RECURSO
EFEITOS
Sumário

I - Se no requerimento de interposição de um recurso se requer a fixação do efeito suspensivo – porque esse efeito está dependente da ocorrência de um prejuízo considerável que resulte da execução e da prestação de caução – não deve ser, desde logo, fixado o (qualquer) efeito ao recurso.
II - Deverá o recorrente, nesse requerimento, alegar o prejuízo (e comprová-lo, a ser-lhe exigida a sua prova) e oferecer-se para prestar caução.
III - E, previamente à fixação do efeito do recurso, cabe aferir da existência do alegado prejuízo e, se verificado este, ser prestada a caução. Só após a sua prestação, ou o decurso do prazo fixado, sem que tenha lugar, se deve fixar o efeito do recurso. E essa decisão quanto ao efeito fixado só pode ser impugnada na respectiva alegação (artigo 694º/2 do CPC) e não em recurso autónomo.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1) Em acção declarativa, que correu termos pela .ª Vara Cível do Porto, em 15 de Julho de 2005, foi B………., SA, condenada a pagar a C………., Lda, € 145.121,58, acrescida de juros de mora às taxas aplicáveis às empresas comerciais.
A “B………., SA” interpôs recurso da sentença e requer que ao recurso seja fixado o efeito suspensivo, nos termos do artigo 692º/1 do CPC (na redacção do DL 329-A/95).
Na sequência, foi proferido despacho a admitir o recurso e sendo-lhe fixado o efeito suspensivo (por aplicação do artigo 692º/1 do CPC, na redacção anterior à do DL 38/03, por se entender ser a aplicável).
Notificada da admissão do recurso, a “C………., Lda” vem reagir à fixação do efeito suspensivo e pede a reforma do despacho, por ser aplicável a norma do artigo 692/1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL 38/03, devendo atribuir-se ao recuso o efeito devolutivo, ao que a “B………., SA” se opôs.
Seguidamente, a Exma Senhora Juiz, ao abrigo dos arts. 669º/2, a), e 666º/3, do CPC, “reformou” o despacho de admissão do recurso, decidindo “por ter legitimidade, estar em tempo e ser admissível, admite-se o recurso interposto a fls. 1308, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo: arts. 678º, nº 1, 680º, nº 1, 685º, 691º nº 1 e 692º nº 1, todos do CPC.
Nos termos do art. 692º nº 3 do CPC, o efeito do recurso pode vir a ser alterado pois o pretendido efeito suspensivo é condicionado à efectiva prestação de caução.
Para o efeito, concede-se à ré, o prazo de dez dias.”

2) Na sequência, e por apenso, veio a recorrente requerer e oferecer prestação de caução por garantia bancária e requer que ao recurso (de apelação) seja atribuído aquele efeito (suspensivo).
Notificada, a requerida “C………., Lda” pede que se indefira o requerido, alegando que nenhum facto é alegado que demonstre que a execução da sentença causa à requerente prejuízo considerável.
Após, a Mma Juiz, julgando procedente a oposição, indeferiu a prestação de caução porque a “requerente limitou-se a invocar o prejuízo e não alegou quaisquer factos demonstrativos pelo que ficou impedida de os provar, pelo que por falta do requisito da ocorrência de prejuízo considerável, não pode a pretensão da requerente obter acolhimento”.

3) Inconformada, recorre a requerente “B………., SA” dessa decisão, sendo o recurso admitido como agravo (a que, correctamente, foi atribuído efeito suspensivo).
Alega e conclui:
“A - o douto despacho que concedeu prazo para a prestação de caução constitui caso julgado formal (artigo 672º do C.P.C.) tendo força obrigatória dentro do processo, por se tratar de matéria recorrível através de recurso de agravo que não foi interposto por qualquer das partes.
B – Tal decisão resolveu implicitamente a questão da suficiência ou não da alegação dos prejuízos, anteriormente questionada pela C………., LDA, e que de resto vieram a ser concretizados no requerimento que capeou a junção da garantia bancária.
C – Não podia o douto despacho recorrido pronunciar-se em contradição com despacho anterior transitado.
D – O douto despacho recorrido é assim ilegal, devendo ser substituído por decisão que admita a prestação de caução, assim se fixando ao recurso de Apelação interposto no processo principal o efeito suspensivo.
Assim se fará justiça”.
A agravada contra-alega em defesa da decisão recorrida.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

4) Atento o disposto nos artigos 684º/3 e 690º/1 do CPC e as conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, em causa está saber tão só em saber se o despacho de que se recorre contraria eventual caso julgado formal fixado pelo despacho que concedeu prazo à recorrente para prestar caução e se o requerimento de prestação de caução não poderia ser indeferido por falta de alegação dos factos demonstrativos que a imediata execução da sentença causaria à recorrente prejuízo considerável.

5) Conhecendo.
5.1. A materialidade de facto a atender é a que consta dos pontos 1 e 2, que aqui se considera.
5.2. A sentença de que a aqui agravante recorreu foi proferida em 15 de Julho de 2005.
Dispõe o artigo 692º/1 do CPC, na redacção introduzida pelo DL 38/2003, de 8/3 que “a apelação tem efeito meramente devolutivo”.
Norma que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2003 e se aplica aos recursos interpostos, depois de 15 de Setembro de 2003, de decisões proferidas nos processos pendentes ou findos nessa data (artigo 21º/4 do DL nº 38/2003, na redacção nesse DL introduzida pelo DL 199/03, de 10/9). É o que sucede com a referida apelação.
Mas estatui-se no nº 3 desse artigo 692º que “a parte vencida pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse feito condicionado à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal …”.

A decisão que fixa o efeito do recurso não vincula o tribunal superior (ainda que não seja, nesse aspecto, impugnada nas alegações), pelo que não faz caso julgado e as partes só a podem impugnar nas suas alegações, não cabendo ao tribunal recorrido a modificação desse efeito (artigo 687º/4 – e também artigo 694º - do CPC). Como também o facto da fixação de um prazo para a prestação da caução não decide (como caso julgado) a questão da verificação de um qualquer prejuízo se esta questão não foi (e, no caso, não foi) sequer ventilada na decisão que fixou esse prazo. No discurso desse despacho (reproduzido em 1) não se contém, mesmo implícita, decisão alguma sobre a existência ou não do referido prejuízo, pois nenhuma referência se lhe faz. Daí que, se bem que possa gerar alguma incoerência (e dizemos isto porque, sequencialmente, como questão prévia à prestação da caução, deveria ficar definida a questão da ocorrência do prejuízo), a decisão recorrida não afronta, em termos de caso julgado (formal) o despacho que fixou um prazo para a prestação da caução.

Ao interpor recurso, a apelante (aqui agravante) requereu a fixação do efeito suspensivo, por entender aplicável o artigo 692º/1, na redacção anterior (à do DL 38/2003) que prescrevia esse o efeito para a apelação.
Mas prontificou-se a prestar caução, a entender-se de outro modo.
A Mma Juiz fixou ao recurso o efeito suspensivo mas, na sequência de requerimento da apelada, modifica (em dissonância com aquela norma do artigo 687º/4) o efeito do recurso para devolutivo.
Não obstante, no seu douto despacho, não se limitou a operar a alteração do efeito do recurso. Acrescenta que o efeito do recurso pode ser alterado pois o pretendido efeito suspensivo está condicionado à efectiva prestação de caução e concedeu à recorrente o prazo de dez dias para prestar caução (sem fazer, de facto, qualquer referência ao prejuízo considerável decorrente da execução da sentença). Apenas condicionou esse efeito á prestação de caução.

5.3. A fixação do efeito suspensivo ao recurso de apelação, a requerimento da parte vencida, está, na verdade, dependente de um duplo requisito – que a execução imediata da sentença cause um prejuízo considerável (à parte vencida) e que o recorrente se ofereça para prestar caução.
O que deve, desde logo, ser alegado.
A recorrente ofereceu-se para prestar caução.
Não alegou, no entanto, que a execução lhe causaria um prejuízo considerável (ou os factos de que poderia extrair-se essa conclusão).

Já no apenso de caução, porque aí se não alegaram os factos pertinentes a demonstrar esse prejuízo e, por isso, não seria possível prová-los, foi, neste apenso, indeferida a prestação de caução.
Dissentimos da douta decisão.
A questão do prejuízo considerável não é questão a decidir no apenso de prestação de caução nem que a essa finalidade interesse.
Este incidente (arts. 988º e 990º do CPC) destina-se apenas a esse fim – a prestação da caução – e não à discussão e decisão de outras questões.
Nele não cabe a demonstração do prejuízo considerável que a execução da sentença possa causar ao recorrente.

Esse prejuízo deve ser demonstrado - de forma sumária (e é de ter em conta o disposto no artigo 47º/4 do CPC, que permite ao executado obter a suspensão da execução mediante caução, mesmo sem oposição à execução e em qualquer altura, caso a sentença exequenda esteja pendente de recurso com efeito devolutivo, sendo certo que se trata de caução com uma função semelhante à prevista no citado artigo 692º/3) - no processo (em que devem ser alegados os factos pertinentes) em que se interpõe o recurso e só após a sua constatação, se se verificar a presença desse requisito, se fixa prazo para a prestação (por apenso) da caução.
De contrário, seria (ou poderia ser) processar um incidente inútil.
No incidente de caução, que corre por apenso, o requerente não tem o encargo de alegar os factos em que se analisa o prejuízo considerável que a execução da sentença lhe cause. Esse ónus deve ser observado no requerimento de recurso em que se pede o efeito suspensivo.

Se no requerimento de interposição se requer a fixação do efeito suspensivo – porque esse efeito está dependente da ocorrência de um prejuízo considerável que resulte da execução e da prestação de caução – não deve ser, desde logo, fixado o (qualquer) efeito ao recurso.
Deverá o recorrente, nesse requerimento, alegar o prejuízo (e comprová-lo, a ser-lhe exigida a sua prova) e oferecer-se para prestar caução.
E, previamente à fixação do efeito do recurso, cabe aferir da existência do alegado prejuízo e, se verificado este, ser prestada a caução. Só após a sua prestação, ou o decurso do prazo fixado, sem que tenha lugar, se deve fixar o efeito do recurso. E essa decisão quanto ao efeito fixado só pode ser impugnada na respectiva alegação (artigo 694º/2 do CPC) e não em recurso autónomo.

Não se alegando, no requerimento de interposição, um prejuízo considerável que possa decorrer da execução e/ou se o recorrente não se oferece para prestar caução, ao recurso deve ser fixado efeito devolutivo
Se não se alega um prejuízo considerável, já nem se põe a questão do efeito suspensivo do recurso. De contrário, há que decidir se existe (ou é verosímil que exista) esse prejuízo e, só após, há que se prestar caução.

5.4. No despacho que “reformou” a anterior decisão, quanto ao efeito do recurso, fixou-se (ainda aqui, em momento não adequado) o efeito devolutivo, mas expressa-se que esse efeito pode ser alterado para o pretendido efeito suspensivo condicionado à prestação de caução. E para a prestação de caução fixou-se ao requerente (aqui agravante) um prazo de dez dias.
Só se condicionou o efeito suspensivo à prestação de caução.
A entender-se não verificado o prejuízo considerável (até porque a questão foi suscitada pela recorrida antes daquele despacho), o efeito pretendido deveria ser, desde logo, indeferido.
Não o foi e subordinou-se o pretendido efeito à prestação de caução.
Não pode, agora, no apenso de caução, vir indeferir-se esta por falta do requisito do “prejuízo considerável” (e sempre se poderia convidar o requerente a completar o requerimento inicial para a prestação de caução, a entender-se ser nele o local azado para a alegação dos factos pertinentes, até porque aí invoca a requerente prejuízos consideráveis com a imediata execução da sentença posição que não seguimos).
O processo de caução não tem essa finalidade. Nele não tem de averiguar-se se a execução da sentença causa ou não prejuízo ao recorrido. É questão irrelevante neste processo.
A razão da caução não é esse prejuízo (da parte vencida). O requerente visa obter o efeito suspensivo ao recurso, mediante uma “garantia” da satisfação do crédito reconhecido pela sentença ao apelado (servindo, assim, a caução de garantia do cumprimento da obrigação da recorrente). A função da caução consiste em assegurar o cumprimento de certa obrigação a alguém, função que subsiste até que a obrigação de mostre cumprida (ou assegurada por outra garantia igualmente idónea). Daí que o requerente apenas tem de alegar o motivo porque oferece a caução - o que a agravante fez -, o valor a caucionar e o modo porque a quer prestar (artigo 988º/1 do CPC).
A prestação de caução não depende da existência do referido prejuízo, que dela não pressuposto ou da obrigação de a prestar.
Face ao despacho que subordina a atribuição do efeito suspensivo à prestação de caução, não pode esta ser indeferida pelo facto da não alegação dos factos que revelem o prejuízo.
Requerida a prestação da caução, com cumprimento da alegação a que se refere o artigo 988º/1, o requerido é citado para impugnar o valor ou a idoneidade da garantia (nº 2) e não para impugnar os motivos da prestação da caução ou que não havia lugar à sua prestação.
Assim, é irrelevante, para efeitos de decisão, a “oposição” feita pela agravada, que se limita a dizer que o efeito suspensivo do recurso (assunto a decidir na acção principal e não no incidente de caução) pressupõe a alegação do já referido prejuízo considerável. Mas não é o efeito do recurso que está em causa decidir ou fixar nestes autos. Isso é questão a decidir no processo principal (e que não vincula, em qualquer das situações, o tribunal superior). Neste apenso, apenas se decide da caução.
Portanto, o douto despacho recorrido não se pode manter.
Devendo a causa prosseguir para o julgamento da caução oferecida, nos termos do artigo 988º/3 do CPC.

6. Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação do Porto em dar provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se o prosseguimento dos autos para julgamento da caução.
Custas pela agravada.
Porto, 18 de Maio de 2006
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves
António do Amaral Ferreira