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TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
Sumário
A sentença homologatória do plano de recuperação proferida no âmbito do processo especial de revitalização não constitui título executivo em caso de incumprimento daquele plano. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Apelação n.º 3909/18.1T8ENT.E1
(1.ª Secção)
Relator: Cristina Dá Mesquita
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO I.1.
O Estado Português – Direção-Geral do Tesouro e Finanças, exequente na ação executiva para pagamento de quantia certa movida contra (…) e (…) interpuseram recurso do despacho proferido pelo Juízo de Execução do Entroncamento, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual declarou extinta a ação executiva por falta de título executivo válido.
O teor do despacho recorrido é o seguinte:
«Compulsado os teores do requerimento executivo e dos documentos (maxime da certidão judicial) com o mesmo juntos (ref.s 5356065), constata-se que o exequente Ministério Público, em representação do Estado Português – Direção-Geral do Tesouro e Finanças instaurou, sob a forma de processo sumário, execução para pagamento de quantias certa contra (…) e (…), apresentando como título executivo sentença homologatória do plano de recuperação dos aqui executados, sentença essa proferida no âmbito do Processo n.º 3123/16.0T85TR e transitada em julgado em 25-05-2017.
Do requerimento executivo resulta, no segmento destinado à descrição dos factos, o seguinte:
«Através de Acordo de Cessão de Créditos de 11-09-2009 foram cedidos ao Estado Português através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças créditos detidos pela ''Fábrica (…), SA.
Na relação dos créditos cedidos constam créditos sobre os Executados (…) e cônjuge (…), por fornecimentos de rações não pagos no valor total de € 13.673,98 (faturas no valor de € 12.217,99 vencidas em 07/04/2008 e faturas no valor de € 1.455,99 vencidas em 03/01/2007).
No âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 3123/16.0T8STR do Juízo de Comércio de Santarém (Juiz 1) em que eram Requerentes os dois executados foi homologado por despacho judicial de 27/04/2017, transitado em julgado em 23/05/2017, o acordo de pagamento e respetivo plano para pagamento das dívidas aos credores, incluindo o Estado - Direção-Geral do Tesouro e Finanças.
Notificados os devedores nos termos previstos no Plano de Recuperação homologado, estes não procederam ao pagamento de qualquer valor.
Até à presente data, os créditos do Estado Português - Direção-Geral do Tesouro e Finanças encontram-se por regularizar.
A sentença homologatória do plano proferida no PER, no caso de incumprimento do plano de revitalização, constitui título executivo.
Entretanto, por intermédio do despacho a que se reporta a ref.ª 84119787, e tendo presente as disposições conjugadas dos artigos 551.º, n.º 3, e 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, foi facultado ao exequente o exercício do contraditório quanto à eventual consideração in casu do entendimento de acordo com o qual a sentença homologatória do plano de recuperação em processo especial de revitalização não constitui título executivo.
A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu nos termos vertidos na ref.ª 84190732, reforçando o entendimento mencionado no requerimento executivo no sentido de a sentença em apreço constituir título executivo.
Decidindo:
À luz do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, «[t}oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva».
A questão está in casu em saber se a sentença homologatória do plano de recuperação em processo especial de revitalização constitui título executivo, o que não tem obtido resposta uniforme por parte da jurisprudência dos tribunais superiores.
No sentido de uma tal sentença constituir título executivo, podemos citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-01-2016 e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19-03-2018 e de 13-01-2020 (Proc. nº 1963/14.4TBCL.1.Gl, nº 121/14.2TBAMT.Pl e nº 7725/15.4T8MAI.Pl, respetivamente).
Em sentido divergente, vejam-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-04-2019, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2017 e de 17-09-2019 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-02-2020 (Processos n.ºs 154/17.7T8ALD.C1.52, 3528/15.4T8CBR.1.Cl, 12/14.7TBMGL.1.Cl e 7081/18.9T8VNF-B.Gl, respetivamente).
Estando em tais arestos devidamente esgrimidos os fundamentos nucleares que se posicionam em defesa de cada uma das teses em confronto, afigura-se-nos mais acertada a segunda, atentas as judiciosas considerações que, vertidas no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-04-2019, aqui nos permitimos transcrever por merecerem a nossa inteira adesão e serem inteiramente aplicáveis, mutatis mutandis, ao caso dos autos:
«A recorrente assenta o seu inconformismo em dois argumentos nucleares, a saber:
A aplicação analógica ao PER do artigo 233.º, n.º 1, alínea c), do CIRE que tem como título executivo as sentenças homologatórias do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos em insolvência.
O entendimento de que para que uma sentença possa servir de base à ação executiva basta que ateste a existência de uma obrigação.
Quanto a este argumento já se viu, maxime em função da nova redação do anterior artigo 4.º, nº 3, do CPC ora constante no artigo 10.º, nº 4, do NCPC, que o título não tem apenas de certificar a existência da obrigação, mas, ademais, que esta está acertada na esfera jurídica do exequente e lhe é devida.
Quanto àquele corroboramos o entendimento vertido no Aresto citado na decisão.
Como decorre do preceituado no artigo 10.º, n.º 2, do CC, a aplicação do direito por analogia apenas é permitida quando '' … no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei":
Tal conditio sine qua non não se encontra aqui presente. Certo é que aquele segmento normativo do CIRE estatui que:
"Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do art.º 242.º, nº 1, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência "
Porém, como bem se expende em tal acórdão:
"Verifica-se ... uma diferença entre o regime específico do processo especial de revitalização e o processo de insolvência que impede a aplicação analógica do artigo 233.º, n.º 1, alínea c), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas à sentença homologatória do plano aprovado do processo de revitalização (no qual) falta de uma fase ou processo próprio de verificação de créditos destinados ao seu reconhecimento com carácter definitivo ...
Na verdade:
'' .. a lista definitiva de créditos reconhecidos no âmbito do processo especial de revitalização não visa a determinação da existência e configuração do direito do credor, mas tão só legitimar a intervenção do credor no processo e permitir a formação do quorum deliberativo. Não reveste por isso a natureza e a força própria de uma sentença de verificação de créditos (pelo que) ... não se pode considerar que a lista de créditos reconhecidos no processo de revitalização contenha a declaração de acertamento que, como vimos, dispensa o recurso ao processo declarativo ...
Ademais:
'' … o incumprimento do plano implica automaticamente a extinção dos efeitos quanto à moratória e ao perdão, tal significa a repristinação do crédito nas condições originais ou primitivas, anteriormente ao plano, afetando necessariamente a obrigação constante do acordo. E significa, por outro lado, que o acordo plasmado no plano não traduz efeito novatório.
... se a sentença homologa um acordo, cuja obrigação (modificada) cessa por força do incumprimento, já se vê que não pode servir de título executivo tendo por base um acordo extinto .
... as consequências do incumprimento do plano de recuperação judicialmente homologado não passarão, em tese, forçosamente pelo modelo tradicional da execução das decisões judiciais e menos ainda pela apreciação incidental naquele tipo de processo especial, entretanto já findo; mas antes pela declaração de insolvência do devedor ou na exigência do pagamento do primitivo crédito que já se mostre judicialmente reconhecido. "
As citações foram longas, mas valeram a pena, pois que, em função delas, adicionais argumentos, por redundantes, se mostram desnecessários.
Não há dúvida que em sede insolvencial, certas decisões podem constituir títulos executivos – cfr. para além da prevista no segmento do artigo 233.º, a sentença de qualificação da insolvência – cfr. Ac. da RC de 27.04.2017, p. 1288/15.8T8CBR.1.C1.
Mas, como se viu, em sede de PER, tendencialmente e, no concreto caso que nos ocupa, e em função do supra citado, claramente, inexistem fundamentos que possam, à míngua de estatuição legal nesse sentido, impor, ou, sequer, permitir, a qualificação como título executivo da sentença em causa, por aplicação analógica do que o citado artigo 233.º permite para a sentença homologatória do plano de pagamentos ou a sentença de verificação de créditos.
Pois que naquela, versus o que se verifica nesta, os créditos são apenas admitidos para os estritos efeitos e finalidades do PER e não são formalmente reconhecidos e atribuídos ao alegado credor.
Improcede, brevitatis causa, o recurso.
Crê-se que se decidiu bem.
Não foi posto em causa nos autos que a sentença homologatória – em que o juiz se limita a verificar a validade da confissão, desistência ou transação celebrada entre as partes – constitua uma sentença condenatória (cfr. artigo 290.º, n.º 3, do CPC) e, como tal, possa servir de título executivo (artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal).
Ponto é que, como se exige de qualquer título executivo, contenha o acertamento do direito que se pretende executar.
No caso, discute-se se a sentença homologatória de um plano de recuperação aprovado em PER, incumprido (em relação a um dos credores), satisfaz essa exigência.
A disciplina do PER nada previa para a situação de incumprimento do plano de recuperação aí aprovado e homologado.
Tem vindo a preconizar-se, porém, como se entendeu no acórdão recorrido, que deve ser aplicado a esse incumprimento, analogicamente, o regime previsto no artigo 218.º, n.º 1, do CIRE.
Com efeito, é inegável que existem entre o plano de insolvência e o plano de recuperação ''flagrantes stioidedes", existindo uma "predisposição natural" para aplicar analogicamente a este as disposições daquele plano. Acresce que essa norma está "em plena harmonia com a natureza e fins do PER, contendo "solução adequada à realização dos interesses em presença.
Foi essa, aliás, a solução que veio a ser consagrada no artigo 17.º-F, n.º 12, do CIRE, após as alterações introduzidas pelo DL 79/2017, de 30/6.
Dispõe o artigo 218.º, n.º 1, alínea a), do CIRE que, salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor.
Por força desta disposição, ficam sem efeito a moratória e o perdão contemplados no plano homologado, ocorrendo uma repristinação dos créditos originais.
Mas assim, como parece evidente, por força da aplicação dessa norma ao PER, o que poderia ser executado seriam esses créditos, tal como existiam antes do plano, e não nas condições – com o perdão e moratória – estabelecidas no plano homologado que, nesse âmbito, ficou sem efeito.
Ou seja, não estaria a ser executada a sentença homologatória.
Por outro lado, no que toca a esses créditos, originais, não existe no PER decisão judicial a reconhecê-los e a certificá-los.
A este respeito, importa sublinhar que a lista de créditos tem no PER um alcance diverso do da insolvência, visando apenas "determinar quem pode participar nas negociações, as maiorias de aprovação e quem pode votar”.
Como se refere no Acórdão do STJ de 01.07.2014 (Proc. 2852/13), o processo previsto no artigo 17.º do CIRE para a reclamação de créditos e organização da lista definitiva de credores, a fim de participarem nas negociações e votação do plano de recuperação, tem uma tramitação assaz simplificada, que não tem o contraditório indispensável a que o tribunal possa decidir com força de caso julgado relativamente a todos os credores eventualmente lesados (…).
Com efeito, mesmo que haja lista definitiva de créditos, não tendo o credor de crédito aí incluído de o reclamar novamente no processo de insolvência subsequente (cfr. o artigo 17.º, n.º 7, do CIRE), "tal não significa, por um lado, que um credor que tenha reclamado o seu crédito, sem que ele tenha sido reconhecido, esteja impedido de o reclamar no processo insolvencial ou, por outro lado, que aquele que já tenha o crédito reconhecido, nestes termos, no PER, esteja impedido de o fazer, ou, ainda, que esse crédito não esteja sujeito, nos termos gerais, a ser impugnado no processo insolvencial".
Ou seja, como já se afirmou, ''a lista só é definitiva nos termos e para os efeitos do processo de revitalização ": não integra ''um ato formal de reconhecimento do crédito:
Assim, considerando o sentido a alcance acima referidos, não tendo o PER por finalidade dirimir litígios sobre os créditos, a lista definitiva, bem como a eventual decisão sobre a reclamação de créditos não constituem caso julgado fora do PER.
Daí decorre, parece-nos, que não existe fundamento para a aplicação analógica da norma do artigo 233.º, n.º 1, alínea c), do CIRE ao plano de recuperação homologado em PER.
Como aí se dispõe, encerrado o processo, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as que constem do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior, em conjugação, se for caso disso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.
As diferenças entre o regime do plano de pagamentos em insolvência e o do plano de recuperação em PER são flagrantes, desde logo quer em termos de "reconhecimento" de créditos (cfr. artigo 256.º do CIRE), quer de abrangência de créditos pelo plano (cfr. artigo 257.º, n.º 3).
Não há fundamento, pois, tendo em consideração a sentença homologatória do plano de pagamentos, para a aplicação analógica da referida norma à sentença homologatória do plano de recuperação em PER (artigo 10.º, n.º 2, do CC).
Pode dizer-se que não há, entre essas situações, semelhança que justifique ou exija a mesma estatuição.
Mas a idêntica conclusão se chega tendo em conta a sentença de verificação de créditos e a sentença homologatória do plano de insolvência que se admite no aludido normativo poderem constituir também título executivo.
Como é sugerido pelo teor da norma, o título executivo será, em primeira linha, constituído pela sentença de verificação de créditos; a sentença homologatória do plano de insolvência tem uma função complementar, de demonstrar e certificar as modificações introduzidas no plano aos créditos reconhecidos.
Todavia, no caso de incumprimento do plano, com os efeitos previstos no já citado artigo 218.º, n.º 1, alínea a), a sentença homologatória do plano de insolvência poderá não servir, por si, de base à execução, pelas razões acima referidas – terem ficado sem efeito as condições estabelecidas no plano.
Subsiste, porém, na insolvência, o reconhecimento dos créditos estabelecido na sentença de verificação, que constitui título executivo, o que não tem paralelo no caso do processo de revitalização, como se salientou supra, em que não há um procedimento próprio de verificação de créditos destinado ao seu reconhecimento com carácter definitivo.
Conclui-se, por isso, que a sentença homologatória do plano de recuperação aprovado em PER não constitui título executivo».
Na defluência de todo o exposto, decido declarar extinta a execução por falta de título executivo válido – artigos 551.º, n.º 3, 726.º, n.º 2, alínea a) e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 296.º, 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 304.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, fixo o valor da causa em € 25.124,70 (vinte e cinco mil, cento e vinte e quatro euros e setenta cêntimos).
Custas integralmente a cargo do exequente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique (artigo 153.º, n.º 4, do mesmo Código)».
I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A sentença homologatória do plano de revitalização no Processo Especial de Revitalização tem a mesma força vinculativa que tipicamente se atribui à decisão judicial, na medida em que dela resulta senão expressa, pelo menos implicitamente, uma condenação;
Na medida em que atribui força vinculativa ao entendimento estabelecido entre devedor e respetivos credores, a decisão homologatória do plano de revitalização a que se refere o artigo l7°-F do CIRE inclui-se na categoria das sentenças condenatórias.
Pelo que, atestando tal sentença a existência de uma obrigação (ao aprovar o plano certifica que os devedores têm a obrigação e pagar ao credor [Estado/DGTF] a quantia reconhecida) tal é suficiente para que revista a natureza de título executivo para efeitos do preceituado no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
O facto de o processo de revitalização encerrar após a homologação do plano, não retira a força vinculativa à sentença homologatória – à semelhança do que sucede com as sentenças homologatórias de transação, nos termos do artigo 277.º, alínea d), do CPCivil.
Ocorrendo incumprimento do plano de recuperação em processo especial de revitalização podem ser instauradas ações executivas, constituindo a sentença homologatória do plano de revitalização título executivo.
O n.º 12 do artigo 17.º-F do CIRE, na redação introduzida pelo DL n.º 79/2017, de 30.6, que apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor, expressamente veio prever que é aplicável ao plano de recuperação o disposto no n.º 1 do artigo 218.º.
O artigo 215.º do CIRE aplicável ao plano de revitalização ex vi do artigo 17.º-F, n.º 3, do mesmo diploma, vem reforçar o carater de transação (reconhecimento de divida) que se pretende atribuir ao acordo de revitalização firmado entre devedores e credores.
Se não se admitir a sentença homologatória como título executivo, tal pode, no limite conduzir a que os devedores que reconheceram a dívida ao Estado no PER, em sede de ação declarativa recusem a existência da mesma.
Com a decisão recorrida foi violado o disposto nos artigos 10.º, n.º 5 e 703.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil e, bem assim, o disposto nos artigos 17.º-F e 218.º do CIRE, interpretados no sentido de não constituir titulo executivo a sentença homologatória do PER em caso de incumprimento do plano pelos devedores.
Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que reconheça que a sentença homologatória do PER que instruiu o requerimento executivo constitui título executivo válido e determinar-se o prosseguimento da execução». I.4.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso interposto pela autora foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
II.2. Apreciação do objeto do recurso
A única questão que importa decidir é saber se a sentença homologatória do plano de recuperação aprovado no PER constitui título executivo, em caso de incumprimento do devedor.
O regime do processo especial de revitalização introduzido no Código da insolvência e da Recuperação de Empresas pela Lei n.º 16/2012, de 20.04, e previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-H é omisso quanto às consequências do incumprimento do plano de recuperação.
Como é referido na decisão recorrida, a jurisprudência nacional mostra-se dividida quanto à questão de saber se a sentença homologatória doplano de recuperação proferida no âmbito do processo especial de revitalização previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-H do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas introduzidos pela Lei n.º 16/2012, de 20.04, constitui título executivo, em caso de incumprimento daquele plano.
Em sentido afirmativo, refere-se a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.01.2016[1], defendendo a aplicação, por analogia, do disposto no artigo 233.º, n.º 1, parte final, da al. c), do CIRE ao plano de revitalização; ali se escreveu que «não há razões para não conferir à sentença que homologa o plano de revitalização natureza diferente da que atribui à que homologa o plano de insolvência, desde que nela conste identificado o valor dos créditos ou remeta para o acordo ou para peça processual onde conste como admitidos os montantes em dívida a cada credor», bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.03.2018[2] e, mais recentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.01.2020[3].
Em sentido negativo, destacamos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.04.2019[4] e, mais recentemente, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.02.2020[5].
Liminarmente se dirá que aderimos à tese que nega à sentença homologatória do plano de recuperação a natureza de título executivo.
De acordo com o preceituado no artigo 17.º-F, nº 12, do CIRE, ao plano de recuperação aplica-se o disposto no n.º 1 do artigo 218.º do mesmo diploma normativo, preceito que regula os efeitos do incumprimento do plano de insolvência. Em face do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIRE «salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão, previstos no plano ficam sem efeito quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação acrescida dos juros moratórios não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor». Por força deste normativo legal, os créditos originais (isto é, sem o perdão/moratória) são repristinados. Destarte, relativamente a estes (créditos originais) a sentença homologatória não pode constituir título executivo porque ela apenas contempla os créditos modificados por força do plano[6].
Ademais, relativamente aos créditos originais não existe uma decisão de reconhecimento dos mesmos no âmbito do PER com força de caso julgado material na medida em que as reclamações no âmbito do processo especial de revitalização têm como objetivo primordial legitimar a intervenção dos credores no processo de negociação e permitir o cálculo do quorum deliberativo e a maioria prevista no artigo 17.º-F, n.º 3[7], para além de que tratando-se de uma tramitação célere e simplificada «não temos contraditório indispensável para que o tribunal possa decidir com força de caso julgado relativamente a todos os credores eventualmente lesados»[8]. Como refere Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, 2016, Reimpressão, Almedina, p. 52: «A lista definitiva de credores no âmbito do PER não integra um ato forma de reconhecimento dos créditos (sentença de verificação e graduação) […]».
O PER é um processo que visa a renegociação do passivo do devedor e a recuperação económico-financeira daquela, não se destinando a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos; com efeito, a lista provisória dos créditos, uma vez convertida em definitiva, vai servir de base às negociações entre o devedor e os seus credores, e a estes basta que os respetivos créditos sejam admitidos e integrem aquela lista, com o valor por eles indicado, independentemente de ali constarem como créditos comuns ou com garantia real, pois para poderem participar nas negociações e votar o plano basta que os créditos respetivos sejam admitidos[9].
Por último, dir-se-á que nos termos do artigo 233.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, o título executivo ali previsto é constituído, em primeira linha, pela sentença de verificação e graduação de créditos, tendo a sentença homologatória do plano de insolvência uma função meramente complementar qual seja a de demonstrar e certificar as modificações introduzidas no plano aos créditos reconhecidos.
No caso sub judice, o Ministério Público apresentou à execução uma sentença homologatória do plano de recuperação proferida no âmbito do processo n.º 3123/16.0T8STR, transitada em julgado em 25.05.2017, alegando que a executada não cumpriu o acordo de pagamento e respetivo plano de pagamentos das suas dívidas, nomeadamente da sua dívida para com o Estado-Direção Geral do Tesouro e Finanças.
Não revestindo aquela sentença a natureza de título executivo, existe fundamento para o indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do disposto no artigo 726.º, n.º 2, do CPC e, não tendo sido aquele liminarmente indeferido, o juiz podia, posteriormente, e como fez, conhecer da falta de título executivo ao abrigo do preceituado no artigo 734.º do CPC, julgando extinta a instância executiva.
Por conseguinte, nada há a censurar à decisão recorrida, improcedendo a apelação.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação do recorrente mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.
Sem custas.
Notifique.
DN.
Évora, 29 de abril de 2021
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato
_________________________________________________
[1] Processo n.º 1963/14.4TbCL.1.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 121/14.2TBAMT.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 7725/15.4T8MAI.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 154/17.7T8ALD.C1.S2, consultável em www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 7081/18.9T8VNF-B.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] Ac. STJ de 09.04.2019, supra citado.
[7] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2018, Almedina, p. 408, salienta que a segunda função da lista definitiva de créditos – que pode resultar da conversão da lista provisória de créditos, quando não há impugnações, ou de decisão judicial sobre as impugnações – consiste em evitar que em eventual processo de insolvência subsequente ao PER os credores reclamem de novo os seus créditos (cfr. artigo 17.º-G, n.º 7, do CIRE).
[8] Ac. STJ de 01.07.2014, processo n.º 2852/13.5TBBRG-A.G1.S1 e Ac. RG de 19.03.2015, processo n.º 6245/13.6TBBRG.G1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.; no sumário deste último escreveu-se: «1. O processo especial de revitalização (PER) não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude de créditos e a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (artigo 91.º CPC), destinando-se à formação e apreciação do quórum deliberativo. 2. Os credores cujos créditos tenham sido reconhecidos no âmbito do PER ficam dispensados do ónus de reclamar no processo de insolvência. 3. Não fazendo caso julgado o reconhecimento do crédito fora do PER, a dispensa do ónus de reclamação não afasta o direito de impugnação por parte dos demais credores no subsequente processo de insolvência».
[9] Ac. STJ de 01.07.2014 supra referido.