DANO BIOLÓGICO
DANO ESTÉTICO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Sumário

I. No caso em apreço, o demandante cível, vítima do acidente de viação, sofreu inúmeros danos, quer no seu corpo, quer na sua saúde, quer ainda em relação à sua capacidade de trabalho, para além do sofrimento físico e moral que tanto o acidente, como a respectiva recuperação, implicaram.
II. De uma forma simples, os danos são agrupados em danos patrimoniais e danos não patrimoniais, ou morais. Mas esta destrinça não basta pois que, em cada uma destas duas grandes categorias de danos existem sub-espécies que carecem tratamento jurídico autónomo.
III. A Portaria nº 377/2008 de 26-05, que regulamenta o DL nº 291/2007 de 21-08, inclui no seu leque de danos indemnizáveis o “dano biológico” ou dano pela ofensa à integridade física e psíquica, quer resulte ou não perda da capacidade de ganho (artº 3º al. b)).
IV. Embora existam, tal como a portaria acima citada, instrumentos legislativos vários que visam a disciplina do ressarcimento dos inúmeros tipos de danos que resultam, em especial, de acidentes de viação, incluindo o dano biológico, afigura-se-nos que os cálculos e tabelas fornecidos por tais instrumentos não devem ser seguidos, tout court e de forma cega pelo juiz sob pena deste se tornar mero executor da vontade das seguradoras.
V. Tem sido jurisprudência dominante quer nas Relações, quer no STJ, bem como em certa doutrina, seguir os seguintes critérios para fixar a indemnização pelo chamado “dano biológico” quando não está em causa a perda da capacidade de trabalho:
- determinar o valor do rendimento mensal, com recurso a critérios objectivos que se aproximam do rendimento mensal médio dos portugueses que se cifra em cerca de € 900,00 e multiplicar este valor por 14 meses (€ 12.600,00);
- obtido o valor anual subtrair-se ao mesmo a percentagem resultante do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica (neste caso 22% = € 2.772,00);
- obtido esse valor multiplica-se o mesmo pelo número de anos de esperança de vida que ainda sobram a partir da idade da vítima, utilizando-se as estatísticas abalizadas que coloca para as mulheres, em média, 83 anos de vida expectável e para os homens, em média, 78 anos (neste caso a vítima tinha 25 anos = 53 anos de vida pela frente x € 2.772,00 = € 146.916,00);
- a este valor há que subtrair uma percentagem entre 10% e 33% para evitar um enriquecimento sem causa pela vítima, assim compensando o facto da vítima receber de uma só vez um valor monetário que pode aplicar como bem lhe aprouver, sendo a percentagem a descontar determinada com função na idade da vítima; quanto mais velha for a vítima maior deve ser a percentagem a subtrair;
- no caso em apreço decidiu aplicar-se uma percentagem de 25 % pelo que a indemnização devida pelo dano biológico será de € 110.187,00 (€ 146.916,00 – 25%).
VI. Na fixação de danos não patrimoniais há que atender, entre outras coisas, ao grau do quantum doloris, ao grau do dano estético, aos respectivos graus de repercussão na actividade sexual e na desportiva, ao número de intervenções cirúrgicas para salvar a vida do lesado e/ou corrigir os danos físicos, à natureza e duração do tratamento, à duração da convalescença, à duração dos vários défices funcionais temporários, ao grau do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica e a todo o impacto que o acidente teve no bem-estar psíquico do lesado.
VII. A indemnização fixada tanto pelos danos patrimoniais, como pelos danos morais vence juros de mora que são devidos desde a citação da seguradora, excepto se constar expressamente da decisão recorrida que houve actualização dos valores nos termos do artº 566º nº 2 do Código Civil, neste caso os juros vencem-se a partir da decisão que fixou a indemnização.
( elaborado pela relatora )

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.  No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, que corre termos pelo Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Oeiras, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, sob o nº 152/14.2PTOER, em que é arguido CS. , foi proferida sentença em 20-12-2019, com a refª 122972415, constante de fls. 798 e ss, através da qual foi proferida a seguinte decisão:
“DISPOSITIVO
Nestes termos o tribunal decide julgar procedente por provada a acusação e, em consequência:
1. Condenar o arguido CS.    como autor material de um crime de ofensa à integridade por negligência, p. e p. pelo art.º 148.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
2. Na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.
3. Mais se condena o arguido no pagamento das custas do processo, sendo no valor de 2 UC`s a taxa de justiça, reduzida a metade atenta a confissão - artigos 344º, n.º 2, al. c), 513.º e 514.º do C. P. Penal e art.º 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa a esse mesmo diploma. 
Quanto ao pedido Cível:
a). Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por e condenar a demandada Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A a pagar ao demandante as seguintes quantias: 
a) € 1.063,48, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos desde a notificação do pedido cível e até efetivo e integral pagamento;
b) € 80.000,00, a título de indemnização pelo dano biológico, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde vencidos e vincendos desde a notificação do pedido cível e até efetivo e integral pagamento;
d) €40.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a presente decisão e até integral e efetivo pagamento;
e) Absolver a demandada do demais peticionado.
f) Condenar o demandante e a demandada nas custas dos pedidos cíveis, na proporção do decaimento (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6 do CPC, ex vi artigo 523.º do CPP).
Após trânsito, declarar extinta a medida de coação aplicada ao arguido (artigo 214.º, n.º 1, al. e) CPP);
Adverte-se o arguido para entregar a sua carta de condução na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de dez dias, após o trânsito em julgado desta sentença, sob pena de, não o fazendo, incorrer num crime de desobediência (cfr. art. 69.º n.º3 do CP e 500.º n.º 2 do CPP.
Após trânsito, remeta-se o boletim ao registo criminal (D.S.I.C.).
Comunique à A.N.S.R., ao I.M.T. e à D.G.R.S.P.
Remeta boletim aos serviços de identificação criminal.
Lida a sentença, cumpre-se o disposto no art. 372.º, n.º 5, do Cód. de Proc. Penal.”
II.  Inconformado com a referida decisão no tocante ao pedido cível, veio o Demandante Cível, JPC   , interpor recurso, com entrada em 03-02-2020 (refª 16288960), constante de fls. 824 e ss, através do qual oferece as seguintes conclusões:
“a) Salvo o devido respeito, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece do vício de nulidade por a sua fundamentação se revelar ambígua, deixando dúvidas quanto ao direito aplicável ou raciocínio argumentado, nos termos do art.º 615.º nº1 al. c) do CPC.
b) Caso assim não se entenda, sempre haverá um erro de julgamento, nomeadamente no que respeita ao quantum indemnizatório atribuído.
c) O Tribunal a quo condenou a Recorrida no pagamento de €80.000,00(oitenta mil euros), a título de danos biológicos, recorrendo a juízos de equidade para o seu apuramento.
d) Ora, se o Recorrente de facto efetuava de facto um esforço complementar no exercício das suas funções, sendo a atividade física um elemento fundamental no exercício das suas funções, então sempre caberia executar o seguinte raciocínio.
e) O Recorrente auferia 1.094,74€ (mil e noventa e quatro euros e setenta e quatro cêntimos) mensais líquidos, o que se traduz em 15.326,36€ (quinze mil trezentos e vinte e seis euros e trinta e seis cêntimos) anuais líquidos (1.094,74€x14).
f) Ora, 22% (correspondente ao IPP apurado e provado) do rendimento anual do Recorrente corresponde a 3.371,80€ (três mil trezentos e setenta e um euros e oitenta cêntimos).
g) Atendendo que à data dos factos o Recorrente teria 25 anos, e por referência a expectante media de vida laboral de 70 (setenta) anos, então o Recorrente trabalharia por mais 45(quarenta e cinco) anos.
h) Assim, teremos 3.371,80x45=151730,96€ (cento e cinquenta e um mil setecentos e trinta euros e noventa seis cêntimos). Se procedermos à dedução de ¼, então chegaríamos ao valor de 113798,22€ (cento e treze mil setecentos e noventa e oito euros e vinte e dois cêntimos).
i) Tal valor corresponderia assim ao dano biológico decorrente da IPP, o qual visa indemnizar o Recorrente relativamente ao esforço complementar que este terá de executar em todas as atividades da sua vida.
j) Na sentença proferida pelo Tribunal a quo refere-se: «Tudo ponderado, nomeadamente, que o demandante tinha 25 anos à data dos factos, a atividade que exercia e atualmente exerce, o seu vencimento, montante que recebeu do exercício…»
k) Nos factos provados 73 da sentença proferida pelo Tribunal a quo refere-se que: «De 5 de Setembro de 2014 até 3 de Maio de 2016 o demandante recebeu do Exercito a quantia de €30.995,60, a titulo de remunerações.»
l) Ora, salvo melhor opinião, parece-nos que o Tribunal a quo deduziu ao quantum atribuído a titulo de indemnização por danos biológicos o montante recebido pelo Recorrente a titulo de remunerações.
m) Não podemos concordar ou colher tal entendimento.
n) A indemnização atribuída a título de danos biológicos tal como já referido, tem como pressuposto a compensação da perda de capacidades funcionais, mesmo que estas não tenham reflexo nos rendimentos salariais.
o) Esta não se prende em compensar salários perdidos, reduzidos ou existentes, mas sim o esforço acrescido que o Recorrente terá de suportar para exercer as suas funções laborais, por força da incapacidade permanente de que adquiriu.
p) Assim, não se compreende como poderá o Tribunal a quo deduzir remunerações recebidas por força das funções laborais.
q) Ainda que por mera hipótese tal fosse possível, sempre caberia deduzir o 22% dos valores recebidos, e nunca a sua totalidade.
r) Assim e face ao explanado, deve a presente sentença proferida pelo Tribunal a quo ser reformulado, condenando a Recorrida no pagamento de uma indemnização por dano biológico no valor de 120 mil euros.
s) Mais, vem o Tribunal a quo indemnizar o dano sexual, incluindo no montante indemnizável por dano biológico.
t) Porém, uma vez que que engloba todo o dano biológico num único quantum indemnizatório, recorrendo a um juízo de equidade, não é possível ao Recorrente aferir qual o quantum atribuído nesta sede.
u) Do relatório realizado pelo IML, datado de 30/11/2018, na sua página 10 é possível verificar que o Recorrente, com 25 anos, tem dificuldades em manter a ereção, bem como apresenta uma diminuição do volume do testículo direito, bem como apresenta duas cicatrizes lineares.
v) Tal apresenta um impacto tremendo na vida de um individuo que não pode ser descurado.
w) Mais, apesar de no relatório do IML se referir que o dano de procriação não foi quantificado para efeitos de quantificação do dano sexual, verdade é que pela analise do relatório do serviço de patologia elaborado pelo Hospital Militar, junto pelo requerente em 19/11/2018 no requerimento com ref.ª 13548157, é possível verificar que o Requerente apresenta uma diminuição da contagem de espermatozoides, que poderá ter implicações na sua capacidade de procriação e vida familiar.
x) Tais danos terão não só repercussão física, como psicológica, uma vez que trarão elevado sofrimento e angustia ao Recorrente ao longo da sua vida.
y) Será de concluir que tais danos deverão ser indemnizáveis autonomamente por quantum não inferior a 25 000,00€ (vinte cinco mil euros).
z) Veja-se ainda o decidido no Acórdão do STJ, datado de 19/06/2019:
«Olhando para os valores atribuídos em casos análogos ou próximos que foram decididos, retira-se uma orientação no sentido de elevar o valor atribuído pelo Tribunal recorrido. Olhando, por exemplo, para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.05.2014 e mantendo presente que é preciso atualizar constantemente os valores indicativos da jurisprudência, é de concordar com /secundar o Tribunal de 1.ª instância, que fixou o valor desta indemnização em 15.000,00.
aa) Em conclusão, ponderados todos os factos provados (o facto do qual resulta que o grau do dano estético permanente do autor é de 4 bem como os demais factos provados relacionados) e considerado o dano estético no contexto dos danos não patrimoniais, julga-se adequado fixar o valor desta indemnização em 15.000,00.»
bb) Atenta à extensão e às inúmeras cicatrizes do Recorrente, bem como a amputação do dedo esquerdo do pé, então caberia atribuir, a título de indemnização por dano estético, ao Recorrente uma indemnização nunca inferior a 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros).
cc) Assim, face ao princípio da igualdade nos termos do art.º 13 do CRP, e a presente jurisprudência, o valor justo a atribuir nos presentes autos atendendo aos casos supra referidos seria justo nos presente autos seria de 60.000,00 (sessenta mil euros), uma vez que o Recorrente tem um quantum doloris de grau 7/7 e uma repercussão permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável em 3/7.
Termos em que deverá o presente recurso proceder, e em consequência ser a Sentença proferida pelo Tribunal a quo recorrida revogada e sendo atribuída uma indemnização ao Recorrente nunca inferior a 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros).”
III. O recurso foi admitido por despacho de 10-02-2020, com a refª 123745127, junto a fls. 836, que lhe fixou efeito suspensivo.
IV. A Demandada Cível, Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., respondeu em 16-03-2020, nos termos que constam da refª 16581167, constante de fls. 842 e ss, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida na parte em que fixou os respectivos valores de indemnização cível.
V. Veio igualmente a Demandada Cível apresentar recurso em 02-04-202 (refª 16660710), junto a fls. 849 e ss, que foi admitido como recurso subordinado por despacho de 20-04-2020 (refª 124706225), na sequência da notificação da admissão do recurso interposto pela Demandante Cível, através do qual apresenta as seguintes conclusões:
“1 – Entende a Demandada que a decisão recorrida interpretou indevidamente o disposto nos artsº 566º, nº 2, 805º, nº 3 e 806º, nº 1 CC, na medida em que não atendeu ao decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, atenta a decisão actualizadora proferida quanto à indemnização por danos patrimoniais, a qual se socorreu de elementos actuais, tais como:
. actividade exercida pelo Demandante;
. equidade;
. indemnização que não propicie um enriquecimento, mas não seja miserabilista; e
. previsibilidade.
2 – Assim, no que toca aos danos patrimoniais, os juros de mora deveriam ter sido arbitrados, a partir da decisão actualizadora e não desde a notificação do pedido de indemnização civil.
Em face de todo o exposto, requer-se a improcedência do recurso do Recorrente, como é de Lei e de JUSTIÇA!”
VI. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmª Sra. Procuradora-Geral Adjunta aposto o seu visto.
VII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
VIII: Analisando e decidindo.           
O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP devendo, contudo, o Tribunal ainda conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º do CPP que possam obstar ao conhecimento do mérito do recurso.[1]
Das disposições conjugadas dos artºs 368º e 369º, por remissão do artº 424º nº 2, e ainda o disposto no artº 426º, todos do Código de Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso, pela seguinte ordem:
1º: das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão, aqui incluindo-se as nulidades previstas no artº 379º e os vícios constantes do artº 410º, ambos do CPP;
2º: das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do artº 412º do CPP;
3º: as questões relativas à matéria de Direito.
Entende o Demandante Cível, recorrente principal, que:
- a sentença padece de nulidade nos termos do artº 615º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil porquanto a respectiva fundamentação se revela ambígua, deixando dúvidas quanto ao direito aplicável ou raciocínio argumentado;
- a sentença padece de erro de julgamento no que respeita ao quantum indemnizatório determinado.
Entende a Demandada Cível, recorrente subordinado, que:
- o Tribunal não se ateve ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/2002, devendo os juros de mora ser arbitrados a partir da decisão e não a partir da notificação do pedido cível.
Está, assim, em causa decidir neste recurso, de acordo com a ordem legal supra anunciada:
I) Se se verifica a suscitada nulidade da sentença;
II) Se se verifica erro de julgamento no que tange à determinação do quantum indemnizatório;
III) Se os juros de mora devem ser fixados nos termos requeridos.
Antes de entrarmos na análise de cada uma das questões anunciadas, vejamos o que o Tribunal a quo deu como factos  provados e não provados, bem como o seu entendimento jurídico no que ao pedido de indemnização cível diz respeito (transcrevendo, sendo as falhas na numeração de alguns factos provenientes da própria sentença):
“Factos provados.
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 
1. No dia 5 de Setembro de 2014, pelas 00h30, o arguido CS. conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula XX-XX-XX, marca Ford, modelo Fiesta, pela Estrada Militar, em Queijas, Oeiras. 
2. Proveniente de Queijas e pretendendo seguir em direcção a Lisboa, o arguido seguiu pela mencionada Estrada Militar até alcançar a Estrada Nacional 6.3. que permite a ligação entre a Estrada Nacional 6 (Avenida Marginal), a A5, a A9 e a localidade de Queijas. 
3. O arguido, circulando no sentido norte/sul, introduziu-se na Estrada Nacional 6.3. na via, de sentido único, que estabelece a ligação sul/norte entre a Estrada Nacional 6 e a A5 (sentido Cascais) e a localidade de Queijas.  
4. Nessa mesma ocasião, JPC   , oriundo da Nacional 6, conduzia o motociclo com a matrícula XX-XX-XX, da marca Honda, modelo PC43, pela Estrada Nacional 6.3. no sentido sul/norte. 
5. Ao chegar ao km 1.1 da Estrada Nacional 6.3., o arguido embateu com o veículo que tripulava na roda da frente do motociclo tripulado por JPC    , fazendo com que aquele fosse projectado para o solo. 
6. A Estrada Nacional 6.3., no local do embate, configura uma pequena recta com ligeira inclinação e com fracas condições de visibilidade, encontrando-se, naquela altura, o piso seco. 
7. Como consequência desse embate, JPC entrou em choque hipovolémico hemorrágico do qual resultou traumatismo craniano com perda de consciência, ficando em coma induzido durante 11 dias, sofreu fracturas nos membros superiores, fractura da bacia, laceração de artéria ilíaca interna esquerda, luxação sacroilíaca direita, fractura da articulação tibio-társica esquerda e fractura de um dos metatarsos esquerdos, traumatismo da bacia com luxação do fémur direito, diástase da sínfise pública e sacro-ilíaca direita, fractura exposta do tornozelo esquerdo, fractura da extremidade distal de ambos os rádios e traumatismo escrotal com ferida no hemiscroto direito.  
 8. JPC     teve alta clínica (ainda com impossibilidade de realizar provas físicas) no dia 3 de Maio de 2016, permanecendo durante todo esse período com grave afectação da sua capacidade de trabalho profissional, ocorrendo, ainda, perigo para a sua vida face ao choque hipovolémico hemorrágico.  
9. JPC     foi ainda sujeito a amputação do quinto dedo do pé esquerdo, com coto mal almofadado. 
10. O arguido sabia que a lei obriga as pessoas a conduzir com cuidado, atenção e respeito pelas regras rodoviárias, mormente quando o fazia durante a noite, numa via com pouca luminosidade. 
11. Porém, circulou desatento, sem levar em consideração a sinalização existente no pavimento, conduzindo em sentido contrário ao estabelecido para o mencionado troço, colocando em perigo a vida de JPC    , causando-lhe lesões. 
12. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 
13. O Certificado do Registo Criminal do arguido não averba qualquer condenação.
14. O arguido é doente bipolar, Tipo I, necessitando de apoio de terapêutica  medicamentosa e de acompanhamento psiquiátrico regular e continuado e ficou muito ansioso e angustiado com as consequências que o seu comportamento poderia ter na saúde do demandante.
15. É licenciado em engenharia e gestão industrial.
16. Reside com os pais e de Setembro a Junho trabalha como explicador, auferindo montantes mensais entre € 300,00 e € 400,00.
17. Não tem filhos, nem encargos bancários.
18. Confessou os factos integralmente e sem reservas.
Do pedido de indemnização civil.
19. O arguido/demandado transferiu a responsabilidade automóvel do seu veículo para a 20193718900000. da Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.  
20. Em consequência das lesões que apresentava, o demandante foi de imediato transportado para o Hospital de São José em Lisboa.
21. Apresentando, quando lá chegou, o seguinte quadro clínico: 
- choque hipovolémico hemorrágico
- politraumatismo
- Diástase/disrupção da bacia
- Luxação da anca direita fratura pilar anterior ilfaca; 
- fractura exposta distal dos ossos da perna esquerda esfacelo com lesão do tendão tibial posterior);
- fractura da extremidade distal rádio direito e esquerdo e escafóide cárpico esquerdo; 
- fractura da base do 2° e 3° mtc. Esq
- traumatismo escrotal com ferida incisiva ao nível do hermiscroto direito
22. Nesse dia (5 de Setembro de 2014), foi submetido a duas intervenções cirúrgicas:
a) Ortopedia: Redução dechada anca direita, Exploração esfacelo tornozelo esq, Osteonteossíntese maleolo interno
CPR: T enorrafia Tibila Posterior Esq
Urologia - Desinfecção e sutura ferida
b) - CIR Vascular - Exclusão da artéria ilíaca esquerda, com endoprotese Ortopedia - Redução e Osteotaxia da bacia.
23. O quadro clinico do demandante agravou-se, entrou em choque hipovelémico hemorrágico, sem possibilidade de intervenção cirúrgica e esteve em risco de vida. 
24. Apesar de se tratar de um militar do exército português e da sua robustez física, os seus familiares, foram aconselhados pelos médicos aí sendo crentes rezarem, uma vez que este estava em sério risco de perder a vida. 
25. No entanto o seu quadro clinico melhorou e foi possível realizar a intervenção cirúrgica de redução e fixação externa da bacia. 
26. No dia 6 de Setembro de 2014 ficou internado nos cuidados intensivos em coma induzido, foi entubado e colocados drenas no tórax derivada à existência de fluidos nos pulmões. 
27. Tendo estado em coma induzido durante 11 dias, tempo durante o qual foi ao bloco operatório por diversas vezes.
28. O demandado permanecia com um quadro clínico reservado, uma vez que tinha febres elevadas derivadas das diversas infeções e de dificuldades respiratórias de que padecia. 
29. Em 16/09/2016, foi-lhe retirado o dreno toráxico direito. 
30. Em 18 de Setembro de Setembro de 2016, foi-lhe retirado o suporte respiratório (tubo de ventilação) e o demandante retomou o respirar sem auxílio mecânico.
31. Em 19/09/2016, foi retirado o dreno toráxico esquerdo. 
32. Tornando a ser submetido a nova intervenção cirúrgica no dia 19 de Setembro de 2014.
33. No dia 25 de Setembro de 2014 foi transferido para o Hospital das Forças Armadas onde foi submetido a mais duas outras intervenções cirúrgicas:
1.- Amputação do quinto dedo do pé esquerdo
2.- Remoção do fixador externo da bacia.
34. Tendo ficado internado nesse hospital até ao dia 07 de Novembro de 2014.
35. Sendo que nesse dia teve alta para o domicílio efetuando tratamentos de reabilitação diários 04-02-2015.
36. Todas essas intervenções cirúrgicas a que o demandante foi submetido, foram efetuadas com anestesia geral.
37. Tudo isto foi causa directa e necessária da sua imobilização numa cama de hospital, por um período de três meses.
38. Posteriormente, no período em que permaneceu em convalescença no seu domicílio tinha que ser auxiliado em todas as tarefas, devido ao seu estado de quase total imobilidade.
39. Uma vez que, para além das dores, tinha grande dificuldade em movimentar-se, socorrendo-se do uso de canadianas.
40. O que decorreu até fevereiro de 2015, altura que retomou parcialmente as suas funções no Exército Português.
41. Em 17 de novembro de 2015 foi submetido a nova cirurgia de remoção do material de homeosteosintese, colocado em ambos os pulsos.
42. Em novembro de 2015, foi submetido a cirúrgia plástica para redução das cicatrizes na cabeça.
43. Durante 9 meses foi submetido, diariamente a tratamentos de fisioterapia no Hospital-, que se iniciaram em 7/11/2014 e se prolongaram até 31/07/2015.
44. O demandante teve alta clínica (ainda com impossibilidade de realizar provas físicas, exigência das funções que desempenha) no dia 3 de Maio de 2016. 
45. O demandante era à data do acidente um jovem de 25 anos, que terminara a sua licenciatura em Direito e era oficial no exército Português onde exercia funções de assessor jurídico/adjunto oficial de justiça.
46. À data dos factos o demandante encontrava-se a frequentar o mestrado em jurídico-financeiras na Faculdade de Direito de Lisboa.
47. Devido ao acidente, ficou impossibilitado de concluir e apresentar a sua tese de mestrado no prazo previsto. 
44. Tendo-se visto obrigado a prorrogar o prazo por mais um ano lectivo, mediante o pagamento do valor de 1.063,46 €.
45. O demandante era, à data do acidente, um jovem de 25 anos, solteiro, feliz, saudável, dinâmico, que tinha acabado a licenciatura em Direito, encontrava-se a frequentar um mestrado.
46. Era oficial no exército Português onde exercia funções de assessor jurídico/adjunto, auferindo de remuneração base mensal o valor de 892,53 €, acrescidos de um suplemento de condição militar de 209,55 €/mês, tudo no total de 1.102,08 €
47. Sofreu dores e angústia sofridas quer no momento do acidente quer no período de convalescença, e bem assim incómodos por se ver impedido de prosseguir, com normalidade, a sua rotina diária. 
48. Nos meses posteriores ao acidente e devido à violência do mesmo, sentiu dores lancinantes e angústia, temendo pela vida.
49. Sentiu dores horríveis em consequência do traumatismo escrotal que sofreu e sentiu durante muito tempo enorme angústia por pensar que tal poderia ter afetado a sua capacidade sexual. 
50. No exercício das suas funções o demandante era submetido, regularmente, a provas físicas.
51. Mantém sequelas do acidente que se consubstanciam em dores, rigidez nos membros e cansaço, na pele cicatrizada, na zona dos braços, tórax, cabeça e pernas. 
52. As sequelas das lesões sofridas pelo ora demandante obrigá-lo-ão a um esforço suplementar para desempenhar as suas funções quer a nível pessoal, quer a nível profissional.
54. Por causa das lesões ocasionadas pelo acidente, que lhe determinaram intensas dores, incómodos, preocupações e desconfortos incomensuráveis, que lhe alteraram a sua vida na sua expressão pessoal, familiar e social. 
55. As cicatrizes provocam, no ora demandante, vergonha pelo seu corpo.
56. O demandante tinha, à data dos factos, 25 anos de idade. 
57. Era um jovem que gostava da vida ao ar livre, tinha como hobbies andar de mota, ir à praia, praticar surt, krav maga, ciclismo, tocar contrabaixo e guitarra, fazendo treino físico diário para manutenção da forma física na sequência da profissão. 
58. O demandante, antes do acidente, conduzia, diariamente, o seu motociclo (a sua mota) o que lhe dava imenso prazer.
59. Após o acidente ficou tão traumatizado com a situação que nunca mais consegui conduzir a sua mota, tendo inclusivamente, se desfeito de todo o equipamento que utilizava (casaco, capacete). 
60. Sentindo uma profunda angústia e desgosto por sentir que não conseguirá mais conduzir uma mota. 
61. Desde o dia do infeliz acidente, a vida do ora demandante foi um autêntico calvário, de hospitais, consultas, exames, fisioterapia.
62. O demandante, em virtude das lesões resultantes, directa e necessariamente, do acidente de viação de que foi vitima, sofreu e ainda sofre de forma permanente, de dores nas pernas e stress que ainda perduram, desde a data do acidente até hoje. 
63. Profissionalmente, o demandante pretendia candidatar-se à Polícia Judiciária.
64. E as suas limitações físicas condicionaram o seu sonho profissional, uma vez que os testes físicos para ser admitido na Policia Judiciária são bastante exigentes. 
65. Sentiu profunda angústia pelo sofrimento que tudo isto provocou no seio familiar e que levou, inclusivamente, a avó, a mãe e a namorada a terem que tomar antidepressivos para lidar com a situação. 
66. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 03.05.2016.
67. Teve um período de défice funcional temporário total de 66 dias.
68. Teve um período de défice funcional temporário parcial de 542 dias.
69. O período de repercussão temporária na actividade profissional total é de 237 dias.
70. O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é de 371 dias.
67. Ficou com um Dano Estético Permanente fixável no grau 4/7.
68. O Quantum doloris foi fixada no grau 7/7. 
69. Ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 22 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro.
70. As sequelas são em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com a actividade habitual, mas implicam esforços complementares.
71. Ficou com repercussão permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7. 
71. Ficou com uma repercussão Permanente na actividade sexual fixável no grau 3/7.
73. De 5 de Setembro de 2014 até 3 de Maio de 2016 o demandante recebeu do Exército a quantia de € 30,995,60, a título de remunerações.
74. Recentemente o demandante ingressou no SEF como inspector. 
75. No exército recebia o vencimento liquido mensal de € 1.094,74.
Factos não provados:      
Não ficaram provados todos os factos que estejam em contradição com a factualidade precedentemente elencada e que não encerram meras conclusões, designadamente que: 
1. A incapacidade permanente de 34%.”
“Do pedido de indemnização civil
Com fundamento na prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, JPC     deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.. pedindo a sua condenação: (i) no montante de € 215.081,93, a título de IPP já atribuído ao ora demandante, acrescidos dos juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento (ii) na quantia de 1.063,48 €, referente ao valor das propinas pagas pelo demandante (iii) na quantia de € 100.000,00, a título de danos não patrimoniais, incluindo os estéticos, acrescidos dos juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento, além das custas e procuradoria condigna.
De acordo com o disposto no artigo 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, pelo que ter-se-á que ter em conta ao que esta estatui quanto à responsabilidade civil extracontratual.
Importa, antes de mais, averiguar se os factos dados como provados preenchem os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito.
Nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. 
Esta norma estabelece, como é salientado pela doutrina, “uma cláusula geral de responsabilidade civil subjectiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual represente a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações¸ volume I, 1.ª edição, pág. 254).
Assim, para se apurar se existe, ou não, responsabilidade por factos ilícitos e, consequentemente, obrigação de indemnizar é necessário apurar, antes de tudo, se estão preenchidos os respectivos pressupostos: 
1) O facto voluntário, ou seja, a conduta dominada ou dominável pela vontade; 
2) A ilicitude desse facto, que tanto pode consistir na violação de direitos de outrem como na infracção de normas preventivas destinadas à protecção de direitos alheios; 
3) A imputação do facto ao lesante, que tanto poderá ter lugar a título de dolo ou de negligencia; 
4) O dano (patrimoniais ou morais); e 
5) O nexo de causalidade entre o facto e o dano (o qual, nos termos do disposto no artigo 563.º do CC, deverá ser aferido por forma a que a obrigação de indemnização só abranja os danos cuja verificação era lícito prever que se verificariam se não fosse a lesão, consagrando assim a Teoria da Causalidade Adequada na sua variante negativa).
(I) DOS DANOS PATRIMONIAIS
Dando-se por reproduzidas as considerações supra expostas a respeito da responsabilidade extra-contratual, cumpre apurar se a factualidade provada resultam preenchidos os referidos pressupostos. 
Com efeito, resulta provado que à data dos factos o demandante era um jovem de 25 anos, que terminara a sua licenciatura em Direito e era oficial no exército Português onde exercia funções de assessor jurídico/adjunto oficial de justiça. À data dos factos o demandante encontrava-se a frequentar o mestrado em jurídico-financeiras na Faculdade de Direito de Lisboa. Devido ao acidente, ficou impossibilitado de concluir e apresentar a sua tese de mestrado no prazo previsto. Tendo-se visto obrigado a prorrogar o prazo por mais um ano lectivo, mediante o pagamento do valor de 1.063,46 €.
Assim, procede este pedido de pagamento do valor de 1.063,46 €.
(II) DO DANO BIOLÓGICO
Peticiona ainda a demandante a quantia de montante de € 215.081,93, a título de IPP já atribuído ao ora demandante, acrescidos dos juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Em matéria de avaliação de danos corporais, vem a jurisprudência distinguindo, dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.  No que ao “dano biológico” respeita, e por considerar que o mesmo tem diferentes vertentes, vem a jurisprudência englobando neste conceito tanto a perda da capacidade de ganho como os danos não patrimoniais futuros.
A este respeito dispõe o artigo 564.º do Código Civil: 
“1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”
Conforme o entendimento subjacente ao Ac. do S.T.J. de 09.06.1992 (disponível in www.dgsi.pt), os danos futuros assentam numa previsão que deve harmonizar-se com o desenvolvimento seguro de um dano actual.
Ainda nos termos do citado Ac. do S.T.J., “o nº 2 do artigo 564.º do Código Civil encerra um comando ou poder-dever que o tribunal aplicará consoante a possível verificação dos danos havidos previsivelmente como certos no futuro ou suficientemente prováveis dentro do mecanismo do nexo causal”.
In casu, resultou provado:
- Como consequência directa da actuação o arguido teve um período de défice funcional temporário total de 66 dias. Teve um período de défice funcional temporário parcial de 542 dias. O período de repercussão temporária na actividade profissional total é de 237 dias. O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é de 371 dias. Ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 22 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro. As sequelas são em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com a actividade habitual, mas implicam esforços complementares. Ficou com repercussão permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3/7 e ficou com uma repercussão Permanente na actividade sexual fixável no grau 3/7.
Atenta a matéria factual exposta revela-se inequívoca a ocorrência de danos futuros previsíveis e que, consequentemente, carecem de ser ressarcidos.
A incapacidade permanente é de per si indemnizável quer em sede patrimonial quer em sede não patrimonial, independente de o lesado exercer ou não profissão remunerada ou de, em consequência da incapacidade, o seu rendimento diminuir. 
De facto, “quer para cálculo da indemnização por dano futuro resultante (como antes se dizia) de IPP (incapacidade parcial permanente), quer da devida pelo dano biológico (como agora se diz), considerando as variáveis envolvidas (uma das quais é a repercussão, ou não, no rendimento salarial) e tendo em conta que a Jurisprudência é geralmente avessa às Tabelas em voga para uso pelas Seguradoras na chamada “proposta razoável”, sempre o critério decisivo último tem sido e continua a ser a equidade” (Ac. STJ-S, de 1-07-2010, na CJ, ano XVIII, Tomo II, página 139). 
Como referido no Acórdão do STJ, de 02.05.2012 (Relator: Consº. Fonseca Ramos): “A equidade – que postula a justiça do caso concreto – tem de ser o critério determinante para calcular o valor indemnizatório dos danos futuros previsíveis, sobretudo, quando se trata de indemnizar o dano emergente da afectação das faculdades físicas ou mentais do lesado, já que, não sendo de dogmatizar o valor de tabelas e cálculos, importa sopesar um conjunto de factores, os mais deles de verificação aleatória, incerta, mutável e imprevisível”.
O demandante à data dos factos tinha 25 anos de idade, e padece de forma definitiva das lesões supra consignadas.
Com efeito, e continuando a seguir de perto a jurisprudência do STJ “I-A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida – representa uma verdadeira capitis diminutio do lesado (uma substancial restrição ou limitação às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição), constituindo assim fonte actual de futuros lucros cessantes, a indemnizar como verdadeiro dano não patrimonial. II-Ao mesmo tempo, tal perda relevante de capacidades funcionais representa ainda uma degradação do padrão de vida do lesado – quer nos aspectos não directamente associados ao exercício da profissão, quer na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar – a compensar como dano não patrimonial. III-É pois nesta dupla vertente que a ressarcibilidade do dano biológico – independentemente do seu enquadramento ou qualificação jurídicas ou como dano patrimonial ou como dano não patrimonial ou, ainda, como um tertium genus, como um dano de natureza autónoma e específica) – consistente na perda genérica de potencialidades laborais e funcionais, deve ser perspectivada e satisfeita” (Acórdão do STJ, de 01.07.2010, relatado pelo Exmº Consº Barreto Nunes, in CJS, ano XVIII, Tomo II, página 75).
A maioria da jurisprudência, e certa doutrina, consideram o dano biológico como de cariz patrimonial. (vide entre outros, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2009 e os Acórdãos de 4 de Outubro de 2007 – 07B2957, de 10 de Maio de 2008 – 08B1343, 10 de Julho de 2008 – 08B2101, e de 6 de Maio de 1999 – 99B222, e Prof. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, 248).
Em abono deste entendimento refere-se que, mesmo não havendo uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional do lesado, pode verificar-se uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis o que integra um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute.
Mas também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial, ou seja, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral. 
Como se escreveu no Ac. do STJ de 20.01.2011 (Processo n.º 520/04.8GAVNF.P2.S1, in www.dgsi.pt), “é um dano cujos efeitos abrangem tanto a rentabilidade laboral como toda a vida física ou intelectual do lesado. E, por força da amplitude em que se manifesta, o dano biológico, ou melhor dito, os seus negativos efeitos, podem, assim, atingir a um tempo bens patrimoniais e não patrimoniais do lesado, sem que se possa falar de duplicação na indemnização. No plano patrimonial, o dano biológico pode ser ressarcido ainda que as lesões da vítima não hajam implicado para ela o denominado rebate profissional (…).
Assim, mesmo que o dano biológico do lesado não se manifeste na interrupção de um certo fluxo de rendimentos da atividade profissional por ele desenvolvida, nem por isso é de arredar a verificação de uma perda de ganho potencial.
Propendemos, portanto, para o entendimento segundo o qual, mesmo que não interfira com a perda de ganho efetivo, o chamado dano biológico não deverá deixar de ser igualmente ressarcido no plano dos danos patrimoniais, na exata medida em que também venha a acarretar à vítima a impossibilidade de certo tipo de trabalhos ou apenas uma maior penosidade na execução de todas ou algumas das atividades que contendem com a respetiva capacidade de ganho”. (sublinhado nosso)
Estas considerações integram uma linha de orientação expressa em vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, concluindo que o chamado dano biológico é, em geral, reparável (dependendo a ressarcibilidade, em concreto, da gravidade do dano provado), independentemente do seu enquadramento na categoria dos danos patrimoniais ou morais.
Sobre a questão, com particular relevo para o caso em análise, ensina o acórdão do STJ de 20.05.2010 (Processo n.º 103/2002.L1.S1, in www.dgsi.pt): “(…) parece-nos importante começar por distinguir os problemas da ressarcibilidade do dano biológico e do seu enquadramento ou qualificação jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano moral – ou eventualmente como «tertium genus», como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado: é que, qualquer que seja o enquadramento jurídico que, no caso, se entenda refletir mais adequadamente a natureza das coisas, é indiscutível que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui seguramente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da «teoria da diferença»; ou, não sendo perspetiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, a penosidade acrescida no exercício das tarefas profissionais e do dia a dia constitui seguramente um dano não patrimonial que, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito. (…)
Em suma: pelo menos para quem não está irremediavelmente afastado do ciclo laboral, a perda de capacidades funcionais constitui uma verdadeira «capitis diminutio» do lesado num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar como verdadeiros danos patrimoniais” (neste sentido, vide Acórdão do STJ de 11/11/2010, Pº 270/04.5 TBOFR.C1.S1. Ver ainda, em consonância, por exemplo, o Acórdão do S T J de 20/5/2010, Pº 103/2002.L1.S1). 
“Deste modo, entende-se ser um dano autonomizável, devendo ser contabilizado, um prejuízo futuro de componente mista, patrimonial e não patrimonial, enquadrado como dano biológico, e que contemple, para além do resto, a maior penosidade e esforço no exercício da actividade corrente e profissional do lesado. Do mesmo modo que o condicionamento a que ficou sujeito, para efeitos de valorização do seu estatuto no emprego, condicionamento que o penalizará, ainda, se quiser, ou vier a ser obrigado, a encontrar outra actividade profissional.” (Ac. Relação do Porto de 29-05-2012, Relatora. Desemb. Cecília Agante)- sublinhado nosso.
Tudo ponderado, nomeadamente, que o demandante tinha 25 anos à data dos factos, a actividade que exercia e actualmente exerce, o seu vencimento, montante que recebeu do exercito, o dano emergente da repercussão permanente na sua actividade sexual, fixável no grau 3/7 – o que não é despiciendo, visto tratar-se de uma deficiência permanente e o demandante um homem ainda jovem -, o défice funcional permanente de 22 pontos, utilizando o legal critério da equidade, e tendo ainda presente que, a indemnização não deve propiciar um enriquecimento mas não pode ser miserabilista, entende-se segundo um critério de previsibilidade e necessariamente de equidade, fixar em € 80.000,00, a título de dano biológico, na sua vertente patrimonial. 
(III) DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Peticiona ainda a demandante uma indemnização em montante não inferir a €100.000,00 a titulo de danos não patrimoniais.
Os danos não patrimoniais, também denominados danos morais, são aqueles que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porquanto atingem bens que não fazem parte do património do lesado, serão ressarcidos mediante uma obrigação pecuniária imposta ao lesante que, na realidade, será mais uma compensação do que uma indemnização strictu sensu. 
No nosso ordenamento jurídico admite-se expressamente a indemnização por danos não patrimoniais, embora com um limite, pois só são indemnizáveis os danos “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (cfr. artigo 496°, n° 1, do Código Civil).
No que diz respeito à gravidade de dano, esta há-de aferir-se por um padrão objectivo, muito embora devam ser tidas em conta as circunstâncias do caso concreto, sendo a sua apreciação feita em função da tutela de direito, isto é, o dano deverá ser tão grave que justifique uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. 
Ultrapassado este limite, o quantum indemnizatório há-de obedecer a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias particulares do caso, devendo ser considerados os factores contidos no artigo 494° do Código Civil – no caso aplicáveis, por força da remissão do artigo 496°, n° 3 do mesmo código -, como seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Como se pode ler, in “Dano Estético-Responsabilidade Civil” – da jurista brasileira Teresa Lopez – 3ª edição atualizada com o Código Civil de 2002 – pág. 19:
“O problema da reparação do dano estético tem importância em dois planos: o ontológico, pois “ser e aparência coincidem” e qualquer lesão que a pessoa sofra em sua forma externa acarreta um abalo, um desequilíbrio na personalidade, dando origem a grandes sofrimentos; o outro plano é o sociológico, pois, exatamente por causa de uma lesão estética, pode a pessoa não ter a mesma aceitação no meio social, o que também vai ser fonte de grandes desgostos.
Dessa forma, o dano estético é dano moral que ofende a pessoa no que ela é, em todos os seus aspetos.
Em outras palavras, no dano à pessoa há vários bens jurídicos ofendidos, apesar de a causa ter sido a mesma, e é por isso que a reparação deve ser a mais completa e justa possível, ressarcindo e possibilitando cumulação de indenizações referentes a cada um deles”.
Por último, cabe-nos analisar o quantum doloris, ou seja, o todo o sofrimento da demandante em consequência dos factos praticados pelo arguido.
Há, assim, que atender às dores, tendo o quantum doloris sido fixado no grau 7/7, o longo período da recuperação e dos tratamentos a que foi sujeito, o demais sofrimento psíquico, designadamente a nível sexual, períodos de incapacidade, incómodos sofridos, as cicatrizes com que ficou, Dano Estético Permanente fixado no grau 4/7, as actividades desportivas que deixou de praticar, pelo menos da forma como praticava.
Estes danos pela sua gravidade merecem a tutela do direito, nos termos do disposto no artº 496º nº 1 do Código Civil.
Destarte, ponderando todo o sofrimento, incómodos, necessariamente momentos de angústia sofridos, atendendo, igualmente, aos concretos factores definidos nos arts. 494.º e 496.º nº 3 do C.C, entende-se adequado condenar a demandada seguradora a pagar ao demandante o montante de € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se do demais pedido.
Dos juros de mora 
Reclama ainda o demandante o pagamento de juros de mora sobre as quantias peticionadas, vencidos e vincendos contados a partir da data da citação, à taxa legal, até efectivo pagamento.   
Nesta sede importa referir que os valores supra fixados a título de danos não patrimoniais são actualizados à presente data, nos termos do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que aos mesmos acrescem juros de mora, a vencer desde a presente data e até efectivo e integral pagamento.  
De facto, considerando que o montante indemnizatório dos danos deve ser actualizado aquando da prolação da decisão (o que se levou em linha de conta na sua fixação, como se referiu supra), ou seja, na data que puder ser atendida pelo Tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, sobre o mesmo não poderão incidir juros de mora desde a data dos factos ou notificação do pedido de indemnização civil, sob pena de cumulação destes com a actualização. Assim, o demandante terá direito aos juros que se vencerem a partir da presente decisão - neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, publicado no diário da República, I Série-A, de 27.06.2002, pág. 5057.  
No que se refere aos valores fixados a título de danos patrimoniais, porque se trata de créditos líquidos e tratando-se de responsabilidade por factos ilícitos, o devedor incorre em mora desde a citação (cfr. artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, do Código Civil).  
A mora no cumprimento da prestação constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor pelo não cumprimento atempado, correspondendo a indemnização nas obrigações pecuniárias aos juros a contar do dia da constituição em mora - cfr. artigos 804.º e 806.º do Código Civil.  
São assim devidos ao demandante juros de mora sobre as quantias indemnizatórias fixadas a titulo de danos patrimoniais, apenas desde a notificação do pedido de indemnização civil e até efectivo pagamento, à taxa legal de 4% - cfr. artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08 de Abril, ou à taxa legal em vigor, se entretanto esta sofrer alteração.”
Vejamos, agora, as questões submetidas a recurso:
I) Da nulidade da sentença:
O recorrente JPC    entende que a sentença sob escrutínio padece da nulidade prevista no artº 615º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil (CPC) por, no seu entendimento, a respectiva fundamentação se revelar ambígua, deixando dúvidas quanto ao direito aplicável ou raciocínio argumentado.
O artº 615º do Código de Processo Civil, subordinado à epígrafe “causas de nulidade da sentença” e que dispõe no seu nº 1 al. c) que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” não tem aplicação ao caso dos autos uma vez que, apesar do recurso interposto abranger apenas a parte cível decidida pelo Tribunal a quo, essa parte insere-se numa sentença penal proferida por um tribunal criminal, no âmbito de um processo penal.
As nulidades de uma sentença penal vêm previstas no artº 379º do Código de Processo Penal, nulidades essas que não encontram correspondência com o citado artº 615º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil.
A norma do processo penal com alguma correspondência ao “vício” que o recorrente parece querer atribuir à sentença recorrida situa-se no artº 410º nº 2 do Código de Processo Penal que diz o seguinte:
“1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;     
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”  
Conforme esclarecem Simas Santos e Leal Henriques[2] “Deve notar-se que a al. a) do nº 2 se refere à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º), que é insindicável em reexame da matéria de direito.
Por sua vez a contradição a que se reporta a al. b) é só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência.
Finalmente o erro notório na apreciação da prova a que alude a al. c) é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente. Esse erro existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, v.g., quando se dá por assente que o arguido está num determinado local a determinada hora e ao mesmo tempo se tem como provado que ele estava em local longínquo minutos depois; ou quando se dá por assente que o arguido disparou três tiros de pistola a 4 metros de uma mesa onde estavam sentadas várias pessoas, no interior de um café apinhado e se dá por provado que ele não previu a possibilidade de atingir mortalmente alguém.(…)
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ao das legis artis.
Não pode esquecer-se que, como se prescreve na 2ª parte do corpo do nº 2, os vícios apontados nas suas alíneas têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou com recurso às regras da experiência comum, não sendo permitida a consulta de outros elementos constantes do processo.”
Como muito bem explicitado no Acórdão do STJ de 15-09-2009 (procº nº 103/09 da 3ª Secção, in Boletim do STJ):
“I -As anomalias, os vícios da decisão elencados no n.° 2 do art. 410.° do CPP têm de emergir, resultar do próprio texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma; esses vícios têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo.
II - Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei -vícios da decisão, não do julgamento.
III - Os vícios previstos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.° do CPP.
IV - Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida; é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
V - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
VI - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”
Ora, da cuidada análise da sentença recorrida não se vislumbra a apontada ambiguidade na fundamentação nem existem quaisquer dúvidas acerca do direito aplicável.         
É certo que o Tribunal a quo não revela na sua fundamentação qual a fórmula, se é que se socorreu de alguma, para determinar o quantum indemnizatório, especialmente no que tange ao dano biológico, mas isso não torna a sentença nula, nem a inquina nos termos do artº 410º do CPP.
O que resulta do recurso em apreço é que o recorrente pura e simplesmente não concorda com a resolução do pleito que o Tribunal a quo encetou, discordando do enquadramento jurídico efectuado.
Mas isso não traduz qualquer ambiguidade ou dúvida na aplicação jurídica realizada sendo que a sentença ora sob escrutínio mostra-se fundamentada, não havendo oposição entre a fundamentação e a decisão.
Constata-se, assim, que a sentença recorrida não padece de qualquer nulidade, e, em especial, não padece dos vícios apontados, motivo pelo qual esta parte do recurso tem de improceder.
II) Do erro de julgamento e do mérito da decisão na parte cível:
Entende ainda o recorrente JPC    que o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento no que tange ao quantum indemnizatório atribuído.
Em particular entende o recorrente que o Tribunal a quo fixou mal o chamado dano biológico não tendo tomado em consideração uma série de factores que a nossa jurisprudência vem adoptando, bem como o dano sexual deveria ter sido analisado em separado e fixada uma indemnização em termos autónomos, mostrando-se o valor arbitrado a título de danos morais inferior a casos semelhantes, o que leva à violação do principio da igualdade plasmada no artº 13º da CRP.
Vejamos.
Conforme se afirma no Acórdão do STJ de 10-12-2019 (procº nº 32/14.1TBMTR.G1.S1 in www.dgsi.pt):
“Não contendo a nossa lei ordinária regras precisas destinadas à fixação da indemnização por danos futuros, deve a mesma calcular-se segundo critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no caso concreto, poderá vir a acontecer; e se não puder, ainda assim, apurar-se o seu exato valor, deve o tribunal julgar segundo a equidade, nos termos enunciados no art. 566°, n.º 3, do C.C.”
Não tendo nenhum dos recorrentes impugnado a existência de danos ressarcíveis e, consequentemente, a obrigação da Seguradora proceder ao pagamento de uma indemnização por facto ilícito nos termos do artº 483º do Código Civil[3], em causa está apenas e tão só saber se o Tribunal a quo, embora recorrendo a critérios de equidade, fixou de forma equilibrada e justa, valores adequados aos danos patrimoniais e morais sofridos pelo demandante cível.
A resposta tem de ser encontrada na lei civil e na jurisprudência.
Vejamos.
Os princípios orientadores da obrigação de indemnizar encontram a sua sede nos artºs 562º e ss do Código Civil.
Assim, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – artº 562º CC – sendo que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” – artº 563º CC.
“O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – artº 564º nº 1 CC –  e, “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior” – artº 564º nº 2 CC.
No caso em concreto, em que existem danos causados no corpo e na saúde de vítima de acidente de viação, há ainda que atender ao disposto no artº 566º do Código Civil que determina o seguinte:
“1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.
3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”
Ora, no caso em apreço, o demandante cível, vítima do acidente de viação, sofreu inúmeros danos, quer no seu corpo, quer na sua saúde, quer ainda em relação à sua capacidade de trabalho, para além do sofrimento físico e moral que tanto o acidente, como a respectiva recuperação, implicaram.
De uma forma simples, os danos são agrupados em danos patrimoniais e danos não patrimoniais, ou morais.
Mas esta destrinça não basta pois que, em cada uma destas duas grandes categorias de danos existem sub-espécies que carecem tratamento jurídico autónomo.
No Acórdão do STJ de 28-10-1992[4] constatamos o destaque para as seguintes espécies de danos:
1 — Danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias;
2 — Ganhos cessantes;
3 — Lucros cessantes;
4 — Custos de reconstituição ou reparação;
5 — Danos futuros;
6 — Prejuízos de ordem não patrimonial.[5]
“Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida deste; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou o enterro de quem tenha falecido.
Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes. Mas esta perda não deve ser confundida: a) com a perda de capacidade de trabalho, que é nitidamente um dano directo, que se pode aferir em função da tabela nacional de incapacidades; b) nem com a perda da capacidade de ganho, que é o efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão impeditiva da obtenção normal de determinados proventos certos, em regra até ao momento da reforma ou da cessação da actividade como paga do seu trabalho, e que se inclui na categoria dos prejuízos directos, embora com uma importante vertente de danos futuros; c) nem ainda com a perda efectiva de proventos futuros de natureza eventual, ainda que em vias de concretização, que se inclui na categoria de lucros cessantes; d) nem, finalmente, com a perda que possa resultar do eventual desaparecimento de uma situação de trabalho produtora ou potencialmente produtora de ganhos, que também se inclui na categoria de lucros cessantes.
Os custos de reconstituição ou de reparação correspondem ao preço dos bens ou serviços necessários para proceder a uma correcta reparação, quando tal seja possível, do objecto, animal, ou da parte do corpo ou órgão destruídos ou danificados, e compreende, por ex. os preços de oficina, de hospitalização, de operações cirúrgicas e até de eventuais próteses que se torne necessário efectuar, motivo pelo qual existe uma estreita relação entre eles e o campo dos danos ou prejuízos directos, mas sem que as duas realidades se confundam.
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultaram para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer, ou, para os chamados “lesados em 2.º grau” da ocorrência da morte do ofendido em resultado de tal acto ilícito, e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, (e que poderá corresponder, nalguns casos ao tempo de vida laboral útil do lesado), e compreendem ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).
Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado (a vida, a saúde, a liberdade, a beleza). Não devem confundir-se com os danos patrimoniais indirectos, isto é, aqueles danos morais que se repercutem no património do lesado, como o desgosto que se reflecte na capacidade de ganho diminuindo-a, pois esta constitui um bem redutível a uma soma pecuniária.
Porque estes danos não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória, sem esquecer, contudo, que não pode deixar de estar presente a vertente sancionatória (Prof. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 1.º, 9.ª ed., p. 630). Com efeito, em termos de dinheiro em quanto se pode avaliar a vida, as dores físicas, o desgosto, a perda da alegria de viver, uma cicatriz que desfeia?”[6]
A Portaria nº 377/2008 de 26-05, que regulamenta o DL nº 291/2007 de 21-08, inclui no seu leque de danos indemnizáveis o “dano biológico” ou dano pela ofensa à integridade física e psíquica, quer resulte ou não perda da capacidade de ganho (artº 3º al. b)).
Conforme esclarece o Ac. do STJ de 02-06-2016 (procº nº 2603/10.6TVLSB.L1.S1)[7]:
“O chamado dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.”
Esclarece ainda o Ac. da Relação do Porto de 19-03-2018 (procº nº 1500/14.0T2AVR.P1 in www.dgsi.pt):
“Como é consabido, entre nós, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido tal dano.
Uma primeira posição (que se vem perfilando como claramente maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; um outro posicionamento admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística, pelo que, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais), variará também o próprio dano biológico; por último, uma terceira posição que o qualifica como dano - base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente.
Como quer que seja, independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial - ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado -, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença. Daí que a posição majoritária (que igualmente sufragamos) venha considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento.
Neste conspecto, a casuística que sufraga tal posição vem recorrentemente enfatizando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico/patrimonial - porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuindo as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.”
Embora existam, tal como a portaria acima citada, instrumentos legislativos vários que visam a disciplina do ressarcimento dos inúmeros tipos de danos que resultam, em especial, de acidentes de viação, incluindo o dano biológico, afigura-se-nos que os cálculos e tabelas fornecidos por tais instrumentos não devem ser seguidos, tout court e de forma cega pelo juiz sob pena deste se tornar mero executor da vontade das seguradoras.
Ou, como Joaquim José de Sousa Diniz afirma com muita pertinência:
«Estas tabelas são apenas orientadoras. Se forem utilizadas, o juiz no seu prudente arbítrio tem o dever de “saltar” para fora dos valores máximos. Não deve ficar “escravo” das tabelas, nunca olvidando o art. 496.º do CC. Caso contrário corre-se o risco de se implantar nas decisões judiciais uma “ditadura das seguradoras”».[8]
Conforme se afirma no Ac. do STJ de 18-10-2018 (procº nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1 in www.dgsi.pt):
“I - A jurisprudência emitida pelos nossos tribunais superiores, em sintonia, de resto com o preâmbulo e com o disposto no art. 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, vem invariavelmente decidindo que: “as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, apenas relevam no plano extrajudicial ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais (arts. 564.º e 566.º, n.º 3, do CC)”.
II - No que ao dano biológico concerne, na medida em que o critério último, obrigatório e decisivo, é a equidade, tem, inclusive, a jurisprudência fixado, quase sem excepção, valores indemnizatórios excedentes aos que resultariam da simples e “automática” aplicação desses referentes da dita Portaria.”
Assim, tem sido jurisprudência constante, da qual o recente arresto do STJ de 10-12-2019 (procº nº 32/14.1TBMTR.G1.S1[9]) é mero exemplo, concluir-se pela adopção de alguns critérios uniformizadores que permitem a fixação de um quantum indemnizatório pelo chamado dano biológico:
 “Para além de danos de natureza não patrimonial, a afetação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é suscetível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afetação, no período de vida expetável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas atividades.
 Neste âmbito, para determinar a indemnização pelos danos futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores:
- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;
- As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
- Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia;
Por outro lado, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) no que se refere à expectativa média de vida (que, em Portugal, segundo os últimos dados do INE, tratando-se de uma pessoa do sexo feminino, como in casu, se situa nos 83 anos), e ao período de vida ativa (em regra, até aos 70 anos).” – sublinhado nosso
Ora, o recorrente, seguindo esta proposta jurisprudencial, apresenta no seu recurso cálculos com os quais visa ver alterado o quantum indemnizatório fixado para o dano biológico por si sofrido, propondo um valor mais elevado do que aquele que efectivamente foi fixado pelo Tribunal a quo.
Relembremos que o Tribunal a quo fixou a título de dano biológico um valor total de € 80.000,00 de indemnização aqui incluindo o dano sexual.
Embora não seja possível perceber se o Tribunal a quo se socorreu deste processo (pois faz referência aos elementos que considerou, mas não elaborou cálculos concretos, apelando, por fim, a critérios de equidade) afigura-se-nos acertado o recurso à “fórmula” referida pelo STJ, não só no acórdão supra citado mas previsto ainda em inúmeros arrestos por si já produzidos em igual sentido[10].
A vexata quaestio todavia, não estará, na fórmula empregue, mas em saber qual o rendimento anual que deve se relevado.
É que as discrepâncias jurisprudenciais na fixação do quantum indemnizatório por dano biológico não surgem em face da utilização de fórmulas diversas de cálculo, mas da adopção de critérios divergentes na determinação do valor anual utilizado no respectivo cálculo.
Conforme muito bem explicado por Rita Mota Soares[11]:
“Embora seja comumente aceite que aqueles valores[12] não são vinculativos para os tribunais, para partir de uma base objectiva que diminua, dentro do possível, a existência de decisões muito díspares na quantificação do dano biológico, a jurisprudência tem vindo a utilizar as tabelas financeiras e as fórmulas matemáticas, como base de cálculo. Assim se procura conciliar o tratamento igualitário das vítimas com o objectivo de justiça.
O resultado será pois corrigido para melhor se ajustar ao caso sob análise, sendo que essa correcção opera com base na equidade.
Ora, é fundamentalmente naquele cálculo inicial que reside o tratamento diferenciado dos lesados em Portugal: os tribunais partem de bases de cálculo muito diferentes e a equidade não tem bastado para resolver as desigualdades assim geradas. Ou seja, salvo melhor entendimento, é por partirmos, nuns casos, de uma base de cálculo de €400,00; noutros, de uma base de cálculo de €900,00; noutros, de uma base de calculo de €1.500,00, e por aí em diante, que reside a principal causa do tratamento diferenciado dos lesados.
Porém, se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos.
Nessa medida, nos casos em que os lesados não sofram uma efectiva diminuição dos rendimentos profissionais (quer porque estes não ficam diminuídos, quer porque estão em causa estudantes, desempregados ou reformados), havendo antes a necessidade de maiores esforços para obtenção dos mesmos rendimentos, não há razão alguma para tratamentos diferenciados por referência ao salário ou ao rendimento habitual.
Só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efectiva por causa da incapacidade, pois só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.” – sublinhado nosso
No caso em apreço, felizmente, o recorrente não sofreu diminuição efectiva dos rendimentos profissionais, pelo que se nos afigura adequado utilizar um valor base que utilize um critério estável na sua determinação, assim eliminando-se disparidades que poderão levar a uma injustiça na respectiva fixação do quantum indemnizatório, não se nos afigurando que deve ser considerado, tal como o recorrente pretende, o seu vencimento real.
Pergunta-se, então, qual o valor base de rendimento que deve ser eleito?
No estudo efectuado por Rita Mota Soares esta propõe um valor de € 800,00 (que depois multiplica por 14 meses) por ser o «Valor que se situa entre a RMMG (de €557,00 desde 1 de Janeiro de 2017) e o salário médio (que é de €913,90, de acordo com a PORDATA—http://www.pordata.pt/Portugal/Sal%C3%A1rio+m%C3%A9dio+mensal+dos+trabalhadores+por+conta+de+outrem+remunera%C3%A7%C3%A3o+base+e+ganho-857”)».
No entanto, tal como a própria refere, aquele valor de € 800,00 “É claramente um valor pouco ambicioso, mormente por referência ao rendimento médio dos demais países que integram a União Europeia, mas que ainda assim é superior aos valores com que grande parte da jurisprudência dos tribunais superiores tendencialmente se vem bastando. De todo o modo, parecer-me-ia perfeitamente razoável que os cálculos tivessem por referência o salário médio ou outro que se mostre razoável, importando acima de tudo obter alguma uniformidade quanto ao valor a considerar naquele cálculo primário.”
Para nós afigura-se-nos que o valor se deve situar um pouco acima dos propostos € 800,00 pois que ficam aquém do salário médio mensal dos portugueses que para nós se afigura ser um valor mais consentâneo com a realidade.
Isto tendo por pressuposto que o lesado não sofreu uma efectiva diminuição dos seus rendimentos laborais.
Assim, e com vista a garantir equidade no valor indemnizatório a fixar entendemos ser aceitável fixar-se um valor mensal de € 900,00[13] que multiplicados por 14 meses dá um valor anual de € 12.600,00.
A este valor há que considerar que o recorrente ficou com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 22 pontos sendo de admitir a existência de dano futuro – facto vertido em 68 (2º).
Pelo que, aplicando os 22% àquele valor calculado de € 12.600,00 obtemos um valor de € 2.772,00.
Este valor tem de ser multiplicado pelo número de anos de esperança média de vida (e não por número médio de anos laborais) que varia de acordo com o sexo da pessoa, sendo que se calcula que as mulheres possam viver, em média, até aos 83 anos e os homens, até aos 78.[14]
Pelo que, considerando que o recorrente tinha 25 anos aquando do acidente, o número de anos a considerar é de 53 anos (78-25[15]), o que significa que o valor a considerar é de € 146.916,00 (€ 2.772,00 x 53 anos).
A questão que agora se suscita para nós é a de saber qual o valor ou percentagem que deve ser descontado a fim de compensar o facto do sinistrado receber, de uma só vez, um quantum indemnizatório que lhe permite, em contrapartida, usufruir de um valor que, em termos normais, nunca seria possível deter numa única ocasião e com o qual pode investir e rentabilizar.
Informa-nos o Ac. do STJ de 25-11-2009 (procº nº 397/03.0GEBNV.S1 in www.dgsi.pt) que:
“Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.” – negrito e sublinhado nossos
Nos cálculos oferecidos pelo recorrente este, baseando-se no acórdão da Relação do Porto de 19-03-20218 (citado supra), apresenta um desconto de ¼, ou seja, 25%.
Num acórdão do STJ de 02-06-2016[16] o desconto efectuado é de 1/3 ou seja, os 33%.
Rita Mota Soares faz referência a dois valores, cuja determinação não explica, de 1/3 e de ¼.
Afigura-se-nos que o critério a seguir para determinar a percentagem que deve ser deduzida do valor apurado, seguindo a fórmula proposta pela nossa jurisprudência mais elevada, terá de estar relacionado com a idade da vítima e, mais concretamente, com o número de anos de vida expectável, porquanto o valor a descontar vai determinar uma indemnização mais elevada ou menos elevada[17], sendo que esse valor, porque antecipado, deve ser aferido de acordo com o número de anos que ainda possam ser vividos pois, só assim, é que a antecipação total de um valor elevado pode ser ou não integrado no património do sinistrado de forma mais ou menos cabal.
Exemplificando: se um sinistrado for uma pessoa já com certa idade, por exemplo, 60 anos, a sua esperança de vida é menor e o tempo de que provavelmente poderá dispor de uma quantia antecipada também será, em princípio, inferior.
Pelo que se nos afigura que um desconto de 33%, ou de 1/3, fará mais sentido, produzindo um quantum indemnizatório pelo dano biológico inferior por ser um valor pago já após a maior parte da vida laboral se encontrar expendida e da esperança de vida também ser inferior.
Se, pelo contrário, o sinistrado é mais jovem, como, por exemplo, uma criança, que ainda não tem qualquer ganho a contabilizar em termos laborais, o desconto deve ser inferior, por exemplo os 10%, porquanto o valor indemnizatório entregue terá de ser empregue, antes de tudo, no seu próprio sustento enquanto dependente.
No caso em apreço, o demandante cível tinha 25 anos ao tempo do acidente – facto vertido em 56 – e, embora estivesse já a trabalhar, a esperança de vida ainda é muito elevada, o que significa que o desconto de 25%, conforme por si proposto (e também seguido no Acórdão da Relação do Porto de 19-03-2018 em que o respectivo sinistrado contava com 23 anos), se afigura um valor adequado.
Assim, aplicando um desconto de 25% sobre o valor supra calculado de €146.916,00, obtemos uma indemnização por dano biológico de € 110.187,00.
Deve, assim, proceder em parte o recurso quanto ao dano biológico devendo o valor fixado pelo Tribunal a quo (€ 80.000,00) ser alterado para € 110.187,00.
Vejamos, agora o dano sexual, cujo quantum indemnizatório (parcial) não se mostra discriminado pelo Tribunal a quo, mas que foi incluído no dano biológico.
Entende o recorrente que este dano deve ser autonomizado por dois motivos: 1º porquanto o dano não foi quantificado aquando do apuramento do défice funcional físico-psíquico constante do relatório do IML; 2º porquanto não se trata de um dano que reflicta sobre a capacidade de ganho e por isso não deve ser incluído no dano biológico.
Vejamos.
Do relatório do IML junto a fls. 754 e ss, mais especificamente, a fls. 759 vº e 760, se pode ler que na atribuição do défice funcional permanente da integridade física-psíquica foram considerados os seguintes danos:
- limitação da mobilidade dos punhos;
- amputação parcial do 5º dedo do pé esquerdo;
- status pós-fractura da bacia com queixas álgicas, sem instabilidade;
- atrose pós-traumática da articulação coxo-femoral direita, com queixas álgicas e limitação da mobilidade, sem repercussão na marcha;
- atrofia pós-traumática do testículo direito, sem aparente alteração funcional e com seminograma com valores dentro da normalidade;
- cicatrizes no couro cabeludo com alopécia associada.
Sendo que, na tabela apresentada a fls. 760 do relatório consta a referência ao Capítulo VIII, B) que, no âmbito da Tabela Nacional de Incapacidades, se reporta aos órgãos genitais masculinos.
Também se pode ler na informação clínica emitida pelo Hospital das Forças Armadas e junta pelo recorrente a fls. 743 o seguinte:
“…tendo realizado espermograma … o doente apresenta objectivamente diminuição do volume testicular à direita sem aparente alteração funcional do mesmo.”
Constata-se, assim, que, ao contrário do entendimento propugnado pelo recorrente, o dano sexual foi considerado no défice funcional permanente da integridade física-psíquica (que não se limita à capacidade de ganho), sendo que não resulta dos autos que o mesmo tenha sofrido incapacidade procriativa, nem incapacidade para realização do acto sexual que mereça a autonomização deste dano.
A consideração deste dano, enquanto dano estético (diminuição do volume testicular) bem como fonte de sofrimento moral deve ser considerado no âmbito dos danos não patrimoniais enquanto elemento integrador a ser valorado aquando da fixação de tal indemnização o que de seguida iremos ver.
Assim:
Entende o recorrente que o valor indemnizatório arbitrado pelo Tribunal a quo no que tange aos danos não patrimoniais, ou morais, se revela também insuficiente.
O Tribunal a quo fixou pelos danos morais, no qual inclui “todo o sofrimento, incómodos, necessariamente momentos de angústia sofridos” um valor total de € 40.000,00.
“Danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada.
O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência de uma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade de caminhar, de se vestir, de se alimentar.
No domínio da quantificação do dano não patrimonial, em que não entram considerações do “ter” ou “possuir”, “perder” ou “ganhar”, mas do “ser”, “sentir”, ou “sonhar”, não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem dá lugar a reposição por equivalente”. – Ac. do STJ  de 25-11-2009 (procº 397/03.0GEBNV.S1 in www.dgsi.pt).
A obrigação de indemnizar o lesado por danos morais, ou não patrimoniais, encontra sustento legal no artº 496º do Código Civil o qual, subordinado à epígrafe “danos não patrimoniais”,  dispõe o seguinte:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”
O artº 494º do Código Civil, cuja epígrafe é “limitação da indemnização no caso de mera culpa”, por sua vez dispõe o seguinte:
“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
Ora, como muito bem se refere no Acórdão do STJ de 15-04-2009 (in www.dgsi.pt):
“Referir a indemnização por danos como assumindo um carácter sancionatório/punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, em que o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros, em que o responsável civil, único demandado, por força da regras adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, da violação ilícita do direito de outrem, mas antes “um substituto”, uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, para quem foi “transferida” esta espécie de responsabilidade. E o mesmo acontecerá se estivermos face a caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em que não se vê como falar em função punitiva da responsabilidade civil.”
Pelo que, no caso em apreço, tratando-se precisamente de um acidente de viação em que a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais está a ser exigida à Seguradora e não directamente ao arguido, dúvidas não restam de que os limites previstos no citado artº 494º do Código Civil não se aplicam ao caso sub judice.
Ora, no caso em apreço, com especial enfoque para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais há que atender aos seguintes factos:
- quantum doloris fixado no grau 7/7, ou seja, no valor máximo (facto vertido em 68 – 2º);
- dano estético permanente fixável no grau 4/7 (facto vertido em 67 – 2º);
- repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 3/7 (facto vertido em 71 – 1º);
- repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 3/7 (facto vertido em 71 – 2º).
Por outro lado, não podem ser descurados os seguintes factos:
 20. Em consequência das lesões que apresentava, o demandante foi de imediato transportado para o Hospital de São José em Lisboa.
21. Apresentando, quando lá chegou, o seguinte quadro clínico: 
- choque hipovolémico hemorrágico
- politraumatismo
- Diástase/disrupçao da bacia
- Luxação da anca direita fratura pilar anterior ilfaca;
-  fractura exposta distal dos ossos da perna esquerda esfacelo com lesão do tendão tibial posterior);
- fractura da extremidade distal rádio dlereito e esquerdo e escafóide cárplco esquerdo; 
- fractura da base do 2° e 3° mtc. Esq
- traumatismo escrotal com ferida incisiva ao nível do herniscroto direito
22. Nesse dia (5 de Setembro de 2014), foi submetido a duas intervenções cirúrgicas:
a) Ortopedia: Redução dechada anca direita, Exploração esfacelo tornozelo esq, Osteonteossintese maleolo interno
CPR: T enorrafia Tibila Posteror Esq
Urologia - Desinfecção e sutura ferida
b) - CIR Vascular - Exclusão da artéria iliaca esquerda, com endoprotese Ortopedia - Redução e Osteotaxia da bacia.
23. O quadro clinico do demandante agravou-se, entrou em choque hipovelémico hemorrágico, sem possibilidade de intervenção cirúrgica e esteve em risco de vida. 
24. Apesar de se tratar de um militar do exército português e da sua robustez física, os seus familiares, foram aconselhados pelos médicos aí sendo crentes rezarem, uma vez que este estava em sério risco de perder a vida. 
25. No entanto o seu quadro clinico melhorou e foi possível realizar a intervenção cirúrgica de redução e fixação externa da bacia. 
26. No dia 6 de Setembro de 2014 ficou internado nos cuidados intensivos em coma induzido, foi entubado e colocados drenas no tórax derivada à existência de fluidos nos pulmões. 
27. Tendo estado em coma induzido durante 11 dias, tempo durante o qual foi ao bloco operatório por diversas vezes.
28. O demandado permanecia com um quadro clínico reservado, uma vez que tinha febres elevadas derivadas das diversas infeções e de dificuldades respiratórias de que padecia. 
29. Em 16/09/2016, foi-lhe retirado o dreno toráxico direito. 
30. Em 18 de Setembro de Setembro de 2016, foi-lhe retirado o suporte respiratório (tubo de ventilação) e o demandante retomou o respirar sem auxílio mecânico.
31. Em 19/09/2016, foi retirado o dreno toráxíco esquerdo. 
32. Tornando a ser submetido a nova intervenção cirúrgica no dia 19 de Setembro de 2014.
33. No dia 25 de Setembro de 2014 foi transferido para o Hospital das Forças Armadas onde foi submetido a mais duas outras intervenções cirúrgicas: 1.- Amputação do quinto dedo do pé esquerdo 2.- Remoção do fixador externo da bacia.
34. Tendo ficado internado nesse hospital até ao dia 07 de Novembro de 2014.
35. Sendo que nesse dia teve alta para o domicílio efetuando tratamentos de reabilitação diários 04-02-2015
36. Todas essas intervenções cirúrgicas a que o demandante foi submetido, foram efetuadas com anestesia geral.
37. Tudo isto foi causa directa e necessária da sua imobilização numa cama de hospital, por um período de três meses.
38. Posteriormente, no período em que permaneceu em convalescença no seu domicílio tinha que ser auxiliado em todas as tarefas, devido ao seu estado de quase total imobilidade.
39. Uma vez que, para além das dores, tinha grande dificuldade em movimentar-se, socorrendo-se do uso de canadianas
40. O que decorreu até fevereiro de 2015, altura que retomou parcialmente as suas funções no Exército Português
41. Em 17 de novembro de 2015 foi submetido a nova cirurgia de remoção do material de homeosteosintese, colocado em ambos os pulsos.
42. Em novembro de 2015, foi submetido a cirurgia plástica para redução das cicatrizes na cabeça.
43. Durante 9 meses foi submetido, diariamente a tratamentos de fisioterapia no Hospital-, que se iniciaram em 7/11/2014 e se prolongaram até 31/07/2015.
44. O demandante teve alta clínica (ainda com impossibilidade de realizar provas físicas, exigência das funções que desempenha) no dia 3 de Maio de 2016. 
45. O demandante era à data do acidente um jovem de 25 anos, que terminara a sua licenciatura em Direito e era oficial no exército Português onde exercia funções de assessor jurídico/adjunto oficial de justiça.
46. À data dos factos o demandante encontrava-se a frequentar o mestrado em jurídico-financeiras na Faculdade de Direito de Lisboa.
47. Devido ao acidente, ficou impossibilitado de concluir e apresentar a sua tese de mestrado no prazo previsto. 
44. Tendo-se visto obrigado a prorrogar o prazo por mais um ano lectivo, mediante o pagamento do valor de 1.063,46 €
45. O demandante era, à data do acidente, um jovem de 25 anos, solteiro, feliz, saudável, dinâmico, que tinha acabado a licenciatura em Direito, encontrava-se a frequentar um mestrado.
46. Era oficial no exército Português onde exercia funções de assessor jurídico/adjunto, auferindo de remuneração base mensal o valor de 892,53 €, acrescidos de um suplemento de condição militar de 209,55 €/mês, tudo no total de 1.102,08 €
47. Sofreu dores e angústia sofridas quer no momento do acidente quer no período de convalescença, e bem assim incómodos por se ver impedido de prosseguir, com normalidade, a sua rotina diária. 
48. Nos meses posteriores ao acidente e devido à violência do mesmo, sentiu dores lancinantes e angústia, temendo pela vida.
49. Sentiu dores horríveis em consequência do traumatismo escrotal que sofreu e sentiu durante muito tempo enorme angústia por pensar que tal poderia ter afetado a sua capacidade sexual. 
50. No exercício das suas funções o demandante era submetido, regularmente, a provas físicas.
51. Mantém sequelas do acidente que se consubstanciam em dores, rigidez nos membros e cansaço, na pele cicatrizada, na zona dos braços, tórax, cabeça e pernas. 
52. As sequelas das lesões sofridas pelo ora demandante obrigá-lo-ão a um esforço suplementar para desempenhar as suas funções quer a nível pessoal, quer a nível profissional.
54. Por causa das lesões ocasionadas pelo acidente, que lhe determinaram intensas dores, incómodos, preocupações e desconfortos incomensuráveis, que lhe alteraram a sua vida na sua expressão pessoal, familiar e social. 
55. As cicatrizes provocam, no ora demandante, vergonha pelo seu corpo.
56. O demandante tinha, à data dos factos, 25 anos de idade. 
57. Era um jovem que gostava da vida ao ar livre, tinha como hobbies andar de mota, ir à praia, praticar surt, krav maga, ciclismo, tocar contrabaixo e guitarra, fazendo treino físico diário para manutenção da forma física na sequência da profissão. 
58. O demandante, antes do acidente, conduzia, diariamente, o seu motociclo (a sua mota) o que lhe dava imenso prazer.
59. Após o acidente ficou tão traumatizado com a situação que nunca mais consegui conduzir a sua mota, tendo inclusivamente, se desfeito de todo o equipamento que utilizava (casaco, capacete). 
60. Sentindo uma profunda angústia e desgosto por sentir que não conseguirá mais conduzir uma mota. 
61. Desde o dia do infeliz acidente, a vida do ora demandante foi um autêntico calvário, de hospitais, consultas, exames, fisioterapia.
62. O demandante, em virtude das lesões resultantes, directa e necessariamente, do acidente de viação de que foi vitima, sofreu e ainda sofre de forma permanente, de dores nas pernas e stress que ainda perduram, desde a data do acidente até hoje. 
63. Profissionalmente, o demandante pretendia candidatar-se à Polícia Judiciária.
64. E as suas limitações físicas condicionaram o seu sonho profissional, uma vez que os testes físicos para ser admitido na Policia Judiciária são bastante exigentes. 
65. Sentiu profunda angústia pelo sofrimento que tudo isto provocou no seio familiar e que levou, inclusivamente, a avó, a mãe e a namorada a terem que tomar antidepressivos para lidar com a situação. 
66. A data da consolidação médico-legal das lesões foi fixada em 03.05.2016.
67. Teve um período de défice funcional temporário total de 66 dias.
68. Teve um período de défice funcional temporário parcial de 542 dias.
69. O período de repercussão temporária na actividade profissional total é de 237 dias.
70. O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é de 371 dias.
Ora, quando olhamos para a jurisprudência do STJ e mesmo das Relações em casos em que os danos sofridos se revelam inferior, quer no que tange ao quantum doloris, quer no que tange aos danos estéticos e duração do processo de recuperação constatamos a determinação de valores indemnizatórios superiores ao fixado nestes autos[18].
Não se no afigura adequada à situação do lesado, em termos comparativos com a restante jurisprudência em casos semelhantes, nem perante a gravidade dos factos dados por provados um valor indemnizatório de apenas € 40.000,00.
Há que considerar uma série de danos, o sofrimento físico e moral, a duração das varias incapacidades, não podendo ser descurado que o recorrente esteve à morte, podendo ter falecido, o que, felizmente, não aconteceu, contudo, tal situação implica um sofrimento moral sem paralelo.
Face aos valores de que dispomos, no que tange ao quantum doloris[19], ao dano estético[20], aos respectivos graus de repercussão na actividade sexual e na desportiva[21], às inúmeras intervenções cirúrgicas para salvar a vida do lesado e corrigir os danos físicos, num total de seis cirúrgias, todas com recurso a anestesia geral (que encerra os seus perigos), a natureza e duração do tratamento, aqui se incluindo o coma induzido, o entubamento com drenos no toráx para drenar os pulmões, a duração da convalescença, a duração dos vários défices funcionais, e todo o impacto que isto teve no bem-estar psíquico do lesado, que deixou de desfrutar da vida como dantes acontecera, tendo, deixado, inclusive de conduzir a sua mota, afigura-se-nos justo e adequada uma indemnização pelos danos não patrimoniais no valor total de € 70.000,00.
Procede, assim, em parte, o recurso interposto pelo demandante cível no que tange aos danos não patrimoniais.
III) Dos juros de mora:
Entende a Seguradora que a sentença recorrida não respeitou o Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002 devendo os juros de mora ter sido fixados a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação da (segunda) recorrente.
Vejamos.
O AUJ nº 4/2002 de 27-06-2002 diz o seguinte:
“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”
Relembremos o que o Tribunal a quo disse na sentença por si prolatada quanto ao assunto em apreço:
Dos juros de mora 
Reclama ainda o demandante o pagamento de juros de mora sobre as quantias peticionadas, vencidos e vincendos contados a partir da data da citação, à taxa legal, até efectivo pagamento.   
Nesta sede importa referir que os valores supra fixados a título de danos não patrimoniais são actualizados à presente data, nos termos do artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que aos mesmos acrescem juros de mora, a vencer desde a presente data e até efectivo e integral pagamento.  
De facto, considerando que o montante indemnizatório dos danos deve ser actualizado aquando da prolação da decisão (o que se levou em linha de conta na sua fixação, como se referiu supra), ou seja, na data que puder ser atendida pelo Tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, sobre o mesmo não poderão incidir juros de mora desde a data dos factos ou notificação do pedido de indemnização civil, sob pena de cumulação destes com a actualização. Assim, o demandante terá direito aos juros que se vencerem a partir da presente decisão - neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, publicado no diário da República, I Série-A, de 27.06.2002, pág. 5057.  
No que se refere aos valores fixados a título de danos patrimoniais, porque se trata de créditos líquidos e tratando-se de responsabilidade por factos ilícitos, o devedor incorre em mora desde a citação (cfr. artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, do Código Civil).  
A mora no cumprimento da prestação constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor pelo não cumprimento atempado, correspondendo a indemnização nas obrigações pecuniárias aos juros a contar do dia da constituição em mora - cfr. artigos 804.º e 806.º do Código Civil.  
São assim devidos ao demandante juros de mora sobre as quantias indemnizatórias fixadas a titulo de danos patrimoniais, apenas desde a notificação do pedido de indemnização civil e até efectivo pagamento, à taxa legal de 4% - cfr. artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08 de Abril, ou à taxa legal em vigor, se entretanto esta sofrer alteração.”
Antes de mais, há que ter em atenção a alerta que o AUJ nº 4/2002 faz a propósito da distinção entre danos patrimoniais e danos morais no que tange ao vencimento dos respectivos juros de mora:
“Diga-se ainda que, nesta problemática, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do n.º 2 do artigo 566.º”
Assim, na sentença recorrida não deveria ter sido efectuada distinção entre os danos arbitrados no tocante ao momento a partir do qual os juros de mora são devidos.
No entanto, e no que diz respeito ao mérito do recurso subordinado interposto pela Seguradora, há que atender ao que o STJ tem determinado em vasto número de acórdãos dos quais os que seguem são meros exemplos:
“I - A função dos juros moratórios é essencialmente indemnizatória do dano do lesado decorrente do atraso de cumprimento da concernente obrigação pecuniária, aferida em fixação de jurisprudência sob a envolvência de actualização correspondente à depreciação da moeda.
II - O critério de fixação de indemnização à luz da diferença patrimonial, a que se reporta o art. 566.º, n.º 2, do CC, é inservível para o efeito do cálculo do valor da compensação por danos não patrimoniais.
III - Tendo o juiz da 1.ª instância calculado o valor da compensação devida por danos não patrimoniais sem referência a alguma operação de actualização, inexiste fundamento legal para se concluir, designadamente por presunção judicial, que a ela procedeu.
IV - No quadro da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, tendo o lesado pedido a condenação do demandado no pagamento de juros de mora relativos à compensação por danos não patrimoniais desde a citação do segundo para a acção, deve esse pedido ser atendido, o que não constitui desvio à interpretação da lei pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 29 de Maio.” – Ac. do STJ de 26-02-2004 (stj.pt/wp-contente/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012)– sublinhado nosso
“Se na decisão arbitradora da indemnização nada permite surpreender uma qualquer pronúncia expressamente actualizadora do respectivo quantum, nenhum acto-critério actualizador havendo sido concretamente adoptado em função de uma hipotética diferença de valor entre a data da ocorrência do facto gerador do dano e a data do encerramento da discussão em 1.ª instância, designadamente com alusão aos fenómenos da taxa de inflação ou da desvalorização ou correcção monetárias ou ao tempo transcorrido desde a propositura da acção, os juros moratórios devem ser contabilizados a partir da data de citação e não a partir da data da sentença condenatória de 1.ª instância.” – Ac. do STJ de 31-03-2004 (stj.pt/wp-contente/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012)– sublinhado nosso
“III - O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acórdão, tem que ter alguma expressão no sentido da utilização, no cálculo da indemnização ou da compensação, do critério da diferença de esfera jurídico-patrimonial a que se reporta o n.º 2 do art.º 566 do Código Civil, incluindo a menção à desvalorização do valor da moeda.
IV - Se na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do n.º 2 do art.º 566 do Código Civil, designadamente à consideração da desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolação, queda na espécie inaplicável a interpretação da lei decorrente daquele Acórdão.
V - No quadro da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, verificado o circunstancialismo negativo referido sob IV, tendo o lesado pedido a condenação do demandado no pagamento de juros de mora relativos à compensação por danos não patrimoniais desde a citação do segundo para a acção, o seu deferimento não constitui interpretação da lei contrária à operada no referido Acórdão.” – Ac. do STJ de 13-07-2004 (stj.pt/wp-contente/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012) 
“VI - Afirmando o Acórdão recorrido que os montantes indemnizatórios alterados para mais foram actualizados com recurso à equidade, tendo decretado, por isso, que os juros de mora se vencem desde a data do Acórdão, deveria ter afirmado em que medida os valores indemnizatórios fixados foram actualizados.
VII - Dentro dos limites do pedido e da pretensão recursiva, a Relação concedeu provimento parcial ao recurso do autor, aumentando o valor das indemnizações, mas isso, por si só, não exprime actualização, mas apenas procedência do recurso. Actualizar é partir de um valor certo e determinado para atribuir, fundamentadamente, um outro superior, procedimento que deve ser acolhido numa perspectiva de modernização que as circunstâncias justificam.” – Ac. do STJ de 02-05-2012 (stj.pt/wp-contente/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012)
Vejam-se ainda, no mesmíssimo sentido, os Acórdãos do STJ de 18-03-2004, 22-01-2004, 06-07-2004, 30-09-2004 e 10-11-2011[22] e ainda o Acórdão da Relação do Porto de 27-09-2018, e Ac. do STJ de 10-12-2019 – procº 32/14.1TBMTR.G1.S1 ambos no site www.dgsi.pt.
Ora, no caso em apreço não só não resulta da sentença recorrida que o Tribunal a quo tivesse efectuado qualquer actualização de valores no que tange à fixação de indemnização por danos patrimoniais, nomeadamente aplicação de taxa de inflação, que também não foi peticionado pelo lesado, como o Tribunal a quo não revelou sequer os cálculos efectuados para concretamente determinar o valor patrimonial que fixou em € 80.000,00, não se podendo presumir que tivesse procedido a essa actualização.
Por outro lado, o simples facto de uma indemnização ser arbitrada segundo juízos de equidade não significa que se efectuou uma actualização de valores porquanto a equidade aplica-se para ficcionar um valor que, segundo a natureza do dano, não tem expressão monetária.
Ou seja, a equidade não traduz uma actualização, ainda que em sede de recurso, o Tribunal da Relação venha aumentar (ou mesmo diminuir) o valor fixado em primeira instância, está-se à procura de uma expressão monetária justa para um dano que não é, pela sua própria natureza, quantificável.
Assim, não tendo o Tribunal a quo demonstrado e expressado qualquer operação de actualização no tocante ao dano patrimonial que fixou, não há que aplicar a jurisprudência delineada no citado Acórdão do STJ, motivo pelo qual, improcede o recurso subordinado da Seguradora, mantendo-se a sua condenação em juros moratórios desde a sua citação no que tange à indemnização por danos patrimoniais, no valor entretanto alterado por esta Relação.
Uma vez que não há que distinguir as indemnizações arbitradas em função da natureza dos danos, pois, como o dever de indemnizar é um dever único[23], apenas há cálculos diferentes consoante se trate de valores determináveis e de valores sujeitos à equidade por inquantificáveis, não tendo o Tribunal a quo demonstrado ter realizado qualquer tipo de actualização de nenhum dos valores por si fixados, quer a título patrimonial, quer a título moral, e porque nem o artº 566º nº 2, nem o artº 803º, ambos do Código Civil, fazem qualquer distinção quanto à natureza do dano, não se vislumbra motivo algum para sujeitar os valores aqui fixados a juros moratórios vencidos a partir de momentos diferentes, determina-se a aplicação de juros moratórios a ambas as parcelas aqui fixadas a partir da citação da Seguradora.

Decisão:
Em face do exposto:
I. Concede-se provimento parcial ao recurso interposto pelo demandante cível, JPC    e, em consequência:
a) fixa-se a título de dano biológico, tido como dano patrimonial, o valor de € 110.187,00, revogando-se a sentença recorrida nesta parte;
b) fixa-se a título de danos não patrimoniais o valor de € 70.000,00, revogando-se a sentença recorrida nesta parte;
c) determina-se que ambos aqueles valores vençam juros moratórios nos termos do artº 804º do Código Civil, desde a citação da Seguradora do pedido cível apresentado;
d) em todo o mais, mantém-se a sentença recorrida.
II. Nega-se provimento ao recurso subordinado interposto pela Seguradora, Companhia de Seguros Allianz, Portugal, S.A..
Custas a cargo da Recorrente Seguradora fixadas em 3 UC’s (artºs 513º nº 1 CPP e 8º e 9º do Regulamento das Custas Processuais conjugando este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).

Lisboa, 05 de Maio de 2021.
(processo proveniente da 5ª secção, onde foi originariamente distribuído em 07-09-2020, tendo sido redistribuído à signatária em 18-02-2021 por determinação da Srª Juiz Presidente da Relação de Lisboa através do Despacho nº 11/2021 de 01-02-2021)
Florbela Sebastião e Silva
Alfredo Costa
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[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] In Código de Processo Penal Anotado, Vol. 2, Editora Rei dos Livros, p. 514 e 515.
[3] Que dispõe o seguinte: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”
[4] In CJ, Ano XVII, Tomo 4, p. 28 e ss.
[5] Ver Revista Julgar nº 9 de 2009 Avaliação e Reparação do dano patrimonial e não patrimonial, p. 31.
[6] Revista Julgar nº 9 de 2009 Avaliação e Reparação do dano patrimonial e não patrimonial, p. 31 e 32.
[7] In https://dre.pt/pesquisaavancada//asearch/90177075/details/maximized?emissor=Supremo+ Tribunal+de+Justi%C3%A7a&perPage=100&types=JURISPRUDENCIA&search
[8] Revista Julgar nº 9 de 2009 Avaliação e Reparação do dano patrimonial e não patrimonial, p. 38.
[9] In www.dgsi.pt.
[10] Como, por exemplo: AC. STJ de 25-11-2009 (procº nº 397/03.0GEBNV.S1); Ac. STJ de 04-06-2015 (procº nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1); Ac. STJ de 28-01-2016 (procº nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1);  Ac. STJ de 26-01-2017 (procº nº 1862/13.7TBGDM.P1.S1); Ac. STJ de 14-12-2017 (procº nº 589/13.4TBFLG.P1); Ac. STJ de 20-12-2017 (procº nº 390.12.2TBVPA.G1.S1); Ac. STJ de 18-10-2018 (procº nº 3643/13.9TBSTB.E1.S1); e Ac. STJ de 07-03-2019 (procº nº 2023.14.0T2AVR.P1.S1), todos em www.dgsi.pt.
[11] In Revista Julgar nº 33 de 2017 O dano Biológico, p. 125
[12] Está a ser feita referência aos valores utilizados na  “Guide barème européen d’évaluation médicale des attéintes à l’intégrité physiue e psichique” desenvolvida pela Confederação Europeia de Peritos em Reparação e Avaliação do Dano Corporal.
[13] No Ac. da Relação do Porto de 19-03-2018 é utilizado um valor de € 850,00.
[14]Cfr.Pordata: https://www.pordata.pt/Portugal/Esperan%C3%A7a+de+vida+%C3%A0+nascen%C3%A7a+total+e+por+sexo+(base+tri%C3%A9nio+a+partir+de+2001)-418
[15] E não os 45 anos propostos pelo recorrente.
[16] Procº nº 2603/10.6TVLSB.L1.S1, já citado na nota de rodapé nº 7.
[17] Se descontarmos 10% a 100 temos 90 mas se descontarmos 33% a 100 temos 66,66.
[18] Como, por exemplo, nos acórdãos já supra citados em que em nenhuma das situações o quantum doloris chegou ao valor máximo de 7/7, nem havia tantos danos conjugados. Veja-se, a título meramente exemplificativo o Acórdão da Relação do Porto de 19-03-2018 no procº nº 1500/14.0T2AVR.P1, já supra citado, em que o quantum doloris era de 5/7, o dano estético de 2/7, a repercussão nas actividades desportivas de 2/7, o défice funcional temporário total era de 67 dias e o défice funcional temporário parcial era de 239 dias e o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica era de 10 pontos, tendo sido fixada uma indemnização por danos morais no valor de € 50.000,00.
[19] Que atingiu o grau máximo previsto.
[20] Fixado em grau acima do meio da respectiva escala.
[21] Ambas fixadas em grau 3/7 o que não é despiciendo.
[22] In stj.pt/wp-contente/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012.
[23] “A indemnização é global e única abrangendo todos os danos sofridos pelo lesado, pelo que o momento da contagem dos juros de mora há-de verificar-se em relação ao quantitativo total da indemnização e não relativamente às diversas parcelas que a compõem.” – Ac. do STJ de 26-10-2004 in stj.pt/wp-contente/uploads/2017/10/cadernodanosnaopatrimoniais-2004-2012.