CASO JULGADO
EXCEÇÃO DILATÓRIA
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
Sumário


I. A função negativa do caso julgado reconduz-se à excepção dilatória do caso julgado e pressupõe a verificação da tríplice identidade estabelecida no art.º 581.º do CPC.
II. A função positiva do caso julgado, designada por autoridade do caso julgado, tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objectos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos art.ºs 619.º e 621.º, ambos do CPC.
III. Não se verifica a excepção de caso julgado quando existe cumulação de execuções, nos termos do art.º 709.º do CPC, ainda que baseadas no mesmo contrato de arrendamento, mas em que o montante da dívida e a raiz da mesma, comunicada à executada, são diferentes e os fundamentos invocados nas oposições não são coincidentes.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça – 1.ª Secção[2]:



I. Relatório


TPF PLANEGE – CONSULTORES DE ENGENHARIA E GESTÃO, S.A.,, (sucessora da executada, por fusão e integração da primitiva executada Pró-sistemas S.A. - doravante executada/embargante) deduziu embargos à execução que lhe moveu FUNDIMO – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., actualmente denominada FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FUNDIMO, gerido e representado pela FUNDGER – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A. (doravante exequente/embargada), invocando inexistência de título executivo.

A exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.

Na fase do saneamento, em 4/6/2019, foi decidido julgar “extinta a instância de embargos de executado, pela excepção dilatória de caso julgado”.

Inconformada, apelou a executada/embargante pugnando pela inexistência da excepção do caso julgado.

O Tribunal da Relação ......., por acórdão de 5/11/2020, entendendo que não se verificava a excepção de caso julgado, por falta de identidade de causas de pedir e de pedidos, e sem prejuízo de dever ser respeitada a autoridade de caso julgado sobre questões já apreciadas, deliberou julgar a apelação procedente e, nessa conformidade, revogou a decisão recorrida determinando o prosseguimento dos autos.

Não conformada, agora, a exequente/embargada interpôs recurso de revista, invocando ofensa de caso julgado, e apresentou as respectivas alegações que terminou com as seguintes conclusões:

“I. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ......., que revogou a decisão da 1.ª instância, entendendo não se verificar ofensa de caso julgado e é apresentado nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC e com fundamento no artigo 674.º, n.º, 1, alínea b) do CPC, consubstanciada na ofensa de caso julgado.

II. A defesa apresentada pela Recorrida através dos embargos de executado que deram origem ao presente apenso (apenso D), por referência ao segundo requerimento executivo, são consumidos em pleno pelos argumentos invocados na oposição à execução (apenso A), por referência ao primeiro requerimento executivo, limitando-se a Recorrida, nos embargos de executado, a alegar a inexistência de título executivo, nos artigos 1.º a 28.º do articulado, em moldes idênticos aos que já havia apresentado na oposição à execução.

III. Conforme despacho proferido neste apenso em 24.05.2017, que determinou a sua suspensão até ao trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida no âmbito do apenso A, atenta a manifesta relação de prejudicialidade entre ambos os apensos, assim como despacho proferido nos autos principais em 15.05.2019 e sentença proferida neste apenso em 04.06.2019, a Recorrida defendeu-se no apenso D arguindo apenas a inexistência de título executivo, defendendo que o Recorrente não dispunha de título executivo porque entendia ser inaplicável nestes autos o disposto no artigo14.º-A do NRAU.

IV. A sentença proferida no apenso A, que já transitou em julgado, apreciou a questão da inexistência de título executivo por inaplicabilidade do disposto no artigo 14.º-A do NRAU nestes autos, julgando-a improcedente e entendendo que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, acompanhado de comunicação ao arrendatário com indicação do montante em dívida, constituía título executivo, legitimando o Recorrente à apresentação de acção executiva.

V. Atento o disposto no artigo 573.º, n.º 1 do CPC e os princípios da preclusão e do dispositivo, a mera circunstância de as quantias liquidadas e peticionadas no primeiro e segundo requerimento executivos não serem iguais não implica que o Tribunal de 1.ª instância esteja obrigado a apreciar questões que não tenham sido arguidas pela Recorrida nos seus Embargos de Executado.

VI. Face ao disposto nos artigos 619.º, n.º 1 e 621.º do CPC a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que se julga, nele se incluindo a decisão e seus pressupostos, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.02.2019, Proc. 654/13.8TBPTL.G1.S1, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt.

VII. Mesmo que se entendesse que era formal a natureza do caso julgado formado pela sentença proferida no apenso A quanto à questão da aplicabilidade do artigo 14.º-A do NRAU nestes autos e validade do título executivo, é importante referir que, nos termos do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC, tal sentença tem força obrigatória dentro do processo, encontrando-se abrangidos, “dentro do processo”, os respectivos incidentes que nele corram por apenso, devendo ainda ter-se em consideração o teor do artigo 732.º, n.º 6 do CPC, do qual resulta ser inequívoco que a decisão proferida em oposição à execução produz caso julgado quanto aos efeitos sobre a instância executiva.

VIII. A autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida no apenso A, combinada com a similitude de defesa apresentada pela Recorrida, no apenso A e no apenso D quanto à inexistência de título executivo, deverá levar à verificação de situação de caso julgado, na sua vertente positiva.

IX. O facto de o título executivo formado nos termos do artigo 14.º-A do NRAU ser composto por contrato de arrendamento e comunicação ao arrendatário com a indicação dos valores em dívida não impede a verificação da autoridade de caso julgado da decisão proferida no apenso A na decisão do apenso D, não assumindo qualquer relevância a circunstância de as comunicações com a indicação dos valores em dívida não serem iguais ou reportarem-se a valores diferentes.

X. A Recorrida colocou em causa a possibilidade de ser formado título executivo, nos termos do artigo 14.º-A do NRAU, com base no contrato de arrendamento celebrado entre partes e não os valores em dívida indicados nas respectivas comunicações e requerimentos executivos.

XI. Ainda que com argumentação diferente, a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, que julgou extinta a instância de Embargos de Executado, por entender verificada situação de caso julgado, deve ser repristinada, com a consequente revogação do Acórdão do Tribunal da Relação de .......

XII. O Acórdão recorrido fez incorrecta apreciação do disposto nos artigos 580.º, n.º 2, 619.º, n.º 1, 620.º, n.º 1, 621.º e 732.º, n.º 6, todos do CPC.

TERMOS EM QUE

Requer a V. Exas. que seja julgado procedente o presente recurso de revista, revogando-se o acórdão do Tribunal da Relação ......, com a consequente manutenção da decisão proferida pela 1.ª instância de extinção do apenso de embargos de executado (apenso D), em resultado do caso julgado, na sua vertente positiva de autoridade de caso julgado, produzido pela sentença proferida no apenso A.

Decidindo assim, V. Exas. farão a devida e costumada Justiça!”


A recorrida contra-alegou pugnando, para além da inadmissibilidade do recurso, pela confirmação do acórdão impugnado.

O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo actual Relator que decidiu a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, suscitada pela recorrida.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.

Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais de conhecimento oficioso, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se há violação de caso julgado.


II. Fundamentação

1. De facto

No Tribunal recorrido foi considerado provado o seguinte:

1. A …/embargada deduziu em tribunal, em 11-01-2013, contra a embargante/…, execução para pagamento de quantia certa, sendo que no respectivo requerimento executivo alegou, fundamentalmente os seguintes pontos:

«(…).

7º - Porém, em 10/12/2012, a Executada encontrava-se em débito relativamente às rendas de Novembro e Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013 no valor de €27.450,00 (9.180,00x3), e às despesas correntes respeitantes às partes comum do prédio dos meses de Abril a Novembro de 2012, todas no total de €16.655,25.

8º - Face ao exposto, a exequente enviou comunicação registada com A/R dirigida à Executada onde comunicou que esta se encontrava em dívida para com o Fundo no montante global de €57.965,25 (valor este correspondente às rendas, às despesas correntes respeitantes às partes comum do prédio em dívida e exigindo ainda a indemnização igual a 50% do que for devido pela mora verificanda nos termos do art. 1041º CC, que à data correspondia ao montante de €13.770,00), solicitando o pagamento no prazo máximo de 10 dias, sob pena de se iniciar processo judicial sobre o mesmo - cfr, doc. 2, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

9° - Embora a requerida tenha procedido ao pagamento das rendas relativas ao mês de Novembro, à indemnização em 50% pela mora verificanda e ao valor correspondente às despesas correntes respeitantes às partes comum do prédio em dívida,

10º- A Requerida permanece no entanto em divida relativamente às rendas de Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013, bem como da indemnização legalmente prevista igual a 50% do que é devido pela mora verificanda.

11º - No dia 12/12/2012 a Executada comunica a pretensão de proceder à denúncia do contrato de arrendamento acima melhor identificado com efeitos a partir de 01/12/2012. (cfr. doc.3 que ora se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).

12º - Em resposta à mesma, a Exequente enviou uma comunicação à executada datada de 21/12/2012 na qual refuta a pretensão da aludida denúncia e faz referência ao montante em dívida, referindo para o efeito o disposto no nº 2 da cláusula Segunda e do nº 3 da Cláusula Nona 2 nos termos dos quais "(...) a denúncia do contrato de arrendamento em apreço apenas será possível e só produzirá os seus efeitos no termo do prazo inicial e/ou das suas eventuais renovações, o que determina que o contrato cesse todos os seus efeitos apenas em 31 de Agosto de 2016, pelo que, até essa data o contrato de arrendamento manter-se-á com todos os direitos e obrigações dele decorrentes, designadamente a obrigação de V. Exas efetuarem o pagamento das rendas e despesas de condomínio vencidas e vincendas." (cfr. doc.4 que ora se junta e que se dá por reproduzido e articulado para todos os efeitos legais).

13º - Determinou a exequente, na missiva enviada a 21/12/2012, que seria dado um prazo de 10 dias para que a executada procedesse ao pagamento das rendas em dívida (cfr. doc. 4).

14º - não obstante, até à data a executada não efetuou qualquer transferência bancária daqueles montantes para a conta bancária do FUNDO ou da Exequente, nem ofereceu ou pagou as rendas por qualquer outro modo, nem o seu recebimento foi negado ou repelido pelo FUNDO ou pela Exequente.

Em consequência,

15º - Na presente data a Executada constitui-se em mora no valor de €18.360,00 (dezoito mil trezentos e sessenta euros) relativamente ao pagamento das rendas referentes aos meses de Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013 (€9.180,00x2).

16º - Ao valor acima referido acresce a indemnização legalmente prevista igual a 50% das rendas que forem devidas pela mora verificada, no montante de €9.180,00 (nove mil cento e oitenta euros) - cfr. art. 1041º Código Civil

17° - A Executada obrigou-se ainda, nos termos do contrato, a pagar á exequente as despesas correntes respeitantes às partes comuns do prédio (doc. 1 cl. 7ª).

Porém,

18° - A Executada não efetuou o pagamento das despesas comuns respeitante ao més de Dezembro no montante de €2.081,86 (dois mil oitenta e um euros e oitenta e seis cêntimos).

19° - É obrigação do arrendatário "pagar a renda ou aluguer", "no tempo e lugares próprios" (cfr. art. 1038/a do Código Civil)

20° - Assim, na presente data a Executada deve à Exequente os seguintes montantes, para os quais a exequente tem título executivo:

- a título de rendas o montante global de €18.360,00

- valor correspondente a 50% das rendas devidas pela mora verificada (cfr. art. 1041 do Código Civil): 9.180,00

- juros legais vencidos sobre cada uma das rendas em divida e calculados até 2.01.2013: €189,14

- valor pago pela Exequente a título de taxa de justiça pela presente execução: 25,50€.

21° - Assim sendo, o valor total em dívida pela executada é de €27.750,14 (vinte e sete mil setecentos e cinquenta euros e catorze cêntimos).

22° - Ao abrigo no disposto no art. 14-A da Lei 31/2012 de 14 de Agosto "O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é titulo executivo para a execução para pagamento da quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário."

NESTES TERMOS, Requer-se a V.Exa a presente execução contra a executada para pagamento da quantia certa no valor de €27,750,14, (vinte e sete mil setecentos e cinquenta euros e catorze cêntimos) nos termos do art. 14 nº 5 da lei 31/2012 de 14/08, dado que a executada é devedora das quantias supra referidas."

2. Com tal requerimento executivo a exequente/embargada juntou o contrato de arrendamento e as 3 missivas referidas no seu articulado, indicados sob os docs. n.ºs 2, 3 e 4, do ponto anterior.

3. A executada, ora recorrente, deduziu, no dia 17-05-2013, oposição à execução indicada no ponto 1, dando azo ao apenso A, do processo executivo em causa.

4. Na oposição referida no ponto 3., a embargante, sustentou, fundamentalmente:

«(...).

5° - (...) que a exequente não dispõe de título executivo bastante, pois a denúncia do contrato de arrendamento não habitacional, por escrito, efectuada atempadamente pela ora executada (conforme documento n° 1 que se anexa) faz cessar a eficácia do contrato de arrendamento, o que conduz à improdutividade total do negócio jurídico.

6° - Ora, se o contrato denunciado legítima e legalmente, deixou de produzir efeitos jurídicos no plano material, por maioria de razão não os poderá produzir no campo puramente processual!

(...).

8° - A prova da denúncia, feita pela carta registada datada de Julho de 2012, em anexo, (doc. nº 1) funciona como contra-título executivo, obstando à pretensão do exequente e inviabilizando a sua pretensão, conforme já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 04/03/2013;

(…)

10° - A R. não deve, pois, nem rendas, nem condomínios nem coisa alguma à autora exequente, pelo que não pode ser objeto de nenhuma execução;

11°- Ou seja não se enquadra em nenhuma modalidade e tipologia dos pressupostos do art.º 46º do CPC, porque não há título executivo.

(...).

14° - Na verdade contrariamente ao pretendido no artigo 22 impugnado da execução não há título executivo, porque in casu não há base legal habilitante, pois o artº 14-A...do NRAU, introduzido pela Lei de nº 31/2012 de 14 de Agosto de 2012, não tem aplicação, porque,

15° - Pela sua nova colocação sistemática desde Agosto de 2012, na secção III, "despejo", só se compreende neste contexto, e além disso face ao teor do artº 11°, 12° e 14° legitima-se a interpretação, que só terá aplicação relativamente a pessoas singulares, e não a pessoas coletivas como é a natureza da R.

16°- Consequentemente, o artigo 14.º-A não tem aplicação, pois não há nenhum contrato de arrendamento válido, e muito menos dívida de quaisquer rendas em atraso, ou encargos do condomínio, ou juros de mora.

17° - Acresce que, segundo o recentíssimo Acórdão do STJ de 4 de Março de 2013, a exigibilidade de um crédito só ocorre quando ele é reconhecido judicialmente.

21° - Na realidade e nos termos da Lei, o contrato de arrendamento anteriormente existente, foi atempada e legitimamente denunciado pela R, primeiro oralmente a 21 de Junho, e posteriormente por escrito em 27 de Julho de 2012 (doc. nº 1).

(...).

32° - Ou seja e sublinhe-se: a R denunciou o contrato de arrendamento não habitacional que manteve com a A com dois sólidos fundamentos jurídicos: 1) pelas alterações substantivas de circunstâncias, e 2) pela possibilidade legal de denúncia com a antecedência que a lei permitia.

33° - acrescente-se que a A bem admitiu a cessação e denúncia do contrato posto em causa verbalmente logo em 21 de Junho de 2012 pela ora executada, e por escrito a 27 de julho.

34° - De facto pelo e-mail de 10 de Agosto de 2012, anexo (doc. n° 3) o representante da A (Sérgio Meireles) admite "a revogação do contrato em vigor com efeitos a 30 de Novembro de 2012" como pretendido pela R. na sua carta de 27 de Julho (doc. nº 1).

35° - E a A que aceitou pois em substituição do contrato de arrendamento denunciado, a celebração de um outro contrato novo, com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 2013, relativamente a novas instalações, e onde pudessem permanecer em atividade não só a ora executada, mas também a sua acionista TPFPlanege SA.

36° - Porém, esta proposta não foi feita até à data limite constante do e-mail de 17 de Julho de 2012 (do mesmo Sérgio Meireles anexo doc. n° 3, 2ª folha), ou seja até 27 de Julho desse ano, mas apenas em 10 de Agosto, mais de dez dias após o prazo proposto.

37° - Ou seja, não tendo a A cumprido o prazo que se fixara a si própria do dia 27 de Julho para apresentar a solução sequente à sua aceitação da denúncia do contrato inicial para o termo de 30 de Novembro conforme fora informada verbalmente pela R. a 21 de Junho, a R. ficou liberta de esperar por mais tempo pela consideração de outra solução, como aliás o artº 228º nº 1 c) do Código Civil permite.

38° - E assim, foi legítima e legalmente que formalizou, perante o desinteresse da A, no próprio dia 27 de Julho a sua denúncia do contrato, e que aquela por escrito datado de 10 de Agosto aceita ser revogado.

39° - Sublinhe-se que a data limite fixada pela própria A para apresentar uma proposta não foi observada, porque esta por motivos que lhe são unicamente imputáveis não cumpriu, mas que a responsabilizam nos termos do artigo 227 nº 1 do CC.

40° - Isto é: a A depois de ter recebido a denúncia verbal do contrato em causa, só não viu aquele substituído por um outro novo, e de maior âmbito com a R, pois aquela incumpriu com o prazo que se auto fixara até 27 de julho, para apresentar uma solução à R: - sibi imputed, devido ao envio tardio da proposta.

41° - Repete-se pois: a R denunciou legitimamente o contrato de arrendamento não habitacional com fundamento em públicas e notórias alterações de circunstâncias que a lei permite, e com a antecedência de 120 dias para a denúncia unilateral prevista na lei para revogação do contrato.

42° - Mas não apenas a R. denunciou atempadamente e nos termos da Lei o contrato de arrendamento, que assim já não subsiste desde 30 de Novembro de 2012 e não pode ser invocado como titulo executivo, como a R pagou integralmente embora com sacrifício a última renda e encargos de condomínio devidos reportados ao mês de Novembro de 2012.

43° - O que aliás a A confessa no seu articulado 9°.

44° - E além disso, a R devolveu as chaves dos locais arrendados ao Condomínio, com a prova fotográfica de que os mesmos se achavam conformes ao estado exigido pela A, à data do final do mês de Novembro de 2012, (eliminação de divisórias e restabelecimento do open space original) em carta registada com aviso de recepção (doc. Nº 4).

45° - E assim, desta vez, as chaves não foram devolvidas e recebidas, embora anteriormente idêntica correspondência tenha sido recusada de má-fé, no próprio acto de recebimento por parte da A. ora indevidamente exequente, como se comprovará testemunhalmente.

46° - E por estes motivos, 1) a denúncia atempada e até fundamentada do contrato de arrendamento, 2) a desocupação das instalações e 3) a devolução das chaves com a reposição dos locais arrendados, a R não mais utilizou as instalações em causa a partir do final de Novembro.

(...).

IV Conclusões

69° - Face aos elementos de fato e de direito que antecedem, requer a indevidamente executada, R. objeto da presente execução que:

1) Seja declarada a ininteligibilidade da execução e mandada arquivar

2) Seja a R. de imediato absolvida da instância.

3) E seja a presente execução de imediato arquivada e condenada a A. em litigância de má-fé, taxa de justiça e procuradoria condigna a R.

4) e que em qualquer outro caso seja a R ora executada dispensada de apresentar caução.»

5. No âmbito da oposição à execução referida no ponto 4., foi proferida sentença, em 03-04-2017, onde, fundamentalmente se apreciou e se decidiu a final o seguinte:

«(...).

RELATÓRIO

(...).

Alega, para o efeito e em síntese, que denunciou validamente o contrato em causa nos autos, o contrato em causa nos autos não constitui título executivo, ocorreu uma alteração anormal das circunstâncias que fundamenta a extinção do contrato em causa nos autos, que o contrato em causa nos autos é um contrato de adesão e que não foi cumprido o regime jurídico das CCG, terminando com o pedido de condenação da exequente por litigância de má fé, no pagamento de multa e indemnização.

Regularmente notificada, a exequente contestou, pugnando pela improcedência da presente oposição e terminando com o pedido de condenação da opoente por litigância de má fé, no pagamento de multa e indemnização.

5. ENQUADRAMENTO FÁCTICO-JURÍDICO.

A opoente começa por alegar que o contrato dado À execução não é título executivo porque, À data da sua celebração, inexistia norma que considerasse um tal contrato como título executivo.

Apreciando.

A presente execução deu entrada no dia 12/01/2013, sendo que, nos termos do art. 14.º-A do NRAU, que vigorava no momento da propositura da ação executiva, «O contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.».

Assim sendo, no momento em que a execução foi proposta, o contrato constituía título executivo, pelo que a oposição não pode deixar de improceder nesta parte.

E nem se diga que, como assim ocorria, no momento da celebração do contrato, a lei não previa a sua exequibilidade para efeitos de pagamento das rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.

Com efeito, não existe nenhum direito à inexequibilidade do contrato, mas sim o oposto. Com efeito, como referiu o TC no seu Acórdão nº 408/2015, in www.dgsi.pt: (...).

(...).

No fundo, existe uma confiança digna de tutela do credor em cobrar o seu crédito de uma forma mais célere (por via de execução em lugar de, previamente, ter de intentar uma ação declarativa), sendo abusivo afirmar que possa existir uma confiança digna de tutela do devedor em "empastelar" a cobrança da dívida por via de o credor ser onerado a instaurar uma ação declarativa.

Quando muito, a única expetativa digna de tutela que, num caso como este, o devedor poderá ter é a de poder gozar de todas as garantias de defesa contra o credor. E isso não é posto em causa pelo facto de o credor poder intentar desde logo uma acção executiva em lugar de instaurar antes uma acção declarativa, porque, no caso de um documento particular, o executado pode deduzir oposição à execução na qual poderá alegar todos os argumentos que poderia ter invocado numa contestação à acção declarativa.

(...).

Seguidamente, a opoente vem alegar que denunciou validamente o contrato em causa nos autos, uma vez mais sem razão.

Com efeito, atento o contrato em causa nos autos, trata-se de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, nos termos dos arts. 1022.º, 1023º e 1108º do CC, sendo que, nos termos do art. 1110° do CC:

«1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.

2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.».

Ora, no caso vertente, o prazo de duração do contrato foi estabelecido por 5 anos, com início em 01/09/2011, pelo que terminaria a 31/08/2016, pelo que não era lícito à Prosistema - já detida pela opoente -, unilateralmente, pôr fim ao contrato, só porque - como facilmente se percebe, apesar de a opoente o negar - não convinha à opoente a manutenção de tal contrato e, por isso, é evidente que o contrato não foi validamente denunciado como a opoente quer fazer crer. E nem alegue a opoente o disposto no art. 228º, n.º 1, al c), do CC, uma vez que, para além de se ter provado que a exequente apresentou uma proposta de um novo arrendamento dentro do prazo a que se vinculara como a Prosistema estava vinculada a um contrato de que só se desvinculava no momento em que decorresse o seu prazo de validade (5 anos) ou em que fosse celebrado um novo contrato em substituição do vigente.

Daí que mal ande a opoente quando, pela sua alegação, parece que não estava vinculada a nenhum contrato. Pelo contrário, estava vinculada ao contrato em causa nos autos e só deixaria de o estar em 31/08/2016 ou, quando muito, no momento em que se celebrasse um novo contrato de arrendamento e não quando, após ter construído toda uma farsa destinada a desonerar-se do contrato a que estava vinculada (simulando mesmo o interesse em celebrar novo arrendamento, o que, pela atitude assumida no dia em que a exequente iria mostrar o espaço, facilmente se percebe que nunca foi intenção da opoente, ainda que por intermédio da Prosistema), o que julgou ter conseguido mediante o envio da carta de 27/07/2012.

Claro que a opoente vem invocar que ocorria uma situação de força maior, de alteração anormal das circunstâncias que existiam à data da celebração do contrato em causa nos autos (que, apesar de a opoente o omitir, é apenas a renegociação de um outro contrato já existente e não um contrato "ex novo").

(...).

Ora, sufragando o entendimento plasmado nos aludidos preceitos, facilmente se percebe que não será uma qualquer alteração das circunstâncias que legitimaria a opoente a denunciar o contrato, sendo certo que, para além de nem a situação alegada na petição inicial permitiria concluir pela admissibilidade da extinção do contrato em causa nos autos (que seria por resolução e nunca por denúncia, nos termos do art. 437º do CC), não logrou a opoente provar qualquer alteração da circunstâncias face ao condicionalismo que existia à data da celebração do contrato em causa nos autos, pelo que também aqui a oposição soçobra.

Seguidamente, vem a opoente alegar que se trata de um contrato de adesão e que as cláusulas desse contrato são nulas, embora sem alegar minimamente qual ou quais as cláusulas que violam a lei.

(...).

Ora, atenta a factualidade provada, ao contrário daquilo que a opoente quis fazer crer (e aqui reside um dos fundamentos da sua condenação por litigância de má fé), é rotundamente falso que se trate de um contrato de adesão, pelo que fica prejudicado o conhecimento de quaisquer questões relativas ao regime das cláusulas contratuais gerais, que, de todo o modo, a opoente nem se digna invocar, sendo que a única cláusula que se poderia inferir estar em causa seria a relativa à duração do contrato, que, como se provou, foi alvo de negociação entre as partes e que a Prosistema, por conveniência própria e não por qualquer imposição da exequente, optou por aceitar.

De resto, cumpre referir que as cláusulas não são nulas só porque são cláusulas contratuais gerais.

A opoente peticiona a condenação da exequente como litigante de má fé.

Contudo, pela factualidade apurada, não se antolha em que medida a conduta da exequente, que se limita a peticionar o pagamento de uma dívida que existe, a despeito de todos os argumentos de que a opoente tenta lançar mão.

Daí que a exequente não litigue de má fé. Mas o mesmo já não sucede com a opoente.

(...).

Ora, no caso em epígrafe atenta a factualidade provada, é evidente que a opoente litiga de má fé.

Assim, a opoente tem a perfeita noção do que, ao contrário do que alegou na petição inicial, o contrato em causa nos autos e o respetivo clausulado foram objeto de negociação entre a exequente e a Prosistemas, quer por telefone quer por correio eletrónico, negociação essa que ocorreu em momento anterior ao da sua celebração; e também sabe que a exequente enviou à Prosistema a proposta de um novo contrato de arrendamento em substituição do anterior em 26/07/2012.

E, no entanto, tem o despautério de vir alegar exatamente o contrário (refugiando-se no sempre conveniente regime das CCG, que, a despeito de ter sido criado para defender os consumidores de abusos, tem sido transformado num argumento fácil para os devedores se tentarem subtrair ao pagamento do que sabem que devem mas não querem pagar), tendo inclusivamente arrolado duas testemunhas - antigos responsáveis da Prosistema - que vieram prestar depoimentos falsos relativamente a uma matéria em que essas testemunhas não têm qualquer interesse pessoal, mas a opoente tem, e que é a de se escapar ao pagamento de uma quantia que sabe muito bem que deve.

E a opoente sabe muito bem que aquilo que alegou é falso, pois a farsa criada pela opoente para tentar denunciar o contrato ocorreu numa altura em que a opoente já adquirira a Prosistema e, quanto à negociação do contrato, apesar de ter ocorrido em data anterior à da aquisição, trata-se de uma empresa que foi depois incorporada na opoente, que tem o dever de conhecer as circunstâncias em que o contrato fora celebrado, sendo certo que juntou aos autos documentação referente a essa celebração e, como tal, tem o dever de saber que o que alegou não correspondia à verdade.

(…)

Entende-se, pois, que a opoente ao alegar as inverdades supra referidas e com as finalidades supra mencionadas, litiga com má fé, devendo ser condenada em multa e em indemnização, tal como peticionado.

(…)

Deste modo, entende-se adequado aplicar a multa de 50 UCs e, atentas as regras da equidade, condenar a opoente no pagamento de uma indemnização no valor de €3.000,00 à exequente.

6. DECISÃO

Em face do acima exposto, julgo a presente oposição à execução improcedente, por parcialmente provada e, consequentemente, a execução prosseguirá os seus ulteriores termos.

Absolvo a exequente do pedido de condenação por litigância de má fé. Condeno a opoente como litigante de má fé, no pagamento de uma multa no valor de 50 (cinquenta) UCs e no pagamento à exequente de uma indemnização que se fixa em três mil e quinhentos euros.

Custas da oposição à execução pelo opoente (cfr. art. 446°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Custas de cada um dos dois incidentes de condenação por litigância de má fé (a peticionada pela opoente e a peticionada pela exequente) a cargo da opoente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs relativamente a cada um, nos termos do art. 7º, n.º 4, do RCP.

Registe e notifique.»

6. O acórdão do Tribunal da Relação de ....... de 31-10-2017, transitado em julgado, reapreciou em recurso a decisão referida em 5., tendo julgado a apelação totalmente improcedente, mantendo a sentença objecto de recurso.

7. Em 27-10-2014, a exequente apresentou no processo indicado em 1., contra a executada, requerimento executivo, a que atribuiu a designação de cumulação sucessiva de execuções, tendo por base o mesmo contrato de arrendamento aí referenciado, onde alegou, designadamente, o seguinte:

«(…)

12° - A executada continua por liquidar as rendas e respectivas despesas comuns vencidas desde 31-01-2013 até à presente data, sendo que o presente título executivo é bastante quanto às rendas e respetivas despesas comuns vencidas e não liquidadas entre Janeiro de 2013 e Julho de 2014.

13.° - Face ao incumprimento contratual da EXECUTADA, de não proceder ao pagamento das rendas e respectivas despesas comuns entretanto vencidas, o ora EXEQUENTE foi obrigado a cumular a presente acção executiva à acção executiva já pendente.

Assim,

14º - Desde a data em que deu entrada a acção executiva até ao presente momento venceram-se as seguintes quantias a título de rendas vencidas e não liquidadas pela EXECUTADA:

- renda de Fevereiro de 2013, no valor de €9.180,00 vencida em 01.01.2013;

- renda de Março de 2013, no valor de € 9.180,00 vencida em 01.02.2013;

- renda de Abril de 2013, no valor de € 9.180,00, vencida em 01.03.2013;

- renda de Maio de 2013, no valor de € 9.180,00, vencida em 01.04.2013;

- renda de Junho de 2013, no valor de € 9.180,00, vencida em 01.05.2013;

- renda de Julho de 2013, no valor de € 9.180,00, vencida em 01.06.2013;

- renda de Agosto de 2013, no valor de € 9.180,00, vencida em 01.07.2013;

- renda de Setembro de 2013, no valor de €9.488,45, vencida em 01.08.2013;

- renda de Outubro de 2013, no valor de € 9.488,45, vencida em 01.09.2013;

- renda de Novembro de 2013, no valor de €9.488,45, vencida em 01.10.2013;

- renda de Dezembro de 2013, no valor de €9.488,45, vencida em 01.11.2013;

- renda de Janeiro de 2014, no valor de € 9.488,45 vencida em 01.12.2013;

- renda de Fevereiro de 2014, no valor de €9.488,45 vencida em 01.01.2014;

- renda de Março de 2014, no valor de € 9.488,45 vencida em 01.02.2014;

- renda de Abril de 2014, no valor de € 9.488,45 vencida em 01.03.2014;

- renda de Maio de 2014, no valor de € 9.488,45 vencida em 01.04.2014;

- renda de Junho de 2014, no valor de € 9.488,45 vencida em 01.05.2014

- renda de Julho de 2014, no valor de € 9.488,45 vencida em 01.06.2014;

- renda de Agosto de 2014, no valor de € 9.488,45 vencida em 01.07.2014;

No montante total de € 178.121,40 (cento e setenta e oito mil cento e vinte e um euros e quarenta cêntimos).

15° - A EXECUTADA também não efectuou o pagamento dos referidos valores nos oito dias seguintes a contar da data do início da mora relativamente a cada uma das indicadas rendas nem em data posterior.

Pelo que,

16° - Ao valor em débito acima referido acresce a indemnização legalmente prevista igual a 50% do que for devido pela mora verificanda - cfr art.°1041 do Código Civil -, isto é Euros 89.060,57 (oitenta e nove mil sessenta euros e cinquenta e sete cêntimos).

17° - Nos termos previstos no contrato a EXECUTADA obrigou-se ainda a pagar ao EXEQUENTE as despesas correntes respeitantes às partes comuns do prédio - cfr doc. 1 cl.ª 7 a).

Pelo que,

18° - Aos valores mencionados em supra acresce ainda o montante de €37.865,00 (trinta e sete mil oitocentos e sessenta e sessenta e cinco euros) correspondente às despesas comuns vencidas e não liquidadas pela EXECUTADA referente aos seguintes meses:

- despesas comuns referentes ao mês de Dezembro de 2012 no valor de 2.081,91€;

- despesas comuns referentes ao mês de Janeiro de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Fevereiro de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Março de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Abril de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Maio de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Junho de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Julho de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Agosto de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Setembro de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Outubro de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Novembro de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Dezembro de 2013 no valor de 2.054,04€;

- despesas comuns referentes ao mês de Janeiro de 2014 no valor de 2.012,28€;

- despesas comuns referentes ao mês de Fevereiro de 2014 no valor de 2.012,28€;

- despesas comuns referentes ao mês de Março de 2014 no valor de 2.012,28€;

- despesas comuns referentes ao mês de Abril de 2014 no valor de 2.012,28€;

- despesas comuns referentes ao mês de Maio de 2014 no valor de 2.012,28€;

- despesas comuns referentes ao mês de Junho de 2014 no valor de 1.073,21€;

Não obstante,

19° - Até à presente data a EXECUTADA não efectuou qualquer transferência bancária daqueles montantes para a conta bancária do EXEQUENTE, nem ofereceu ou pagou as rendas por qualquer outro modo, nem o seu recebimento foi negado ou repelido pelo Exequente.

Em consequência,

20° - O EXEQUENTE enviou duas comunicações registadas com aviso de recepção dirigida à EXECUTADA através do qual identificou expressamente as quantias decorrentes do contrato supra identificado que se encontram em dívida desde o mês de Fevereiro de 2013 até ao mês de Agosto de 2014, as quais se encontram já devidamente identificadas nos artigos 14°, 16° e 18° do presente articulado - cfr. doc. 4 e 5 que ora se junta e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

21° - Conforme supra referido, além das quantias já peticionadas no requerimento executivo de 11.01.2013, a EXECUTADA encontra-se ainda em dívida no montante de Euros 178.121,40 referente às rendas vencidas e não liquidadas durante esse período, bem como do montante de Euros 89.060,70 referente à indemnização devida igual a 50% do que foi devido, nos termos do artigo 1041° do C.C. e ainda o montante de Euros 37.865,00 referente ao valor das despesas comuns vencidas e não liquidadas desde Dezembro de 2012 a Julho de 2014.

22° - Assim sendo, o valor total em dívida pela EXECUTADA é de € 305.047,10 (trezentos e cinco mil quarenta e sete euros e dez cêntimos), a cumular à acção executiva já pendente nos presentes autos.

23° - Ao abrigo do disposto no artigo 14-A da Lei 31/2012 de 14 de Agosto "o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas comuns que corram por conta do arrendatário".

NESTES TERMOS,

Requer-se a V. Exa que a presente execução prossiga contra a EXECUTADA para pagamento de quantia certa no valor total de € 305.097,37 (trezentos e cinco mil noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), nos termos previstos no artigo 14-A da Lei 31/2012 de 14/08 dado que a EXECUTADA é devedora dos valores supra referidos.»

8. Com tal requerimento executivo a exequente/embargada juntou o contrato de arrendamento e as 2 missivas referidas no seu articulado, indicados sob os docs. n.ºs 4 e 5, do ponto anterior.

9. A executada, ora recorrente, deduziu, no dia 06-05-2016, oposição à execução indicada no ponto 7., dando azo ao apenso D, do processo executivo em causa.

10. Na oposição referida no ponto 9., a embargante, sustentou, fundamentalmente:

«(...).

1° - A executada vem pois agora reagir contra o requerimento executivo, apresentado a 20 de Abril de 2016, apresentado pelo ilustre mandatário da exequente, e entregue via CITIUS pela respetiva agente de execução, relativamente à liquidação de uma suposta obrigação da executada no valor de 305.047,10€

2° - Aquele valor foi entretanto objeto de alterações pela agente de execução que o veio a fixar em 334.997,62 €

3° - No teor do requerimento executivo, a exequente menciona e fundamenta como legitimação do requisito título executivo, exigido pelo CPC artº 46º, a indicação da base legal do artº 14-A do NRAU.

4° - Cita para o efeito o art° 14- A da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, o que todavia não corresponde a verdade, e que se impugna com todas as consequências legais.

5° - Porquanto, o art° 14-A não existia à data de 2006, e foi sim, apenas aditado em 2012 -concretamente pelo art.° 5° da Lei n° 31/2012 de 14 de Agosto.

6° - Ora, tendo o contrato de arrendamento entre a exequente e a executada sido celebrado em Março de 2011, a essa data este facto não servia de base a titulo executivo, com aquele dispositivo legal, pelo que a forma de processo executivo não podia ser a adequada para as finalidades de cobranças a que se propõe a exequente.

7° - Ou seja, o art° 14°-A do NRAU, publicado a 14 de Agosto de 2012, não existindo à data da celebração do contrato em Março de 2011, e não tendo efeitos retroativos, não permite o recurso ao processo executivo, para cobranças de supostas rendas devidas, e muito menos, serve à cumulação sucessiva de execuções, sob pena de grave violação das expectativas dos agentes económicos, como resulta, a contrário, da douta doutrina constante do Acórdão do Tribunal Constitucional de N° 847/2014 (relator Conselheira Maria de Fátima Mata Mouros).

8° - Aliás, compulsando o contrato de arrendamento junto aos autos, fácil é confirmar que em parte alguma se refere que o contrato celebrado pela exequente, pode constituir um título executivo, mas apenas num caso restrito e concreto, pois tal foi a vontade das partes.

(...).

10° - Apenas o # 3 do art°10°, que é de vigência temporária e especifica, e circunscrito ao pagamento de rendas de um anterior contrato, identificado nesta cláusula, tem o seguinte teor "o presente acordo constitui título executivo contra a segunda outorgante caso esta não proceda ao pagamento no prazo aqui estabelecido, i.e trinta e um do mês Maio do ano dois mil e onze, nos termos da aliena c) do n° 1 do art° 46° do CPC".

11° - Ou seja, nos termos do contrato de Março de 2011, este mesmo não poderia servir como título executivo em geral, senão e exclusivamente no caso da cláusula 10° #3°, e unicamente quanto à cobrança de rendas discriminadas neste articulado.

12° - O contrato de arrendamento não refere pois, nem poderia referir, outros articulados - do NRAU, na sua redação vigente em 2011, máxime o art.° 14° e o art.° 15°, porque àquela data, tais disposições legais integravam-se e enquadravam-se unicamente, para efeitos de cobrança de rendas, no quadro conexo e legitimador da ação de despejo de instalações, e da eventual cobrança de rendas em atraso naquele contexto.

(...).

14° - Só a partir da alteração acima identificada de 2012, posterior ao contrato de arrendamento em questão, de Março de 2011, é que o legislador alterou, e inovou o regime de cobrança de rendas, autonomizando essa possibilidade do contexto da acção de despejo.

15°- Tal passou até, a constar de uma nova disposição- o art° 14-A, com uma nova epigrafe, e com a natureza de aplicação futura, após a sua publicação, naturalmente, nos termos Constitucionais (art°119° n° 1 c), e n° 2°) como condição da sua eficácia jurídica.

16° - Há pois, vício insanável na escolha pelo exequente da forma de processo, que deveria seguir antes o processo declarativo, por inexistência de possibilidade de formação de um título executivo, com base em legislação superveniente, e de data posterior à celebração do contrato.

17° - Em consequência, a possibilidade teórica e abstracta face ao Direito, da admissão nos termos da Lei, da cumulação sucessiva de execuções, surge frustrada pela acção temerária da exequente, e do seu agente de execução, que não logrou corresponder ao enquadramento legal, obstando portanto á formação do direito subjetivo à acção executiva.

18° - Pelo que, não pode o imprudente requerimento executivo dar origem a um processo executivo a prosseguir, devendo portanto este ser indeferido desde logo pelo Meritíssimo Juiz, e desde logo também, determinadas as consequências indemnizatórias à executada, devido aos vultuosos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, que afetaram o seu bom nome, imagem, reputação e crédito, por responsabilidade exclusiva, quer por parte da exequente, além de multa, nos termos e fundamentos do art.° 930° E do CPC, quer por parte do agente de execução nos termos gerais de responsabilidade civil.

19° - Todavia, e ainda por mera cautela, acrescenta-se que - nem assiste direito à exequente em desencadear agora uma ação executiva, em cumulação sucessiva de execuções, nem existia já antes, o direito a desenvolver a ação executiva inicial, precedente e pendente, onde já se deduziu atempadamente oposição, e que aguarda julgamento.

20° - De facto, para haver ação executiva, na ausência de titulo judicial, seria necessário um título executivo, de formação mista e compósita, integrando um contrato de arrendamento e rendas não pagas, mas apenas em contexto de ação de despejo por parte do senhorio, segundo a Lei existente à data da celebração do contrato de arrendamento, ou seja Março de 2011,

21° - Contudo, na execução inicial precedente e pendente, cita a exequente, como norma habilitante, a existência de título executivo, fundado no art.º 14° N° 5° do NRAU, na redacção então vigente à data do contrato. Todavia, não sendo a situação em crise enquadrada em situação de ação de despejo, tal disposição não pode ser invocada, nem tem aplicação por impertinente.

22° - Na realidade, e objetivamente, importa verificar de que titulo executivo se trata, como se formou, e que finalidade permite a sua utilização, e em que contexto legal?

23° - A resposta é clara e cristalina. Quanto à inicial e precedente execução pendente, fundamentada no articulado do art° 14° n.° 5° do NRAU, pelo exequente, agora chamado a colação, centra-se na situação de despejo, e do local não desocupado....que o senhorio pretende reaver ... e que a lei permite favorecer, configurando um titulo executivo para entrega de coisa certa, como se transcreve:

"5 - Se, dentro daquele prazo, os montantes referidos no número anterior não forem pagos ou depositados, o senhorio pode pedir certidão dos autos relativa a estes factos, a qual constitui titulo executivo para efeitos de despejo do local arrendado, na forma de processo executivo comum para entrega de coisa certa."

24° - Mas, a verdade é que a acção executiva inicial ainda pendente, não mostra que tenha sido junto aos respetivos autos, a certidão dos autos da acção de despejo, expressamente requerida no art° 14° N° 5 do NRAU, e que constituiu fundamento alegado no requerimento executivo, então apresentado pela exequente!

25° - Ou seja. Muito singelamente, a verdade é que aquela precedente execução inicial e ainda pendente, carece de título executivo juridicamente admissível e válido, face à legislação aplicável à época.

26° - Deste modo, para além da demais argumentação factual desenvolvida na oposição à execução pendente, que constam destes autos, e para a qual se remete, na medida em que põem em causa a própria existência material de titulo executivo, o facto, é que o art° 14° n° 5° do NRAU, em que se arrima a exequente na altura, só é admissível, para efeitos de despejo, e na forma de processo executivo para entrega de coisa certa, e não para simples cobrança de rendas, autonomamente.

27° - Ora, não era essa situação a data da instauração da execução ainda pendente: - os locais estavam a) desocupados, as b) chaves entregues ao condomínio, e c) inexistia um contrato de arrendamento não habitacional, e d) não existiam rendas em atraso, porque este fora, devida, legitima, fundamentada e antecipadamente denunciado pela primitiva executada.

28° - Conclui-se pois, que não havendo causa factual e legal, para a subsistência da execução pendente, também por esse motivo não pode subsistir a pretensão de cumulação sucessiva de execuções.

(...).

IV Conclusões

39° - Face aos elementos de facto e de direito que antecedem, requer a indevidamente executada, e objeto da presente execução que:

1) Seja declarado improcedente o requerimento executivo por inexistência de titulo executivo, e consequentemente, seja declarada a inexigibilidade da quantia exequenda, cuja fixação do valor da quantia exequenda pelo agente de execução, é por sua vez também ininteligível,

2) Seja a executada de imediato absolvida da instância.

3) E seja a presente execução de imediato arquivada e condenada a exequente e o agente de execução, em litigância de má-fé, taxa de justiça e procuradoria condigna à executada.

4) E ainda, que em qualquer outro caso, seja a executada dispensada de apresentar caução.

Só assim se fará justiça.»

11. No âmbito da oposição à execução referida no ponto 10., foi proferido o despacho recorrido.

2. De direito

A recorrente pretende extrair da sentença de 3/4/2017, confirmada pelo acórdão da Relação ......., de 31/10/2017, proferidos no âmbito do apenso A, a impossibilidade de prosseguimento dos presentes embargos, sustentando que se verifica o caso julgado.

Coloca, assim, a questão dos efeitos daquela decisão, o que convoca a problemática da eficácia do caso julgado material formado com o seu trânsito em julgado.

Como é sabido, o caso julgado material radica nos art.ºs 619.º, n.º 1, e 621.º, ambos do CPC, dispondo o primeiro que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”; e o segundo que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).

No que concerne à oposição à execução, o art.º 732.º, n.º 6, do CPC[3] dispõe que “Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

No que respeita à eficácia do caso julgado material, temos vindo a entender[4], na sequência da melhor doutrina[5] e jurisprudência[6], que há que distinguir duas vertentes:

«a) – uma função negativa, reconduzida à excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura; 

b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.

Quanto à função negativa ou excepção de caso julgado, é unânime o entendimento de que, para tanto, têm de se verificar a tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causas de pedir.

Já quanto à autoridade de caso julgado, existem divergências. Para alguns, entre os quais Alberto dos Reis, a função negativa (excepção de caso julgado) e a função positiva (autoridade de caso julgado) são duas faces da mesma moeda, estando uma e outra sujeitas àquela tríplice identidade[7]. Segundo outra linha de entendimento, incluindo a maioria da jurisprudência, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado[8].

Todavia, quanto à identidade objectiva, segundo Castro Mendes[9]:

“(…) se não é preciso entre os dois processos identidade de objecto (pois justamente se pressupõe que a questão que foi num thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), é preciso que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos”.        

 Para aquele Autor, constitui problema delicado a “relevância do caso julgado em processo civil posterior, quando nesse processo a questão sobre a qual o caso julgado se formou desempenha a função de questão fundamental ou mesmo de questão secundária ou instrumental, não de thema decidendum.”[10]

Apesar disso, considera[11] que:

“Base jurídica para afirmarmos que, havendo caso julgado e levantando-se num processo civil seguinte inter easdem personas a questão sobre a qual este recaiu, mas levantando-se como questão fundamental ou instrumental e não como thema decidendum (não sendo, pois, de usar a excepção de caso julgado), o juiz do processo novo está vinculado à decisão anterior, é apenas o artigo 671.º n.º 1[12], na medida em que fala de força obrigatória fora do processo, sem restrição, e ainda a ponderação das consequências a que essa falta de vinculação conduziria.”

E observa[13] que:

“O respeito pelo caso julgado posto em causa num processo posterior, não como questão central, mas como questão fundamental, ou instrumental, representa uma conquista da ciência processual que vem já dos tempos de Roma. Não nos parece estar em causa no direito português. Só nos parece inconveniente que o seu fundamento seja apenas o vago e genérico art.º 671.º n.º 1[14].

A vinculação do juiz ao caso julgado quando a questão respectiva seja levantada como fundamental ou instrumental baseia-se, evidentemente, na função positiva do caso julgado. ….”[15]

Também Lebre de Freitas e outros[16] consideram que:

“(…) a autoridade do caso julgado tem (…) o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.”      

“Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa”[17]

Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, tem-se entendido,…, que “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”[18]

Nas palavras de Teixeira de Sousa ali citado[19]:

“Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”».

Dito isto, vejamos o caso dos autos.

Na decisão da 1.ª instância, foi decidido julgar “extinta a instância de embargos de executado, pela excepção dilatória de caso julgado”, por se ter entendido que se verificava a tríplice identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir.

Já no acórdão recorrido foi entendido que inexistia identidade de causas de pedir e de pedidos, o que impedia a verificação da excepção de caso julgado, pelo que foi revogada aquela decisão determinando-se o prosseguimento dos autos. Isto, como consta da respectiva fundamentação, sem prejuízo da futura aplicação da autoridade de caso julgado às “questões já decididas e transitadas em julgado”.

No recurso, embora sustentando que há identidade de pedidos e de causas de pedir, a recorrente pugnar pela autoridade de caso julgado da decisão proferida no apenso A, o que nos situa na eficácia dessa decisão, na sua vertente positiva, e não na vertente negativa, como foi decidido na 1.ª instância, cuja decisão pretende ver repristinada, mas com  outros fundamentos inerentes àquela função positiva.

Porém, sem razão.

Como bem se escreveu no acórdão recorrido, “as causas de pedir e os pedidos diferem”, acrescentando, justificadamente, que “Não se pode olvidar que encontrando-nos nós perante execuções em que se pretende o pagamento coercivo de rendas, encargos e/ou outras despesas que devam correr por conta do arrendatário, o título executivo é complexo, integrando, quer o contrato de arrendamento quer o comprovativo de comunicação ao arrendatário dos montantes em dívida (art.º 14.º-A do NRAU).

A ser assim, como é, deparamo-nos no seio das duas execuções – a inicial e a que a exequente veio posteriormente cumular a essa, nos termos do art.º 709.º do CPC – em que nos deparamos com títulos executivos distintos, em que a respectiva base se encontra o mesmo contrato de arrendamento, mas em que o montante da dívida e a raiz da mesma, comunicada à executada, são diferentes.

Desta forma, sendo os títulos diferentes, poderia até a defesa ser idêntica (como em parte foi), mas nunca se verificaria uma situação de caso julgado, pois que quer a causa de pedir, quer o pedido são distintos nas duas acções”.

Concordamos com esta apreciação.

Na verdade, confrontando os fundamentos de ambas as oposições e os pedidos nelas deduzidos, facilmente se conclui que são distintos.

Não podemos olvidar que os embargos de executado constituem uma verdadeira acção declarativa enxertada no processo executivo, visando contrariar os efeitos que o exequente procura extrair da apresentação do título executivo, no caso, aqueles que foram apresentados em cada uma das execuções cumuladas.

E nas execuções, cuja cumulação foi admitida, foram apresentados títulos executivos complexos, constituídos pelo contrato de arrendamento e por documentos comprovativos da comunicação ao arrendatário dos montantes alegadamente em dívida que são também diversos – na inicial, no total de 27.750,14 € [resultante da soma das rendas vencidas e não pagas de Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013 (no valor de 18.360,00), da correspondente indemnização (de 9180,0 €) e dos juros vencidos (189,14 €)]; e, na cumulada, no valor total de 305.047,10 €, correspondente às rendas vencidas e não pagas desde Fevereiro de 2013 até Agosto de 2014  (no valor de 178.121,40 €, à indemnização de 89.060,57 € e às despesas comuns no valor de 37.865,00 €.

A oposição que constitui o apenso A visou contrariar os efeitos que a exequente procura extrair do requerimento executivo inicial, enquanto os presentes embargos (que constituem o apenso D) visam contrariar os efeitos que a mesma exequente pretende extrair da apresentação da execução cumulada.

Trata-se de obrigações exequendas complexas diversas, ainda que tenham em comum o contrato de arrendamento, assim como diversos são os fundamentos das oposições deduzidas, muito embora apresentem algumas matérias coincidentes.

Não havendo identidade de causas de pedir e de pedidos, é óbvio que não se verifica a função negativa do caso julgado, pelo que a excepção dilatória declarada pela 1.ª instância não podia ser confirmada, como não foi, pelo Tribunal da Relação, como se disse e admite a recorrente.

Mas também não podia, nem devia, reconhecer a autoridade do caso julgado, desde logo, porque não foi objecto do recurso de apelação.

Muito menos, podemos nós fazê-lo em sede de revista, não só porque os recursos visam reapreciar questões já decididas pelo tribunal recorrido e não proferir decisões sobre matéria nova, como acabaria por ser, visto que vem suscitada a vertente positiva, designada por autoridade do caso julgado, que ainda não foi apreciada pelo Tribunal da Relação (nem pela 1.ª instância), mas também porque não funciona aqui o regime da substituição (cfr. art.ºs 665.º e 679.º, ambos do CPC).

Não existe, assim, a pretensa violação de caso julgado, na vertente da sua função negativa, única decidida.

Improcedem, ou são irrelevantes, as conclusões recursivas da recorrente.


Sumário:

1. A função negativa do caso julgado reconduz-se à excepção dilatória do caso julgado e pressupõe a verificação da tríplice identidade estabelecida no art.º 581.º do CPC.

2. A função positiva do caso julgado, designada por autoridade do caso julgado, tem a ver com a existência de prejudicialidade entre objectos processuais, tendo como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, como se depreende dos art.ºs 619.º e 621.º, ambos do CPC.

3. Não se verifica a excepção de caso julgado quando existe cumulação de execuções, nos termos do art.º 709.º do CPC, ainda que baseadas no mesmo contrato de arrendamento, mas em que o montante da dívida e a raiz da mesma, comunicada à executada, são diferentes e os fundamentos invocados nas oposições não são coincidentes.


III. Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


*

Custas pela recorrente.


*

Lisboa, 9 de Março de 2021


Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que não podem assinar.


Fernando Augusto Samões (Relator que assina digitalmente)

Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)

António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)

_______

[1] Do Tribunal Judicial da Comarca....... – Juízo de Execução .... – Juiz ..
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Na redacção dada pelo DL n.º 117/2019, de 13 de Setembro, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2020, sendo que esse normativo constava antes do n.º 5 do mesmo preceito.
[4] Cfr., nomeadamente, os acórdãos de 9/4/2019, processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1, de 4 de Julho de 2019, processo n.º 252/14.9T8GRD-G.C1.S1, de 24/10/2019, processo n.º 5629/17.5T8GMR.G1.S2 e de 12 de Janeiro de 2021, processo n.º 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, estes dois últimos disponíveis em www.dgsi.pt, onde seguimos e reproduzimos parte dos que serão citados na nota 5.
[5]  Vide, entre outros, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, págs. 38-39; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 572; Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2008, p. 354 e na mesma obra, 2.º volume, Almedina, 3.ª edição, 2017, págs. 599 e 600.
[6] Cfr., nomeadamente, além dos nossos já citados, os acórdãos do STJ de 30/3/2017, proferido no processo n.º 1375/06.3TBSTR.E1.S1, e o de 28/3/2019, no processo n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1, ambos relatados pelo Conselheiro Tomé Gomes, disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] In Código de Processo Civil anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1981, págs. 92-93.
[8] Vide, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ: de 13/12/2007, relatado pelo Juiz Cons. Nuno Cameira no processo n.º 07A3739; de 06/3/2008, relatado pelo Juiz Cons. Oliveira Rocha, no processo n.º 08B402; de 23/11/2011, relatado pelo Juiz Cons. Pereira da Silva no processo n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, acessíveis na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj –; o acórdão do STJ de 21/3/2013, processo n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1, disponível naquele sítio e o acórdão de 22 de Outubro de 2013, por mim relatado, proferido no processo n.º 272/12.8TBMGD.P1, disponível no mesmo sítio da internet e publicado na CJ, ano XXXVIII, tomo IV, págs. 199-202 e, ainda, os indicados na nota de rodapé n.º 3.
[9] In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, págs. 43-44.
[10] Ob. cit. pág. 50.
[11] Ob. cit. pág. 51.
[12] A que corresponde o actual art.º 619.º, n.º 1, de igual teor, sem alterações, a não ser de remissão.
[13] Ob. cit. pág. 52.
[14] Do anterior Código, a que corresponde, como se disse, o art.º 619.º, n.º 1, do actual.
[15] Com a Revisão do CPC de 95/96, o caso julgado deixou de figurar como excepção peremptória, sendo incluído no elenco das excepções dilatórias.
[16] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, p. 354, e na mesma obra, 2.º volume, 3.ª edição, pág. 599.
[17] Citado acórdão deste Tribunal de 28/3/2019.
[18] No sentido exposto, vide, a título de exemplo, o acórdão do STJ, de 20/06/2012, relatado pelo Juiz Cons. Sampaio Gomes, no processo 241/07.0TLSB.L1.S1, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[19]  In Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579.