I - Num acordo de utilização de quarto de uma habitação, contra o pagamento de uma renda mensal, não celebrado por escrito em Abril de 2014, por força da alteração legal do CC de 2019, deve entender-se que o mesmo não é nulo, por falta de forma, podendo ser demonstrado por outras vias, nomeadamente em juízo, já que foi a arrendatária que recusou a sua redução a escrito já depois da sua celebração, apesar de instada a isso pelo senhorio.
II - Considerando que contrato dos autos tinha assim já uma duração que se iniciara em abril de 2014 na falta de estipulação especial tem-se por celebrado por dois anos, renováveis.
III - A não renovação, por oposição do senhorio, em Agosto de 2017, quando o contrato e não atingira ainda os 6 anos, teria de ser feita com antecedência mínima de 120 dias face ao termo da renovação, o que aconteceu, tendo sido dado cumprimento ao prazo do pré-aviso, pelo que o contrato cessou em Março de 2018.
I - RELATÓRIO
1. O Autor - AA - instaurou (24/11/2018) acção declarativa com forma de processo comum, contra a Ré - BB.
Alegou, em resumo:
O Autor é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio sito na Rua ....................., nº .., em ...........
Em Abril de 2014, o Autor cedeu à Ré o quarto que se encontra a poente na referida fracção, contra o pagamento mensal da quantia de € 150,00 até Agosto de 2014 e de € 180,00 nos meses subsequentes.
Sucede que a Ré nunca procedeu ao pagamento do valor de € 180,00 acordado a partir de Setembro de 2014, tendo pago sempre o valor de € 150,00 e, apesar das várias interpelações para pagamento do valor acordado, foi-se mantendo no quarto.
A Ré foi informada de que deveria abandonar o quarto no dia 30 de Setembro de 2017.
Em 17 de Outubro, através de mandatária, o Autor convidou a Ré a formalizar um contrato de arrendamento, comunicando a sua intenção de não o renovar no ano subsequente, o que fez através de comunicação escrita, concedendo um prazo de 165 dias para a entrega do locado, dando à Ré o prazo final até 31 de Março de 2018 para desocupar o quarto.
Em resposta, a Ré solicitou a redução a escrito do contrato, com início a 1 de Novembro de 2017 até 31 de Outubro de 2022, prazo que não é, nem nunca foi do interesse do Autor.
A Ré tem o quarto cheio de tralhas, plantas, sendo no quarto que cozinha e come, deixando os utensílios e restos, o que faz com que do quarto emane um cheiro nauseabundo que deixa indisposto os mais habitantes da casa, motivos pelos quais o Autor recebe repetidas queixas das arrendatárias.
Acresce que, em Janeiro de 2018, sem qualquer motivo justificativo, a Ré comunicou que passara a fazer os pagamentos da renda por consignação em depósito, na Caixa Geral de Depósitos, o que desde então tem vindo a suceder.
Concluiu, dizendo que o contrato verbal é nulo, por vício de forma, sendo ilícita a ocupação da Ré.
Pediu a condenação da Ré:
a) A reconhecer o seu direito de propriedade sobre a fracção identificada no artigo 5º da petição inicial;
b) A desocupar o quarto identificado no artigo 6º da mesma peça processual, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens ao autor;
c) A pagar o valor de € 3.180,00, acrescidos de € 180,00 mensais até à efectiva desocupação do imóvel.
A Ré contestou, defendendo-se, em síntese:
O valor acordado pela renda foi de € 150,00 por mês, e não outro.
O Autor recusou a celebração de um contrato de arrendamento por cinco anos.
Sempre foi muito cuidadosa e atenciosa com a habitação, com os seus pertences e com as divisões todas da casa, limpando sempre os espaços comuns, bem como o seu quarto, cozinhando sempre na cozinha e de modo cauteloso,
não causando qualquer tipo de odor quer no quarto, quer na restante habitação.
2. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença (fls. 157 e segs.) que, na parcial procedência da acção, condenou a Ré:
a) A reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre a fracção identificada no artigo 5º da Petição Inicial;
b) A desocupar o quarto identificado no artigo 6º da Petição Inicial, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens ao seu legítimo proprietário, o Autor;
c) A pagar o valor global de € 3.180,00 (três mil cento e oitenta euros), acrescidos de € 180,00 (acrescidos de cento e oitenta euros) mensais até à efectiva desocupação do imóvel;
d) Absolver do demais peticionado;
e) Condenar Autor e Ré nas custas, na proporção do decaimento.
3. Inconformada, a Ré recorreu de apelação (fls. 190 e segs.), recurso que foi conhecido pelo TR de ...... e que decidiu:
“Julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando em parte a sentença, condenar a Ré a pagar ao Autor a indemnização pela ocupação do quarto referido em 2 dos factos provados, no valor de € 150,00 por mês desde 1 de Abril de 2018 e até à efectiva entrega, levando-se em conta as importâncias depositadas, confirmando-se o demais decidido.”
4. Não se conformando com o decidido vem a R. apresentar recurso de revista, na qual formula as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O presente recurso, que é de revista, merece acolhimento por versar decisão prolatada pelo Tribunal da Relação de ....., que, conhecendo do mérito da causa, incorreu em violação de lei substantiva, mas com fundamentação essencialmente diferente da primeira instância.
2. O Venerando Tribunal da Relação de ......, classificou “ex novo” o contrato dos autos como contrato de arrendamento urbano, destinado à habitação própria da recorrente, no que se aceite, incluindo o critério jurídico da decisão.
3. Para esta classificação ou nomem iuris, o Venerando Tribunal da Relação de ......, aplicou o artigo 1069º, n.º do Código Civil, na redação da Lei n.º 13/2019, de 12.02. que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, bem como aplicou o artigo 14º, nº2, norma transitória, e o artigo 12º, n,º 2 do Cód. Civil, expressamente afirmado:
- Esta regra aplica-se aos arrendamentos já existentes, por força da norma de direito transitório (art.º 14º, n.º 2), significando que o art.º 1069º, n.º 2 do CC é aplicável às próprias relações de arrendamento já constituídas, que subsistem à data da sua entrada em vigor (…)” – fls 21, frente, último paragr. do douto aresto recorrido (negrito nosso).
4. Por força desta aplicabilidade, o demais decidido está ferido de contradição insanável e de violação de lei
5. Assim, a ratio recursiva compreende o segmento decisório que fixou um prazo ao contrato que classificou de arrendamento urbano, que considerou em vigor a 13.02.2019, mas que fez cessar na data de 31.03.2018. Concretizando (fls 21, verso, e 22) diz o tribunal recorrido
- “… Não ter sido alegado qual o prazo verbalmente acordado pelas partes, e, por isso, tem aplicação o regime supletivo do art.º 1094º n.º 3 do CC (redação da Lei n.º 31/2012 de 14/08, vigente à data da celebração, - “No silêncio das partes o contrato considera-se celebrado pelo período de 2 anos”
Este prazo renovou-se automaticamente por período de igual duração, desde que o senhorio não se tenha oposto à renovação, cuja comunicação é de 120 dias (art.º 1096º, nº 1 e 3, 1097 n.º 1 b) CC).
Assim, iniciando-se o contrato a 1 de Abril de 2014, e sendo o prazo de 2 anos, renovou-se automaticamente.
Porém, comprova-se que em 17/10/2017 o Autor comunicou a não renovação a partir de 31/3/2018, pelo que o contrato de arrendamento se extinguiu. Ora, uma vez extinto o contrato, a Ré deixou de ter título válido para ocupar o imóvel, estando provado que em Março e Abril de 2018 o Autor reiterou o pedido de desocupação, mas que a Ré ignorou.”
6. No que se dá por violado o disposto no artigo 1097º, n.º 1, do Código Civil e artigo 9º, n.º 1 do NRAU
7. Pois que não existe comunicação a manifestar a oposição à renovação do contrato entre senhorio e inquilina, realizada por carta registada com aviso de receção, e não há uma comunicação em que, de forma inequívoca e certa, seja manifestada a vontade e o prazo, também certo e inequívoco, da cessação do contrato de arrendamento, por iniciativa do senhorio, recorrido -neste sentido, AcSTJ, de19.10.2017, processon.º83/16.1YLPRT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt; Laurinda Gemas/Albertina Pedroso/João Caldeira Jorge, Arrendamento Urbano – Novo Regime Anotado e Legislação Complementar, 3ª ed., Lisboa, Quid Juris, 2009, págs 459/460; Ac. TRG, 31.01.2019, proc. n.º 103/18.5T8AMR.G1
8. Mas, também, impetra-se a violação do art.1094º, nº3, com a redação da Lei 43/2017, de 14-06, e dos artigos 12º, n.º2 e 297º,nº2, todos do CC, na consideração de o contrato de arrendamento ter sido celebrado pelo prazo certo de dois anos, “no silêncio das partes”.
9. Esta norma está para as circunstâncias em que, senhorio e arrendatário, observando o regime legal do arrendamento urbano, não fixam um prazo ao contrato por um ato de vontade ou, pelo menos, com boa-fé contratual, no sentido de ambos reconhecerem a existência de um contrato de arrendamento,oqueosenhoriorecorridorefutou.Estaconsideraçãoimpõe-se pelo princípio da proporcionalidade, previsto no art.º 2º da CRP, pelo princípio da boa fé, na dimensão do art.º 334º do Código Civil e pela tutela à habitação.
10. A coerência intrínseca da decisão, a unidade e articulação do sistema jurídico, a equidade e proporcionalidade, determina que seja aplicado o regime do art.º 1094º, n.º 3 do Cód Civil, na redação em vigor à data de entrada em vigor da Lei 13/2019, de 12.2. (data em o Tribunal a quo considerou subsistir a relação de arrendamento em causa), ou seja, “no silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos” – ex vi art.º 1094º, n.º 3, na redação da Lei 43/2017, de 14.06
11. Donde, todos os direitos e vicissitudes contratuais atendíveis para a sorte do processo, teriam de se ter verificado após 13.02.2019 (art.º 16, da Lei 13/2019), o que não é o caso – se se diz que o contrato de arrendamento subsistia em 2019, não pode, de seguida, dizer-se que existia a 13-02-2019 mas cessou a 31/03/2018 (???)
12. Ante o exposto, e o mais mui doutamente suprido, rege a matéria o artigo 297º, n.º 2 do Código Civil -neste sentido, entre outros, Ac.STJ de 31-05-2005, proc 03B2372.
13. Mandando aplicar a lei que fixar um prazo mais longo aos prazos que já estejam em curso, computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial. Assim,
01/04/2014 – Início do contrato de arrendamento; prazo: dois anos (Lei 31/2012, de 14-08);
01/04/2016 – Renovação automática do contrato de arrendamento;
15/06/2017 – Entrada em vigor da Lei 43/2017, de 14-06, a partir da qual se aplica o prazo de cinco anos ao contrato de arrendamento para habitação;
15/06/2017 – O prazo da renovação do contrato de arrendamento atinge um ano, dois meses e quinze dias;
15/06/2017 – O contrato de arrendamento renova-se até 30/03/2021.
14. Destarte, o contrato de arrendamento urbano para habitação da recorrente tem de ser declarado válido e em vigor, revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida.
15. Só assim se decidindo, se elimina da ordem jurídica uma decisão que, ressalvado o devido respeito, viola o disposto no artigo 1097º, n.º 1, do Cód Civil, art.º 9º, n.º 1 do NRAU, no artigo 1094º, n.º 3, com a redação da lei n.º 43/2017, de 14.06, no art.º 297º, n.º 2, no art.º 12., n.º 2, todos do CC, bem como o art.º 2º da CRP e o art.º 334º do Código Civil.
Sem prejuízo,
16. O tribunal a quo, sempre ressalvado o devido respeito, que muito é, violou também os arts. 262º, 268º, 363º, 364º, 236º, 342º e 1157º todos do CC, o art. 1º, nº6, alínea a) da Lei nº49/2004, de 24 de Agosto, e arts. 66º e 67º Estatuto da Ordem dos Advogados, ao considerar que a Dra. CC tinha legitimidade para fazer cessar o contrato de arrendamento ou para proceder a actos de preparação dessa cessação, através de missiva enviada à recorrente/arrendatária a 17/10/2017:
a) Não se vislumbra em todo o processo a junção de procuração, inclusive de procuração forense, que muna a Dra. CC de poderes para intervir.
b) Será um acto próprio de advogada a prática de actos preparatórios tendentes à extinção de negócio jurídico, neste caso um contrato de arrendamento, e à própria extinção de negócio jurídico (art.1º, nº6, alínea a) da Lei 49/2004, de 24-08),
c) Mas é necessário, tanto para esta intervenção de actos preparatórios, como para a extinção de negócios jurídicos, como para a intervenção em tribunal, a advogada deter procuração nesse sentido específico (in Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-03-2014, Proc. 1196/10.9TBALR-A.E1) ou ter assinado com o cliente um contrato de mandato com esse conteúdo e extensão, o que não aconteceu.
d) Permite a lei que o representado, interessado no negócio, o ratifique ainda que celebrado por outrem em seu nome (art. 268º, nº1).
e) O recorrido não ratificou a comunicação realizada pela Dra. CC, se o fez não o fez quando devia para atingir os efeitos que vem dizer pretender, nem pela forma correta – ex vi art.ºs 268º, n.º 2 e 262º, n.º 2, do CC e, outrossim, arts.363º e 364º do CC.
17. Ainda que não se observasse este ajuizado, teria sempre o tribunal a quo de considerar ineficaz a declaração da missiva em causa, pois a “intenção de não proceder à renovação do contrato de arrendamento em vigor” não coincide com a efetiva oposição à renovação do contrato de arrendamento.
18. Ter intenção de fazer algo não equivale a fazer efetivamente e nada consta do teor da comunicação que aponte que o autor estava a comunicar à recorrente que denunciava efetivamente o contrato – vd. cartas juntas à PI como doc.s n.ºs 3 e 4; na carta junta como Doc. n.º 4, datada de 06.11.2017, consta “… solicito que abandone o locado até ao próximo dia 30 de novembro” (!!??) -neste sentido, vd., ainda AcTRC, de 12.03.2019, proc 1047/15.8T8LMG.C1, acessível em www.dgsi.pt.
19. Também da factualidade definitivamente assente pelas instâncias em 9., 11., 12., 13. e 17., não resulta a comunicação certa e inequívoca da data cessação do contrato, por oposição à renovação.
20. Não pode manter-se, pois, a extinção do contrato de arrendamento, a 31-03-2018, antes substituindo o entendimento tirado pelo Tribunal a quo por outro que considere que o contrato de arrendamento não foi feito cessar pelo recorrido/senhorio, mantendo-se este válido e eficaz inter partes.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto aresto do Tribunal da Relação de ...... ser revogado e substituído por outro que considere existir um contrato de arrendamento urbano válido e eficaz, que confere o direito de habitação à recorrente, sobre o quarto referido em2 dos factos provados e, por via disso, considere improcedente, por não provada, a ação, absolvendo a ré, recorrente, do dever de desocupação e do pagamento de qualquer quantia a titulo de indemnização, assim se fazendo a boa e costumada justiça.
Provido o recurso, como é do Direito e de Lei, assim se reporá a costumada JUSTIÇA!”
Houve contra-alegações nas quais se questionou a admissibilidade da revista, atento o obstáculo “dupla conforme”.
Nas conclusões disse (transcrição):
“A - A Recorrente não obteve provimento em 1.ª instância.
B - Sem voto de vencido, o Acórdão do Tribunal da Relação confirmou a sentença proferida em 1.ª instância.
C - Sem fundamentação essencialmente diferente.
D Analisadas as decisões, de 1.ª e 2.ª instância, resulta claro que a divergência reside no facto de a 1.ª instância considerar o contrato nulo por falta de forma, e a 2.ª instância considerar o contrato válido mas extinto por via da oposição à renovação comunicada pelo senhorio/Autor/Recorrido.
E - A discordância reside apenas na razão da ilegitimidade da ocupação do quarto pela Ré; sendo as decisões convergentes quanto à ilegitimidade em si.
F - Consideramos por isso que o recurso é inadmissível, devendo, por tal, ser rejeitado liminarmente, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 671.º do Código de Processo Civil (doravante CPC).
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá, em sede de ALEGAÇÕES DE RECURSO o seguinte:
G - Não foi violado o disposto no artigo 1097º, n.º 1, do Cód. Civil, artigo 9º, n.º 1 do NRAU
H - Considere-se ou não o contrato válido, a oposição à renovação é inequívoca e produz efeitos, porquanto – fosse-lhe ou não aplicável – cumpriu todos os requisitos legais.
I - Houve uma primeira comunicação enviada a 17 de outubro de 2017 – doc. 3 da PI; reenviada a 6 de novembro de 2017 – doc. n.º 4 da PI; e confirmada em 27 de março – doc. 6 da PI.
J - A R./Recorrente sempre respondeu às comunicações, o que demonstra o perfeito conhecimento da comunicação que recebeu, facto que também se depreende da contestação apresentada (pontos 18. e 22.)
K Não foi violado o artigo 1094.º, n.º 3, com a redação da Lei 43/2017, de 14-06, nem tão pouco os artigos 12.º, n.º 2 e 297.º,n.º 2, todos do CC.
L- Entendemos não ser aplicável o artigo 1094.º, n.º 3 do CC, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 43/2017 de 14 de junho, porquanto a lei só dispõe para o futuro, conforme dispõe o artigo 12.º, n.º 1 do CC.
Ainda que assim não se entenda, caso se entenda existir contrato de arrendamento, sempre se dirá que:
M -O prazo supletivo aplicável, no silêncio das partes, aos contratos de arrendamento celebrados antes de 14 de Junho de 2017 é de dois – e não de cinco – anos, pelo que renovar-se-ia em Abril de 2018, o que veio a ser impedido pela oposição à renovação – comprovadamente – comunicada à contraparte.
N - Ainda que assim não se entenda, sempre se deveria considerar que a contagem do prazo de cinco anos se iniciou em abril de 2014, nunca a 1/11/2017, nem a 1/04/2016 – facto provado 2.
O - Seguindo-se este entendimento, e iniciando-se a contagem do prazo em 1 de abril de 2014, o seu términus aconteceu em Abril de 2019.
P- Ora, mesmo que se considere aplicável o artigo 1094.º, n.º 3 do CC com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 43/2017 de 14 de junho, também o fim da relação contratual já se verificou, devendo tal ser reconhecido pelo Tribunal por lhe ter sido peticionado pelo A.
Q - Ora, mesmo que se considere que o prazo de renovação ocorreria em abril de 2019, poderá o Tribunal condenar nos termos peticionados, ao abrigo do disposto no artigo 691.º do CPC.
R - Não foram violados os artigos 1.º, n.º 6, al. a), da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, 66.º e 67.º do EOA (Estatuto da Ordem dos Advogados), 262.º, 1057.º, 268.º, n.º 2 e 236.º do Código Civil.
S - Poderia a R. escusar-se a responder – à data - às comunicações da Mandatária ou ter exigido a prova dos poderes da mesma, mas não o fez!
T - Ao invés, respondeu à comunicação recebida, mais uma vez se verificando um venire contra factum proprio.
U - Na verdade, a Ré/Recorrente respondeu e comunicou com as Mandatárias cujos poderes vem agora pôr em causa, o que só se poderá dever à falta de argumentação jurídica.
V - No que à falta de mandato forense/judicial concerne, sempre se dirá que a Mandatária juntou aos autos procuração a ratificar todo o processado anteriormente; motivo pelo qual não se vislumbra qual a utilidade da (re)utilização deste argumento.
W - Quanto à requerido efeito suspensivo do presente recurso, peticionado pela R./Recorrente, refira-se que:
X O A./Recorrido encontra-se a aguardar que a R./Recorrente abandone o quarto desde 31 de Março de 2018.
Y Desde então, devido unicamente às condutas da R., têm sido vários os inquilinos que têm abandonado o imóvel,
Z O que acarreta graves consequências na rentabilização do mesmo.
AA Ora, por tal, e ao abrigo do disposto no artigo 676.º, n.º 2 CPC requer-se a V.
Exas que se dignem a ordenar a prestação de caução em valor nunca inferior a €2.500,00, para acautelar todos os prejuízos que da demora na apreciação desta questão surgiram e surgirão.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O RECURSO IMPROCEDER POR NÃO PROVADO, MANTENDO-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL RECORRIDO; E, AINDA, DEVE SER ORDENADA A PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO, EM VALOR NÃO INFERIOR A €2.500,00, ASSIM SE REITERANDO A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
A revista veio a ser admitida pelo Exmo Senhor Desembargador Relator, por entender que a dupla conforme não operaria, in casu – “Parece não ocorrer a dupla conforme, pelas razões alegadas no requerimento de interposição, pois a fundamentação revela-se essencialmente diferente, nomeadamente quanto ao problema da natureza da falta de título para a ocupação.”
Dispensados os vistos, cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
5. De facto
5.1. Vieram provados das instâncias os seguintes factos (com alterações introduzidas pelo TR.., assinaladas a negrito):
1. A fracção autónoma designada pela letra “D” do prédio sito na Rua ....................., nº .., em ......, inscrito na matriz sob o artigo .... da freguesia de .................. está descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de ...... sob o número ... e aí inscrita a favor do autor através da Ap. .... de 16.10.2017.
2. Em Abril de 2014, o Autor cedeu à Ré o quarto que se encontra a poente na referida fracção, local onde a Ré habita desde aquela data.
3. Contra o pagamento mensal de € 150,00.
4. Esta cedência foi feita verbalmente, por intermédio de DD, que reside em ...... e gere todas as necessidades de quem habita nos quartos do imóvel do Autor.
5. O que faz, desde há vários anos, com periodicidade anual, normalmente a estudantes universitários, mestrandos e doutorandos.
6. À ré, tal como a todos os outros ocupantes, era reconhecido o acesso ao quarto cedido, bem como às partes comuns da fracção.
7.A ré nunca procedeu ao pagamento do valor de € 180,00 a partir de Setembro de 2014, tendo pago sempre o valor acordado de € 150,00.
8. A Ré manteve-se no quarto.
9. Em 3 de Agosto de 2017, a responsável pelo imóvel, DD, contactou a Ré, informando-a que teria que abandonar o quarto no dia 30 de Setembro de 2017.
10. (passou a não provado)
11. Em 17 de Outubro de 2017, através de mandatária, o Autor convidou a Ré a formalizar um contrato de arrendamento, comunicando a sua intenção de não o renovar no ano subsequente, o que fez através de comunicação escrita.
12. Concedendo um prazo de 165 dias para a entrega do locado, dando à Ré o prazo final de 31 de Março de 2018 para desocupar o quarto.
13. A 6 de Novembro de 2017, o Autor remete nova comunicação à Ré, reiterando a sua intenção.
14. A Ré, em resposta, solicitou a redução a escrito do contrato, com início a 1 de Novembro de 2017 até 31 de Outubro de 2022.
15. Prazo que não é, nem nunca foi do interesse do Autor, como a Ré sabe.
16.O Autor pretende a desocupação do quarto cedido.
17. Nos meses de Março e Abril de 2018, o Autor reiterou o pedido de desocupação do quarto.
18. Pedidos que a Ré ignorou, alegando que a proposta não correspondia às suas expectativas.
19.A Ré tem o quarto cheio de tralhas e plantas.
20. Do quarto da Ré emana, por vezes, um cheiro nauseabundo.
21. Motivo pelo qual o Autor recebe repetidas queixas das arrendatárias.
22. Em Janeiro de 2018, a Ré comunicou que passara a fazer os pagamentos das rendas por consignação em depósito, na Caixa Geral de Depósitos, o que, desde então, tem vindo a suceder.
23. No dito mês de Janeiro, e por várias vezes, o Autor comunicou à Ré a conta bancária para onde deveriam ser feitos os pagamentos mensais, sem que a Ré o tenha cumprido.
24. Estando o Autor sem auferir qualquer montante desde então.
25. A Ré aufere uma bolsa correspondente ao pagamento da Associação Recriar Caminhos, enquadrado no Protocolo entre a RC e o IEFP, no montante mensal de € 435,76.
26. A Ré sempre limpou os espaços comuns da fracção do Autor e sempre cozinhou na cozinha.
27. A Ré permitiu vistorias ao locado por parte do Autor.
5.2. Não vieram provados os seguintes factos (com alterações introduzidas pelo TR.., assinaladas a negrito):
1. É no quarto que a Ré cozinha e come, deixando lá os utensílios e restos;
2. O facto referido em 21 dos factos provados faz com que o Autor tenha que se deslocar a ...... por diversas vezes;
3. Nunca foi exigido à ré nenhum outro valor para além dos € 150,00;
4. O Autor tem conhecimento que a ré sempre teve empregos precários;
5. A Ré aufere apenas o montante referido no artigo 25º dos factos provados;
6. Até finais de 2017 nunca existiu entre o Autor e a Ré qualquer desentendimento ou atrito;
7. O Autor fez uma diferenciação entre a Ré e as suas colegas de habitação, mostrando e tendo atitudes completamente discriminatórias;
8. A Ré sempre foi muito cuidadosa e atenciosa com a habitação, com os seus pertences e com as divisões todas da casa;
9. A Ré sempre limpou o seu quarto;
10. As plantas que a Ré tem no quarto são plantas de interior e apropriadas ao espaço em questão;
11. Quando se apercebeu do ambiente hostil criado pelo autor, a ré começou a sentir insegurança e receio que a sua estadia fosse colocada em causa, receando inclusive que as rendas pagas em numerário não fossem consideradas;
12. Os recibos das rendas só eram entregues pelo autor no final do ano, todos em simultâneo;
13. A ré começou a sentir-se receosa e incomodada com esta situação;
14. Sentimento de insegurança que aumentou quando a ré percebeu que o autor havia alterado no portal das finanças a natureza do seu contrato.
3. Contra o pagamento mensal de € 150,00 até Agosto de 2014 e de € 180,00 nos meses subsequentes;
7. tivesse sido acordado o valor de € 180,00 a partir de Setembro de 2014
8. E, apesar das várias interpelações para pagamento do valor acordado de e 180,00
10. Facto que veio igualmente a ser comunicado pelo Autor.
De Direito
6. As questões suscitadas no recurso, aferidas pelas conclusões da revista, prendem-se com a validade do contrato, seu prazo e sua cessação.
7. Questão prévia – admissibilidade do recurso
A decisão do TR confirma, em parte, o teor da sentença, mantendo a condenação da Ré, mas em montantes inferiores aos que estavam previstos pela 1ª instância.
Na comparação entre a fundamentação das decisões – de confirmação da condenação, ainda que com redução do valor – salientaram-se as seguintes diferenças apontadas pelo próprio TR..:
Quanto ao título jurídico para ocupação do quarto e seu valor
“contrariamente ao afirmado na sentença, o contrato de arrendamento não é formalmente nulo, tendo em conta o nº2 do art.1069 CC, pois o contrato foi provado por outros meios, designadamente pelos recibos emitidos pelo Autor.”
Quanto ao prazo do contrato e sua cessação
“Verifica-se, porém, não ter sido alegado qual o prazo verbalmente acordado pelas partes, e, por isso, tem aplicação o regime supletivo do art.1094 nº3 CC (redacção da Lei nº 31/2012, de 14/8 ), vigente à data da celebração, – “No silêncio das partes o contrato considera-se celebrado pelo período de 2 anos”
Este prazo renovou-se automaticamente por períodos de igual duração, desde que o senhorio não se tenha oposto à renovação, cuja comunicação é de 120 dias (arts.1096 nº1 e 3, 1097 nº1 b) CC).”
(…)
“…. em 17/10/2017 o Autor comunicou a não renovação a partir de 31/3/2018, pelo que o contrato de arrendamento se extinguiu. Ora, uma vez extinto o contrato, a Ré deixou de ter título válido para ocupar o imóvel, estando provado que em Março e Abril de 2018 o Autor reiterou o pedido de desocupação, mas que a Ré ignorou.”
(...)
“Uma vez terminado o contrato de arrendamento, a Ré deixou de ter título válido para ocupar o quarto, e, por conseguinte, a ocupação passou a ser ilícita, por violar o direito de propriedade do Autor.”
Consequências da cessação do contrato
“(…) Na situação em que o locatário não restitui o locado após terminar o contrato, a lei estabelece, no art.1045 CC, o critério específico da indemnização, devendo pagar até ao momento da restituição a renda que haja sido estipulada.”
“O que significa que tendo-se provado que o valor acordado da renda foi de € 150,00 por mês ( e não € 180,00), a indemnização será calculada através desse valor, ou seja, à razão de € 150,00 por mês desde 1 de Abril de 2018 até à efectiva entrega. Mas porque a Ré consignou em depósito o valor da renda até Novembro de 2019 ( fls. 88 a 96, 100 a 108, 148 a 154), deve levar-se em conta no valor da indemnização.”
Face ao exposto não se identifica a dupla conformidade, obstáculo à admissão da revista, invocada pelo recorrente, devendo conhecer-se da revista, conforme veio já provisoriamente decidido pelo TR.., o que se confirma, também no seu efeito meramente devolutivo – 676.º, n.º1 do CPC.
8. Entrando agora nas questões suscitadas pela recorrente relativas à validade e cessação do contrato – leis aplicáveis.
No entender da recorrente o contrato seria válido, com duração de 5 anos, renovável, e não teria sido feita uma válida e eficaz oposição à renovação.
Os argumentos da recorrente a sustentar erro de direito são os seguintes:
i) O tribunal a quo deveria ter aplicado o regime supletivo do art. 1069º, nº3 CC com a redação dada pela Lei nº43/2017, de 14-06, e não com a redação dada pela Lei nº31/2012, de 14-08.
ii) Produzida a nova lei o efeito de validação do contrato de arrendamento, aos arrendamentos existentes e que subsistam à data da sua entrada em vigor (art.º 14º, n.º 2, Lei 13/2019, 12/2), este contrato, subsistente à data da entrada em vigor desta norma, teria, na falta de estipulação contratual, o prazo legal de cinco anos previsto no artigo 1094º, n.º 3, na redação em vigor a 13.02.2019.
Vejamos.
Em abril de 2014, data em que o A. cedeu à Ré o quarto a que se reporta a presente acção, estava em vigor, em matéria de arrendamento urbano o art.º 1069.º do CC, com a versão introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, que dispunha[1]:
Artigo 1069.º
Forma |
O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. |
Esta alteração legal de 2019 tem, no entanto, também de servir para proteger o senhorio, quando a falta de redução a escrito não lhe é totalmente imputável, como sucede no caso dos autos em que o A. tentou obter a redução a escrito do contrato conforme resulta dos factos provados 11 e seguintes.
Foi este o raciocínio efectuado pelo Tribunal recorrido, que se nos afigura estar correcto.
A norma do art.º 1069.º do CC, vigente em Abril 2014, insere-se na locação, onde constavam igualmente regras importantes como:
Artigo 1054.º
Renovação do contrato |
1 - Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei. 2 - O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo. |
Artigo 1055.º
Oposição à renovação |
1 - A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte: a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
c) 30 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a três meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a três meses. 2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. |
Artigo 1056.º (Outra causa de renovação) |
Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do artigo 1054.º | ||||||
Estas regras cedem perante as regras específicas estabelecidas para os arrendamentos, nomeadamente:
|
Artigo 1096.º
Renovação automática |
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. |
Artigo 1097.º
Oposição à renovação deduzida pelo senhorio |
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. |
1 – As normas supra indicadas sobre locação não sofreram modificações
2 – As normas supra indicadas sobre arrendamento em geral não sofreram modificações
3 - Nas normas especiais do arrendamento para habitação denotam-se as seguintes diferenças:
3.1. Prazo dos contratos no caso de não ter sido convencionado um prazo certo
Artigo 1094.º Tipos de contratos |
1 - O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada. 2 - No contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada. 3 - No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos. |
Mas esta norma não deve aplicar-se ao contrato dos autos, porquanto este não foi celebrado após a entrada em vigor da versão desta regra.
O contrato dos autos já havia sido celebrado e ficara abrangido pelo regime vigente à data da sua celebração, que fixava o prazo em dois anos.
Foi este o raciocínio efectuado pelo Tribunal recorrido, que se nos afigura estar correcto.
As demais normas especiais citadas não sofreram modificações.
A oposição à renovação, nesta data, seria assim regulada pelas seguintes disposições:
Artigo 1096.º
Renovação automática |
1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes. |
Artigo 1097.º
Oposição à renovação deduzida pelo senhorio |
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. |
Artigo 9.º
Forma da comunicação |
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação. |
13.A 6 de Novembro de 2017, o Autor remete nova comunicação à Ré, reiterando a sua intenção.
14.A Ré, em resposta, solicitou a redução a escrito do contrato, com início a 1 de Novembro de 2017 até 31 de Outubro de 2022.
Foi este o raciocínio efectuado pelo Tribunal recorrido, que se nos afigura estar correcto.
Resumindo - uma vez analisadas as disposições legais aplicáveis, importa agora aplicá-las aos factos provados para concluir:
4 - Em 3 de Agosto de 2017 o contrato dos autos tinha assim já uma duração que se iniciara em abril de 2014 – e não atingira ainda os 6 anos.
5 - Teve uma duração inicial de 2 anos – abril de 2014 a final de março de 2016;
6 - Renovou-se por mais 2 anos – de abril de 2016 a final de março de 2018.
7 - E tinha de haver oposição à renovação com antecedência mínima de 120 dias face ao termo da renovação, pelo que tendo a oposição à renovação sido comunicada em 3 de Agosto de 2017, foi dado cumprimento ao prazo do pré-aviso, e o contrato cessava em março de 2018.
5 - A oposição à renovação foi igualmente comunicada por escrito à R. conforme factos provados:
11. Em 17 de Outubro de 2017, através de mandatária, o Autor convidou a Ré a formalizar um contrato de arrendamento, comunicando a sua intenção de não o renovar no ano subsequente, o que fez através de comunicação escrita.
12. Concedendo um prazo de 165 dias para a entrega do locado, dando à Ré o prazo final de 31 de Março de 2018 para desocupar o quarto.
13.A 6 de Novembro de 2017, o Autor remete nova comunicação à Ré, reiterando a sua intenção.
6 – O contrato cessou os seus efeitos por oposição à renovação em 31 de Março de 2018, não obstante o locado não ter sido “devolvido” ao senhorio.
É, portanto, de confirmar a decisão do tribunal recorrido, que veio assim fundamentada:
“Verdadeiramente o enfoque da questão está em saber se a Ré tem título que a legitime a ocupar o prédio, o que implica a análise do contrato de arrendamento, sendo certo que na acção de reivindicação pode conhecer-se da validade e subsistência do mesmo.
A sentença deferiu a pretensão do Autor quanto à desocupação e indemnização com o argumento de que foi celebrado verbalmente um contrato de arrendamento para habitação, mas que é formalmente nulo ( art.220 CC ), logo a
Ré não tem título válido que legitime a sua ocupação, pelo que em consequência da declaração de nulidade condenou a Ré a a restituir o quarto que ocupa, por força do art.289 nº1 CC.
Está provado que, em Abril de 2014, o Autor, proprietário da fracção D do prédio sito na Rua ....................., nº .., em ......, cedeu verbalmente à Ré, e para sua habitação, um quarto ( situado a poente), com acesso às partes comuns, contra o pagamento mensal de € 150,00.
A cedência temporária do gozo de uma parte da casa mediante uma retribuição reconduz-se a um contrato de arrendamento urbano para habitação ( arts. 1022 e 1023 CC).
O contrato de arrendamento urbano está sujeito a forma, deve ser reduzido a escrito (formalidade ad substantiam), pois por força da Lei nº 31/2012 de 14/8, todos os contratos de arrendamento urbano, ainda que por prazo igual ou inferior a seis meses, passaram a ficar sujeitos à forma escrita (art.1069 CC) e não estabelecendo então a lei sanção especial, tem aplicação o art.220 CC, o que implica a nulidade formal, que pode ser invocada a todo o tempo e declarada oficiosamente (art.286 CC). Foi esta, de resto, a argumentação aduzida na sentença.
Sucede que a Lei nº 13/2019 de 12/2 alterou a redacção do art. 1069 CC, aditou o nº2, estatuindo-se que “na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e pago a respectiva renda pelo período de seis meses”.
Esta regra aplica-se aos arrendamentos já existentes, por força da norma de direito transitório ( art. 14 nº2 ), significando que o art. 1069 nº2 CC é CC aplicável às próprias relações de arrendamento já constituídas, que subsistissem à data da sua entrada em vigor (art. 12 nº2 CC), mesmo estando pendente processo judicial.
O Autor não alegou que, à data da celebração do contrato (Abril de 2014), a falta de redução a escrito fosse imputável à Ré, invocando que só posteriormente, em Outubro/Novembro de 2017, solicitou a formalização por escrito, mas que ela rejeitou.
Provou-se que o Autor, em 17/10/2017 interpelou a Ré para reduzir a escrito o contrato, iniciado em 1 de Abril de 2014, reiterando o mesmo propósito por interpelação de 6/11/2017 ( fls. 8v e 9v). A Ré respondeu (fls. 10v) e solicitou, em 15/11/2017, também a redução a escrito do contrato de arrendamento, mas “para um período de cinco anos conforme determina a lei, com início em 1 de Novembro de 2017 até 31 de Outubro de 2022”.
A recusa injustificada do arrendatário em formalizar o contrato de arrendamento releva para o juízo de imputabilidade, exigido no art. 1069 nº2 CC, mesmo que seja posterior à celebração inicial do contrato, tendo em conta o princípio da boa fé, mas os elementos de facto são aqui insuficientes para apurar o juízo de imputabilidade, tanto mais que se desconhece os termos em que foram propostos para a formalização, ou seja, a minuta do contrato.
Daqui resulta que, contrariamente ao afirmado na sentença, o contrato de arrendamento não é formalmente nulo, tendo em conta o nº2 do art. 1069 CC, pois o contrato foi provado por outros meios, designadamente pelos recibos emitidos pelo Autor.
Verifica-se, porém, não ter sido alegado qual o prazo verbalmente acordado pelas partes, e, por isso, tem aplicação o regime supletivo do art. 1094 nº3 CC ( redacção da Lei nº 31/2012 de 14/8 ), vigente à data da celebração, – “ No silêncio das partes o contrato considera-se celebrado pelo período de 2 anos”
Este prazo renovou-se automaticamente por períodos de igual duração, desde que o senhorio não se tenha oposto à renovação, cuja comunicação é de 120 dias ( arts. 1096 nº1 e 3, 1097 nº1 b) CC).
Assim, iniciando-se o contrato em 1 de Abril de 2014, e sendo o prazo de 2 anos, renovou-se automaticamente.
Porém, comprova-se que em 17/10/2017 o Autor comunicou a não renovação a partir de 31/3/2018, pelo que o contrato de arrendamento se extinguiu. Ora, uma vez extinto o contrato, a Ré deixou de ter título válido para ocupar o imóvel, estando provado que em Março e Abril de 2018 o Autor reiterou o pedido de desocupação, mas que a Ré ignorou.
Depreende-se pela carta de 15/11/2017 ( fls. 10v) que a Ré recusou-se por supor que o contrato passou a ter o prazo de cinco anos, com início em 1/11/2017, mas sem fundamento legal, como já se anotou.”
9. A recorrente sustenta o erro de direito do tribunal recorrido ainda nos seguintes argumentos (questões?):
i) A Dra. CC não tinha poderes para fazer cessar o contrato de arrendamento.
ii) No caso decidendo, independentemente de a procuração não existir nos autos, não houve sequer da parte da Dra. CC ou dos Excelentíssimos Juízes uma certificação correta da existência de poderes para o acto conferidos à ilustre advogada.
iii) A sanção legal para tal representação sem poderes, é a ineficácia do negócio/alteração/extinção. Pelo que o único caminho a observar é o da cessação do contrato de arrendamento ser ineficaz.
Quanto a estes argumentos (questões?), vista a apelação da recorrente não se identifica aí que tenha sido suscitado o problema como questão autónoma nas conclusões do recurso, que balizam o âmbito do mesmo, ainda que se venha a reportar ao problema como argumento para justificar a alteração da matéria de facto no âmbito da alegação.
Ora, a recorrente se pretendia que o tribunal se pronunciasse sobre a intervenção da mandatária do A. no âmbito da relação contratual entre A. e R. devia ter suscitado a questão logo que ela se apresentasse como juridicamente relevante, o que, in casu, seria na apelação quando pretende discutir o valor e efeitos da carta dirigida pela mandatária e, ainda, nos argumentos e questões suscitadas devia adoptar uma postura coerente, o que não se identifica nos autos, pois até se sugere o oposto ao se aceitar expressamente, na apelação, que a missiva da advogada serviu para reconhecer a existência de um contrato de arrendamento (“Desta missiva, subscrita por advogada, e, cujo pressuposto é, naturalmente, o conhecimento da lei e a correta interpretação e subsunção jurídica do negócio celebrado com aquele que aponta ser o seu cliente, AA, A. e recorrido, resulta o reconhecimento da celebração de um contrato de arrendamento. Expressamente assume que o contrato de arrendamento está em vigor – 3º parágrafo: «(…) intenção do m/cliente de não proceder à renovação do contrato de arrendamento em vigor» e que o contrato de arrendamento em vigor «(…) cessará os seus efeitos a partir de 31 de março de 2018 (…)»” – in recurso de apelação).
Assim, não se compreende como o mesmo comportamento da advogada pode servir para vincular o A. no reconhecimento da existência do contrato e já não pode sustentar uma declaração de vontade no sentido de fazer cessar o contrato.
De qualquer forma, o que releva é sobretudo o facto de não ter suscitado a questão na apelação – o que se comprova igualmente por não ter alegado omissão de pronúncia quanto a ela pelo tribunal recorrido –o que implica que este tribunal tenha de decidir no sentido de a questão ser “nova”, não podendo ser conhecida pelo tribunal de recurso, conforme é entendimento uniforme da jurisprudência e resulta do sistema de recursos traçados pela lei.
III. Decisão
Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.
Custas da revista pela recorrente.
Lisboa, 9 de Março de 2021
Fátima Gomes (relatora)
Acácio Neves
Fernando Samões
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[1] A Lei 13/2019 veio introduzir no artt.º 1069.º do CC um n.2, onde se dispõe:
2 - Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.