito no artigo 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litigio, quanto aos factos de que lhe é licito conhecer.

Artigo 6.º Dever de gestão processual

1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

Artigo 7.º Princípio da cooperação

1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.

3 - As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º.

4 - Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.

No caso em apreço, o recorrente não especificou quais os meios que o tribunal a quo devia ter ordenado para procurar a verdade material, sendo certo que os julgados convenientes conforme refere é uma alusão genérica e insuscetível de apreciação por este tribunal.

É certo que na motivação o recorrente refere ampliação da matéria de facto sem especificar, porém, quais os factos que deviam ser considerados, pelo que mesma carece também de fundamento.

3- Violação dos artigos 19.º, 23.º e 24.º do DL 294/2009, de 13-10.

Considera o recorrente que decorrendo mais de 120 anos sobre a vigência do contrato de arrendamento rural, exigir-se documento de consentimento não é credível nem viável, pois as construções e as plantações de eucaliptos e de sobreiros, foram ocorrendo ao longo dos anos, sem qualquer oposição dos proprietários, ocorrendo aceitação tácita, apesar do que foi acordado pelos outorgantes de 1877, não prevendo a evolução do futuro quanto a construção de novas habitações e florestação, sendo violados os artigos 19.º, 23.º e 24.º do DL 294/2009, de 13-10 (Conc. 5). A implantação das habitações e seus anexos, bem como o eucaliptal e sobreiral valorizam o prédio “(…)”, pois são bens que não podem ser levantados, originando riqueza para o futuro, levando a que os proprietários enriqueçam a custas do apelante, agindo este ao longo dos anos de boa-fé, decorrendo daí que tem direito a indemnização, sendo também violado o artigo 1273.º do Código Civil (Conc. 6).

Decorre dos factos provados que em 1887 foi celebrado um acordo escrito, designado de “Contrato de Arrendamento Rural” e com a duração de 120 anos, através do qual foi dado de arrendamento o prédio denominado “(…)” no sítio da mesma denominação, freguesia de Sines, que se compõe de casas, arramadas, palheiros, terras de semear, árvores de fruto e chaparros e que confronta do norte com (…), sul com Cabeça da (…), nascente com Vale de (…) e poente com (…).

O contrato de arrendamento rural em causa nos autos passou a ser regulado a partir de 2012 pelo DL n.º 294/2009, de 13-10, conforme referido na sentença recorrida (o que não é posto em causa no presente recurso).

O arrendamento rural é definido no artigo 2.º do supracitado diploma legal como:

1- A locação, total ou parcial, de prédios rústicos para fins agrícolas, florestais, ou outras atividades de produção de bens ou serviços associados à agricultura, à pecuária ou à floresta”.

2- O arrendamento que recaia sobre prédios rústicos, quando do mesmo e despectivas circunstâncias não resulte destino diferente, presume-se arrendamento rural.

3- O arrendamento conjunto de uma parte rústica e de uma outra urbana quando seja essa a vontade expressa dos contraentes ou, na dúvida, quando seja considerado como tal, nos termos do artigo 1066.º do Código Civil.

Estabelece o artigo 4.º deste diploma quais os bens abrangidos.

O contrato de arrendamento rural abrange o terreno, as águas e a vegetação. E, sendo essa a sua vontade, os contraentes podem, expressamente, fixar no contrato que ainda pode abranger: as construções e infraestruturas destinadas, habitualmente, aos fins próprios da exploração normal e regular dos prédios locados; a habitação do arrendatário e o desenvolvimento de outras atividades económicas associadas à agricultura e à floresta, incluindo as atividades de conservação dos recursos naturais e paisagem; outros bens, designadamente máquinas e equipamentos, devendo, neste caso, ser anexado ao contrato um inventário dos mesmos com indicação do respetivo estado de conservação e funcionalidade. Na falta de estipulação das partes em contrário, presumem-se incluídos no arrendamento todos os bens imóveis existentes no prédio rústico objeto de arrendamento.

O arrendamento rural poderá, igualmente, integrar a transmissão de direitos de produção e direitos a apoios financeiros no âmbito da política agrícola comum, sem prejuízo da respetiva conformidade com a legislação relativa à transmissão desses direitos, constantes dos respetivos regimes especiais aplicáveis.

Dispõe o artigo 19.º do DL n.º 294/2009, de 13-10, com a epígrafe “Cessação por oposição à renovação e por denúncia”:

1 — O contrato de arrendamento cessa por oposição à renovação ou por denúncia de uma das partes, mediante comunicação escrita.

2 — A oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objeto.

3 — O senhorio ou o arrendatário podem opor- se à renovação do contrato de arrendamento, com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação, sem prejuízo do disposto no n.º 9.

4 — No caso dos contratos de arrendamento agrícola por senhorio emigrante, pode este denunciar o contrato, com a antecedência de um ano, a partir do terceiro ano do contrato de arrendamento ou da sua renovação, sem possibilidade de oposição por parte do arrendatário, exceto no caso previsto no n.º 9, desde que satisfaça, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Ter sido ele quem arrendou o prédio ou o tenha adquirido por sucessão;

b) Necessitar de regressar ou ter regressado definitivamente a Portugal há menos de um ano;

c) Querer explorar diretamente o prédio arrendado.

5 — O arrendatário pode denunciar o contrato, sem possibilidade de oposição por parte do senhorio, nos casos de abandono da atividade agrícola ou florestal, ou quando o prédio ou prédios objeto do arrendamento, por motivos alheios à sua vontade, não permitam o desenvolvimento das atividades agrícolas ou florestais de forma economicamente equilibrada e sustentável.

6 — No caso previsto no número anterior, o arrendatário deve notificar o senhorio com a antecedência de um ano.

7 — O senhorio que haja invocado os fundamentos referidos no n.º 4 fica obrigado, salvo caso de força maior, à exploração direta, por si ou por membro do seu agregado familiar, durante um prazo mínimo de cinco anos.

8 — Em caso de inobservância do disposto no número anterior, o arrendatário cujo contrato foi denunciado tem direito a uma indemnização igual ao quíntuplo das rendas relativas ao período de tempo em que o arrendatário esteve ausente, e à reocupação do prédio, se assim o desejar, iniciando -se outro contrato, ao qual se aplica o disposto no n.º 1 do artigo 31.º.

9 — O arrendatário pode opor- se à efetivação da oposição à renovação ou da denúncia, desde que reúna, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Tenha mais de 55 anos e resida ou utilize o prédio há mais de 30 anos;

b) O rendimento obtido do prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar.

10 — Em caso de cessação do contrato por oposição à renovação ou denúncia do senhorio o arrendatário tem direito a ser indemnizado:

a) Pelas benfeitorias realizadas, nos termos previstos no artigo 23.º;

b) Pelas plantações e melhoramento fundiários que hajam tornado o prédio mais produtivo, realizados com o consentimento do senhorio.

11 — O arrendatário tem ainda direito a uma indemnização correspondente a 1/12 da renda anual por cada ano de contrato, não podendo o valor da indemnização ser inferior a um ano de renda, nos casos previstos no n.º 4.

Preceitua o artigo 23.º do mesmo diploma sob a epígrafe “Benfeitorias pelo arrendatário”:

“1 — O arrendatário pode realizar no prédio arrendado ações de recuperação sem consentimento do senhorio, nos casos em que:

a) O senhorio esteja em mora quanto à obrigação de fazer reparações que, pela sua urgência, não se compadeçam com a demora do respetivo procedimento judicial, podendo o arrendatário fazê-las extrajudicialmente, tendo direito ao seu reembolso;

b) A urgência não consinta qualquer dilação, mantendo o direito a reembolso, independentemente de mora do senhorio, contanto que o avise ao mesmo tempo.

2 — Salvo cláusula contratual em contrário, o arrendatário carece do consentimento do senhorio para realizar benfeitorias úteis.

3 — No caso do arrendamento florestal, a alteração da composição, do regime e da estrutura dos povoamentos só pode ser realizada com o consentimento do senhorio, sem prejuízo do cumprimento da legislação aplicável a tais situações.

4 — As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário sem consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda nem dão direito a qualquer tipo de indemnização aquando da cessação do contrato de arrendamento.

5 — As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário com o consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda, mas dão direito ao pagamento de uma indemnização quando revertam para o senhorio após cessação do contrato de arrendamento.

6 — Salvo cláusula contratual em contrário, cessando o arrendamento por qualquer causa, as benfeitorias realizadas pelo arrendatário revertem a favor do senhorio.”

Estabelece o artigo 24.º do citado diploma com a epígrafe “Cálculo das benfeitorias que dão lugar à indemnização”:

1 — A indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário, com consentimento do senhorio, que revertam para este no fim do arrendamento, é calculada tendo em conta o custo suportado pelo arrendatário, as vantagens das quais o mesmo haja usufruído na vigência do contrato e o proveito patrimonial e de rendimentos que delas resulte, futuramente, para o senhorio.

2 — O pagamento da indemnização referida no número anterior pode ser fracionado, de forma que as prestações se efetuem aquando da perceção pelo senhorio dos benefícios resultantes das benfeitorias.

Determina o artigo 1273.º do Código Civil com a epígrafe “Benfeitorias necessárias e úteis”:

“1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.”

Na sentença recorrida considerou-se: “De todo o modo e qualquer que seja a solução- e que passará pela aplicação em bloco de uma regulamentação, seja a contratual seja a legal, a conclusão a que se chega é a mesma: não assiste direito ao Autor de requerer indemnização pelas benfeitorias.

Com efeito, pela regulamentação contratual, existe o consentimento genérico para a realização das benfeitorias, mas não existe o direito a peticionar a indemnização.

Pela actual regulamentação legal e invocada pelo Autor, existe o direito a ser indemnizado pelas benfeitorias, mas este não logrou demonstrar que as mesmas foram expressamente consentidas”.

As disposições legais invocadas pelo apelante não têm, de forma alguma, natureza imperativa, pelo que se afigura perfeitamente válida a cláusula 7.ª do contrato ajuizado, mormente quanto à exclusão dos rendeiros (arrendatários) do direito de indemnização pelas benfeitorias realizadas na parte urbana como rústica do prédio[1].

E reconhecida que está a validade e alcance da referida cláusula, também não assistirá ao autor e ora apelante obter qualquer indemnização pela via do instituto de enriquecimento sem causa.

Concluímos assim pela improcedente da apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):

(…)

V- DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 15 de abril de 2021

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Lopes Barata

Maria Emília Ramos Costa

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[1] Cf. neste sentido o Ac. do TRE, de 30-11-2016, Proc. 1510/10.7TBSTB.E1, relatora Albertina Pedroso, www.dgsi.pt. em que se decidiu que o artigo 15.º, n.º 3, do Regime do Arrendamento Rural (Dec.-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro) não é norma imperativa, já que “nada obsta à validade da cláusula, contida em contrato de arrendamento, segundo a qual as benfeitorias realizadas pelo arrendatário não lhe dão direito a qualquer indemnização”.

O citado preceito estabelecia que “Se houver resolução do contrato invocada pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, com o arrendatário direito a exigir do senhorio indemnização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidos pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa”.

Em anotação a este preceito escreveu Aragão Seia, Arrendamento Rural, 4ª edição, 2003, Almedina, p. 114 “Podem as partes acordar no sentido de o senhorio não indemnizar por quaisquer benfeitorias-necessárias, úteis ou voluptuárias-ainda que as tenha consentido ou de indemnizar mesmo pelas que não tenha autorizado”.