I - Os recursos de decisões proferidas em processo de jurisdição voluntária, têm como limite recursório o tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o STJ, verificados que estejam os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do tribunal da Relação, a par de que estejam em causa questões de legalidade estrita.
II - Uma decisão que julga, por inexistência de factos apurados, não poder proceder à alteração da que regulou as responsabilidades parentais não pode ser entendida como passível de recurso de revista porque não viola o sentido legal que deve atribuir-se a factos e circunstâncias supervenientes.
Relatório
AA intentou, em 8-11-2019, providência tutelar cível contra BB, visando a alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais anteriormente acordado e estabelecido relativamente ao filho menor de ambos, CC, nascido a 26-04-2014, que foi homologado por decisão proferida a 24-11-2015, entretanto alterado por acordo homologado em 16-04-2018.
Pediu a alteração do regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais no que respeita ao valor da pensão de alimentos, com um aumento para um valor superior a €140 mensais, e relativamente às despesas escolares e extracurriculares supervenientes, uma vez que o menor frequenta ATL durante as férias, requerendo que fique estipulado que a mãe contará com a comparticipação de 50% por parte do requerido no suporte das despesas do ATL e das despesas extracurriculares que se vierem a verificar, necessárias para o bem-estar do menor; quanto ao regime de férias, requer que o menor passe 15 dias seguidos com cada um dos progenitores no mês de agosto, devendo ainda ficar estipulada a quinzena a que corresponde a cada um com pelo menos um mês de antecedência e, em caso de impossibilidade, por motivos profissionais, de cumprir a cláusula anterior, deverá o requerido suportar, por si só, os custos do ATL relativos à sua quinzena.
Para o efeito alegou que o valor atualmente estipulado se encontra muito desajustado às necessidades atuais do menor, atendendo ao crescimento e às inevitáveis mudanças que isso acarreta na vida de uma criança; o vestuário infantil encarece de acordo com o tamanho procurado; a alimentação que é cada vez mais variada e em maior quantidade; a requerente aufere o vencimento base de €649 não conseguindo desdobrar este valor de modo a colmatar as exigências monetárias que lhe são impostas, impondo-se que, por vezes, se veja na necessidade de laborar em horário extraordinário; este rendimento não só se destina a cumprir para com as despesas do menor, como também se destina ao pagamento mensal de uma renda de €150 a que acrescem as obrigações de pagamento dos contratos de luz e água, assim como à aquisição das botijas de gás, que têm o custo de €27, cerca de € 20 mensais de contrato da luz e fatura de água com valores médios mensais na ordem dos €18,79; quanto a despesas escolares do menor, de momento, a requerido apenas contribui para a mensalidade do colégio, que é suportado em igual medida por ambos.
O requerido respondeu que não existe qualquer fundamento que permita fazer prova da ocorrência de qualquer facto ou circunstância superveniente suscetível de levar à alteração dos alimentos fixados, pois decorreu pouco mais de um ano desde a última alteração da pensão de alimentos, efetuada por acordo homologado por sentença notificada às partes em 23-04-2018 no apenso D),
O Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser julgado infundado o pedido de alteração.
Foi proferida decisão, a 17-01-2020, julgando o pedido de alteração do regime da regulação das responsabilidades parentais manifestamente infundado com o consequente arquivamento do processo.
Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a requerente , recurso que veio a ser julgado improcedente com a confirmação da decisão recorrida.
… …
Inconformada de novo a requerente interpõe agora recurso de revista concluindo que:
“ 1. Vem o presente Recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que considerou infundado o pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
2. Considerou que a pretensão da recorrente relativa à alteração da regulação das responsabilidades parentais não tem fundamento de facto concreto de onde se possa inferir a ocorrência de circunstâncias supervenientes que implique a sua alteração e, por conseguinte, julgou prejudicado o demais peticionado quanto às questões que se pretendiam.
3. Considera-se que a decisão proferida do Tribunal a quo não agiu conforme os interesses do menor, CC, fazendo tábua rasa das alterações da sua vida ocorridas supervenientemente ao acordo homologado em abril de 2018.
4. Neste acordo ficou estipulada entre os progenitores uma pensão alimentícia de €100,00 mensais, o que sustenta as anteriores decisões proferidas que decidem pela improcedência do pedido da recorrente.
5. Em abril de 2018 o menor tinha 3 anos, à data do pedido tinha 5 e tem atualmente 6 anos de idade.
6. A recorrente tem-se confrontado com uma dura realidade custeando as despesas do menor com uma comparticipação do pai no valor irrisório de €100,00 mensais, o que está manifestamente desajustado face às necessidades atuais do menor.
7. In casu, não restam dúvidas de que as necessidades do menor se alteraram desde essa data,
8. Sendo o pedido da alteração da pensão um peido justo e equilibrado, para o montante de €140,00 mensais, que, face a tudo o que foi exposto supra resulta num pedido devidamente fundado.
9. A recorrente aufere o vencimento base de 649€ (seiscentos e quarenta e nove euros), e está a viver com o filho numa casa arrendada, tendo deixado de habitar com os seus pais.
10. A recorrente não consegue suportar todas as despesas mensais do menor que lhe são impostas, carecendo de ajuda de familiares e da necessidade de prestar trabalho extraordinário.
11. Pretende a recorrente que a pensão de alimentos seja aumentada para €140,00 (cento e quarenta euros), tendo em conta que se verificaram, de facto, situações novas que justificam o pedido de alteração.
12. Pretende ainda que este Tribunal se pronuncie quanto à comparticipação do recorrido em 50% do valor do ATL que o menor frequenta nas férias, facto em relação ao qual se verificou omissão de pronúncia.
13. A recorrente peticiona ainda que o menor passe quinze dias do mês de agosto com cada um dos progenitores, devendo ficar estipulada a quinzena a que corresponde a cada um com pelo menos um mês de antecedência, e que em caso de impossibilidade de cumprimento desta cláusula, deverá o progenitor faltoso suportar os custos do ATL, ou outros, relativos à sua quinzena.
14. Afigura-se imperioso que a alteração das responsabilidades parentais do menor CC figure conforme o exposto, ficando concretamente regulado nos termos peticionados,
15. Suprimindo assim lacunas deixadas no acordo, que se entendem como injustas, desproporcionais e que não atendem ao superior interesse do menor.
16. A decisão em crise, in casu, viola claramente a lei no que respeita à interpretação e aplicação da norma constante nº1 do artigo 42º do RGPTC (“quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”) às especificidades do caso concreto.
17. Desta feita, e por tudo o demais que figura neste caso, não poderá aceitar-se que o superior interesse da menor não tenha sido atendido aquando da decisão proferida pelos Tribunais a quo, que não tiveram o cuidado de se debruçar sobre as claras falhas do acordo de abril de 2018 e das óbvias mudanças circunstanciais ocorridas posteriormente na vida do menor e da recorrente.
18. Face aos factos alegados, devidamente relacionados com a realidade sobrevinda e que manifestamente alteram as condições nas quais fora realizada a regulação das responsabilidades parentais quanto à prestação de alimentos, a não procedência de tal alteração manifesta uma clara violação por interpretação e aplicação das disposições combinadas dos artigos 42.º do RGPTC, do artigo 988.º, n.º 1 do CPC, do artigo 2012.º do CC, dos artigos 3.º, n.º 2, 18.º e 27.º da Declaração Universal dos Direitos das Crianças e do artigo 36.º, n.º 5 da CRP.
19. A decisão em crise evidencia um erro crasso de interpretação, nos termos do artigo 674º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Civil,
20. Pressupondo também a presença de fundamentos que delimitem a nulidade da sentença, ao abrigo do artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código do Processo Civil,
21. Violando ainda princípios constitucionais e orientadores do Direito da Família e da criança, como é o caso do Princípio da igualdade dos progenitores; o Princípio do superior interesse da criança e, por fim, o Princípio da segurança jurídica,
22. Devendo, por tudo o exposto, ser alterada por outra que decida conforme o peticionado”.
O Ministério Público apresentou contra alegações defendendo a confirmação da decisão recorrida e a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
… …
Fundamentação
Estão fixados os seguintes factos como provados:
“ - Por decisão de 24-11-2015, proferida no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, n.º 4797/15……, em que foi requerente BB e requerida AA, transitada em julgado, foi homologado o acordo dos progenitores relativamente ao regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais do filho CC, nascido em 26-04-2014, com o seguinte teor:
«Quanto ao Exercício das Responsabilidades Parentais relativas ao Menor:
CC, nascido em 26-04-2014
I - QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA:
- Todas as decisões de maior relevo para a vida do menor serão tomadas conjuntamente pelo pai e pela mãe, ressalvados os casos de urgência manifesta, em que qualquer deles poderá agir sozinho, prestando contas ao outro logo que possível.
II - RESIDÊNCIA do menor e atos da vida corrente:
- O menor residirá com a mãe, a cuja guarda fica confiado, que fica incumbida de zelar e acautelar pelo respetivo bem estar, a ela cabendo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor.
III - Direito de VISITAS:
Fins-de-semana:
- O pai passará fins de semana alternados (quinzenalmente) com o menor. Para o efeito, o pai recolhe o menor no final das atividades escolares de sexta-feira, no estabelecimento de ensino, e entrega-o aí no início das atividades escolares de segunda-feira.
- Na semana em que o menor não fica com o pai ao fim de semana, este terá o menor na sua companhia desde o final das atividades escolares de segunda-feira, até ao início das mesmas de terça feira, recolhendo-o e entregando no estabelecimento de ensino.
- Mediante acordo entre os progenitores, o menor poderá estar na companhia do pai em regime livre, sempre com respeito pelas atividades escolares e rotinas de descanso e refeição.
Natal, Ano Novo e Páscoa
- O menor passará estas festividades alternadamente, com cada progenitor, em conformidade com o que for acordado. No Natal e Ano Novo, o menor passará a véspera com um e o dia com o outro.
Aniversário do Menor:
- No dia do aniversário do menor, este tomará uma refeição com cada um dos progenitores.
Aniversário Pai/Mãe e Dias da Mãe/do Pai:
O menor tomará, pelo menos, uma refeição com o progenitor a que respeitar a festividade.
Férias:
- O menor passará 15 dias de férias com cada um dos progenitores, a combinar entre estes até 31 de maio.
IV - ALIMENTOS ao Menor:
- A título de pensão de alimentos o pai pagará à mãe-guardiã, a quantia de €80,00 (oitenta euros) mensais, até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária.
- A aludida pensão será atualizada anualmente, a partir de janeiro de 2017, à taxa de inflação publicada pelo I.N.E., não inferior a 3%.
- O colégio do menor será suportado em igual medida por ambos os progenitores.
- As despesas de saúde devidamente comprovadas e não comparticipadas e as despesas escolares (manuais e material escolar do início do ano escolar) serão comparticipadas em partes iguais por ambos os progenitores».
1.1.2. Por decisão proferida 17-05-2016, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, n.º 4797/15……, foi homologado o acordo dos progenitores relativo à alteração do regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado em 24-11-2015, relativo ao menor CC, do qual consta o seguinte:
«acordam em aditar as seguintes cláusulas ao acordo constante no processo principal de regulação das responsabilidades parentais, com o que põem termo à presente lide:
Regime de visitas:
- Os feriados nacionais que correspondam a dia útil serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, sendo o próximo (dia 26 de maio) passado com o pai.
Alimentos:
- Os consumíveis (fraldas, papas e toalhitas) requisitados pela creche serão suportados alternadamente por cada progenitor».
1.1.3. Por decisão proferida 16-04-2018, devidamente transitada em julgado, no âmbito do processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, n.º 4797/15….., o qual foi instaurado por requerimento de 3-04-2018, foi homologado o acordo dos progenitores relativo à alteração do regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo ao menor CC, do qual consta o seguinte:
«(…) tendo os requerentes acordado no seu aumento para a quantia mensal de €100 (cem euros),
(…) Com efeitos a partir do corrente mês de Março».
… …
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
No caso, a questão a conhecer é a de saber de deve ser revogada a decisão que, com base no não apuramento de factos, julgou não verificar alteração superveniente das circunstâncias para alterar as responsabilidades parentais fixadas anteriormente.
… …
Tendo sido o recurso interposto para conhecer do mérito da pretensão da recorrente, importa previamente apreciar a admissibilidade do mesmo, uma vez que o presente processo tutelar cível, que compreende uma providência de regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a estes respeitantes, têm natureza de processo de jurisdição voluntária - arts. 3º, 12º, 34º e seguintes do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Nos processos de jurisdição voluntária, cujas regras gerais se encontram estabelecidas nos arts. 986º a 988º do Código de Processo Civil, decorre a atribuição de poderes aos tribunais para investigarem livremente os factos que entendam necessários à decisão, para recolher as provas que julguem adequadas, declinando as demais, a par de poderem decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade, e, na grande maioria dos casos, ajustar a solução definida, à eventual evolução da situação de facto.
Outra particularidade inerente aos processos de jurisdição voluntária é a de o Supremo Tribunal de Justiça, por regra, estar impedido de conhecer das medidas tomadas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade - art.º 988º n.º 2 do Código de Processo Civil. Uma vez que a escolha das soluções mais convenientes e oportunas, está ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram, e não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de conhecer sobre a matéria de facto - arts. 674º e 682º do Código de Processo Civil - a lei limita a respectiva admissibilidade de recurso até à Relação - art.º 988º, n.º 2 do Código Processo Civil quando a decisão tenha sido proferida segundo critérios de conveniência ou oportunidade.
Na interpretação desta restrição importa verificar se a impugnação por via recurso se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas instâncias, ou se questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão, impondo-se, em qualquer caso, conhecer, no âmbito do recurso de revista, das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária, de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução, tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade – cfr. ac. STJ de 30-1-2019 no proc. 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1, in dgsi.pt.
No presente caso, a recorrente protesta que a decisão recorrida viola a lei quanto à interpretação e aplicação da norma constante nº 1 do artigo 42º do RGPTC (“quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”) às especificidades do caso concreto, o que desatende o superior interesse da menor por, a decisão recorrida, não ter tido o cuidado de se debruçar sobre as claras falhas do acordo de abril de 2018 e das óbvias mudanças circunstâncias ocorridas posteriormente na vida do menor e da recorrente.
Recordamos que o princípio da legalidade se enuncia como subordinação da actividade de interpretação e aplicação dos normativos legais ao conteúdo que deles mesmo se extrai, sem que ao juiz seja concedida discricionariedade para se mover na decisão num quadro que a lei fixe como de mera referência orientadora. A subsunção dos factos, como operação de inscrição da realidade apurada no direito, limitada pela lei, está vinculada a ela para assegurar o controlo do legislado, de forma que, não obstante a liberdade de interpretação sempre necessária, o juiz apenas tem de declarar o conteúdo da prescrição legal.
Por sua vez, o princípio da oportunidade compreende-se na faculdade que a lei confere ao juiz para procurar a solução mais justa e conveniente ao caso, dentro de um quadro de referência tópico que a lei indica como orientador. Assim, o art. 987 do CPC determina que nos processos de jurisdição voluntária “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.”. E a conveniência e oportunidade, nos processos tutelares cíveis, é balizada pelo interesse do menor, definido como superior, porque não são os interesses dos progenitores os factores de ponderação.
Para efeitos de apreciar se a decisão recorrida foi proferida segundo critérios de conveniência ou oportunidade, caso em que não é admissível a revista, ou se foi proferida, violando critérios de legalidade a que o tribunal estivesse sujeito, situação em que o recurso já seria de admitir, teremos de analisar o concreto da acção e decisão.
A decisão recorrida sustenta a sua fundamentação, para negar provimento ao recurso, que não se extrai das circunstâncias alegadas qualquer facto superveniente determinado e concreto, não sendo com base nas regras de experiência comum e de normalidade social que se aferem as alterações supervenientes, sem qualquer alegação de factos e, ainda, que atendendo à proximidade da última alteração, a pretensão da autora improcede.
Lendo estas circunstâncias diremos que a decisão recorrida entendeu que, perante os factos que (não) dispunha, num juízo de conveniência e oportunidade, tomando a concreta situação da criança, reapreciada pouco tempo antes e mantendo o escalão etário, não existia qualquer situação de superveniências que determinasse a alteração da regulação das responsabilidades parentais que estava em aplicação.
Em face do exposto, o que se pode questionar, apenas, será se o sentido da superveniência afirmado legalmente, como razão de proceder à alteração das responsabilidades antes estalecidas, foi incorrectamente entendido na decisão recorrida, de modo que a fazer concluir que amplitude desse princípio permitiria a alteração. E disso julgamos que teve a recorrente percepção quando, no ponto 16 das suas conclusões, refere que “a decisão em crise, viola claramente a lei no que respeita à interpretação e aplicação da norma constante nº 1 do artigo 42º do RGPTC (“quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”) às especificidades do caso concreto.”
Analisando com rigor normativo, julgamos não se oferecerem dúvidas quanto a uma decisão concreta, sobre o montante da pensão de alimentos, a guarda e o regime de visitas, como componentes da regulação das responsabilidades parentais, uma vez obtida a prova, ser presidida por critérios de conveniência e oportunidade no sentido de tomar a criança como centro dessa conveniência e oportunidade. Não há regras de determinação legal vinculativa quanto ao modo de estabelecer o montante de uma pensão de alimentos, um regime de visitas ou uma guarda e, por isso, a decisão a proferir molda-se sobre princípios de ampla disponibilidade que, como antes referimos, por essa razão, apenas são sindicáveis até ao Tribunal da Relação. art.º 988º, n.º 2 do Código Processo Civil.
Exige-se também igual rigor em determinar os casos em que, por a decisão estar sujeita a princípios de legalidade e não de oportunidade, é admissível o recurso.
A recorrente suporta que a circunstância de o tribunal poder produzir nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos termos do nº 1 do artigo 42º do RGPTC, quando a superveniência de razões o torne necessário alterar o que estiver estabelecido, impõe a admissibilidade de recurso para o Supremo porque nesse caso a decisão estará sujeita a critérios de estrita legalidade.
Julgamos não ser assim.
A decisão recorrida não subtraiu ao sentido legal do que sejam ou devam ser factos/ circunstâncias supervenientes nada do que o conteúdo normativo exige e contém, isto é, que supervenientes são tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. E, nesta conformidade, a decisão recorrida não chega a discutir que qualquer facto alegado não pudesse, ou não, ser considerado superveniente, porque o que afirma, repetindo o juízo de primeira instância, é que nenhum facto concreto posterior à decisão que se pretende ver alterada, ou anterior de que não se tivesse conhecimento, foi apurado, para que se pudesse modificar o regime antes estabelecido. E, em acréscimo, sublinhou que a decisão a alterar, estabelecida com curta anterioridade, comporta mecanismos de salvaguarda de desvalorização com cláusula de atualização, na qual se prevê que a aludida pensão será atualizada anualmente à taxa de inflação publicada pelo I.N.E., não inferior a 3%, e a comparticipação dos progenitores nas despesas com colégio da criança, despesas de saúde devidamente comprovadas e não comparticipadas e despesas escolares - manuais e material escolar do início do ano escolar. Acrescentando que, o simples decurso do tempo nunca permite, sem articulação de factos, a certificação da ocorrência de circunstâncias supervenientes, nomeadamente dentro de um mesmo escalão etário, nem qualquer presunção de uma alteração significativa e automática, das necessidades da criança.
Perante o exposto, entende-se que a arguição de uma eventual violação do entendimento das regras da superveniência tem de ser julgada inconsistente porque ela não se presume e não dispensa a articulação de factos que, no caso, não se apuraram de todo. Também, a circunstância de o pedido de alteração estar a ser realizado pouco mais de um ano e meio depois de esse mesmo regime das responsabilidades parentais ter sido obtido acordo, recomendaria sempre que a superveniência se traduzisse numa evidência que tivesse escapado à previsão do anterior regime, nomeadamente quando nele se deixou acautelado um mecanismo de atualização e de comparticipação de determinadas despesas além do montante fixo mensal.
Acrescenta-se que no domínio da factualidade de que esta decisão se pode servir, eles são apenas os que as instâncias deixaram firmados sem possibilidade de serem alterados na revista- art. 682.º, nº 2 e 674 nº 3 do CPC – anotando-se que não foi arguida qualquer violação das regras de direito probatório material.
Aliás, julgamos que admitir que a simples invocação da violação das regras da admissibilidade de alteração por superveniência dos factos, em abstracto, ou, até, a do superior interesse da criança, independentemente dessa violação remeter para factos que tivessem sido fixados como provados, perverteria a restrição legal dos recurso em processos de jurisdição voluntária, por regra, estarem limitados à Relação, porquanto dessa forma, essa invocação avulsa, ficcionando nela um critério de legalidade, tornaria sempre o recurso de revista admissível.
Nesta conformidade, julga-se não ser admissível a revista, nos termos do disposto no art. art.º 988º, n.º 2 do CPC.
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Síntese conclusiva
- Os recursos de decisões proferidas em processo de jurisdição voluntária, tem como limite recursório o Tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, verificados que estejam os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação, a par de que estejam em causa questões de legalidade estrita.
- Uma decisão que julga, por inexistência de factos apurados não poder proceder à alteração da que regulou as responsabilidades parentais não pode ser entendida como passível de recurso de revista porque não viola o sentido legal que deve atribuir-se a factos e circunstâncias supervenientes.
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Decisão
Pelo exposto acorda-se em julgar inadmissível a revista.
Lisboa, 18 de Março de 2021
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Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade da Srª. Juiza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva.
Manuel Capelo (relator)