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PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA OU SANEAMENTO
PRESCRIÇÃO
CADUCIDADE
Sumário
I - O utente de serviços públicos essenciais tem direito a uma fatura que especifique devidamente os valores que apresenta, devendo essa fatura ter uma periodicidade mensal, com discriminação dos serviços prestados e das correspondentes tarifas. II - O decreto-lei nº 194/2009 de 20 de agosto que disciplina os serviços municipais de abastecimento público de água, saneamento e resíduos urbanos, no seu artigo 67º permite que a leitura dos consumos de água seja feita por estimativa, impondo contudo leituras reais duas vezes por ano e com um distanciamento entre cada uma não superior a oito meses. III - Nos termos do disposto no artigo 10º, nº 1, da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação e não após a sua facturação. IV - Estando em causa um fornecimento contínuo de um serviço essencial, por razões de praticabilidade na liquidação do custo dos fornecimentos efetuados, deve ter-se em conta o período temporal relevante para a liquidação desse fornecimento e que é mensal. V - O direito a receber a diferença entre o custo estimado e o custo real do fornecimento efectuado caduca nos seis meses subsequentes ao pagamento do fornecimento liquidado por estimativa.
Texto Integral
Sumário do acórdão proferido no processo nº 45732/19.5YIPRT-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ...................................................... ...................................................... ......................................................
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório
Em 08 de maio de 2019, no Balcão Nacional de Injunções, B…, S.A. intentou procedimento de injunção contra C…, S.A. requerendo a notificação desta para com fundamento num contrato celebrado em 16 de junho de 2004 lhe pagar a quantia global de €6.408,03, sendo €6.102,03, a título de capital, €117,03, a título de juros de mora contados à taca de 7% desde 29 de janeiro de 2019, €51,80, a título de outras quantias e €137,70, a título de taxa de justiça paga, alegando para o efeito o seguinte:
“A B…, SA, é uma sociedade fornecedora de serviços públicos essenciais de água e saneamento aos utilizadores finais. No âmbito da sua atividade foram emitidas as seguintes faturas: FT …………, de 6,102.03 EUR+juros de 29.01.2019 a 08.05.2019 ( 117.03); Em suma, o requerido encontra-se em dívida, à data, da quantia global de 6,219.06 EUR. Ao valor referido em "Outras quantias" acresce IVA à taxa legal em vigor.” C…, S.A. foi notificada do requerimento de injunção por carta registada com aviso de receção recebido em 23 de maio de 2019, vindo deduzir oposição ao mesmo suscitando, além do mais, a exceção perentória de prescrição em virtude de parte do crédito titulado pela fatura nº ………., referente a serviços prestados de 02 de outubro de 2018 a 04 de dezembro de 2018, já se encontrar prescrito, preenchendo-se por isso a previsão do nº 4 do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de julho, na redação decorrente das alterações introduzidas pelas Leis nºs 12/2008 de 26 de fevereiro e 24/2008, de 02 de junho, opondo-se ao pagamento do valor dos serviços prestados entre o dia 02 de outubro de 2018 e o dia que corresponder a seis meses antes do quinto dia posterior à propositura do requerimento de injunção em causa nestes autos, concluindo pela sua absolvição parcial do pedido.
O procedimento de injunção foi remetido à Secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Unidade Central de Ílhavo, sendo distribuído ao Juízo de Competência Genérica de Ílhavo, Juiz 1.
Notificada para, querendo, responder à exceção perentória arguida pela ré, a autora pugnou pela inverificação da prescrição arguida pela ré em virtude de “por se tratarem de serviços prestados continuadamente, o início do prazo prescricional ocorre logo que termina cada período sujeito a faturação, correspondente à prestação dos serviços referente aquele período (de faturação), no caso em concreto mensalmente, deste modo a contagem do prazo para a verificação da prescrição iniciou-se a no dia imediatamente a seguir ao termo do período mensal da prestação de serviço, conforme dispõe o art.º 10º, n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de julho, caso contrário a lei enunciaria que o prazo prescricional começava-se a contar no início do período da prestação do serviço, o que não é de todo o alcance pretendido pelo legislador”, citando variada jurisprudência para confortar a sua posição.
Em 22 de janeiro de 2020 foi proferido despacho[1] a julgar improcedente a exceção de prescrição invocada pela ré na sua oposição
Em 12 de fevereiro de 2020, inconformada com a decisão de improcedência da exceção de prescrição por si invocada, C…, S.A. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.ª – O presente recurso tem por objeto a decisão proferida no despacho saneador (com a referência 109955913), proferido em 22.01.2020, nos autos de Ação Especial Cumprimento Obrigações (DL 269/98), à margem identificada (em que é ré a ora recorrente, sendo autora B…, S.A.), que julgou totalmente improcedente a exceção perentória de prescrição invocada pela ré, ora recorrente. 2.ª – No despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu: “Assim, considero que o prazo prescricional em curso relativo aos serviços prestados no período compreendido entre 02/10/2018 e 04/12/2018, se iniciou com o termo do período mensal a que os mesmos se reportam, isto é no dia 05.12.2018, e que se interrompeu no dia 13.05.2018. Resultando, então, apodítico que, aquando a verificação do ato interruptivo da prescrição, ainda não havia decorrido o prazo prescricional de 6 meses […]. O que determinará a improcedência da exceção perentória de prescrição invocada pela ré.” 3.ª – O Tribunal a quo, em sede de fundamentação do saneador apelado, e no tocante ao julgamento do mérito da exceção de prescrição, aduziu, essencialmente, os seguintes considerandos: “é no dia imediato ao do último mês do serviço prestado que o prazo de prescrição começa a contar-se […]. Pelo exposto, o n.º 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, deve ler-se assim: O direito de exigir judicialmente o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação mensal […].” 4.ª – Nos autos, a autora peticiona o pagamento da fatura n.º …………, datada de 07.12.2018, no valor de 6.102,03€, (já com a incidência de IVA), com data de vencimento a 28.01.2019, relativa a um período de consumo de 64 dias, em concreto, do dia 02.10.2018 ao dia 04.12.2018, embora nela conste a seguinte menção: “PERÍODO DE FATURAÇÃO:30 DIAS – 05.NOV.2018 A 04.DEZ.2018”. 5.ª – O caso em apreço consubstancia a prestação de serviços públicos essenciais, in casu, fornecimento de água da rede pública e serviços de saneamento, tal como estatui o art.º 1º da Lei 23/96, de 26 de Julho, sendo que, o n.º 1 do artigo 10º desta Lei, esclarece que “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. E o n.º 4 desse artigo 10.º estabelece que “O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação dos serviços […].” 6.ª – Na situação em lide, não podia nem devia ter o despacho recorrido considerado que a data relevante para o início da contagem do prazo prescricional “é o termo do período mensal a que os mesmos se reportam, isto é no dia 05.12.2018”, porquanto o entendimento que deve prevalecer, à luz do disposto no n.º1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96 de 26/07, é antes o de que o que o prazo de prescrição começa a correr a partir da data da prestação dos serviços, “nada impedindo que o crédito relativo a parte dos serviços de uma determinada factura seja declarado prescrito e que outra parte dos mesmos não o seja”, conforme bem pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto, de 24-02-2015, processo n.º 28627/14.6YIPRT.P1, Relator M. Pinto dos Santos, cujo texto integral pode ser acedido, via internet, no sítio www.dgsi.pt . 7.ª – Na senda de que o escopo do legislador é o de prevenir a acumulação de dívidas, que, nas palavras autorizadas de Calvão da Silva, o utente deve pagar periodicamente mas que encontrará dificuldade em solver caso excessivamente agregadas, destaca-se o seguinte aresto jurisprudencial: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5-06-2003, proferido no processo n.º 03B1032 e relatado pelo Conselheiro Pires da Rosa, cujo texto integral pode ser acedido, via internet, no sítio www.dgsi.pt, onde pode ler-se: “[...]Ora isto só se consegue impondo ao credor […] a obrigação de agir rápida e atempadamente na cobrança dos seus direitos, por esta via fazendo com que o consumidor pague em cada dia o que em cada dia consome [...]”. 8.ª – Tendo em conta que o requerimento de injunção subjacente aos autos deu entrada no Balcão Nacional de Injunções no dia 08.05.2019 e que a prescrição se tem por interrompida após o decurso do prazo de cinco dias sobre a entrada em juízo do requerimento injuntivo, ou seja, no caso em apreço, no dia 13.05.2019, a decisão do Tribunal recorrido de não julgar prescritos os créditos relativos aos fornecimentos e serviços prestados do dia 02.10.2018 até ao dia 13.11.2018, conforme foi invocado pela ré/ recorrente na oposição, padece de ilegalidade, violando o disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho. Sem prescindir, 9.ª – Ainda que esta não seja a leitura sufragada, o que apenas por mera cautela se admite, sempre deveria o Tribunal recorrido, pelo menos, ter considerado prescritos os créditos referentes aos bens fornecidos e serviços prestados do dia 2.10.2018 ao dia 4.11.2018 (período mensal que antecedeu o último mês de fornecimento e prestação de serviços, cobrado na fatura em discussão nos autos), devendo em conformidade ter declarado parcialmente procedente a exceção de prescrição invocada pela ré, ora recorrente. 10.ª – Entendeu o Tribunal recorrido que, o momento relevante para aferir do início da contagem do prazo de prescrição in casu é o dia 5.12.2018, porquanto esse dia corresponde ao “ termo do período mensal a que” os serviços “se reportam”. 11.ª - Acontece que, esta linha de argumentação, utilizada para motivar a decisão em crise, é inaplicável ao caso concreto, porquanto, como o Tribunal recorrido reconhece, dando como provado, que a fatura em discussão, datada de 07.12.2018, indica que se reporta ao “PERÍODO DE CONSUMO: 64 DIAS – 02.OUT.2018 a 04.12.2019”, não obstante nela figurar a menção “PERÍODO DE FATURAÇÃO: 30 DIAS – 05.NOV.2018 A 04.DEZ.2018”. 12.ª - Donde resulta que a autora acumulou o consumo relativo a, pelo menos, dois meses, vale dizer, os meses de Outubro e Novembro e os primeiros quatro dias do mês de Dezembro, todos do ano de 2018. A autora devia (cfr. o n.º2 do artigo 9 º da Lei nº 23/96, de 26/07, as faturas devem ter uma periodicidade mensal), e estava ao seu alcance, faturar as quantias pecuniárias devidas pelos serviços prestados periodicamente, mês a mês. No entanto, não o fez. 13.ª - Encurtando razões, é mister concluir que, ao considerar-se, como o fez o Tribunal recorrido, o dia 5.12.2018 como sendo a data de início da contagem do prazo de prescrição dos créditos provenientes dos serviços prestados desde o dia 2 de Outubro de 2018, estamos perante uma intolerável violação do disposto no n.º 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26/07, “premiando-se” a inércia e prática abusiva por parte da autora, a qual, ao arrepio das suas obrigações legais e contratuais, apresentou à apelante uma fatura que não tem uma periodicidade mensal, antes é relativa a mais de dois períodos mensais de prestação de serviços. 14.ª – Face ao exposto, constata-se que aquando a verificação do ato interruptivo da prescrição, já havia decorrido o prazo prescricional de 6 meses no que concerne ao período mensal de fornecimento e prestação de serviços compreendido entre os dias 2.10.2018 e o dia 04.11.2018, pelo que, o Tribunal a quo ao não declarar prescrito o crédito referente a esse período, violou, o disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.”
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo, ordenando-se a instrução do recurso nos termos requeridos pela recorrente e, posteriormente, em sede de audiência final realizada em 19 de janeiro de 2021, corrigiu-se o modo de subida do recurso, determinando-se a sua subida em separado.
Uma vez que o objeto do recurso é de natureza estritamente jurídica e que sobre a questão decidenda existe vasta produção jurisprudencial, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
Importa decidir se ocorre prescrição parcial do montante constante da factura nº …………, no que respeita ao período de consumo de 02 de outubro de 2018 a 04 de novembro de 2018. 3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida e que não foram impugnados pela recorrente, ampliados em resultado de prova plena oferecida pela recorrente com a sua oposição e não impugnada pela recorrida 3.1 Factos provados[2]
3.1.1
No dia 16/06/2004, mediante prévia solicitação da ré, a autora e a ré acordaram que a primeira passaria a fornecer água da rede pública e serviços de saneamento na seguinte morada: Rua…, Ílhavo, …, mediante o pagamento por aquela do respetivo consumo de água e de serviços de saneamento, acrescido das respetivas taxas e tarifas.
3.1.2
Pelo referido em 1) [3.1.1] e relativamente ao período que mediou entre o dia 02/10/2018 e 04/12/2018, a autora emitiu a fatura com o n.º …………, datada de 07/12/2018, no valor de €6.102,03 já com a incidência de IVA, com data de vencimento a 28/01/2019, compreendendo fornecimento de água; serviços de saneamento e de resíduos urbanos.
3.1.3
Na fatura com o n.º …………, no campo das leituras e estimativas, na parte que interessa ao conhecimento do objeto do recurso, consta o seguinte: em 01 de outubro de 2018, leitura real de 4.441 m3 e em 30 de novembro de 2018, leitura real de 7.636 m3, o que totaliza um consumo de 3.195 m3 no período compreendido entre 01 de outubro de 2018 e 30 de novembro de 2018; na discriminação dos valores considerados na fatura com o n.º …………, estão contabilizados 3.195 m3 de água ao custo unitário de €1.8204, num total de €5.816,18, com dedução do consumo por estimativa de 181 m3, referente ao período de 02 de outubro de 2018 a 04 de novembro de 2018[3], ao preço unitário de €1,8204, no montante global de €329,49, acrescida da tarifa fixa relativa à água, no período compreendido entre 05 de novembro de 2018 a 04 de dezembro de 2018, no montante unitário de €0,2130, no valor total de €6,39 e bem assim da taxa de recursos hídricos referente a 3.195 m3, ao preço unitário de €0,0161, no valor global de €51,44, com dedução da taxa de recursos hídricos referentes a 181 m3, ao preço unitário de €0,0161, no valor global de €2,91, tudo acrescido do serviço prestado com a referência nº …….-Recolha RU em 30 de novembro de 2018, no montante de €215,02 e ainda de IVA à taxa de 6%, no montante global de €345,40.
3.1.4
Na fatura com o n.º ………… consta que o período de fatura é de 30 dias, respeitando ao período compreendido entre 05 de novembro de 2018 e 04 de dezembro de 2018.
3.1.5
O requerimento injuntivo subjacente a esta ação deu entrada no Balcão Nacional de Injunções no dia 08.05.2018.
3.1.6
A ré C…, S.A. foi citada de tal requerimento injuntivo no dia 23.05.2019.
4. Fundamentos de direito
Há prescrição parcial do montante constante da factura nº …………, no que respeita ao período de consumo de 02 de outubro de 2018 a 04 de novembro de 2018?
A recorrente pugna pela revogação parcial da decisão recorrida em virtude da fatura cujo pagamento lhe é exigido nestes autos respeitar a um período de dois meses, não se cingindo ao indicado período de faturação aposto na aludida fatura, pelo que devem julgar-se prescritos os valores respeitantes a um período temporal situado além de seis meses contados a partir do quinto dia subsequente à data de instauração do procedimento de injunção.
Na decisão recorrida relevou-se o período de faturação aposto na fatura cujo pagamento é exigido nestes autos – 05 de novembro de 2018 a 04 de dezembro de 2018 – , contando-se o prazo semestral de prescrição a partir do dia imediato àquele que foi indicado como sendo o termo final da faturação compreendida nessa fatura.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 9º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais[4] o utente tem direito a uma fatura que especifique devidamente os valores que apresenta e, de acordo com o nº 2 do artigo citado, essa fatura deve ter uma periodicidade mensal, com discriminação dos serviços prestados e das correspondentes tarifas.
O decreto-lei nº 194/2009 de 20 de agosto que disciplina os serviços municipais de abastecimento público de água, saneamento e resíduos urbanos[5], no seu artigo 67º permite que a leitura dos consumos de água seja feita por estimativa, impondo contudo leituras reais duas vezes por ano e com um distanciamento entre cada uma não superior a oito meses (nº 2 do citado artigo).
Nos termos do disposto no artigo 10º, nº 1, da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação e não após a sua faturação[6].
No entanto, estando em causa um fornecimento contínuo de um serviço essencial, por razões de praticabilidade na liquidação do custo dos fornecimentos efetuados, deve ter-se em conta o período temporal relevante para a liquidação desse fornecimento e que é mensal[7].
No caso em apreço, isso significa que o prazo de prescrição semestral começou a correr no dia seguinte ao período mensal de faturação objeto da fatura acionada nestes autos, ou seja, em 05 de dezembro de 2018 e, tendo em conta as regras substantivas de contagem dos prazos (artigos 279º e 296º, ambos do Código Civil), pode concluir-se, com segurança, que o prazo prescricional semestral expirava em 05 de junho de 2019.
Assim, tendo o procedimento de injunção sido instaurado em 08 de maio de 2019, forçosa é a conclusão de que não se verifica a prescrição invocada pela recorrente.
Porém, o caso dos autos tem um fator perturbador e que é o de não haver coincidência entre o período a que respeita o serviço prestado – 01 de outubro de 2018 a 04 de dezembro de 2018 – e o período de faturação – 05 de novembro de 2018 a 04 de dezembro de 2018. Esta dissonância resulta de a leitura anterior à que deu origem à fatura em litígio nestes autos ter sido por estimativa e de a recorrida ter procedido ao acerto do custo do fornecimento por si realizado em função da leitura real ocorrida em 30 de novembro de 2018.
Assim, relativamente ao período mensal de faturação que decorreu antes de 05 de novembro de 2018, a recorrida está a exercer o seu direito a receber a diferença entre o custo estimado e o custo real que resulta da leitura realizada em 30 de novembro de 2018.
Ora, de acordo com o disposto no nº 2, do artigo 10º, da Lei dos Serviços Públicos Essenciais, “[s]e, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efetuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.”
Assim, no caso dos autos, o direito da recorrida ao recebimento da diferença entre o custo do fornecimento apurado por estimativa e o custo apurado com base em leitura real caducava nos seis meses subsequentes ao pagamento do fornecimento liquidado por estimativa.
Na situação em apreço, esta caducidade do direito ao recebimento da diferença do preço não pode considerar-se invocada com a suscitação da prescrição, desde logo porque na aludida caducidade, sempre será reconhecido o direito do fornecedor a reter o custo apurado por estimativa e, além disso, porque o termo inicial do aludido prazo de caducidade corresponde à data em que se procedeu ao pagamento do consumo apurado por estimativa, facto essencial que a recorrente não alegou.
Como é sabido, àquele que invoca uma exceção perentória, cabe alegar os factos essenciais em que a mesma se baseia (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), tudo indicando que no caso dos autos esse termo inicial nem sequer se havia verificado aquando da emissão da fatura objeto destes autos, já que em 07 de dezembro de 2018, data de emissão da fatura acionada nestes autos, ainda se achava pendente de pagamento a fatura anterior à que é objeto destes autos e que, por se fundar numa leitura por estimativa, originou o direito ao recebimento da diferença entre o consumo estimado e o consumo real.
Assim, face a quanto precede, ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes com os da decisão recorrida, improcede o recurso de apelação, sendo as custas do recurso da responsabilidade da recorrente por ter decaído (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por C…, S.A. e, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes com os da decisão recorrida, confirma-se esta decisão proferida em 22 de janeiro de 2020.
Custas do recurso a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
Porto, 26 de abril de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
______________ [1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 24 de janeiro de 2020. [2] Porventura para se pronunciar sobre os factos não provados, o tribunal recorrido usou a seguinte formulação genérica e enigmática: “Não resultaram indemonstrados quaisquer outros factos com interesse para o conhecimento da questão sub iudice.” Significa isto que não ficaram por provar quaisquer outros factos com interesse para o conhecimento da questão da prescrição ou, dito de outro modo, mais incisivo, que não há factos não provados pertinentes para o conhecimento da questão da prescrição. [3] No campo referente à conta cliente nº ……….., constam por regularizar as faturas nºs ……….., emitida em 05 de novembro de 2018, com data limite de pagamento em 31 de dezembro de 2018, no montante de €587,26 e ……….., emitida em 07 de dezembro de 2018, com data limite de pagamento em 28 de janeiro de 2019. [4] Aprovada pela Lei nº 23/96, de 26 de julho, alterada pela Lei nº 12/2008, de 26 de fevereiro, pela lei nº 24/2008, de 02 de junho, pela lei nº 6/2011, de 10 de março, pela Lei nº 44/2011, de 22 de junho, pela Lei nº 10/2013, de 28 de janeiro e pela Lei nº 51/2019, de 29 de julho. [5] Sublinhe-se que de acordo com o nº 1, do artigo 7º deste diploma legal a entidade gestora dos serviços municipais é definida pela entidade titular, de acordo com um dos seguintes modelos de gestão: a) Prestação direta do serviço; b) Delegação do serviço em empresa constituída em parceria com o Estado; c) Delegação do serviço em empresa do setor empresarial local; d) Concessão de serviço.” [6] Neste sentido veja-se Fernando Dias Simões in Lei dos Serviços Públicos Essenciais, Almedina 2012, página 197, anotação III. [7] Também neste sentido veja-se o autor citado na nota que precede, na obra e no local citado.