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CATEGORIA PROFISSIONAL
PRINCÍPIO DA IRREVERSIBILIDADE DA CARREIRA
RETRIBUIÇÃO
PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
Sumário
I - Na medida em que reflecte a posição contratual do trabalhador e sinaliza o seu estatuto sócio profissional, a categoria é objecto de protecção legal e convencional que se evidencia, sobretudo, a três níveis: (i) na actividade a desenvolver; (ii) na remuneração devida; (iii) na hierarquização do trabalhador no seio da empresa. II - Expressão legal dessa protecção resulta do disposto no art.º 129.º n.º1, al. e), CT/2009, estabelecendo a lei que o empregador não pode baixar a categoria ao trabalhador, consagrando, assim, o denominado princípio da irreversibilidade da carreira. III - O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar). IV - Não estando submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, essas prestações retributivas apenas são devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição. V - A lei faz depender a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho da celebração de “acordo escrito”, ponto fulcral a reter, não admitindo genericamente a possibilidade do trabalhador exercer as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, antes a limitando quanto a determinados trabalhadores, designadamente nas condições nela indicados. Admite, ainda, outras situações de isenção de horário de trabalho, para além daquelas, mediante previsão em instrumentos de regulamentação colectiva. VI - Para se concluir que um trabalhador presta a sua actividade em regime de isenção de horário de trabalho não basta que a entidade empregadora lhe pague uma componente salarial a esse título, mesmo quando haja acordo do trabalhador. A lei estabelece um regime imperativo, que apenas comporta a possibilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho poderem prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho (n.º2, do art.º 218.º CT/09), daí que só pode concluir-se estar-se perante uma situação válida de prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho quando a mesma se enquadre na previsão legal, ou do CCT aplicável e, desde logo, desde que o acordo tenha sido celebrado por escrito.
Texto Integral
APELAÇÃO n.º 14235/18.6T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho da Comarca do Porto, B… intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra C…, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação desta no seguinte:
I) A reconhecer que a A. foi trabalhadora ao seu serviço desde 01/07/2014 até 20/10/2017 com categoria profissional de “Gerente Comercial”, categoria definida no anexo I do Contrato Coletivo de Trabalho para o Comércio do Porto (Retalhista), e a que corresponde o nível I de qualificação, de acordo com o nível salarial I, Grupo
II) Com o valor de 781,28€, conforme cláusula 22ª, art. 4º e anexos II e III do indicado CCT e da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 17 de 08.05.2015;
II) A reconhecer como retribuição, por se tratarem de prestações periódicas e regulares, da A., os montantes devidos a título de “Complemento de Loja”, de subsídio “Plus Funções” e de “Isenção de horário de trabalho”, desde a sua admissão em 01/07/2014 até à cessação do contrato de trabalho em 20/10/2017;
III) No pagamento à A. das retribuições em dívida, a título de “Complemento de Loja”, subsídio “Plus Funções” e “Isenção de horário de trabalho”, vencidas desde 22/06/2015 (data da transferência de loja) até 20/10/2017 (data de cessação do contrato), no montante total líquido de 16.328,23€;
IV) No pagamento à A. das diferenças salariais em função da categoria profissional desta, correspondentes ao trabalho prestado no período compreendido entre 01/07/2014 (data da admissão) e 20/10/2017 (data de cessação do contrato), tendo por referência as retribuições mínimas mensais previstas no CCT aplicável para a categoria de Gerente Comercial e as retribuições mensais auferidas pela A., que ascendem ao montante total líquido de 5.365,84€;
V) No pagamento à A. de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos gerais de direito, em quantia nunca inferior a 1.000,00€;
VI) No pagamento à A. dos juros de mora vencidos, à taxa legal, relativos às diferenças salariais pela categoria profissional de “Gerente Comercial”, contados desde Julho/2014 (data da admissão) até à presente data, a ascenderem a 852,65€;
VII) No pagamento à A. dos juros de mora vencidos, à taxa legal, com referência ao Complemento de Loja, ao subsídio “Plus Funções” e à Isenção de Horário de Trabalho, contados desde 22/06/2015 (data da transferência de loja) até à presente data, a ascenderem a 1.957,60€;
VIII) No pagamento à A. dos juros de mora vincendos, contados sobre o montante global do capital em dívida, à taxa legal, desde a presente data até efetivo e integral pagamento.
Alegou, no essencial, que em 01/07/2014 a R. admitiu-a ao seu serviço para desempenhar, de forma subordinada e sem termo, as funções que designou como sendo de Gerente de Loja, a que corresponde a categoria profissional de “Gerente Comercial”, não obstante lhe tenha atribuído a categoria de “Chefe de Secção”, sendo que a sua admissão resultou de negociação prévia através de responsável da R., na ocasião, a sua Área Manager, D…, que, para o efeito, a contactou pessoalmente.
Passou a desempenhar a sua prestação laboral na loja “E…” (loja ……), no Centro Comercial F…, em Matosinhos, exercendo funções inerentes à categoria de “Gerente Comercial”.
Em resultado da prestação laboral em apreço, a R. sempre a remunerou, de modo regular e periódico, do seguinte modo:
- 649,13 €/mês a título de vencimento base, acrescido de subsídio de refeição;
- 129,83 €/mês a título de isenção de horário trabalho, pago 11 vezes por ano;
- 333,34 €/mês a título de incentivo laboral designado por “complemento de loja”;
- 81,71 €/mês a título de subsídio designado por “plus funções”; e
- 24,22 €/mês a título de “abono de falhas”.
A partir do mês de outubro de 2014, passou a receber sempre a título de retribuição base, a quantia de 662,11€/mês.
Por carta datada de 31/05/2015, mas que recebeu em 13/05/2015, a R. comunicava-lhe “a não renovação do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 01/07/2014”, ao que reagiu, em carta de 18/05/2015, fazendo notar que a sua relação laboral era sem termo. A R., nos dias anteriores, e através de contacto pessoal da Area Manager, D…, tudo fez para que assinasse um contrato a termo certo, cuja minuta lhe entregou.
Como recusou, a única solução que a R. encontrou foi a de a transferir para outra loja que não a contratada. Por ordem expressa da R., por carta de 20/05/2015, rececionada e conhecida por si em 16/06/2015, através de comunicação pessoal da sua Área Manager D…, veio a ser transferida para a loja “E…” que a Empregadora também possuía e explorava no Centro Comercial G… (ex-Centro Comercial H…), no Porto. Transferência que se consumou em 22/06/2015.
Cumpriu a ordem, mas alertando que só aceitava tal transferência de local de trabalho, desde que não lhe acarretasse prejuízos sérios, designadamente, a perda ou diminuição das condições remuneratórias.
Tal transferência não implicou qualquer alteração no que às funções efetivamente exercidas respeitavam, continuando a desempenhar todas as tarefas próprias de “Gerente Comercial” contratadas, nem foi alterado o seu horário de trabalho, cumprido no regime de isenção. Todavia, a R., ilegal e abusivamente, deixou de lhe pagar as quantias mensais relativas ao “Complemento de Loja” de 333,34€, ao subsídio “Plus Funções” de 81,71€ e ao subsídio de isenção de horário de trabalho de 129,83€, no total de 544,88 €/mês.
Por carta de 19/09/2017, e ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 400º do CT, denunciou o seu contrato de trabalho, com efeitos em 21/10/2017, e que a R. aceitou.
Refere ainda que durante o processo negocial de admissão não se colocou a hipótese de vir a ser transferida para outra loja, muito menos de lhe poder ser retirada grande parte da retribuição previamente acordada. A ser assim, não teria aceite prestar trabalho para a R., nem teria cessado a relação laboral estável – do conhecimento daquela – que mantinha com a outra empregadora.
Realizada a audiência de partes e não tendo sido possível a conciliação, a Ré foi notificada para contestar.
A Ré contestou alegando que a A. agiu, ao longo de todo o seu relacionamento pré contratual e contratual com a ora R., com violação dos deveres de boa fé, com vista a requerer a aplicação do regime previsto no art.º 542º do Cód. Proc. Civil.
Refere que o processo de admissão da A. foi desencadeado no início de junho de 2014, por proposta da colaboradora da R., D…, que ingressara na empresa para assegurar a supervisão das lojas da R. na zona norte do país. A A. e a D… já se conheciam por terem sido colegas de trabalho na empresa I…, SA, desconhecendo a R. qual a natureza e a antiguidade do vínculo contratual que a A. mantinha.
A D… propôs a possibilidade de a R. contratar a A. para desempenhar as funções de “gerente” na loja E… do Centro Comercial F…. A R. definiu as condições de contratação e incumbiu a D… de as transmitir à A., como veio a suceder, no que concerne às parcelas remuneratórias, por e-mail de 4/06/2014. A D… transmitiu à A. que seria celebrado contrato a termo, pelo período de um ano, suscetível de renovação. Todas estas condições – modalidade de contrato e parcelas remuneratórias - foram igualmente confirmadas à A. pela responsável da empresa, na entrevista que lhe realizou dias após a comunicação da referida proposta salarial. A A. sempre esteve ciente de todas as condições contratuais apresentadas pela R., que aceitou, confirmando estar disponível para iniciar funções em 01/07/2014.
A R. formalizou perante a Segurança Social a Comunicação de Admissão da A., contratada a termo pelo prazo de um ano, com cessação em 30/06/2015. Foi elaborado o contrato de trabalho, Acordo de isenção de horário de trabalho e Regulamento, que em duplicado e já devidamente assinados pela representante da R., foram pessoalmente entregues pela D… à A. para a recolha da respetiva assinatura, com a indicação de que os deveria de seguida devolver aos serviços administrativos da R., situados em Lisboa.
A A. recebeu em mão os referidos documentos e reteve-os na sua posse, nunca os tendo devolvido à R., nem assinados, nem sem ser assinados. Devido ao período de férias de Verão, conjugado com a cessação de funções nessa ocasião da única colaboradora que desempenhava funções nos serviços administrativos da R., ninguém se apercebeu desta omissão da A.. Em maio de 2015, detetada a situação, a referida D… confrontou a A., questionando-a sobre a deslealdade da sua atuação e exigindo-lhe que entregasse a documentação devidamente assinada.
Impugna que tenha admitido a A. para desempenhar as funções de “Gerente Comercial”, referindo que foi contratada para exercer funções de “gerente de loja”, cabendo-lhe desempenhar o mesmo núcleo essencial de tarefas que todas as demais colaboradoras com as ditas funções de “gerente”, exercem nos diversos estabelecimentos que integram a estrutura da empresa a nível nacional, as quais possuem equivalente categoria profissional – Chefe de Secção - conforme ao CCT aplicável em cada zona territorial, podendo apenas verificar-se o pagamento, em certos casos, de parcelas salariais complementares à remuneração base por inerência à dimensão das lojas de novo lay out, respetivo volume de faturação e complexidade de gestão da loja.
Refere que à A., como às demais “gerentes” competia, no essencial, coordenar e controlar o trabalho da sua equipa, organizar e elaborar os respetivos horários de trabalho, controlar o trabalho desenvolvido e as vendas do seu estabelecimento, mas sempre sob dependência, validação e autorização hierarquicamente superior. A R. é a representante em Portugal da marca E… e desenvolve a sua atividade, em termos de gestão, marketing, planeamento, vendas, lay out das lojas, etc., em estrita obediência aos critérios e orientações, que em cada momento, são definidos e implementados pela própria marca. A A., como as demais “gerentes” de loja, nunca desempenhou as suas funções com qualquer autonomia para, por sua iniciativa e segundo o seu próprio, organizar ou alterar o que quer que fosse. Nunca possuiu qualquer autonomia de gestão, decisão ou financeira, e nunca teve também quaisquer poderes de representação da empresa perante terceiros.
A A. recebia de forma sistemática e continuada, todas as ordens e orientações para, de acordo com as mesmas, poder concretizar o desempenho das suas funções. A imediata superior hierárquica da A. e de quem esta recebia regular e sistematicamente as instruções e orientações, a supervisora D…, estava também ela, enquadrada na categoria de Chefe de Secção.
Conclui defendendo ser correta a categoria profissional atribuída de Caixeiro Encarregado /Chefe de Secção, sendo também correta a remuneração da A. por referência ao Nível III, tudo conforme Anexos I, II e III do CCT aplicável, publicado no BTE N.º 30 de 15/08/2014.
Mesmo que assim não se entendesse, sempre estariam incorretos os valores reclamados, considerando os períodos em que a A. esteve ausente de serviço em 2015 e 2016 devido a incapacidade temporária para o trabalho e em licença de maternidade.
Refere ainda que a A. sempre demonstrou dificuldade de adaptação aos procedimentos da empresa, não dava cumprimento e aplicação às diretrizes superiores que lhe eram transmitidas, nomeadamente, no que respeita à imagem corporativa a nível de Visual Merchandising. Por outro lado, adotou uma postura de inflexibilidade e arrogância perante os demais colaboradores que integravam a sua própria equipa, gerando múltiplos conflitos entre os diversos colaboradores.
O deficiente desempenho da A. desde julho de 2014 e ao longo do primeiro semestre de 2015, foi tendo reflexos no sucessivo incumprimento dos objetivos mensais fixados pela R. para a referida loja do CC F…, a mais importante e com maior fracturação da zona norte do país.
Considerando este circunstancialismo a R. decidiu comunicar-lhe a não renovação do contrato que, de boa fé, supunha ter sido celebrado a termo, mas que verificou não ser possível concretizar. Considerando o mau desempenho da A. e o incumprimento dos objetivos estabelecidos para a loja em questão, impunha-se adotar as necessárias medidas de gestão para evitar a continuação da acumulação de prejuízos, tendo decidido a transferência da A. para uma loja de menor dimensão e objetivos mais reduzidos. Foi com estes precisos fundamentos que lhe fez a comunicação transferência para a loja E… sita no CC H… Porto.
A transferência observou todos os requisitos legais previstos nos art.ºs 194º e 196º do Cód. Trabalho.
Quanto aos complementos salariais, refere que com fundamento na relação de confiança subjacente às funções de Chefe de Secção / Encarregado de loja e por inerência ao desempenho de tais funções, com o acordo formal de cada trabalhador, atribui, em certos casos, Isenção de Horário de Trabalho. No caso, a A. inviabilizou a formalização do acordo, ao reter e não assinar a documentação que lhe foi entregue.
Após a transferência da A. para a loja do CC H… Porto (actual CC G…), deixaram de se verificar as condições subjacentes à atribuição de isenção de horário.
No que respeita às parcelas salariais designadas por “Complemento de Loja” e “Plus Funções”, os critérios para a sua atribuição foram definidos pela R. já desde 2011, como um incentivo ou plus salarial diretamente indexado ao volume de vendas e de faturação de cada loja, revestindo a natureza de parcelas salariais não regulares e variáveis, tendo o direito de rever, alterar ou excluir a atribuição das mesmas. Este entendimento e prática da R. sempre foi do conhecimento da A. e foi-lhe expressamente confirmado na comunicação que lhe endereçou em 15/09/2017.
Impugna os danos não patrimoniais invocados pela A.
Peticiona a condenação da Autora como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e dispensada a fixação dos temas de prova.
Foi, ainda, fixado o valor da acção em €25.04,32.
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento. I.2 Subsequentemente, foi proferida sentença encerrada com o dispositivo seguinte: -“Termos em que julgo a presente ação parcialmente, por provada, e, em consequência: A) Condeno a Ré: I) A reconhecer que a Autora foi trabalhadora ao seu serviço desde 01/07/2014 até 20/10/2017 com categoria profissional de “Gerente Comercial”, categoria definida no anexo I do Contrato Coletivo de Trabalho para o Comércio do Porto (Retalhista), e a que corresponde o nível I de qualificação, de acordo com o nível salarial I, Grupo II, com o valor de 781,28€, conforme cláusula 22ª, art. 4º e anexos II e III do indicado CCT e da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 17 de 08.05.2015; II) A reconhecer como retribuição, por se tratar de prestações periódicas e regulares, da Autora, os montantes devidos a título de “Isenção de horário de trabalho”, desde a sua admissão em 01/07/2014 até à cessação do contrato de trabalho em 20/10/2017; III) No pagamento à A. das retribuições em dívida, a título de “Isenção de horário de trabalho”, vencidas desde 22/06/2015 (data da transferência de loja) até 20/10/2017 (data de cessação do contrato), no montante total ilíquido de 3.073,43€ (três mil e setenta e três euros e quarenta e três cêntimos); IV) No pagamento à A. das diferenças salariais em função da categoria profissional desta, correspondentes ao trabalho prestado no período compreendido entre 01/07/2014 (data da admissão) e 20/10/2017 (data de cessação do contrato), tendo por referência as retribuições mínimas mensais previstas no CCT aplicável para a categoria de Gerente Comercial e as retribuições mensais auferidas pela A., que ascendem ao montante total ilíquido de 4.734,24€ (quatro mil, setecentos e trinta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos); V) No pagamento à A. dos juros de mora vencidos, à taxa legal, relativos às diferenças salariais pela categoria profissional de “Gerente Comercial”, contados desde Julho/2014 (data da admissão) até à presente data, a ascenderem a 752,92€ (setecentos e cinquenta e dois euros e noventa e dois cêntimos); VI) No pagamento à A. dos juros de mora vencidos, à taxa legal, com referência à Isenção de Horário de Trabalho, contados desde 22/06/2015 (data da transferência de loja) até à presente data, a ascenderem a 466,71€ (quatrocentos e sessenta e seis euros e setenta e um cêntimos); VII) No pagamento à A. dos juros de mora vincendos, contados sobre o montante global do capital em dívida, à taxa legal, desde a presente data até efetivo e integral pagamento. B) Absolvo a Ré dos restantes pedidos por si formulados. C) Absolvo a Autora do pedido de condenação como litigante de má-fé. Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do decaimento – cfr. art.º 527.º, ns 1 e 2 do C.P.C. – não se atribuindo relevância em termos de custas ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
(..)». I.3 Inconformada com esta sentença, a Ré apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. Encerrou as alegações com as conclusões seguintes:
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38. Termina pedindo que o Acórdão recorrido seja revogado e substituído por outro que absolva a recorrente dos pedidos seguintes:
I) A reconhecer que a Autora foi trabalhadora ao seu serviço desde 01/07/2014 até 20/10/2017 com categoria profissional de “Gerente Comercial”, categoria definida no anexo I do Contrato Coletivo de Trabalho para o Comércio do Porto (Retalhista), e a que corresponde o nível I de qualificação, de acordo com o nível salarial I, Grupo II, com o valor de 781,28€, conforme cláusula 22ª, art. 4º e anexos II e III do indicado CCT e da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 17 de 08.05.2015;
II) A reconhecer como retribuição, por se tratar de prestações periódicas e regulares, da Autora, os montantes devidos a título de “Isenção de horário de trabalho”, desde a sua admissão em01/07/2014 até à cessação do contrato de trabalho em 20/10/2017;
III) No pagamento à A. das retribuições em dívida, a título de “Isenção de horário de trabalho”, vencidas desde 22/06/2015 (data da transferência de loja) até 20/10/2017 (data de cessação do contrato), no montante total ilíquido de 3.073,43€ (três mil e setenta e três euros e quarenta e três cêntimos);
IV) No pagamento à A. das diferenças salariais em função da categoria profissional desta, correspondentes ao trabalho prestado no período compreendido entre 01/07/2014 (data da admissão) e 20/10/2017 (data de cessação do contrato), tendo por referência as retribuições mínimas mensais previstas no CCT aplicável para a categoria de Gerente Comercial e as retribuições mensais auferidas pela A., que ascendem ao montante total ilíquido de 4.734,24€ (quatro mil, setecentos e trinta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos);
V) No pagamento à A. dos juros de mora vencidos, à taxa legal, relativos às diferenças salariais pela categoria profissional de “Gerente Comercial”, contados desde Julho/2014 (data da admissão) até à presente data, a ascenderem a 752,92€ (setecentos e cinquenta e dois euros e noventa e dois cêntimos);
VI) No pagamento à A. dos juros de mora vencidos, à taxa legal, com referência à Isenção de Horário de Trabalho, contados desde 22/06/2015 (data da transferência de loja) até à presente data, a ascenderem a 466,71€ (quatrocentos e sessenta e seis euros e setenta e um cêntimos); I.4 A recorrida apresentou contra-alegações, finalizando-as com as conclusões seguintes: ……………………………………….. ……………………………………….. ……………………………………….. I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, em concordância expressa com a sentença e a resposta às alegações de recurso. I.6 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência. I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos quanto ao seguinte:
- Ao concluir pelo enquadramento das funções exercidas pela Autora na categoria de Gerente Comercial, em violação do art.º 118º do CT e Anexos I, II e III do CCT aplicável, publicado no BTE N.º 30 de 15/08/2014 (conclusões 2 a 17);
- Ao reconhecer como retribuição, por se tratar de prestações periódicas e regulares, os montantes devidos a título de “Isenção de horário de trabalho”, desde a sua admissão em 01/07/2014 até à cessação do contrato de trabalho em 20/10/2017, em violação dos artigos (conclusões 18 a 35).
II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
Factos Provados (com interesse à decisão):
1. A R. dedica-se à atividade de comércio a retalho de jogos e brinquedos, em estabelecimentos especializados que giram sob a denominação “E…”.
2. Em 01/07/2014, a R. admitiu a A. ao seu serviço para desempenhar, de forma subordinada, as funções de “gerente” na loja E… do Centro Comercial F….
3. A admissão da A. resultou de negociação prévia através de responsável da R., na ocasião, a sua Area Manager, D…, que, para o efeito, a contactou pessoalmente.
4. Ao tempo e desde setembro/2006, a A. mantinha relação laboral sem termo com outra entidade empregadora, a sociedade “I…, SA”, para esta exercendo o cargo de Gerente Comercial no estabelecimento que aquela possui - “I1…” – no C. C. J…, em ….
5. Sendo que a identificada D… tinha sido, à época, supervisora da A. na “I…, SA”.
6. Com o desenvolvimento das negociações, aquela representante da R., em 04/06/2014, remeteu à A., através do seu e-mail profissional, proposta final para a sua contratação.
7. Face às condições que lhe foram oferecidas, a Autora aceitou a proposta da R. e denunciou o contrato de trabalho que mantinha com a “I…, SA”.
8. A A., admitida ao serviço da R. na apontada data, passou a desempenhar a sua prestação laboral na loja “I…” (loja 0.218), que esta possui e explora no Centro Comercial F…, em Matosinhos.
9. De harmonia com o acordado previamente, a Autora passou a exercer as seguintes funções:
- organizava e dirigia o estabelecimento comercial “E…” por conta da R.;
- organizava e dirigia o trabalho dos caixeiros/vendedores;
- cuidava da exposição das mercadorias e dos artigos a comercializar, esforçando-se para que tivessem um aspeto atraente;
- procurava resolver as divergências que porventura surgissem entre os clientes e os vendedores e dava as informações que lhe fossem pedidas;
- era responsável pelas mercadorias que lhe eram confiadas;
- verificava diariamente a caixa e controlava e geria as existências (stocks);
- usava sempre distintivo com a indicação “Gerente”, alusivo às suas funções, o que era visível e reconhecido por todos, bem assim, o seu uniforme de trabalho era diferente dos demais trabalhadores;
- reunia com a superior hierárquica, sempre que se impunha, primeiramente com a Area Manager D…, posteriormente, com Sandra Amorim e, ainda, com a Diretora Nacional, a Engª K…;
- fazia a distribuição e controlo dos objetivos diários, semanais e mensais;
- fazia entrevistas, sempre que necessário, para recrutamento de novos vendedores;
- marcava as férias dos caixeiros/vendedores;
- elaborava os horários dos trabalhadores da loja, bem assim, os ajustava às necessidades de serviço da mesma.
10. O período normal de trabalho da A. era de 40 horas semanais, repartido de Segunda-feira a Domingo, sem prejuízo do descanso obrigatório.
11. Em resultado da prestação laboral em apreço, a R. sempre remunerou a A., de modo regular e periódico, do seguinte modo: [alterada a redacção]
- 649,13 €/mês a título de vencimento base, acrescido de subsídio de refeição;
- 129,83 €/mês a título de isenção de horário trabalho, pago 11 vezes por ano;
- 333,34 €/mês a título de incentivo laboral designado por “complemento de loja”;
- 81,71 €/mês a título de subsídio designado por “plus funções”; e
- 24,22 €/mês a título de “abono de falhas”
12. Relativamente ao montante da retribuição base e a partir do mês de outubro de 2014, a A. passou a receber sempre, de forma regular e periódica, a quantia de 662,11€/mês. [alterada a redacção]
13. Por carta datada de 31/05/2015, mas recebida pela A. em 13/05/2015, a R. comunicava-lhe “a não renovação do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 01/07/2014” (sic) – (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial).
14. Através de carta dirigida à R., em 18/05/2015, a A. referiu à R. que a sua relação laboral era sem termo e que não outorgara com esta, à data da admissão ou posteriormente, qualquer contrato a termo certo a habilitar uma hipotética não renovação – (cfr. doc. 5 junto com a petição inicial).
15. Por ordem expressa da R., a constar de carta de 20/05/2015, apenas rececionada e conhecida pela A. em 16/06/2015, através de comunicação pessoal por parte da sua Área Manager D…, a A. foi transferida da identificada loja no Centro Comercial F… para a loja “E…” que a Empregadora também possuía e explorava no Centro Comercial G… (ex-Centro Comercial H…), no Porto – (cfr. doc. 7 e 8 juntos com a petição inicial).
16. A carta referida em 15., registada e expedida em 22/05/2015, foi remetida para a morada da residência da A., que esta não recebeu, nem reclamou a referida comunicação nos CTT, tendo sido devolvida (cfr. Doc. 13 a 16 juntos com a contestação).
17. A transferência de local de trabalho foi consumada em 22/06/2015.
18. Por carta que a A. dirigiu à R. em 25/06/2015, reagiu aos motivos invocados pela R. para a transferência, e alertou que só aceitava tal transferência de local de trabalho, desde que a mesma não lhe acarretasse prejuízos sérios, designadamente, a perda ou diminuição das condições remuneratórias e, bem assim, desde que mantivesse todas as outras condições que vinha usufruindo na anterior loja – (cfr. doc. 9 junto com a petição inicial).
19. A A. continuou a desempenhar as mesmas tarefas para que fora contratada.
20. Após a transferência, a R. deixou de pagar à A. as quantias mensais relativas ao “Complemento de Loja” de 333,34€, ao subsídio “Plus Funções” de 81,7€ e ao subsídio de isenção de horário de trabalho de 129,83€.
21. Em 10/08/2015 a A. entendeu denunciar à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) toda a situação laboral que considera prejudicial – (cfr. doc. 11 junto com a petição inicial).
22. Por carta de 19/09/2017 a A. declarou denunciar o contrato de trabalho celebrado com a R., ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 400º do CT – (cfr. doc. 12 junto com a petição inicial).
23.Denúncia contratual que produziu efeitos em 21/10/2017.
24. A R. formalizou perante a Segurança Social a Comunicação de Admissão da A., como contratação a termo pelo prazo de um ano, com cessação em 30/06/2015 - (cfr. Doc. 2 junto com a contestação).
25. A A. exercia as funções de coordenar e controlar o trabalho da sua equipa, organizar e elaborar os respetivos horários de trabalho, controlar o trabalho desenvolvido e as vendas do seu estabelecimento, sempre sob dependência, validação e autorização hierarquicamente superior.
26. A R. é a representante em Portugal da marca E…, e desenvolve a sua atividade, em termos de gestão, marketing, planeamento, vendas, lay out das lojas, etc., em estrita obediência aos critérios e orientações, que em cada momento, são definidos e implementados pela própria marca.
27. Neste circunstancialismo, a A., como as demais “gerentes” de loja, sempre esteve sujeita e devia obedecer às orientações que lhes eram comunicadas superiormente.
28. Durante o tempo em que se manteve ao serviço da R.:
a) a A. nunca teve autonomia para organizar, nem dirigir as lojas onde desempenhou funções, cabendo-lhe apenas cumprir as instruções e orientações que, para o efeito e em cada momento, lhe foram sendo superiormente transmitidas, ora pela supervisora D…, ora pela própria Country Manager, K…;
b) a A. também nunca teve autonomia para definir quais os produtos a comercializar nas diferentes épocas do ano, sendo a comercialização das mercadorias também definida superiormente segundo as campanhas previamente planeadas pela marca e divulgadas a todas as lojas para implementação;
c) A A. também nunca teve sequer autonomia para determinar em que termos se fazia a exposição ao público da mercadoria, uma vez que o lay out, é também definido pela marca, imposto e posto em prática, de forma igual, em todas as lojas, a nível nacional.
29. A imediata superior hierárquica da A. e de quem esta recebia regular e sistematicamente instruções e orientações, a supervisora D…, estava também ela enquadrada na categoria de Chefe de Secção.
30. A A. esteve ausente de serviço em 2015 e 2016 devido a incapacidade temporária para o trabalho e em licença de maternidade, durante os seguintes períodos:
- fevereiro 2015, 12 dias;
- março 2015, 13 dias;
- abril 2015, 13 dias;
- dezembro 2015, 1 dia;
- maio 2016, 7 dias;
- junho 2016, 30 dias:
- julho 2016, 31 dias;
- agosto 2016, 31 dias;
- setembro 2016, 21 dias.
– (cfr. doc. 4 a 10 juntos com a contestação).
31. A supervisora D… fez uma advertência escrita à A., formalizada em 22/06/2015, com o teor que consta do Doc. 11 junto com a contestação, que aqui se dá por reproduzido – (cfr. Doc. 11 junto com a contestação).
32. Comunicação esta que a A. se recusou a receber, tendo a referida D…, para comprovar a efetivação da advertência à A. e a recusa desta em recebê-la, pedido a confirmação presencial de uma colaboradora da loja, L… - (cfr. Doc. 11 junto com a contestação).
33. As parcelas salariais designadas por “Complemento de Loja” e “Plus Funções” foram introduzidas pela empresa como um incentivo ou plus salarial diretamente indexado ao volume de vendas e de faturação de cada loja.
34. A parcela designada como “Plus Funções” era uma parcela apenas atribuída a lojas com maior volume de faturação e de maior responsabilidade, como por exemplo, a referida loja do CC F… e a loja do CC M…, em Lisboa, cujas gerentes, em função dos resultados do seu desempenho, poderiam ascender a supervisoras.
35. A loja E… do CC H… Porto (atual CC G…) não conferia a atribuição de quaisquer complementos salariais, dada a sua menor dimensão e menor volume de faturação.
Factos não provados:
1. A A. sempre cumpriu um regime de isenção de horário de trabalho.
2. A R., nos dias 14 e 15/06/2015 e através de contacto pessoal da identificada Area Manager, D…, tudo fez para que a A. assinasse um contrato a termo certo, cuja minuta entregou à trabalhadora.
3. O que levou a A. a recusar tal pretensão, dado tratar-se de um contrato a termo certo com início da produção de efeitos a 01/07/2014, e cujo termo ocorreria em 30/06/2015, tendo como motivo justificativo a “necessidade de proceder à substituição da anterior gerente, N…”, então a Gerente Comercial na loja do F…, que cessara, em definitivo, a sua relação laboral com a R..
4. Desde o momento em que a R. ordenou que a A. fosse transferida de loja, foi criado nesta um estado lesivo, em termos psicológicos, materializados em sentimentos de injustiça, angústia, ansiedade, tensão, nervosismo, enervamento e preocupação,
5. O que se traduziu na perda do seu bem-estar pessoal e familiar - é casada e mãe de duas filhas menores -, uma vez que começou, também, a sentir fortes dores de cabeça, insónias, cansaço acrescido, dores musculares derivadas da tensão, do nervosismo, da irritabilidade e do stress.
6. Tendo levado a A. a dirigir-se a consulta de Psicologia, onde foi submetida a uma avaliação psicológica com anamnese, perdurando o tratamento psicoterapêutico, por oito meses, desde outubro de 2015 a maio de 2016.
7. Tendo-lhe sido diagnosticado, “stress agudo com sintomas de depressão”, patologia que condicionou a vida pessoal e familiar da A..
8. Aquando da contratação da A., e conforme as instruções superiores que recebeu, D… transmitiu à A. que seria celebrado contrato a termo, pelo período de um ano, suscetível de renovação.
9. Todas as condições contratuais – modalidade de contrato e parcelas remuneratórias - foram confirmadas à A. pela responsável da empresa (Country Manager), K…, na entrevista que realizou à A. alguns dias após a comunicação da referida proposta salarial.
10. De acordo com as condições propostas pela R. e aceites pela A., foi elaborado o contrato de trabalho, o acordo inerente à isenção de horário de trabalho e regulamento, documentos estes que, em duplicado e já devidamente assinados pela representante da R., K…, foram pessoalmente entregues pela referida D… à A. para a recolha da respetiva assinatura, com a indicação de que os deveria de seguida devolver aos serviços administrativos da R., situados em Lisboa.
11. A A. recebeu em mão os referidos documentos e reteve-os na sua posse, nunca os tendo devolvido à R., nem assinados, nem sem ser assinados.
12. Quando em maio de 2015 foi detetada a situação, a referida D… confrontou direta e pessoalmente a A., questionando-a sobre a deslealdade da sua atuação e exigindo-lhe que entregasse a documentação devidamente assinada e que em devido tempo lhe tinha entregue pessoalmente.
13. Desde que iniciou funções na loja da R. sita na loja do CC F…, em 14/07/2014, a A. sempre demonstrou muita dificuldade de adaptação aos procedimentos da empresa, verificando-se também que a A. não dava cumprimento e aplicação às diretrizes superiores que lhe eram transmitidas, nomeadamente, no que respeita à imagem corporativa a nível de Visual Merchandising,
14. E, à medida que o tempo ia passando, a A. foi revelando também incapacidade e desinteresse em dar satisfação às necessidades da loja, nomeadamente, em matéria de organização e gestão de horários (próprios e dos demais elementos da equipa).
15. Tendo sucedido, por diversas vezes, que a A. dava prevalência aos seus interesses pessoais, em detrimento dos interesses e necessidades de funcionamento da própria loja.
16. Para esconder o seu insuficiente e/ou deficiente desempenho, a A., passou a adotar uma postura de inflexibilidade e arrogância perante os demais colaboradores que integravam a sua própria equipa, gerando múltiplos conflitos entre os diversos colaboradores, com inerentes queixas e repetidas reclamações reportadas por estes superiormente à supervisora, D….
17. Durante o período em que a A. desempenhou funções na loja E… do CC F…, a referida D… fez múltiplas reuniões com a A., com o intuito de a ajudar a colmatar as suas dificuldades e de modo a que esta conseguisse cumprir as diretrizes recebidas superiormente e deu-lhe até formação de Visual Merchandising e em outras áreas.
18. Também nesse período, a referida D… viu-se obrigada a convocar reuniões com a presença de todos os elementos da equipa para resolver diretamente com estes e a A. as reclamações e ultrapassar os conflitos que se iam sucedendo.
19. Os referidos colaboradores informaram também a supervisora que a A. se recusava a aceitar os contributos daqueles que, naturalmente estando há mais tempo na empresa, se revelavam mais conhecedores, experientes e aptos, omitindo-lhes até as orientações superiores por ela recebidas, o que não lhes permitia saber quais as tarefas a cumprir e como as deviam cumprir.
20. O reiterado incumprimento dos procedimentos pela A. já repetidamente detetado pela supervisora, foi também confirmado pela Country Manager a qual, tendo-se deslocado à loja do CC F… em 26/05/2015, verificou que não estavam a ser cumpridas as diretrizes em matéria de Gestão de Stock, nomeadamente:
a) não estava feita a separação e organização do stock em categorias,
b) não havia controle de produtos ajustados de forma correta e faseada e com a devida justificação,
c) não estava a ser feito o processamento e envio de defeituosos para a sede, encontrando-se na loja produtos defeituosos em grande quantidade já desde fevereiro, representando stock parado, o que é gerador de prejuízo para a loja e consequentemente para a empresa.
21. Em resultado desta situação, no dia imediato – 27/05/2015 – a Country Manager e a supervisora D… reuniram com a A., alertaram-na para as irregularidades detetadas e incumbiram a A. de proceder à sanação das mesmas.
22. Em 16/06/2015, ou seja, decorridas três semanas após a referida reunião, a supervisora D… deslocou-se à loja tendo então constatado que o armazém da cave se encontrava completamente cheio de artigos defeituosos (8 a 10 caixas), sem estarem processados, nem preparados para devolver.
23. O deficiente desempenho da A. desde julho de 2014 e ao longo do primeiro semestre de 2015, a postura de sistemático desinteresse e o incumprimento das ordens e instruções superiores, foi tendo inevitáveis reflexos no sucessivo incumprimento dos objetivos mensais fixados pela R. para a referida loja do CC F….
24. Que se revelou, no mês de dezembro/2014 que é, em regra e por excelência, por inerência à época natalícia, o período de maior volume de vendas em todas as lojas, nos maus resultados da loja.
25. O que determinou a R. a transferir a A. para uma loja de menor dimensão e objetivos mais reduzidos.
A restante matéria alegada é conclusiva, encerra conceitos de direito, ou não assume qualquer relevância para a decisão de mérito a proferir nos autos, como sucede com a matéria alegada pela Ré nos artigos 127.º ss da contestação, quanto ao desempenho da A. na loja do Centro Comercial G…, uma fez que tais factos não fundamentam qualquer matéria de exceção, atenta a causa de pedir invocada pela Autora, considerando que foi a mesma quem rescindiu o seu contrato de trabalho, como provado e admitido pela Ré.
Também se mostra irrelevante a factualidade referida a propósito da resposta escrita que a Ré terá apresentado perante a ACT.
II.1.1 ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO POR INICIATIVA DESTE TRIBUNAL DE RECURSO
Impõe-se proceder a alterações à matéria de facto fixada, mas por iniciativa desta Relação, no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe (art.º 662.º 1, CPC), em razão de se encontrarem factos provados que na sua formulação contém expressões conclusivas.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
Importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
No facto 11 consta, para além do mais o seguinte:
- «Em resultado da prestação laboral em apreço, a R. sempre remunerou a A., de modo regular e periódico, do seguinte modo:
[..]»
E, no facto 12, lê-se: - «Relativamente ao montante da retribuição base e a partir do mês de outubro de 2014, a A. passou a receber sempre, de forma regular e periódica, a quantia de 662,11€/mês”.
Ambos os factos têm em comum o uso da expressão “regular e periódico”, conclusiva, na medida em que encerra um juízo de direito face à noção legal de retribuição, acrescendo que se reconduz a uma das questões controvertidas em discussão.
Por conseguinte, eliminam-se essas partes dos factos 11 e 12, que passam ter a redacção seguinte: - [11]«Em resultado da prestação laboral em apreço, a R. sempre remunerou a A do seguinte modo:
[..]». - [12]«Relativamente ao montante da retribuição base e a partir do mês de outubro de 2014, a A. passou a receber sempre a quantia de 662,11€/mês”.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A relação de trabalho subordinado em presença iniciou-se a 1 de Julho de 2014 (facto 2), aplicando-se o Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Concomitantemente, como refere o Tribunal a quo, cumprirá atender ao Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) para o Comércio do Porto (Retalhista), celebrado entre a Associação dos Comerciantes do Porto e outras e o CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal e outros, publicado no BTE nº 39, de 22/10/2007, alterado pelos CCT publicados nos BTE nº 5, de 08/02/2010 (retificado no BTE nº 10, de 15/03/2010) e nº 35, de 22.09.2011, aplicável por via da Portaria de Extensão publicada no BTE nº 20, de 29/05/2008 e, ainda, à alteração à quele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, publicada no BTE n.º 30 de 15/08/2014, esta mercê da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 17 de 08/05/2015. II.2.1 A recorrente, reiterando a posição assumida na contestação, começa por se insurgir contra a sentença, alegando que o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos ao concluir pelo enquadramento das funções exercidas pela Autora na categoria de Gerente Comercial, assim violando o art.º 118º do CT e Anexos I, II e III do CCT aplicável, publicado no BTE N.º 30 de 15/08/2014 (conclusões 2 a 17);
Quanto a esta questão, pronunciou-se o Tribunal a quo, na parte para aqui relevante, como segue:
- «No que diz respeito à primeira das questões enunciadas, a de apurar a categoria profissional da Autora e respetivo vencimento, é entendimento pacífico que a categoria profissional do trabalhador é aquela que corresponder às funções por si efetivamente exercidas, e não a que a entidade empregadora lhe atribui. Na sua essencialidade, o conceito “categoria profissional” compreende tanto a atividade que, em concreto, o trabalhador desenvolve para a entidade empregadora, como a posição hierárquica que ocupa na estrutura da empresa, caracterizando, aquela e esta, o respetivo estatuto profissional. No caso dos autos, os conteúdos funcionais correspondentes às categorias estão pré-determinados, pelo que a entidade empregadora estava obrigada a atribuir à trabalhadora uma das categorias convencionalmente fixadas, mais concretamente, aquela que correspondesse às funções efetivamente exercidas pela Autora, dado que a classificação profissional sendo contratualizada no âmbito dos CCTs, assume dimensão normativa, devendo entender-se que a atividade exercida, entendida como a função principal do trabalhador, deve corresponder ao conteúdo fundamental da categoria normativa, deve encaixar no “núcleo essencial” desta, aquilo que na essência a carateriza. A este propósito, entende a Ré que, tendo em consideração não só as tarefas que à Autora competia desempenhar, mas e sobretudo, em que termos as mesmas eram e/ou deviam ser efetivamente desempenhadas, torna-se forçoso concluir ser correta a categoria profissional que lhe esteve atribuída de Caixeiro Encarregado /Chefe de Secção, sendo também correta a remuneração da A. por referência ao Nível III, tudo conforme Anexos I, II e III do CCT aplicável, publicado no BTE N.º 30 de 15/08/2014. Refere ainda que, tendo em conta que a imediata superior hierárquica da Autora, e de quem esta recebia regular e sistematicamente as instruções e orientações, a referida supervisora D…, estava também ela, enquadrada na categoria de Chefe de Secção, não faria qualquer sentido, atenta a estrutura hierárquica existente na empresa e a posição que a Autora ocupava na mesma - gerente de loja – que alguma vez lhe tivesse sido proposta ou que tivesse sido contratada para o desempenho de funções inerentes à categoria de gerente comercial. Vejamos. Conforme dispõe o CCT aplicável, no seu Anexo I – Profissões e categorias profissionais – Trabalhadores do comércio: “Gerente Comercial - é o trabalhador que organiza e dirige um estabelecimento comercial por conta do comerciante; organiza e dirige o trabalho dos caixeiros ou vendedores; cuida da exposição das mercadorias, esforçando-se para que tenham um aspecto atraente; procura resolver as divergências que porventura surjam entre os clientes e os vendedores e dá informações que lhe sejam pedidas; é responsável pelas mercadorias que lhe são confiadas; verifica a caixa e as existências”. Dispõe o mesmo CCT no mesmo Anexo I – Profissões e categorias profissionais – Trabalhadores de escritório que: “Chefe de Secção - é o trabalhador que coordena, dirige e controla o trabalho de um grupo de profissionais”. No caso dos autos encontra-se provado que a Autora exercia as seguintes funções: organizava e dirigia o estabelecimento comercial “E…” por conta da R.; organizava e dirigia o trabalho dos caixeiros/vendedores; cuidava da exposição das mercadorias e dos artigos a comercializar, esforçando-se para que tivessem um aspeto atraente; procurava resolver as divergências que porventura surgissem entre os clientes e os vendedores e dava as informações que lhe fossem pedidas; era responsável pelas mercadorias que lhe eram confiadas; verificava diariamente a caixa e controlava e geria as existências (stocks); usava sempre distintivo com a indicação “Gerente”, alusivo às suas funções, o que era visível e reconhecido por todos, bem assim, o seu uniforme de trabalho era diferente dos demais trabalhadores; reunia com a superior hierárquica, sempre que se impunha, primeiramente com a Area Manager D…, posteriormente, com O… e, ainda, com a Diretora Nacional, a Engª K…; fazia a distribuição e controlo dos objetivos diários, semanais e mensais; fazia entrevistas, sempre que necessário, para recrutamento de novos vendedores; marcava as férias dos caixeiros/vendedores; elaborava os horários dos trabalhadores da loja, bem assim, os ajustava às necessidades de serviço da mesma. É certo que também resulta provado que a Autora exercia as funções de coordenar e controlar o trabalho da sua equipa, organizar e elaborar os respetivos horários de trabalho, controlar o trabalho desenvolvido e as vendas do seu estabelecimento, sempre sob dependência, validação e autorização hierarquicamente superior e que desenvolvia a sua atividade, em termos de gestão, marketing, planeamento, vendas, lay out das lojas, etc., em estrita obediência aos critérios e orientações, que em cada momento, são definidos e implementados pela própria marca. Também é certo que a Autora nunca teve autonomia para organizar, nem dirigir as lojas onde desempenhou funções, cabendo-lhe apenas cumprir as instruções e orientações que, para o efeito e em cada momento, lhe foram sendo superiormente transmitidas, ora pela supervisora D…, ora pela própria Country Manager, K…; nunca teve autonomia para definir quais os produtos a comercializar nas diferentes épocas do ano, sendo a comercialização das mercadorias também definida superiormente segundo as campanhas previamente planeadas pela marca e divulgadas a todas as lojas para implementação; nunca teve sequer autonomia para determinar em que termos se fazia a exposição ao público da mercadoria, uma vez que o lay out, é também definido pela marca, imposto e posto em prática, de forma igual, em todas as lojas, a nível nacional. Sendo ainda certo que a imediata superior hierárquica da Autora, e de quem esta recebia regular e sistematicamente instruções e orientações, a supervisora D…, estava também ela enquadrada na categoria de Chefe de Secção. Porém, não obstante esta factualidade, olhando para o conteúdo funcional das tarefas/funções atribuídas e exercidas pela Autora, a sua categoria profissional enquadra-se na de “gerente comercial”, nos termos definidos no CCT aplicável, pois não há dúvidas que era a Autora quem dirigia a loja a que estava adstrita, embora por conta do comerciante, ou seja, da Ré. Era a Autora quem organizava e dirigia o trabalho dos caixeiros ou vendedores; cuidava da exposição das mercadorias, esforçando-se para que tenham um especto atraente (embora cumprindo orientações e diretrizes da Ré); procurava resolver as divergências que porventura surgissem entre os clientes e os vendedores; era a responsável pelas mercadorias; e verificava a caixa e as existências. Além do mais, a categoria profissional de “chefe de secção” destina-se, como resulta do mesmo CCT, aos trabalhadores de escritório e, por isso, inaplicável ao caso da Autora. No Anexo II daquele CCT, a categoria de “Gerente Comercial” está enquadrada no nível salarial I, ao passo que a de “Chefe de Secção” se enquadra, apenas, no nível III. Assim, a Autora deveria estar enquadrada no nível salarial I, Grupo II, com a retribuição mensal de 781,28€, conforme a cláusula 22ª, art. 4º e anexos II e III do CCT e Portaria de Extensão a que se aludiu. Nos termos do n.º 2 do art.º 2.º daquela Portaria de Extensão, “a tabela salarial e as cláusulas de natureza pecuniária previstas nas convenções produzem efeitos a partir do 1.º dia do mês da publicação da presente portaria”, pelo que a produção dos seus efeitos, no que à Autora respeita, iniciou-se a partir do dia 01/05/2015. Nesta conformidade, a retribuição certa mínima (base) mensal da Autora, correspondente à categoria de “Gerente Comercial” deveria ter sido no valor de 781,28€.
[..]».
Argumenta a recorrente, no essencial, que “a Autora nunca teve autonomia para organizar, nem dirigir as lojas onde desempenhou funções, cabendo-lhe apenas cumprir as instruções e orientações” que lhes eram comunicadas superiormente, nem “nunca possuiu qualquer autonomia de gestão, decisão ou financeira sobretudo nunca teve também quaisquer poderes de representação da empresa perante terceiros”, sendo “forçoso concluir ser correta a categoria profissional que lhe esteve atribuída de Caixeiro Encarregado /Chefe de Secção”.
Responde a recorrida, alegando que atento os factos provados 2 e 9 e o disposto no CCT aplicável, só pode concluir-se que a qualificação correcta, enquanto foi trabalhadora da Recorrente na sua loja de Matosinhos e posteriormente na do Porto, é a correspondente à categoria profissional de Gerente Comercial. A categoria de Chefe de Secção nada tem a ver com trabalhadores de comércio, mas sim se destina, exclusivamente, a trabalhadores de escritório.
Diremos desde já que concordamos com a fundamentação da sentença recorrida, crendo-se que faz uma correcta aplicação do direito aos factos.
Em contraponto, importa começar por assinalar que a recorrente nem cuidou de rebater os fundamentos essenciais da decisão recorrida, praticamente limitando-se a replicar a argumentação que trouxe à acção.
Adiante justificaremos estas asserções. II.2.2 Antes de nos determos sobre a argumentação da recorrente, afigura-se-nos pertinente deixar as noções essenciais a propósito da noção de “categoria profissional”.
A posição do trabalhador na organização em que se integra define-se a partir daquilo que lhe cabe fazer, isto é, pelo conjunto de tarefas serviços e tarefas que formam o objecto da prestação de trabalho, o qual determina-se a partir da actividade contratada com o empregador [art.º 115.º n.º 1, do CT 09].
É neste contexto que surgem as referências à categoria do trabalhador e ao seu “direito à categoria”. Contudo, como aponta a doutrina, há que destrinçar entre os vários significados da designação categoria com efeitos juridicamente relevantes [Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Verbo, Lisboa, 1999, pp. 171].
A definição da actividade contratada, isto é, daquele conjunto de tarefas e serviços que formam o objecto do contrato de trabalho, pode ser feita por remissão para a categoria constante de regulamentação colectiva aplicável ou de regulamento interno da empresa [art.º 118.º n.º2, CT/09]. Neste caso, a categoria representa o objecto da prestação de trabalho. O género de tarefas e serviços a prestar pelo trabalhador são identificados com referência à qualificação de funções de um profissional-tipo.
Pelas palavras de António Monteiro Fernandes, “A categoria exprime, assim, um «género» de actividades contratadas - Há-de caber nesse género, pelo menos na sua parte essencial ou característica, a função principal que ao trabalhador está atribuída na organização (art.º 118.º), e que é já uma aplicação ou concretização da «actividade contratada». [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 200].
Mas como elucida Maria do Rosário Palma Ramalho, “A situação jurídica do trabalhador no contrato de trabalho envolve também uma componente vertical, que tem a ver com a posição que ele ocupa no seio da organização do empregador.(..) Por força da componente organizacional do contrato de trabalho, o trabalhador integra-se necessariamente na organização do trabalhador e essa integração tem efeitos na sua situação juslaboral” [Tratado do Direito do Trabalho, Dogmática Geral, 4º Ed., Almedina 2015, p. 459].
Aqui saímos do plano relativo à delimitação das funções que ao trabalhador cabe desempenhar, que dependem do objecto fixado no contrato, isto é da categoria objectiva, para se entender a referência a categoria já como reportada a um certo estatuto, nomeadamente retributivo [cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, op. cit., pp. 174].
Em suma, consideradas essas diferentes vertentes, pode dizer-se, pelas palavras de Monteiro Fernandes, que “A categoria constitui um fundamental meio de delimitação de direitos e garantias do trabalhador – ou, noutros termos, de caracterização do seu estatuto profissional na empresa. É ela que define o posicionamento do trabalhador na hierarquia salarial, é ela que o situa no sistema de carreiras profissionais, é também ela que funciona como referencia para se saber o que pode e o que não pode a entidade empregadora exigir ao trabalhador” [Op. cit., pp. 200].
Não se esgota aqui o sentido da expressão categoria, mas no caso em apreço não se justifica aprofundar este ponto.
A lei não define categorias profissionais. Mas como decorre do art.º 1º do CT 09 (e decorria do art.º 1.º do CT/03), “O contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (..)”.,
É nesse pressuposto que se compreende que a definição de categorias esteja remetida para a contratação colectiva, no âmbito da qual se estabelecem os quadros de categorias, classes, níveis ou graus profissionais, acompanhados da descrição das funções correspondentes, que se correlacionam com um certo estatuto ou tratamento contratual, desde logo, ao nível remuneratório. A categoria “(..) assume, assim, a natureza de conceito normativo – no sentido de que converte a realidade empírica, a da execução consensual de certos trabalhos, num título de acesso a certos direitos, benefícios e garantias pré-definidas, integradores de um estatuto profissional reivindicável pelo trabalhador” [António Monteiro Fernandes, op. cit, pp. 204]
Justamente por tudo isso, na medida em que reflecte a posição contratual do trabalhador e sinaliza o seu estatuto sócio profissional, a categoria é objecto de protecção legal e convencional que se evidencia, sobretudo, a três níveis: (i) na actividade a desenvolver; (ii) na remuneração devida; (iii) na hierarquização do trabalhador no seio da empresa [Ac. STJ de 12-03-2008, Proc.º n.º 07S4219, Conselheiro Sousa Grandão, disponível em www.dgsi.pt/jstj].
Expressão legal dessa protecção resulta do disposto no art.º 129.º n.º1, al. e), CT/2009 (e, resultava, nos mesmos termos, do art.º 122.º n.º 1 al. e), do CT/2003), estabelecendo a lei que o empregador não pode baixar a categoria ao trabalhador, consagrando, assim, o denominado princípio da irreversibilidade da carreira.
Como também elucida Maria do Rosário Palma Ramalho, “O conceito-chave para apreciar os elementos de inserção organizacional no contrato de trabalho na situação jurídica do trabalhador é ainda o conceito de categoria. (..) são relevantes para o recorte da posição do trabalhador na organização empresarial a categoria normativa (ou categoria-estatuto), denominação formal correspondente à função desempenhada pelo trabalhador, dada pelo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável ou pelo regulamento de empresa em vigor; é a categoria interna à empresa, que define a posição concretamente ocupada pelo trabalhador na hierarquia empresarial” [Op. cit., p. 459].
Reportando-se igualmente à categoria do trabalhador, no sentido de categoria normativa, Bernardo da Gama Lobo Xavier escreve que “Tratar-se-á da posição em que o prestador de trabalho se encontra por determinação da regulamentação colectiva aplicável, pela correspondência das suas funções ou posto de trabalho a uma dada «categoria» ou «classe», relevante para efeitos de hierarquia salarial e outros. (..) Categoria, nesta acepção, significa, pois, uma designação à qual se reporta um estatuto próprio de acordo com o prescrito por referência aos quadros, descritivos e tabelas dos instrumentos de regulamentação colectiva. Neste sentido se poderá falar de um verdadeiro direito à categoria ou qualificação (..). Estaremos assim em presença de categoria normativa ou estatutária” [op. cit. p. 172].
A classificação profissional atribuída pelo empregador ao trabalhador, porque “(..) redunda na fixação de direitos e expectativas, está sujeita a controlo externo, nomeadamente judicial, que obedece a um critério único – o de privilegiar a função efectiva sobre a designação categorial com vista à polarização do estatuto do trabalhador em causa” [António Monteiro Fernandes, Op. cit., p. 205].
A qualificação correcta na categoria assume-se como um direito do trabalhador, na medida em que lhe fixa direitos, nomeadamente, integrando-o numa determinada carreira e sendo o factor de referência para a determinação da retribuição devida em contrapartida da prestação da sua actividade.
Contudo, casos há em que poderá não ser viável o enquadramento pleno em determinado descritivo.
Mas se assim for, então “(..) deve ser reconhecida a categoria cujo «descritivo» mais se aproxime do tipo de actividade concretamente prestado; se duas categorias parecem igualmente ajustadas, tem de atribuir-se a mais elevada (isto é, a correspondente a funções mais valorizadas, de entre as quês estão cometidas ao trabalhador. Estas directrizes reflectem (..) o primado de um critério normativo de classificação profissional – critério ao qual não pode substituir-se o da entidade empregadora. Convém ter presente, neste ponto, que a categoria significa, para o trabalhador, não só a garantia de um certo estatuto remuneratório, mas também um referencial indispensável à salvaguarda da sua profissionalidade” [António Monteiro Fernandes, Op. cit., p. 211].
Por outras palavras, escreve-se no Acórdão de 12-03-2008, do Supremo Tribunal de Justiça [Proc.º n.º 07S4219, Conselheiro Sousa Grandão, disponível em www.dgsi.pt], “(..) a categoria profissional deve corresponder ao núcleo essencial das funções a que o trabalhador se vinculou legal ou contratualmente, não sendo necessário que exerça todas as funções que a essa categoria correspondem. O apelo ao “núcleo essencial” ou à “actividade predominante” constitui o parâmetro atendível quando o trabalhador exerça diversas actividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais. Ademais, em caso de dúvida, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efectivamente exercidas”.
Este é, desde há muito, o entendimento pacífico e uniforme da jurisprudência dos Tribunais superiores, como o ilustram, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 23-05-2001, processo n.º 01S266, Conselheiro Almeida Deveza, e de 23-02-2012, processo n.º 4535/06.3TTLSB.L1.S1, Conselheiro Sampaio Gomes. II.2.3 Revertendo ao caso, a autora foi contratada para desempenhar “(..) as funções de “gerente” na loja E… do Centro Comercial F….” [facto 2].
Mais está provado que [facto 9] “ De harmonia com o acordado previamente, a Autora passou a exercer as seguintes funções: - organizava e dirigia o estabelecimento comercial “E…” por conta da R.; - organizava e dirigia o trabalho dos caixeiros/vendedores; - cuidava da exposição das mercadorias e dos artigos a comercializar, esforçando-se para que tivessem um aspeto atraente; - procurava resolver as divergências que porventura surgissem entre os clientes e os vendedores e dava as informações que lhe fossem pedidas; - era responsável pelas mercadorias que lhe eram confiadas; - verificava diariamente a caixa e controlava e geria as existências (stocks); - usava sempre distintivo com a indicação “Gerente”, alusivo às suas funções, o que era visível e reconhecido por todos, bem assim, o seu uniforme de trabalho era diferente dos demais trabalhadores; - reunia com a superior hierárquica, sempre que se impunha, primeiramente com a Area Manager D…, posteriormente, com O… e, ainda, com a Diretora Nacional, a Engª K…; - fazia a distribuição e controlo dos objetivos diários, semanais e mensais; - fazia entrevistas, sempre que necessário, para recrutamento de novos vendedores; - marcava as férias dos caixeiros/vendedores; - elaborava os horários dos trabalhadores da loja, bem assim, os ajustava às necessidades de serviço da mesma».
Está ainda provado que após a transferência de loja, continuou a desempenhar as mesmas tarefas para que fora contratada [facto 19].
O artigo 118.º do CT/09, com a epígrafe “Funções desempenhadas pelo trabalhador”, no que aqui releva estabelece o seguinte:
- «1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional. 2 - A actividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional. 3 - Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional».
Deste artigo resulta, no essencial, o propósito de delimitar o poder de direcção da entidade empregadora, para em contraponto assegurar o direito dos trabalhadores ao exercício das funções contratadas, mas abrangendo estas, ainda que a actividade contratada tenha sido determinada por remissão para categoria profissional, “as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional”, considerando-se como tal, “designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional”.
Por seu turno, no CCT aplicável, na versão vigente à data - publicado no BTE, 1.ª série, n.º 30, de 15/08/2014-, a categoria profissional de “Gerente Profissional” consta definida – No Anexo I “Profissões e categorias profissionais, trabalhadores do Comércio -, nos termos seguintes:
- «É o trabalhador que organiza e dirige um estabelecimento comercial por conta do comerciante; organiza e dirige o trabalho dos caixeiros ou vendedores; cuida da exposição das mercadorias, esforçando-se para que tenham um aspecto atraente; procura resolver as divergências que porventura surjam entre os clientes e os vendedores e dá informações que lhe sejam pedidas; é responsável pelas mercadorias que lhe são confiadas; verifica a caixa e as existências”.
O confronto do elenco de tarefas que competia à autora assegurar com este descritivo revela, diremos mesmo, à evidência, que as funções exercidas por ela exercidas enquadram-se neste descritivo funcional, como bem entendeu e justificou o Tribunal a quo.
Com se referiu, a recorrente contrapõe, no essencial, que a autora não tinha “autonomia para organizar, nem dirigir as lojas”, nem “autonomia de gestão, decisão ou financeira sobretudo nunca teve também quaisquer poderes de representação da empresa perante terceiros”.
Como o devido respeito, esta argumentação não tem qualquer cabimento face ao descritivo funcional enunciado, mais parecendo que a recorrente está a generalizar como se estivesse em causa uma situação de um gerente de uma sociedade comercial, designadamente, quando dá enfase ao facto da autora não ter tido “quaisquer poderes de representação da empresa perante terceiros”. Mais, em parte alguma do descritivo da categoria de “gerente comercial” é referido que aquelas funções são exercidas com autonomia para organizar, de gestão, decisão ou financeira, isto é, por livre iniciativa e critério pessoal do trabalhador.
Por outro lado, a recorrente nada diz quanto ao facto deter classificado a autora com uma categoria profissional que nem sequer lhe é aplicável, nomeadamente, a de chefe de secção, prevista no mesmo anexo, mas para os “trabalhadores de escritório”, sendo o seu descritivo o seguinte: “É o trabalhador que coordena, dirige e controla o trabalho de um grupo de profissionais”.
Mas se directa e objectivamente não esgrime qualquer argumento a esse propósito, desde logo, para justificar a razão desse enquadramento manifestamente inadequado, vem agora, em sede de recurso, tentar contornar a questão dizendo que é “forçoso concluir ser correta a categoria profissional que lhe esteve atribuída de Caixeiro Encarregado /Chefe de Secção”, ou seja, vindo referir a categoria de “caixeiro encarregado”, que já pertence ao grupo das categorias profissionais dos “Trabalhadores do comércio”, como se fosse equiparável a chefe de secção, sendo certo, convém não esquecer, que não era esta a categoria que atribuiu à autora.
Não obstante, pese embora a recorrente nem tenha cuidado de elaborar qualquer argumentação para justificar o pretendido enquadramento nessa categoria, apenas dizendo que tal é “forçoso”, como que a imputar erro ao tribunal a quo, para que não lhe restem dúvidas quanto ao acerto da decisão recorrida, prosseguiremos a apreciação nessa perspectiva.
O descritivo funcional da categoria de “Caixeiro encarregado”, é o seguinte:
- «É o trabalhador que no estabelecimento ou numa secção do estabelecimento se encontra apto a dirigir o serviço e o pessoal do estabelecimento ou secção; coordena, dirige e controla o trabalho e as vendas.».
Ora, como bem se vê, este descritivo não comporta de todo o leque de funções que eram exercidas pela autora, nomeadamente as acima descritas. Basta fazer o confronto.
Pelo contrário, como bem entendeu o Tribunal a quo, “ olhando para o conteúdo funcional das tarefas/funções atribuídas e exercidas pela Autora, a sua categoria profissional enquadra-se na de “gerente comercial”, nos termos definidos no CCT aplicável, pois não há dúvidas que era a Autora quem dirigia a loja a que estava adstrita, embora por conta do comerciante, ou seja, da Ré. Era a Autora quem organizava e dirigia o trabalho dos caixeiros ou vendedores; cuidava da exposição das mercadorias, esforçando-se para que tenham um especto atraente (embora cumprindo orientações e diretrizes da Ré); procurava resolver as divergências que porventura surgissem entre os clientes e os vendedores; era a responsável pelas mercadorias; e verificava a caixa e as existências”.
Por conseguinte, não se reconhece razão à recorrente, assim improcedendo este ponto do recurso. II.3 Numa segunda linha de fundamentação vem a recorrente insurgir-se contra a sentença, alegando que o Tribunal a quo errou na aplicação do direito aos factos, ao concluir que a Ré não podia ter suprimido a componente salarial que pagava à autora, 11 meses ao ano, designando-a como “isenção de horário”, na consideração que a mesma fazia parte da retribuição, por essa razão estando sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado na al. d) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho.
Na fundamentação da sentença, a este propósito, consta o seguinte:
- «Apreciemos agora se à Ré era licito suprimir as componentes salariais que denominava de “Isenção Horário Trabalho”, “Complemento Loja” e “Plus Funções”. No que diz respeito à “isenção de horário de trabalho”, no início da sua relação laboral foi atribuído à Autora, pela Ré, um complemento salarial que esta discriminava nos seus recibos como “isenção horário trabalho” no valor de 129,83€, não se tendo, porém, comprovado nos autos, que a Autora, efetivamente, estivesse sujeita a um tal regime, nomeadamente, vg., por não estar sujeita aos limites máximos do período normal de trabalho fixado pela Ré (cfr. art.º 219.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho). Como resulta do disposto no art.º 218.º do Código do Trabalho, o cumprimento de horário em regime de isenção está sujeito a acordo escrito a formalizar entre a empresa e o trabalhador, o que no caso dos autos não ocorreu. Por outro lado, como se referiu, não resulta provado nos autos que a Autora tivesse estado sujeita a um tal regime. Não obstante, a Ré, desde o início do contrato (01/07/2014), até à data em que transferiu a Autora para a loja do Centro Comercial G… (22/06/2015), sempre pagou esse complemento salarial, 11 meses por ano. Nos termos do n.º 1 do art.º 258.º do Código do Trabalho, “considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a retribuição “compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie”. O n.º 3 deste preceito legal consagra a presunção de que constitui retribuição “qualquer prestação do empregador ao trabalhador”. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/06/2010(1) que mantém inteira atualidade: “III - A retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida, aqui avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o carácter sinalagmático do contrato de trabalho, permitindo, assim, excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado, mas que, ao invés, prossigam objectivos com justificação distinta. IV - Enformando o conceito de retribuição, surgem, também, as características da periodicidade e da regularidade que, por um lado, apoiam a presunção da existência de uma vinculação prévia, e, por outro, assinalam a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo assim relevância ao nexo existente entre a retribuição e as suas necessidades pessoais e familiares. V - A regularidade da retribuição está associada à sua constância; a periodicidade significa que a retribuição é satisfeita em períodos certos ou aproximadamente certos no tempo. (...) O conceito de retribuição integra, assim, todas as prestações pagas pela entidade patronal como contrapartida do trabalho, desde que as mesmas tenham as caracteristicas de periodicidade e da regularidade. Como refere Pedro Romano Martinez(2) tais características têm como pressuposto o protelamento, no tempo, da atividade, o que se compreende considerando que a retribuição constitui a fonte de rendimento do trabalhador e, daí, a exigência habitualmente apontada no sentido de o seu pagamento ser suscetível de criar no trabalhador a expectativa do seu recebimento, associada à previsibilidade de rendimentos. Também António Monteiro Fernandes(3) considera que “a repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida.” Como refere a Autora, citando Monteiro Fernandes in “Direito do Trabalho”, 14ª, Almedina, 2009, p. 481, a determinação qualitativa da retribuição assenta em dois aspetos: desde logo, o da certeza da periodicidade no pagamento – característica que tem um duplo sentido indiciário: “por um lado, sugere a existência de uma vinculação prévia (quando se não ache expressamente consignada) e, por conseguinte, de uma prática vinculativa, por outro, assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele”; e, depois, o da obrigatoriedade das prestações efetuadas pelo empregador, que decorre, não só da lei, de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho, das estipulações expressas nos contratos individuais de trabalho, como também, dos usos da profissão e da empresa. Assim, como também refere a Autora, de harmonia com o n.º 2 do art.º 258.º do Código do Trabalho, poder-se-á afirmar que se determinada prestação configurar uma prática habitual (e não anómala ou ocasional) do empregador e disser respeito ao trabalho prestado, gerando no trabalhador uma legítima expectativa de ganho em função da regularidade e periodicidade da correspondente prestação de trabalho, é legítima e justificada a sua convicção de que tal benefício económico constitui um complemento normal da sua retribuição. Em face do n.º 3 do mesmo artigo, se um trabalhador demonstrar que várias vezes, ao longo de determinado período, lhe foram pagos certos montantes, beneficia da presunção do caráter retributivo daquelas prestações, e o empregador terá de a ilidir, para evitar as consequências legais que daí advêm, nomeadamente, a aplicação do princípio da irredutibilidade salarial. No caso dos autos, independentemente do nome que a entidade empregadora deu a este complemento salarial, o certo é que com regularidade mensal, pagou periodicamente, durante 11 meses por ano, entre a data da admissão da Autora, 01/07/2014, até 22/06/2015, esta componente salarial, criando na Autora a expectativa de tal remuneração. Sendo certo que dos autos não resulta que tenha sido celebrado qualquer acordo de isenção de horário de trabalho, nos termos do disposto no art.º 218.º do Código do Trabalho, nem sequer resulta que a Autora estivesse sujeita a um tal regime, não poderia a Ré suprimir tal componente salarial, que tem de se entender fazer parte da retribuição da Autora, sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado na al. d) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho.
[..]».
Argumenta a recorrente, no essencial, que o princípio da irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho, as quais apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, assistindo à entidade empregadora o direito de as suprimir logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, conforme é entendimento da doutrina e igualmente sufragado pela jurisprudência.
Mais refere que tendo a A. cessado o desempenho de funções na loja na loja do CC F…, a partir de 22/06/2015, tais parcelas deixaram de lhe ser devidas, por ter cessado a situação concreta e especifica que esteve na base da sua atribuição.
Refere, ainda, que tentou cumprir a exigência formal de acordo escrito, “sendo que ficou demonstrado que a A, ora Recorrida, não o assinou”, não lhe sendo tal imputável o Tribunal a quo não podia deixar de valorar essa omissão. A Recorrente “manteve, de forma errada e errónea, isto é, não tendo a convicção que a mesma não era devida, o pagamento da inerente parcela salarial enquanto a A. se manteve a desempenhar funções na loja do CC F…, por ter sido essa uma das condições que foi acordada e aceite aquando da admissão da A.”.
Alega, ainda, que “não se pode olvidar e deixar de analisar que foi a A., ora recorrida, que invocou a nulidade, por falta de forma legalmente devida, relativamente ao Acordo relativo à isenção de horário, pelo que aproveitar-se de uma nulidade que a mesma invocou será um verdadeiro venire contra factum proprium”.
Contrapõe a recorrida, que desde o início da prestação laboral e até ao momento da sua transferência para a loja do Porto, sempre lhe foi pago e recebeu, durante 11 meses, um complemento salarial mensal de 129,83€ que a Recorrente apelidava – mal como se apurou - como sendo a título de isenção de horário de trabalho (pontos 11. e 20. da matéria de facto assente). Não ficou provado que a tivesse laborado com sujeição ao regime de isenção de horário, nem que as Partes tivessem outorgado o obrigatório acordo escrito visando tal isenção.
Não se reportando tal complemento salarial ao pagamento de contrapartida de prestação de trabalho cumprido em regime de isenção de horário, esse pagamento regular e periódico constitui retribuição, tal como definida no art. 258º do CTrabalho, estando sujeita ao princípio da irredutibilidade. II.3.1 O fulcro da questão prende-se com a noção de retribuição e o princípio da irredutibilidade da retribuição, para apurar se prestação que era paga pela R. à autora, no valor de 129,83€/mês, a título de isenção de horário trabalho, 11 vezes por ano, integra a retribuição daquela e se podia ser retirada sem que tal consubstanciasse violação das garantias do trabalhador quanto à não diminuição da retribuição.
O artigo 258.º do CT, com a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição”, estabelece o seguinte: 1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
Desta noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
Tratando-se de uma presunção ilidível recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos necessários para a afastar (art.º 350.º CC).
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se ao actual art.º 258.º do CT/09, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Op. Cit, p. 479].
A Lei não diz quando se deve considerar que uma prestação é regular e periódica.
Como assinala aquele mesmo autor, “O problema da qualificação jurídica de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daqueles atribuições, na contratação colectiva e na prática das empresas. (.. ). Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de vencimento base). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia a dia – do trabalhador e da sua família” [Op. cit. pp. 476/477].
No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, reportando-se igualmente ao CT/09, sobre o conceito de retribuição escreve o seguinte: “Reportando-nos agora especificamente ao conceito de retribuição a sua noção legal, (…) permite isolar os seguintes elementos essenciais: a retribuição constituiu um direito do trabalhador; (…) que decorre do próprio contrato; (…) é a contrapartida da actividade laboral; (…) é regular e periódica; (…) é uma prestação patrimonial”. Mais adiante, prossegue para observar que “Para além da retribuição base, o trabalhador pode ter direito a determinados complementos remuneratórios, os quais integram ou não o conceito de retribuição, consoante partilhem os respectivos elementos essenciais. No caso afirmativo, estes complementos beneficiam da tutela da irredutibilidade e do regime de tutela dos créditos retributivos; no caso negativo poderão ser retirados ao trabalhador, se a razão pela qual foram atribuídos deixar de existir. A multiplicidade e diversidade dos complementos remuneratórios auferidos pelo trabalhador em execução do contrato de trabalho, tornam difícil a sua enumeração e, sobretudo a sua qualificação, que só pode ser feita no caso concreto, aferindo da presença, em cada um deles das características que permitem a sua recondução ao conceito de retribuição” [Op. Cit., p. 571 e 574].
Essas prestações complementares, embora não possa dizer-se que essa seja a regra, em muitos casos estão ligadas a particularidades da prestação do trabalho. Assim acontece, com mais evidência, entre outros, nos casos da prestação de trabalho suplementar, da prestação de trabalho nocturno, da deslocação em trabalho, do trabalho com penosidade ou com perigo ou, ainda, com determinados níveis de produtividade.
Nesses casos, em que são pagas como contrapartida da prestação de trabalho em determinadas condições, por regra, essas prestações complementares apenas são devidas quando se verifique uma efectiva prestação de trabalho no condicionalismo que justificou o seu estabelecimento e apenas integrarão o conceito de retribuição se forem percebidas com uma regularidade e periodicidade tal que criem no trabalhador uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento.
Nesse pressuposto, de acordo com o entendimento pacífico dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça consistem em “(..) prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) [que] apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição“ [Acórdão de 22-09-2011, proc.º 913/08.1TTPNF.P1.S1, Conselheiro SAMPAIO GOMES, disponível em www.dgsi.pt].
Estes ensinamentos permitem retirar uma ideia fulcral, em suma, não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilidível) estabelecida na lei (n.º3, do art.º 258º do CT/03), impondo-se, concomitantemente, num trabalho de interpretação sobre a sua fonte legal ou convencional, indagar sobre a razão de ser da sua atribuição.
O princípio da irredutibilidade da retribuição consta actualmente consagrado no art.º 129.º/1 al. d), do CT, ao estabelecer: (1) É proibido ao empregador: [d)] Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Porém, como flui do que já ficou exposto, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar).
Como observado no aresto do STJ acima citado, essas prestações remuneratórias não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, por essa razão apenas sendo devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Nesse sentido, Pedro Romano Martinez [Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, pág. 595.], observa que «(..) os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento».
Na mesma linha de entendimento, Monteiro Fernandes, reportando-se às “prestações complementares que são determinadas pela penosidade, pelo risco, pelo isolamento, etc. (..), ou seja, pelo próprio condicionalismo externo da prestação de trabalho”, para equacionar se “face ao princípio da irredutibilidade da retribuição (art.º 129.º al. d) CT), eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem condições externas do serviço prestado (..)”, refere que a seu ver a resposta afirmativa conduziria a um patente absurdo, para concluir, afirmando que “(..) os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento (..)” [Op. cit. p. 494/495].
Reportando-se especificamente às importâncias pagas a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, no Acórdão do STJ de 9 de Janeiro de 2011 [Proc. 557/06.2TTPRT.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt], escreve-se o seguinte:
« (..) o regime de isenção de horário de trabalho é, por natureza, transitório e reversível, dependendo de uma acção cuja iniciativa repousa na vontade da entidade empregadora, sendo que a correspectiva retribuição especial só é devida se e enquanto o trabalhador desfrutar dele. Assim, tal como afirma o acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Janeiro de 2008, Processo n.º 2906/07, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento SJ200801090029064, embora as importâncias pagas a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, dadas as características de periodicidade e regularidade, não possam deixar de assumir natureza retributiva, daí não se pode concluir, sem mais, que as mesmas não possam ser retiradas». II.3.2Importa agora que nos detenhamos sobre a figura da “isenção de horário de trabalho”.
No Código do Trabalho de 2009, sobre esta matéria regem os artigos 217.º e 218.º, referindo-se o primeiro artigo às “Condições de isenção de horário de trabalho” e o segundo às “Modalidades e efeitos de isenção de horário de trabalho”.
Dispõe o art.º 218.º o seguinte: 1 - Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações: a) Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos; b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho; c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico. 2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho.
Por seu turno, o artigo 219.º estabelece o que segue: 1 - As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de trabalho: a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho; b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por semana; c) Observância do período normal de trabalho acordado. 2 - Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior. 3 - A isenção não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário.
4 – (..).
Decorre do n.º1, do primeiro artigo, que a lei faz depender a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho da celebração de “acordo escrito”, ponto fulcral a reter, não admitindo genericamente a possibilidade do trabalhador exercer as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, antes a limitando quanto a determinados trabalhadores, nomeadamente, nas situações de “Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos”, possibilidade que é alargada aos que executem a prestação de trabalho nas condições referidas nas alíneas b) e c). Admite-se, ainda, outras situações de isenção de horário de trabalho, para além daquelas indicadas na lei, mediante previsão em instrumentos de regulamentação colectiva (n.º 2).
O segundo artigo estabelece as modalidades de isenção de horário de trabalho que podem ser acordadas, bem como a regra supletiva para quando as partes não estipulem por si a modalidade (n.º1), depois resultando do n.º2, que o facto do trabalhador prestar a acrividade em regime de isenção de horário de trabalho não prejudica o seu direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário.
Por seu turno, na Cláusula 37.ª [Condições de isenção do horário de trabalho] do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, em consonância com a lei estabelece-se, no que aqui interessa, o seguinte: 1- Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações: a) Exercício de cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos; b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho; c) Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.
[..] II.3.2 Voltando ao caso concreto, está provado, no que aqui interessa, o seguinte:
10. O período normal de trabalho da A. era de 40 horas semanais, repartido de Segunda-feira a Domingo, sem prejuízo do descanso obrigatório.
11. Em resultado da prestação laboral em apreço, a R. sempre remunerou a A., do seguinte modo:
- 649,13 €/mês a título de vencimento base, acrescido de subsídio de refeição;
- 129,83 €/mês a título de isenção de horário trabalho, pago 11 vezes por ano;
- 333,34 €/mês a título de incentivo laboral designado por “complemento de loja”;
- 81,71 €/mês a título de subsídio designado por “plus funções”; e
- 24,22 €/mês a título de “abono de falhas”
20. Após a transferência, a R. deixou de pagar à A. as quantias mensais relativas [..] e ao subsídio de isenção de horário de trabalho de 129,83€.
Em contraponto, não se provou que a A. sempre cumpriu um regime de isenção de horário de trabalho (ponto1), sendo de assinalar que também não poderia ser provado nestes termos, por se tratar de alegação conclusiva e, logo, tal conclusão teria que ser extraída de factos concretos que tivessem sido alegados e demonstrados, por exemplo, especificando qual a modalidade de isenção de horário de trabalho acordada e praticada.
Assim como não se provou mais o seguinte:
10. De acordo com as condições propostas pela R. e aceites pela A., foi elaborado o contrato de trabalho, o acordo inerente à isenção de horário de trabalho e regulamento, documentos estes que, em duplicado e já devidamente assinados pela representante da R., K…, foram pessoalmente entregues pela referida D… à A. para a recolha da respetiva assinatura, com a indicação de que os deveria de seguida devolver aos serviços administrativos da R., situados em Lisboa.
11. A A. recebeu em mão os referidos documentos e reteve-os na sua posse, nunca os tendo devolvido à R., nem assinados, nem sem ser assinados.
12. Quando em maio de 2015 foi detetada a situação, a referida D… confrontou direta e pessoalmente a A., questionando-a sobre a deslealdade da sua atuação e exigindo-lhe que entregasse a documentação devidamente assinada e que em devido tempo lhe tinha entregue pessoalmente.
Neste quadro de matéria provada e não provada, imediatamente se percebe que a recorrente vem aqui usar argumentos, replicados da posição que defendeu na acção, como se não tivesse havido julgamento e fixada a matéria provada e, também, ignorando por completo a fundamentação do Tribunal a quo levando em conta a matéria provada, em concreto, não resultar que tenha sido celebrado qualquer acordo de isenção de horário de trabalho, nos termos do disposto no art.º 218.º do Código do Trabalho, entenda-se, muito menos escrito, nem tão pouco que a Autora estivesse sujeita a um tal regime.
Começando pela falta de celebração por escrito do alegado acordo de isenção de horário de trabalho, vem a recorrente sustentar que tentou cumprir a exigência formal de acordo escrito, “sendo que ficou demonstrado que a A, ora Recorrida, não o assinou”, não lhe sendo tal imputável, quando não pode ignorar que tal não ficou provado. Com efeito, o que alegou a esse propósito na acção é o que consta como não provado nos pontos 10, 11 e 12, acima transcritos.
É caso para questionar se a recorrente não leu ou não percebeu o que ficou provado e o que ficou por provar, ou então se está a enveredar por uma conduta processual sinuosa, no limiar dos princípios da boa-fé, tentando iludir este tribunal ad quem, diga-se, de modo tão grosseiro.
Mais refere, que tendo a A. cessado o desempenho de funções na loja na loja do CC F…, a partir de 22/06/2015, tais parcelas deixaram de lhe ser devidas, por ter cessado a situação concreta e especifica que esteve na base da sua atribuição.
De acordo com a doutrina e jurisprudência que cita, esta afirmação faria todo o sentido, mas desde que estivesse demonstrado que a autora prestava a sua actividade laboral em regime de isenção de horário de trabalho, o que pressupunha, desde logo, que estivesse verificado o requisito formal exigido pelo n.º 1 do art.º 218.º do CT, bem assim da Cláusula 37.ª do CCT aplicável. Ora, não é esse o caso, o que vale por dizer que a recorrente está a fazer um uso manifestamente inapropriado e descontextualizado daqueles princípios afirmados pela doutrina e jurisprudência que invoca.
Alega, ainda, que “não se pode olvidar e deixar de analisar que foi a A., ora recorrida, que invocou a nulidade, por falta de forma legalmente devida, relativamente ao Acordo relativo à isenção de horário, pelo que aproveitar-se de uma nulidade que a mesma invocou será um verdadeiro venire contra factum proprium”.
Sempre como devido respeito, este argumento é igualmente descabido, pois só poderia ter relevância desde que estivesse provado que as partes fizeram esse acordo, mas que por qualquer circunstância, designadamente a que foi alegada pela recorrente, o mesmo não foi reduzido a escrito, mas também, concomitantemente, que na prática a autora prestava a sua actividade em determinadas condições que permitissem considerar estar-se perante uma prestação em regime de isenção de horário de trabalho, mais precisamente, em conformidade com uma das modalidades previstas na lei e no CCT.
Sobre esta última condição, cabe deixar esclarecido que para se concluir que um trabalhador presta a sua actividade em regime de isenção de horário de trabalho não basta que a entidade empregadora lhe pague uma componente salarial a esse título, mesmo quando haja acordo do trabalhador. A lei estabelece um regime imperativo, que apenas comporta a possibilidade dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho poderem prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho (n.º2, do art.º 218.º CT/09), daí que só pode concluir-se estar-se perante uma situação válida de prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho quando a mesma se enquadre na previsão legal, ou do CCT aplicável e, desde logo, desde que o acordo tenha sido celebrado por escrito.
Acontece, como decorre do que se explicou, que nada disso ficou provado.
Na verdade, apenas está provado que a Ré acordou pagar à autora e pagava-lhe mensalmente, 11 vezes por ano, uma componente salarial no valor de € 129,83 €/mês, que denominava de “ isenção de horário trabalho”.
Como já o dissemos, não oferece a lei um critério legal sobre o que deve entender-se por regular e periódico, cabendo ao intérprete e aplicador da lei determiná-lo.
Nas palavras de Monteiro Fernandes, «(..) prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa “medida” da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia-a-dia – do trabalhador e da sua família”»[Op. cit. pp. 476/477].
Com a expressão “regular”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante. E ao exigir o carácter “periódico” para que a prestação se integre na retribuição, a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes [Cfr. Ac. do STJ de 13.01.93 CJ/STJ, Ano I, Tomo 1º, pág. 226; e, Acórdão da Relação de Lisboa, de 08-11-2006, proc.º n.º 7257/2006-4 FERREIRA MARQUES, disponível em www.dgsi.].
À luz desse entendimento, admitia-se, p. ex. que uma prestação paga, pelo menos, 6 vezes ao ano fosse susceptível de ser considerada regular e periódica, integrando o conceito de retribuição.
Mas como é sabido, acontece que o entendimento da jurisprudência divergiu quanto a saber quando deve considerar-se, atentos os pagamentos efectuados ao longo de um ano, que determinada prestação é regular e periódica.
O Acórdão de 1 de Outubro de 2015, do STJ, com o valor do proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, que fixou a interpretação da cláusula 12.ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, integrado no AE entre a P…, S. A. e o SNPVA, para chegar a essa interpretação acabou por “estabelecer um critério orientador que permita aferir o que é e o que não é regular e periódico”, em concreto: “considerar-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos em causa, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorre todos os meses de atividade do ano”.
Dito por outras palavras, há luz deste critério, que vem sendo seguido, segundo cremos quase unanimemente, considera-se regular e periódica uma prestação pecuniária que seja paga ao trabalhador pelo menos 11 meses no período de um ano de trabalho.
No caso, mesmo à luz deste critério mais exigente, é de concluir estar perante o pagamento regular e periódico daquela prestação no valor de €129,83 €/mês, significando isso presumir-se que a mesma constitui uma componente da retribuição da autora, devida em contrapartida do seu trabalho (art.º 258.º 1 e 3, do CT/09).
Tratando-se de uma presunção ilidível, recaía sobre a recorrente entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos necessários para a afastar (art.º 350.º CC).
Acontece que não o fez e, logo, ajuizou bem o Tribunal a quo ao concluir como segue: - «No caso dos autos, independentemente do nome que a entidade empregadora deu a este complemento salarial, o certo é que com regularidade mensal, pagou periodicamente, durante 11 meses por ano, entre a data da admissão da Autora, 01/07/2014, até 22/06/2015, esta componente salarial, criando na Autora a expectativa de tal remuneração. Sendo certo que dos autos não resulta que tenha sido celebrado qualquer acordo de isenção de horário de trabalho, nos termos do disposto no art.º 218.º do Código do Trabalho, nem sequer resulta que a Autora estivesse sujeita a um tal regime, não poderia a Ré suprimir tal componente salarial, que tem de se entender fazer parte da retribuição da Autora, sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado na al. d) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho».
Concluindo, também quanto a esta questão improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).
Porto, 22 de Março de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira