VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO
DEFENSOR
GARANTIAS DE DEFESA DO ARGUIDO
MARCAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Sumário

A Constituição da República Portuguesa basta-se com a consagração genérica do direito do arguido de escolher o seu Defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, mas remete para a lei ordinária, ou seja, o CPP, a função modeladora desse direito, no que se refere ao estatuto processual do Defensor, às situações em que é obrigatória a representação judiciária do arguido, assim como aos casos da substituição do defensor oficioso ou constituído.
O que conta é a proibição de indefesa, sob pena de resultarem diminuídas ou retiradas as garantias de defesa do arguido, mas temperadas por um princípio de celeridade característico do processo penal, também em concretização do direito a um processo justo e equitativo e que torna inadmissíveis todas as manobras dilatórias, incluindo as faltas injustificadas dos Srs. Advogados aos actos processuais que impliquem a presença do arguido.
Precisamente por essa razão é que a marcação das diligências processuais penais, especialmente, da audiência de discussão e julgamento, obedecendo, embora, a um princípio de concertação de agendas com os Srs. Advogados que representam os sujeitos processuais, nos termos do art. 312º nº 4 do CPP e da remissão neste contida para o actual art. 151º do CPC, é da exclusiva competência do Juiz que decide por despacho irrecorrível (art. 313º nº 4 do CPP) e não está vinculado às datas alternativas propostas pelos Srs. Advogados, sendo certo que, mesmo essa mera possibilidade de alteração das datas inicialmente fixadas para o julgamento está condicionada à menção expressa das diligências já marcadas e correspectivos processos, até para permitir ao Juiz, se nisso vir interesse ou necessidade, sindicar da bondade do pedido de alteração do agendamento.

Texto Integral

Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 24 de Novembro de 2020, no processo comum singular nº 685/19.4PCSNT do Juízo Local Criminal de Sintra, Juiz 4 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o arguido CAS foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170° do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), no montante global de € 640,00.
O arguido interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem como objecto exclusivamente questões de direito processual, as quais, se expenderão infra:
2. Da decisão: Vem o arguido condenado, "pela prática, em autoria material, de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170.° do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €8 (oito euros), no montante, global de €640,00." Contudo,
3. A produção de prova que a motivou está ferida de nulidade insanável, porquanto, foram omitidas e violadas as formalidades e garantias processualmente atribuídas ao arguido, a saber,
4. São direitos constitucionalmente consagrados, vertidos na lei do processo penal, que assiste ao arguido o direito a:
(i) Estar presente nos actos processuais que lhe digam respeito;
(ii) Ser ouvido pelo tribunal sempre que devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;
(iii) Constituir advogado;
5. O tribunal a quo, conforme infra se expenderá, realizou a audiência de julgamento e toda a prova que nela se devia reproduzir, à revelia da legislação processual em vigor e em violação dos direitos do arguido constitucionalmente consagrados.
6. Além do mais, com a conduta descrita não foram observados ou colocados em prática os princípios basilares do direito processual penal, nomeadamente, o Princípio da oralidade, o Princípio do contraditório e o Princípio da continuidade, pelo que a defesa do arguido ficou em muito prejudicada o que resultou na sua condenação pelo que se pugna pela anulação dos acto considerados nulos e pelo reenvio do processo para novo julgamento, porquanto,
7. Fundamentação: Não tendo o arguido exercido o contraditório, nem lhe tendo sido conferido esse direito, é manifestamente insuficiente a matéria de facto produzida para a decisão, pois que não são analisadas as perspectivas dos factos correspondentes, bastando-se aquela, apenas, com a versão dos factos trazida pela ofendida / testemunha, o que culmina, inevitavelmente, no erro notório da sua apreciação.  
8. Na realidade, e na acepção do recorrente este sequer foi devidamente notificado para estar presente em acto cuja sua presença é processualmente obrigatória, audiência de julgamento, o que configura omissão de notificação e comporta a nulidade de toda a prova produzida naquela audiência.
9. Pois que o acto que precedeu a marcação daquela diligência não respeitou formalidade prévia para a concretização da notificação ao arguido. A designação de data para continuação da audiência de julgamento estava dependente de concertação prévia de agenda com o Mandatário constituído e não teve lugar.
10. Cujo mandato foi conferido desde o início do processo.
11. “Inextricavelmente ligado ao princípio da oralidade deparamos com o princípio da imediação que, em geral, se pode definir como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão. Também aqui, como no princípio da oralidade, o ponto de vista decisivo é o da forma de obter a decisão."
12. A presença da signatária naquela audiência de discussão e julgamento é tão importante quanto a presença do decisor, pois que "a decisão jurisdicional só pode ser proferida por quem tenha assistido à produção das provas e à discussão da causa pela acusação e pela defesa"
13. Neste pressuposto, também a defesa do arguido apenas será efectiva se presenciada e realizada por um único defensor desde o seu início, ou em defensor substabelecido pelo originário (a quem passará todas as informações estritamente necessárias) ou novo mandatário constituído pelo próprio arguido.
14. Não foi o caso. Para a concretização da diligência foi nomeado defensor oficioso, à revelia da vontade do arguido, que sequer conferenciou previamente com este.
15. Ademais, tendo em consideração o despacho proferido na audiência de discussão e julgamento do dia 05/11/2020 que aqui se reproduz:
"Tendo em consideração o ilícito criminal imputado ao arguido e os factos narrados no libelo acusatório, considero haver razões para crer que a presença do arguido inibirá a testemunha de dizer a verdade.
Assim sendo, ordeno o afastamento do arguido da sala de audiências, durante a prestação de declarações por parte da aludida testemunha, ao abrigo do disposto no art. 352°, n.° 1, al. a) do C.P.P., sendo que regressado à sala de audiências, será dado cumprimento ao disposto no art. n.° 2 do citado preceito legal." (Solução contestada pelo recorrente.)
16. Foi imposta a sua ausência (a do arguido), o que reforça a posição que a presença da signatária era imprescindível pois que o mandato tem por base a confiança que é depositada pelo mandante no mandatário para o acto de representação e preparação da defesa, construída a partir do conhecimento que se tem do processo, das instruções que lhe são fornecidas, formação de convicção e características do próprio arguido.
17. De todo o modo, sem conceder, sempre se dirá que a ausência do arguido naquela audiência, sempre daria lugar a designação de nova data para a sua continuação, pois que é dada ao arguido a palavra para últimas declarações antes do encerramento da discussão. Acto, o qual, sequer teve lugar na data designada para a leitura da sentença, na qual o arguido esteve presente.
18. Acresce, ainda, que ao arguido foi indevidamente emitida guia para pagamento de multa por estar ausente naquela diligência, data 12/11/2020, pelo que, em face do exposto, também se pugna pela sua nulidade por omissão da sua notificação.
19. Pelo exposto, requer-se seja considerada ferida de nulidade a prova produzida na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12/11/2020, bem como sejam considerados nulos todos os actos praticados no decurso e decorrência daquela e que em consequência seja o processo reenviado para o tribunal a quo para novo julgamento a realizar, estritamente, em obediência ao processualmente consagrado.
Nestes termos e nos demais de direito requer-se que seja dado provimento ao presente recurso, seja considerada ferida de nulidade a prova produzida na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12/11/2020, bem como sejam considerados nulos todos os actos praticados no decurso e decorrência daquela e que em consequência seja o processo reenviado para o tribunal a quo para novo julgamento a realizar, estritamente, em obediência ao processualmente consagrado.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu:
1. Nos termos do artigo 119°, alínea c), do CPP, constitui nulidade insanável, a ser declarada oficiosamente em qualquer fase do procedimento, a ausência do defensor do arguido num ato em que a lei exigir a respetiva comparência.
2. Um dos atos processuais sujeito à presença obrigatória de defensor do arguido é o da audiência de julgamento, nos termos do disposto nos arts. 64°, n.° 1, al. d), e 421°, n.° 2, ambos do CPP.
3. Todavia, o direito de o arguido escolher o seu defensor e o de ser assistido por ele em todos os atos do processo criminal (art. 32°, n.° 3, 1- parte da CRP) não são direitos absolutos, direitos que possam ser exercidos de forma irrestrita - Cfr. Ac. do TRL de 02-10-2007, Proc. n.° 816/2007-5, Relator: Emílio Santos, in www.dgsi.pt.
4. Com efeito, nos termos do disposto nos arts 330.° e 67.°, ambos do CPP, na situação de não comparência do Mandatário à audiência de julgamento, a regra consiste na imediata substituição do faltoso por defensor nomeado para o ato, com vista a assegurar de forma pronta e eficaz a salvaguarda das garantias de defesa do arguido.
 5. Só assim não será quando a substituição imediata não se revele possível, ou seja inconveniente para o adequado exercício da defesa ou para o interesse do processo, admitindo a lei excecionalmente, nessas circunstâncias, a interrupção ou, quando se revele absolutamente necessário, o adiamento da audiência.
6. Neste sentido, vide ac. do TRP de 20-06-2012, Proc. n.° 1237/06.4JAPRT.P1, in www.dgsi.pt., em cujo sumário se pode ler: "a lei não só permite como impõe a substituição do Defensor, que faltou, por um outro. Salvo se a substituição se revelar "impossível ou inconveniente". O que sucederá quando a substituição imediata represente "um forte gravame para o arguido". O que terá de ser alegado e demonstrado."
7. No caso sub judice, verifica-se que a Ilustre Mandatária do arguido faltou à 2^ Sessão de Audiência de Julgamento, designada para o dia 05-11-2020, invocando "doença do filho".
8. Nesta sequência, e uma vez que o arguido alegou não prescindir da presença da sua Mandatária, a referida diligência foi dada sem efeito e designada nova data para o efeito (dia 12-11-2020, pelas 11:30 horas).
9. Acontece que, mais uma vez, a Ilustre Mandatária do arguido faltou à referida Audiência de Julgamento, apresentado requerimento no próprio dia, pelas 9H30, requerendo o adiamento da diligência, nos termos do disposto nos arts 312.°, n.° 2 do CPP e 151, n.° 2 do CPC, e indicando datas alternativas.
10. Ora, a Ilustre Mandatária do arguido não indicou em que diligência judicial se encontraria impedida, nem alegou quaisquer factos donde resultasse que a defesa do arguido só poderia ser assegurada por si, sob pena de restrição inadmissível das garantias de defesa do mesmo.
11. Assim, bem andou a M.ma Juiz do Tribunal a quo em indeferir tal requerimento, determinando a continuação do julgamento e nomeando defensora para o ato.
12. Com efeito, o tribunal a quo obedeceu ao procedimento legal previsto para a falta do defensor à audiência de julgamento, nos termos do disposto nos arts. 330.° n.° 1 e 67.° n.° 1, ambos do CPP, pelo que não cometeu a nulidade insanável a que alude o art. 119.°, alínea c) do CPP.
13. Por outro lado, cumpre salientar que inexistiu qualquer compressão ou limitação desproporcionada do núcleo essencial dos direitos de audição, de defesa e de contraditório, garantidos nos arts. 20.° n.° 4 e 32°, n.°s 1, 2, 5, e 6, ambos da CRP e no art. 11°, n° 1, da DUDH, sendo certo que a audiência decorreu com a assistência de defensora, a quem foi conferida a legal possibilidade de se inteirar do processo e de preparar a sua intervenção.
14. Alega o arguido que as declarações da ofendida, prestadas na ausência do arguido, padecem de invalidade, por violação do disposto no art. 32° n° 5 da CRP e nos arts. 61.° e 352°, n.° 1, al. a), do CPP.
15. Ora, o art. 352°, do CPP permite o afastamento do arguido da sala de audiências durante a tomada de declarações por certas pessoas, de modo a assegurar que as declarações se processem sem inibição, sem intimidação ou qualquer outra perturbação, bem como salvaguardar a integridade física e psíquica de quem depõe.
16. Esta norma consagra uma derrogação ao direito de presença do arguido, a qual é perfeitamente admissível, porque tal direito não é absoluto e admite restrições, visando garantir e conciliar, por um lado, a liberdade na prestação das declarações e a genuinidade destas e, pelo outro, as garantias de defesa e o contraditório, que ficam garantidos pela norma do n° 2 do art. 352°, do CPP.
17. Ora, in casu, verifica-se que a Decisão do Tribunal a quo se encontra factual e juridicamente sustentada, cumprindo as legais exigências de fundamentação das decisões judiciais, sendo que a simplicidade e linearidade da questão em análise não suscitava grande controvérsia e não exigia maior fundamentação.
18. Por outro lado, constata-se que o princípio do contraditório mostra-se igualmente assegurado, não só pela presença da defensora do arguido durante a prestação das declarações da ofendida, como também no cumprimento atempado do disposto no art. 332°, n° 7, do CPP.
19. Face ao exposto, forçoso é concluir que não assiste qualquer razão ao arguido.
Pelo que, nos termos expostos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida e, consequentemente, ser o arguido CAS condenado pela prática, em autoria material, de um crime de  importunação sexual, p. e p. pelo art. 170°, do Código Penal, na pena única de 80 dias de multa, á taxa diária de € 8,00, no montante global de €640,00.
Remetido processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta do Mº.Pº. e concluindo pela improcedência do presente recurso e consequente manutenção integral da sentença recorrida.
Na resposta prevista no art. 417º nº 2 do CPP, o arguido reiterou os argumentos de facto e de direito por expostos nas motivações e nas conclusões do recurso.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência prevista no art. 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de  apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e atentas as conclusões, as questões a tratar são as seguintes:
- Se a audiência de discussão e julgamento e a produção de prova que fundamentou a sentença recorrida deve ser considerada nula, nos termos previstos no art. 119° n° 1 c) do CPP, por ter sido realizada, na ausência do arguido;
- Se foram violados os princípios da oralidade, do contraditório e da continuidade da audiência, nos termos do art. 32° 5 da CRP e 327° e 361°, ambos do CPP e deve ser considerada nula a prova produzida na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 12.11.2020;
- Se há insuficiência da matéria de facto para a decisão e/ou erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º nº 2 als. a) e c) do CPP.
2.2. Fundamentação de facto
A matéria de facto e a motivação da decisão de facto exaradas, na sentença recorrida são as seguintes:
1. No dia 21 de Maio de 2019, pelas 16:50h, o arguido CAS  , seguia na sua viatura automóvel de marca Renault, com a matrícula XX-XX-XX, e encontrava-se na fila de trânsito na Avenida dos Bombeiros dos Bons Amigos, em Agualva.
 2. Nas sobreditas circunstâncias de tempo e espaço, o arguido CAS   avistou a ofendida MSF  que se encontrava a passar naquele local e junto ao carro do arguido, quando este começou a assobiar-lhe para lhe chamar a atenção.
3. Sendo que quando a ofendida MSF Furtado se virou na sua direção, o arguido CAS   exibiu-lhe os seus órgãos genitais, colocando o pénis fora das calças.
4. Com a referida conduta perpetrada pelo arguido CAS  , a ofendida MSF Furtado sentiu-se psicologicamente afetada e incomodada.
5. O arguido CAS  de  quis mostrar, como mostrou, à ofendida os seus órgãos genitais por forma a perturbar a liberdade sexual da mesma.
6. O arguido CAS  de  agiu de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei como crime.
Mais se provou que:
7. O arguido é casado.
8. Exerce a profissão de militar, auferindo mensalmente cerca de € 1.064,00, a titulo de retribuição.
9. Vive com a sua esposa, a qual trabalha, auferindo mensalmente cerca de € 400,00/€ 500,00, a titulo de retribuição.
10. Vivem em casa própria, pagando a quantia mensal de cerca de € 380,00/€ 400,00, para amortização de empréstimo bancário contraído para aquisição de habitação permanente.
11. O arguido paga ainda a quantia global de 238,00, para amortização de empréstimos contraídos para aquisição de veiculo automóvel e de motociclo.
12. Do CRC do arguido nada consta.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a boa decisão da
causa:
A) O arguido, aquando do referido em 2., buzinou para chamar a atenção da ofendida.
*
Fundamentação da decisão de facto:
Para a formação da sua convicção, o tribunal atendeu ao teor dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, em conjugação com a prova documental junta aos autos, depois de sujeitos à respectiva análise crítica.
Assim, há que ter em consideração as próprias declarações do arguido, o qual admitiu que, no dia, hora e local indicados no libelo acusatório, efectivamente, seguia ao volante do seu veiculo automóvel. Mais admitiu que, nesse momento, e porque os boxers estavam enrolados e a magoar-lhe, tentou arranjar-se, desapertando a calças e tirando o pénis para fora dos boxers. Negou, no entanto, que em algum momento tivesse chamado a ofendida, ou quem quer que fosse, não tendo visto ninguém no local, sendo que apenas surgiram veículos automóveis posteriormente, uma vez que é um local movimentado.
Desta forma, verifica-se que o arguido admitiu quase na íntegra os factos de que vem acusado, negando apenas ter chamado a ofendida e exibido o seu pénis.
Porém, teve o Tribunal em consideração o depoimento da ofendida MSF  , a qual, de forma segura, honesta e convincente, confirmou a veracidade dos factos descritos na acusação. Na verdade, a ofendida descreveu tal factualidade de modo isento, rigoroso e pormenorizado, razão pela qual tal depoimento foi decisivo para a formação da convicção probatória atingida.
Aliás, ainda no dia da sessão de julgamento foi patente o desconforto da aludida testemunha em falar de tais factos, chegando inclusive a chorar quando relatou tal circunstancialismo, afirmando que ainda hoje não circula no local sozinha. Porém, quando confrontada, a mesma referiu expressamente que o arguido a chamou, tendo inclusive perguntado se ela não queria entrar para o interior do veiculo automóvel. Nessa altura, olhou na direção daquele, tendo o visto no interior da aludida viatura, com o vidro aberto, o qual tinha a mão no seu pénis, manuseando-o para cima e para baixo. Esclareceu ainda esta testemunha que o arguido não buzinou, mas sim o veiculo automóvel que seguia atrás da viatura conduzida pelo arguido.
Temos ainda o auto de denúncia de fls. 3, cujo teor não foi impugnado, do qual se extrai que já aí a ofendida relatou que o arguido começou a emitir sons (tipo assobio) para chamar a sua atenção, nunca tendo referido que o mesmo havia buzinado.
 Nesta medida, não se suscitaram ao Tribunal quaisquer dúvidas de que os factos ocorreram em estrita conformidade com o que foi relatado pela ofendida, e no exacto sentido em que supra se elencou sob a epígrafe “factos provados”. Aliás, a mesma não conhecia o arguido antes da prática dos factos, pelo que não se vislumbra qualquer razão para faltar à verdade.
No que tange à prova da vontade e intenção do arguido, nas circunstâncias delimitadas no elenco de factos provados, o Tribunal fundou a sua convicção com base nas regras normais de experiência. De facto, como se afirma no ac. da Rel. do Porto de 23.02.93, in BMJ n° 324, pág. 620, “dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência’’.
Quanto à situação económico-financeira do arguido, resultou a mesma provada com base nas declarações prestadas pelo próprio que, nessa parte, mereceram credibilidade, em conjugação com a informação de fls. 21.
No tocante aos antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração o teor do CRC de fls. 71.
Quanto aos factos não provados, foram os mesmos assim considerados, atenta a prova em contrária que foi produzida, nos moldes acima indicados.
Importa ainda considerar a seguinte factualidade:
Por despacho de recebimento da acusação proferido 13 de Julho de 2020, foram designados, para a audiência de discussão e julgamento, o dia 15 de Outubro de 2020, ou, em casa de adiamento ou continuação da mesma, nos termos dos arts. 333º nºs 1 e 3 do CPP, o dia 22 de Outubro de 2020 (referência citius 125916066);
Este despacho foi notificado ao arguido e à sua Ilustre Defensora (notificações com as referências citius 126084889, 126085050 e prova de depósito com a referência citius 17210990);
No dia 15 de Outubro de 2020 realizou-se a audiência de discussão e julgamento (acta com a referência citius 127170679);
À qual compareceu o arguido e a sua Ilustre Defensora (acta com a referência citius 127170679);  
E na qual prestou declarações sobre os factos objecto do processo (acta com a referência citius 127170679);
Nesta mesma sessão, de dia 15 de Outubro de 2020, foi deferido o requerimento apresentado pela testemunha MSF Furtado, pedindo para ser ouvida através do sistema de videoconferência (acta com a referência citius 127170679); 
A tal requerimento a Ilustre Defensora do arguido, opôs-se por entender que «o mesmo é prejudicial à defesa do arguido e da descoberta da verdade material e requereu o adiamento da inquirição da testemunha, até que a mesma pudesse comparecer pessoalmente em Tribunal (acta com a referência citius 127170679);   
Nesta sequência, a Mma. Juíza, invocando as regras sanitárias emergentes da pandemia por Covid 19 e o disposto no art. 318º do CPP, determinou que se procedesse à inquirição da testemunha através do sistema Webex (acta com a referência citius 127170679);   
A Ilustre Defensora do arguido ditou então, o seguinte requerimento para a acta: “Em face do despacho ora proferido demonstra o arguido que irá recorrer, cujas motivações e alegações juntará no prazo de 10 dias." (acta com a referência citius 127170679); 
Não foi, entretanto, apresentado qualquer recurso desta decisão (tramitação processual subsequente à referida acta com a referência citius 127170679);
Antes da ligação via webex, a Mma Juíza Presidente determinou o afastamento do arguido da sala de audiências, nos termos do art. 352º nº 1 al. a) do CPP, em face da natureza do crime imputado ao arguido e à descrição factual do mesmo exarada na acusação, com base nos quais concluiu existir perigo de a presença do arguido inibir a testemunha de falar com verdade, tendo anunciado que, logo que o arguido regressasse à sala, seria dado cumprimento ao disposto no arts. 352º nº 2 do CPP (acta com a referência citius 127170679);
Nessa data, foi designado para a continuação da audiência o dia 5 de Novembro de 2020, em virtude de não ter sido possível a inquirição da testemunha MSF e tendo em vista a audição desta testemunha (acta com a referência citius 127170679); 
A esta nova marcação, nada foi oposto pela Ilustre Defensora do arguido (acta com a referência citius 127170679); 
A Ilustre Defensora do arguido faltou à sessão de audiência de julgamento, designada para o dia 05.11.2020, tendo sido informado pelo arguido que a mesma se encontraria com o filho doente (acta com a referência citius 127587312);
Nessa mesma data, o arguido declarou não prescindir da presença sua Advogada (acta com a referência Citius 127587312);
Razão pela qual, foi dada sem efeito a referida data e designado o dia 12 de Novembro de 2020, em substituição, para a continuação da audiência de discussão e julgamento (acta com a referência Citius 127587312);
A Ilustre Defensora o arguido faltou a esta sessão da audiência de discussão e julgamento, apresentado requerimento no próprio dia, pelas 9H30, justificando a falta no dia anterior e requerendo o adiamento da diligência, nos termos e para os efeitos dos artigos 312º nº 2 do CPP e 151º nº 2 do CPC, indicando datas alternativas (requerimento com a referência Citius 17782552);
Neste requerimento, a Ilustre Defensora do arguido não indicou qualquer motivo para demonstrar a sua impossibilidade de comparência na data de 12 de Novembro de 2020 (requerimento com a referência Citius 17782552);  
No dia 12 de Novembro de 2020, a Mma. Juíza que presidiu ao julgamento indeferiu tal requerimento e determinou a continuação da audiência, nomeando defensora ao arguido, a Sra. Dra. Anabela Rua que assegurou a defesa do arguido, durante toda esta sessão (acta com a referência Citius 127714699);
Nesse dia, a Mma. Juiz proferiu o seguinte despacho:
Conforme referido na última sessão de julgamento, nos termos do artigo 330°, nº 1 do CPP, a falta de defensor constituído ou nomeado do arguido não é motivo de adiamento devendo o defensor ser substituído por outro advogado.
Aliás, o julgamento dos autos já foi adiado uma vez por falta da Ilustre Advogada, a qual referiu que o seu filho estaria doente, razão pela qual o Tribunal foi sensível a tal situação. Ora, apenas no dia de hoje, sendo que a sua falta ocorreu no passado dia 5.11.2020, pelas 09.30 horas, a mesma veio juntar aos autos atestado, dando conta que, naquele dia, estaria impedida em consulta de Medicina dentária com o seu filho, naquele dia, no período compreendido entre as 10:45 horas e 11:40 horas. Desta forma, desde já determino que se oficie à sociedade M Gameiro – Médicos Dentistas que informem se a consulta de Gonçalo Vences Lobato Vieira foi marcada de urgência (05.11.2020), sendo que, em caso negativo, deverá informar quando é que a mesma foi agendada. Não obstante o supra exposto, o certo é que veio ainda a Ilustre Mandatária requerer, mais uma vez, o adiamento da diligência, nos termos e para os efeitos dos artigos 312.º, n.º 2 do CPP e 151, n.º 2 do CPC, indicando datas alternativas. Dispõe este último preceito legal que “Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.” (sublinhado nosso).
In casu, constata-se que nada é invocado pela Ilustre Mandatária, pelo que obviamente se indefere o requerido, não se vislumbrando do seu requerimento que a mesma esteja impedida em qualquer diligencia judicial já marcada. Mais acresce que, na última sessão, foi proferido despacho dando inclusive possibilidade à ilustre Advogada de hoje participar através do sistema Webex. Pelo exposto, indefiro o requerido, mantendo-se a data designada.
Not. (acta com a referência Citius 127714699);
O arguido não esteve presente no dia 12 de Novembro de 2020, apesar de lhe ter sido verbalmente comunicado o adiamento da continuação da audiência para o dia 12 de Novembro de 2020, na sessão do dia 5 de Novembro de 2020 (actas com as referências Citius 127587312 e 127714699).
2.3. Apreciação do Mérito do Recurso
Nos termos do art. 119º al. c) do CPP, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exige a respectiva comparência, constituí uma nulidade insanável que deve ser oficiosamente declarada e em qualquer fase do processo, porque pretere de forma intolerável, o direito de audição do arguido consagrado no art. 61º nº 1 al. b) e pode ser conhecida em sede de recurso, nos termos do art. 410º nº 3, todos do CPP.
Com efeito, o citado art. 61º nº 1 al. b) reconhece especialmente ao arguido, em qualquer fase do processo, e salvas as excepções da lei, o direito de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, o que constituí uma das manifestações do direito ao contraditório genericamente previsto no art. 32º nºs 1 e 5 da CRP e no art. 6º § 1º da CEDH, o qual, por seu turno, é um dos princípios estruturantes das garantias de defesa do arguido e do direito a um processo justo e equitativo (cfr., nesse sentido, além de outros, os Acs. da Relação de Guimarães de 09.01.2017, proc. 1889/07.8TAGMR.G1, de 03.12.2018, proc. 733/09.6PBGMR.G1 e de 14.10.2019, proc. 1163/17.1T9VCT.G1; Acs. Relação de Coimbra de 25.06.2014, proc. 414/99.7TBCVL-B.C1, de 20.04.2016, proc. 210/11.5TAPBL.S1; Acs. Relação de Évora de 03.02.2015, proc. 252/12.3GBMMN.E1, de 23.01.2018, proc.  212/10.9GFSTB-A.E1 e Acs. Relação de Lisboa de 14.02.2018, Proc. nº 210/15.6PESNT.L1-3, de 29.10.2019 processo 315/15.3PASNT.L1., in http://www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Coimbra de 11.09.2019, proc. 31/15.6IDCTB.C2, https://blook.pt/caselaw/pt/trc/578236/).
A exigência constitucional de um processo equitativo, constante do artigo 20º nº 4 da CRP postula a «efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas» (Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2005, p. 192).
Assim, a aplicação do princípio do contraditório implica, forçosamente, a igualdade de tratamento e de oportunidades de oposição e defesa a todos os intervenientes processuais, o que, adaptado ao processo criminal, significa a obrigatoriedade de que à acusação e defesa seja dado conhecimento e assegurada a real possibilidade de se pronunciarem sobre o promovido pela parte contrária e sobre a prova por ela produzida.
Em suma, na criação de condições de «reciprocidade dialética» entre a acusação e a defesa, aptas a que todos os sujeitos processuais possam contribuir de forma decisiva para a decisão final do processo (Maria João Antunes, «Direito ao silêncio e leitura, em audiência, das declarações do arguido», Sub Judice, n.º 4, 1992, p. 25).
O núcleo essencial do contraditório reconduz-se, pois, à exigência de que «nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar», pois que, «não se garante uma defesa efetiva se não houver possibilidade real de serem contrariadas e contestadas todas as afirmações ou elementos trazidos aos autos pela acusação» (Acórdãos do TC nºs 434/87, 172/92 e 372/2000, 279/2001, em www.tribunalconstitucional.pt e Acórdão do TC nº 367/2014, Diário da República n.º 230/2014, Série II de 27.11.2014).
É, precisamente, para esse efeito, que o art. 61º nº 1 do CPP concretiza o conteúdo material do estatuto do arguido, no que respeita ao catálogo de direitos instrumentais do direito de defesa.
Assim, se o direito de presença nos actos processuais que respeitem ao arguido previsto na al. a) é instrumental do exercício do contraditório e do direito de defesa, o mesmo tem de dizer-se do direito do arguido a ser ouvido ou seja, a pronunciar-se antes de ser tomada uma decisão que directa e pessoalmente o afecte, a que se refere a al. b).
Ora, um dos casos em que a lei impõe tal presença é a audiência de discussão e julgamento que, por princípio, importa a comparência obrigatória do arguido e do seu defensor, tal como imposto no art. 332º nºs 1 e 2, embora este princípio geral seja estabelecido «sem prejuízo do disposto no nº 1 e 2 do artº 333º e nos nºs 1 e 2 do artº 334º».
Por isso, excepcionalmente, de acordo com os nºs 1 e 2 do artigo 333º do Código de Processo Penal, a realização e o prosseguimento da audiência de discussão e julgamento sem a presença do arguido é possível, mas obedece a dois pressupostos essenciais: que a notificação ao arguido da data para a realização da mesma tenha sido válida e eficazmente realizada e que o Tribunal entenda não ser absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença, desde o início da audiência, caso contrário, terá de adiar o julgamento se o arguido faltar, não obstante regularmente notificado.
No caso vertente, tal como todo o iter processual desde o despacho de recebimento da acusação, até ao presente recurso, demonstra de forma evidente, o arguido foi válida e eficazmente notificado para todas as sessões do julgamento, esteve presente na primeira sessão, prestou declarações, no exercício dos seus direitos de defesa, estando, nessa sessão acompanhado e representado pela sua Ilustre Defensora subscritora do presente recurso, esteve presente na segunda sessão de dia 5 de Novembro de 2020, que não se realizou, precisamente, porque o Tribunal atendeu à invocação do impedimento resultante da «doença do filho», apresentada pela Ilustre Defensora, nessa sessão, foi-lhe pessoal e directamente comunicada a data do adiamento da continuação da audiência para o dia 12 de Novembro de 2020, pelo que se mostram cabalmente cumpridas todas as formalidades legais impostas pelo art. 113º nºs 1 als. a) e b), 8 al. a) 10 e 11; 196º nº 3 e 313º nº 3  do CPP, em matéria de notificações das datas agendadas para a audiência de discussão e julgamento ao arguido e ao seu Defensor.
O que aconteceu foi que o arguido faltou injustificadamente à sessão do dia 12 de Novembro de 2020, o mesmo acontecendo com a sua Ilustre Defensora, que de forma completamente abusiva veio interpor o presente recurso acusando o Tribunal de primeira instância de inobservância de regras de procedimento e de princípios constitucionais referentes a direitos de defesa do arguido, de comparência pessoal, audição contraditória e representação por Advogado, quando foi a própria quem por actos que só a si mesma são imputáveis – a começar pela doença do filho invocada para faltar à sessão do dia 5 de Novembro de 2020, que afinal foi uma mera consulta de observação rotineira no dentista, conforme email de 16 de Novembro de 2020 (referência Citius 127804787) – inviabilizou o exercício do seu mandato forense e criou a necessidade da sua substituição com a nomeação de outro Defensor ao arguido, de resto, em estrito cumprimento das normas contidas nos arts. 330º e 67º do CPP, de cuja conjugação resulta que a falta do Advogado Defensor do arguido não constitui causa de adiamento da audiência de discussão e julgamento, devendo ser, caso falte, substituído por outro Advogado.
Se é certo que o direito ao advogado que a Constituição da República consagra, em geral, no art. 20º nºs 1 e 2, como emanação do princípio da igualdade, no acesso ao direito e aos tribunais e como mecanismo de salvaguarda da tutela jurisdicional efectiva, se refere a todas as pessoas e a todas as acções judiciais e bem assim a outos procedimentos que envolvam uma interacção com qualquer autoridade, no âmbito do processo penal, o direito ao advogado dá lugar, à imposição de advogado, nos termos do art. 32º nº 3 da CRP, em sintonia com a consideração do arguido como um sujeito e não como um objecto do processo penal e do reconhecimento das garantias de defesa e do processo justo e equitativo.
«O direito à assistência de um defensor abrange a hipótese de defensor oficioso, designado pelo juiz, no caso de o arguido não exercer o seu direito de escolha. O defensor oficioso visa, em primeiro lugar, garantir ao arguido assistência; porém, não se tata apenas de um acto pro reo, mas de uma medida de tutela processual objectiva, pelo que se justifica a nomeação de defensor oficioso, mesmo contra a vontade do arguido (…).
«A Constituição não precisa (…) o estatuto do defensor. Funcionalmente, a sua missão é garantir e defender os direitos do arguido no processo. (…)
«A assistência de defensor é, segundo a Constituição, um direito do arguido em todos os actos do processo (i. é, em todos os actos em que o arguido intervenha ou possa intervir), sendo obrigatória, independentemente da vontade dele, em certos casos que a lei há-de especificar.» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, p. 520).
 A Constituição da República Portuguesa basta-se, pois, com a consagração genérica do direito do arguido de escolher o seu Defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, mas remete para a lei ordinária, ou seja, o CPP, a função modeladora desse direito, no que se refere ao estatuto processual do Defensor, às situações em que é obrigatória a representação judiciária do arguido, assim como aos casos da substituição do defensor oficioso ou constituído.
O que conta é a proibição de indefesa, sob pena de resultarem diminuídas ou retiradas as garantias de defesa do arguido, mas temperadas por um princípio de celeridade característico do processo penal, também em concretização do direito a um processo justo e equitativo e que torna inadmissíveis todas as manobras dilatórias, incluindo as faltas injustificadas dos Srs. Advogados aos actos processuais que impliquem a presença do arguido, como aconteceu no caso vertente.
De resto, precisamente por essa razão é que a marcação das diligências processuais penais, especialmente, da audiência de discussão e julgamento, obedecendo, embora, a um princípio de concertação de agendas com os Srs. Advogados que representam os sujeitos processuais, nos termos do art. 312º nº 4 do CPP e da remissão neste contida para o actual art. 151º do CPC, é da exclusiva competência do Juiz que decide por despacho irrecorrível (art. 313º nº 4 do CPP) e não está vinculado às datas alternativas propostas pelos Srs. Advogados, sendo certo que, mesmo essa mera possibilidade de alteração das datas inicialmente fixadas para o julgamento está condicionada à menção expressa das diligências já marcadas e correspectivos processos, até para permitir ao Juiz, se nisso vir interesse ou necessidade, sindicar da bondade do pedido de alteração do agendamento.
Como se pode constatar da compulsa do processo, a Ilustre Defensora, nem se deu ao trabalho de mencionar qual teria sido a diligência e respectivo processo que tinha sobreposta com a marcação da audiência de discussão e julgamento para o dia 12 de Novembro.
E o que também é certo, é que as regras constantes dos arts. 67º e 330º do CPP se aplicam indistintamente ao Advogado constituído Defensor por escolha do arguido, como ao Advogado nomeado Defensor ao arguido por iniciativa do Tribunal, à semelhança do que sucede com as situações em que a falta de comparência do Defensor deva ou não ser considerada justificada, nos termos do artigo 117° n°s 1, 2 e 8 do Código Processo Penal.
Por fim, também nem sequer se compreende ou vislumbra qual a pertinência ou a correspondência com a marcha do presente processo, da imputação feita no recurso, de que foram violados os princípios da oralidade, da imediação e da continuidade da audiência, desde logo, porque aquele que parece ser o pressuposto em que assenta tal imputação, nem sequer se verificou.
Não é da presença física do Defensor e do seu contacto directo com as provas que depende a observância do princípio da mediação, porque a relação comunicante, directa com as provas quem a tem de estabelecer é o Tribunal que é o órgão a quem incumbe avaliar e examinar criticamente as provas e fixar a matéria de facto provada e não provada que resultar dessa avaliação.
Ora, no caso vertente, o Tribunal substituiu a Ilustre Defensora, por causas que são da sua exclusiva responsabilidade e em estrito cumprimento das regras da CRP e do CPP, sendo certo, além do mais, que nem sequer seria legalmente admissível outro adiamento, para além daquele que já tinha ocorrido, no dia 5 de Novembro de 2020, considerando que a falta do Defensor não é, repete-se, motivo de adiamento da audiência e dá lugar à sua substituição.
Depois, porque a iniciativa do Tribunal de proceder à audição da testemunha MSF  fora da presença do arguido, além de prevista e regulada no art. 352º do CPP, nem sequer chegou a concretizar-se, nesse dia.
Tal inquirição veio, efectivamente, a ter lugar na ausência do arguido, mas tão-só porque este faltou injustificadamente à sessão da audiência do dia 12 de Novembro quando essa inquirição teve lugar, pelo que não pode deixar de se assinalar a notória má-fé subjacente às conclusões do recurso, na parte em que pretendem imputar ao Tribunal do julgamento a violação das garantias de defesa do arguido, do seu direito ao contraditório ou de assistência por defensor, bem como dos princípios da oralidade, da imediação e da continuidade da audiência, que não têm qualquer respaldo na tramitação processual, nem no modo como a Mma. Juíza conduziu a audiência de discussão e julgamento, no estrito e rigoroso cumprimento de todas as regras processuais, incluindo a ampla possibilidade de o arguido ser representado em todas as sessões da audiência pela sua Ilustre Defensora, a pretexto da doença de um filho que afinal era apenas uma observação de rotina no dentista, portanto, sem o carácter de urgência que justificaria o impedimento de estar presente, naquele dia 5 de Novembro.
Nesta parte o recurso não merece, pois, provimento.
Quanto aos vícios decisórios.
A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art. 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma.
Assim, se no primeiro caso, o recurso visa uma sindicância centrada exclusivamente no texto da sentença, dirigida a aferir da capacidade do juiz em expressar de forma adequada e suficiente as razões pelas quais se convenceu e o sentido da decisão que tomou, já no segundo, o que o recurso visa é o reexame da matéria de facto, através da fiscalização das provas e da forma como o Tribunal recorrido formou a sua convicção, a partir delas.
O erro do julgamento verifica-se sempre que o Tribunal tenha dado como provado um facto acerca do qual não foi produzida prova e, portanto, deveria ter sido considerado não provado, ou inversamente, quando o Tribunal considerou não provado um facto e a prova é clara e inequívoca, no sentido da sua comprovação.
O mecanismo por via do qual deverá ser invocado - impugnação ampla da matéria de facto – encontra-se previsto e regulado no art. 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP e envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
Acontece que o recorrente não se insurge contra o texto da sentença, quanto ao modo como a Mma. Juíza expressou a sua decisão de facto e a correspondente motivação, antes a sua discordância se dirige à circunstância de o Tribunal ter valorado com preponderância sobre outros meios de prova, as declarações da testemunha MSF e esse ser o único meio de prova que foi atendido.
  Só que este tipo de argumentação não serve, nem para qualquer dos vícios decisórios previstos no art. 410º do CPP, uma vez que não se alicerça no teor literal da decisão recorrida, mas também não se enquadra no erro de julgamento, previsto no art. 412º do CPP pela simples razão de que não imputa ao julgador qualquer falha de percepção, ou omissão, ou excesso no processo cognitivo de valoração das provas de que resulte a insustentabilidade lógica da decisão, tudo redundando numa mera discordância dirigida à fase final da formação da convicção e ao sentido geral da prova atribuído pelo julgador.
A prova documental e a prova pericial estão sujeitas a critérios legais de apreciação vinculada estabelecidos, respectivamente, nos artigos 169° e 163° do CPP.
Já os depoimentos prestados oralmente em audiência (únicos meios de prova cuja valoração é questionada, no caso) estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127° do CPP.
O princípio da livre apreciação da prova genericamente consagrado no artigo 127º do CPP, assenta na inexistência de regras legais que atribuam valor específico, pré-determinado às provas, ou que estabeleçam alguma hierarquia entre elas e na admissibilidade de todos os meios de prova, em geral, desde que não incluídos nas proibições contidas no art. 126º do CPP, em sintonia com o princípio consagrado no art. 32º nº 8 da Constituição.
Este sistema de livre apreciação da prova tem várias implicações, desde logo, no que se refere ao processo de fixação da matéria de facto e da sua exposição, na decisão final, quanto à formação da convicção do Tribunal e às exigências de fundamentação da decisão de facto, nos termos previstos no art. 374º nº 2 do CPP.
A simples afirmação de que a decisão de facto se bastou-se com a versão dos factos trazida pela ofendida/testemunha, «o que culmina, inevitavelmente, no erro notório da sua apreciação», não é válida para impedir a consideração como provados dos factos que tenha relatado, ainda que mais nenhuma prova se tenha produzido sobre eles, porque só depende da razão de ciência que a testemunha tenha apresentado, da veracidade intrínseca que o testemunho oferecer e da verosimilhança que os factos relatados tenham à luz do princípio contido no art. 127º do CPP.
Num sistema, como o processual penal português, de livre apreciação da prova, não tem qualquer eficácia jurídica o aforismo “testis unus testis nullus”, pelo que, um único depoimento, mesmo sendo o da própria vítima, pode ilidir a presunção de inocência e fundamentar uma condenação, do mesmo modo que as declarações do arguido por si só, isoladamente consideradas, podem fundamentar a sua absolvição.
«É hoje consensual que um único testemunho, pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança – o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições (Nesse sentido, cfr., entre outros, António Pablo Rives Seva, La Prueba en el Processo Penal-Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, Pamplona, 1996, pp.181-187)» (Ac. da Relação de Guimarães de 07.12.2018, processo 40/17.0PBCHV.G1, in http://www.dgsi.pt).
Acresce que esta parte do recurso nem sequer tem correspondência no modo como se formou a convicção do Tribunal que alicerçou a factualidade provada, nas declarações do próprio arguido que assumiu a autoria dos factos descritos na acusação, como expressamente, na sentença recorrida.
A improcedência do presente recurso é, pois, total.  

III – DISPOSITIVO
Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa:
Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, o acórdão recorrido.
Custas pelo arguido, que se fixam em 5 UCs – art. 513º do CPP.
Notifique.
*
Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pela Mma. Juíza Adjunta.

Tribunal da Relação de Lisboa, 7 de Abril de 2021
Cristina Almeida e Sousa
Florbela Sebastião e Silva