CONTRA-ORDENAÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário

I - O art. 162º do Código do Trabalho impõe a todos os empregadores a criação de um registo do tempo de trabalho diário e semanal, do qual deve constar a indicação das horas a que começa e termina a prestação de cada trabalhador, devendo nele ainda ser assinaladas as horas do começo e do fim de cada intervalo de descanso ou pausa.
II - A referida norma não é inconstitucional, na interpretação segundo a qual o registo do trabalho diário e semanal não se encontra realizado com os elementos que resultam da conjugação do mapa do horário de trabalho, do registo do trabalho suplementam e do registo das ausências ao trabalho.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Não se conformando com a sentença do Tribunal do Trabalho que confirmou a decisão da Inspecção-Geral do Trabalho que lhe aplicou a coima de € 1.446,51, imputando-lhe uma contra-ordenação grave, prevista e punida pela conjugação dos Art.ºs 162.º, 658.º e 620.º, n.º 3, alínea e), todos do Cód. do Trabalho, veio a arguida B………., S.A. recorrer para esta Relação, pedindo que a sentença seja revogada, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
1. O artigo 162.° do Código do Trabalho tem como fim a protecção dos trabalhadores no que respeita ao cumprimento pelos limites máximos de duração do trabalho, assim como, permitir às entidades competentes, o controlo do cumprimento de tais limites pelas entidades patronais., obrigação que a Arguida cumpre.
2. Este é o "bem jurídico" que é protegido pela norma em questão, e cuja violação é sancionada em termos contra-ordenacionais.
3. Para alcançar o resultado que o legislador procurou que fosse alcançado, que não é outro que não o de determinar o efectivo tempo de trabalho prestado por cada trabalhador, a Arguida tem efectivamente registos, de cuja coordenação resulta a pretensão legal, nomeadamente mapas de horário de trabalho, o registo do trabalho suplementar e os registos das ausências dos trabalhadores.
4. Se o trabalhador prestar mais horas do que as que lhe competiam por força do referido horário de trabalho, a Arguida regista, nos termos legais, o trabalho suplementar prestado por esse trabalhador.
5. Se um trabalhador prestar menos horas do que as que lhe competiam por força do citado horário, então a Arguida regista a sua ausência numa base informática central e nos termos constantes do documento n.° 1 que se junta.
6. Elementos estes que permitem apurar não só o tempo de trabalho prestado, mas o seu início e o seu término.
7. Deste modo, compulsando os registos citados e através de simples operação aritmética, aliás sempre exigida pelo disposto no artigo 162.° do CT que não exige o registo do apuramento pela Arguida, mas tão só dos elementos que permitam apurar, quer à Arguida quer à IGT, o número de horas prestadas por cada trabalhador.
8. Ora, a Unidade Orgânica em causa da Arguida, possui mapa de horário de trabalho, registos do trabalho suplementar e registos das ausências dos trabalhadores, onde se apontam as suas faltas, justificadas ou não.
9. Elementos esses que, como se referiu, quer por análise directa, quer por conjugação de dados, permitem, por si só apurar o número de horas de trabalho prestadas por cada trabalhador, por dia, por semana e, até se assim se pretender, por mês e ano.
10. De facto estes registos criam por si só todo um percurso de actividades, dos trabalhadores, do Banco Arguido. Percurso esse que indica de forma específica, clara e sem margem para dúvidas o número de horas que cada trabalhador utilizou, para as tarefas que cumpriu.
11. Bem como permite igualmente, aferir se pelo contrário não foi prestado trabalho e, mesmo por quanto tempo cessou essa prestação.
12. Conclui-se, pelo que ficou exposto, que o Banco Arguido, possui de facto um registo que permite apurar o número de horas de trabalho prestadas pelos seus trabalhadores.
13. Exige-se que exista um registo e, diga-se, é absolutamente irrelevante se é num só documento ou em diversos documentos, que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com a indicação da hora de início e de termo do trabalho, e o mesmo existe, tal com supra se demonstrou.
14. Registo este que se encontra disponível tanto para os trabalhadores como para a Inspecção Geral do Trabalho, que aliás, regularmente efectua visitas inspectivas no sentido de averiguar da correcta sujeição da entidade patronal aos normativos legais aplicáveis.
15. E mantendo esses elementos devidamente preenchidos cumprem assim os trabalhadores, ao serviço do Banco Arguido, a lei.
16. Considera, no entanto, a douta sentença ora recorrida que apesar do Banco arguido ter esses elementos disponíveis, nem por isso cumpre a lei.
17. Dado que só com um registo diferenciado, e passa-se, com o devido respeito, a citar: "se torna exequível o controlo pela entidade fiscalizadora dos limites impostos por lei à organização da actividade da empresa".
18. Com o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, não pode esta interpretação do artigo 162.° prevalecer.
19. A lei exige que exista um registo, e, diga-se, é absolutamente irrelevante se é num só documento ou em diversos documentos, que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com a indicação da hora de início e de termo do trabalho, e o mesmo existe, tal com supra se demonstrou.
20. O fim da lei é, como se refere na sentença, a averiguação dos tempos de trabalho, e os elementos que o Banco Arguido disponibiliza permitem essa averiguação, ao contrário do que a douta sentença ora recorrida afirma.
21. Não tendo o legislador fixado, de forma pormenorizada, como lhe era exigível, para mais atento o facto de o artigo 162.° constituir um tipo de legal de contra-ordenação, a forma como deve ser efectuado o registo, terá que se considerar lícita a actuação da ora Recorrente, quanto mais, quando aquela salvaguarda o bem jurídico protegido pela norma em apreço.
22. Não contendo o artigo 162.° nenhuma especificação da forma como deve ser efectuado o registo nele previsto, e quando interpretado no sentido em que o foi na douta sentença sob recurso, isto é, de que o bem jurídico nele protegido não pode ser salvaguardado quando, como é o caso dos autos, o Arguido efectua aquele registo através da conjugação do mapa de horário de trabalho, do registo do trabalho suplementar e do registo das ausências dos trabalhadores, é inconstitucional, por violação do artigo 29.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
23. Deste modo não cometeu a Arguida qualquer infracção.
O Sr. Procurador da República, no Tribunal a quo, apresentou a sua alegação, concluindo pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença.
Nesta Relação, a Ex.mª Magistrada do Ministério Público acompanhou a resposta do seu Exm.º Colega.
Recebido o recurso, correram os legais vistos.

Cumpre decidir.
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
a) - No dia 17 de Dezembro de 2004, pelas 15:00 horas, foi constatado pelos Sr.s Inspectores do Trabalho identificados no auto de notícia, C………. e D………., que a arguida mantinha a trabalhar na sua dependência sita na ………., n.º …., em ………., V. N. de Famalicão, e no cumprimento das suas funções, entre outros, os profissionais E………. “Sub-Chefe de Sucursal” e F………., “Chefe de Sucursal”, G………. e H………., estes escriturários, e todos admitidos no ano de 2000, sem que para estes possuísse o registo dos tempos de trabalho diário e semanal.
b) - Apesar de nessa dependência existir um suporte documental que possibilitava o preenchimento daquele registo, o referido Chefe de Sucursal, informou os Sr.s Inspectores que já não efectuavam aquele registo desde Agosto de 2004, esclarecendo que solicitara uma vez informação junto do departamento de pessoal da arguida, sobre a obrigatoriedade do referido registo e indagando, em simultâneo, se para proceder à sua efectivação não se encontrava disponibilizada uma aplicação informática que facilitasse essa aplicação e que, como não obtivera resposta entendeu que o registo não era obrigatório.
c) – No dia da visita inspectiva a arguida mantinha na dita dependência, mapas dos horários de trabalho, registo do trabalho suplementar e registo das ausências dos trabalhadores, documentos esses que foram exibidos aos Sr.s Inspectores.

Aplicando o direito.
Atentas as conclusões da alegação da arguida, ora recorrente, são duas as questões a decidir neste recurso:
I - Saber se a arguida praticou a contra-ordenação que lhe foi imputada e
II - Saber se é inconstitucional a norma constante do Art.º 162.º do Cód. do Trabalho.
1.ª questão.
O presente recurso é restrito à matéria de direito, atento o disposto nos Art.ºs 75.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, ex vi do disposto no Art.º 615.º do Cód. do Trabalho, salvo se se verificar qualquer dos vícios previstos nas alíneas [a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova] do n.º 2 do Art.º 410.º do Cód. Proc. Penal, situação em que a Relação pode reenviar o processo ao Tribunal do Trabalho para novo julgamento, atento o disposto no Art.º 426.º, n.º 1 deste último diploma, ou alterar a matéria de facto se dispuser dos elementos previstos em qualquer das alíneas do Art.º 431.º do mesmo código [Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412.º, n.º 3; c) Se tiver havido renovação da prova].
Ora, não se verifica nenhuma das hipóteses em que o Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto, pelo que nada mais há a fazer que não seja acatar a matéria de facto assente pelo Tribunal do Trabalho, nos seus precisos termos.
E, considerando os termos da impugnação, logo se verifica que a arguida, ora recorrente, embora aceite que não possui um registo - autónomo - que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com indicação da hora do início e do fim do trabalho, como dispõe o Art.º 162.º do Cód. do Trabalho, entende que nenhuma infracção cometeu, na medida em que possui mapa de horário de trabalho, registo do trabalho suplementar e registo das ausências dos trabalhadores.
Ora, encontrando-se previstos nos Art.ºs 179.º e 204.º, ambos do Cód. do Trabalho, a obrigatoriedade da elaboração de mapa de horário de trabalho e do registo do trabalho suplementar, respectivamente, ao par da obrigação constante do Art.º 162.º do mesmo diploma, integrando a sua inobservância contra-ordenações autónomas, punidas também autonomamente, sendo estas duas últimas, respectivamente, pelos Art.ºs 659, n.º 2 e 663.º, ambos do mesmo diploma, é óbvio que a tese da recorrente não tem fundamento.
A norma constante do Art.º 162.º do Cód. do Trabalho é inovação em relação ao direito anterior, impõe a todos os empregadores a criação de um registo do tempo de trabalho diário e semanal, do qual deve constar a indicação das horas a que começa e termina a prestação de cada trabalhador, parecendo que nele também devem ser assinaladas as horas do começo e do fim de cada intervalo de descanso ou pausa. Tal norma tem por escopo, contrariamente às que regulam a elaboração e afixação do mapa do horário do trabalho [Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro] e da elaboração do registo do trabalho suplementar [Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro], as quais já tinham tradição no nosso direito laboral anterior, permitir controlar o respeito pelos regimes legal e contratual da adaptabilidade, cumprir os limites legais da isenção do horário de trabalho, do trabalho nocturno e do trabalho suplementar – cfr. o disposto nos Art.ºs 164.º, 165.º, 169.º, 194.º, 178.º, 192.º e 200.º, respectivamente, todos do Cód. do Trabalho – e apurar da conformidade da organização da actividade da empresa com a disciplina do tempo de trabalho [Cfr. Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 2003, pág. 280, que aqui se acompanhou de perto].
Tratando-se, repete-se, de norma inovadora do Código do Trabalho, depois de haver larga tradição entre nós em matéria de mapas de horário de trabalho e de registo do trabalho suplementar, temos de concluir que o referido Art.º 162.º protege um bem jurídico diferente, que aquelas normas não tutelam. Daí que não se possa concluir que a elaboração e afixação dos mapas de horário de trabalho e a elaboração de registo do trabalho suplementar suprem a omissão da elaboração do registo do trabalho diário e semanal, conforme estabelece a norma citada.
Improcedem, assim, as pertinentes conclusões do recurso.
2.ª questão.
Consiste em saber se é inconstitucional a norma constante do Art.º 162.º do Cód. do Trabalho, por violação do Art.º 29.º, n.º 1 da Constituição da República, na interpretação segundo a qual o registo do trabalho diário e semanal não se encontra realizado com os elementos que resultam da conjugação do mapa do horário de trabalho, do registo do trabalho suplementar e do registo das ausências ao trabalho. Vejamos.
Dispõe o Art.º 29.º, n.º 1 da Constituição da República:
Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior [redacção constante da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, sem alterações no que ao recurso interessa].
Ora, tendo o Cód. do Trabalho entrado em vigor em 2003-12-01 e sendo os factos de 2004-12-17, não se vê onde foi violado o princípio - ora - constitucional do nullum crimen sine lege [Cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978, pág. 96].
Concluímos, assim, no sentido de que o Art.º 162.º do Cód. do Trabalho, na interpretação segundo a qual o registo do trabalho diário e semanal não se encontra realizado com os elementos que resultam da conjugação do mapa do horário de trabalho, do registo do trabalho suplementar e do registo das ausências ao trabalho, não viola o Art.º 29.º, n.º 1 da Constituição da República.
Daí que deva improceder também a 22.ª conclusão do recurso.
Em síntese, a sentença é de manter, nos seus precisos termos, sendo de rejeitar o recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em rejeitar o recurso, mantendo integralmente a douta sentença impugnada, nos seus precisos termos.
Custas pela recorrente.

Porto, 22 de Maio de 2006
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro