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IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA PERICIAL
PROVA LIVRE
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
CESSÃO DE QUOTA
CADUCIDADE DE ALVARÁ
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário
I) O negócio indirecto traduz a utilização de um tipo negocial para um fim prático diverso do que é normalmente visado através do emprego desse tipo. II) O negócio indireto é, em regra, válido, a menos que seja celebrado com fraude à lei. III) O negócio em fraude à lei pressupõe: a conclusão de um negócio ou de um conjunto de atos e/ou negócios jurídicos; uma atuação negocial com aparência de licitude; o contorno (intencional ou não) de uma lei de natureza imperativa; a prossecução de um resultado não autorizado por lei. Exige-se, para esse efeito, a consciência e a vontade, por cada um dos sujeitos intervenientes nos negócios singulares, de celebrar uma operação negocial complexa. IV) Ocorre fraude à lei quando se procura evitar a aplicação de lei imperativa, mediante um desvio, consistente na realização de um contrato diferente do proibido directamente, alcançando-se o mesmo resultado. V) O desvalor jurídico do negócio em fraude à lei traduz-se na nulidade da operação concluída, com fundamento no artigo 294.º do CC. VI) Não resultando demonstrado nenhum facto no sentido de que a opção das partes outorgantes de escritura pública de cessão de quotas das participações sociais de sociedade (até aí detida por um dos réus) que tinha como activo diversos imóveis, tenha sido baseada na circunstância de defraudar ou de contornar proibição legal imposta por lei imperativa (designadamente, a que determina que nos instrumentos notariais relativos a negócios jurídicos de que resulte, a constituição ou transmissão de lote ou lotes destinados a edificação urbana deve constar o número do alvará de loteamento, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial – cfr. artigo 49.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (abreviadamente, RJUE, aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de abril), nem que tal tenha sucedido relativamente aos negócios jurídicos que titulam financiamentos bancários concedidos às sociedades cessionárias das quotas e a prestação de garantias ao bom cumprimento destes últimos), determinação resolutiva que seria imprescindível para que se pudesse concluir ter sido existido um negócio fraudulento, não se pode concluir que tais negócios tenham sido celebrados com fraude à lei. VII) Com a transferência das quotas sociais para as cessionárias, em razão da cessão, o património social da sociedade (aqui se incluindo o referente aos prédios de sua propriedade) a que respeitam as quotas não foi afetado pela cessão, não sendo também, alterada a respetiva configuração jurídica dos prédios (que se mantiveram na respetiva propriedade – cfr. artigo 1305.º do CC). VIII) O efeito positivo ou autoridade do caso julgado consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior e este compreende, em conformidade com o disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC, os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (o denominado efeito positivo interno) e a vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada, em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais (o denominado efeito positivo externo), dependendo este último efeito, de duas condições objetivas e de uma condição subjetiva: A autoridade de caso julgado supõe uma não repetição de causas e uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor (condições objetivas) e a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido no artigo 581.º, n.º 2, do CPC (condição sujetiva). IX) Uma operação de loteamento – as acções que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento (cfr. artigo 2.º, al. i) do RJUE)- altera a situação jurídica dos prédios por ela abrangida (o loteamento urbano dá origem a lotes e a parcelas, uns e outras com estatutos jurídicos precisos). X) Caducando o alvará de loteamento daí resulta que não pode ser desenvolvida a operação urbanística que por ele era viabilizada, extinguindo-se o parcelamento motivado pelo mesmo, mas, nem por isso, fica afetada ou limitada a titularidade do direito real incidente sobre o prédio sobre o qual incidia, nem a possibilidade de a coisa ser objeto de relações jurídicas negociais, designadamente, a oneração voluntária, que determine a constituição de hipotecas voluntárias, pois, existindo o prédio sobre que incidem, as mesmas não têm objeto legalmente impossível. XI) O conceito de “prédio” é mais amplo do que o de “lote”. XII) O “lote” é o “prédio destinado à edificação, constituído ao abrigo de uma operação de loteamento ou de plano com efeitos registais” (cfr. Ficha n.º 41, do anexo ao Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio), que deriva de um procedimento administrativo de “loteamento”, que tem em vista permitir a edificação urbana, em consequência da divisão de um ou de vários prédios. XIII) Em termos registrais, “lote” não se identifica com “prédio”, visto que este, além da área e destino (próprios do lote) contém a composição, natureza e artigo matricial, devendo publicitar-se a sua “identificação física, económica e fiscal” (art° 79.º, n.º 1, do Código do Registo Predial). XIV) Por efeito da referida caducidade do alvará de loteamento, o prédio não se extingue, muito embora se extingam os lotes que o alvará previa, daí não resultando outra modificação na componente real do prédio (sobre o qual incidia o loteamento cujo alvará foi cassado ou caducou) que a resultante de não poder ser desenvolvida a operação urbanística que por ele era (desde a concessão do alvará e antes da caducidade do loteamento) viabilizada. XV) A possível nulidade na constituição de uma hipoteca afere-se à data em que os correspondentes negócios jurídicos foram celebrados, titulados e inscritos no registo. XVI) Quando as hipotecas foram constituídas (em 2007, 2009 e 2012) não se encontrava registado (ou anotado) no registo predial, o cancelamento do alvará de loteamento, o que proporcionava a admissibilidade da constituição das hipotecas referenciadas à situação jurídica que o registo revelava. XVII) A anotação no registo da caducidade do alvará de loteamento – apenas operada em 2014 - não determinou qualquer efeito sobre os direitos de terceiros inscritos anteriormente no sistema de registo, nem impediu a inscrição registral da constituição de hipotecas, na inscrição aberta em razão do alvará existente, em data anterior à da referida anotação, pelo que, inexiste motivo para a declaração de nulidade das hipotecas de que é beneficiário o 2.º réu e registadas, validamente constituídas e não afetadas juridicamente pela declaração de caducidade do loteamento. XVIII) Dirigindo-se as questões suscitadas em sede de ampliação do recurso, a contrariar a nulidade dos negócios que era almejada pelos autores, questão que se improcedeu e uma vez que apenas faria sentido apreciar a ampliação do recurso, para a hipótese de o recurso proceder, não se encontram verificados os pressupostos que determinariam o conhecimento da matéria da ampliação do recurso, a que se reporta o n.º 1 do artigo 636.º do CPC, a qual fica prejudicada na sua apreciação. XIX) Tendo os autores invocado factos pessoais, com influência na decisão da causa, que se provou serem falsos, o que não podiam deixar de conhecer, atuaram de forma censurável, litigando, pois, com o dolo caracterizador da litigância de má fé. XX) O vencimento obtido pelo recorrente na impugnação de determinado ponto de facto ou em determinado fundamento jurídico acessório, que não determinou repercussão na decisão da pretensão recursória, não importa em juízo de procedência parcial da apelação, nem releva para efeitos de repartição da responsabilidade pelas custas.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
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…INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, S.A., …– INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, LDA., MA...…, H...… E L … instauraram a presente acção declarativa comum contra FUNDO DE GESTÃO… e … BANCO, S.A., tendo formulado na petição inicial os seguintes pedidos: “a) Declarar-se a nulidade do contrato de cessão de quotas titulado por escritura pública de 5/11/2007 em que, pelo preço de € 4.932.000,00, o 1º R. cedeu à 1ª A.- Crediférias - a quota do valor nominal de € 269.350,86 e, pelo preço de €1.918.000,00, o 1º R. cedeu à 2ª A. - a quota do valor nominal de € 104.747,56 e, em consequência: a.1) Ordenar-se a restituição ao 1º R. da titularidade das quotas que constituem o seu objecto; a.2) Condenar-se o 1º R. a devolver às 1ª e 2ª AA. os preços por elas pagos nos montantes, respectivamente, de € 4.932.000,00 e € 1.918.000,00. b) Declarar-se a nulidade do contrato de Financiamento com o n.º …004472/07 celebrado em 6/11/2007 entre a 1ª A. e o BES (cuja posição contratual foi assumida pelo 2º R.) através do qual este lhe emprestou a quantia de € 5.480.000,00 e, em consequência: b.1) Ordenar-se a devolução, pela 1ª A. ao 2º R., do capital mutuado no montante de € 5.480.000,00; b.2) Condenar-se o 2º R. a restituir à 1ª A. os juros, comissões e demais encargos pagos por esta desde 6/11/2007 até hoje, no montante global de €1.824.675,98. c) Declarar-se a nulidade (e consequente extinção) das garantias constituídas para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes deste Financiamento …004472/07, nomeadamente: c.1) constituição de hipotecas voluntárias sobre os já referidos e identificados oito prédios urbano; c.2) contrato de penhor das quotas representativas do capital social da Porticentro; c.3) Avales pessoais dados pelos 3ºs e 4º AA. E em consequência, Condenar-se o 2º R. a restituir aos 3ºs e 4º AA. a quantia de €73.404,77 (setenta e três mil quatrocentos e quatro euros e setenta e sete cêntimos) que, ao abrigo de tais avales, indevidamente lhes retirou das respectivas contas de depósitos à ordem. d) Declarar-se a nulidade do acto de utilização de € 2.105.000,00 feita pela 1ª A. ao abrigo do contrato de Financiamento com o nº …O002188/07 (posteriormente substituído pelo nº…O000472/11) celebrado entre ela e o BES (cuja posição contratual foi assumida pelo 2º R.) e em consequência: d.1) Ordenar-se a devolução, pela 1ª A. ao 2º R., do capital mutuado no montante de € 2.105.000,00 d.2) Condenar-se o 2º R. a restituir à 1ª A. os juros, comissões e demais encargos pagos por esta desde 6/11/2007 até hoje, no montante global de €511.076,11. e) Declarar-se a nulidade dos avales pessoais dados pelos 3ºs e 4ºAA. para garantia do bom e pontual pagamento da quantia de € 2.105.000,00 utilizada ao abrigo do referido contrato de empréstimo nº …O002188/07 (posteriormente substituído pelo nº …O000472/11) e, em consequência, condenar-se o 2º R. a restituir aos 3ºs AA. a quantia de €2.052.550,10, correspondente ao valor da totalidade da carteira de instrumentos financeiros empenhada em garantia deste financiamento. f) Declarar-se a nulidade dos avales pessoais dados pelos 3ºs e 4 AA. no âmbito dos seguintes contratos de financiamento celebrados entre o BES e aSociedade de Construção…: f.1) O Contrato de Financiamento nº …C 2082/09 celebrado em 22/4/2009, através do qual o BES emprestou à .Sociedade de Construção a quantia de € 1.000.000,00; f.2) O Contrato de Financiamento nº …O 12320/10 celebrado em 17/9/2010, através do qual o BES emprestou à …Sociedade de Construção a quantia de € 350.000,00; f.3) O Contrato de Financiamento nº …C 5512/11 celebrado em 27/2/2012, através do qual o BES emprestou à Porticentro a quantia de € 1.100.000,00. g) Declarar-se a nulidade do penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido constituído para garantia do Contrato de Financiamento nº …O 12320/10, através do qual o BES emprestou à …Sociedade de Construção a quantia de € 350.000,00 e, em consequência, condenar-se o 2º R. na restituição aos 3ºs AA da quantia de € 350.000,00 correspondente ao valor destas 350 unidades de participação. h) Condenar-se o 1º R. a pagar às 1ª e 2ª AA. a quantia de € 14.138.882,85 a título de enriquecimento sem causa e na proporção de, respectivamente, 72% e 28% para cada uma.”.
Para tal alegaram, em síntese, que:
- Os Autores singulares, clientes do “private banking” do antigo BES, confiaram a esta instituição a gestão dos valores aí depositados, tendo nesse contexto sido abordados por um quadro deste banco, que lhe apresentou um negócio envolvendo a venda de uns lotes de terreno para construção na zona urbana de P…, o que lhes foi apresentado como um excelente negócio;
- Esses lotes de terreno pertenciam à sociedade “…– Sociedade de Construção, …Turismo, Lda.”, cujas quotas eram, à data, totalmente tituladas pelo ora 1º Réu (então designado por “F… BES” e gerido pela “GE…, S.A.”, posteriormente “FI…, S.A”);
- Na reunião em que este negócio foi apresentado à família Cab…, o representante do BES e da Sociedade de Construção manifestou o interesse do BES em vender os prédios, tendo referido, de passagem, que o alvará de loteamento que havia criado os respectivos lotes para construção urbana havia caducado, por causa de pequenas obras de infra-estruturas que não foram efectuadas pelo então promotor, mas que seria relativamente fácil reactivá-lo, não tendo, contudo, feito qualquer referência à data em que essa caducidade do alvará tinha sido declarada;
- Na sequência desta reunião, o Autor L… consultou no arquivo camarário o processo de loteamento dos terrenos, tendo verificado que os lotes tinham uma capacidade construtiva de cerca de 90.000 m2, o que era excelente;
- Por iniciativa dos Réus, a compra dos terrenos pelos Autores concretizou-se através da venda da própria Sociedade de Construção…, proprietária dos terrenos, sendo estes os únicos activos da sociedade, o que veio a acontecer, pelo valor de € 6.850.000,00, na escritura pública de cessão de quotas outorgada em 05.11.2007, associada a um contrato de financiamento com o próprio BES, garantido por hipotecas sobre todos e cada um dos oito lotes de terreno objecto da transacção, livrança subscrita pela Autora “Credi…” a avaliada pelos seus administradores, ora co-Autores, e ainda o penhor das duas quotas dos valores nominais representativas do capital social daSociedade de Construção…;
- A parte restante do preço foi liquidada através dos fundos disponibilizados pelo contrato de empréstimo sob a forma de conta-corrente caucionada que a 1ª Autora havia celebrado com o BES;
- Posteriormente, tentando reactivar o processo de loteamento, os Autores vieram a saber que o alvará não podia ser reactivado, sendo esta uma informação de que os Réus dispunham antes da realização da escritura e deliberadamente não a transmitiram aos Autores, no que se revelou um choque para a família Cab…;
- Face à irreversível caducidade do alvará de loteamento 6/80, as áreas de terreno dos agora inexistentes 8 lotes para construção urbana reintegraram-se na área do “prédio-mãe” de onde haviam saído, pelo que a Porti… propôs à Câmara Municipal de Po…a elaboração de um Plano de Pormenor para toda esta área, diferente e melhor do que o que existira e desaparecera, plano esse que foi efectivamente elaborado e ficou conhecido como Plano de Pormenor de Estruturação Urbanística da Horta do Palácio (PPHP), o qual veio a ser aprovado pela Assembleia Municipal e publicado no Diário da República de 30.03.2011;
- Desde Novembro de 2007 que a 1ª Autora concentrou toda a sua actividade no desenvolvimento deste projecto imobiliário, nele tendo investido todos os seus recursos e aqueles dos accionistas;
- Foram ainda, posteriormente, celebrados com o BES outros contratos de financiamento, avalizados pelos 3º e 4º Autores, o que nunca teria acontecido se a 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Sociedade de Construção…;
- Com o PPHP entretanto aprovado, a área disponível de construção aumentou significativamente, o que determinou uma enorme valorização dos terrenos e o consequente aumento do valor de mercado dos respectivos direitos de construção;
- Porém, para desenvolver e implementar este plano de pormenor, era indispensável garantir ao município de Po… a execução das necessárias e projectadas infra-estruturas, hipotecando-lhe um dos seis novos lotes, e era indispensável obter o financiamento necessário à execução das mesmas, o que só seria exequível com a constituição de hipoteca sobre um outro desses novos lotes;
- Porém, o BES (e depois o ora 2º Réu) recusou as propostas dos Autores de cancelamento das hipotecas sobre os lotes agora inexistentes e substituição por novas hipotecas constituídas sobre os novos lotes, o que impediu o registo do novo PPHP e assim impossibilitou a execução deste plano de pormenor, com o que causaram danos irreparáveis a todos os Autores, já que, quando foram apresentados e indirectamente vendidos os terrenos com o respectivo alvará de loteamento caducado, há muito que esses lotes não existiam, sendo legalmente impossíveis e, portanto, também insusceptíveis de serem objecto de qualquer acto jurídico, seja ele compra e venda, hipoteca ou penhora, como os Réus sabiam, anos antes do negócio com os Autores.
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Ambos os Réus contestaram, contrariando a versão dos factos vertida na petição inicial e impugnando as alegações aí contidas.
O 2º Réu excepcionou a sua ilegitimidade substantiva, na medida em que o passivo que viesse a resultar da sua condenação no âmbito dos presentes autos se deve considerar excluído da transmissão do BES para o …Banco, nos termos das Deliberações do Banco de Portugal, bem como a caducidade dos direitos invocados pelos Autores, por ter decorrido mais de um ano desde tal direito se teria constituído, sendo que, de toda a forma, a intervenção contratual do antigo BES se resumiu à concessão dos financiamentos que foram solicitados pela Autora Cred… e, posteriormente, pela própria Sociedade de Construção…, bem como à assunção da qualidade de beneficiário das garantias aí prestadas em cada caso.
O 1º Réu, entre outras questões, pugnou pela condenação dos Autores pelo uso reprovável do processo, caracterizando a posição destes em termos de abuso de direito, bem como em sede de litigantes de má-fé.
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Houve resposta, na sequência da qual os Autores requereram a intervenção principal provocada, como sua associada, da sociedade de Construção….
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Por despacho de 19-11-2018 foi admitida a intervenção principal, como associada dos autores, da referidaSociedade de Construção….
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Teve lugar audiência prévia, com prolação de despacho saneador, tendo sido relegado para final o conhecimento das exceções peremptórias de ilegitimidade substantiva do 2.º réu, de caducidade do direito dos autores à anulação do negócio e de prescrição do crédito por si invocado sobre o 1.º réu. Foi proferido despacho de identificação do objecto do litígio e de selecção dos temas de prova.
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Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com produção de prova, após o que, em 10-09-2020, foi proferida sentença julgando improcedente a ação e absolvendo os réus de todos os pedidos e julgando verificada a litigância de má-fé dos Autores, condenando-os, solidariamente, na multa de 10 (dez) U.C..
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Não se conformando com a referida decisão, dela apelam os autores, pugnando pela revogação da decisão recorrida, “por ilegal, proferindo-se Acórdão que, suprindo as ilegalidades apontadas, julgue inteiramente procedente a presente acção e condene os RR. nos pedidos formulados”, tendo junto parecer de direito e formulado as seguintes conclusões: “DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO 1 – Os factos alegados pelos AA. no art. 89º da P.I. são factos de extrema relevância para a boa decisão da causa porque constituem pressuposto essencial da apreciação dos pedidos de nulidade das garantias pessoais prestadas pelos AA. no âmbito dos contratos de financiamento nºs …C 2082/09, …O 12320/10 e …C 5512/11. 2 - Para prova destes factos, os AA. juntaram com a sua P.I. os Docs. 37, 38 e 39, que não foram impugnados pelos RR., sendo que o R. …Banco, S.A. não impugnou o próprio facto. Por serem relevantes e por estarem provados, devem aditar-se à matéria de facto os seguintes: Com o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio, a Sociedade de Construção…celebrou os seguintes contratos com o BES: - Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº …C 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porti…. a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária - Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº …O 12320/10, através do qual o BES emprestou à Sociedade de Construção…a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido - Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº …C 5512/11, através do qual o BES emprestou à Sociedade de Construção…a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária 3 – Os factos alegados nos art.os 90º e 91º da P.I. ficaram provados pela generalidade dos depoimentos das testemunhas do 2º R., mas, em especial, da testemunha João Paulo …que não tem quaisquer dúvidas em considerar que a aquisição dos terrenos da Horta do Palácio pelas AA. Credif... e todos os financiamentos subsequentes fazem parte de um projecto único que se iniciou com a celebração do contrato de cessão de quotas em crise nestes autos. Neste quadro, as garantias prestadas no âmbito destes financiamentos são também actos e contratos integrantes deste projecto. Deverão, por isso, aditar-se à matéria de facto provada os seguintes factos: Os 3ºs e 4º AA. só deram o seu aval pessoal aos financiamentos acima referidos porque eram os únicos accionistas das 1ª e 2ª AA. que eram as únicas sócias da Sociedade de Construção…e, por isso, as beneficiárias finais dos financiamentos. Se as 1ª e 2ª AA. não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Sociedade de Construção…, os 3ºs e 4º AA. nunca teriam dado o seu aval a estes financiamentos. 4 – Os factos alegados nos artigos 74º e 75º da P.I. são muito relevantes para a decisão da causa já que demonstram qual a situação registral dos prédios em causa nestes autos na data do contrato de cessão de quotas ajuizado, elemento decisivo para a definição da situação jurídica de tais prédios e para a apreciação da validade de tal contrato (que constituiu meio indirecto para operar a transmissão dos prédios). 5 – Decorre deste facto que, na data da cessão de quotas em crise nestes autos – 5/11/2007 - os prédios estavam descritos como lotes de terreno para construção e, na sua descrição predial, não estava anotada a caducidade do alvará. 6 - Em cumprimento do disposto no art. 49º do RJUE o documento que titulasse a transmissão dos lotes criados pelo caducado alvará 6/80, teria de ter menção expressa à caducidade do alvará e ao novo estatuto dos ex-lotes por terem perdido a sua aptidão construtiva. 7 – O contrato de cessão de quotas, utilizado como forma indirecta de transmissão dos ex-lotes, violou esta exigência legal imperativa do art. 49º do RJUE e permitiu que estas unidades prediais fossem indevidamente transaccionadas com o estatuto (inexistente) de lotes. Assim, 8 – Por serem muito relevantes para a boa decisão da causa, por terem sido provados por certidões que constituem os Docs. 7 a 14 juntos com a P.I. e por não terem sido impugnados pelos RR., deverão ser aditados os seguintes factos ao rol dos factos provados: Os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Por… sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam até 17 de junho de 2014. Até 17 de Junho 2014, a Conservatória do Registo Predial de Por… não anotou na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará n.º 6/80 a caducidade deste Alvará. 9 – O valor dos prédios de que a Porti… é proprietária foi alegado pelos AA. nos arts. 109º, 110º e 160º da sua P.I., e, nos temas da prova, a Mma. Juiz a quo incluiu nos temas da prova “o acréscimo do valor dos terrenos após a aprovação do PPHP “. 10 - A valorização dos activos da Sociedade de Construção… com o PPHP e o apuramento do seu valor actual era e é absolutamente essencial para o julgamento do pedido de indemnização a título de enriquecimento sem causa subsidiariamente formulado pelas AA. contra o 1º R. Fungepi. 11 – E, ainda que, na sua decisão, a Mma. Juiz a quo tenha considerado prejudicado o conhecimento do pedido de indemnização por enriquecimento sem causa, de acordo com as várias soluções plausíveis da questão submetida à apreciação do Tribunal e atendendo a que este facto foi especificamente alegado pelas Partes, a valorização dos activos da Sociedade de Construção…pelo PPHP podia e devia ter sido apreciada e julgada. 12 – A completa desvalorização do relatório de avaliação feita na sentença recorrida ultrapassa largamente o princípio da livre apreciação da prova e é justificada por argumentos inaceitáveis. 13 – O relatório de avaliação é completamente desvalorizado pela Mma. Juiz a quo por não indicar que os bens e direitos objecto de avaliação estão onerados com hipotecas e por não fazer refletir o valor destas hipoteca no resultado. Acontece que, 14 – Essa referência não faz sentido no quadro desta acção já que todos os envolvidos têm conhecimento da existência das hipotecas. Por outro lado, 15 - O pedido de indemnização por enriquecimento sem causa deduzido pelos AA. contra o 1º R. pressupõe a procedência dos pedidos principais que incluem a declaração de nulidade da 1ª hipoteca voluntária registada sobre os prédios, pelo que, em caso de procedência da acção, passariam a subsistir, apenas, as 2ª e 3ª hipotecas voluntárias sobre eles registadas. Finalmente, 16 – A avaliação feita nos autos também não podia ter tido em conta as 2ª e 3ª hipotecas registadas sobre os prédios já que, como decorre do pedido formulado pelos AA., no apuramento do valor do enriquecimento do R. Fung…, teria sempre de se considerar o valor do passivo garantido por estas hipotecas e esse apuramento não é, obviamente, tarefa dos peritos, antes é tarefa do Tribunal. 17 - Uma outra crítica que se faz na sentença recorrida ao relatório de avaliação de fls. 684 é que os Srs. Peritos terão referido que o risco de este vir a ser revogado foi minimizado, sem, contudo, fornecerem uma explicação plausível para esta assunção, especialmente considerando o facto de a sua execução ainda não ter sido iniciada, tantos anos após ter sido aprovado. 18 – A prova produzida desmente que este risco tenha sido minimizado pelos peritos, nomeadamente os esclarecimentos dos peritos e a referência expressa de fls. 33 do Relatório de avaliação de fls. 684 que diz o seguinte: “Assim, devido à actual conjuntura de revisão do PDM de Por… e à não execução do Plano de Pormenor que já foi aprovado em 2011, os peritos admitem que poderá existir algum risco (o qual será sempre de quantificar) da revogação do Plano de Pormenor da Horta do Palácio. Sem prejuízo do antecedente, e uma vez que o presente documento se reporta à data actual, os valores atribuídos consideram como plausível a situação presente, ou seja, que o Plano de Pormenor da Horta do Palácio ainda se encontra em vigor e existe a possibilidade de vir a ser executado. De qualquer forma, mesmo que o mesmo não venha a ser concretizado, os peritos consideram como bastante plausível que os 21.300m2 tenham uma edificabilidade semelhante à prevista no PPHP, uma vez que a capacidade construtiva deste foi calculada considerando o previsto no PDM.” 19 – O relatório de avaliação de fls. 684 elaborado por um colégio de peritos e a cujo resultado estes chegaram por unanimidade, os esclarecimentos dos três peritos prestados em sede de audiência de julgamento e, ainda, o depoimento da testemunha Hg... …impõem que se considere provado que: Os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Sociedade de Construção…e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de €19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros). 20 -O facto alegado pelos AA. no art. 159º da sua P.I. foi provado pelo Doc. 20 junto com este articulado que constitui um balanço da sociedade reportado a 2007 e que não foi minimamente posto em causa no decurso da audiência ou objecto de qualquer contraprova. 21 - Este facto é também essencial para apurar o valor do enriquecimento do 1º R. Fung… em caso de procedência dos pedidos de nulidade formulados pelos AA. e do consequente reingresso da Sociedade de Construção…no património daquele R.. Deverá, por isso, aditar-se aos factos provados com a seguinte redacção: Quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Sociedade de Construção…às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva. 22 – A comparação do depoimento da testemunha Agostinho …com o teor dos documentos de fls 840 dos autos impõe a conclusão de que esta testemunha não é minimamente credível já que as suas afirmações entram em contradição directa com documentos e informações do processo camarário por si elaboradas e subscritas e estão repletas de imprecisões e informações vagas. 23 - O teor dos 3 documentos juntos com o requerimento dos AA. de 6/7/2020 impõe a eliminação do facto provado no ponto 12 dos factos provados porque demonstram que o estudo prévio em causa foi encomendado aos arquitectos em Janeiro de 2007 e foi contratado em 2/2/2007 (conforme factura que constitui o Doc. 2 junto com o requerimento dos AA. de 6/7/2020) quando já havia negociações entre os AA. e o 1º R. para a venda dos terrenos desde 2006. 24 - O que impõe a conclusão de que, entre 2 de maio de 2001 (data do trânsito em julgado da decisão do STA que manteve e confirmou a decisão de cassação do alvará ) e Janeiro de 2007 (data da contratação dos arquitectos), o 1º R. não fez nada para valorizar os terrenos. 25 - O teor do ponto 18 dos factos provados e a ausência de qualquer meio de prova que sustente a parte final do ponto 16 dos factos provados impõem a alteração da redacção deste ponto para a seguinte: “Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos” 26 - Os depoimentos das testemunhas Helena …e João Paulo… e das testemunhas Manuel… e Fernando… impõem que se considere como não provado o facto constante do ponto 23 dos factos provados. 27 – Os depoimentos coerentes e consistentes das testemunhas Hg...…, Miguel… e João Paulo… impõe que se deem como provados os seguintes factos: - Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg...…, souberam, junto da CMPO, que o alvará não podia ser reactivado (ponto d) dos factos não provados). - A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição.” - Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porti… propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80. “ - O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011. 28 - A generalidade dos depoimentos das testemunhas do 2º R, funcionários do …Banco, S.A., mas, em especial, do depoimento da testemunha João Paulo … (que considera a aquisição dos terrenos da Horta do Palácio pelas AA. Credi… e todos os financiamentos subsequentes como fazendo parte de um projecto imobiliário único que se iniciou com a celebração do contrato de cessão de quotas em crise nestes autos), impõem que se dê por provado que: Se as 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Sociedade de Construção…, o 3º Autor nunca teria empenhado as unidades de participação identificadas nos artigos 88º e 92º da p.i.. 29 - Face aos factos provados nos pontos 40, 41, 42, 43 e 44 e ao esclarecedor depoimento da testemunha João …, impõe-se que se dê por provado que: O BES e, posteriormente, o 2° Réu impediram o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial e impediram a sua inscrição na matriz predial urbana. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO Do (invocado) Caso Julgado 30 - Na fundamentação da sentença recorrida e para se pronunciar sobre o estatuto jurídico dos ex-lotes de terreno para construção pertencentes à Porti…, o Tribunal a quo invoca a decisão “transitada em julgado” na acção n.º …600/17.5T8PTM, concluindo que “a solução aí alcançada tem força de caso julgado, nos termos e para os efeitos dos artigos 619º e 621º do C.P.C..” Porém, 31 - Para além de se mostrar junta aos presentes autos, apenas e só, uma cópia simples de tal decisão/Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (o que determina a violação, pelo Tribunal a quo, do disposto no art.º 364º do Código Civil), não só aquela decisão não havia (nem podia ter) transitado em julgado na data em que foi proferida a sentença recorrida, como, na presente data, ainda não transitou, uma vez que, a aqui e a ali A.Sociedade de Construção…, interpôs recurso de revista excepcional daquele acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. 32 - A sentença recorrida é, pois, nesta parte, errada e ilegal. Acresce que, 33 - Aquela decisão nunca poderia nem poderá ter em relação à presente acção força de caso julgado, uma vez que, nas duas acções em confronto não existe identidade de sujeitos, nem de pedido e nem de causa pedir. A Sentença recorrida violou, assim, o disposto nos art.os 619º e 621º do C.P.C.. Diferentemente, 34 - A solução alcançada nas quatro sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lo… e juntas com a P.I. como Docs. 45 a 48 sobre o estatuto jurídico dos mesmos lotes – totalmente ignoradas pelo Tribunal a quo e omitidas na sentença recorrida – tem autoridade de caso julgado nesta acção que deve ser respeitada para que sobre a mesma questão não recaiam decisões judiciais contraditórias. Do Negócio Jurídico Indirecto Fraudulento 35 - O objecto primeiro e essencial da presente acção é o de saber se a cessão de quotas celebrada em 5/11/2007, entre as 1ª e 2ª AA., por um lado, e o 1º R., por outro lado, e através do qual este cedeu àquelas as quotas representativas da totalidade do capital social da sociedade de Construção…. constitui ou não um negócio jurídico indirecto fraudulento ferido de nulidade, nunca tendo as aqui AA. invocado nesta acção o erro ou qualquer outro vício da vontade (como erradamente se afirma na sentença recorrida). 36 - Dos factos essenciais e nucleares d a presente acção ( considerados como provados nos pontos 19 e 25 da sentença recorrida ) decorre, sem margem para dúvidas, que a cessão das quotas representativas da totalidade do capital social da “Sociedade de Construção…” em crise nestes autos foi um meio de, através de um negócio típico, conseguir um fim atípico – através de um contrato de cessão de quotas concretizar a venda dos 8 lotes de terreno criados pelo caducado Alvará 6/80 (todas as testemunhas que prestaram depoimento confirmaram que o verdadeiro fim do negócio celebrado era a “compra e venda dos terrenos”, isto é, a transmissão da titularidade daqueles lotes de terreno para a esfera jurídica da Cre…. 37 - O que caracteriza o negócio jurídico indirecto não é o “efeito jurídico” por ele produzido (que é sempre típico) mas sim o resultado alcançado (esse, sim, atípico) – no caso, se não fosse através do contrato de cessão de quotas, não se conseguiria, como se conseguiu, o resultado típico da compra e venda dos oito inexistentes lotes de terreno que constituíam o único activo daSociedade de Construção…. 38 - Por força do disposto no art.º 49º do RJUE, se a Sociedade de Construção… (ainda na titularidade do Fun…) tivesse vendido às AA. Credi…. os oito ex-lotes criados pelo caducado alvará 6/80, teria de ter ficado, na respectiva escritura de compra e venda, absolutamente clara a definição do seu estatuto jurídico, que estas unidades prediais não tinham qualquer aptidão construtiva e que elas já não eram lotes (neste sentido, vai a deliberação do Conselho Consultivo RP 52/2013). 39 - Ao optar pela cessão de quotas como forma indirecta de transmissão dos ex-lotes, as Partes violaram aquela exigência legal imperativa, o que permitiu que aquelas unidades prediais se tivessem transmitido com um estatuto de lotes e perdurassem na ordem jurídica com esse mesmo estatuto – designadamente, voltaram a ser objecto de três negócios jurídicos constitutivos de hipotecas voluntárias com este (falso) estatuto de lote. 40 - A cessão das quotas representativas da totalidade do capital social da Porticentro em crise nestes autos é, pois, um negócio jurídico indirecto fraudulento porque violou a norma imperativa e de ordem pública contida no art. 49º, nº 1. do RJUE. 41 - Pela mesma razão, esta compra e venda é também nula pela impossibilidade legal do seu objecto (inexistência jurídica) nos termos do disposto no art. 280º, nº 1 do Código Civil, uma vez que, ao contrário do que se defende na Sentença recorrida, por força da caducidade do Alvará 6/80, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir enquanto lotes, deixaram de ter qualquer aptidão construtiva e deixaram de poder ser alienados/transaccionados enquanto tais. 42 - O entendimento que se deixa expresso está defendido, com uma clareza cristalina, no Parecer da Senhora Professora Mónica Jardim ora junto. 43 - Na Sentença recorrida, ao considerar-se que o que se transaccionou foram já unidades prediais sem aptidão construtiva susceptíveis de constituir objecto de negócios jurídicos, entendeu-se mal, já que não tal não consta de nenhum documento, de nenhum registo, de nenhum acto, pois que, em nenhum dos actos ou contratos em causa na presente acção se menciona, expressamente, que os lotes – registados como lotes na Conservatória do Registo Comercial e inscritos como lotes na matriz predial – haviam perdido este estatuto. 44 - Sendo nulo, como é, o contrato de cessão de quotas, também são nulos todos os actos ou contratos que, não fosse a celebração daquela cessão, nunca teriam sido celebrados, nomeadamente o contrato de financiamento, garantias, utilização dos fundos e avales pessoais identificados nos pontos 25, 26 e 27dos factos provados e, ainda, os avales pessoais identificados no ponto a-1) da impugnação da matéria de facto e o penhor de 350 unidades de participação identificado no ponto b-6) da impugnação da matéria de facto, na medida em que todos estes contratos estão ligados entre si por um nexo funcional - todos eles se destinaram ou a permitir e viabilizar o negócio fraudulento ou foram celebrados por causa dele - e, apesar de constituírem contratos separados, existe entre eles uma relação de dependência recíproca, nos termos da qual nenhum deles existiria se não existisse o negócio fraudulento (neste sentido, Acórdão desseTribunal da Relação de Lisboa de 9/6/2009, in www.dgsi.pt, e Vaz Serra, BMJ 91, págs. 11 e segs) 45 - Nos termos do disposto no art.º 289º do Código Civil, a declaração de nulidade de negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Do Enriquecimento Sem Causa Do 1º R. Fung… 46 ,No caso serem considerados procedentes todos os pedidos de declaração de nulidade formulados pelos AA., a Sociedade de Construção…reingressará no património do R. Fun… reintegrada de um activo constituído pelos prédios da Horta do Palácio que valem, no mínimo, €19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros) e com um passivo de €2.450.000,00 (dois milhões quatrocentos e cinquenta euros). 47 - Nesse caso e considerando que, em 5/11/2007 (data em que o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Sociedade de Construção…às 1ª e 2ª AA.) esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15 , o 1º R. terá um enriquecimento injusto e injustificado que se traduz na extraordinária valorização dos seus activos graças ao trabalho e aos recursos dos A., no montante de, pelo menos, € 15.268.882,85 que, nos termos do disposto no art. 473º do C.C., deverá restituir às 1ª e 2ª AA. na proporção de 72% e 28%, respectivamente. Do Abuso de Direito dos AA. invocado pelos RR. (não decidida na Sentença recorrida) 48 - Porque a nulidade que os AA. invocam é uma nulidade absoluta e insanável decorrente da impossibilidade legal do objecto do negócio jurídico (art. 280º, nº 1 do Código Civil) e da violação do art. 49º do RJUE, disposição legal de carácter imperativo (art. 294º do Código Civil), não é possível invocar-se o abuso de direito. 49 - Aquelas normas violadas protegem interesses de natureza pública e colectiva e, por isso, a sua violação determina a nulidade absoluta dos actos praticados que opera “sem necessidade de ser invocada por qualquer interessado, isto é, sem necessidade da uma declaração de vontade no sentido de que se produzam os efeitos correspondentes à nulidade” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol II, 1992, págs. 417 e sgs.). 50 - Uma vez que os actos e negócios jurídicos feridos de nulidade absoluta não produzem quaisquer efeitos independentemente da sua declaração judicial, esta constitui a mera constatação de uma situação jurídica existente, perpétua e insanável e, por isso, a arguição de tal nulidade não configura propriamente o exercício de um direito, pelo que tal arguição não poderá nunca caraterizar-se como o exercício abusivo de um direito. Acresce que, 51 - O tempo que decorreu entre a celebração do negócio viciado e a presente acção foi o tempo necessário para os AA. se aperceberem da ilegalidade da cessão de quotas em causa nos autos e procurarem resolver pela via extra-judicial o impasse criado relativamente ao PPHP (solução que sempre privilegiaram e pela qual lutaram incessantemente até à data em que o 2º R. requereu a insolvência da Crédif… e da Sociedade de Construção). 52 - Não existe, pois, qualquer abuso de direito por parte dos AA. Da Litigância de Má-Fé 53 - Ao fundamentar a condenação dos AA. como litigantes de má-fé na sua insistência defesa da tese da nulidade das hipotecas que já havia sido decidida noutra acção (a acção nº …600/17.5T8PTM), o Tribunal a quo confunde, novamente, as questões discutidas naquela e nesta acção que são perfeitamente distintas. 54 - Se, na acção nº …600/17.5T8PTM, a A. Porti… pede a declaração de nulidade das três hipotecas voluntárias constituídas a favor do …Banco, S.A. e registadas sobre os prédios descritos no ponto 6 dos factos provados com fundamento na inexistência jurídica de tais prédios e se, na presente acção, todos os aqui AA. pedem a declaração de nulidade de uma só daquelas hipotecas (a primeira hipoteca constituída em 6/11/2007) com fundamento na nulidade do contrato de cessão de quotas celebrado entre as AA. Credi…f e o 1º R. Fun…, resulta evidente que as acções são diferentes, as Partes são diferentes, os pedidos são diferentes e as causas de pedir diferentes, tendo como única questão comum, o estatuto jurídico dos lotes criados pelo caducado alvará 6/80. 55 - Não havia, assim, qualquer motivo (e, muito menos, lhes poderia ser exigível) para os AA. informarem, na presente acção, a pendência daquela outra acção que, de resto, não poderia ter qualquer influência no normal desenvolvimento da presente acção. 56 - O segundo fundamento expendido na Sentença recorrida para sustentar a condenação dos AA. como litigantes de má-fé – “terem omitido que a Câmara Municipal de Por…, no uso das suas competências legais, já declarou a sua intenção de revogar o PPHP, que constituía, na tese dos Autores, fundamento basilar para os pedidos formulados na acção” – também não constitui a violação de qualquer dever processual. 57 - A Câmara Municipal de Por… deliberou, apenas e só, a sua intenção de propor a revogação do PPHP à Assembleia Municipal - o órgão com competência exclusiva para deliberar tal revogação. Acresce que 58 - O fundamento basilar desta acção não é o PPHP, mas, sim, o inválido contrato de cessão de quotas celebrado em 5/11/2007 entre as AA. Credi… e o 1º R. Fung… e através do qual aquelas adquiriram a esta 8 ex-lotes de terreno para construção que não podiam ter sido transaccionados como foram. 59 - O PPHP e a valorização que ele trouxe aos activos da Porticentro é, apenas e só, fundamento do pedido subsidiário de indemnização por enriquecimento sem causa formulado contra ao R. Fung…. 60 - A existência de uma intenção da Câmara Municipal de Por.…de propor a revogação do PPHP não altera os pressupostos da avaliação feita pelos peritos nos presentes autos, nem altera, nem põe em causa, o resultado da peritagem realizada, já que i) a intenção de propor uma revogação pode nunca chegar a materializar-se, sendo que a decisão de revogação compete à Assembleia Municipal e não ao Executivo Camarário; ii) o PPHP continua plenamente em vigor; e iii) no relatório de peritagem (pág. 33) e na avaliação dos direitos de construção dos activos da Porti… que fizeram, os peritos já tiveram expressamente em conta a possibilidade de o PPHP poder vir ser revogado. 61 - Pela irrelevância de tal facto na decisão das questões em causa na presente acção, os AA. só o trouxeram a juízo para esclarecer os erros, as incorrecções e as contradições constantes do depoimento da testemunha Agostinho…, não tendo praticado qualquer das condutas previstas no art.º 542º, nº 2 , alíneas a) e b) do C.P.C.”.
*
O recorrido … DE GESTÃO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida e, subsidiariamente, requereu a ampliação do objeto do recurso (cfr. artigo 636.º, n.º 1, do CPC) e, em alternativa, “a substituição do tribunal recorrido no julgamento das questões suscitadas pelo aqui Recorrido na sua contestação e não apreciadas em 1.ª instância, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 2 do mesmo diploma”.
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O recorrido …BANCO, S.A. contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso, com manutenção da sua absolvição dos pedidos formulados pelos recorrentes.
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Admitido liminarmente o requerimento recursório e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso (tendo sido, a título subsidiário, requerida a ampliação do objeto do recurso pelo apelado FUNG…) - , as questões a decidir são:
* I) Admissibilidade da junção de documento em recurso pelos apelantes:
* II) Impugnação da matéria de facto:
A) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Com o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio, a Porti… celebrou os seguintes contratos com o BES: - Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº … 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária - Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº …O 12320/10, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido - Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº …C 5512/11, através do qual o BES emprestou à Porticentro a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária”?
B) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Os 3ºs e 4º AA. só deram o seu aval pessoal aos financiamentos acima referidos porque eram os únicos accionistas das 1ª e 2ª AA. que eram as únicas sócias da Porti… e, por isso, as beneficiárias finais dos financiamentos. Se as 1ª e 2ª AA. não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porticentro, os 3ºs e 4º AA. nunca teriam dado o seu aval a estes financiamentos”?
C) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Port… sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam até 17 de junho de 2014. Até 17 de Junho 2014, a Conservatória do Registo Predial de Port… não anotou na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará n.º 6/80 a caducidade deste Alvará”?
D) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de €19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros)”?
E) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva”?
F) Se o facto provado n.º 12) deve ser eliminado dos factos provados?
G) Se o facto provado n.º 16) deve ser alterado para a seguinte redação: “Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos”?
H) Se o facto provado n.º 21) deve ser eliminado dos factos provados?
I) Se o facto provado n.º 23) na decisão recorrida, deve ser dado como não provado?
J) Se deve incluir-se nos factos provados o seguinte:
- Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg...…, souberam, junto da CMP., que o alvará não podia ser reactivado (ponto d) dos factos não provados).
- A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição.
- Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porticentro propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80.
- O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011?
K) Se deve incluir-se nos factos provados o seguinte: “Se as 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…, o 3º Autor nunca teria empenhado as unidades de participação identificadas nos artigos 88º e 92º da p.i.”?
L) Se deve incluir-se nos factos provados o seguinte: “O BES e, posteriormente, o 2° Réu impediram o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial e impediram a sua inscrição na matriz predial urbana”?
* III) Impugnação da decisão de direito:
M) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 619.º e 621.º do CPC ao considerar transitada em julgado a decisão proferida na acção n.º …600/17.5T8PTM, o que não sucedeu, não tendo a mesma força de caso julgado em relação à presente acção?
N) Se a decisão recorrida deveria ter declarado a nulidade do contrato cessão de quotas de 05-11-2007, por violação dos artigos 49.º, n.º 1, do RJUE e 280.º, n.º 1, do CC e dos actos ou contratos que, não fosse a celebração daquela cessão, não teriam sido celebrados, nomeadamente o contrato de financiamento, garantias, utilização dos fundos e avales pessoais identificados no petitório formulado na petição inicial e a restituição do prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do CC?
O) Se deverá reconhecer-se o enriquecimento sem causa do 1.º réu FUNG…, condenando-se este a restituir às 1.ª e 2.ª autoras a quantia de € 15.268.882,85 que, nos termos do disposto no art. 473º do CC, na proporção de 72% e 28%, respectivamente?
P) Da ampliação do objeto do recurso pelo recorrido FUNG…:
a) Se caducou o direito à anulação do negócio previsto no artigo 287.º, n.º 1 do CC?
b) Se procede a excepção de prescrição invocada pelo réu FUNG…?
c) Se ocorreu abuso de direito dos autores?
Q) Se os autores litigaram - ou não - de má fé?
* 3. Enquadramento de facto:
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. O 2º Réu foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03.08.2014, como banco de transição no quadro de uma medida de resolução bancária, tendo sucedido nos direitos e obrigações titulados pelo extinto Banco Espírito Santo, S.A., nos termos definidos pelas deliberações de 03.08.2014, 11.08.2014 e 29.12.2015.
2. Uma das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29.12.2015 (aquela conhecida por “Deliberação Contingências”) determinou, além do mais, que «(…) não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (…), independentemente da sua natureza (…) e de se encontrarem ou não registados na contabilidade do BES» (ponto A) e, ainda, que «(…) [n]a medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014» (ponto C).
3. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Vila do Bispo, em 28 de Maio de 1981, a PORTI…- Sociedade de Construção, Gestão e Turismo, Lda. adquiriu à AG… - Agrupamento Complementar de Empresas, A.C.E., o prédio rústico sito na Senhora do Pé da Cruz, freguesia e concelho de Por…, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo 1258.° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o n.° 7688, actual descrição n. 10491/20110809, área comummente denominada por “Horta do Palácio”.
4. Para esta área de terreno, havia sido emitido pela Câmara Municipal de Por… a pedido da AG…, em 08.08.1980, o Alvará de Loteamento n.º 6/80, o qual autorizou a constituição de nove lotes no prédio rústico situado na Senhora do Pé da Cruz, descrito na CRP de Por… sob o n.º 7788 (actual descrição n.º 10491/20110809), com uma área de construção total de 65.332 m2.
5. Nos termos do mesmo Alvará n.º 6/80, foram doados à CMP., para instalação de arruamentos, parques e outras infraestruturas, terrenos com uma área de 14.854 m2.
6. Em virtude da aprovação da operação de loteamento titulada pelo Alvará 6/80, foram desanexados daquele prédio os seguintes, entre 1982 e 1988:
(i) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito na Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número um", inscrito na respectiva matriz no artigo 8553, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2229;
(ii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito na Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número dois", inscrito na respectiva matriz no artigo 8555, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2230;
(iii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito em Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número quatro", inscrito na respectiva matriz no artigo 9529, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2231;
(iv) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito em Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número cinco", inscrito na respectiva matriz no artigo 9527, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por…o sob o número 2232;
(v) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designado por "lote seis", sito no Sítio da Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 9528, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 9559;
(vi) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designado por "lote sete", sito no Sítio da Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 95254, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por…. sob o número 9560;
(vii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designada por "lote oito", sito no Sítio da Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 9524, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 9561;
(viii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designado por "lote número nove", sito em Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 95286, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2233;
(ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na Rua do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 11, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 9563.
7. Em 26.08.1988, o Alvará n.º 6/80 foi averbado em nome da Porti….
8. Em 12 de Novembro de 1996, em cumprimento de uma dívida que mantinha para com vários Bancos, a Sociedade de Construções ERG…, e, ainda, a … - Empreendimentos Turísticos, S.A. e a …- Sociedade de Empreendimentos Turísticos de Porto Santo…., Lda., entregaram ao então Banco Internacional de Crédito, S.A. (mais tarde integrado, por fusão, no Banco Espírito Santo, S.A.) e a outros Bancos, a totalidade do capital social da …- Sociedade de Construção…, e, indissociavelmente, o (único) activo imobiliário que o integrava.
9. A sociedade Porti… veio a ser adquirida pelo 1º Réu, à data denominado Fundo de Gestão de Património..
10. Por deliberação da CMPO. de 23.04.1996, notificada à Porti… por ofício datado de 30.04.1996, foi declarada a caducidade do Alvará n.º 6/80, tendo também sido requerido o cancelamento do respectivo registo.
11. Por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.04.2001, transitado em julgado em 02.05.2001, foi confirmada a improcedência do recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 15.05.1997, que julgou improcedente o recurso de anulação interposto contra o acto de declaração de caducidade do Alvará.
12. Desde essa data que a Porti…, Lda., à data detida pelo 1º Réu, procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João… e Pedro …
13. Do Anexo I ao estudo prévio, constavam duas propostas com diferentes datas (06.11.06 e 13.03.07) sendo que, em ambos os casos, a área total do terreno não ultrapassava os 20.000 m2 e as áreas médias de construção previstas acima e abaixo do solo, respectivamente, não iam além de 25.000m2 e 23.000m2, tendo sido estas as áreas do projecto de loteamento que foram promovidas pelos Réus a partir de finais de 2006.
14. O mesmo atelier de arquitectos preparou uma memória descritiva que acompanhou o referido estudo prévio, da qual consta, além do mais que ora se dá por reproduzido, que os elementos aí constantes «(…) são suporte da Proposta de Loteamento elaborada com o objectivo de recolher uma 1.ª apreciação da C.M. Por… com vista à sua sensibilização para as negociações indispensáveis a um prosseguimento seguro do Projecto de Loteamento da Horta do Palácio (…)», referindo-se, adiante, que se pretendia «(…) encontrar, conjuntamente com a CM Por…, uma boa solução para a ocupação das áreas livres da Horta do Palácio, no Centro de Por…, cujo desenvolvimento urbano foi suspenso pelo cancelamento do Alvará de Loteamento n.° 6/80».
15. Os Autores foram informados por um representante do BES que estava a ser promovida a venda dos terrenos identificados em 3., para construção urbana, que, por se situarem a nascente do Estado do Por… a 100 metros da zona ribeirinha de Por…, PSP, Tribunal e outros serviços, constituía uma zona com excelentes infra-estruturas, grande projecção urbanística, bons acessos, bom estacionamento e bem servida de transportes públicos locais.
16. Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos, e essa informação constava do processo camarário referente a esse imóvel.
17. Essa operação de loteamento tinha os seguintes parâmetros: um terreno com uma área de 19.954 m2, que poderia vir a ter uma área de construção acima do solo de 25.945 m2; uma área de construção abaixo do solo de 23.550 m2, sendo 20.700 m2 habitacional, 5.240 m2 destinada a comércio e serviços e 23.550 m2 de garagem em cave; 152 fogos, 35 lojas, 3 pisos abaixo do solo e 7 pisos acima do solo.
18. A operação de loteamento projectada pelos Réus, embora não tivesse chegado a dar entrada formal junto da Câmara Municipal de Por…, tinha sido elaborada após conversações informais com estes serviços.
19. Na medida em que a área de terreno designada como “Horta do Palácio” era o único activo da Porti…, a venda da própria empresa ou a cessão de quotas da totalidade do seu capital social foi sempre uma hipótese equacionada e apresentada como opção possível para concretização da aquisição dessa área pelos Autores.
20. Para justificar as vantagens desta opção, os representantes do BES transmitiram aos Autores que, com a cessão de quotas, não era devido o pagamento de IMT nem IS, pelo que o negócio se tornaria mais barato.
21. A família Cab... é uma conhecida família de empresários algarvios, detentora de diversas sociedades com vasto património imobiliário e com experiência nos sectores da construção civil e promoção imobiliária/turística.
22. Não obstante os Autores terem sido informados que a operação de loteamento em curso já havia sido discutida com a Câmara e projectada de acordo com as condicionantes da área, aqueles pediram expressamente aos Réus que não prosseguissem com tal operação, assegurando-lhes que as suas relações privilegiadas com o executivo camarário lhes permitiriam um investimento mais rentável.
23. Previamente à aquisição da Porti…, os 4° e 5° Autores pediram autorização ao FUN…I para realizar uma auditoria jurídico-financeira/“due diligence” à empresa, o que foi autorizado pelo 1º Réu, tendo-lhes sido disponibilizada toda a documentação solicitada/disponível, entre a qual a relativa ao processo administrativo/judicial relativo à caducidade do alvará 6/80.
24. Por escritura pública de 05.11.2007: foi unificada, numa única quota do valor nominal de € 374.908,42, as 13 quotas em que o capital social da Porti… estava dividido; esta quota única de € 374.908,42 foi dividida em duas novas quotas dos valores nominais de € 269.350,86 e de € 104.747,56; Pelo preço de € 4.932.000,00, o 1° R. cedeu à 1ª A., Credi…., a quota do valor nominal de € 269.350,86; Pelo preço de € 1.918.000,00, o 1° R. cedeu à 2ª A., Credi…, a quota do valor nominal de € 104.747,56.
25. No mesmo dia e para efectuar o pagamento de parte do preço pelos quais haviam adquirido, por via indirecta, os terrenos pertencentes à Porti… a aqui 1ª Autora celebrou com o BES um Contrato de Financiamento com o n.° …004472/07 através do qual este lhe emprestou a quantia de € 5.480.000,00.
26. Para assegurar o bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes do referido contrato, nomeadamente a obrigação de restituição da quantia mutuada, foram prestadas as seguintes garantias: Hipotecas voluntárias a favor do BES sobre os terrenos de que a Por. era proprietária e que constituíam o seu único activo; Livrança subscrita pela Cliente “Credi…” e avalizada pelos seus administradores Ma...…, H...… e L …; Penhor das duas quotas dos valores nominais de € 269.350,86 e €104.747,56, representativas do capital social da Porti….
27. Para liquidar a parte restante do preço, no mesmo dia a 1ª Autora recorreu à utilização dos fundos disponibilizados pelo contrato de empréstimo sob a forma de conta corrente caucionada n.º …0002188/07 (mais tarde substituído pelo contrato n.º …000472/11), que havia celebrado com o BES em 03.09.2007, até ao montante de € 2.500.000,00.
28. Ao tomarem conhecimento da irreversível caducidade do Alvará 6/80, e considerando que, por essa razão, também não se concretizou a doação à CMP.. da área restante do prédio que havia sido acordada no âmbito da concessão desse alvará, os Autores, através da Porti…, propuseram à Câmara a elaboração de um Plano de Pormenor para toda a área do prédio “mãe”.
29. Assim, após a aquisição pelos Autores da Porti…, os mesmos dedicaram-se à preparação e implementação desse Plano de Pormenor, o qual passou a ser conhecido como “Plano de Pormenor Horta do Palácio” (“PPHP”), com uma intervenção de 109.450,16 m2.
30. Para isso, os Autores mantiveram com o BES a sua relação como clientes, nomeadamente no âmbito do financiamento concedido à Autora Credi…, cujos pagamentos foram efectuados até Novembro de 2012.
31. O PPHP foi aprovado pela Assembleia Municipal de Por…. em 28 de Fevereiro de 2011, tendo o respectivo regulamento sido publicado por Aviso n.° 7949/2011 no Diário da República, 2.° Série, n.° 63, de … de Março de 2011.
32. Desde 05.11.2007 que a 1ª Autora concentrou toda a sua actividade no desenvolvimento do projecto imobiliário para a mencionada área, nele tendo investido todos os seus recursos e ainda os recursos próprios dos seus accionistas.
33. O PPHP ainda não foi executado e a operação de reparcelamento ali prevista ainda não foi aprovada.
34. Por via da medida de resolução, o 2º Réu assumiu a posição de credor em todos os financiamentos que haviam sido concedidos aos Autores pelo BES, os quais, pelo menos desde Novembro de 2012, já se encontravam em situação de incumprimento.
35. Nessa medida, o 2º Réu, em 31.12.2014, mediante a desmobilização de contragarantias no âmbito do financiamento n.° …000472/11, procedeu à amortização de capital, no valor de € 1.954.578,65, e de juros e imposto do selo, nos montantes de € 94.203,32 e € 3.768,13, respectivamente, (total € 2.052.550,10), apesar de não ter, ainda, procedido ao preenchimento das livranças e execução das mesmas contra os Autores pessoas singulares que nelas figuram como avalistas.
36. Desde 6/11/2007 e até à propositura da presente acção, a 1ª A. pagou ao 2° R. o montante global de €1.824.675,98 em juros, comissões e demais encargos relativos ao Contrato de Financiamento com o n.° …004472/07.
37. Desde 6/11/2007 até à propositura da presente acção, a 1ª A. pagou ao 2° R. o montante global de €511.076,11 em juros, comissões e demais encargos relativos à utilização de fundos feita no âmbito do contrato de financiamento …O002188/07, mais tarde substituído pelo …O000472/11.
38. A área dos 6 lotes de terreno para construção urbana criados pelo Plano de Pormenor atribuídos à Porticentro passou a ser de 21.300,81 m2.
39. Uma simulação pelos critérios da Autoridade Tributária e Aduaneira feita em 2015 feita pelos Autores conferia aos 6 lotes de terreno para construção decorrentes do Plano de Pormenor aprovado e atribuídos à Porti… os seguintes valores, num total de € 19.485.510,00:
LOTE 1 - € 4.023.710,00
LOTE 2 - € 3.362.510,00
LOTE 3 - € 3.752.830,00
LOTE 4 - € 2.394.400,00
LOTE 5 - € 2.940.810,00
LOTE 6 - € 3.011.2560,00
40. Para desenvolver e implementar o PPHP, era indispensável garantir à Câmara Municipal de Por… a execução das necessárias e projectadas infra-estruturas, hipotecando-lhe um dos 6 novos lotes.
41. Era também indispensável obter o financiamento necessário à execução dessas infra-estruturas, o que só seria exequível com a constituição de hipoteca sobre um outro dos 6 novos lotes pertencentes à Porti….
42. Com esse desiderato, os Autores propuseram ao BES que cancelasse as diversas hipotecas que havia constituído sobre os 8 lotes de terreno constituídos no âmbito do alvará n.º 6/80 e que as substituísse por hipotecas constituídas sobre 4 dos 6 lotes de terreno para construção urbana criados pelo Plano de Pormenor (deixando assim dois lotes livres para garantia da execução das infra-estruturas e do financiamento para a sua execução).
43. Tanto o BES como, posteriormente, o 2º Réu sempre recusaram tal proposta.
44. A manutenção das hipotecas sobre os antigos 8 lotes inviabiliza o registo do PPHP.
45. O 2º Réu já requereu a insolvência da 1ª Autora e da Porti…, tendo as respectivas acções sido julgadas improcedentes.
* A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
a) Que a inexistência, na Câmara Municipal de Por… do novo loteamento projectado pelos Réus reforçou a convicção dos 3º e 4º Autores de que seria possível e até fácil a reactivação do caducado alvará de loteamento n.º 6/80, tendo essa reactivação como certa, tratando-se de uma garantia dada pelo BES (arts. 37º e 38º da p.i.);
b) Que Autor H...… recusou liminarmente a ideia de a transacção dos terrenos se fazer através da cessão de quotas da Porti… (art. 42º da p.i.);
c) Que a exigência do BES de constituir hipoteca sobre todos e cada um dos 8 lotes de terreno para construção urbana reforçou a convicção dos Autores de que aqueles lotes existiam e tinham o valor que o vendedor lhes atribuía (artigo 50º da p.i.);
d) Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg...…, souberam, junto da CMP, que o alvará não podia ser reactivado (art. 58º da p.i.);
e) Que todo o processo (judicial e administrativo) referente à caducidade do alvará foi mantido em segredo e ocultado dos Autores, antes e depois da cessão de quotas (art. 76º da p.i.);
f) Que o Autor H...… se sentiu ofendido e humilhado ao tomar conhecimento de que o alvará não podia ser reactivado (art. 78º da p.i.);
g) Que a aprovação do PPHP demorou cerca de 3 anos e meio, quando a expectativa dos Autores, no momento da compra dos prédios, era a de que a reactivação do Alvará demorasse apenas 3 ou 4 meses (art. 85º da p.i.);
h) Que, se as 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…, o 3º Autor nunca teria empenhado as unidades de participação identificadas nos artigos 88º e 92º da p.i. (art. 93º da p.i.);
i) Que avaliadores especializados, muito qualificados e que prestam habitualmente serviços aos Bancos e também ao BES, em avaliações feitas em Janeiro de 2014, atribuíram aos direitos de construção da Porti… um valor de mercado entre €18.096.644,00 e € 25.905.000,00 (art. 99º da p.i.);
j) Que o BES e, posteriormente, o 2° Réu impediram o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial e impediram a sua inscrição na matriz predial urbana (art. 105º da p.i.);
k) Que a estratégia adoptada pelos Autores, em face da informação que colheram junto da CMP, foi, por diversas vezes, desaconselhada pelos representantes do 1º Réu as reuniões de negociação (artigo 99º da contestação do 2º Réu).
* 4. Enquadramento jurídico:
* I) Admissibilidade da junção de documento em recurso pelos apelantes:
Com as suas alegações de recurso, os apelantes juntaram 1 documento – e 1 parecer de Direito – tendo invocado que a Porti… na acção de processo n.º …600/17.5T8PTM interpôs recurso de revista excepcional do acórdão que menciona do Tribunal da Relação de Évora, para o Supremo Tribunal de Justiça “conforme cópia de alegações que, ao abrigo do disposto no art. 651º, nº 1 do C.P.C.” junta.
Nos termos do artigo 651º, nº1, do Código de Processo Civil, “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
E o artigo 425.º do Código de Processo Civil dispõe que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
No caso, o documento em questão é de produção ulterior à da audiência em 1.ª instância.
Quanto à necessidade da junção em virtude do julgamento da primeira instância (artigo 651º, n.º 1, do CPC), “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida” (cfr. ANTUNES VARELA et al, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., pp. 533-534). “Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. / A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” (assim, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pp. 184-185).
Assim, “(…) a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.9.2012, P.º n.º 174/08, relator Gonçalves Rocha.
Na permissão normativa incluem-se as situações que - pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação - tornaram necessário provar determinados factos, cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, ter em consideração antes da decisão ter sido proferida.
O regime do artigo 651º, nº 1, do CPC não abrange a hipótese da parte pretender juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância.
Ora, no caso em apreço, o documento em causa é, não só, de produção ulterior ao do julgamento da causa em 1.ª instância, como a respetiva junção se destina a demonstrar factualidade que apenas com a decisão se evidenciou pertinente.
A junção de documentos no momento em que ocorreu mostra-se, pois, inserida no âmbito dos normativos supra citados, devendo ser admitida.
De acordo com o exposto, admite-se a junção do documento junto pelos apelantes com a sua alegação.
* II) Impugnação da matéria de facto:
Concluem os recorrentes, na alegação de recurso – conclusões 1.ª a 29.ª – que deve ser incluída nos factos provados a factualidade que invocaram e que devem ser eliminados dos factos provados os pontos que mencionaram.
Com a alegação produzida, os recorrentes/apelantes pretendem colocar em crise a factualidade apurada pelo Tribunal a quo.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, pelo que, cumpre apreciar se deve este Tribunal ad quem proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada.
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos: “1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. 4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. 5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No que toca à especificação dos meios probatórios, “quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrentedeverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal, se se patentear a falta de indicação das passagens exactas da gravação, a convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO);
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Para além disso, e especificamente sobre a reapreciação probatória, importa referir que, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS): “O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)”.
Do mesmo modo, se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2018 (processo 1716/15.2T8BGC.G1, relatora MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO) escrevendo-se o seguinte: “1. O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada. 2. Ao impor tal artigo um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância. 3. Ao cumprimento do ónus da indicação dos concretos meios probatórios não bastará somente identificar os intervenientes, efectuar uma apreciação do que possam ter dito ou impugnar de forma meramente genérica os factos em causa, devendo antes precisar-se, em primeiro lugar, detalhadamente cada um dos pontos da matéria de facto constante da decisão proferida colocados em crise, indicando-se depois, relativamente a cada um deles, as passagens concretas e determinadas dos depoimentos em que se funda a impugnação que impõem decisão diversa (e não que meramente a possibilitariam) e procurando-se localizar, ao menos de forma aproximada, o início e termo de tais passagens por referência aos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º4. 4. Se o recorrente não cumpre tais deveres, não é exigível ao Tribunal que aprecia o recurso que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique concretos erros de julgamento da peça recorrida que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Refira-se, no mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-06-2018 (Processo 123/11.0TBCBT.G1, Relator JORGE TEIXEIRA) concluindo que: “Tendo o recurso por objecto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivá-lo através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão dissemelhante da que foi proferida pelo tribunal “a quo”. Nestas situações, não podendo o Tribunal da Relação retirar as consequências que a impugnação da matéria de facto, deve entender-se que essa omissão impõe a rejeição da impugnação do pertinente recurso, por não cumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do CPC e consequente inviabilização do cumprimento do princípio do contraditório por parte do recorrido, quando a esses pontos da matéria de facto não concretizados”.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-09-2012 (processo 245/09.8 GBACB.C1, relator BRÍZIDA MARTINS): “O recorrente que queira impugnar a matéria de facto tem que (…) indicar, dos pontos de facto, os que considera incorretamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência”.
Sobre a indicação concreta de meios de prova que se pretendem utilizar, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-09-2018 (Processo 15787/15.8T8PRT.P1.S2, rel. GONÇALVES ROCHA) decidiu que: “A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”.
E, conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015 (Processo 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), não observa o ónus legalmente exigido, “o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado”.
Em feliz síntese, expressou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017 (Pº 1426/15.0T8BGC-A.G1, rel. ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA): “I- Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; II- Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. III- Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Revertendo ao caso dos autos, diga-se, liminarmente, que se afigura terem os recorrentes/apelantes cumprido os ónus de impugnação de facto acima mencionados, no que respeita aos factos colocados em crise e que, em seu entender, deveriam ter tido diverso resultado probatório, bem como, o sentido deste e, ainda, os meios de prova que, na sua perspetiva, a tal conduzem, tendo procedido à devida extratação da prova que foi objeto de gravação.
Vejamos, pois, as questões de facto colocadas.
* A) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Com o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio, a Porti… celebrou os seguintes contratos com o BES: - Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº … 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porti. a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária - Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº … 12320/10, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido - Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº …C 5512/11, através do qual o BES emprestou à Porti. a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária”?
Alegaram os recorrentes, a este respeito, o seguinte: “a-1) No art. 89º da sua P.I., os AA. alegaram o seguinte: Com o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio, a Porti… celebrou os seguintes contratos com o BES: - Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº …C 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porticentro a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária - Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº …O 12320/10, através do qual o BES emprestou à Porti. a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido - Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº …C 5512/11, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária Para prova destes factos, os AA. juntaram com a sua P.I. os Docs. 37, 38 e 39, que não foram impugnados pelos RR.. E obviamente que o R. Novo Banco, S.A. aceitou estes factos e não os impugnou. O reconhecimento da celebração dos contratos de financiamento entre a A. “Porti…”, os AA. e o BES e a prestação de garantias que lhes estão associadas é pressuposto essencial da apreciação dos pedidos de nulidade formulados pelos AA. nesta acção e de que são objecto, precisamente, parte destas garantias (concretamente, as garantias pessoais). Como se sabe, o R. … Banco, S.A. contestou estes pedidos e pugnou pela validade e eficácia de tais garantias. Se não aceitasse a existência destes contratos e das garantias que lhes estão associadas, o R. …Banco, S.A. nem sequer teria contestado a presente acção. E sendo a declaração de nulidade das garantias pessoais associadas a estes contratos de financiamento parte dos pedidos de nulidade formulados pelos AA. nesta acção, obviamente que o reconhecimento da celebração de tais contratos de financiamento com as garantias associadas, bem como o reconhecimento do fim para que foram celebrados, são factos absolutamente essenciais para a boa decisão da causa, seja qual for o enquadramento jurídico que se lhes queira dar. Acontece que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre estes factos, não os dando por provados, nem por não provados. E, face à declaração genérica que consta no final da decisão sobre a matéria de facto (pág. 17 da sentença), não os considerou relevantes para a boa decisão da causa. Na verdade, na pág. 17 da sentença recorrida (final da decisão sobre a matéria de facto), pode ler-se: “Não existem outros factos provados nem factos não provados. A restante matéria dos autos constitui alegação conclusiva e/ou de Direito, ou meramente instrumental, sem relevância para a apreciação do mérito da causa. Consigna-se que a matéria e/ou documento não seleccionados dos articulados é mera repetição, conclusiva, de direito, de mera impugnação, meras suposições, não incumbe o ónus da prova da mesma a quem a alega e não se selecciona o facto na negativa ou não assume qualquer relevância para a decisão da causa, só tendo sido seleccionados, para além dos constantes dos articulados, considerando o disposto no artigo 5º, n.º 2 do Código de Processo Civil, os factos essenciais, complementares e instrumentais que se consideraram relevantes para a decisão.” Ora, Como é que o Tribunal pode apreciar a (in)validade de negócios jurídicos sobre cuja existência nem sequer se pronunciou? É, obviamente, incompreensível que a sentença recorrida não tenha proferido decisão sobre os factos alegados no art. 89º da P.I. já que eles são, manifestamente, essenciais para a decisão da questão controvertida. Como se viu, eles são centrais na discussão em causa nestes autos e fazem até parte do pedido. É também incompreensível que a sentença recorrida não os tenha dado por provados face ao acordo do R. … Banco, S.A. quanto a eles e face à prova documental produzida pelos AA. e não impugnada pelos RR.. Deverão, pois, ser aditados os seguintes factos ao rol dos factos assentes: Com o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio, a Porti… celebrou os seguintes contratos com o BES: - Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº …C 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária - Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº ECO 12320/10, através do qual o BES emprestou à Porticentro a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido - Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº … 5512/11, através do qual o BES emprestou à Porti…a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária”.
Sobre este ponto, o réu FUNG…I contrapôs na respetiva contra-alegação: “(…) 38- (…) a sua inclusão no elenco dos factos provados ou não provados não se revela, tal como afirmado na fundamentação da douta sentença recorrida, essencial para a decisão do mérito da causa. 39- Mais, não se vislumbra de que parte dos excertos transcritos pelos próprios Recorrentes do depoimento da testemunha, João Paulo…, é possível concluir, como fazem os Autores que: b) “Os 3ºs e 4º AA. só deram o seu aval pessoal aos financiamentos acima referidos porque eram os únicos accionistas das 1ª e 2ª AA. que eram as únicas sócias da Porti… e, por isso, as beneficiárias finais dos financiamentos.” c) Se as 1ª e 2ª AA. não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porticentro, os 3ºs e 4º AA. nunca teriam dado o seu aval a estes financiamentos.”
E, o réu …BANCO alegou que: “(…) 22. Os Recorrentes pretendem que se dê como provada a matéria constante do artigo 89 da sua Petição Inicial. 23. O …Banco não reconhece qualquer utilidade a essa factualidade para a decisão final a proferir, porquanto aquilo que os Recorrentes pretendem é apenas poderem daí extrapolar para a conclusão de que o investimento no Plano de Pormenor da Horta do Palácio (“PPHP”) também foi um investimento do BES. 24. Ora, a prova produzida nos autos demonstrou que o BES não tinha qualquer interesse próprio no PPHP, tendo-se limitado a conceder os financiamentos solicitados, uma vez que lhe foram oferecidas garantias bastantes para o efeito, 25. O que resultou claro, nomeadamente, no âmbito do depoimento da testemunha Nuno … Mandatário-[00:18:29] Muito bem. De qualquer das formas nesses financiamentos iniciais em que interveio, pergunto se o Sr. dr. ou alguém que trabalhasse consigo, alguma vez criou, na família Cabr…, a expectativa de que o banco financiaria o projecto como fosse preciso, ou seja, se o banco assumiu isto como uma espécie de parceria em que o banco ia entrando com o capital para aquele projecto? Nuno… -[00:18:57] Não, não, não. Isso nunca. Até porque o banco tem uma hierarquia de decisão, tem uma direcção de risco e isso nunca, em momento algum foi transmitido a quem quer que seja, a que cliente fosse. E neste caso a família Cabr…também não, portanto, isto foi um projecto que foi analisado e que teve determinadas premissas iniciais que depois, por várias vicissitudes, podem ter alterado essas premissas iniciais, mas que foram sempre analisadas com toda a equidade e todo o rigor no sentido de serem. por quem de direito, decididos os apoios que o banco estaria em condições de prestar ou não, portanto, nunca lhe foi vendida, digamos, entre aspas, uma ideia de que aquilo era uma parceria ou que o banco estaria disponível para ir a todo o lado com o desenvolvimento daquele projecto em concreto. Não. Isso não. Mandatário-[00:20:06] Certo. Portanto, se bem percebi o que o Sr. dr. me está a dizer, em cada um destes momentos em que houve pedidos de financiamento, esses pedidos foram analisados isoladamente com base no estado das coisas à data, nomeadamente… Nuno …-[00:20:19] Exacto. Mandatário-[00:20:18] … o desenvolvimento do projecto, custos e expectativas e por aí fora? Nuno …-[00:20:22] Exactamente, exactamente. 26. Nesse sentido, embora deva improceder esta pretensão dos Recorrentes por não ter relevância para a decisão final, o que se requer, 27. Num remoto cenário de procedência é crucial ter presente que a factualidade em causa se refere apenas ao intuito com que os Recorrentes pediram os financiamentos, e não implica qualquer interesse específico do BES no desenvolvimento do projecto que os Recorrentes entenderam empreender”.
Vejamos: “No direito anterior à Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, em sede de processo ordinário, a decisão sobre a matéria de facto tinha lugar após o encerramento da audiência de julgamento (cf. anterior artigo 653.° n.°2). Na nova versão do Código de Processo Civil, o legislador suprimiu a decisão sobre matéria de facto, no termo da audiência de julgamento. Por isso, bem se pode chegar à sentença sem o proferimento de despacho formal sobre factos assentes. Na realidade, a decisão de fixação de factos assentes passou a ser uma decisão formalmente não autónoma — mas decisão, ainda assim…— no seio da fundamentação da sentença, prejudicial do dispositivo desta.” (assim, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil; vol. II, 2ª edição, p. 77).
O artigo 607.º, n.º 4, do CPC impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” “A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS).
Lebre de Freitas (A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª ed., p. 315), refere que: “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ”.
Ora, conforme se sublinhou no já citado Acórdão do STJ de 26-02-2019, Pº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, rel. FONSECA RAMOS): “Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento”.
Por seu turno, refere Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pp. 350-351) que: “A estatuição do citado nº4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado)”.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020 (Pº 258/18.9T8PNF-A.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “Podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção); Havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova formulados, densificados pelos respetivos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) –v. arts 410º, do CPC e 341º e seguintes, do Código Civil e, ainda, artigo 5º, daquele diploma legal”.
Nesta linha é, pois, crucial que seja feita a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento, de acordo com os temas da prova fixados. “A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 717).
Na audiência prévia foi elaborado o despacho saneador foi indicado como “Objecto do litígio” o seguinte: “A) O direito dos Autores à restituição dos montantes por si entregues aos Réus no âmbito dos contratos de cessão de quotas, celebrado com o 1º Réu, e de financiamento, com o antigo BES, (e respectivas garantias ali prestadas), como consequência da nulidade de tais negócios jurídicos. B) O direito dos Autores a indemnização por parte do 1º Réu a título de enriquecimento sem causa”.
E como “temas da prova” sinalizaram-se os seguintes: “1. O relacionamento da família Cabr… com o antigo BES e as circunstâncias em que esta instituição bancária promoveu o negócio de cessão das quotas da sociedade Porti… a favor daqueles, bem como o financiamento a ele associado. 2. As características dos terrenos propriedade da Porti…, a sua aptidão para a construção urbana e o conhecimento de tais elementos pelos Autores, designadamente, as expectativas destes na reactivação do alvará de loteamento caducado e as demais negociações associadas a este processo. 3. Das circunstâncias em que os Autores tomaram conhecimento de que o alvará de loteamento não podia ser reactivado. 4. A proposta da Porti… à Câmara Municipal de Por… de um plano de pormenor relativo aos terrenos (PPHP) e custos associados a este projecto incluindo o desenvolvimento do mesmo, pela 1ª Autora, quer pelos 3º e 4º Autores. 5. O acréscimo do valor dos terrenos após a aprovação do PPHP. 6. A constituição de hipoteca a favor da Câmara Municipal de Por… para garantia da execução das infraestruturas previstas no PPHP, a inviabilização do seu registo na Conservatória do Registo Predial e suas consequências. 7. A assunção de novas garantias pelos Autores no âmbito de novos financiamentos concedidos pelo 2º Réu e o posterior incumprimento, pelos Autores, dos financiamentos concedidos. 8. As diligências do 1º Réu para promover a reactivação da operação de loteamento dos terrenos após a decisão judicial definitiva quanto à caducidade do alvará e o envolvimento dos Autores nesse processo. 9. Da litigância de má fé dos Autores”.
São estes os temas que determinam quais os factos relevantes para a resolução do litígio.
Todavia, “a maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere à instrução não dispensa o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto, indicar com precisão os factos provados e não provados” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 701).
Referem os mesmos autores que, em sede de sentença, “o juiz deve sinalizar cada um dos factos essenciais que foram alegados no processo por cada uma das partes, por forma a cobrir todas as soluções plausíveis da questão ou questões de direito”, cabendo nessa enunciação “uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda” (ob. cit., p. 718).
Só assim não será com os factos irrelevantes ou conclusivos que sejam objeto de alegação, ou aquela alegação que contenha matéria de direito, aspetos que não devem ser transpostos para a seleção factual realizada pelo Tribunal em sede de sentença: “A matéria conclusiva (que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito é contrária à matéria estritamente factual que, como decorre do art. 607º nº4 do CPC, deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-02-2021, Pº 701/19.0T8PFR.P1, rel. MENDES COELHO). De tal sorte que, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-11-2017 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1, rel. MADEIRA PINTO).
De todo o modo, como bem se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-12-2015 (Pº 24623/15.4YIPRT.C1, rel. BARATEIRO MARTINS): “Embora o processo chegue hoje em dia à audiência final sem um prévio despacho a dizer o que se considera já provado, tal não significa que, em termos factuais, tudo esteja “em aberto” e que tudo seja passível/carente de prova em audiência final. Do “jogo” dos articulados – das posições que uma parte tomou (cfr. art. 46.º e 574.º do CPC) em relação aos factos constitutivos da causa de pedir alegados pela parte contrária – e dos documentos juntos (autênticos e/ou particulares cuja assinatura não é impugnada) resultam (podem resultar) logo provados diversos factos (…). Antes da “livre apreciação” com que, segundo a lei, o tribunal avalia certos meios de prova (designadamente, a prova testemunhal), há que tomar em consideração que a lei fixa/tarifa a avaliação que o tribunal deve conceder aos factos que estão admitidos por acordo ou aos factos provados por documento (cfr art. 607.º/4/2.ª parte do CPC)”.
E, finalmente, importa sublinhar que: “I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC. III. O mesmo se deve entender nos casos em que o tribunal considere meios de prova de que lhe não era lícito socorrer-se ou não atenda a meios de prova apresentados ou produzidos, admissíveis necessários e pertinentes. Qualquer dessas eventualidades não se traduz em excesso ou omissão de pronúncia que impliquem a nulidade da sentença, mas, quando muito, em erro de julgamento a considerar em sede de apreciação de mérito” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2017, Pº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, rel. TOMÉ GOMES. Em igual sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-11-2016, Pº 6662/09.6TBVFR.P2, rel. CORREIA PINTO).
Apreciando:
Ora, o alegado no artigo 89.º da p.i. tem plena implicação e pertinência em face daquilo que constava enunciado no tema da prova n.º 7, pelo que, nos parece que, tendo interesse para a boa decisão da causa, a matéria em questão deveria ter sido objeto de seleção factual.
Contudo, o alegado no mencionado artigo 89.º da p.i. desdobra-se em dois segmentos factuais de objeto diverso: assim, por um lado, a celebração dos contratos nele alegados, com os intervenientes, condições e objeto e invocados e nas circunstâncias temporais alegadas; e, por outro lado, a motivação de uma tal celebração: Se a mesma ocorreu com o escopo exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio.
Sucede que, ambos os aludidos segmentos da alegação inicial dos autores, ora recorrentes, no mencionado artigo 89.º da p.i., foram especificamente impugnados pelo réu FUNGEPI (cfr. artigo 84.º da contestação deste réu).
Por sua banda, o réu …BANCO não impugnou especificamente uma tal alegação, limitando-se a invocar que “o envolvimento financeiro dos Autores com o BES, não só se manteve, como foi aprofundado, nomeadamente por via de créditos solicitados pela Porti… ao BES, já entre 2009 e 2012, por forma a que aquela pudesse financiar o projeto megalómano (o Plano de Pormenor) em que os Autores entenderam envolver-se” (cfr. artigo 104.º da contestação respetiva).
Assim careceriam os autores de, no desenvolvimento dos autos, efetuar a prova correspondente de uma tal factualidade.
Todavia, produzidos os meios de prova e efetuado o julgamento e discussão da causa, não se alcança, em face de qualquer dos meios de prova produzidos, que tenha resultado demonstrada ou provada a intenção exclusiva da celebração dos contratos de financiamento e garantias dos autos.
Isso não foi confirmado, por exemplo por Nuno…, o qual não concretizou a finalidade dos financiamentos ocorridos, salientando que houve diversas fases na atribuição de financiamentos: viabilização da construção de infra-estruturas; financiamentos de uma primeira fase de construção e depois necessidade de refinanciamento de anteriores financiamentos.
Mesmo as declarações de parte prestadas por L… não foram de molde a inculcar em sentido diverso: L… referenciou que, entre 2009 e 2011 o BES fez ainda os financiamentos necessários para o desenvolvimento do Plano de Pormenor. Contudo, nada adiantou com sobre a razão ou “intenção exclusiva” na contratação então operada.
O mesmo se diga em face do depoimento de João…, adiantando que os valores dos financiamentos de 2009 a 2011 se destinariam a pagamentos de despesas relacionadas com o desenvolvimento de projeto imobiliário, atinentes a projetos, planos, pagamento a arquitectos, a engenheiros. Nada mais concretizou de relevante.
Assim, reapreciada a factualidade nesta sede, verifica-se que, ao invés do pretendido pelos ora recorrentes, esta factualidade não deverá ser incluída na matéria de facto provada, mas sim, no rol dos factos não provados.
Resta o segmento factual referente à própria contratação dos financiamentos e garantias em si.
E sobre este segmento, chegamos ao momento de prolação da decisão em 1.ª instância apenas com o teor dos documentos apresentados pelos autores – cfr. documentos n.ºs. 37, 38 e 39 juntos com a p.i. – documentos esses que, em si mesmo, não foram impugnados, sendo demonstrativos da respetiva materialidade da atinente celebração, aliás, admitida pelo 2.º réu, nos termos supra apontados.
De facto, contrariamente aos documentos autênticos que provam a sua autenticidade - provam por si que emanam da entidade documentadora respetiva (“acta probant se ipse”)- em regra, os documentos particulares não provam por si mesmos a sua autenticidade ou veracidade.
Estabelece o n.º 1 do artigo 374.º do CC que, a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado.
A parte contrária, ao não impugnar o documento, assume uma atitude passiva que conduz ao reconhecimento da autenticidade do documento (não da intenção da sua celebração), no sentido de que a letra e a assinatura ou só a assinatura se consideram verdadeiras (art.º 374º, nº 1 do Código Civil). Esta é a sua força probatória formal.
Quanto à sua força probatória material, uma vez reconhecida a proveniência do documento e o seu autor, temos que as declarações nele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante (n.º s 1 e 2 do art.º 376º do Código Civil).
De acordo com o mencionado artigo 376.º, n.º 2, do CC, “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão”.
Como refere Vaz Serra (in RLJ, Ano 110.º, pág. 85), “a regra do nº 2 do art. 376º constitui uma presunção fundada na regra de experiência de quem afirma factos contrários aos seus interesses o faz por saber que são verdadeiros; essa regra não tem, contudo, valor absoluto, pois pode acontecer que alguém afirme factos contrários aos seus interesses apesar de eles não serem verdadeiros e que essa afirmação seja divergente da sua vontade por que se ache inquinada de algum vício de consentimento: o facto declarado no documento considera-se verdadeiro embora o não seja, por aplicação das regras da confissão podendo, porém, o declarante, de acordo com as regras desta, valer-se dos respetivos meios de impugnação. Pode, por isso, provar o declarante que a sua declaração não correspondeu à sua vontade ou que foi afetada por algum vício de consentimento… (cf. art.º 359º)”.
Quer isto significar que os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que aludem os artigos 374º e 375º, fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade.
Do exposto e dos termos dos autos, deriva que os documentos n.ºs. 37, 38 e 39, juntos com a p.i. (cfr. fls. 217v.º a 221) comprovam a celebração dos contratos de financiamento e garantia invocados no artigo 89.º da p.i. (cfr. artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte do CPC).
Impôr-se-ia, pois, que os factos apurados e resultantes dos aludidos documentos, ou melhor, da demonstração do que espelha a sua materialidade, fossem considerados no rol dos factos provados, atenta, como se viu supra, a sua pertinência para o desfecho dos presentes autos.
Assim, em conformidade com o exposto e de harmonia com o previsto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, deverá incluir-se no rol dos factos provados, um novo artigo – com o n.º 46) – do seguinte teor: “46) A Porti… celebrou os seguintes contratos com o BES: - Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº …C 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária; - Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº …O 12320/10, através do qual o BES emprestou à Porti. a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido; - Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº …C 5512/11, através do qual o BES emprestou à Porti…. a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária”.
De igual modo, nos termos apontados, deverá incluir-se no rol dos factos não provados, uma nova alínea – l) – com a seguinte redação: “l) Que a celebração dos contratos mencionada em 46) tenha tido o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio”.
* B) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Os 3ºs e 4º AA. só deram o seu aval pessoal aos financiamentos acima referidos porque eram os únicos accionistas das 1ª e 2ª AA. que eram as únicas sócias da Porti… e, por isso, as beneficiárias finais dos financiamentos. Se as 1ª e 2ª AA. não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…, os 3ºs e 4º AA. nunca teriam dado o seu aval a estes financiamentos”?
Alegaram, igualmente, os recorrentes que: “a-2) No art. 90º da sua P.I., os AA. alegaram que os 3ºs e 4º AA. só deram o seu aval pessoal aos financiamentos acima referidos porque eram os únicos accionistas das 1ª e 2ª AA. que, por sua vez, eram as únicas sócias da Porti. e, por isso, as beneficiárias finais dos financiamentos. E, No art. 91º da sua P.I., os AA. alegaram que, se as 1ª e 2ª AA. não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…., os 3ºs e 4º AA. nunca teriam dado o seu aval a estes financiamentos. Ora, Os AA. alegam que o contrato de cessão de quotas melhor identificado nos autos é nulo por constituir um negócio jurídico indirecto fraudulento e que os contratos de financiamento acima mencionados estão ligados àquele contrato de cessão de quotas por um nexo funcional - todos eles se destinaram ou a permitir e viabilizar o negócio fraudulento ou foram celebrados por causa dele – e que, apesar de constituírem contratos separados, existe entre eles uma relação de dependência recíproca, nos termos da qual nenhum deles existiria se não existisse o negócio fraudulento. Neste quadro, os factos alegados pelos AA. nos artigos 90º e 91º da P.I. são factos essenciais para se apurar da existência de uma tal relação entre os referidos contratos. Não ignoramos que, a final, o Mma. Juiz a quo optou por não reconhecer a nulidade do contrato de cessão de quotas em crise e, por isso, considerou prejudicado o conhecimento desta questão. Porém e como se viu, a matéria de facto tem de ser fixada de acordo com as diferentes soluções plausíveis para a questão trazida a juízo. Nesta medida, os factos constantes dos arts. 90º e 91º da P.I. deveriam ter sido apreciados na sentença recorrida. Estes factos ficaram provados pela generalidade dos depoimentos das testemunhas do 2º R, mas, em especial, da testemunha João… que não considera a aquisição dos terrenos da Horta do Palácio pelas AA. Credi… e …golf e todos os financiamentos subsequentes como fazendo parte de um projecto único que se iniciou com a celebração do contrato de cessão de quotas em crise nestes autos. Veja-se o referido depoimento: Minuto 7:56 a 11:32 Mandatária 1: Sim senhor. Pronto. E, portanto, todo esse financiamento… e a única pergunta relativamente a esse financiamento que eu lhe faço é: o financiamento para a aquisição da quota foi feito e tinha subjacente o desenvolvimento de algum projeto de imobiliário, ou não? João…: O financ… a aquisição… tinha, posteriormente, tinha, não é. Aquilo era um projeto que era para depois desenvolver um projeto imobiliário, não é. A aquisição daquela empresa, que envolvia uns terrenos, que tinha como finalidade, depois, desenvolver um projeto imobiliário. Mandatária 1: Muito bem. E houve alguma, alguma mudança de intenção do projeto que inicialmente o banco… ou lhes foi comunicado pela, pela, pela… pelos representantes da Credi… e da …golf qual seria o projeto que iam fazer e depois houve alguma alteração, ou alguma mudança no percurso? João…: Vamos lá ver, eu… desde o início que se sabia que aquele… aquilo que estava subjacente àqueles terrenos, havia ali uma dificuldade, através de um alvará caducado. Mandatária 1: Hum. João…: Depois, a perspetiva seria sempre ou tentar recuperar essa área de construção ou desenvolver, mais tarde, um projeto, nesses terrenos, mas foi uma situação que depois se foi… foi crescendo ao longo do tempo. Ali num espaço de dois, três anos, com negociações junto da autarquia, que os clientes fizeram, e que foram tentando melhorar, digamos, o, o… digamos, o plano imobiliário para aquele, para aqueles terrenos, uma vez que não tinham a certeza se conseguiriam recuperar aquele alvará que estava caducado ou que não estava aprovado. Mandatária 1: Sim senhor. Entretanto, houve, depois desse financiamento, em 2009 e em 2011, mais dois financiamentos diretos à Porti…. Participou nesses, na aprovação e na preparação desses financiamentos? João…: Totalmente, totalmente. Sim, confirmo. Mandatária 1: Pronto. E aí, subjacente a esses financiamentos, estava já uma operação urbanística identificada, perfeitamente definida? João…: Estavam financiamentos destinados a despesas não de construção, porque não havia ainda nada aprovado em termos de construção, mas para desenvolvimento de projetos, de Planos de Pormenor, despesas inerentes a este tipo de, de, de atos. Não propriamente de construção, porque isso não havia ainda nada aprovado e previsto e orçamentado para isso. Mandatária 1: Portanto, financiamento do desenvolvimento de um Plano de Pormenor, é isso? João…: Do Plano de Pormenor, de licenciamentos, do pagamento de arquitetos, a engenheiros que iriam desenvolvendo esses projetos… e a custas, naturalmente, junto das autarquias, que eram necessárias, para desenvolver isso. Mandatária 1: Muito bem. E o banco entendeu que isso seria, que isto eram projetos e diligências e atos que valia a pena financiar? João…: Sim, claro, senão não o teria aprovado. Mandatária 1: Não se tinha aprovado, exatamente. João…: Não foi tudo de uma vez, se bem me recordo foram, foram espaçados no tempo, financiamentos que se realizaram, portanto, ali na casa dos 2 milhões e meio… [impercetível], um primeiro de 1 milhão, outro de 1 milhão e 100 e o terceiro mais pequeno, que eu já não me recordo, que já foi numa foi numa fase já um bocadinho mais difícil. Deverão, pois, ser aditados ao rol dos factos assentes os seguintes factos: Os 3ºs e 4º AA. só deram o seu aval pessoal aos financiamentos acima referidos porque eram os únicos accionistas das 1ª e 2ª AA. que eram as únicas sócias da Porti…. e, por isso, as beneficiárias finais dos financiamentos. Se as 1ª e 2ª AA. não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…, os 3ºs e 4º AA. nunca teriam dado o seu aval a estes financiamentos”.
Sobre este ponto contra-alegou o réu …BANCO que: “(…) 28. Os Recorrentes pretendem que seja aditada à matéria de facto provada a alegada nos artigos 90 e 91 da Petição Inicial, relacionada com a ideia de que os Recorrentes H... e Luis …apenas deram o seu aval aos financiamentos porque as suas participadas haviam adquirido as quotas da Recorrente Porti…. 29. É apenas outra forma de afirmar que tais Recorrentes deram avais pessoais porque precisavam dos financiamentos para levarem a cabo o seu projecto de PPHP e, sem essas garantias, tais financiamentos nunca teriam sido concedidos. 30. Contudo, cumpre enfatizar que não se pode aceitar o depoimento da testemunha João …como meio de prova apto a demonstrar a intenção de terceiros, não só porque o mesmo não a abordou no seu depoimento, como porque a razão de ser dos avais é do foro pessoal e íntimo apenas de quem os prestou. 31. Além disso, resulta bastante evidente da Sentença recorrida que essa factualidade não foi incluída na matéria de facto provada dada a sua irrelevância para a decisão a proferir, uma vez que a prova produzida nos autos demonstrou, mais do que qualquer outra coisa, que a cessão de quotas da Recorrente Porti… não padece de qualquer invalidade, 32. De onde a absoluta improcedência da tese de união de contratos que os Recorrentes se propuseram defender nestes autos. 33. Nesse sentido, o …B entende que bem andou o Tribunal a quo ao não incluir essas alegações na matéria de facto provada, devendo improceder este segmento da impugnação por parte dos Recorrentes”.
Vejamos:
O critério de seleção factual da matéria de facto assenta na relevância para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito: “Na fixação da matéria de facto provada e não provada, o juiz tem de atender a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que considera aplicável” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-06-2016, Pº 1715/12.6TBEVR.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO).
E, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09-04-2019 (Pº 6062/16.1T8VNF-C.G1, rel. FERNANDO FERNANDES FREITAS), “na reapreciação da decisão da matéria de facto, a Relação, como tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, deve formar a sua própria convicção, pelo que não está limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, devendo avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos e valorando-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas”.
Ora, não obstante este aspeto e considerados todos os meios de prova produzidos nos autos, verifica-se que nenhum elemento probatório (não o demonstrando os trechos extratados do depoimento de João … ou qualquer outro segmento do mesmo - que foi ouvido na íntegra, assim como os demais depoimentos produzidos) foi produzido sobre se os 3.ºs. e 4.º autores apenas acederam a dar aval pessoal aos financiamentos efetuados pela razão de serem accionistas das 1.ª e 2.ª autoras e, bem assim, também não foi demonstrado que se as 1.ª e 2.ª autoras não tivessem adquirido as quotas do capital social da Porti…, os 3.º e 4.º autores não teriam nunca dado o seu aval aos financiamentos concedidos. Que tenha sido esse o móbil de atuação daqueles réus – pessoas singulares – ou que tenha sido a intenção alegada a que esteve na base da prestação de garantias pelos 3.º e 4.º réus, não foi demonstrado, por qualquer modo, sendo que, caberia aos autores uma tal demonstração probatória.
A alegação dos recorrentes, neste conspecto, soçobra.
Improcede a impugnação de facto efetuada pelos recorrentes a este respeito.
* C) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Por… sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam até 17 de junho de 2014. Até 17 de Junho 2014, a Conservatória do Registo Predial de Por… não anotou na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará n.º 6/80 a caducidade deste Alvará”?
Alegaram também os recorrentes que: “(…) a-3) Nos artigos 74º e 75º da sua P.I., os AA. alegaram o seguinte: “74º Porque a Conservatória do Registo Predial de Por… recusou o registo do cancelamento do Alvará de Loteamento n.º 6/80, os lotes de terreno por ele criados e que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.os 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233, ali continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam. (cfr. Docs. 7 a 14) Mas, 75º Mais grave do que isso é que, até 17 de Junho 2014 e violando continuadamente a Lei, a Conservatória do Registo Predial de Por… não anotou, na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará de Loteamento n.º 6/80, que este Alvará tinha caducado e tinha sido cancelado e que, por isso, aqueles prédios já não constituíam lotes de terreno para construção, tendo deixado de ter aptidão edificativa. (cfr. Docs. 7 a 14)” Para prova destes factos, os AA. juntaram as certidões que constituem os documentos 7 a 14 juntos com a P.I.. O R. …Banco, S.A. aceitou expressamente este facto no art. 82º da sua contestação. O teor dos documentos juntos para a sua prova não foi impugnado pelos RR.. Este facto é obviamente muito importante para a decisão da causa já que demonstra a situação registral dos prédios em causa nestes autos na data do contrato de cessão de quotas ajuizado o que é um elemento decisivo para a definição da situação jurídica de tais prédios e para a apreciação da validade de tal contrato. E este facto demonstra que, na data da cessão de quotas em crise nestes autos – 5/11/2007 - os prédios estavam descritos como lotes de terreno para construção e, na sua descrição predial, não estava anotada a caducidade do alvará. Isto significa que, se a Porti… – quando ainda era totalmente detida pelo 1º R. – os quisesse vender às RR. Credi… e …golf teria de dar cumprimento ao disposto no art. 49º, nº 1 do RJUE que prescrevia e prescreve o seguinte: Artigo 49.º Negócios jurídicos 1 - Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes nos termos da alínea i) do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, devem constar o número do alvará ou da comunicação prévia, a data da sua emissão ou admissão pela câmara municipal, a data de caducidade e a certidão do registo predial. Ora, o cumprimento desta exigência legal exigiria que, na escritura de compra e venda que tivesse por objecto as unidades prediais criadas pelo caducado alvará 6/80, ficasse absolutamente clara a definição do seu estatuto jurídico, isto é, que ficasse absolutamente claro que estas unidades prediais já não tinham qualquer aptidão construtiva, em suma, que elas já não eram lotes. Ao optar pela cessão de quotas como forma indirecta de transmissão dos ex-lotes, as Partes violaram esta exigência legal imperativa o que permitiu que estas unidades prediais fossem indevidamente transaccionadas com o estatuto de lotes. E, tanto assim é, que no dia imediatamente a seguir ao dia em que foi celebrada a escritura de cessão de quotas em crise nos autos, estas unidades prediais voltaram a ser objecto de negócio jurídico constitutivo de hipoteca voluntária (também em crise nestes autos) com este (falso) estatuto de lote. E o mesmo aconteceu com as escrituras de constituição de hipoteca celebradas em 22/4/2009 e 27/2/2012. O estatuto jurídico dos ex-lotes criados pelo extinto alvará 6/80 é o cerne de toda a questão trazida a estes autos, sendo que a definição da sua situação registral é essencial para o apuramento deste estatuto. É, pois, incompreensível que a sentença recorrida não tenha considerado os factos alegados nos artigos 74º e 75º da P.I. como essenciais para a decisão da questão controvertida. É também incompreensível que a sentença recorrida não os tenha dado por provados face à prova documental produzida pelos AA. e não impugnada pelos RR.. Deverão, pois, ser aditados os seguintes factos ao rol dos factos assentes: Os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Por… sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam até 17 de junho de 2014. Até 17 de Junho 2014, a Conservatória do Registo Predial de Por… não anotou na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará n.º 6/80 a caducidade deste Alvará”.
Contrapôs o réu FUNG… que: “(…) 41- Os supra referidos factos foram alegados nos artigos 74.º e 75.º da petição inicial e faziam remissão para os documentos 7 a 14 da mesma – cfr. petição inicial de fls… 42- O ora Recorrido impugnou expressa e especificadamente os artigos 74.º e 75.º da petição inicial conforme se extrai do artigo 84.º da sua contestação. 43- E só não impugnou os documentos 7 a 14 juntos à petição inicial porque não são documentos susceptíveis de impugnação: trata-se de certidões permanentes dos Lotes que constituem activo da Porti… desde 1981 e de uma certidão permanente da Porticentro – cfr. documentos 7 a 14 da petição inicial. 44- Mas da não impugnação de certidões – documentos autênticos – não é possível extrair as conclusões pretendidas pelos Autores. 45- Principalmente porque se trata de ilações especificadamente contraditadas pelo ora Recorrido na sua contestação. 46- Com efeito, relativamente a esta concreta matéria, o ora Réu alegou o seguinte, entre os artigos 90.º a 93.º da sua contestação, remetendo para os documentos juntos à petição inicial dos AA., nas páginas 284, 408 e 409: 90.ºQuanto à caducidade definitiva (e irreversível) do alvará de loteamento 6/80, a mesma deu-se muitos anos antes das negociações encetadas entre Autores e Réus e, sublinhe-se, jamais – como repete-se os primeiros descaradamente confessam (cfr. artigo 26.º da P.I.) – lhes foi omitida. Os Réus são, aliás, tudo menos uns inexperientes e/ou “ludibriáveis” investidores no que a que a este tipo de operações (imobiliárias) concerne. 91.ºCom efeito, em Novembro de 1995, a Câmara Municipal de Por… deu conhecimento à PORTI… – Sociedade de Construção, Gestão e Turismo, Ld.ª do parecer jurídico n.º 55/95 e da intenção daquela edilidade em proceder ao cancelamento parcial do alvará 6/80 por falta de conclusão atempada das infraestruturas eléctricas, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciar. 92.ºSaliente-se que, quer o que consta do referido parecer quer o que anos mais tarde a Câmara Municipal de Por… requereu à Conservatória do Registo Predial de Por… foi, exclusivamente, a caducidade parcial do alvará de loteamento, conforme infra se transcreve: - Do parecer n.º 55/95: “(…) De referir que a caducidade não produz efeitos relativamente aos lotes objecto de deferimento do pedido de deferimento do pedido de licenciamento das construções nele projectadas, devendo, para este efeito, ser requerido ao conservador o cancelamento parcial do registo do alvará (…)” – cfr. pág. 284 de 742 dos documentos juntos pelos Autores. - Do pedido da Câmara Municipal de Por…, de 30 de Agosto de 2000, dirigido à Conservatória do Registo Predial e Comercial de Por…: “Declarações complementares/Assinatura: Deve-se este pedido de cancelamento parcial, ao facto de as obras de urbanização não terem sido concluídas no prazo estipulado (…)” – cfr. pág.s 408 e 409 dos documentos juntos pelos Autores. 93.ºSucede que, não obstante o Fungepi, titular da Porti…, ter feito tudo o que estava ao seu alcance para reverter a decisão da Câmara Municipal de Por…, o que é certo é que em 23/04/1996 – ou seja, ainda antes de o Funge… deter a Porti… - a referida Câmara Municipal declarou a caducidade do alvará de loteamento 6/80, e, em 2/05/2001, transitou em julgado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que confirmou definitivamente a referida decisão. 47- Por outro lado, a circunstância de, conforme pretendem os Autores, passar a constar do elenco dos factos provados a circunstância de, à data da cessão de quotas, não estar anotada a caducidade do alvará não tem o condão de transformar um contrato de cessão de quotas (único negócio que foi celebrado de livre e consciente vontade por todas partes) numa compra e venda de lotes de terreno para construção, 48- Nem altera a confissão descaradamente assumida nos autos de que, à data dessa cessão, anotada ou não a caducidade, os Recorrentes tinham pleno conhecimento dessa caducidade e aceitaram o negócio nos moldes em que foi celebrado. 49- Pelo que, quer por se tratar de matéria expressa e especificadamente impugnada na contestação do Recorrido, quer porque, ainda que fosse levada a factualidade assente, nunca poderia servir para concluir no sentido defendido pelos Autores, deve ser julgado improcedente o aditamento requerido pelos Recorrentes nas Conclusões 4 a 8 das alegações de recurso.
Por seu turno, o réu …BANCO alegou sobre a matéria o seguinte: “(…) 34. Aqui pretendem os Recorrentes que se dêem por provadas as alegações relacionadas com as menções constantes dos registos dos prédios, nomeadamente as decisões tomadas pela Conservatória do Registo Predial a esse respeito. 35. Ora, a única utilidade que se vislumbra em tal pretensão é os Recorrentes poderem, a partir daí, tentar extrapolar a ideia de que, se a caducidade do Alvará n.º 6/80 não constava do registo, as Recorrentes Credi…. ..e…igolf e seus representantes legais não teriam conhecimento da mesma. 36. Contudo, parece-nos avassaladora a prova no sentido de que os representantes legais das adquirentes do capital da Recorrente Porti…, os Recorrentes H... e Luis Filipe…, estavam plenamente cientes, não só da caducidade do Alvará, como da nova operação urbanística que o Fung… tinha em elaboração e que reflectia aquelas que eram as condições exigidas (ao Fung…) pela CMP para aprovação de uma tal operação na Horta do Palácio. 37. São particularmente impressivos os seguintes excertos dos depoimentos das testemunhas Manuel … e Fernando …: Manuel …-[00:15:54] O alvará antigo que estava caducado e, portanto, esse tinha sido abandonado, porque estava caducado, e, portanto, nós estávamos a fazer um projecto que era quase um quarto disso, 25.000 metros quadrados acima do solo que era o que estava previsto nesse estudo e, portanto, obviamente que o alvará estava caducado, não é, portanto, não havia nenhuma razão para nós, tendo a possibilidade de fazer um projecto de 90.000 metros quadrados irmos fazer um projecto de 25.000 metros quadrados. Não havia razão absolutamente nenhuma, não é? Mandatária-[00:16:26] Nas reuniões que teve na câmara isso foi explorado? Tentar esticar mais... Manuel …-[00:16:29] Claro. A primeira reacção que nós tivemos quando recebemos aquilo foi “Vamos recuperar o alvará antigo porque realmente eram 90.000 metros quadrados de construção no centro [00:16:41] de Por., aquilo era valiosíssimo, não é? Pronto, mas a câmara recusou imediatamente, disse que “nem pensar, não é possível fazer isto, são umas torres altíssimas, aquilo não se enquadra na perspectiva da câmara de momento e, portanto, nem pensem em fazer uma coisa dessas, está fora de causa.” Foi aí que nós então contactámos com o arqt.º Pedro …para desenvolver o estudo dentro daquilo que eram os parâmetros que a câmara considerava que se enquadravam nos objectivos da câmara e na legislação, no PDM, etc., etc., portanto foi isso. (…) [00:18:06] Mas o principal, para mim, que foi disponibilizado foi o novo processo de loteamento que tínhamos em curso, não é, para que soubessem que estávamos a vender qualquer coisa que tinha um potencial de construção que era aquele que estava considerado até nas avaliações do fundo, que havia uma perspectiva de valorização em função desse potencial de construção, portanto, foi isso que foi exibido à família Cab…, mas a família Cab… logo na altura nos disse que tinha ideias, portanto, para desenvolver um projecto com uma abrangência muito maior. Portanto, aquilo era, digamos, uma parte, não é, era uma parte, era uma peça de um puzzle em que a família Cab… teria contratos com outras entidades para desenvolver um projecto de uma área muito maior do que aquela e, portanto, disse que aquele projecto, pronto, até era interessante e tal, mas eles não estavam interessados no projecto, portanto, nunca se manifestaram interessados em prosseguir o projecto. [00:19:18] Dei o contacto do arquitecto, etc., etc., nunca se mostraram... e eu compreendo isso, compreendo, obviamente. Se tinham uma possibilidade de desenvolver um projecto muito maior. Porquê ir fazer uma coisa pequenina, não é, obviamente que teriam outra rentabilidade, teriam outra... enfim, outra possibilidade de desenvolver o projecto, até porque aquilo é uma zona realmente, extremamente central da cidade de Por… e, portanto, a família tinha essa intenção de desenvolver um projecto maior, que foi aquilo que na verdade veio a acontecer, não é, portanto, não se interessaram, e compreendo, não é, faz todo o sentido que não se tenham interessado por aquele projecto que era pequenino... pequenino, quer dizer... dentro das proporções. Mandatária-[00:20:10] Sim [00:20:11] de 90.000 e agora com um futuro projecto só de 25. Manuel …-[00:20:14] Exactamente e comparado com o futuro projecto que depois vieram a desenvolver, não é? Mandatária-[00:20:18] Certo. E diga-me Sr. eng.º, a questão do alvará de loteamento dos anos 80 estar caducado foi falada com... eu sei que estou-me um pouco a repetir, mas não... era um facto conhecido de ambas as partes? Manuel …-[00:20:36] Pois, claro. Mandatária-[00:20:38] Inegavelmente? Manuel …-[00:20:38] Pois, obviamente que quem está a adquirir um terreno daquele valor, não é? Obviamente que tem de saber o que é que se passa em termos jurídicos, não é, que ónus... enfim, qual é a situação de um terreno com aquelas características, e obviamente que estava caducado o alvará, até porque se não tivesse caducado nós não íamos fazer um projectinho de 25.000 metros quando tínhamos anteriormente 90.000, portanto, era um contra senso completo, portanto, isso era óbvio, era daquelas coisas que portanto, é evidente, não é? (…) Mandatária-[00:22:32] Foi aqui também falado que os sócios da Crédiférias que quando adquiriram, portanto reconhecem que sabiam que o alvará estava caducado, mas que tinham a convicção de que conseguiriam reativá-lo e que só mais tarde, já após terem adquirido a Porti…, e terem-se dirigido à câmara, é que se aperceberam ou que tomaram conhecimento pela câmara que aquele alvará não podia ser reactivado. E, portanto, toda esta acção é montada no pressuposto que inicialmente... [00:23:22] mas a acção é no pressuposto que o banco omitiu a caducidade do alvará, ou pelo menos omitiu... que o banco e que o fundo, a sociedade gestora, que saberia que a intenção dos adquirentes, dos cessionários, era reactivar o alvará caducado, o banco sabia que era isso e que nunca lhes disse que aquele alvará não podia ser reactivado. Manuel Azevedo Leite Braga-[00:23:49] Pois, isso... como é óbvio se o alvará pudesse ser reactivado, nós teríamos seguido esse caminho, não é, como nas reuniões que tivemos com a câmara nos foi dito claramente que aquela volumetria que estava no alvará anterior era totalmente desconforme com aquilo que eram os propósitos da câmara para aquela localização, nós abandonámos a ideia e contratámos o arquitecto que custou um dinheirão, não é, e que o fundo pagou, o fundo teve de pagar tudo, porque independentemente da família Cabrita usar ou não usar o projecto, nós tivemos que pagar a parte do projecto que estava feita, não é, foi feito, mas pronto, foi dinheiro deitado fora, digamos, não é? [00:24:37] Mas foi isso que foi feito e, portanto, isto são coisas muito evidentes para quem se movimenta nesta área do imobiliário, não é, digamos que são os princípios básicos. Outra mandatária-[00:11:16] Na tese dos autores, nunca lhes foi transmitido… no momento inicial não lhes foi transmitido que estava caducado, num outro momento, já é que foi transmitido que estava caducado, mas que eles sempre manifestaram que iam adquirir no pressuposto de conseguirem reactivar o alvará e que o banco nunca lhes disse que essa caducidade era irreversível, essa reactivação era irreversível. [00:11:45] O Sr. eng.º Leite … já explicou o processo que os senhores percorreram na contratação do arqt.º Ferreira …, e agora gostaria de ouvir o Sr. eng.º… Fernando …-[00:11:55] Ó Sra. dra… Outra mandatária-[00:11:56] … quanto a essa questão. Porque estamos a falar… Fernando …-[00:11:58] Aquilo que eu lhe posso… Outra mandatária-[00:11:59] … de muita área de diferença, não é? Fernando …-[00:12:00] Aquilo que eu lhe posso garantir é que tudo o que fosse do nosso conhecimento, foi transmitido aos compradores. E não acredito, porque também tenho vinte e tal anos de imobiliário, que alguém que se predispõe a comprar estes imóveis, esta sociedade que era detentora destes imóveis, que não se informasse, apesar daquilo que nós lhe dissemos, daquilo que nós lhes dizíamos. [00:12:26] Quer dizer, se a senhora me diz a mim num negócio que aquela parede é castanha, eu antes de comprar aquela parede, vou ver se ela é castanha, e vou perguntar a quem fez aquela parede se é de facto castanha ou não, que é para corroborar ou negar aquilo que eu lhe estou a dizer. [00:12:40] As pessoas têm que se informar, porque não estamos a falar de comprar ali uma lojinha com 50 metros quadrados, estamos a falar de uma coisa de muito vulto para a qual é preciso ter arcaboiço técnico, financeiro e logístico. E dentro deste arcaboiço logístico é preciso conhecer a fundo todas as variáveis que estão envolvidas no negócio. [00:13:03] Com certeza que lhe foi dito. Não pode ter sido doutra maneira, porque nós… [00:13:07] Por que é que nós não haveríamos de dizer, Sra. dra.? Outra mandatária-[00:13:09] Claro. Fernando …-[00:13:10] Percebe? Por que é que haveria de estar a ser feita uma reserva mental da entidade vendedora à entidade compradora? Com que propósito? Se estes senhores conheciam tudo e todos e a relação com o presidente da câmara da altura e com o director de urbanismo da altura era excelente… 38. Assim, também quanto a esta matéria somos forçados a concluir que a mesma não foi incluída na matéria de facto provada pelo Tribunal a quo em resultado da sua inutilidade, esta resultante da matéria de facto provada, essencial para a decisão, no sentido de os Recorrentes relevantes terem tido conhecimento da caducidade definitiva do Alvará em momento prévio à cessão das quotas da Recorrente Porticentro, 39. Como, aliás, consta dos pontos 16 e 22 da matéria de facto provada, este último nem sequer impugnado pelos Recorrentes, 40. De onde, por sua vez, resulta a improcedência da pretensão dos Recorrentes a este respeito, sem aditamento desses factos à matéria provada, o que se requer”.
Vejamos:
Relativamente à invocação em questão são plenamente aplicáveis as considerações expendidas na fundamentação expressa na resposta dada à questão supra enunciada quanto à alínea A).
Verifica-se que, de entre os temas da prova sinalizados em sede de audiência prévia, os três primeiros - 1. O relacionamento da família …com o antigo BES e as circunstâncias em que esta instituição bancária promoveu o negócio de cessão das quotas da sociedade Porti… a favor daqueles, bem como o financiamento a ele associado. 2. As características dos terrenos propriedade da Porti…, a sua aptidão para a construção urbana e o conhecimento de tais elementos pelos Autores, designadamente, as expectativas destes na reactivação do alvará de loteamento caducado e as demais negociações associadas a este processo. 3. Das circunstâncias em que os Autores tomaram conhecimento de que o alvará de loteamento não podia ser reactivado – evidenciam a pertinência na seleção factual dos factos correspondentemente pretendidos aditar pelos recorrentes.
Assim, considerando as soluções plausíveis da questão de direito, onde se inserem todas as vertentes equacionáveis face à previsão normativa onde assentará a procedência da pretensão invocada, verifica-se que a matéria de facto em questão, que não é de ter por conclusiva ou de direito, contém elementos de facto atinentes à causa de pedir invocada e relevantes para a decisão da causa.
Os factos em questão deveriam constar assim, ou da matéria de facto assente, ou, da matéria de facto não provada, consoante resultassem, respetivamente, provados ou não provados.
De facto, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-03-2018 (Pº 16196/16.7T8LSB.L1-6, rel. MARIA DE DEUS CORREIA), “quer na selecção na selecção dos factos assentes, quer na selecção dos factos controvertidos, o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável”.
Ora, conforme decorre dos documentos juntos aos autos, designadamente das certidões prediais atinentes aos prédios em questão nos autos e, bem assim, da documentação camarária e da conservatória do registo civil junta ao presente processo (cfr. fls. 61vº a 81, 134 a 151 e 155 a 209), sendo que, tal factualidade foi confirmada perante o declarado por L…, em consonância, nomeadamente, com os depoimentos de Manuel…, assinalando todos eles o contexto jurídico da inscrição dos lotes no registo, os factos em questão estão inequivocamente demonstrados.
Em conformidade, deverão aditar-se à matéria de facto provada, dois novos artigos – com os n.ºs 47) e 48) - respetivamente, do seguinte teor: “47) Os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Por. sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam até 17 de junho de 2014”; “48) Até 17 de Junho 2014, a Conservatória do Registo Predial de Por… não anotou na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará n.º 6/80 a caducidade deste Alvará”.
* D) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de € 19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros)”?
Alegaram, ainda, os recorrentes o seguinte: “(…) a-4) A valorização que o PPHP trouxe aos terrenos Nos arts. 109º, 110º e 160º da sua P.I., os AA. alegaram que o actual valor dos prédios de que a Porti… é proprietária foi fixado num mínimo de € 18.000.000,00 (dezoito milhões de euros). Nos temas da prova, a Mma. Juiz a quo incluiu nos temas da prova “o acréscimo do valor dos terrenos após a aprovação do PPHP “. Adicionalmente, a Mma. Juiz a quo ordenou a realização de uma perícia que tinha por objecto os seguintes quesitos: 1 - Qual o valor de mercado dos direitos de construção correspondentes ao Plano de Pormenor da Horta do Palácio detidos no conjunto do activo da Porti…? 2 - Entre 2006 e 2008 o mercado imobiliário para este tipo de activos sofreu alteração? Queiram justificar a resposta. Em que medida essas alterações se devem reflectir no valor dos activos? 3 - Face ao exposto, indiquem de forma clara e inequívoca qual o valor de mercado de cada um dos activos na presente data. Foi elaborado relatório de peritagem e os peritos foram chamados à audiência de julgamento para prestar esclarecimentos sobre o resultado da perícia, onde estiveram cerca de duas horas a ser inquiridos. Acresce que a valorização dos activos da Porti… com o PPHP e o apuramento do seu valor actual era e é absolutamente essencial para o julgamento do pedido de indemnização a título de enriquecimento sem causa subsidiariamente formulado pelas AA. contra o 1º R. Fung…. Surpreendentemente, a Mma. Juiz não incluiu estes factos na sua decisão da matéria de facto. Nem na matéria provada, nem na matéria não provada. Avançando um pouco no texto, chegamos à conclusão de que a Mma. Juiz a quo, antecipando que não iria sequer apreciar a questão do enriquecimento sem causa, não considerou este facto relevante e, por isso, não tomou posição sobre ele. Acontece que, repete-se, de acordo com as várias soluções plausíveis da questão submetida à apreciação do Tribunal e atendendo a que este facto foi especificamente alegado pelas Partes, ele podia e devia ter sido julgado. Ainda que a solução que viesse finalmente a ser adoptada pelo Tribunal tornasse tal facto irrelevante. Para apurar qual a valorização dos activos da Porti… com o PPHP e qual o seu valor actual, foi feita perícia e produzido o relatório de avaliação de fls. 684 que a Mma. Juiz a quo, pura e simplesmente, desconsiderou, não lhe atribuindo qualquer valor probatório. Sobre este Relatório de Avaliação de fls. 684 e sgs., diz-se o seguinte na sentença recorrida: “Uma palavra, ainda, para o relatório de avaliação a fls. 684 e seguintes dos autos e para os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em audiência. Esta avaliação destinava-se a apurar os valores de mercado dos imóveis que constituem o activo patrimonial da Porticentro, bem como a sua evolução no tempo e seu relacionamento com o Plano de Pormenor aprovado e, tanto quanto se sabe, ainda em vigor para esses prédios. Da prova produzida nos autos, que determinará o destino da acção, é de concluir que, nesta fase, este meio de prova pouca ou nenhuma influência já tem na demonstração da causa de pedir dos Autores, designadamente, a valorização dos terrenos da Porti….. com (e por causa da) a aprovação do PPHP. De todo o modo, cumpre salientar que, nem o relatório em si, nem os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em audiência, não levaram em linha de conta, para a avaliação, a circunstância de os prédios estarem onerados – no caso, com hipotecas – o que, necessariamente, tem decisiva influência na determinação desse mesmo valor. Sendo que não pode colher a justificação, prestada, designadamente, pelos Srs. Peritos Eduardo …e Vítor…, de que se trata de uma “questão jurídica” a considerar oportunamente – mais do que uma questão jurídica, trata-se de uma verdadeira limitação ao livre comércio destes bens imóveis, atenta a natureza da hipoteca como garantia real, conforme os Srs. Peritos, salvo o devido respeito, teriam obrigação de saber. Para além disto, no que concerne à execução/exequibilidade do Plano de Pormenor Horta do Palácio, os Srs. Peritos referiram que o risco de este vir a ser revogado foi minimizado, sem contudo fornecerem uma explicação plausível para esta assunção, especialmente considerando o facto de a sua execução ainda não ter sido iniciada, tantos anos após ter sido aprovado; ora, o que se apurou é que, poucos meses depois da entrega do relatório de avaliação, a CMP veio declarar a intenção de revogação do PPHP. Em suma, sem entrar nos pormenores contidos no relatório, fica a ideia e que o mesmo laborou numa ficção, a de que o PPHP estaria pronto para ser implementado, quando, de todos os dados de que o colégio pericial se poderia socorrer, os mesmos teriam os elementos suficientes para concluir o contrário – que este Plano de Pormenor dificilmente teria as condições necessárias para se desenvolver de acordo com o aí previsto – daí retirando as necessárias consequências para o apuramento do real valor de mercado dos imóveis, quer o actual, quer aquele apurado na evolução pelo tempo, designadamente, antes e depois da aprovação do PPHP.” Salvo o devido respeito, esta apreciação não tem o mínimo de correspondência com a prova produzida nos autos, nomeadamente os esclarecimentos dos peritos, nem tem qualquer correspondência com o teor do relatório. Antes, porém, de entrar na análise crítica desta apreciação do relatório, será útil recordar qual era o objecto da perícia e quais as resposta dadas pelos peritos aos quesitos formulados. Recordemos, pois, que o objecto desta perícia era o seguinte: 1 - Qual o valor de mercado dos direitos de construção correspondentes ao Plano de Pormenor da Horta do Palácio detidos no conjunto do activo da Porti…? 2 - Entre 2006 e 2008 o mercado imobiliário para este tipo de activos sofreu alteração? Queiram justificar a resposta. Em que medida essas alterações se devem reflectir no valor dos activos? 3 - Face ao exposto, indiquem de forma clara e inequivoca qual o valor de mercado de cada um dos activos na presente data. Recordemos ainda as respostas dadas: Quesito 1: Resposta de todos os peritos - O valor de mercado dos direitos de construção associados ao PPHP (65.000m2 da ABC acima do solo) considerando custos normais de infraestruturação e, ao mesmo tempo, que os referidos direitos se encontram livres de ónus ou encargos na data actual deverá corresponder a € 18.010.000,00 (dezoito milhões e dez mil euros). Aditamento do perito Vitor…– O valor de mercado dos direitos associados ao PPHP (65.000m2 de ABC acima do solo), considerando todas as responsabilidades adicionais previstas no referido Plano de Pormenor, nomeadamente a execução de espaços verdes, a demolição do Estádio Municipal de Por…, dos cinemas de Por… e do Clube de Ténis bem como a construção do novo Complexo Municipal de Ténis em terreno a designar pela Câmara Municipal de Por… e ao mesmo tempo que esses direitos se encontram livres de outros ónus ou encargos, na data actual deverá corresponder a € 14.430.000,00 (catorze milhões quatrocentos e trinta mil euros). Quesito 2: Partindo do pressuposto de que não existirá grande diferença entre os valores médios de avaliação e os preços da habitação (ou que mesma será inferior a uma margem de 5%), comparando o 4º trimestre de 2006 com o primeiro trimestre de 2018 temos uma subida nos valores médios situada entre os 15% a 20%. Não existem históricos de dados relativamente a terrenos urbanos para desenvolvimento. Sem prejuízo disso, os peritos admitem a possibilidade de uma extrapolação para uma evolução idêntica. Quesito 3: Os peritos entendem que o valor de mercado do conjunto dos activos será idêntico ao respondido no quesito da alínea c) (aqui quesito 1) pelas razões explicitadas no relatório. Recordados os elementos essenciais do relatório, voltemos às críticas (sem fundamento) que a sentença recorrida lhe faz: Em primeiro lugar, a sentença recorrida critica o relatório porque os peritos não levaram em linha de conta, para a avaliação, a circunstância de os prédios estarem onerados com hipotecas o que, de acordo com a sentença recorrida, tem decisiva influência na determinação do valor. Ainda segundo a sentença recorrida, as hipotecas tratam-se de uma verdadeira limitação ao livre comércio destes bens imóveis, atenta a natureza da hipoteca como garantia real, “conforme os Srs. Peritos, salvo o devido respeito, teriam obrigação de saber”. Em tese e para uma avaliação destinada a terceiros ou ao mercado, estas afirmações constantes da sentença recorrida são verdadeiras. Porém, não têm qualquer aplicação ao caso concreto e, por isso, são completamente vazias de sentido. É que, como decorre da P.I. e da forma como as AA. formularam os seus pedidos, a definição do valor dos activos integrantes do património da Porti… é essencial para a fixação do valor do enriquecimento sem causa do R. Fung… em caso de procedência dos pedidos principais. Os pedidos principais incluem a declaração de nulidade da 1ª hipoteca voluntária registada sobre os prédios, pelo que, em caso de procedência da acção passariam a subsistir, apenas, as 2ª e 3ª hipotecas voluntárias sobre eles registadas. E estas 2ª e 3ª hipotecas ficariam a garantir um passivo remanescente de €2.450.000,00 (dois milhões quatrocentos e cinquenta mil euros) que a Porti… não tinha na data do contrato de cessão de quotas. Tudo conforme o alegado nos arts. 162º, 163º e 164º da P.I. (que os RR. jocosamente apelidaram de “contas de merceeiro” nas suas contestações). Assim, para os específicos efeitos deste processo e atendendo a que o enriquecimento tem como consequência o reingresso da Porti…o no património do R. Fung… integrada de um activo constituído pelos prédios da Horta do Palácio e com um passivo de €2.450.000,00, garantido pelas mencionadas 2ª e 3ª hipotecas, o valor deste enriquecimento corresponde à diferença entre o valor do activo da sociedade e o valor do seu passivo (garantido pelas hipotecas). Para efeitos do apuramento concreto do valor do enriquecimento sem causa do R. Fung…, os prédios integrantes do activo da Porti.. sempre teriam de ser avaliados livres de ónus ou encargos, sendo que ao resultado desta avaliação teria, então, de se deduzir o valor do passivo garantido pelas hipotecas (mas não todas as hipotecas hoje registadas, apenas as 2ª e 3ª hipotecas). A avaliação feita nos autos não podia e não devia ter em consideração todas as hipotecas registadas sobre os prédios (já que o enriquecimento pressupunha a declaração de nulidade da 1ª hipoteca). A avaliação feita nos autos também não podia ter tido em conta as 2ª e 3ª hipotecas registadas sobre os prédios já que, como decorre do pedido formulado pelos AA., no apuramento do valor do enriquecimento do R. Fung…, teria sempre de se considerar o valor do passivo garantido por estas hipotecas e esse apuramento não é, obviamente, tarefa dos peritos, antes é tarefa do Tribunal. Aliás o perito indicado pelos RR., Sr. Eng. Vitor … explicou que esta era uma questão jurídica e, por isso, entendeu não estar submetida ao seu juízo. Minuto 15:50 a 17:56 Mandatária 1: Bom, tocando aqui numa questão que já foi tratada e antecipando se calhar um bocadinho uma questão que lhe vai ser colocada, chegou-se já aqui à conclusão de que o valor a que os senhores, o valor de avaliação indicado na vossa peritagem não contempla hipotecas que existem registadas a favor de uma instituição financeira, neste caso do …Banco, o vosso relatório não contempla essas hipotecas e porquê? A questão aqui é, porque é que optaram por não as incluírem, por fazer a avaliação livre de ónus ou encargos. Vítor…: Eu acho que quando estamos a fazer, provavelmente porque também não tínhamos todos os dados para fazer isso, não é, os dados que nos foram fornecidos não envolviam tudo isto, mas normalmente quando calculamos uma avaliação, dizemos que a avaliação é feita livre de ónus ou encargos, a não ser que nos indiquem há estes ónus ou encargos em vigor. Mandatária 1: Certo. Vítor …: E eu, francamente, francamente neste momento eu não sei quais são, admito que existirão, admito que é por isso que estamos aqui, admito que é por isso que as partes estão, estão em litígio ou por outras coisas, interessa-me muito mais o objeto da perícia do que tudo isso, do que o que está envolvido, mas admito que existirá. Mandatária 1: Pronto. Vítor …: Mas também quem sabe exatamente os montantes é fácil deduzir àquilo que é calculado. Mandatária 1: Portanto, na realidade aquilo que… entenderam a perícia como sendo a avaliação ou a fixação do valor... Vítor…: Livre de ónus ou encargos. Mandatária 1: …dos terrenos, livres de ónus ou encargos, e que as partes que se entendessem quanto aos ónus e encargos, é isso? Não entenderam que estaria incluído no objeto da avaliação? Vítor…: Sim. Mandatária 1: É? Pronto, sendo que naturalmente que…que para uma venda ou para, para o apuramento do ganho dos donos dos terrenos terá sempre de ser feita a dedução do valor das hipotecas? Vítor…: Um compra… Mandatária 1: O valor em dívida garantido pelas hipotecas? Vítor …: Um comprador avisado faz isso. Neste quadro concreto e tendo em conta os objectivos específicos da perícia solicitada, a crítica relativa à omissão de referência às hipotecas feita pela Mma. Juiz a quo é, salvo o devido respeito, desprovida de qualquer sentido. Uma outra crítica que se faz na sentença recorrida ao relatório de avaliação de fls. 684 é que os Srs. Peritos terão referido que o risco de este vir a ser revogado foi minimizado, sem, contudo, fornecerem uma explicação plausível para esta assunção, especialmente considerando o facto de a sua execução ainda não ter sido iniciada, tantos anos após ter sido aprovado. Com todo o respeito, os Srs. Peritos não referiram que o risco do PPHP vir a ser revogado foi minimizado. Bem pelo contrário, logo a fls. 33 do Relatório de Peritagem, por unanimidade, os peritos afirmam expressamente: “Assim, devido à actual conjuntura de revisão do PDM de Port… e à não execução do Plano de Pormenor que já foi aprovado em 2011, os peritos admitem que poderá existir algum risco (o qual será sempre de quantificar) da revogação do Plano de Pormenor da Horta do Palácio. Sem prejuízo do antecedente, e uma vez que o presente documento se reporta à data actual, os valores atribuídos consideram como plausível a situação presente, ou seja, que o Plano de Pormenor da Horta do Palácio ainda se encontra em vigor e existe a possibilidade de vir a ser executado. De qualquer forma, mesmo que o mesmo não venha a ser concretizado, os peritos consideram como bastante plausível que os 21.300m2 tenham uma edificabilidade semelhante à prevista no PPHP, uma vez que a capacidade construtiva deste foi calculada considerando o previsto no PDM.” Nos esclarecimentos que prestou, por várias vezes, a Srª Eng. Maria Alexandra …(perita indicada pelos AA.) várias vezes explicou: Minuto 21:18 a 22:47 (...) Mandatária 2: Porque atualmente nós não temos correspondência de lotes, os lotes que estão previstos até há uma alteração da configuração dos lotes atuais, tudo muda, mas eles atualmente são o que são e por isso eu pergunto em termos de valor de mercado que, daquelas lotes que existem, que existem, estamos a falar de um Plano Pormenor com quase 10 anos e que não...não.. e que tem uma série de condicionantes associadas, nenhuma delas verificada até ao presente, a minha pergunta é, é o porquê de se terem abstido de responder ao que foi pedido no quesito 3º, optando por manter a resposta dada ao quesito 1ª, portanto eu não estou, não estou nem tenho, nem tenho conhecimento para tal, a questionar o valor de mercado que atribuíram aos direitos de construção correspondentes ao Plano Pormenor, com… [impercetível] com os lotes que aí estão previstas se o Plano alguma vez vier a ser executado, a minha questão é que havia outro quesito, onde era pedido o valor de mercado dos lotes atualmente, e é essa pergunta… Maria Alexandra…: Por estas, por essa questão que eu lhe estou a dizer, mesmo que o plano de execução, o Plano Pormenor não seja executado, os índices de construção das áreas, dos terrenos detidos pelo Porti… é...estão dentro dos índices de construção do PDM. (...) Minuto 42:34 a 47:51 (...) Mandatária 2: Na página 3 do relatório, na página 33, faz ainda menção ao risco derrogação do Plano Pormenor da Horta do Palácio, mas dizem que esse risco é difícil de quantificar, porque é que diz isso Sra. Eng.ª Maria Alexandra …: Por que cá está, pelo mesmo...sempre pelo mesmo motivo, porque os índices de construção possíveis de executar, são, está dentro dos valores do PDM, portanto a área de construção permitida que foi considerada para este plano, mesmo que eu plano não seja executado, a área de construção é, é...está dentro dos valores do PDM atuais. Mandatária 2: Certo. Portanto risco existe, não, não conseguem é quantificar esse risco. Por último Sra. Eng.ª, agora pegando nisso que acabou de dizer, não é isso que eu infiro aqui da... agora está-me a dizer que é indiferente, eu percebi que toda a vossa análise assentou no Plano de Pormenor. Ponto 1. Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 2: E agora o que me está a dizer é que independentemente de ser o Plano de Pormenor ou não o valor é sempre este? Maria Alexandra…: A edificabilidade é a mesma. Mandatária 2: Para todos os lotes para a qual… Maria Alexandra …: Portanto... Mandatária 2: Sra. Eng.ª, mas a Sra. Eng.ª o que me disse há pouco foi que tinha olhado para os lotes, face à configuração que lhes é dada pelo... Maria Alexandra…: Sim. Mandatária 2: …pelo plano da Horta do Palácio, a [impercetível]…a configuração inclusive é diversa da que eles que têm atualmente. Está...está...no fundo eles vão ser alterados, inclusive na sua configuração, há partes que são cedidas, há outras que...e outras que são, são definidas por parte do município, portanto estamos a falar de lotes com áreas diferentes, com [impercetível] diferentes, como é que se a configuração é outra e as áreas também, como é que pode dizer o valor se mantêm inalterado? Maria Alexandra…: Não, as áreas dos lotes são diferentes, mas as áreas de construção permitida, a área de construção permitida, porque esta área não, não...essa é a mesma. Mandatária 2: Mas a área de construção permitida, o índice que é aplicável é sempre... aplica-se face a área de que dispomos, não é? Maria Alexandra…: Sim. Mandatária 2: Ora se os lotes atuais não correspondem aos lotes que estão previstos no plano… Maria Alexandra…: Mas dentro do plano...mas por exemplo o número de pisos que está previsto pode ser superior dentro do PDM em relação aos edifícios contíguos, que ao lado estão várias torres. Mandatária 2: Então aí subia? Então também não era igual. Maria Alexandra…: Diga? Mandatária 2: O que a Sra. Eng.ª acabou dizer foi que tanto faz, seja ao abrigo do Plano de Pormenor... Maria Alexandra …: A área do terreno é a mesma. Mandatária 2: …s eja do PDM, o valor mantém-se o mesmo porque os, os índices são os mesmos, os do PDM e os do Plano de Pormenor... Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 2: E agora está-me a dizer que afinal não, se for do PDM ainda é mais. Maria Alexandra …: Não, não, as áreas de constru...dos lotes, a disposição dos lotes são diferentes, mas a área de construção de cada lote pode aumentar. Mandatária 2: Então se pode aumentar então...então pode não ser este valor que está aqui, não é? Maria Alexandra …Não. Porquê? Só… não está previsto, nunca foi previsto construir mais do que isso. Mandatária 2: Sim mas nós temos o risco, como até referem no próprio relatório, do Plano de Pormenor vir a ser revogado, já passaram muitos anos desde a sua aprovação, o próprio PDM está em revisão, as condicionantes para a sua execução são várias e têm dispersão, portanto são, são obras com, com alguma...expressivas, são obras e alterações grandes, e a verdade é que já passaram praticamente 10 anos e nada foi feito, portanto é possível que os Srs., os Srs. Peritos inclusive reconhecem que há essa possibilidade de o Plano ser revogado. E, portanto, estando o PDM a ser alterada, já me disse que não nesta parte das, dos índices e da capacidade edificativa que não, mas isto altera todo o pressuposto do que esteve na base da vossa avaliação, tanto mais que se abstiveram de analisar a realidade atual, olhar para os lotes tal e qual eles existem hoje e de fazer...porque entenderam olhar apenas ao plano. A minha pergunta é, é indiferente? Este valor que os Srs. Peritos atribuíram, não é todo focado no Plano de Pormenor Horta do Palácio? É que agora fiquei um bocadinho baralhada. Maria Alexandra…: Não, é indiferente. É indiferente porque a potencialidade da área de construção é a mesma, seja ou não feito o Plano de Pormenor, se for feito só através do PDM para os lotes...para as áreas que existem atualmente, sem ser feitos os novos lotes, está dentro as áreas, do índice de construção.(...) E, nos esclarecimentos que prestaram, tanto a Srª Eng. Maria Alexandra … (perita indicada pelos AA.) como o Sr. Eng. Vitor …(perito indicado pelos RR.), declararam que, na avaliação feita, se considerou que o risco de não execução do PPHP era bastante elevado pelo que a taxa de actualização havia sido fixado em 9,25%, valor muito acima da média, o que implica a redução do valor final da avaliação. Veja-se o esclarecimento da Srª Eng. Maria Alexandra …(perita indicada pelos AA.): Minuto 39:23 a 39:50 (...) Mandatária 2: E uma vez que nós sabemos que há aqui algumas incertezas, não é, e condicionantes, essa...essa incerteza quanto a essa...a essa data, não é? De conclusão ou de execução do plano, essa incerteza foi considerada na avaliação que fizeram? Maria Alexandra …: Foi, na taxa de atualização e que a taxa de atualização hoje em dia anda por volta dos 8,5, nós consideramos uma taxa de 9,25. E Veja-se o depoimento do Sr. Eng. Vitor …(perito indicado pelos RR.) Minuto 7:47 a 10:52 (...) Mandatária 1: Relativamente aos, aos critérios utilizados para avaliação pelos 18 milhões, isto é, sem considerar os custos com, com a total execução do Plano de Pormenor, eu ia pedir só se nos explicava o que é que é a taxa de atualização, que critério é este? O que é que isso significa? Vítor …s: A taxa de atualização… Mandatária 1: Sim. Vítor …: …ou a taxa de desconto ou a taxa de retorno, é assim, para construir este edifício, talvez seja mais fácil, não é, para construir este edifício temos aqui que ter milhares de metros quadrados de construção... Mandatária 1: Sim. Vítor…: Alguém que compre este terreno, imaginamos, para o desenvolver só vai ter este edifício a produzir ou a gerar rendimentos, quer em venda quer em arrendamento, daqui a dois, três, quatro, cinco, dez anos, portanto, quando se está avaliar uma coisa hoje e pagar algo hoje tem que levar em consideração que só daqui a 10 anos é que tem receitas, e há vários fatores a considerar, há o custo do dinheiro por assim dizer, a free risk rigth que na verdade é um custo de oportunidade, porque é que eu invisto a comprar aqui e não tenho o dinheiro no banco, e depois há o risco associado à atividade imobiliária, e esse risco, a composição da ausência de risco com o risco que o mercado estaria disposto a pagar para fazer esse tipo de, de investimento, compõem a taxa de atualização. Mandatária 1: A taxa de atualização E qual é correntemente utilizado…vocês usaram uma taxa de 9.25, pergunto. Vítor…: Sim. Mandatária 1: Penso que sim. Vítor…: Sim, sim. Mandatária 1: Certo, pronto. Vítor …: Sim. Mandatária 1: Esta é uma taxa demasiado conservadora, conservadora ou a corrente? A pergunta que lhe faço é mais direta, escusamos de estar... Vítor…: Não, não, eu posso responder. Mandatária 1: Não é ultraconservadora esta taxa? Vítor …: Não acho. Mandatária 1: Não? Vítor …: Porquê, nós temos em Lisboa utilizamos, podemos usar uma taxa de 7,5/8% num período, vamos lá ver, agora estamos com o Covid é muito difícil. Mandatária 1: Pois. Vítor …: Por exemplo, o que é que as pessoas fizeram agora com o Covid para estes, para estes empreendimentos, subiram a taxa de risco. Mandatária 1: Para quanto? A média atual. Vítor …: Depende do empreendimento. Se for um empreendimento turístico provavelmente a taxa de risco é maior, se for habitação talvez seja um bocadinho menor. Mas o que aconteceu é que subiram simplesmente porquê? Porque há incerteza. Mandatária 1: Portanto, este, este… Vítor …: Essa… Mandatária 1: …este critério comporta à incerteza da execução e da concretização. Vítor …: Claro. E talvez, talvez esses 9,25 também comportem a incerteza de um projeto em 2011 e que nós estamos a avaliar em 2019 e que ainda não está concretizado. Estes esclarecimentos e estas afirmações são exactamente o contrário do que consta da sentença recorrida. Os peritos esclareceram expressamente que o risco de o PPHP não vir a ser executado foi expressamente equacionado no relatório de avaliação e no valor de avaliação. E tendo em conta este risco e à taxa de actualização aplicada em função desse risco, o valor de avaliação dos imóveis foi fixado em valor inferior ao que teriam se ele não existisse. Não obstante a existência deste risco, os Srs. Peritos consideraram como bastante plausível que os 21.300m2 tivessem uma edificabilidade semelhante à prevista no PPHP, uma vez que a capacidade construtiva deste foi calculada considerando o previsto no PDM. Significa isto que, segundo os peritos – todos os peritos - mesmo em caso de revogação do PPHP, será de presumir que a área de construção atribuída à Porti… mantivesse a sua edificabilidade e, por isso, o seu valor. Também aqui e mais uma vez, a crítica que se faz ao relatório na sentença recorrida é desprovida de sentido e assente em pressupostos falsos. E, com estas críticas, de uma só penada, a sentença recorrida desconsiderou completamente o resultado de uma perícia colegial em que, por unanimidade e com fundamento em critérios técnicos sustentados, os peritos chegaram às conclusões a que chegaram. Não pode ser! Diga-se, finalmente, que não se percebe o que leva a Mma. Juiz a quo a afirmar que “de todos os dados de que o colégio pericial se poderia socorrer, os mesmos teriam os elementos suficientes para concluir o contrário – que este Plano de Pormenor dificilmente teria as condições necessárias para se desenvolver de acordo com o aí previsto”. Com todo o respeito, não existem tais dados. A que dados se refere a sentença recorrida? Se se refere à intenção de apresentar proposta de revogação do PPHP apressadamente aprovada em sessão de câmara de 15/1/2020 (fls. 840 e sgs), obviamente que esta deliberação não existia à data em que o relatório foi elaborado (7 de novembro de 2019) pelo que era um dado que os Senhores Peritos não podiam ter em conta. Para além deste dado, inexistente à data da elaboração do relatório, nada indica ou indicava que o PPHP não estivesse em condições de ser executado. Bem pelo contrário. Veja-se o que nos diz o Perito Eng. Vitor …: Minuto 25:17 a 26:08 (...) Vítor …: Uma grande infraestrutura que eu não sei se…talvez não tenha tido o cuidado de ver a sobreposição, era possível executar quase todas as construções sem tirar de lá o estádio, mas isso é uma outra história eu não quero criar... quem organizou o plano fê-lo, fê-lo daquela maneira, exatamente, é quase possível lá pôr todas as construções sem sequer mexer no estádio, olhando para a sobreposição das coisas mas... Mandatária 2: É possível? Vítor …: Para mim é, olhando, olhando a sobreposição vê-se perfeitamente que é possível, há apenas uma parcela B, que penso que é uma parcela do domínio público que afetaria uma bancada e uma parte do estádio e há apenas uma pequena parte do hotel que afeta ligeiramente o logradouro ou o parque de estacionamento do estádio, isto foi o que eu vi, não sei porque é que fizeram assim. Os campos de ténis sim, teriam de sair de lá e tudo o mais, relativamente ao estádio não. Isto é, os dados que os peritos tinham diziam exactamente o contrário do que consta da sentença recorrida sobre este assunto. E, se os peritos tivessem ido consultar todos os volumes do processo do PPHP junto da Câmara Municipal de Por… ainda teriam encontrado as seguintes informações (posteriormente juntas a estes autos a fls. 840): Cópia da Ata da Reunião Ordinária da Câmara Municipal realizada em 7 de março de 2012 - Deliberação 117/12 – onde, na sequência de informação e Parecer da testemunha Sr. Eng. Agostinho …, Diretor do Departamento Técnico de Planeamento e Urbanismo (DTPU), se delibera que: “Considerando que a demolição do atual estádio não será previsível para os próximos anos, a Câmara delibera solicitar ao requerente a revisão da perequação do plano de pormenor e informar o requerente que a unidade de execução UE1 deverá ser executada na sua totalidade (...)” Cópia da Informação de 30/1/2015, novamente subscrita pela testemunha Sr. Eng. Agostinho … onde se pode ler por referência à supra mencionada deliberação: “Até à presente data o Requerente nunca deu cumprimento a esta deliberação. O requerente submeteu para aprovação o processo de loteamento para parte da unidade de execução um UE1, integrada no Plano de Pormenor da Horta do Palácio. O presente plano foi aprovado com quatro unidades de execução. Destas a UE 3 é a que tem o seu planeamento temporal comprometido porque a demolição do estádio municipal está pendente da construção do novo estádio municipal do Barranco do Rodrigo e este plano encontra-se suspenso. As restantes unidades de execução podem ser executadas.” Obviamente que o PPHP sempre teve condições para ser executado e a única razão para não o ter sido até agora foi a posição de intransigência do BES e do … Banco, S.A.. Não há qualquer outro dado ou qualquer outra razão para que o PPHP não tenha sido executado, pelo que não se compreende e não se aceita a referência feita na sentença recorrida. Finalmente, Para além de não ter fundamento, a crítica ao relatório pericial constante da sentença recorrida não foi precedida de pedidos de esclarecimento pelo Tribunal, principalmente no que respeita ao risco de revogação do PPHP. Se tinha as dúvidas e as críticas constantes da sentença recorrida, o Tribunal tinha estrita obrigação de, sobre elas, ter questionado os peritos que estiveram em audiência. Não se ignora que o relatório de peritagem está sujeito ao princípio da livre apreciação das provas pelo Tribunal. Mas não pode também ignorar-se (como ostensivamente ignorou a sentença recorrida) que a prova pericial exige especiais conhecimentos técnicos que o Juiz não tem e que, por isso, para afastar as conclusões de um colégio pericial unânime, o Juiz tem um dever especial de fundamentação baseado em erro manifesto ou violação de normas legais e tem um dever de esclarecimento prévio das razões que levaram a cometer tais erros ou ilegalidades. A este propósito, citam-se os seguintes acórdãos desse Tribunal da Relação disponíveis em www.dgsi.pt: Acórdão de 22/5/2018: “As provas são livremente apreciadas e a pericial não se afasta da regra; porém, considerando a própria natureza da prova pericial que é determinada pela necessidade de conhecimentos especiais de certas áreas do saber que escapam ao julgador, o afastamento de um laudo maioritário, para mais arbitrando uma indemnização mais de três vezes superior ao parecer da maioria dos peritos, carece de detida fundamentação. A determinação do valor do bem expropriado, obedecendo embora às regras definidas no Código das Expropriações, é um problema essencialmente técnico, que demanda áreas do conhecimento extrajurídico; apenas quando o juiz deteta que a avaliação dos peritos maioritários é desconforme às regras jurídicas que tinham que observar poderá haver um afastamento substancial daquela avaliação. Esse afastamento não deve ocorrer sem que o juiz tente previamente perceber junto dos peritos (que são, afinal, os especialistas por si nomeados) as razões do seu parecer, pedindo os esclarecimentos necessários para se certificar de que os peritos não cumpriram os passos legalmente impostos.” Acórdão de 25-4-2010 “Embora o julgador aprecie livremente as provas, designadamente a pericial, não pode, sem elementos sólidos, afastar-se do resultado das peritagens, mormente se os peritos foram unânimes ou, não o tendo sido, se constituíram uma maioria e ofereceram garantias de imparcialidade. Só assim não será, caso seja de concluir que os peritos haviam baseado o seu raciocínio em erro manifesto ou critério legalmente inadmissível. Não padecendo o laudo dos peritos nomeados de qualquer dos aludidos vícios, na falta de elementos mais seguros e objectivos, é de aceitar o valor por aqueles proposto.” Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/10/2018 “O juízo técnico e científico inerente à prova pericial, está afastado em princípio dos normais poderes do cognição do tribunal, sendo que sempre que dele divergir, deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.” No caso e como se viu, a sentença recorrida não cumpriu este dever especial de fundamentação e, muito menos, o dever de previamente pedir esclarecimentos adicionais. Por todo o exposto, tem de ser reconhecido ao Relatório Pericial em análise valor probatório suficiente para a fixação do valor dos direitos de construção correspondentes ao PPHP e do valor dos prédios que lhes correspondem. Acresce que, dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos na audiência de julgamento, resultaram necessárias duas correcções. A primeira destas correcções decorre do que, espontaneamente e sem que sobre isso tivesse sido questionado, declarou o perito indicado pelo Tribunal - Sr. Eng. Eduardo …- que afirmou que o valor dos imóveis indicado no cenário B deveria ser corrigido para € 15.530.000,00 por ter havido um erro na fórmula de cálculo: Minuto 24:28 a 29:00 (...) Eduardo …: Pronto, eu só, eu só queria fazer eu só queria fazer aqui uma...uma para... mas era para a Sra. Dra. Juiz relativamente… não sei se quer fazer alguma pergunta mais? Sra. Dra. Juiz: Diga, diga, ainda está aqui um outro Sr. Advogado que ainda queria fazer algumas questões, mas diga. Eduardo …: Sim, sim, faça favor. Sra. Dra. Juiz: Ah, mas queria falar comigo Sr. Perito? Eduardo …: Não é que no...pronto, agora na, na...para esta...para esta videoconferência, eu estive a rever aqui os elementos e no valor que o perito põe na segunda hipótese há aqui um erro de coiso, o valor, o valor não deve ser de 14.430 mas sim 15,530, e isto porquê? Sra. Dra. Juiz: Mas qual é a página sabe? Eduardo …: Diga? Sra. Dra. Juiz: Sabe qual é a página a que está a referir-se? De onde está esse lapso? Eduardo …: A página do relatório vou ver Dra. é, é na parte final. Sra. Dra. Juiz: Na parte final. Sra. Funcionária: [impercetível] Sra. Dra. Juiz: Pois. Eduardo …: Pronto, é aqui na página 54 Sra. Dra. Juiz: Sim tem um quadro. Eduardo …: Na página 54 Sra. Dra. portanto está a ver um quadro, não é? Sra. Dra. Juiz: Sim, sim. Eduardo Mendes: E aparece cá os 14.430? Sra. Dra. Juiz: Sim. Eduardo …: Pronto a este valor está, está... portanto carece de correção porquê? Porque na distribuição, no faseamento de vendas, das vendas comerciais, como se pode ver...das vendas comerciais, portanto, no estacionamento, como se pode ver, nos totais não tem os 100% que era presumível para distinguir os 100% do total, e isto tem a ver com a... no faseamento da, das vendas comerciais houve um engano na fórmula, multiplica a percentagem que aparece por cima os 5%, 15%, coiso, pela...pela...na página...na página cinquenta… portanto na página 53 ela multiplica por 19...tenho que ver, tenho que ver aqui... ora o...[impercetível]. Sra. Dra. Juiz: Sim, eu percebo que para já não consiga estar, estar a reproduzir qual é, qual é o lapso no cálculo, mas qual é o valor final então que o senhor acha que... Eduardo…: O valor final deviam ser 15.530 se a Dra. quiser eu faço essa correção aqui no vídeo, se conseguir pôr a câmara e alterar aqui no, no Excel, fazer a correção do Excel e ver como o valor vai ser alterando. Sra. Dra. Juiz: Mas se calhar não porque isto é uma perícia colegial e só o Sr. Perito é que nos está a dar agora esta indicação. Eduardo …: Correto, correto. Pronto, mas isto é uma questão de erro só. Sra. Dra. Juiz: É uma questão, é um erro aritmético, é? Eduardo …: É um erro de fórmula, a fórmula foi, foi passada mal a fórmula, portanto ela devia fazer a multiplicação, portanto isto é uma distribuição de, dos...das vendas ao longo dos 10 anos, não é? E então ela devia ser...estas percentagens que aparecem por cima do faseamento das vendas de comércio... Sra. Dra. Juiz: Hum, hum. Eduardo …: …devia multiplicar pelo valor total do comércio e multiplica pelo estacionamento. Sra. Dra. Juiz: Pronto. Eduardo …: O valor total do estacionamento. Sra. Dra. Juiz: Sim. Eduardo …: Provoca este erro. Dra. Dra. Juiz: Muito bem. Está...está anotada a sua... Eduardo …: Era só nesse aspeto que eu queria [impercetível]. Sra. Dra. Juiz: Certo. Está anotada a sua retificação, está bem? Eduardo …s: Ok. A segunda destas correcções tem a ver com os lugares de estacionamento considerados no Relatório de Avaliação. De facto, ao contrário do que se afirma no relatório de avaliação, os 300 lugares de estacionamento previstos no quadro final da página 26 do Relatório de Peritagem (e no mesmo quadro do Doc. 14 junto pelo 1º R. com a sua contestação) têm natureza privada. Tendo, erradamente, partido do pressuposto de que estes 300 lugares de estacionamento tinham natureza pública, o seu valor não foi considerado em qualquer dos cenários constantes do Relatório. Mas, tendo eles natureza privada e considerando que os Senhores Peritos fixaram por unanimidade o valor de venda dos estacionamentos em € 12.000/lugar, impõe-se a correcção dos valores da avaliação em cada um dos cenários previstos pelos peritos em mais €3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil euros). Transcreve-se o esclarecimento da Srª Engª. Maria Alexandra… : Minuto 8:50 a 12:40 (...) Mandatária 1: Pronto, na fixação do, do...do valor, dos valores de venda… Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 1: ...e indicam como...como lugar de estacionamento ou excluem desta, desta...do cálculo do valor dos estacionamentos a considerar, 300 lugares de estacionamento que indicam como sendo lugares de estacionamento público, e agora… Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 1: ...até para referência de todos os que aqui estão presentes, a folhas 5 do relatório, em que diz que “em suma a área dos lotes destinados à Porti… - no segundo parágrafo – com a execução do Plano de Pormenor da Horta do Palácio é de 21.300 metros quadrados, está prevista uma área de construção acima do solo de 65.000 metros quadrados, 42.560 de área total máxima de construção abaixo do solo correspondente a 891 lugares de estacionamento de natureza privada e 300 lugares de estacionamento de natureza pública. Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 1: E, portanto, tanto quanto percebi estes 300 lugares de natureza pública não estão considerados por vós na avaliação? Maria Alexandra …: Nos cálculos. Mandatária 1: Não estão? Maria Alexandra …: Não, não. Mandatária 1: Pronto. A estarem, portanto da análise que nós fazemos do, do...do Plano de Pormenor, e podemos reportar-nos aqui ao documento 13 junto com a contestação do Fungepi, não documento 14 junto com a contestação do Fung… a que os senhores tiveram acesso e que consta do relatório, mas numas letras tão pequeninas que não se vê, vamos lá ver se eu consigo situar-nos a todos nesta... portanto a folhas 26 do vosso relatório há um quadro descritivo dos lotes e parcelas decorrentes do reparcelamento previsto no Plano Pormenor da Horta do Palácio, penso que é difícil de ler, pelo menos para mim é difícil de ler, agora ele corresponde e foi retirado penso eu, do, do regulamento do Plano Pormenor que consta e foi junto… Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 1: ...pelo Fung…. Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 1: Como documento 14, pronto, e portanto o quadro descritivo dos lotes e das parcelas decorrentes do reparcelamento… Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 1: ...previsto, penso que está reproduzido nesta...neste documento 14, e numa alínea do número 4 relativa aos estacionamentos, a estes 300 lugares de estacionamento, eu não sei se me conseguem acompanhar, portanto estamos a folha [impercetível] folhas 26 e estamos também no documento junto pelo Fung… temos uma nota que diz “lugares de estacionamento criados em espaço privado de acesso público”. E, portanto, a conclusão que nós tiramos e que lhe peço para, para validar ou não, é que estes 300 lugares públicos, que foram considerados públicos no relatório, são lugares que são de espaço privado e que têm de ser de utilização pública, mas que pertencem ao promotor, que os pode explorar como quiser? Maria Alexandra …: Nós não tivemos esse entendimento… Mandatária 1: Esse entendimento. Maria Alexandra …: ...no relatório. Mandatária 1: Pronto. Maria Alexandra…: Nós não tivemos esse entendimento, fomos… partimos do princípio que seria uma cedência, uma contrapartida que iria ser dada a Câmara Municipal. Mandatária 1: E portanto que não pertence, foi esse pressuposto que não pertenceriam… Maria Alexandra …: Sim. Mandatária 1: ...ao promotor, ao… Maria Alexandra …: Ao promotor, sim, sim. Transcreve-se o depoimento da testemunha Hg... …(arquitecto e autor do Plano de Pormenor da Horta do Palácio): Minuto 17:59 a 20:55 (...) Mandatária 1: Muito bem, mudando aqui um bocadinho de tema e indo ao concreto ao Plano de Pormenor. Há a previsão no Plano de Pormenor de 300 lugares de estacionamento que foram qualificados aqui, não interessa como, como sendo estacionamento público, e no plano, numa nota do plano, estes lugares de estacionamento estão qualificados como lugares de estacionamento criados em espaço privado de acesso público, e eu queria perceber se estes 300 lugares de estacionamento pertencem ou previa-se que pertencessem, melhor assim, ao promotor ou à Porti… em concreto ou, e que portanto, mas que tinham de ser de utilização pública explorados pela Porti… ou se são lugares de estacionamento cedidos, públicos, da Câmara, recorda-se disso? Hg... ..: Recordo-me porque ponho isso sempre noutros planos que faço, acontece é que o Plano de Pormenor de Por… não obriga a estacionamento público, portanto existe portaria própria para planos, mas a própria portaria diz que o PDM [impercetível] e não faz muito sentido quando estamos a fazer o urbanismo não prevermos lugares públicos. O que é que a gente faz? Faz sempre, que é, no edifício, quando estamos a projetar o edifício garantimos que parte daqueles lugares são sempre privados de uso privado, portanto para as pessoas que têm ou os apartamentos ou hotel, depois deixamos sempre uma folga para que existam estacionamentos privados, o que é que isto quer dizer? Quer dizer que eu não posso vender às pessoas que são donos dos apartamentos mas posso vendê-los ou posso alugá-los a pessoas externas, não é uma cedência, atenção, porque a Câmara não obriga a ter estacionamentos, infelizmente o PDM de Por… ainda não mudou e não tem qualquer obrigação de ter estacionamentos, portanto o plano, por iniciativa nossa, uma garantia que existe uma capacidade de estacionamento, neste caso os 300, em que o privado pode explorar mas tem que sempre que explorá-los de forma a que o público os possa usar, não só os proprietários do próprio edifício, isto é uma forma de a gente garantir que não temos problemas de estacionamento na cidade, portanto esses lugares sendo privados têm de ser abertos ao público em termos de exploração, agora não deixam de ser privados, e depois o privado a Câmara tem tentado desenvolver um regulamento municipal para valor a ser cobrado para estacionamentos públicos, e esses parques todos terão que estar nesse regulamento municipal, [impercetível] haver algum valor que terá de ser [impercetível] e discutido com a Câmara mas isso são sempre estacionamentos privados de uso público, isso é quase por iniciativa própria nossa que fizemos o parque.” O que significa que, em resultado destas correcções: - No cenário A previsto no relatório de avaliação, o valor dos direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos activos que lhe pertencem, deverá ser fixado em € 21.610.000,00; - No cenário B previsto no relatório de avaliação, tal valor deverá ser fixado em €19.130.000,00. Por todo exposto e atendendo ao conteúdo do Relatório Pericial de fls 684 e sgs., aos esclarecimentos prestados pelos peritos na audiência de julgamento, ao depoimento da testemunha Hg...… e aos documentos de fls. 840 e sgs., deverá ser aditado à matéria provada o seguinte facto: Os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de €19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros).
Contra-alegou o réu FUNG… o seguinte: “(…) 50- Sob as Conclusões 9 a 19 das alegações de recurso, os Recorrentes defendem, com grande indignação, que a M.ª Juiz de 1.ª instância desconsiderou, de forma inadmissível, o relatório colegial levado a cabo pelos Senhores Peritos pugnando pelo aditamento à factualidade provada do seguinte facto: f) “Os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de €19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros).” 51- É escandalosa a falta de razão e diga-se, de vergonha, dos Recorrentes. 52- Conforme se extrai da douta sentença recorrida foi precisamente a conduta omissiva dos Autores relativamente à situação actual e concreta do PPHP que conduziu à sua condenação enquanto litigantes de má-fé. Aparentemente, não foi suficiente! 53- Com efeito, cientes de que o relatório dos Senhores Peritos avaliou o valor dos direitos de construção no pressuposto de que o Plano de Pormenor será executado nos termos em que se encontra previsto – situação que os Recorrentes sabem, desde há muito, nunca irá ocorrer. 54- E tendo a perfeita noção de que foram desconsiderados todos os ónus e encargos incidentes sobre os prédios, bem como o montante do investimento, da responsabilidade da promotora Porti…, bem como, pasme-se, que os prédios não têm actualmente a configuração e áreas previstas no PPHP, insistem num valor que não tem qualquer aderência à realidade. 55- Pelo exposto, subscreve-se integralmente a douta sentença recorrida na parte em que fundamenta, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, os motivos pelos quais não considerou idónea / realista a prova pericial realizada: “(…) Uma palavra, ainda, para o relatório de avaliação a fls. 684 e seguintes dos autos e para os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em audiência. Esta avaliação destinava-se a apurar os valores de mercado dos imóveis que constituem o activo patrimonial da Porti…, bem como a sua evolução no tempo e seu relacionamento com o Plano de Pormenor aprovado e, tanto quanto se sabe, ainda em vigor para esses prédios. Da prova produzida nos autos, que determinará o destino da acção, é de concluir que, nesta fase, este meio de prova pouca ou nenhuma influência já tem na demonstração da causa de pedir dos Autores, designadamente, a valorização dos terrenos da Porti… com (e por causa da) a aprovação do PPHP. De todo o modo, cumpre salientar que, nem o relatório em si, nem os esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em audiência, não levaram em linha de conta, para a avaliação, a circunstância de os prédios estarem onerados – no caso, com hipotecas – o que, necessariamente, tem decisiva influência na determinação desse mesmo valor. Sendo que não pode colher a justificação, prestada, designadamente, pelos Srs. Peritos Eduardo …e Vítor …, de que se trata de uma “questão jurídica” a considerar oportunamente – mais do que uma questão jurídica, trata-se de uma verdadeira limitação ao livre comércio destes bens imóveis, atenta a natureza da hipoteca como garantia real, conforme os Srs. Peritos, salvo o devido respeito, teriam obrigação de saber. Para além disto, no que concerne à execução/exequibilidade do Plano de Pormenor Horta do Palácio, os Srs. Peritos referiram que o risco de este vir a ser revogado foi minimizado, sem contudo fornecerem uma explicação plausível para esta assunção, especialmente considerando o facto de a sua execução ainda não ter sido iniciada, tantos anos após ter sido aprovado; ora, o que se apurou é que, poucos meses depois da entrega do relatório de avaliação, a CMP veio declarar a intenção de revogação do PPHP. Em suma, sem entrar nos pormenores contidos no relatório, fica a ideia e que o mesmo laborou numa ficção, a de que o PPHP estaria pronto para ser implementado, quando, de todos os dados de que o colégio pericial se poderia socorrer, os mesmos teriam os elementos suficientes para concluir o contrário – que este Plano de Pormenor dificilmente teria as condições necessárias para se desenvolver de acordo com o aí previsto – daí retirando as necessárias consequências para o apuramento do real valor de mercado dos imóveis, quer o actual, quer aquele apurado na evolução pelo tempo, designadamente, antes e depois da aprovação do PPHP. 56- Não se encontrando o tribunal, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, vinculado ao resultado da prova pericial, mesmo colegial, desde que fundamente – como fundamentou – os motivos pelos quais não adere à mesma. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.12.2010 (Proc.º 819/06.9TBFLG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt (os sublinhados são nossos): “(…) Em matéria de prova, dispõe o artigo 655º, nº 1, do CPC, que, em princípio, “o Tribunal…aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, com ressalva das situações em que a lei dispuser, diferentemente, como acontece com a prova pericial, que tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, que não dispense a exigência de uma determinada formalidade especial, atento o nº 2 do normativo legal acabado de citar. Porém, mesmo no domínio da prova pericial, vigora o princípio da prova livre, o que não significa a assunção da prova arbitrária, mas, também, que não pode ser entendida como prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada (2) , nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do Código Civil, onde vigora o sistema da prova legal. Efectivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica. Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais (3). E isto porque o juízo técnico, científico ou artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova (4), mas antes e, tão-só, que a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são o fundamento do juízo pericial é bastante para que o relatório pericial não se imponha ao julgador (…)”. 57- Sob as Conclusões 9 a 19 das alegações de recurso, os Recorrentes defendem, com grande indignação, que a M.ª Juiz de 1.ª instância desconsiderou, de forma inadmissível, o relatório colegial levado a cabo pelos Senhores Peritos impondo-se que passe a constar da factualidade provada: No sentido de que o tribunal não se encontra sujeito às conclusões da prova pericial, transcreve-se a seguinte jurisprudência, disponível em www.dgsi.pt (os sublinhados são nossos): - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.12.2010 (Proc.º 819/06.9TBFLG.P1.S1) “(…) Em matéria de prova, dispõe o artigo 655º, nº 1, do CPC, que, em princípio, “o Tribunal…aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, com ressalva das situações em que a lei dispuser, diferentemente, como acontece com a prova pericial, que tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, que não dispense a exigência de uma determinada formalidade especial, atento o nº 2 do normativo legal acabado de citar. Porém, mesmo no domínio da prova pericial, vigora o princípio da prova livre, o que não significa a assunção da prova arbitrária, mas, também, que não pode ser entendida como prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada (2) , nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do Código Civil, onde vigora o sistema da prova legal. Efectivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica. Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais (3). E isto porque o juízo técnico, científico ou artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova (4), mas antes e, tão-só, que a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são o fundamento do juízo pericial é bastante para que o relatório pericial não se imponha ao julgador (…)”. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.03.2020 (Proc.º 949/05.4TBOVR-A.L1-8) “1. No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 2. O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica. 3. A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. 4. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. 5. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. 6. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito. 7. A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artº 389º do Código Civil.” 58- Acresce que, tal como devidamente motivado e fundamentado pela M.ª Juiz a quo, os depoimentos prestados pelos Senhores Peritos em audiência de julgamento não se revelaram minimamente esclarecedores para que se pudesse concluir, com o mínimo de certeza exigível, pela ordem de grandeza indicada para o actual valor de mercado dos direitos de construção correspondentes ao Plano de Pormenor da Horta do Palácio detidos no conjunto do activo da Porticentro. 59- Nesse sentido, transcrevem-se alguns excertos dos depoimentos que, na perspectiva do Recorrido, corroboram o sentido da douta decisão recorrida: Prestação de Esclarecimentos da Perita Sr.ª Eng.ª Maria Alexandra … (…)A instâncias da mandatária do Recorrido Fungepi [00:13:14] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bom dia, Senhora Engenheira. [00:13:16] P: Bom dia. [00:13:20] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Ora bem, essencialmente, e a primeira coisa que nos salta à vista a olhar para este relatório, é que foram escolhidos dois valores. Portanto, o valor de mercado, dos direitos de construção correspondentes ao Plano de Pormenor [00:13:36] PERITA: Sim. [00:13:37] MANDATÁRIA DO FUNG…I: e o valor de mercado de cada um dos ativos na presente data. E os senhores peritos indicam de forma… respondem de forma idêntica a este primeiro e ao terceiro quesito.(…) E era isso que pedia, como é que justificam essa… essa resposta? Nomeadamente se é indiferente o valor dos ativos com um Plano de Pormenor executado ou implementado e o valor dos ativos tal qual se apresentam na presente data, não é? Em que nada… nada foi feito? [00:14:13] PERITA: Nada foi feito… o Plano de Pormenor está aprovado. O porquê de não existirem os projetos aprovados de arquitetura ou do projeto à execução, não… não me cabe a mim, nem aos meus colegas, saber o porquê, não é? Portanto … [00:14:28] MANDATÁRIA DO FUNG…: Claro. [00:14:28] PERITA: […] se o plano está aprovado e está… e não está executado, não sei porquê. Agora… as causas. Entretanto, também todos os… todos esses… todos os cálculos que foram feitos também foi de acordo com o PDM. Ou seja, caso o Plano de Pormenor não seja executado, os índices de construção previstos estão todos de acordo com o PDM. Portanto, não haverá alterações. [00:14:50] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. Os senhores peritos consultaram o Plano de Pormenor, ou não? Ou só (…) em termos camarários de… o que é que se passa? (…)[00:15:06] PERITA: Consultámos o que está aprovado… consultámos o que está aprovado em Diário da República em 2011. O Diário… o Plano de Pormenor foi aprovado em Diário da República em 2011. [00:15:17] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. [00:15:17] PERITA: Que é o que está em vigor. [00:15:19] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim. Sem dúvida. Mas a minha questão era saber se… se os Senhores Engenheiros se tinham… ou tinham a informação em termos camarários ou até porque há… de facto, há várias condicionantes que se têm-se verificado ao plano poder ser executado. Se… se os senhores peritos tinham tido acesso a alguma informação junto da Câmara, nomeadamente se havia já contrato de urbanização para a sua execução ou acordo de proprietários ? [00:15:46] PERITA: Não.(…) [00:15:47] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Pronto. Essa parte não sabem. Muito bem. [00:15:49] PERITA: Não, não sei. Não, não consultámos. [00:15:54] MANDATÁRIA DO FUNGE..: Sim, sim, sim. Eu percebi. Depois, os senhores peritos caracterizam os imóveis… é na página 18 do relatório. Como “os futuros lotes destinados à Porti…”, portanto, página 18 do relatório, “a serem criados com a execução do Plano de Pormenor da Horta do Palácio estão localizados na Unidade de Execução 1 e na Unidade de Execução 2”. E depois dizem que “a área é abrangida pelos futuros lotes”… portanto, porque nós aqui temos os lotes atuais, tal… tal qual existem… ou estão descritos no… inscritos na descrição predial e os lotes futuros previstos no Plano de Pormenor. [00:16:49] PERITA: Sim. [00:16:50] MANDATÁRIA DO FUNG…: E depois os senhores peritos referem “a área abrangida pelos futuros lotes um, dois e três atualmente é ocupada pelo Viveiro Municipal e parcialmente pelo Clube de Ténis de Por…, estando a sua execução condicionadas à demolição do existente e construção de um novo clube de ténis em terreno” tal, tal, portanto, “aos territórios abrangidos pelos futuros lotes quatro, cinco e seis estão na sua grande parte sem qualquer desenvolvimento, a ser utilizados”… portanto, isto corresponde… o que está aqui corresponde exatamente ao que os senhores peritos encontraram. [00:17:18] PERITA: Exatamente. Corresponde… atualmente. Sim. [00:17:21] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem (…), é porque depois no ponto 4.4 das páginas 19 e 21 descrevem os… os ativos de forma diferente. E portanto, é isso que nos… que nos… para quem lê… e por isso eu volto a questionar. Como não há diferença entre os autores… entre o valor dos ativos na atualidade, portanto, o quesito terceiro, e o valor dos direitos de construção correspondentes ao Plano de Pormenor? Porque nós temos duas realidades. Nós temos a realidade jurídica destes lotes, que é a que existe, tal qual eles estão descritos na… na Conservatório do Registo Predial. Tal qual existem juridicamente. E… e como estão inscritos na matriz. E depois temos um… de facto, uns potenciais lotes caso este Plano de Pormenor alguma vez venha a ser executado. E portanto, a minha… eu volto a perguntar. Como é que os senhores peritos entendem que é indiferente? Uma vez que os lotes que existem são uns e o… na realidade. Independentemente de existir um Plano de Pormenor aprovado que nunca chegou a ser executado e, por consequência, nunca alterou a configuração dos lotes atuais, como é que os senhores peritos entendem que não podem… que não temos necessariamente que ter duas respostas diferentes? [00:19:16] PERITA: É assim, partindo do pressuposto que parte… que o proprietário dos terrenos, de parte dos terrenos, é a Câmara Municipal, e a Câmara Municipal também é o que transmitiu para execução do plano… porque o plano foi feito, segundo eu sei, entre diversas reuniões com… com técnicos da Câmara e os técnicos do promotor. A intenção deles foi sempre, portanto, deslocar aqueles equipamentos. Portanto, para começar o interesse é do… do proprietário dos terrenos. Todo… todo o Plano de Pormenor é de estar devidamente identificado e individualizado. Nunca este Plano de Pormenor será feito todo na mesma altura. Aliás, é sempre feito por fases porque é um plano muito grande. É um plano… uma coisa… o centro… o centro de Por… ficaria completamente estrangulado se fosse feito todo na mesma altura. Por isso é que ele está previsto uma… um plano de execução de construção de oito anos. O plano dois, o E2, onde estão os lotes quatro, cinco e seis, pode ser feito de imediato. Mal tenham… mal seja o aprovamento. E neste momento os lotes só não estão todos registados porque o plano ainda não foi para a frente, não é? [00:20:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: Está bem. Lá está, Senhora Engenheira. O primeiro quesito é saber qual o valor de mercado dos direitos de construção correspondentes ao Plano de Pormenor da Horta do Palácio. [00:20:53] PERITA: Sim. [00:20:53] MANDATÁRIA DO FUNG…I: E o terceiro quesito é qual o valor de mercado de cada um dos imóveis avaliados, dos lotes que existem na realidade, que não são os que estão previstos no Plano de Pormenor. É o que existe atualmente.(…) [00:21:08] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Na presente data. E os senhores peritos entenderam que… o responder de forma idêntica a ambos. E é isso que eu não consigo compreender. Porque, eventualmente, nós não temos correspondência de lotes. Os lotes que estão previstos… até há uma alteração da configuração dos lotes atuais. Tudo muda. Mas eles atualmente são o que são. E por isso eu pergunto, em termos de valor de mercado, que… daqueles lotes que existem… que existem, porque estamos a falar de um Plano de Pormenor com quase dez anos e que não… e que tem uma série de condicionantes associadas, nenhuma delas verificadas até ao presente. A minha pergunta é… é o porquê de se terem abstido de responder ao que foi pedido no quesito terceiro, optando por manter o… a resposta dada ao quesito primeiro? Portanto, eu não estou… não estou, nem tenho… nem tenho conhecimento para tal, a questionar os… o valor de mercado que atribuíram aos direitos de construção correspondentes ao Plano de Pormenor. Com os lotes que aí estão… estão previstos, se o plano alguma vez vier a ser executado. A minha questão é que havia outro quesito, onde era pedido o valor de mercado dos lotes atualmente. E é essa pergunta … [00:22:31] PERITA: Por esta… por essa questão que eu estou a dizer. Mesmo que o plano de execução… o Plano de Pormenor não seja executado, os índices de construção das áreas… dos terrenos detidos pelo… pela Porti… é… estão dentro dos índices de construção do PDM. [00:22:52] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Portanto, era uma… pronto. Não… isso não resultou claro para mim que foi esse o motivo. Aliás, nem… não foi esse o motivo que… que atribuíram para… para não distinguir. Depois, relativamente ao quesito número dois, em que se pergunta: entre 2006 e 2018, se… se o mercado imobiliário para este tipo de ativo sofreu alteração. E os senhores peritos afirmam, na página 8 do relatório, “que não existem históricos de dados relativamente a terrenos urbanos para desenvolvimento”. “Que em 2006 as circunstâncias eram diferentes e que os ativos existentes àquela data reportavam um conjunto de oito lotes, ou um terreno contíguo de vinte e um mil, trezentos e trinta e quatro metros quadrados, que teria uma edificabilidade diferente ou pelo menos diferentemente interpretada face aos instrumentos de gestão territorial em vigor”. “Portanto, é difícil estabelecer termos de comparação”. [00:23:54] PERITA: Naquela altura o PDM… o PDM… aliás, nesta altura o PDM está em revisão. Da Câmara de Por…. E naquela… e naquela altura, portanto, havia um alvará de loteamento que caducou. Portanto, já estava caducado. E depois foi feito… foi feito… todo o PDM foi alterado, e em que os índices de construção que estão previstos neste plano são inferiores ao previsto no PDM. [00:24:18] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Certo. Mas, então, a que conclusão é que chegaram? Como é que calcularam o valor dos ativos para 2006? E qual é esse valor? Onde é que ele está mencionado aqui no… no vosso relatório? Que eu não encontro essa menção. E como é que… e também como é que fizeram essa comparação a face a 2018? Uma vez que não há históricos. Dizem que não têm históricos… (…) [00:24:43] PERITA: Não foi isso que nos foi pedido. O que nos foi pedido nesse quesito foi que tipo de… qual foi a alteração que os ativos sofreram. Não nos foi pedido que nós próprios determinássemos um valor. [00:24:55] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não. Foi-vos pedido que entre 2006 e 2018, justificarem se houve alterações. E em que medida essas alterações se refletem no seu valor. [00:25:10] PERITA: Em que medida. Não foi qual é o valor. Foi em que medidas. [00:25:14] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Certo. Mas como é que… [00:25:15] PERITA: Nós não fazemos isso assim. [00:25:16] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Mas… mas, parece-me a mim, que para eu determinar em que medida é que afeta o valor eu tenho que saber qual é o valor. Creio eu. [00:25:24] PERITA: Nós colocámos … [00:25:25] MANDATÁRIA DO FUNG…: Em termos de percurso cognitivo, eu para saber se algo é afetado eu tenho que primeiro determinar o que é que é esse algo. Ou não? [00:25:36] PERITA: No entanto, nós… nós fizemos… nós não temos… não temos… portanto, as alterações são muitas desde 2006 para cá. Porque os ativos em 2006, o PDM já não estava nada… não tem nada a ver com o PDM agora. Existe um plano… e o que nós… eu acho que nós não nos podemos sobrepor a um plano que… que é posterior. Portanto, neste momento temos de ter em conta o que se pode ou não pode construir no local. [00:26:07] MANDATÁRIA DO FUNG…: Está bem, Senhora Engenheira, mas isto aqui… pronto. Então, este… não… mantêm que não… não conseguem dar esta resposta. É isso? [00:26:18] PERITA: Exato. Então, não conseguimos dar resposta a isso. Nós não temos os valores de mercado para essa altura. [00:26:27] MANDATÁRIA DO FUNG…: Optaram por não os obter. É isso? [00:26:33] PERITA: Não. E também não… não foi solicitado. Não foi solicitado aqui. Portanto, em termos … [00:26:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: Ó Senhora Engenheira, está bem. Mas… o facto do quesito não dizer “diga qual é o valor de mercado” em 2006 e depois em 2018. Mas a verdade é que é pedido que façam a comparação do mercado em 2006 e 2018, e que justifiquem essa resposta. Dizendo em que medida é que essas alterações se refletem no valor dos ativos. Portanto, parece-me a mim, para um leigo, que eu para conseguir perceber quais as alterações, e em que medida é que afetaram, eu tenho de saber quanto é que tinha àquela data e quanto é que tem à data de hoje. Só assim é que eu posso fazer a comparação. Pronto. Mas… mas o que a Senhora Engenheira me está a dizer é que não o fizeram. [00:27:18] PERITA: Não. Não foi feito. Não o fizemos. [00:27:22] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. Portanto, nós não conseguimos perceber se há uma valorização ou uma depreciação. [00:27:31] PERITA: Há valorização. Porque em 2006 não existia nenhum Plano de Pormenor e agora há um Plano de Pormenor devidamente… e agora há um Plano de Pormenor, em que está tudo. [00:27:43] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. Portanto, o vosso objeto de avaliação não foi o valor dos lotes como estão, para venda imediata ou… ou do eventual futuro, mas o próprio… os próprios direitos de construção previstos no Plano de Pormenor. É isso? [00:28:03] PERITA: Não. Foi feito… foi feito… o Plano de Pormenor, os direitos de construção e o… todas as áreas que estão previstas se efetivamente isso construído. [00:28:13] MANDATÁRIA DO FUNGEPI: Pronto. Portanto, o objeto da vossa avaliação foi o que está previsto no Plano de Pormenor e não o que existe realmente nesta data. Os lotes que existem hoje em dia ?(…) [00:28:23] PERITA: Sim. Exatamente. [00:28:23] MANDATÁRIA DO FUNG…: porque tiveram acesso às… às figuras prediais, não é? [00:28:29] PERITA: Sim. [00:28:29] MANDATÁRIA DO FUNG…: Aliás, referem no próprio relatório que os lotes vão deixar de ter correspondência aos lotes atuais? [00:28:34] PERITA: Exatamente. Sim. [00:28:35] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo? Portanto [00:28:36] PERITA: Exato. [00:28:37] MANDATÁRIA DO FUNG…: […] o objeto da vossa perícia eram os lotes previstos no Plano de Pormenor da Horta do Palácio. Certo? [00:28:45] PERITA: Exatamente. Sim. [00:28:46] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. Depois, é dito também… aqui, onde descrevem… os senhores peritos referem o que é que consultaram e a documentação que tiveram em conta. Depois falam, lá está, nas certidões do registo predial, no alvará do loteamento 6/80, que é o alvará caducado, no regulamento do Plano de Pormenor da área da Horta do Palácio, no relatório e no regulamento do PDM de Por.., que… com… aviso n.º 14572/2010. E a Senhora Engenheira disse há pouco que está… está a ser objeto de revisão. É… é a revisão… é aquela …(…) [00:29:39] PERITA: Sim. No entanto, neste… nestes artigos não tem alteração. [00:29:43] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não tem? [00:29:43] PERITA: Está em revisão, mas não tem. [00:29:44] MANDATÁRIA DO FUNG…: É… é aquela revisão referente à lei dos solos? Relativamente à nova… à nova forma de classificação dos solos. [00:29:54] PERITA: Classificação dos solos. Sim. [00:29:55] MANDATÁRIA DO FUNG…: É essa? Pronto. Muito bem. Uma vez que tiveram acesso a todas as certidões permanentes, certamente terão verificado que em todas elas se encontram registadas, estão inscritas, hipotecas a favor de uma entidade bancária, do … Banco. Ou não? [00:30:20] PERITA: Já não me recordo, mas posso… vou consultar aqui o email, que tenho aqui. Não me recordo. Não… mas tenho aqui no email, posso… consigo consultar. Consigo aqui consultar. É uma questão de… [00:30:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não… ó Senhora Engenheira […](…) [00:30:39] PERITA: Sim. Não… não me recordo já. Já não me recordo. [00:30:41] MANDATÁRIA DO FUNG…. Não se recorda.(…) [00:30:43] MANDATÁRIA DO FUNG…: […] a minha resposta seguinte fica logo… está respondida, à partida, porque eu… era em caso afirmativo, se tivesse verificado com hipotecas, se esse valor de distrate das hipotecas que estão registadas, estão inscritas nas certidões que foram consultadas pelos senhores peritos e que fazem parte do processo, se no valor de mercado que atribuíram consideraram esse valor. Aparentemente não, não é? [00:31:08] PERITA: Não. Não, só considerámos(…) [00:31:09] MANDATÁRIA DO FUNG…: Então, não tem ideia do montante máximo assegurado pelas hipotecas? [00:31:14] PERITA: Não. Não tenho. Não tenho. [00:31:18] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. [00:31:19] PERITA: Não. [00:31:20] MANDATÁRIA DO FUNG…: Ainda no âmbito desta documentação consultada, é referido que de acordo com o definido no Plano de Pormenor será a Porti…, ou eventualmente quem venha a adquirir os respetivos direitos de construção, “a assumir a responsabilidade pela realização de todas as infraestruturas urbanas da demolição do Estádio Municipal de Por…, dos cinemas de Por. e do clube de ténis, bem como a construção de um novo complexo municipal de ténis em terreno a designar pela Câmara Municipal de Por…”. Eu não verifiquei… eu não localizei em que parte do relatório constam os cálculos do valor deste investimento, que na verdade é uma condição da exequibilidade do próprio Plano de Pormenor. Qual é o montante do investimento privado previsto, em concreto o investimento da Porti…? Esse cálculo foi feito? Serão os tais …(…) [00:32:17] PERITA: Não. [00:32:17] MANDATÁRIA DO FUNG…: … cerca de tais quatro milhões a menos que o Engenheiro Vítor… considerou, em divergência com os demais peritos, ou é outro, ou não fizeram o cálculo? [00:32:30] PERITA: Para ele… para o Engenheiro serão esses quatros milhões. Para o Engenheiro serão esses quatro milhões de custos a menos. [00:32:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: E a Senhora Engenheira… eu verifiquei que quando foi inquirida pela minha Ilustre Colega, que mencionou que estamos numa área consolidada e que… portanto, que as infraestruturas não… não representam este valor. Mas nós estamos aqui a falar de infraestruturas que vão… que vão muito para além do estar ou não inserido numa área consolidada, não é? Estamos a falar da demolição de um estádio municipal, de cinemas… da construção de um novo clube de ténis noutro terreno que a Câmara vier a designar. Portanto, não são as comuns infraestruturas, mesmo num imóvel que não estivesse numa área não consolidada. Parece-me que vai mais além disso, ou estou a ver mal? [00:33:18] PERITA: Não está certo que todas… para mim, não está claro no plano, e foi isso que… todas as infraestruturas, essas, são pagas pela totalidade do… da Porti…. Porque não fala em… para esses… para esses fins, para esses bens, existem… existem quadros… existem financiamentos comunitários, existem isso tudo. Além de que as taxas… as taxas para construção de todo o empreendimento não está claro, porque normalmente há essas contrapartidas, não paga as taxas todas. E não foi nada disso deduzido.(…) [00:34:01] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não, mas… mas o plano é claro ao estabelecer que a responsabilidade é da Porti… ou do promotor. [00:34:08] PERITA: Para mim não ficou claro. No plano… no plano que li. Por isso é que também não considerei. [00:34:14] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. Está expresso mesmo, mas… muito bem. Pronto, a questão do sumário (…) já… já foi falada como é que era. Depois, nas páginas 22 e seguintes no relatório é mencionado… pronto, é feita uma análise do impacto dos instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o PDM de Por… e o Plano de Pormenor. Consegue-me concretizar quais as principais condicionantes e incertezas a que está sujeita a concretização do plano? As quais vêm mencionadas nas páginas 27 e seguintes do relatório. [00:35:13] PERITA: As principais condicionantes? [00:35:14] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim. E incertezas?(…) [00:35:17] MANDATÁRIA DO FUNG…: E incertezas que estão relacionadas com a execução do Plano de Pormenor. [00:35:21] PERITA: É assim, mais na unidade de planeamento… Unidade de Execução 2, que é a questão dos… da demolição do estádio, dos viveiros e dos campos de ténis. Portanto, o restante… o restante Plano de Pormenor poderá ser executado sem qualquer impedimento. [00:35:47] MANDATÁRIA DO FUNG…: Portanto, quando… uma vez que não… eu tinha aqui que gostaria que os senhores peritos me respondessem se havia ou não já acordo de proprietários, ou contrato de urbanização, ou se… se já tinha… e já… já se realizaram algumas obras de urbanização? [00:36:04] PERITA: Não. [00:36:04] MANDATÁRIA DO FUNG…: Nada? [00:36:05] PERITA: Não se… não. Nada. [00:36:07] PERITA: Mas a zona… a zona tem água, esgotos, eletricidade […](…) [00:36:11] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Sim, sem dúvida. [00:36:12] PERITA:… arruamentos. [00:36:13] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. Mas não estamos a falar dessas infraestruturas, estamos a falar de todas as outras que estão previstas no… no Plano de Pormenor. [00:36:21] PERITA: Não. [00:36:21] MANDATÁRIA DO FUNG…I: E uma vez que analisou o Plano de Pormenor, quem é que é o responsável? Pela execução. É… é entre a Câmara e o promotor? Está na exclusiva mão do promotor?(…) [00:36:33] PERITA: (…) Portanto, é da responsabilidade… portanto, a execução é da responsabilidade do promotor. Sempre com o acompanhamento do… da Câmara Municipal, porque é um dos requisitos dados. Sempre. [00:36:46] MANDATÁRIA DO FUNG…: Claro. Portanto, tem que haver um acordo de proprietários ou um contrato de urbanização entre o promotor e a Câmara, não é? E quais… quais são as cedências impostas à Porti…? Onde é que elas constam identificadas no relatório, que eu não localizei? [00:37:03] PERITA: As cedências ? [00:37:04] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim. [00:37:04] PERITA: […] está aqui na página 30 do relatório. Espere aí. “As cedências para domínio público”. Estão aqui. Estes quadros que foram retirados do… do Plano de Pormenor. Estão aqui as áreas. “Cedências para o domínio público municipal”. [00:37:30] MANDATÁRIA DO FUNG…: Em que página, Senhora… Senhora Engenheira? [00:37:32] PERITA: Página 32 do relatório. [00:37:34] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. Nessa página 32 também temos aqui previsto, como custos de urbanização previstos… eu não consigo perceber. É oito ou é seis milhões?(…) [00:39:05] PERITA: Ah, OK. Então, portanto, custos são seis milhões. Seis milhões, setecentos e setenta e três. [00:39:11] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. Senhora Engenheira, sabe se o plano está sujeito a algum prazo de validade? E nesse caso, qual? [00:39:20] PERITA: Não. Não. Não sei.(…) [00:40:17] MANDATÁRIA DO FUNG…: […] não se coloca. Da consulta que efetuou à documentação, verificaram se o Plano de Pormenor respeita os instrumentos de gestão territorial aplicáveis? E se… e nomeadamente no que se refere à… à necessidade, ou não, de existir uma avaliação de impacto ambiental para a execução da Unidade 1. [00:40:42] PERITA: Não. [00:40:43] MANDATÁRIA DO FUNG…: Ou isso não foi analisado? [00:40:45] PERITA: Não. Não foi analisado. Não foi analisado.(…) [00:41:10] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. Mas… mas não sabe se a Unidade de Execução 1, face à legislação aplicável, exige que previamente à sua execução seja feita uma avaliação de impacto ambiental? [00:41:25] PERITA: Como está dentro dos índices de… de edificabilidade, portanto, acho que não. [00:41:37] MANDATÁRIA DO FUNG…: Por último, o que é que a Senhora Engenheira, na sua qualidade de técnica, entende, para efeitos de avaliação de um ativo exposto ao mercado, inserido numa… num Plano de Pormenor, cuja execução é através de um sistema de cooperação, tem um valor idêntico a outro que não seja através de um sistema de cooperação? Ou é indiferente? [00:42:03] PERITA: Neste caso, se calhar se fosse só… sem ter… sem ter que fazer todas as… que não se tivesse que fazer todas as contrapartidas, que tem que fazer, seria superior até. Porque todas as contrapartidas têm custos, não é? Portanto, se vai ter que… tem que fazer as demolições, se tem que fazer isso tudo, se não tivesse que fazer tantas cedências, portanto, tanta troca, se calhar era superior. O valor. [00:42:35] MANDATÁRIA DO FUNG…: Na página 3 do relatório… na página 33. Fazem uma menção ao risco de revogação do Plano de Pormenor da Horta do Palácio. Mas diz aqui a seguir que é difícil de quantificar. Por que é que diz isso, Senhora Engenheira? [00:42:54] PERITA: Porque, cá está, por o mesmo… sempre por o mesmo motivo. Porque os índices de construção possíveis de executar são… está dentro dos valores do PDM. Portanto, a área de construção permitida que foi considerada para este plano… mesmo que o plano não seja executado, a área de construção é… está dentro dos valores do PDM atuais. [00:43:17] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. Portanto, risco existe. Não é… não conseguem é quantificar esse risco. Por último, Senhora Engenheira, agora pegando nisso que acabou de dizer, não é isso que eu infiro aqui da… agora… agora está-me a dizer que é indiferente… eu percebi que toda a vossa análise assentou no Plano de Pormenor [00:43:46] PERITA: Sim. [00:43:48] MANDATÁRIA DO FUNG…: e agora o que me está a dizer é que, independentemente de ser o Plano de Pormenor ou não, o valor é sempre este? [00:43:54] PERITA: A edificabilidade é a mesma.(…) [00:43:59] MANDATÁRIA DO FUNG…: Senhora Engenheira, mas a Senhora Engenheira o que me disse há pouco foi que tinham olhado para os lotes face à configuração que lhes é dada pelo… pelo plano da Horta do Palácio. A configuração inclusive é diversa da que eles têm atualmente. Há… há, no fundo… eles vão ser alterados, inclusive na sua configuração. Há partes que são cedidas, há outras que… e outras que são… são cedidas por parte do município. Portanto, estamos a falar de lotes com áreas diferentes, com configurações diferentes. Como é que, se a configuração é outra, e as áreas também, como é que pode dizer que o valor se mantém inalterado? [00:44:41] PERITA: Não. As áreas dos lotes são diferentes, mas as áreas de construção permitida, a área de construção permitida… porque esta área não… é a mesma. [00:44:51] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas a área de construção permitida, o índice que é aplicável, é sempre… aplica-se face à área de que dispomos, não é? Ora, se os lotes atuais não correspondem aos lotes que estão previstos no plano… [00:45:05] PERITA: Mas dentro do… mas, por exemplo, número de pisos, que está previsto, pode ser superior. Dentro do PDM. Em relação aos edifícios contíguos, que ao lado estão várias torres. [00:45:18] MANDATÁRIA DO FUNG…: Então, aí subia. Então, também não era igual. [00:45:21] PERITA: Diga? [00:45:22] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas o que a Senhora Engenheira acabou de dizer foi que tanto faz. Seja ao abrigo do Plano de Pormenor […] [00:45:26] PERITA: A área do terreno é a mesma. [00:45:27] MANDATÁRIA DO FUNG…: […] seja do PDM, o valor mantém-se o mesmo porque os… os índices são os mesmos. Os do PDM e os do Plano de Pormenor. [00:45:39] PERITA: Sim. [00:45:39] MANDATÁRIA DO FUNG…: E agora está-me a dizer que afinal não, que se for o PDM ainda é mais. [00:45:44] PERITA: Não, não. As áreas dos lotes… a disposição dos lotes são diferentes, mas a área de construção de cada lote pode aumentar. [00:45:55] MANDATÁRIA DO FUNG…: Então, se pode aumentar… então, pode não ser este valor que está aqui, não é? [00:46:04] PERITA: Não. Porque é… não está previsto, nunca foi previsto, construir mais do que isso. [00:46:14] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim. Mas nós temos o risco, como até referem no próprio relatório, do Plano de Pormenor vir a ser revogado. Já passaram muitos anos desde a sua aprovação. O próprio PDM está em revisão. As condicionantes para a sua execução são várias e têm dispersão. Portanto, são… são obras com alguma… expressivas, são obras e alterações grandes. E a verdade é que já passaram praticamente dez anos e nada foi feito. Portanto, é possível que os senhores… os senhores peritos, que inclusive reconhecem que há essa possibilidade de o plano ser revogado. E, portanto, estando o PDM a ser alterado… já me disse que não nesta parte dos índices e da capacidade edificativa, que não. Mas isto altera todo o pressuposto do que está… do que esteve na base da vossa avaliação. Portanto, mais que isso, abstiveram de analisar a realidade atual. Olhar para os lotes tal qual eles existem hoje e de fazer… porque entenderam olhar apenas ao plano. A minha pergunta é: é indiferente? Este valor que os senhores peritos atribuíram, não é todo focado no Plano de Pormenor Horta do Palácio? É que agora fiquei um bocadinho baralhada. [00:47:32] PERITA: Não. É indiferente. É indiferente, porque a potencialidade da área de construção é a mesma. Seja ou não feito o Plano de Pormenor. Se for feito só através do PDM, para os lotes… para as áreas que existem atualmente, sem ser feito os novos lotes, está dentro das áreas… do índice de construção. Prestação de Esclarecimentos do Perito Sr. Eng.º Eduardo … [0:04:21] MANDATÁRIA DO FUNG…: Eu começaria logo por, pela, pela questão de, na atribuição do valor que os senhores peritos referem que, houve, houve o perito que teve um entendimento diferente, que entendeu que deveria considerar o custo das infraestruturas e, portanto, temos dois cenários. Temos um primeiro valor de dezoito milhões de euros e outro de catorze milhões de euros, números redondos. [0:04:45] PERITO: Exato. [0:04:47] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas, em ambos estes valores, é mencionado que estes edifícios se encontram, estes lotes, se encontram livres de ónus ou encargos. [0:05:01] PERITO: Exatamente. [0:05:03] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. A minha questão é o seguinte: os senhores peritos tiveram acesso às certidões prediais dos lotes atualmente existentes e dos mesmos constam inscritas hipotecas a favor de uma instituição bancária. Porquê é que os senhores peritos na atribuição do valor, optaram por, por desconsiderar esse facto? [0:05:28] PERITO: Dra., esse valor, esse valor foi, foi retirado de um documento que foi trazido ao processo, não é, por nós. Esse documento, portanto, refere o valor de infraestruturas, portanto, essa diferença de três milhões de euros de infraestruturas que estão praticamente cobertos pelos custos indiretos que, que, que o processo determina no cálculo do valor. são à volta de quinze milhões. Portanto, não era, não pareceu aos peritos que esta situação fosse de incluir. Por, por, não ter muita sustentabilidade. Assim o entenderam dois peritos, o terceiro também o entendeu mas quis por uma segunda hipótese e nós não nos opusemos, não é? [0:06:26] MANDATÁRIA DO FUNG…: Isso quanto à diferença de valores, portanto, um considera infraestruturas e o outro não. Mas, a minha pergunta vai alem disso. [0:06:35] PERITO: Não, não, infraestruturas consideram os dois. [0:06:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: Diga. [0:06:39] PERITO: Não consideram é as infraestruturas que a segunda hipótese contempla, não é. Que é uma diferença de cálculo, é a diferença de cálculo de uma mera equação que não se conhece bem como é que esse valor é calculado. [0:06:53] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. [0:06:54] PERITO: Porque eu vendo o relatório do arquiteto, não é? [0:06:56] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim, este plano de pormenor, este plano de pormenor, poe os encargos com, com, com, e os senhores peritos inclusive referem isso, portanto há aqui demolições … [0:07:09] PERITO: Foi uma coisa que o perito da parte quis incluir e nós, nós não nos opusemos. Até porque creio que, que para o processo ter essa clarificação, o Senhor juiz decidir como melhor entender, não é? [0:07:22] MANDATÁRIA DO FUNGEPI: Certo. Mas a minha questão é o seguinte: o valor dos dezoito milhões considera infraestruturas normais, uma urbanização normal e o valor dos catorze […] [0:07:33] PERITO: Não, não. Não é uma urbanização normal, não, não é. [0:07:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: Então? [0:07:39] PERITO: Quando, aquilo que se pressupõe são as infraestruturas necessárias à construção dos seis lotes, não é? Nessas infraestruturas, estão as infraestruturas quase completas. Tem, tem-se, quando se for fazer o, o projeto para infraestruturar tem que ter o PT para, para o plano total, tem que ter as estruturas principais. O, A parte fundamental dos custos das infraestruturas, estão lá. Portanto não e, não é muito relevante estar a ter esta situação porque não temos uma sustentabilidade de onde é que ele vem, não é? Portanto de uma forma que nós, pelo menos eu não fiquei a perceber como era. [0:08:29] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas o Senhor, o Senhor Engenheiro não leu o plano de pormenor da Horta do Palácio? [0:08:33] PERITO: Li, li. [0:08:35] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. E não está la, não tem lá condicionantes para a sua execução, nomeadamente […] [0:08:41] PERITO: Não, não, não. Isso não está. Essa situação aparece num, num relatório de um arquiteto. Eu não sei se é o arquiteto que fez a Horta do Palácio, não é? [0:08:53] MANDATÁRIA DO FUNG…: É. [0:08:54] PERITO: Mas eu presumo que sim. [0:08:56] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas ó Senhor Engenheiro, pela configuração dos lotes de acordo com o plano de pormenor e pela configuração atual do espaço onde estão inseridos estes lotes, nos temos, é evidente que o que la existe, tem de ser demolido para puder executar o que esta previsto no plano. Ou não? [0:09:12] PERITO: Pois. […] parece que sim. Eu acho que o plano, o plano, nos encargos que estão descritos não é assim tão claro como tudo, todos, todo este processo é muito, tem muitas questão complexas, não é. Quer dizer, o, a, a, […] a Porti… vai fazer o edifício dos, dos, da justiça, vai fazer o edifício da camara, vai fazer o parque de estacionamento. Quer dizer eu, eu, acho que não esta tudo muito claro nisto. [0:10:02] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pois. Isso nós também achamos. O Senhor Engenheiro, mas é certo que pelo menos o estádio de futebol, o clube de ténis, isso tem de ser demolido para ser puder executar este plano, ou tem de ser relocalizado, tem de sair dali. [0:10:16] PERITO: Eu, eu, não sei até que ponto estas infraestruturas não, não vão pôr condicionantes logo a essa situação, não é. Porque estas infraestruturas, terão que passar por algum lado, não é. O, o, os lotes, três, quatro e cinco estão junto ao estádio. Do outro lado, estão os lotes, estão os lotes, de, de, de, do outro lado do hotel, os lotes um, dois e três, estão uma zona de viveiros e isso tem de ser tudo demolido, não é? [0:10:47] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pois é isso [0:10:48] PERITO: Portanto, esta incluído aqui neste projeto. [0:10:50] MANDATÁRIA DO FUNG…: Tem de ser tudo demolido, não é? [0:10:51] PERITO: Pois. Não se pode fazer os lotes um, dois e três, sem se desaparecerem os campos de ténis, sem desaparecem, pronto, o que esta lá mais. [0:11:01] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. é também por essa razão […] [0:11:05] PERITO: Tudo tem que desaparecer.(…) [0:11:08] MANDATÁRIA DO FUNG…: É também por isso que acha isto tudo, um bocadinho estranho, é isso? [0:11:10] PERITO: É. Eu não percebi bem a pergunta. [0:11:12] MANDATÁRIA DO FUNG…: Quando há pouco o Senhor Engenheiro disse que isto era, era, não me lembro agora, não quero pôr palavras na sua boca, que era complexo ou que era estranho. [0:11:20] PERITO: Exato, exato. Foi isso mesmo. [0:11:22] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. Pronto. Então, só relembrando. O vosso valor dos dezoitos milhões não considera estas demolições, nem estas, porque para si não foram claras. É isso? [0:11:36] PERITO: Não considera a diferença, não considera a diferença que existe entre as infraestuturas que foram, portanto, os valores que, que, que, no relatório do, do arquiteto refere como sendo só restritos à.. [0:12:03] MANDATÁRIA DO FUNG…: À Porti…. [0:12:04] PERITO: […] à Porticentro, portanto, essa diferença é que não considera, não é? [0:12:18] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. [0:12:20] PERITO: Este valor que é calculado pelo arquiteto, e com base numa peraquação e coiso, não é considerado. [0:12:21] MANDATÁRIA DO FUNG…: Que está prevista no projeto do arquiteto que elaborou o plano. [0:12:23] PERITO: Não, está previsto no relatório, no relatório, do arquiteto, naquele relatório do arquiteto.(…) [0:12:31] PERITO: Porque onde ele vai buscar, eu não sei. [0:12:33] MANDATÁRIA DO FUNG…: Está bom. Senhor Engenheiro, e portanto este vosso valor dos dezoito milhões, não considera, as hipotecas que estão a onerar os lotes atualmente. [0:12:45] PERITO: Hipotecas? [0:12:46] MANDATÁRIA DO FUNG…: Todos os lotes que os senhores estiveram a avaliar, estão onerados com hipotecas a favor de um banco. A minha pergunta é: o montante máximo dessas hipotecas são alguns milhões, os senhores, os senhores peritos referem, fazem a ressalva, no valor que atribuem, que estão livres de ónus ou encargos. E a minha pergunta é: porquê é que optaram por desconsiderar as hipotecas que existem. [0:13:14] PERITO: A gente considerou os valores como se o edifício não tivesse ónus ou encargos. [0:13:18] MANDATÁRIA DO FUNG…: E porquê? Se nós aqui neste caso concreto … [0:13:21] PERITO: Esses ónus ou encargos não estão considerados aqui. [0:13:24] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas os senhores tiveram acesso às certidões prediais. [0:13:26] PERITO: Nós não fizemos os cálculos nessa base. [0:13:28] MANDATÁRIA DO FUNG…: Diga, diga. Portanto, não consideram isso, não é? Portanto, não consideram a sua desoneração? [0:13:33] PERITO: Consideramos a avaliação sem ónus ou encargos. A avaliação é, portanto, os valores são sem ónus ou encargos.(…) [0:13:45] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pois. Mas porquê, porquê Senhor Engenheiro? Porque neste caso, os senhores tiveram acesso às certidões prediais e, e, consta, constam os ónus constam inscritos nos lotes que existem. Porquê é que os senhores peritos optam por fazer a avaliação assim? [0:14:05] PERITO: A questão dos ónus, é uma questão mais jurídica, não é? A gente preocupou-se em valorizar aquilo que lá esta, a questão dos ónus… [0:14:18] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo, mas a hipoteca … [0:14:19] PERITO: […] eu não tenho presente, eu não tenho presente esses documentos do, do, são hipotecas que refere? [0:14:25] MANDATÁRIA DO FUNG…: São hipotecas que estão no registo predial do imóvel. Esta la inscrito o valor. [0:14:29] PERITO: Eu não, não, pois, não … [0:14:33] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. Depois a dado passo os, os senhores engenheiros, aqui no relatório, é feita uma menção ao risco da revogação do plano de pormenor da Horta do Palácio. E que esse risco é difícil de quantificar.(…) [0:15:14] MANDATÁRIA DO FUNG…I: […] é feita a menção ao risco de revogação do plano de pormenor da Horta do Palácio e referem que esse risco e difícil de quantificar. E a minha pergunta é: este risco foi devidamente ponderado, quantificado, em algum dos métodos de avaliação que utilizaram? Se houve aí um… [0:15:44] PERITO: Foi considerado, foi considerado que o plano podia ser executado e, portanto, esse risco foi minimizado. Na minha opinião. Mas os outros peritos poderão ter… [0:15:59] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim. [0:16:00] PERITO: não foi, não foi uma decisão muito, muito [0:16:02] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não foi considerado esse risco. Portanto vocês olharam para os ativos… [0:16:06] PERITO: Não digo que não foi considerado, não é… [0:16:07] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim. [0:16:09] PERITO: Foi analisado e não foi dado grande ênfase a essa situação. [0:16:12] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. Portanto não podemos falar aqui numa, numa, percentagem de, de, depreciação que lhe tenham atribuído, este risco?(…) [0:19:01] MANDATÁRIA DO FUNG…: então, o que eu lhe perguntei é se, o Senhor Engenheiro, quando avaliou os ativos face ao plano de pormenor, se considera que exista alguma incerteza ou não, relativamente à execução daquele plano que foi aprovado em 2011. Porque estamos em 2020, o vosso relatório já é de 2020 ou é de 2019? [0:19:23] PERITO: 2019. [0:19:24] MANDATÁRIA DO FUNG…: Seja como for, passaram quase dez anos. Os senhores peritos ao avaliarem aqueles ativos face aquele plano, entendem que há alguma incerteza face à sua execução, execução do plano, ou seja, materialização daquilo que ali está previsto. [0:19:41] PERITO: Não. Valorização, não. Valorização, não. A valorização a gente entendeu que, aqueles edifícios iam ser executados, não é? Portanto, foram valorizados como se pudessem ser comercializados normalmente. [0:19:55] MANDATÁRIA DO FUNG…: Portanto, fez tudo como se fosse … não, não colocaram, essa questão da incerteza não foi considerada? [0:20:02] PERITO: Foi, foi ponderada todo este aspeto de incerteza que está aqui. Da não execução do plano, foi pois. Mas, na valorização, na valorização foram, portanto, o empreendimento pudesse evoluir na construção dele, não é? Na sua comercialização. [0:20:27] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pois aqui também há, há aqui uma parte do plano em que referem que, para a valorização da unidade hoteleira, recorreram ao método do rendimento. [0:20:33] PERITO: Exato.(…) [0:23:04] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. Agora, Senhor Engenheiro, mais uma questão (…) havia dois quesitos (…) Ou seja, um primeiro era, avaliar e determinar o valor de mercado dos direitos de construção respeitantes ao plano de pormenor, da Horta do Palácio… [0:23:26] PERITO: Foi, foi. [0:23:28] MANDATÁRIA DO FUNG…: e os Senhores Engenheiros, os Senhores Peritos atribuíram, os dezoito milhões no cenário A e os catorze milhões no cenário B. Mas depois havia um terceiro quesito, que era, o valor de mercado de cada um dos ativos na data em que fizeram a peritagem. Agora os ativos, atualmente, são lotes com uma configuração diversa, com, que tem hipotecas registadas, portanto, estão onerados, ou seja, no fundo, temos aqui dois objetos e os senhores peritos não distinguiram, optaram por manter o mesmo e só olhar […] isto significa, que os senhores só avaliaram os ativos como se, considerando o plano de pormenor da Horta do Palácio? [0:24:13] PERITO: Sim. As propriedades edificativas do, no plano, não é? [0:24:17] MANDATÁRIA DO FUNG…: Só isso? [0:24:19] PERITO: Foi nessa base. [0:24:20] MANDATÁRIA DO FUNG…: Foi tudo avaliado assim? [0:24:24] PERITO: Foi assim que eu entendi.(…) [0:29:27] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Desculpe lá estar a insistir nesta pergunta das hipotecas, mas eu vou, vou tentar enquadrar a razão de ser da insistência. Nós quando pedimos uma perícia num processo destes, tem muito que ver com o facto de nós sermos leigos em relação a essas matérias das avaliações e por aí fora. E, portanto, quando pedimos esclarecimentos, a ideia é nós, mais do que validarmos o estudo que vocês fizeram, é validarmos o percurso que vocês fizeram e percebermos se, para nós faz sentido. E para mim custa-me um bocado a perceber que se remeta uma questão como esta das hipotecas para fora deste cálculo, como uma questão jurídica, como se ela não tivesse impacto. Eu vou explicar porquê. Se o que nós temos é um conjunto de terrenos, que estão registados de uma certa forma, com uma certa divisão, e com certas áreas, esses terrenos garantem uma dívida de alguns milhões, e, estão hipotecados a favor de um terceiro, se me, se me pedem a mim para avaliar, um plano que há, no fundo para reabilitar esses terrenos, reconfigurar esses terrenos, e depois dar-lhes outra utilidade, quando eu vou avaliar isso, eu tenho que pressupor que, aquelas hipotecas vão ter de sair de lá. Não é? Porque, o terceiro que é dono daquelas hipotecas, é um terceiro que nem sequer entra nesta conversa do plano de pormenor. A minha pergunta, portanto, é: se, se agora lhe pedisse, e este exercício eu vou-lhe pedir só a si porque não posso pedir aos três ao mesmo tempo, mas se agora lhe pedisse, para nos dizer em que medida é que as hipotecas podiam relevar aos valores que vocês atribuíram aos direitos de construção, já percebi que não o calcularam, mas se calculasse, mesmo que o faça agora, desculpe a expressão mas com contas de merceeiro, esse valor devia ou não entrar no cálculo? Ou seja, a Porticentro para implementar o plano de pormenor que vocês avaliaram, tem que pagar uma dívida que está garantida por uma hipoteca, tem de obter o distrate dessas hipotecas, esse valor que tinha que pagar com termo de distrate, não devia constar dos direitos de construção? Não é um pressuposto do valor que vocês calcularam? [0:31:16] PERITO: Ó Doutor, nós somos técnicos. [0:31:20] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Sim. [0:31:22] PERITO: O nosso objetivo é determinar o valor das coisas, não é? [0:31:25] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Certo. [0:31:27] PERITO: As hipotecas, a hipoteca tem um valor que está a mudar todos os dias. Todos os dias estão a mudar esses valores, têm juros, têm uma série de coisas, … [0:31:36] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: E de aumentos também […] [0:31:37] PERITO: […] isso é, isso é impossível. Isso é tratado com o banco, portanto, pedido ao banco esses valores, portanto, o valor que existe, esses valores são a deduzir ao, pronto, são como são, não sei, não, não, a gente não se vai preocupar com uma situação que, é uma situação que […] para depois não nos perdermos naquilo que é o essencial, que é avaliar o património. [0:31:59] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Certo. Então, deixe-me pôr a questão noutros termos, que é: nós não, os senhores peritos avaliaram aqui estes direitos de construção. Vamos supor que estes direitos de construção, foram vendidos agora a alguém, alguém queria comprar aquilo que lá está com estes direitos e com tudo o que lhe está associado e, cobravam-lhe dezoito milhões. Não ia dizer à pessoa, olhe, mas para conseguir andar com isto para a frente, vai ter que pagar não sei quantos milhões para libertar as hipotecas que lá estão? Isto não é relevante para o preço? Eu, eu não percebo porquê é que não é relevante para os valores dos direitos de construção. [0:32:28] PERITO: Eu percebo o que o Doutor está a dizer. Agora quando vai comprar um bem, não vai ver se ele está hipotecado, se está, se o bem? [0:32:35] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Não vou?! [0:32:36] PERITO: não, não, não coiso. Pois, se não o fizer se calhar é enganado, não é? Mas tem que fazê-lo … [0:32:42] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Não. Não é essa a minha questão. [0:32:43] PERITO: para saber … [0:32:45] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Não é essa a minha questão. Vamos supor que a Porti… agora queria vender isto a alguém. E dizia: tenho aqui estes terrenos, que têm um plano de pormenor sobre eles e que concluindo este plano de pormenor, se isto fosse para a frente, valia dezoito milhões. Mas omitia, que há hipoteca sobre os terrenos a garantir a dívida. Esqueça lá agora a parte do engano. O valor não devia ser diferente? Se eu, se eu apresentar o vosso relatório a alguém para vender os terrenos, omitindo a questão das hipotecas, isto não é relevante? Eu posso dizer que os terrenos, os direitos de construção, valem dezoito milhões, se não falo em hipotecas que valem não sei quantos milhões [0:33:22] PERITO: Ó Doutor, o património, o património, portanto, os ativos, portanto, o património vale aquilo. Se têm, se há valores a pagar, o próprio vendedor pode chegar ao banco e pagar. E então vender pelos dezoito milhões. Ou então, fazer, fazer um acordo… [0:33:42] A INSTÂNCIAS DO ILUSTRE MANDATÁRIO DO … BANCO, S.A.: Mas então não ganha dezoito milhões, ganha treze ou catorze. Então os direitos dele valem menos. É aí que eu estou a querer chegar, não é? Eu não percebo como é que esta variável não entra neste cálculo. Chutando para o lado como uma questão jurídica, mas pronto. Já percebi que não, que não vamos avançar mais que isto.(…) [0:33:58] PERITO: e se nós, e se nós disséssemos que, que o valor da hipoteca era x, no dia seguinte era o mesmo valor? E no dia seguinte, e no dia seguinte? Com o banco não funciona assim. Todos os dias é.. [0:34:27] M.ª JUIZ: Ó Senhor Perito, eu percebi isso que, que em concreto tem de, teria de se apurar o valor à data, mais x, mais juros, mais isto, mais aquilo […] [0:34:37] PERITO: Certo. [0:34:38] M.ª JUIZ: Pronto. Certo. Mas isso é muito diferente de uma mera de uma simples, que é simples mas é muito importante, que os senhores peritos, pudessem ter posto, consignado no relatório, a dizer: o valor de mercado que nós calculámos é este, mas, haverá a deduzir o valor correspondente às hipotecas que oneram estes imóveis. Era só isso. [0:35:03] PERITO: Não o fizemos. [0:35:04] M.ª JUIZ: Pronto, mas o Senhor admite que isso seria se calhar o mais razoável? Tanto que o Senhor há pouco, até anotei aqui, que naturalmente os valores das hipotecas serão a deduzir. Há pouco o Senhor disse isso. Parece-me … [0:35:18] PERITO: Esses valores, esses valores, os valores calculados para, para, para o, os patrimónios foram sem ónus, não é? [0:35:30] M.ª JUIZ: Sem ónus. [0:35:31] PERITO: Os ónus têm de ser resolvidos de outra forma. [0:35:32] M.ª JUIZ: De outra forma, certo. Seja ela qual for, mas não podemos tirar o elefante da sala … [0:35:34] PERITO: Pois. (…) [0:35:40] M.ª JUIZ: Estava a dizer, estava a brincar, estava a dizer que não podemos tirar o elefante da sala, ou fingir que ele não existe. O elefante neste caso seriam as hipotecas. [0:35:49] PERITO: Sim. [0:35:50] M.ª JUIZ: É isso, não é? Pronto. Então estamos de acordo, estamos todos a falar do mesmo. Prestação de Esclarecimentos do Perito Sr. Eng.º Vítor …Sessão de 25 de Junho de 2020 Depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 1.ª instância, "H@bilus Média Studio", com início às 11h37m e termo às 12h11m(…) [0:01:00] MANDATÁRIA DO FUNG…: (…) o Senhor Engenheiro subscreveu o valor de avaliação para estes terrenos da Horta do Palácio em Por…, deduzindo-lhes e se eu estiver a dizer alguma coisa de errado, por favor corrija-me, deduzindo-lhes custos com a, a execução de espaços verdes, a demolição do estádio municipal de Por…, dos cinemas, do clube de ténis e o, a construção de um novo complexo municipal de ténis. E, portanto, deduziu-lhe o valor destes custos e a pergunta que eu lhe faço em primeiro lugar, é: estes custos, como os apurou? [0:02:02] PERITO: Estes custos constam do plano de pormenor. [0:02:06] MANDATÁRIA DO FUNG…: Do plano de pormenor? [0:02:08] PERITO: Sim. [0:02:08] MANDATÁRIA DO FUNG..: De que documento em concreto? Recorda-se? [0:02:10] PERITO: Sim. O plano de, o plano de execução e financeiro.(…) [0:02:18] PERITO: Portanto, além do que já foi enviado em Diário da República, há um plano de execução do PP da Horta do Palácio e depois há um aditamento, um aditamento ou um complemento que é o plano de execução financeira. Eu acho que isso é citado no documento. Eu tenho aqui comigo uma cópia. É citado no relatório, julgo. [0:02:32] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pode, pode ser, pode-me ter escapado. Peço desculpa. Ainda bem que faz essa anotação, vamos verificar, mas, mas agradeço o esclarecimento. Portanto, retirou estes valores do plano de execução e financeiro que faz parte do plano de pormenor da Horta do Palácio. E, o que lhe pergunto a seguir é: no valor de dezoito milhões e dez mil euros, que consensual, a que consensualmente chegaram sem deduzir estes custos, não estavam já incluídos ou considerados estes custos, ou não foi pelo menos o motivo da divergência entre o Senhor Engenheiro e os seus colegas, do colégio? [0:02:33] PERITO: Muito bem. O motivo da, na verdade são dois cenários. [0:02:37] MANDATÁRIA DO FUNG…: Hm, hm, exato. [0:02:41] PERITO: Primeiro cenário, seria possível construir a mesma edificabilidade que o plano de pormenor defende ou, preconiza nos terrenos pertencentes, ainda hoje pertencentes, julgo pertencentes em termos de áreas à Porti…, sem execução do plano pormenor? … e os peritos, todos eles entendem sim, seria possível, provavelmente seria possível fazer isso. É verdade que no plano pormenor diz que o índice médio de toda a envolvente é dois ponto seis e nessa, presunção, o índice seria um bocadinho superior. Estamos a falar de sessenta e cinco mil metros quadrados para vinte e um mil e trezentos metros quadrados. Julgo que era o terreno ou equivalente à área de terreno que pertencia à Porti…. Mas ainda assim, os peritos entenderam sim, seria possível. Ora, isso, não haveria necessidade de estar a executar todos os espaços verdes que existiam. Mas o que é uma verdade é que temos um plano de pormenor aprovado com, com uma perequação, que tem a ver com o índice de utilização médio, tem a ver com as áreas de cedência e também tem a ver com os custos de urbanização e, portanto, se estamos a avaliar um plano de pormenor, aliás, eu penso que essa é uma das perguntas da, da perícia então devemos considerar todos os pressupostos do plano pormenor e, a minha segunda opção considera todos os pressupostos do plano pormenor. [0:02:43] MANDATÁRIA DO FUNG…: Portanto, a primeira opção dos dezoito milhões seria apenas e só a concretização dos direitos de construção independentemente da execução do plano de pormenor. [0:03:22] PERITO: Exactamente. [0:03:28] MANDATÁRIA DO FUNG…: Seria o valor dos terrenos só em plano de pormenor ou construção permitida para aqueles terrenos sem plano de pormenor? É isso? [0:03:29] PERITO: Sem a execução completa do plano de pormenor. [0:05:13] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sem? [0:05:27] PERITO: É evidente que, para se construir sessenta e cinco mil metros quadrados de construção tem de se realizar infraestruturas … [0:05:28] MANDATÁRIA DO FUNG…: Exacto. [0:05:36] PERITO: tem que, há sempre infraestruturas a realizar. [0:05:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: E essas foram consideradas? [0:05:39] PERITO: No primeiro cenário, sim. Mas, o plano de pormenor dizia: bem, para executar todo o plano de pormenor, incluindo os espaços verdes e tudo o que aí é dito, o custo são seis milhões e setecentos.(…) [0:15:50] MANDATÁRIA DO FUNG…: Bom, vou, tocando aqui numa questão que já foi tratada, antecipando-me aqui um bocadinho a uma questão que lhe vai ser colocada […] chegou-se já aqui à conclusão de que o valor a que os senhores, o valor de avaliação que indicaram na vossa peritagem não contempla hipotecas que existem registadas a favor de uma instituição financeira, neste caso, do … Banco, o vosso relatório não contempla essas hipotecas e, portanto, porquê? A questão é porquê é que optaram por não as incluir e por fazer a avaliação livre de ónus ou encargos. [0:16:27] PERITO: Eu acho que quando estamos a fazer, provavelmente porque também não tínhamos todos os dados para fazer isso, não é? Os dados que nos foram fornecidos não envolviam tudo isto, mas normalmente quando calculamos o uma avaliação dizemos que a avaliação é feita livre de ónus ou encargos a não ser que nos indiquem, há estes ónus ou encargos em vigor. [0:16:51] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. [0:16:52] PERITO: E eu, francamente, francamente neste momento eu não sei quais serão. Admito que existirão, admito que é por isso que estamos aqui, é por isso que as partes estão, estão em litígio ou por outras coisas. Interessa muito mais o objeto da perícia do que tudo isso, tudo isso que está envolvido, mas admito que existirão. [0:17:12] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. [0:17:13] PERITO: Mas, mas também quem sabe exatamente os montantes é fácil deduzir àquilo que é calculado. [0:17:16] MANDATÁRIA DO FUNG…: Portanto na realidade aquilo que entenderam a perícia como sendo a avaliação ou a fixação do valor […] [0:17:24] PERITO: Livre de ónus ou encargos. [0:17:25] MANDATÁRIA DO FUNG….: […] livre de ónus ou encargos e entenderam que as partes de entendessem quanto aos ónus e encargos, é isso? Não entenderam que estaria incluído no objeto de avaliação. [0:17:35] PERITO: Sim. [0:17:37] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. Sendo que naturalmente que, que, para uma venda ou para, para, para o apuramento do ganho dos donos do, dos terrenos terá sempre de ser feita a dedução do valor das hipotecas […] [0:17:52] PERITO: Um comprador […] [0:17:53] MANDATÁRIA DO FUNG…: […] o valor em dívida garantido pelas hipotecas. [0:17:55] PERITO: […] um comprador avisado faz isso. [0:17:57] MANDATÁRIA DO FUNG…: Faz isso. [0:17:58] PERITO: Acredito eu. [0:18:00] MANDATÁRIA DO FUNG..: Sim, senhor. Também relativamente ao objeto da perícia, há aqui uma questão que tem sido debatida que eu também antecipo para, para saber qual é a sua posição relativamente a isto. A, a peritagem ou o objeto da perícia tinha três requisitos, três perguntas. Uma primeira não a vou ler porque está aí, mas na verdade a questão que se, que lhe coloco é a que se prende com o quesito primeiro que era avaliação ou qual seria o valor dos direitos de construção […] decorrentes do plano de pormenor e a, a, a, a terceira, o quesito terceiro que se prendia com o valor dos cativos nesta data. E a leitura que eu fiz, e peço-lhe que a critique se estiver errada, é que os senhores entenderam que o valor dos terrenos é o valor dos direitos de construção que lhe são atribuídos e não aquilo que lá está neste momento. Foi essa a leitura que fizeram e por isso deram o mesmo valor para as duas perguntas? [0:19:07] PERITO: O valor dos terrenos é o valor dos direitos de construção. O valor de um terreno apto para construção ou de um solo urbano tem a ver com a sua potencialidade construtiva. [0:19:15] MANDATÁRIA DO FUNG…: Exato. [0:19:16] PERITO: E foi essa a leitura que fizemos. [0:19:18] MANDATÁRIA DO FUNG…: Por isso é que não distinguiram, isto é, por isso é que o valor é o mesmo. [0:19:26] PERITO: Nós interpretamos a pergunta como, como reportando, ou as duas perguntas melhor dizendo, como reportando aos mesmos valores. [0:19:36] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sabendo-se naturalmente que o plano não está executado. [0:19:39] PERITO: Não está, mas para, se porventura primeiro pergunta diz apenas respeito à concretização do plano pormenor e a segunda diz respeito a direitos abstratos teríamos de consultar a câmara para perguntar qual era, na perspetiva do Best and Hightest Use, qual seria o máximo que ali se poderia executar mas existindo um plano, eu admito que este é o máximo e melhor utilizável porque se não vamos estar com muitos ses.(…) [0:20:20] A INSTÂNCIAS DA M.ª JUIZ: Bom dia Senhor Engenheiro, pegando aqui, exatamente neste ponto onde terminámos mas isso eu percebo que os senhores peritos a olharem apenas para os requisitos e não, não sabe o que é que está em causa nem o que é que se pretende mas efetivamente a razão de ser, de se ter procurado distinguir e por um lado, atribuir um valor a, aos, aos, à capacidade edificativa prevista no plano de pormenor e depois procurar atribuir o valor aos lotes era, era, precisamente, tinha em consideração o facto de nós termos um plano de pormenor estranho na sua, na sua tramitação, na sua, no que aí prevê, na, todas as condicionantes que tem e em termos de exequibilidade questiona-se que ele alguma vez venha a ser executado ou que seja possível de executar […] e, daí o que se, o que se pretendia é, o que existia são os lotes que existem atualmente, não os lotes que estão configurados neste plano, não é, portanto era, é olhar no fundo para a sua realidade física, para a sua realidade em termos de descrição predial, em termos do que temos actualmente e à sua elaboração. Já percebemos que, os senhores não, não, não, não obstante de terem tido acesso às, às certidões prediais, que não verificam, que não olham para a questão das hipotecas porque entendem que estão salvaguardados que são livres de ónus ou encargos e depois as partes que deduzam os ónus, que lhe atribuam o valor que lá foram e que o deduzam, não é? No caso das hipotecas … [0:20:25] PERITO: Ó senhora Doutora, eu acho que nós nem tivemos acesso a todas as certidões prediais. [0:20:26] M.ª JUIZ: Muito bem. [0:21:59] PERITO: Eu acho, eu acho […] e já agora, desculpe interromper, mas a sua questão é pertinente e nós tivemos muita dificuldade em perceber qual é a estrutura predial vigente porque temos um alvará caducado. Eu não sei quais são os … [0:22:03] M.ª JUIZ: Por isso é que nós temos dois quesitos e pedimos duas leituras diferentes. [0:22:05] PERITO: Sim, mas qual? Mas, mas o que é que é? [0:22:19] M.ª JUIZ: Era, num potencial interessado em hoje, hoje, uma pessoa que olhe para aqueles lotes o que pode comprar não é o que está no plano de pormenor, o que pode comprar é o que está na descrição predial e na matriz. É isso que vai escrever na escritura, o objeto da escritura é aquilo, é o que existe hoje… [0:22:23] PERITO: Certo. [0:22:26] M.ª JUIZ: porque nós não temos um plano executado. [0:22:42] PERITO: Eu não sou jurista e não foi entrar por esse, e não é a pergunta e ainda bem para mim, ainda bem porque, porque com alvará caducado voltar atrás para anular esse alvará e os lotes que foram constituídos eu não sei como é que isso se chegaria. [0:22:43] M.ª JUIZ: Pronto. [0:22:44] PERITO: A única coisa que eu sei é que [0:23:01] M.ª JUIZ: É o que lá está. [0:23:02] PERITO: existem vinte e um mil, trezentos e trinta metros quadrados de terreno. Isso, isso parece-me claro, não é? Vinte e um mil, trezentos e trinta pertencentes à Porti… antes da constituição do alvará ou antes da execução, da, da aprovação do alvará seis oitenta ou qualquer coisa assim, havia, havia, vinte e um mil, trezentos e trinta metros quadrados de terreno. Se nos reportamos a isso, podemos ir, voltar a esse ponto de partida, mas eu não sei se é aí que se quer chegar. [0:23:03] M.ª JUIZ: Não Senhor Engenheiro, na verdade está caducado, não é? Portanto é o que vocês têm lá escrito, não é? [0:23:05] PERITO:Mas há, mas há vinte e um mil, trezentos e trinta metros quadrados de terreno, isso haverá, não é? Isso parece-me que haverá, que é a soma das partes. [0:23:29] M.ª JUIZ: Hm, muito bem. Só mais uma questão que é … [0:23:32] PERITO: Que, já agora, peço imensa desculpa […] [0:23:42] M.ª JUIZ: Diga, diga. [0:23:47] PERITO:[…] que no plano de pormenor é apresentado por vinte e um mil e trezentos, dizendo-se, dizendo-se, numa frase pomposa que, há uma cedência de trinta e quatro metros quadrados ao domínio público. Eu fiquei contente. Mas pronto. Mas, mas, o que me parece é que num todo não há uma subtração nem podia haver. A terra não encolheu como a gente sabe, portanto, não há uma substração do que era a realidade física inicial agora como é que ela é articulada, registada, eu tenho muitas dúvidas sobre isso e quando falamos dos lotes apos o PPH, pois claro, tem de se concretizar porque eles serão assim. Temos, temos a consciência plena disso. [0:23:50] M.ª JUIZ: Muito bem. Senhor Engenheiro, não, não, não sabe em termos de, de, de, o que consultou e o que viu do plano de pormenor os, os, os senhores peritos só tiveram acesso a esta documentação, não, não houve qualquer contato com a câmara no sentido de aferir se, se já havia acordo com proprietários ou se … [0:23:51] PERITO: Houve um contato telefónico feito com a câmara. Não houve um contato formal, houve um contacto telefónico feito com a câmara, mas nada mais do que isso. Perguntando se o plano estava em vigor. Sabemos que o PDM está em revisão desde 2016, isto é referido. Não sabemos o que vão fazer, realmente eu já disse aqui, é estranho quando um plano de pormenor está muito tempo para executar questiona-se até porque está ali uma grande infraestrutura […] uma grande infraestrutura que eu não sei se talvez não tenham tido o cuidado de ver a sobreposição. Era possível executar quase todas as construções sem ter que tirar de lá o estádio, mas, isso é uma outra história que eu não quero, quem organizou o plano fê-lo, fê-lo daquela maneira. Exatamente, é quase possível lá pôr todas as construções sem sequer mexer no estádio, olhando à sobreposição das coisas. Mas … [0:24:28] M.ª JUIZ: É possível? [0:24:47] PERITO: Para mim é. Olhando, olhando a sobreposição vê-se perfeitamente que é possível. Há apenas uma parcela B, que penso que é uma parcela do domínio público que afetaria uma bancada e uma parte do estádio. E apenas uma pequena parte do hotel que afeta ligeiramente o logradouro e o parque estacionamento do estádio. Isto foi o que eu vi. Não sei porquê é que fizeram assim. Os campos de ténis sim, isso teriam que sair de lá e tudo o mais. Relativamente ao estádio não, mas … [0:25:42] M.ª JUIZ: Ó Senhor Engenheiro, desculpe … [0:25:43] PERITO:.. mas, o plano de pormenor tem de ser visto como um todo e por isso é que eu fiz a segunda, o segundo cálculo, que eu encaro que o que está a ser pedido é: avaliem-no como um todo. Pronto, é por isso que eu faço o segundo cálculo. Agora realmente, qual é a natureza jurídica dos lotes ou das propriedades eu tenho dificuldade em responder a isso. [0:26:09] M.ª JUIZ: Sim, mas a minha questão era: quando fizeram esse contato com a câmara que mencionou agora, não perguntaram qual era a viabilidade para a execução, como é que isso estava. [0:26:11] PERITO: Ninguém sabe responder a isso, Senhora Doutora. [0:26:30] M.ª JUIZ: Ninguém sabe responder a isso? [0:26:40] PERITO: Nós perguntámos, mas ninguém respondeu de uma forma cabal. Dizendo vai ser executado agora, vai ser, vai começar amanhã ou depois. [0:26:42] M.ª JUIZ: E o, e o, a revisão do PDM que terá sido feita tem a ver com as alterações aos lotes e aos fogos, não é? É essa a revisão que está agora a ser feita, não é? [0:26:43] PERITO: Todos estão a fazer já deviam ter feito… [0:26:49] M.ª JUIZ: Já deviam ter feito… [0:27:00] PERITO: até ao dia… [0:27:02] M.ª JUIZ: mas que estão a fazer? [0:27:05] PERITO: julgo que sim, julgo que sim [0:27:06] M.ª JUIZ: Pronto. E já está em discussão pública ou não? Já se sabe? [0:27:09] PERITO: Não tenho a certeza. [0:27:10] M.ª JUIZ: Não sabe. [0:27:11] PERITO: Eu sei que em 2019 houve uma, mas eu não tenho a certeza sobre isso. Naquela altura, naquela altura em que fizemos a, a última, julgo que ainda não estaria. Mas eu não tenho a certeza. [0:27:21] M.ª JUIZ: E sabem, já se sabe o que é que vai ser objeto de alteração? [0:27:27] PERITO: Eu não sei. [0:27:29] M.ª JUIZ: A sua colega disse-me, disse-nos que, que a revisão que estava a ser feita ao PDM não ia mexer com nada de índices, nem com nada. Portanto podemos afirmar isso, é possível nesta data saber-se ou … já é público o que é que está a ser revisto, concretamente… [0:27:46] PERITO: Senhora Doutora essa, essa pergunta em abstrato só saberemos … for sure ou de certeza absoluta quando for publicado. Parece-me a mim. 60- Dos excertos supra transcritos resulta cristalinamente justificado o tratamento dado pela M.ª Juiz de 1.ª instância à prova pericial. 61- Com efeito, dos esclarecimentos de todos os peritos impõe-se concluir o seguinte: (i) Os Srs. Peritos não responderam a dois dos quesitos objecto da prova pericial, a saber: - (fls. 516) – w) Entre 2006 e 2018 o mercado imobiliário para este tipo de activos sofreu alteração? Queiram justificar a resposta. Em que medida essas alterações se devem reflectir no valor dos activos? E - (fls. 516) – x) Face ao exposto, indiquem de forma clara e inequívoca qual o valor de mercado de cada um dos activos na presente data (ii) Não pesquisaram valores de mercado em 2006 e não têm valores dos actuais lotes em 2019. Não responderam, nem justificaram se e com que fundamentos os activos em causa sofreram depreciação ou valorização; (iii) Atribuíram ao valor dos activos na presente data, o valor correspondente aos direitos de construção previstos para os futuros lotes a executar no âmbito do Plano de Pormenor; não fizeram qualquer distinção entre o que existe à data e o que se prevê construir (não obstante referirem no relatório que inexiste correspondência entre uns e outros); (iv) Os Srs. Peritos desconsideraram os ónus – hipotecas – incidentes sobre os imóveis no apuramento do valor de mercado dos direitos de construção (no seu Relatório indicam que tiveram acesso às certidões prediais, depois dizem que não); (v) No apuramento do valor de mercado dos direitos de construção, os Sr.s Peritos basearam-se no Plano de Pormenor publicado em Diário da República, em 2011, e não cuidaram sequer de apurar, junto da Câmara, se havia contrato de urbanização acordo de proprietários para a execução do PPHP; (vi) Não foram unânimes, nem claros quanto à identificação das infraestruturas e cedências da responsabilidade da Porticentro previstas no Plano nem quanto ao valor que as mesmas importam para a execução do Plano, optando, no que ao valor mais elevado diz respeito, por ignorar tal contingência; (vii) Os Sr.s Peritos não souberam identificar de forma clara as principais condicionantes e incertezas do PPHP nem esclarecer o motivo pelo qual a sua execução, decorridos quase (10) dez anos não se iniciou; (viii) Não verificaram, designadamente no que respeita à Unidade 1, se se mostra necessária uma avaliação de impacto ambiental prévia à sua execução; (ix) Foram incapazes de quantificar e materializar o risco de revogação do Plano (o Sr. Perito Eduardo …) chegou a afirmar que esse risco foi minimizado; (x) Os Sr.s Peritos Eduardo e Vítor confirmaram que o PPHP lhes suscitava várias dúvidas, incertezas e “estranheza” – sem que, contudo, daí retirassem qualquer conclusão, nomeadamente, fazendo constar do seu relatório as suas dúvidas relativamente à sua exequibilidade. (xi) Dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito Vítor, conjugado com os do Sr. Eng.º Eduardo, conclui-se que no valor de avaliação dos direitos de construção apresentado para o cenário A (o valor que os AA. pretendem que este tribunal leve a factos provados) os peritos apenas tiveram em conta o custo de execução das infraestruturas do PPHP mas desconsideraram os seis milhões e setecentos mil euros expressamente previstos no Plano de Pormenor, designadamente para demolições e espaços verdes. Ou seja, não só se trata de uma avaliação desgarrada da realidade (na medida em pressupõe um determinado Plano executado) como não contempla ónus de milhões (hipotecas) e custos associados (€ 6.700.000,00) previstos no mesmo; (xii) Os seus depoimentos, como acima se transcreveu, são contraditórios, pouco sustentados e, no caso dos peritos indicados pelos Autores, evidentemente parciais. 62- Em suma, a prova pericial produzida, tal como bem fundamentado na douta decisão recorrida, revelou-se frágil, incompleta (não responde a dois quesitos), infundamentada (foram inúmeros os elementos essenciais que os Sr.s Peritos pura e simplesmente desconsideraram na sua avaliação) e, consequentemente, inidónea para os fins pretendidos. 63- Convicção que veio a ser reforçada pelo depoimento da testemunha, Eng.º Agostinho, da Câmara Municipal de Por., cujas passagens mais relevantes da prova se transcrevem infra nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC. 64- Mas antes de passarmos à transcrição desses elucidativos excertos, importa recordar o contexto em que esta testemunha intervém nos autos. 65- No pedido de prova de pericial que requereu na sua contestação, o ora Recorrido elencou um conjunto de (24) vinte e quatro quesitos – de a) a x) – cuja resposta considerou (e considera) absolutamente essencial para se poder aquilatar da diferença entre o valor contabilístico dos 8 lotes de terreno registados em nome da sociedade Porti…, à data da cessão de quotas (05.11.2007), e o valor de mercado de cada um dos mesmos activos à data de hoje – cfr. contestação de fls… 66- Os Autores manifestaram a sua oposição aos quesitos sugeridos pelo Fung… e o tribunal, dando-lhes razão, reduziu-os aos seguintes três (cfr. requerimento dos AA., de 04.04.2019 e douto despacho, de 29.05.2020): c) As Obras de Urbanização foram concluídas e houve recepção definitiva das mesmas por parte da Câmara? Em caso afirmativo em que data? Foi emitida certidão de Infra-estruturas? w) Entre 2006 e 2018 o mercado imobiliário para este tipo de activos sofreu alteração? Queiram justificar a resposta. Em que medida essas alterações se devem reflectir no valor dos activos? x) Face ao exposto, indiquem de forma clara e inequívoca qual o valor de mercado de cada um dos activos na presente data. 67- Em resposta ao douto despacho de indeferimento parcial do objecto da perícia, o Fung… requereu, em 21.06.2019, que, em substituição da prova pericial e para “para prova da matéria indicada nos quesitos d) e e)” a saber: d) Há Acordo de Proprietários ou Contrato de Urbanização para a sua execução? e) As Obras de Urbanização foram concluídas e houve recepção definitiva das mesmas por parte da Câmara? Em caso afirmativo em que data? Foi emitida certidão de Infra-estruturas? fosse oficiada a Câmara Municipal de Por. para esclarecer as questões supra identificadas bem como indicado um técnico/arquitecto da mesma edilidade para depôr em julgamento de forma a esclarecer as operações urbanísticas ali registadas entre 1980 e 2017 relativamente à área correspondente à designada “Horta do Palácio”. 68- Requerimento que veio a ser deferido por douto despacho de 05.09.2019 – cfr. fls… dos autos. 69- É, pois, neste contexto e para o acima indicado fim, que o Sr. Eng.º Agostinho , Director do Departamento de Obras, Gestão Urbanística, Ambiente Urbano e Gestão da Manutenção da Câmara Municipal de Por… se apresenta a depôr nos presentes autos, isto é, como pessoa indicada pela Câmara Municipal de Por…, em resposta ao ofício que lhe foi enviado pelo douto tribunal a quo, como sendo especialmente habilitada para “esclarecer as operações urbanísticas registadas entre 1980 e 2017, relativamente à área correspondente à designada “Horta do Palácio” – cfr. Ofício de 30.09.2019 (ref.ª citius 24109603). Depoimento da testemunha António [00:00:37] M.ª JUIZ: O senhor diz-me o seu nome completo, se faz favor? [00:00:41] TESTEMUNHA: Agostinho.(…) [00:01:01] M.ª JUIZ: [impercetível]. Olhe, o senhor... eu tenho a indicação aqui que o senhor é funcionário da Câmara Municipal de Por…, é isso? [00:01:11] TESTEMUNHA: É verdade, sou diretor do... [00:01:14] M.ª JUIZ: Diga, diga? [00:01:15] TESTEMUNHA: Sou diretor do urbanismo.(…) [00:03:50] MANDATÁRIA DO FUNG…: O senhor engenheiro já sabe que o que é aqui pretendido é essencialmente falarmos sobre o plano de pormenor da Horta do Palácio. [00:04:06] TESTEMUNHA: Exato. [00:04:07] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. E, começando por aí... eu sei que o município, quando o indicou, foi essencialmente... indicou um técnico que estivesse habilitado a depor relativamente às operações urbanistas registadas entre 1980 e 2017, relativamente à área correspondente à designada Horta do Palácio. Relativamente a um alvará de 1980, não vale... pelo menos no que se refere às questões que lhe vou colocar, não abordarei a questão do alvará de 1980, porque tenho aqui e já foi demonstrado no tribunal, e estamos todos fartos de saber que o alvará caducou, pronto. E, entretanto, em 2011, foi aprovado e publicado o plano de pormenor da Horta do Palácio. E é sobre esse plano que temos falado aqui e nós gostaríamos de ouvir um técnico da Câmara relativamente à execução ou não deste plano. Estamos em 2020 e, até à data, nada aconteceu, nomeadamente uma série de... portanto, este plano de pormenor reconfigura toda uma zona, para além de a reabilitar, e implica que haja umas cedências de parte a parte e relocalização de alguns equipamentos, nomeadamente do Estádio do Por…. E, portanto, era relativamente a isso que eu gostaria de ouvir o senhor engenheiro, na sua qualidade de diretor do urbanismo da Câmara, qual é a intenção da Câmara relativamente a este plano de pormenor. [00:05:55] TESTEMUNHA: Portanto, vou tentar fazer um bocadinho o enquadramento de porque é que existiu este plano de pormenor da Horta do Palácio. A Câmara Municipal de Por…, em 2007, aprovou um plano de pormenor num outro local, que tinha um complexo desportivo onde deslocalizava o pavilhão, deslocalizava o estádio do centro da cidade para esse plano, para esse local. E nesse âmbito, depois, em parceria com a Porti…, a Câmara desenvolveu um plano para requalificar este espaço da cidade. É evidente que, com tudo o que aconteceu na economia portuguesa, tanto o plano que era da Câmara e este plano da Porti…, acho que, por força das questões económicas, nunca se desenvolveram. A Câmara, ultimamente, porque, efetivamente... entretanto, neste hiato de tempo, a Câmara adquire o estádio, porque a Câmara tinha o direito de utilização, ou o Por… tinha o direito de utilização do terreno, a Câmara, em determinada altura, adquire o terreno do estádio e o estádio agora é mesmo propriedade da Câmara, independentemente de poder estar ainda eventualmente a ser discutido, porque isso é uma matéria que não passa por mim, mas, eventualmente, ainda estará até a ser discutida uma indemnização. Mas a propriedade do estádio, neste momento, é municipal. E a Câmara entendeu que, com essa situação, portanto, houve alterações efetivamente à filosofia que havia aqui até há uns 12 anos atrás, e a Câmara, neste momento, já não tem interesse... neste momento, não tem interesse na mudança do estádio. Ora, não tendo interesse na mudança do estádio, torna-se complicado este próprio plano de sobreviver, porque o essencial era mesmo a deslocalização dos equipamentos de ténis, a deslocalização (…) municipal, a deslocalização do estádio... e, não sendo possível, portanto, a Câmara entendeu e já declarou a intenção de caducidade. E, neste momento, a Câmara declarou a intenção de caducidade, o processo foi aprovado em reunião de Câmara, foi notificada a Porti… como parceiro na elaboração do plano de pormenor da Horta do Palácio e, neste momento, a Porti… faz uma contestação à deliberação de Câmara em que está no departamento jurídico da Câmara para ser resolvida, não é? [00:08:30] MANDATÁRIA DO FUNG… E isso foi quando, senhor engenheiro? Quando é que foi essa... de que data é essa deliberação da Câmara? [00:08:38] TESTEMUNHA: Eu penso que foi em meados de... no início deste ano, agora também não tenho aqui presente os dados concretos de datas. Mas foi, sei lá, fevereiro... acho que antes desta história toda que temos por aí. [00:08:50] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. E não tem dúvidas de que a Porticentro teve conhecimento de tudo disso e que se opôs, é isso que diz, é? [00:09:00] TESTEMUNHA: Sim, sim, neste plano [00:09:01] MANDATÁRIA DO FUNG…: Foi notificada da intenção da Câmara, é isso? [00:09:03] TESTEMUNHA: Foi notificada em função da caducidade, aliás, nos termos do CPA, nós temos que notificar as partes, não é? [00:09:10] MANDATÁRIA DO FUNG…: A audiência prévia? [00:09:10] TESTEMUNHA: Foi notificada da intenção da declaração de caducidade, e defendendo eventualmente os seus interesses, foi uma contestação à deliberação de Câmara.(…) [00:10:54] MANDATÁRIA DO FUNG…: (…) Senhor Engenheiro, diga-me uma coisa, estiveram aqui connosco noutra sessão desta audiência o senhor arquiteto Raposo, que é o arquiteto que foi um dos autores do plano de pormenor, certo? [00:11:18] TESTEMUNHA: Certo. [00:11:20] MANDATÁRIA DO FUNG…: E este senhor arquiteto não colabora com a Câmara? [00:11:24] TESTEMUNHA: Esse senhor arquiteto... [00:11:26] MANDATÁRIA DO FUNG…: É colaborador da Câmara? Diga, diga? [00:11:27] TESTEMUNHA: Claro. Não, não, não temos... não é funcionário da Câmara, não colabora com a Câmara. [00:11:31] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. E o senhor engenheiro Miguel também não, são pessoas que estiveram... [00:11:36] TESTEMUNHA: Também não, são pessoas... [00:11:37] MANDATÁRIA DO FUNG…: ... envolvidas na elaboração do plano? [00:11:39] TESTEMUNHA: Do plano, exatamente! [00:11:41] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. [00:11:41] TESTEMUNHA: Não têm nada a ver... não têm nenhum vínculo ao município. [00:11:44] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. Sabe se o senhor arquiteto e o senhor engenheiro têm conhecimento dessa intenção de caducidade da Câmara? [00:11:53] TESTEMUNHA: Eu diria que, do ponto de vista institucional, a Câmara não os notificou. Não sei se o proprietário os notificou, mas, do ponto de vista de conhecimento, têm. São pessoas com quem nós lidamos e qualquer um deles tem vários processos na Câmara, e por conversas, sei que têm conhecimento do assunto. [00:12:15] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. E a Sra. Dra. Helena, que é jurista da Câmara Municipal de Por…, também tem conhecimento, eventualmente... esta audiência prévia e esta resposta que foi dada pela Porti… está em apreciação jurídica, foi isso que me disse não foi? [00:12:39] TESTEMUNHA: Está em apreciação jurídica, da qual a Dra. Helena é chefe de divisão. [00:12:43] MANDATÁRIA DO FUNG…: Pronto. Portanto, também tem conhecimento desta situação? [00:12:46] TESTEMUNHA: Também tem conhecimento da situação. [00:12:48] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. Enquanto técnico, senhor engenheiro, e uma vez que a deslocação... a relocalização do Estádio do Porti…. é uma... está prevista e é, digamos assim, uma das condições de execução de uma das unidades de execução do plano, esta só por si, ainda que não existisse nenhuma alteração da política que o município pretende estabelecer para o município, só por si, esta impossibilidade de localização importa, das duas uma, ou a realização... ou este plano ser substituído por outro, portanto, fazer-se um novo plano, ou a alteração do existente, num cenário hipotético, em que o caminho não fosse declarar a caducidade do plano? [00:13:50] TESTEMUNHA: Se o caminho não fosse declarar a caducidade do plano, o plano teria que se desenvolver, uma vez que, à partida... portanto, que há fracionamento de propriedade, o plano teria que se desenvolver a partir de agora, a partir de um alvará de loteamento... [00:14:02] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. [00:14:03] TESTEMUNHA: Não é? [00:14:04] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas não tinha que ser alterado, uma vez que uma das unidades de execução que vêm previstas no mesmo não pode ser executada? [00:14:13] TESTEMUNHA: Claro que sim, claro que tinha que ser alterado, alguma coisa tinha que ser alterada, porque se o estádio não sai de lá, o plano em si não tem condições para continuar.(…) [00:17:14] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: Bom dia. Só lhe pedia para... quando lhe perguntaram se o plano neste momento devia ser executado sem [o estádio, começou por dizer que o plano estava em vigor, e depois não concretizou. O plano pode ser executado sem a deslocalização do estádio? [00:17:34] TESTEMUNHA: Não. [00:17:35] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: Não está dividido em várias unidades de execução que podem ser executadas independentemente umas das outras? [00:17:41] TESTEMUNHA: É evidente que o plano pode ser executado por unidades de execução, mas o plano em si, o interesse público da Câmara, no fundo, não era só permitir a edificabilidade na envolvente, mas também criar um espaço verde no centro da cidade, e isso também era uma componente do próprio plano. Ora, se essa componente também não será feita fica, a Câmara entende que, nessa altura, o plano não faz sentido. [00:18:16] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: Certo. [00:18:17] TESTEMUNHA: Porque há uma componente (…) que o plano fazia sentido, embora seja por fases de execução, porque nós sabemos que, economicamente, era impossível fazer, se calhar, o plano de uma vez só, mas o plano em si vale pelo conjunto e não pelos bocados. [00:18:36] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: Pronto, muito bem. E uma outra pergunta: relativamente ao estádio, a decisão ou a questão do plano de que previa a mudança do estádio e a decisão de não mudar o estádio, de esse plano não ir para a frente é de quando, recorda-se? (…) [00:21:15] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: Pronto. É porque a razão da pergunta é que, tanto quanto eu sei, mas gostava que nos confirmasse isso, a decisão de não deslocalizar o estádio é praticamente contemporânea da aprovação do plano de pormenor da Horta do Palácio? (…) de 2012? [00:21:35] TESTEMUNHA: Não consigo... [00:21:37] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: É verdade? [00:21:40] TESTEMUNHA: Diria que, a partir de 2013, com a mudança do executivo. [00:21:44] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: Portanto, desde dois mil e... [00:21:46] TESTEMUNHA: 2013, quando houve as eleições municipais em 2013, efetivamente a Câmara mudou de presidente e diria que, a partir daí, é que se consolidou esta ideia de que o estádio não sairia dali. [00:21:59] ILUSTRE MANDATÁRIA DOS AUTORES: Portanto, desde 2013 pelo menos que se sabe que o estádio, em princípio, não sai dali, e só agora é que a Câmara resolveu comunicar a intenção de revogação? [00:22:09] TESTEMUNHA: Sim, só agora é que... 70- O depoimento supra transcrito, tal como consta na douta sentença recorrida, confirmou a já de si debilíssima prova pericial (para além da flagrante má-fé dos AA.). 71- Com efeito, tal como os Recorrentes há muito sabiam – desde 2013 – a Câmara Municipal de Por.. já havia decidido não deslocalizar o estádio do Porti… pelo que, no mínimo, uma das unidades de execução previstas no PPHP (a UE 3) jamais será executada nos termos previstos no Plano de Pormenor. 72- No entanto, com o total silêncio e conivência dos Autores, o colégio de peritos apresentou ao tribunal um valor de “supostos” direitos de construção no montante de € 19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros) baseado em pressupostos que, conforme se demonstrou, não existem. 73- Pelo que nunca poderá ser considerado provado que “os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de €19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros)” – cfr. Conclusão 19. 74- Não há, pura e simplesmente, prova que sustente tal factualidade sendo, evidentemente, irrelevante, a opinião pessoal da testemunha Hg... que, ciente e conhecedor de todas as vicissitudes e contingências do Plano, optou por as ocultar do tribunal e das partes, conforme se extrai do confronto com o depoimento, credível e isento, da testemunha António José (acima transcrito). 75- Subscreve-se, assim, integralmente a conclusão da M.ª Juiz de 1.ª instância a propósito da prova pericial realizada nos autos: “a alegação de que esses imóveis teriam beneficiado de uma valorização decorrente da aprovação do Plano de Pormenor promovido pelas Autoras teve por base pressupostos sem correspondência com a realidade e, por isso, não ficou demonstrada, atentas as fragilidades da avaliação efectuada nos autos e a falta de outros meios de prova, a que acresce o facto, entretanto conhecido, que a CMP tem intenção de revogar esse Plano de Pormenor”.
O réu …BANCO contra-alegou, por seu turno, o seguinte: “D. Artigos 109, 110 e 160 da Petição Inicial 41. É difícil de acreditar que os Recorrentes pretendam retirar qualquer efeito relevante do teor do Relatório Pericial, tal foi a forma como este foi absolutamente descredibilizado pela fundamentação apresentada pelos peritos para as suas conclusões fundamentais. 42. O momento mais crítico de todos foi aquele em que, em audiência, todos os intervenientes perceberam que, afinal, o valor apresentado pelos peritos como sendo o valor de mercado actual dos prédios e dos direitos de construção que lhes estão associados não considerava o valor de endividamento associado ao PPHP. 43. Ora, estava em causa um conjunto de direitos de construção previstos no PPHP, esse PPHP implicou um endividamento da Recorrente Porti… e das titulares do seu capital social (com prestação de garantias pelos demais), e aquilo que os peritos apresentaram ao Tribunal a quo foi a ideia de que fazia sentido esse endividamento não ser reflectido no cálculo do valor a que procederam. 44. Ora, o peso desse endividamento dificilmente podia ser desconsiderado, como o fizeram os peritos, por se tratar de “questão jurídica”. 45. Por outro lado, também é importante que se frise que, para estimar o impacto do endividamento (garantido pelas hipotecas), não basta fazer as contas de somar e subtrair que os Recorrentes propõem. 46. É preciso considerar também uma série de custos e encargos que decorrem das responsabilidades que a Recorrente Porti… assumiu perante a CMP no PPHP e que, a julgar pelos esclarecimentos prestados em audiência, não estarão todos devidamente reflectidos no valor de mercado calculado no Relatório Pericial. 47. Veja-se o depoimento do Perito Eduardo: Outra mandatária-[00:08:53] Mas ó Sr. eng.º, mas pela configuração dos lotes de acordo com o plano de pormenor e pela configuração actual do espaço onde estão inseridos estes lotes, é evidente que o que lá existe tem que ser demolido para poder permitir a execução do que está previsto no plano. Ou não? Eduardo - [00:09:12] Pois… parece que sim. Eu acho que o plano, pronto, nos encargos que estão adstritos também não é assim claro como tudo, não é? Porque todo este processo é muito… tem uma série de questões que são complexas, não é? [00:09:36] Quer dizer, a Porti… vai fazer o edifício da justiça, vai fazer o edifício da câmara, vai fazer o parque de estacionamento? Quer dizer, eu acho que não está tudo muito claro, isto. Outra mandatária-[00:10:01] Pois, isso nós também achamos. [00:10:03] Ó Sr. eng.º, mas diga-me uma coisa, mas é certo que pelo menos o estádio de futebol, o clube de ténis, isso tem de ser demolido para se poder executar este plano, ou tem de ser relocalizado, tem que sair dali? Eduardo -[00:10:17] Eu não sei até que ponto estas infra-estruturas não vão pôr condicionantes logo a essa situação, não é? Porque estas infra-estruturas terão que passar por algum lado, não é? Os lotes 3, 4, e 5 estão junto ao estádio, do outro lado estão os lotes de… no outro lado, do hotel e os lotes 2 e 3 está na zona de viveiros, na zona de… e isso tudo tem que ser demolido, não é? Outra mandatária-[00:10:45] Pois, é isso. Eduardo -[00:10:47] Porque está incluído aqui neste processo. Outra mandatária-[00:10:49] Tem que ser tudo demolido, não é? Eduardo -[00:10:51] Pois, não se pode fazer o lote 1, 2 e 3 sem desaparecerem os campos de ténis, sem desaparecer… pronto, o que lá está mais, o que é mais, agora não… Outra mandatária-[00:11:02] E é também por essa razão que os… Eduardo -[00:11:03] Tem que desaparecer.~ Outra mandatária-[00:11:04] Sim. Eduardo Gregório -Diga? Outra mandatária-[00:11:05] É também por isso que acha isto tudo um pouco estranho, é isso? Eduardo -[00:11:10] Eu não percebi bem o que a dra. disse. Outra mandatária-[00:11:12] Quando o Sr. eng.º há pouco disse que isto era… não me lembro agora, não quero pôr palavras na sua boca, que era complexo ou que era estranho ou que não… Eduardo -[00:11:20] Exacto, exacto, é isso mesmo. Foi. Outra mandatária-[00:11:25] Pronto, então só relembrando, o vosso valor dos 18 milhões não considera estas demolições, nem estas… porque para si não foram claras, é isso? Eduardo -[00:11:36] Não considera a diferença, não considera a diferença que existe entre as infraestruturas que foram… portanto, entre os valores que no relatório do arquitecto refere como sendo só adstritos à “Poli”… “Porti…. Outra mandatária-[00:12:02] À Porticentro. Eduardo -[00:12:03] … à Porti…o, portanto, essa diferença é que não considera, não é? Este valor que é calculado pelo arquitecto e com base numa perequação coiso, não é considerado. 48. Enfim, a verdade é que os peritos, em audiência, não foram capazes de apresentar um valor unânime e concreto que reflectisse o valor dos direitos de construção mas também considerasse o endividamento e as garantias que lhe estão associadas, bem como outros custos de que está dependente a efectiva implementação do PPHP. 49. Nessa medida, se há coisa para a qual o Relatório Pericial não serve, é para prova do valor de mercado dos prédios da Recorrente Porti… e dos direitos de construção associados. 50. Acresce, ainda, que essa matéria era apenas relevante no quadro do pedido de restituição por enriquecimento sem causa feito contra o Fung…, quadro esse que, perante a manifesta improcedência dos pedidos de nulidade, não se justificava incluir na matéria de facto provada. 51. De resto, sobre a valoração que o Tribunal a quo podia fazer quanto às conclusões do Relatório Pericial, era o que faltava que as questões acima referidas não fossem qualificadas como um erro manifesto (por omissão), com impacto decisivo na validade das conclusões, até para um leigo, quanto mais para um tribunal. 52. Faz, assim, todo o sentido que o Tribunal a quo não tenha dado como provado esse valor de mercado, nem nos termos alegados pelas Recorrentes, nem nos termos defendidos no Relatório Pericial, decisão que deve ser mantida por V. Exas., improcedendo a pretensão dos Recorrentes, o que expressamente se requer. 53. Sobre o facto de os Recorrentes, não só se permitirem defender o teor do Relatório Pericial, como ainda pretenderem retirar do mesmo valores superiores ao que dele consta – quando o erro mais óbvio de todos foi os peritos terem pecado por excesso –, nem merece resposta. 54. Não só valem para essa posição dos Recorrentes os argumentos supra expostos, como a defesa de valores mais elevados que os constantes do Relatório Pericial está para lá daquilo que seria sério discutir numa acção judicial (…)”.
Vejamos:
Conforme decorria do tema da prova n.º 5, por via da consignação do mesmo, constitua tema da instrução dos autos, entre outros, “o acréscimo de valor dos terrenos após a aprovação do PPHP”.
Invocando o alegado nos artigos 109.º, 110.º e 160.º da p.i., pugnam os recorrentes pela inclusão na matéria de facto provada de que, “os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de € 19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros)”.
Importa precisar o que foi alegado pelos recorrentes em sede de articulados.
O artigo 109.º da p.i., na parte relevante, apenas contém a alegação de que o “actual valor dos prédios de que a Porti… é proprietária” é, no mínimo, de € 18.000.000,00”.
No artigo 110.º da p.i., os autores invocam, tão só, que o 2.º réu se conformou com tal, por não ter recorrido das sentenças dos processos onde foi requerida a insolvência da Porti….
E no artigo 160.º da p.i. é alegado que o “Plano de Pormenor (PPHP) … valorizou extraordinariamente o actual activo da Porti… (6 novos lotes de terreno para construção) que, hoje, vale, no mínimo, € 18.000.000,00”.
Entendem os recorrentes que o Tribunal recorrido desvalorizou, indevidamente, a perícia realizada, bem como, os esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência, não incluindo aqueles factos no rol de factos selecionados na sentença recorrida.
Compulsada a factualidade selecionada pelo Tribunal recorrido verifica-se que sobre os lotes de terreno da Porti… e sobre a aprovação do PPHP e momento temporal ulterior a esta aprovação, foram incluídos na matéria de facto provada os pontos 31) a 45) e, nos factos não provados, as alíneas i) e j).
E, afigura-se-nos que, não obstante a específica alínea i) ter consignado como não provado que “avaliadores especializados….” tenham atribuído “aos direitos de construção da Porti… um valor de mercado entre € 18.096.644,00 e € 25.905.000,00”, por referência ao que tinha sido alegado no artigo 99.º da p.i., verifica-se que a referida alegação encontrava-se temporalmente localizada, com referência a Janeiro de 2014, enquanto que, como se viu, pelo menos, a alegação do artigo 160.º da p.i., baliza o valor actual – nos dias de hoje – dos terrenos detidos pela Porti… em, no mínimo, € 18.000.000,00.
Também decorre da perícia realizada que o foi considerado como quesito relevante para a resposta em sede de tal meio de prova, que fosse apurado o valor de mercado dos terrenos detidos pela Porti… “na presente data”, o que implicaria uma determinação do valor atualizado de tais bens.
Ora, dos factos provados apenas o facto n.º 39 se reporta ao valor dos terrenos detidos pela Porticentro, com referência a avaliação – simulação da Autoridade Tributária e Aduaneira – reportada a 2015 e, não, ao momento presente (ou seja, na data mais recente, sujeita à avaliação do Tribunal).
Parece-nos, pois, que tal matéria, corretamente alegada pelos autores e objeto de inclusão nos temas da prova, tendo o Tribunal configurado como relevante o apuramento do valor dos terrenos na data mais actual que pudesse ser considerada, deveria ter sido objeto de seleção, ou na matéria de facto provada – se provada - ou, se indemonstrada, na matéria de facto não provada.
Não o tendo feito o Tribunal recorrido, vejamos em que termos deverá ser objeto de reapreciação por este Tribunal de recurso, uma tal factualidade.
De acordo com os recorrentes, deveria ter-se incluído na matéria de facto provada que “os direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti… e, bem assim, o valor dos prédios de que a sociedade é proprietária é, no mínimo e no pior dos cenários, de € 19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros)”.
Será que os meios de prova produzidos confluem nessa demonstração probatória?
Entendem os recorrentes, como se viu, que a perícia e os esclarecimentos dos peritos levam a uma resposta afirmativa.
Neste ponto, importa considerar em que termos pode o Tribunal divergir ou dissentir do teor de um relatório pericial.
Dispõe o artigo 607.º, n.º 4, do CPC que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
De harmonia com o n.º 5 do mesmo artigo, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Assim, salvo no que respeita a meios de prova que tenham valor legal ou tarifado, o princípio geral que preside ao julgamento é o de que as provas são livremente apreciadas pelo Tribunal.
A prova pericial é, em direito civil, objeto de livre apreciação pelo Tribunal, não se encontrando o juiz vinculado ao sentido probatório alcançado por um dado relatório pericial. Nesse sentido, dispõe o artigo 389.º do CC, com expressa e clara previsão que: “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
Conforme refere Luís Filipe Pires de Sousa (“A valoração da prova pericial”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal (27), 2016, p. 12 e ss.), “a apreciação da prova pericial abrange: (i) A profissionalidade do perito; (ii) A análise dos requisitos internos do laudo pericial e (iii) A observância, na elaboração do mesmo, de parâmetros científicos de qualidade bem como o uso de resultados estatísticos. No que tange à profissionalidade do perito, é curial começar por impor ao perito que apresente o seu curriculum na parte em que este possa evidenciar especial qualificação para a realização da perícia. (…). Cabe ao juiz, em segunda linha, verificar se o laudo é inteligível e não apresenta contradições, ou seja, verificar se o mesmo é coerente. O perito deve ter presente que elabora o laudo para não especialistas pelo que deve fazer um esforço suplementar de expor as suas conclusões de forma clara, precisa e congruente, sem deixar pontas soltas. Quanto à observância de parâmetros científicos (…), o juiz deve analisar se o laudo cumpre os seguintes requisitos: 1- As técnicas e teorias científicas utilizadas para obter dados e conclusões foram já utilizadas previamente, são relevantes e estão geralmente aceites pela comunidade científica internacional. (…). 2- As técnicas utilizadas foram aplicadas segundo os padrões e normas de qualidade vigentes. Apela-se aqui às normas internas de cada profissão em que se incluem normas deontológicas e manuais de boas práticas. 3- O laudo contém informação sobre o nível de erro e sobre a graduação de variabilidade e incerteza dos dados obtidos através da técnica ou teoria científica utilizadas. O que se visa aqui é que o laudo contenha informação estatística contrastável sobre o acerto dos seus resultados. Esse contraste pode ser alcançado pelo recurso a publicações científicas sobre a matéria. Por exemplo, numa singela avaliação de um imóvel, o perito tem de investigar e demonstrar preços de vendas de imóveis similares. (…). 4- O laudo deve sustentar-se em suficientes factos e dados, não devendo o perito bastar-se com meras amostras ou elementos colhidos de forma incompleta ou precipitada. Este conjunto de critérios objetivos permite ao juiz, na ausência de conhecimentos científicos equiparáveis ao do perito, formular um juízo sobre o mérito intrínseco e grau de convencimento a atribuir ao laudo pericial”.
A jurisprudência tem apreciado diversas situações concretas de valoração da prova pericial, podendo colher-se da análise da mesma, designadamente, as seguintes proposições interpretativas:
- Acórdão do STJ de 16-12-2010 (Pº 819/06.9TBFLG.P1.S1, rel. HELDER ROQUE): “No domínio da prova pericial civil, vigora o princípio da prova livre, e não da prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada. O juízo técnico, cientifico e artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova”;
- Acórdão do STJ de 14-07-2016 (Pº 605/11.4TTLRA.C1.S1, rel. ANA LUÍSA GERALDES): “III. A prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo fixada livremente pelo Tribunal conforme prescreve expressis verbis o art. 389º do CC. Tratando-se de prova gerada a partir da emissão de juízos de ordem técnica elaborados por especialistas, a sua livre apreciação apresenta naturais limitações mas não a transforma em prova plena que tenha um valor tal que seja insindicável pelas instâncias e a que estas estejam vinculadas.IV. Estando em causa neste processo um acidente de trabalho, em que o sinistrado, um futebolista, foi submetido a exame médico, com intervenção de peritos médicos, cujo parecer foi junto aos autos, não existe impedimento legal a que o Tribunal da Relação fixe um entendimento divergente daquele, perante motivos de ordem técnica ou probatória que apontem para a sua rejeição ou modificação do seu resultado.V. Em tal circunstância, impõe-se à Relação que ao alterar a matéria de facto provada ou não provada, e ao rejeitar as conclusões do parecer, fundamente devidamente a sua convicção através da ponderação da análise crítica da prova produzida e que, em seu entender, conduziu a uma conclusão diversa. VI. O reforço dos poderes conferidos ao Tribunal da Relação na apreciação e modificação da decisão da matéria de facto, com a publicação do Novo Código de Processo Civil, tem precisamente a virtualidade de colocar os Juízes Desembargadores num plano decisório que, tanto quanto possível, é equivalente ao do Juiz da 1ª instância que presidiu ao exame pericial e realizou o julgamento do caso (…)”;
- Acórdão do STJ de 18-06-2019 (Pº 745/05.9TBFIG.C1.S2, rel. ANA PAULA BOULAROT): “(…) VI A apreciação da prova pericial está sujeita à liberdade de julgamento, uma vez que a força probatória das respostas dos peritos é livremente fixada pelo Tribunal nos termos expressos no normativo inserto no artigo 389º do CCivil”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 11-03-2010 (Pº 949/05.4TBOVR-A.L1-8, rel. BRUTO DA COSTA): “1. No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 2. O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica. 3. A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível. 4. O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação. 5. O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação. 6. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito. 7. A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal – artº 389º do Código Civil”;
- Acórdão da Relação de Évora de 18-10-2018 (Pº 803/06.2TBVNO-A.E1, rel. ANA MARGARIDA LEITE): “Devendo a prova pericial, em processo civil, ser apreciada livremente pelo tribunal, cumpre atender, não apenas à conclusão indicada pelos peritos como resultado do exame efetuado, mas também aos demais elementos constantes do relatório pericial, designadamente aos dados extraídos pelos peritos da análise a que procederam”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 19-06-2014 (Pº 1458/10.5TBEPS.G1, rel. MANUEL BARGADO): “a prova pericial é sempre livremente apreciada pelo tribunal (…), podendo mesmo o tribunal decidir sobre a matéria de facto de modo diferente do inculcado pelo relatório unânime dos peritos, por mais qualificados que estes sejam”;
- Acórdão da Relação de Guimarães de 01-10-2015 (Pº 40/12.7TBSBR.G1, rel. MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO): ”1 – O valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal não vincula o critério do julgador. 2 -. Porém convém não esquecer o peculiar objeto da prova pericial: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina. 3 – E assim se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva”.
- Acórdão da Relação de Guimarães de 26-10-2017 (Pº 5237/16.8T8GMR.G1, rel. MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO): “▪. A prova pericial está, em regra, sujeita à livre apreciação do tribunal (cf. artºs. 389º do Cód. Civil e 498º do Cód. Proc. Civil) quer se trate da primeira perícia quer da segunda, vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (art.º 389 do Código Civil). ▪. Convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (art.º 388 do Código Civil). ▪. Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Mas se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica. ▪. Porém o juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre a questão proposta, não integrando tal categoria, os juízos de probabilidade ou meramente opinativos. ▪. Por isso, quando tal não sucede, quando o perito, em vez de emitir um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre a questão proposta, emite uma probabilidade, uma opinião ou manifesta um estado de dúvida, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, este decide livre de qualquer restrição probatória e portanto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, onde deverá ter na devida conta que a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita – artº342º nº2 do C. Civil e que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita- artº 414º do CPC.”;
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-02-2019 (Pº 2587/17.0T8BRG-A.G1, rel. MARIA AMÁLIA SANTOS): “O que é pedido ao perito é que faça uma observação técnica - mas objetiva -, do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação. Devem ser arredados dessa avaliação técnica opiniões e avaliações subjetivas, capazes de influenciar a atuação livre e imparcial do julgador. A perícia é apenas um meio de prova que deve ser avaliado livremente pelo tribunal (embora com as limitações que lhe são imposta pelos juízos técnicos dela constantes), e conjuntamente com outras provas, tudo conjugado à luz do princípio da livre apreciação da prova”.
Em suma: Na livre apreciação da prova pericial, não basta que o juiz forme uma mera convicção do foro subjetivo num determinado sentido. A sua convicção tem de assentar numa certeza racional, segundo juízos de probabilidade séria, mostrando que apreciou a prova com base nas regras da experiência atendendo à particularidade do caso e que, em virtude de uma tal apreciação, o meio de prova merece, ou não, uma determinada valia probatória.
Ora, conforme resulta dos autos, o Tribunal recorrido não deixou de avaliar os aludidos meios de prova, especificando fundamentadamente a razão pela qual não assentou na realidade dos elementos probatórios derivados da perícia e dos esclarecimentos prestados pelos respetivos peritos, considerando que a perícia “de pouca ou nenhuma influência já tem na demonstração da causa de pedir dos Autores, designadamente, a valorização dos terrenos da Porti… com (e por causa da) a aprovação do PPHP”, salientando que, nem esse meios de prova, nem os esclarecimentos, “levaram em linha de conta, para a avaliação, a circunstância de os prédios estarem onerados – no caso, com hipotecas – o que, necessariamente, tem decisiva influência na determinação desse mesmo valor”.
Neste ponto, esta asserção e as demais considerações expendidas pelo Tribunal recorrido sobre tais meios de prova têm plena pertinência, pois, de facto, não é a mesma coisa avaliar um imóvel com e sem ónus sobre ele existentes, designadamente, quando se pretende apurar o respetivo valor de mercado (valor de negociação com terceiros), sabendo-se – constituindo mesmo facto notório – que um determinado bem tem um valor se não for objeto de penhora ou de hipoteca e assim for transacionado e que, terá outro, bem menor, se sobre ele incidir algum daqueles ónus. Caberia, claramente, considerar em que medida o ónus das hipotecas incidentes sobre os prédios da Porticentro desvalorizariam ou afectariam o valor gerado pela criação de novos lotes.
A fls. 688 dos autos – página 5 do relatório pericial – os Senhores Peritos evidenciam que o valor do cálculo efetuado pressupõe que ao direitos de construção associados ao PPHP se encontram livres de ónus e encargos, sendo que, na realidade, sobre os prédios a que tais direitos se referem, incidem, com a oneração correspondente (cfr. artigos 686.º e 687.º do CC), pelo menos, as hipotecas a favor do 2.º réu, tanto mais que, se encontra registada, no registo predial, desde 23-06-2017, acção com vista à declaração da nulidade das hipotecas e do seu registo, com pedido do respetivo cancelamento (cfr. fls. 62 a 81 dos autos).
Também chamou o Tribunal recorrido a atenção para um aspeto que foi, de facto, “minimizado” pelos peritos: A possibilidade de o PPHP vir a ser revogado, não vindo a ser executado, aspeto que, na confluência com o depoimento de Agostinho e da intenção de revogação do PPHP pela Câmara Municipal de Por… (intenção já materializada em assembleia municipal de 15-01-2020), a que se reportam os documentos juntos pelos recorrentes no culminar da audiência de julgamento, pelo requerimento de 09-07-2020, não pode deixar de criar no espírito do julgador, a conclusão de que o valor dos terrenos em questão será consideravelmente afectado se tal “intenção” de revogação, vier a ser concretizada.
É certo que, poderá dizer-se que, quanto àquele último elemento – a comprovação da intenção da Câmara Municipal de Por… em revogar o PPHP - , que, como se viu, apenas chegou aos autos, em 09-07-2020, com ele não poderiam contar os Senhores Peritos, uma vez que a perícia foi realizada em anterior momento, tendo o relatório pericial respetivo sido junto aos autos por requerimento de novembro de 2019. Contudo, tal aspeto apenas sublinha ou evidencia a desarmonia substantiva da perícia realizada que, por muito acutilante ou precisa que fosse em novembro de 2019, não serve de grande valia – ou, nas palavras do Tribunal recorrido: “(…) é de concluir que, nesta fase, este meio de prova pouca ou nenhuma influência já tem...” – para a aferição do valor invocado como sendo o dos terrenos na data mais recente de aferição pelo Tribunal (a relevante para a fixação de indemnização pelo Tribunal, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 566.º do CC).
Certo é que, tais elementos de prova – a perícia e os respetivos esclarecimentos - não assumem um carácter de objetividade, de concludência, de precisão e de determinabilidade sobre o valor actual dos terrenos da Porticentro que determinasse que o Tribunal devesse ter seguido, inexoravelmente, a pauta valorativa que os Senhores Peritos, ainda que, com alguma inconstância, seguiram.
Repare-se, por exemplo, que na página 33 do relatório pericial é afirmado que, “(…) devido à actual conjuntura de revisão do PDM de Por… e à não execução do Plano de Pormenor que já foi aprovado em 2011, os peritos admitem que poderá existir algum risco (o qual será sempre de quantificar) da revogação do Plano de Pormenor da Horta do Palácio. Sem prejuízo do antecedente, e uma vez que o presente documento se reporta à data actual, os valores atribuídos consideram como plausível a situação presente, ou seja, que o Plano de Pormenor da Horta do Palácio ainda se encontra em vigor e existe a possibilidade de vir a ser executado. De qualquer forma, mesmo que o mesmo não venha a ser concretizado, os peritos consideram como bastante plausível que os 21.300m2 tenham uma edificabilidade semelhante à prevista no PPHP, uma vez que a capacidade construtiva deste foi calculada considerando o previsto no PDM.”
Ou seja: Os Senhores Peritos admitiram a existência de um risco – a quantificar em termos de afetação de valor (ainda que se mantenha a edificabilidade prevista no PPHP, nos termos que referenciaram) – de revogação do Plano de Pormenor da Horta do Palácio, mas desconsiderando tal possibilidade, sem consistente fundamentação, considerando que o plano tinha sido aprovado em 2011 e em 2019 – data da perícia – ainda não tinha sido iniciada a respetiva execução, consideraram a vigência e possibilidade de execução do mesmo, não avaliando o aludido impacto de o Plano vir a ser revogado e, em definitivo, não executado.
Não se compreende, ademais, em que assenta o elevado grau de “plausibilidade” na manutenção da área edificável em futura revisão, considerando que, o que se encontra em revisão é precisamente o elemento em que os Peritos “ancoraram” uma tal convicção: O Plano Diretor Municipal de Por…
E, daí que, tudo considerado, não mereça censura o facto de o Tribunal não ter alinhado pelo diapasão de tais meios de prova.
Quanto ao mais, por outros meios de prova, não foi produzida qualquer demonstração probatória cabal no sentido de que o valor dos direitos de construção atribuídos pelo PPHP à Porti…, ou que o valor dos prédios por si detidos seja, no mínimo, de € 19.130.000,00, ou sequer, de € 18.000.000,00, não merecendo os valores aventados pelos Senhores Peritos aderência com a realidade, não só pelos pressupostos em que assentaram, como na ausência de consideração das contingências referidas, que, embora representaram quanto ao risco de revogação do PPHP (que não, quanto à oneração dos prédios a que se reportam os direitos de construção), não impactaram no valor que apuraram.
Os demais elementos probatórios produzidos nos autos, não foram concludentes, determinativos ou precisos, no sentido de que se pudesse assentar em algum dos valores supra mencionados como o valor dos direitos de construção/prédios da Porticentro.
Desde logo, o PPHP, prevendo embora unidades de execução para o plano- cfr. artigo 30.º e ss. (abrangendo a UE1: parte da área constituída pelos prédios que estiveram na origem do anterior Alvará 6/80, propriedade da Porti…, dando origem à criação de 4 lotes (Lotes 04,05,06 e 07)) – não contempla qualquer alguma quantificação de valor quanto a tais prédios da Porticentro, não se podendo inferir como correto ou preciso algum dos valores aventados pelos recorrentes.
Por sua vez, J... referiu que os dados de que o banco dispunha apontavam para valores dos terrenos da Porti… – com referência a 2012 – que variavam entre os 7.500.000,00 de euros e os 8.000.000,00 de euros, muito diversos, segundo referiu, daqueles em que os recorrentes os avaliavam, então, na ordem dos 18 a 19 milhões de euros.
R..., por seu turno, aludiu a avaliação – reportada a 2018 – de € 3.090.000,00, nos termos que concretizou.
Os demais meios de prova nada permitiram aduzir de relevante sobre esta matéria.
Assim, considerando tudo o exposto, entende-se que a matéria correspondentemente alegada pelos recorrentes ficou indemonstrada, o que sempre deverá ser incluído no rol dos factos não provados.
De acordo com o exposto, deverá aditar-se ao rol dos factos não provados duas novas alíneas m) e n) – do seguinte teor: “m) Que o actual valor dos prédios de que a Porti… é proprietária seja, no mínimo, de € 18.000.000,00. n) Que o Plano de Pormenor (PPHP) tenha valorizado o actual activo da Porticentro, valendo, hoje, no mínimo, € 18.000.000,00”.
* E) Se deve aditar-se à matéria de facto provada o seguinte: “Quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva”?
A este respeito, a alegação dos recorrentes é a seguinte: “a-5) No art. 159º da sua P.I., os AA. alegaram que: “Quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva.” Para prova deste facto juntaram o Doc. 20 que constitui um balanço da sociedade reportado a 2007. Os RR. impugnaram este facto, mas não apresentaram qualquer contraprova que pusesse em causa o teor do documento ou o facto alegado. Este facto é também essencial para apurar o valor do enriquecimento do 1º R. Fung… em caso de procedência dos pedidos de nulidade formulados pelos AA. e do consequente reingresso da Porti… no património daquele R.. Será a diferença entre o valor actual dos activos da Porti… e o valor por que estavam contabilizados à data do acto nulo que determinará o valor do enriquecimento do 1º R. (tendo também de se deduzir do resultado o valor do passivo). Deverá, por isso, aditar-se o seguinte facto aos factos provados: Quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva”.
Contrapôs o réu FUNG… o seguinte: “(…) 76- Nas Conclusões 20 e 21 os Autores pugnam pelo aditamento ao elenco dos factos provados da seguinte factualidade: g) “Quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva.” 77- Segundo defendem, este facto foi alegado no artigo 159.º da P.I., “provado” pelo “balanço da sociedade reportado a 2007” ali junto sob documento 20 e que não foi minimamente posto em causa no decurso da audiência ou objecto de qualquer contraprova. 78- Desde logo, o ora Recorrido não só impugnou o artigo 159.º da P.I. (cfr. artigo 84.º da contestação de fls…) como impugnou expressa e fundamentadamente o documento 20 da P.I. 79- Na verdade, consta do artigo 85.º da contestação do Fung…: “Vão ainda impugnados os documentos juntos sob as páginas (…), 231 a 237 de 742 (Balancete Geral Porti… 2007) por dos mesmos não se poder extrair qualquer ilação e/ou resultar qualquer demonstração dos factos para cuja alegada prova foram juntos. Com efeito e resumidamente: (…) ii) o valor contabilístico dos imóveis registado no Balancete Razão de 2007 não equivale ao valor de venda dos mesmos. O FUNG… não transmitiu imóveis, transmitiu a totalidade do capital social da sociedade cujo valor global foi avaliado, obviamente, de acordo com outros/mais critérios (…)” 80- Pelo exposto, cabendo o ónus da prova do facto alegado no artigo 159.º da P.I. aos Autores e tendo o mesmo sido especificada e motivadamente impugnado pelo Réu, cabia-lhes ter apresentado contraprova que demonstrasse o alegado. 81- O balanço de 2007, pelas razões oportunamente apontadas, é evidentemente insuficiente para o efeito pretendido – sibi imputet!”.
E o réu … BANCO contra-alegou, nos seguintes termos: “E. Artigo 159 da Petição Inicial 55. A matéria em causa diz respeito ao valor “inicial” dos terrenos, i.e. ao valor que os mesmos tinham no dia 05.11.2007, data de cessão de quotas da Recorrente Porti…. 56. Valem para essa matéria as considerações tecidas acima sobre a inutilidade da matéria para a decisão a proferir. 57. Também o valor inicial dos terrenos só relevaria para o remoto cenário de enriquecimento sem causa do Fungepi, o que, como sabemos, e bem, não se chegou a colocar. 58. Além disso, ainda que se pudesse considerar relevante o valor de mercado dos terrenos à data da transacção, esse valor certamente não seria o mero valor contabilístico, que é a única coisa que o documento n.º 20 da Petição Inicial (balanço da Recorrente Porti… em 2007) prova. 59. Mais rapidamente – atrevemo-nos a defender – se devia considerar que o valor de mercado “inicial “dos terrenos era próximo do valor que as adquirentes aceitaram pagar, e o alienante aceitou receber, pela cessão de quotas da sua proprietária (da qual era o único activo) em 05.11.2007, ou seja, € 6.850.000. 60. Assim sendo, quer (i) porque o valor “inicial” dos terrenos não era matéria essencial para a decisão a proferir, quer (ii) porque não foi feita prova nos autos sobre essa factualidade, bem andou o Tribunal a quo ao não dar como provada qualquer matéria de facto a esse respeito, devendo essa decisão ser mantida por V. Exas., o que se requer”.
O facto que os recorrentes pretendem seja aditado à matéria de facto provada tem por génese a alegação que produziram no artigo 159.º da p.i., com referência ao documento n.º 20 que então juntaram (cfr. fls. 116).
Em causa no mesmo está saber se, em 5/11/2007, quando o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os oito lotes de terreno tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real, por se tratarem de terrenos sem qualquer aptidão construtiva.
Sucede que, conforme alegado pelo réu FUNG…, tal alegação foi impugnada expressamente – artigo 84.º da contestação – e sobre o documento n.º 20 – foi o mesmo impugnado no artigo 85.º da contestação, onde se referiu que “o valor contabilístico dos imóveis registados no Balancete Razão de 2007 não equivale ao valor de venda dos mesmos. O FUNG… não transmitiu imóveis, transmitiu a totalidade do capital social da sociedade cujo valor global foi avaliado, obviamente, de acordo com outros/mais critérios”. “A contestação torna litigioso o direito afirmado ou a coisa discutida em juízo” (assim, Teixeira de Sousa; Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1996, p. 253).
De harmonia com o disposto no artigo 571.º do CPC, na contestação cabe tanto a defesa por impugnação como a defesa por exceção.
Ora, na realidade, o facto alegado pelos autores foi impugnado pela contraparte, na decorrência do ónus de impugnação previsto no artigo 574.º do CPC.
E, nessa medida, na observância do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC – onde se estabelece que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” – caberia aos autores demonstrar, probatoriamente, a realidade do facto alegado.
Ou seja, conforme se afirmou, com inteiro acerto no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 4013/15.0T8LRS.L1-7, rel. ANA RODRIGUES DA SILVA): A “consequência da impugnação efectuada pelos RR. (…) é a circunstância de incumbir aos AA. a prova dos factos relativos a tais documentos”.
Sucede que, não o tendo feito – não sendo, ademais, indicado pelos recorrentes outro meio de prova para além do aludido documento n.º 20, também ele impugnado e, por isso, sujeito à livre apreciação do julgador (cfr. artigo 366.º do CC) – o facto correspondente não pode dar-se como provado.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 513, em anotação ao art. 444º do CPC, “Caso o apresentante do documento não logre fazer prova da genuinidade do documento, o mesmo fica destituído da força probatória consignada no art. 376º, nº 1 do CC, mas poderá, não obstante, contribuir para a livre convicção do juiz sobre os factos controvertidos com base na sua maior ou menor credibilidade (STJ, 15-4-04, 04B795 E SRJ 14-2-17, 2294/12)”.
Ora, os elementos probatórios carreados para os autos, incluindo o mencionado documento n.º 20, nada permitem demonstrar de concludente sobre a realidade do facto vertido no artigo 159.º da p.i., ao contrário do que pugnam os recorrentes.
Com efeito, nem o balancete em questão comprova a situação contabilística na data mencionada no aludido artigo da petição (05-11-2007), dado que se reporta ao exercício de 2007, nem se pode concluir que os oito lotes de terreno constituíssem o únco activo da sociedade Porti… – não o demonstrando as demais rubricas e valores constantes do mencionado balancete – sendo que, no mais, se conclui como referido pelo réu FUNG…, no sentido de que o valor contabilístico dos imóveis registados no Balancete Razão de 2007 não equivale ao valor de venda dos mesmos, sendo certo que, em 05-11-2017 não foi realizado qualquer negócio de alienação ou transmissão dos imóveis, mas sim, o da transmissão da totalidade do capital social da Porti…. O valor deste, o do negócio realizado e os demais elementos dos autos não permitem concluir no sentido da demonstração probatória do valor contabilístico dos imóveis em causa, nem do demais alegado no artigo 185.º da p.i., matéria que, assim, ficou indemonstrada.
Veja-se, por exemplo, que L … referiu que “chegaram” (com o Banco) a acordo quanto ao valor, tendo a transação sido de € 6.850.000,00 (salientando, inclusive que uma avaliação anterior – que datou em 2004 – avaliava o valor dos terrenos em € 7.599.000,00), afirmação que, desde logo, não permite concluir que o valor inscrito no balancete da Porticentro fosse correspondente ao valor “real” dos terrenos que tal sociedade detinha. O mesmo se diga em face do valor constante no “dossier de apresentação” de fls. 56 e ss. dos autos, onde se menciona que o valor do terreno apresenta um preço de referência de € 7.000.000,00.
Assim, na ausência de demonstração probatória do alegado no mencionado artigo 185.º da p.i., a mesma deveria ser incluída no rol de factos não provados.
A igual conclusão se chegaria pela aplicação do disposto no artigo 414.º do CPC, preceito do qual decorre que a dúvida sobre a realidade de um facto é resolvida contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja, no caso, os recorrentes, que o alegaram.
Trata-se de preceito que, conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pp. 486-487), tem natureza substantiva, “encontrando eco tanto no art. 342.º, n.º 3, do CC, segundo o qual, em caso de dúvida, deve considerar-se que os factos são de natureza constitutiva, como no art. 346.º do CC, quando a situação duvidosa decorre da apresentação de contraprova por uma das partes relativamente a prova apresentada pela outra”.
Não obstante o referido, considerando que a matéria em questão, apesar de não provada era, em si mesmo, relevante para a apreciação da causa (uma vez que nela poderia situar-se um apoio para a pretensão gizada pelos autores, podendo entender-se como expressão de factos constitutivos do alegado pelos autores), a mesma deverá ser incluída no rol de factos não provados.
Improcede, pois, o invocado pelos recorrentes, muito embora seja de incluir no rol dos factos não provados a matéria, não demonstrada, correspondente.
Assim, deverá aditar-se ao rol dos factos não provados uma nova alínea – o) – do seguinte teor: “o) Que, quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti.. às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva.”.
* F) Se o facto provado n.º 12) deve ser eliminado dos factos provados?
Alegaram os recorrentes, para este efeito, o seguinte: “(…) b-1) Pontos 12 e 16 dos Factos Provados Nestes pontos, a Mma. Juiz a quo considerou provado que: Ponto 12 - “Desde essa data (3/4/2001) que a Porti…, Lda., à data detida pelo 1º Réu, procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João … e Pedro ….” (parêntesis nossos) Ponto 16 - “Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos, e essa informação constava do processo camarário referente a esse imóvel.” Por muito que as testemunhas Manuel.. e Fernando … tenham afirmado estes factos, ele são frontalmente desmentidos pelos seguintes documentos: I) - Proposta de prestação de serviços profissionais apresentada por este Gabinete de Arquitectura datada de Janeiro de 2007 (documento 1 junto com o requerimento dos AA. de 6/7/2020). Neste documento, pode ler-se na pág. 4: “B. INTRODUÇÃO A área sobre a qual incide o conjunto de estudos a efectuar localiza-se no centro de Por…, foi anteriormente objecto de Operação de Loteamento, emissão do respectivo alvará, realização das obras de infraestruturas e edificação do lote então designado por lote 3. Importa apurar e definir: B1. Situação das infraestruturas e sua eventual entrega ao Município; situação das áreas de cedência; delimitação correcta da área disponível para loteamento e edificação; situação cadastral da propriedade.” Este texto significa e só pode significar que, à data da sua elaboração, em Janeiro de 2007, o 1º R. não fazia a mínima ideia do que se passava com o caducado alvará 6/80 e não fazia ideia do que se podia ou não podia construir nos terrenos que constituíam o seu objecto, caso contrário, não faria qualquer sentido contratar os serviços de arquitectos especializados para apurar e definir uma situação de que já tinha conhecimento através de contactos ao mais alto nível do Município. II) As duas facturas que constituem os Docs. 2 e 3 juntos com o requerimento dos AA. de 6/7/2020 de onde decorre que o contrato com este Gabinete de Arquitectura foi assinado em 2/2/2007 e que o respectivo Estudo Prévio foi entregue ao 1º R. em 10/8/2007. Este serviço foi encomendado aos arquitectos em Janeiro de 2007 e foi contratado em 2/2/2007 (conforme factura que constitui o Doc. 2 junto com o requerimento dos AA. de 6/7/2020) quando já havia negociações entre os AA. e o 1º R. para a venda dos terrenos desde 2006. Entre 2 de maio de 2001 (data do trânsito em julgado da decisão do STA que manteve e confirmou a decisão de cassação do alvará) e Janeiro de 2007 (data da contratação dos arquitectos), o 1º R. não fez nada para valorizar os terrenos. Só quando já estava em negociações com os AA. é que encomendou este serviço que estes manifestamente não queriam e não quiseram. E isto é confirmado pela proposta de serviços que refere a existência de “novos accionistas” da Porti…, o que permite supor que este serviço se destinava especificamente a ser apresentado/vendido aos aqui AA.”.
Sobre esta pretensão dos recorrentes, o réu FUNG… contrapôs o seguinte: “(…) 82- Defendem os Recorrentes que o facto julgado provado sob o número 12, infra transcrito, deve ser eliminado – cfr. Conclusões 23. e 24. “Desde essa data que a Porti…, Lda., à data detida pelo 1º Réu, procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João e Pedro.” 83- Consta da fundamentação de facto da douta sentença recorrida: “Já por banda dos Réus, a prova testemunhal que fizeram produzir revelou-se coerente, credível, objectiva e abrangente quanto às diversas fases que o relacionamento com os Autores conheceu ao longo do tempo. Com efeito, as testemunhas Manuel e Fernando fizeram um adequado enquadramento, no tempo e no conteúdo, do relacionamento iniciado com a família Cab…, a partir do “assunto Porti…” e dos activos que integravam esta sociedade, geridos por um fundo imobiliário dedicado à reestruturação de crédito, e não a investimentos (o primeiro), e dos factos ocorridos aquando e após as negociações que conduziram à cessão de quotas da Porti…, já cronologicamente posteriores (acompanhados já pela segunda testemunha). Ambos os depoimentos foram esclarecedores e objectivos – o depoimento da testemunha Fernando revelou-se, aliás, concludente –, tendo permitido ao Tribunal apreender cabalmente a sucessão de factos no tempo, assim como a posição do 1º Réu e dos Autores neste processo. É de notar que ambas estas testemunhas estão já desligadas profissionalmente do Fundo, o que ajudou a evidenciar o total à vontade com que prestaram os seus depoimentos, que valeram para prova dos pontos 12., 13. (conjugadamente com os documentos de fls. 529 e seguintes, aí referidos, 14., 15. (com fls. 484-486), 16., 17., 18., 19., 20. e 21. desse mesmo elenco” 84- De acordo com os Recorrentes, porque existem facturas emitidas ao atelier de arquitectos associados João e Pedro com datas de 02.02.2007 e 10.08.2007, o facto acima transcrito não pode dar-se como provado devendo entender-se, pelo contrário, que, entre 2001 e Janeiro de 2007, o 1.º Réu “não fez nada para valorizar os terrenos”. 85- Para além dos documentos de fls… 529 e seguintes englobarem duas propostas distintas do mesmo atelier de arquitectura (uma de 06.11.2006 e outra de 13.03.2007 – cfr. facto provado, não impugnado, n.º 14) – o que por si só contraria a afirmação de que apenas em Janeiro de 2007 o Fung… começou a desenvolver alguma actividade nos prédios da Porti…, também os depoimentos das testemunhas Manuel e Fernando (cujos excertos mais relevantes infra se transcrevem) comprovam que o percurso lógico-cognitivo subjacente à formação da convicção da M.ª Juiz a quo é correctíssimo: Depoimento da testemunha comum aos Réus Manuel Sessão de 1 de Julho de 2020 Depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 1.ª instância, "H@bilus Média Studio", com início às 9h56m e fim às 10h57m(…) [0:04:30.9] MANDATÁRIA DO FUNG…: Ora bem, Senhor engenheiro, antes de começarmos concretamente a olhar para os temas objeto desta ação e ao que gostaríamos que se pronunciasse, eu gostaria que fizesse um pouco o seu enquadramento à data de 2007 porque o negócio que está aqui a ser posto em crise nesta ação remonta a 2007 que é precisamente a aquisição por parte da família Cab…a da empresa Porti…. E, portanto, gostaria que o Senhor engenheiro enquadrasse um pouco na altura o que é que fazia e porquê que este assunto. O que é que acompanhou este assunto? [0:05:13.6] TESTEMUNHA: portanto, como eu tinha dito há bocado, portanto, era gestor da sociedade gestora de fundos imobiliários, que tinha como gestão esse fundo e portanto, dentro desse fundo Fung…, existiam vários ativos imobiliários, entre os quais algumas sociedades imobiliárias. Esses fundos eram fundos de restruturação de crédito, portanto não eram fundos que fossem utilizados para fazer desenvolvimento de projetos novos, que se quisessem implementar, não era isso. Portanto, eram fundos que recebiam ativos decorrentes de problemas de créditos do banco, do Banco Espírito Santo, na altura. E, portanto, os fundos eram detidos, as unidades de participação eram maioritariamente do grupo Banco Espírito Santo, não é. E, portanto, o que é que acontecia? Os ativos eram comprados pelo fundo e com o produto dessa venda ao fundo, portanto os antigos devedores ao banco, entregavam o dinheiro para resolver as dívidas que tinham ao banco. Portanto, isto eram fundos de reestruturação financeira, empresarial não era de pessoas individuais. Pronto. No, digamos, no contexto de resolução do problema de uma antiga empresa chamada AGERG, portanto havia esta empresa Porti… que tinha uns terrenos em Por…, nos quais tinha desenvolvido um projeto, não é, que chegou a contruir uma torre que está lá, não é, uma torre muito alta. E, portanto, havia um projeto, mas que depois, não sei por que motivo, houve, portanto problemas com essa urbanização, que deram origem à, portanto à cassação, à anulação do alvará e portanto a AGERG estava sem condições para fazer face às dívidas que tinha perante o Banco Espírito Santo e decidiu entregar, entre aspas não é, entregar esse ativo portanto que era uma sociedade Porti…, que detinha aqueles terrenos não é, que ficam mesmo por trás da Câmara Municipal de Por…, entre a Câmara e o Estádio do porti…. Portanto essa situação em que entrou, foi adquirida pelo Fungepi. O Fung… foi falar com a Câmara no sentido de se tentar reestabelecer novamente aquele alvará de loteamento que tinha estado em funções e, portanto, em execução não é, que chegaram a ser construídos edifícios lá e a Câmara na altura disse que aquilo era totalmente inviável à luz do novo PDM e portanto tínhamos de desenvolver um novo projeto de loteamento para poder fazer alguma coisa com aqueles terrenos, não é. [0:08:50.2] MANDATÁRIA DO FUNG…: Senhor Engenheiro, desculpe, deixe-me só interrompê-lo, portanto segundo percebi, este activo entrou para o Fungepi devido a uma dívida de um terceiro ao Banco Espirito Santo. As coisas correram mal e eles em vez de ficarem em dívida normalmente entregaram a sociedade que depois entrou para dentro do Fung… que, se bem percebi, tinha outros projetos. Portanto, no fundo, olha para os ativos, tenta, enfim, rentabilizá-los ao máximo em termos de capacidade edificativa e depois vende, é isso? [0:09:24.1] TESTEMUNHA: para vender, exatamente. Portanto o objetivo, era muito mais fácil vender lotes de terreno, não é, do que vender uma sociedade até porque os lotes seriam, enfim, valores muito mais baixos do que o valor de uma sociedade não é e, portanto, é muito mais fácil fazer uma transação de lotes de terreno. Portanto nós estávamos nesse processo em que foi contratado o arquiteto Pedro que infelizmente está com problemas muito complicados de saúde, já teve vários episódios complicados e, portanto, infelizmente não pode estar aqui connosco hoje. O arquiteto Pedro foi contratado, o atelier não é. Portanto começamos a diligenciar no sentido então de desenvolver um novo alvará de loteamento para aqueles terrenos. A primeira situação que tinha que se resolver era a situação jurídica dos lotes e dos terrenos não é – tinha de se resolver aquilo, portanto estava também um solicitador que habitualmente costumava trabalhar com o arquiteto Pedro a trabalhar nessa situação para resolver isso tudo para se fazer o projeto e se apresentar o projeto na câmara, tivemos várias reuniões na câmara. Estava portanto, o projeto que tinha sido desenvolvido, não estava concluído atenção, ou seja um estudo volumétrico tinha sido desenvolvido pelo arquiteto Pedro foi, na altura, acolhido com bastante agrado por parte da câmara, até porque aquilo era uma situação muito incómoda para a câmara de Por… porque são uns terrenos que ficam mesmo por trás da câmara de Por…. São terrenos que estão baldios, que estão, portanto, que servem de estacionamento, digamos selvagem, não é. E portanto, no verão é pó, no inverno é lama, portanto aquilo é uma situação complicadíssima e portanto, eles viram com muito bons olhos que se desenvolvesse o projeto e aquele projeto estava desenvolvido dentro daquilo que eram as linhas que a câmara considerava, na altura, adequadas para se resolver a situação. [0:11:49.2] MANDATÁRIA DO FUNG…: portanto estiveram a conversar com a câmara e contrataram o arquiteto Ferreira e foram, no fundo construindo um estudo que depois permitia a concretização do projeto, não é? [0:11:59.7] TESTEMUNHA: Exatamente. (…) [0:16:26.9] MANDATÁRIA DO FUNG…: E isso na câmara foi explorado, para esticar mais… [0:16:30.3] TESTEMUNHA: Claro. A primeira reação que nós tivemos quando recebemos aquilo foi vamos recuperar o alvará antigo porque realmente eram noventa mil metros quadrados de construção no centro de Por…, não é, aquilo era valiosíssimo, não é. Mas a câmara recusou imediatamente. Disse que nem pensar, não é possível fazer isto, umas torres altíssimas, aquilo não se enquadra na perspetiva da câmara de momento e, portanto, nem pense em fazer uma coisa dessas. Está fora de causa. Foi aí que nós então, contactamos com o arquiteto Ferreira para desenvolver o estudo dentro daquilo que eram os parâmetros que a câmara considerava que se enquadravam nos objetivos da câmara(…) [0:23:48.8] TESTEMUNHA: pois… isso, como é obvio, se o alvará pudesse ser reativado, nós teríamos seguido esse caminho, não é. Como, nas reuniões que tivemos com a Câmara, nos foi dito claramente que aquela volumetria que estava no alvará anterior era totalmente desconforme com aquilo que eram os propósitos da câmara para aquela localização, nós abandonámos a ideia e contratámos um arquiteto que custou um dinheirão, não é, que o fundo pagou. O fundo teve de pagar tudo, não é, porque independentemente da família Cab… usar ou não usar o projeto, nós tivemos que pagar a parte do projeto que já estava feita. Foi feita, mas pronto, foi dinheiro deitado fora, digamos não é. Mas foi isso que foi feito não é, e, portanto, isto são coisas muito evidentes para quem se movimenta nesta área do imobiliário, não é. Digamos que são os princípios básicos …(…) [0:30:08.5] ILUSTRE MANDATÁRIO DO …BANCO: São três perguntas muito simples. Uma é sobre – o Senhor engenheiro disse que vocês na sociedade receberam a Porti…, portanto perceberam que havia ali um tema com o alvará e que se terão dirigido à câmara para perguntar se aquilo podia ser reativado, aqueles noventa mil e que a câmara disse “nem pensar”. Eu não sei se ficou muito claro, mas tenho de lhe fazer a pergunta. Isto tudo aconteceu, antes da família Cab… se aproximar de vocês com a intenção de adquirir aquilo, portanto, certo? [0:30:31.3] TESTEMUNHA: Sim. [0:30:34.4] ILUSTRE MANDATÁRIO DO …BANCO: e o Senhor engenheiro teve participação ativa nestas conversas com a câmara? [0:30:34.4] TESTEMUNHA: claro, claro.(…) [0:47:50.0] MANDATÁRIA DOS AUTORES: pronto e então o que é que eu lhe peço? Se temporalmente consegue situar isto. Pronto, antes depois e durante é fácil. Mas tem uma ideia de quando é que foram as negociações com a família Cab…? Em que ano pelo menos? [0:48:06.3] TESTEMUNHA: eu penso que deve ter sido 2007, penso que sim. [0:48:10.9] MANDATÁRIA DOS AUTORES: as reuniões que teve com a família Cab… terão sido em 2007 e a contratação […] [0:48:15.1] TESTEMUNHA: sim e foi relativamente rápido, portanto não foi uma situação muito complexa. Foi uma situação que se desenvolveu de uma forma relativamente rápida.(…) [0:49:34.7] MANDATÁRIA DOS AUTORES: pronto, mas para nós era importante saber a data da celebração deste contrato, para perceber depois o desenvolvimento dos trabalhos do arquiteto Ferreira e quando é que isso aconteceu. [0:49:44.6] TESTEMUNHA: pois. Mas não tenho essa data. Não me recordo. [0:49:47.8] MANDATÁRIA DOS AUTORES: pronto. Muito bem. E reuniões na câmara de Por…. Quantas teve? Com quem? [0:49:52.5] TESTEMUNHA: portanto, a sequência foi esta. Nós tivemos reuniões inicialmente só na câmara de Por…, só, portanto a administração da Fimoges não é, nomeadamente a minha pessoa. [0:50:07.7] MANDATÁRIA DOS AUTORES: com quem da parte da câmara? [0:50:09.2] TESTEMUNHA: da câmara, com o presidente da câmara.(…) [0:50:25.4] TESTEMUNHA: portanto tivemos essa reunião exatamente para colocar em cima da mesa essa possibilidade da reativação do alvará que seria a primeira obviamente, e em princípio seria a situação mais simples, não é – que é reativar uma coisa que já tinha estado em vigor e, por qualquer motivo, tinha deixado de estar. Mas, portanto, o nosso primeiro objetivo foi reativar o alvará. ora, portanto, a câmara, portanto, colocou logo de parte essa possibilidade. Atendendo à volumetria do projeto que era uma volumetria que consideravam exagerada. Penso que já vinha de outra vereação anterior que tinham aprovado uma coisa com a qual esta vereação não concordava. Isto também se passa normalmente com muitas câmaras e, enfim é uma situação também perfeitamente normal e, portanto, foi abandonada a hipótese de reativar o alvará e imediatamente entrámos em contato com arquitetos, não é. E depois estivemos a negociar com vários arquitetos. Chegámos à conclusão de que aquele que tinha melhores condições para desenvolver esse projeto era o arquiteto Pedro e pronto, e fizemos o contrato com ele, ele começou a trabalhar e, portanto, recebe de acordo com aquelas tranches que são estipuladas. Normalmente isso são coisas que são standard nestas negociações, não é. [0:51:59.2] MANDATÁRIA DOS AUTORES: eu vou perguntar-lhe na reunião, se calhar dir-me-á nas reuniões, mas na reunião que teve com a família Cab… e quando lhes apresentou o projeto … [0:52:09.3] TESTEMUNHA: Senhora Doutora, peço desculpa, só uma coisa. Não cheguei a referir que depois também tive reuniões na câmara com o arquiteto Pedro. [0:52:15.9] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Foi lá com o arquiteto Ferreira? [0:52:16.8] TESTEMUNHA: Sim, sim. Pronto e aí foi o arranque do processo. A Senhora Doutora tinha perguntado isso e eu fiquei só pela primeira parte, não respondi à segunda. Portanto também estive com o arquiteto Ferreira na câmara de Por.. [0:52:31.0] MANDATÁRIA DOS AUTORES: isso já seria quê? 2007? [0:52:35.0] TESTEMUNHA: talvez não. Talvez fosse ainda 2006.(…) Depoimento da testemunha comum aos Réus Fernando Sessão de 1 de Julho de 2020 Depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 1.ª instância, "H@bilus Média Studio", com início às 10h59m e fim às 11h42m(…) [00:04:40] MANDATÁRIA DO FUNG…: Obrigada. Ora bem, o Senhor Engenheiro já fez o enquadramento de como é que estava no banco, quais era as funções que desempenhava. Vamos tentar aqui cingir-nos à questão que aqui nos traz nesta ação, que é este negócio que está a ser posto em causa neste processo é a transmissão da Sociedade Porti… para as Sociedades Crediférias e …golf, da família Cab…, que por sua vez eram participadas pela família Cab…. Esta transmissão ocorreu em novembro de 2007. O Senhor Engenheiro Leite já fez o enquadramento de como é que esta Sociedade entrou para dentro do fundo e, portanto, eu agora queria, a dado passo, o assunto passou a ser mais acompanhado pelo Senhor Engenheiro. Aquilo que eu queria era que nos fizesse, que procurasse, eu sei que isto passou-se em 2007, há treze anos atrás, fazer, ir buscar à sua memória quando é que começou a ter intervenção e em que termos. [00:05:51] TESTEMUNHA: Está bem. Está bem, sim, senhor. Pronto então, não se importa que eu de vez em quando olhe para uma cábula … [00:05:57] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não, não, faz favor. [00:05:57] TESTEMUNHA: … que eu escrevi aqui com a minha letra, não está por ninguém, estes gatafunhos são meus. Vamos lá ver, o que eu me lembro é o seguinte. Eu lembro-me que havia um alvará de loteamento caducado, porque na Porti… se propôs a construção, salvo erro, de noventa mil metros quadrados e que não era possível e que a Câmara não aceitou e que na altura, no tempo do Engenheiro Leite, foi contratado o Arquiteto Ferreira para adaptar aqueles terrenos, que são os terrenos Prime Por…, por trás da Câmara, que pegam com, bordejam com a rua que separa depois para o estádio do Porti…. Portanto, aquilo não pode ser mais central, não pode ser melhor. De maneira a que eles pudessem vir a ter, a termos outro alvará de loteamento, pronto. E nessa altura o que se promoveu foi a construção de vários prédios. Lembro-me de estar a ver os projetos,e lembro-me que tivemos umas questões com as vias de desaceleração e de aceleração no acesso às garagens, número de lugares das garagens, houve uma série de reuniões com as Câmaras, com a Câmara, para que nesse projeto, que eram, o terreno são dezanove mil e novecentos metros quadrados, mais ou menos, eram vinte e cinco mil metros quadrados acima do solo e vinte e três mil metros quadrados abaixo do solo, era basicamente, em grandes números, aquilo que se estava a fazer. E eu quando entro, sou uma pessoa de bastante dinâmica comercial, consegui… É-me apresentado o Senhor H..., que trazia este Senhor, é filho dele, e que…(…) [00:22:02] TESTEMUNHA: …informámos da situação do alvará, informámos os metros quadrados, informámos os projetos que tínhamos. Eu não consigo recordar se nas reuniões que tive com a Câmara os Senhores também foram, não consigo dizer, portanto, não vou dizer nem que sim nem que não, não me lembro, não me lembro. Eu tive várias reuniões com a Câmara e no gabinete do presidente da Câmara onde isto foi falado, porque era, repare, para uma Câmara ter um estacionamento em terra, quando chove fica um lamaçal enorme, mesmo pegado atrás da Câmara, no centro de uma cidade, não é um cartaz de visita bonito, não é. E havia muito interesse que as coisas se fizessem e nós estávamos a fazer aquilo que era possível para adequar as áreas de construção ao PDM e àquilo que era permitido. E pronto, era isto. 86- Tal como já constava da douta motivação de facto, quer o teor de fls… 529 e seguintes dos autos, quer os excertos dos depoimentos acima transcritos, impõem que o facto n.º 12 se mantenha no elenco da factualidade provada (…)”.
Contra-alegou o …BANCO o seguinte: “(…) B. Ponto 12) da matéria de facto provada 81. Os Recorrentes entendem que a documentação relativa ao contrato celebrado com o atelier de arquitectos do Dr. Pedro (de 2007) contraria os depoimentos das testemunhas Manuel e Fernando, quanto à diligência do Fungepi/BES na valorização do activo imobiliário. 82. Contudo, percebe-se desses depoimentos que ninguém afirmou que o novo projecto a cargo daquele atelier esteve em preparação logo desde 2001. 83. Em rigor, o que flui daqueles depoimentos é que, desde que iniciaram funções (Manuel, em 2005), a sua preocupação foi articular-se com a CMP no sentido de perceber as directrizes exigidas pelo município para a aprovação de uma nova operação de loteamento, e que foi com base nessa informação obtida junto da CMP que, entre final de 2006 e início de 2007, a elaboração desse projecto foi solicitada ao atelier de arquitectos: Mandatária-[00:08:51] Desculpe, deixe-me só interrompê-lo. Portanto, se bem percebi, este activo entrou para o FUNG…, devido a uma dívida de um terceiro ao Banco Espírito Santo, as coisas correram mal e eles em vez de liquidarem a dívida normalmente, entregaram a sociedade que depois entrou para dentro do FUNG… que, se bem percebi, não desenvolve os projectos. Portanto, no fundo olha para os activos, tenta, no fundo rentabilizá-los ao máximo, em termos de capacidade edificativa, e depois vende é isso? Manuel Azevedo -[00:09:24] Para vender, exactamente. Portanto, o objectivo... Mandatária-[00:09:25] Para vender, não era para desenvolver projecto. Manuel -[00:09:27] Não, não era, o objectivo não era. Mandatária-[00:09:28] Muito bem. Manuel -[00:09:29] Agora, para vender era muito mais fácil vender lotes de terreno, não é, do que vender uma sociedade, até porque os lotes seriam, enfim, valores muito mais baixos do que o valor de uma sociedade e, portanto, era muito mais fácil fazer uma transacção de lotes de terreno. Portanto, nós estávamos nesse processo em que foi contratado o arqt.º Pedro, que infelizmente está com problemas muito complicados de saúde, já teve vários episódios complicados e, portanto, infelizmente não pode estar aqui connosco hoje. [00:10:11] O arqt.º Pedro foi contratado, o atelier, portanto, começámos a diligenciar no sentido então de desenvolver um novo alvará de loteamento para aqueles terrenos. A primeira situação que tinha que se resolver era a situação jurídica dos lotes e dos terrenos, não é, tinha que se resolver aquilo, portanto, estava também um solicitador que habitualmente costumava trabalhar com o arqt.º Pedro, trabalhar nessa situação para resolver isso tudo, para se fazer o projecto e apresentar o projecto na câmara, tivemos várias reuniões na câmara. Estava, portanto, o projecto que tinha sido desenvolvido, não estava concluído, atenção, tanto que... ou seja, o estudo volumétrico que tinha sido desenvolvido pelo arqt.º Pedro foi na altura acolhido com bastante agrado por parte da câmara, até porque aquilo era uma situação muito incómoda para a câmara de Por…, porque são os terrenos que ficam mesmo por trás da câmara de Por…, são terremos que estão baldios que estão... portanto, servem de estacionamento, digamos, selvagem e, portanto, no Verão é pó, no Inverno é lama, portanto aquilo é uma situação complicadíssima e, portanto, eles viram com muitos bons olhos que se desenvolvesse o projecto, e aquele projecto estava desenvolvido dentro daquilo que eram as linhas que a câmara considerava na altura adequadas para se resolver a situação. E pronto. Mandatária-[00:11:5 ] Portanto estiveram a conversar com a câmara, articulados com o Sr. arqt.º Ferreira e foram, no fundo, construindo um estudo que depois permitiria a submissão do projecto. Manuel -[00:12:00] Exactamente. (…) Outra mandatária-[00:48:28] Sim. E o contacto com... ou melhor o primeiro contacto com o gabinete do arqt.º Ferreira para desenvolvimento do projecto de loteamento? Manuel -[00:48:42] Isso deve ter sido para aí 2006. 2006. Eu entrei em Julho de 2005, o meu primeiro objectivo foi vender uma série de coisas que tínhamos que eram muito valiosas e, portanto, estive concentrado em realizar dinheiro, não é, para os detentores do fundo, que era o banco, e depois penso que deve ter sido em 2006 que comecei, digamos, a tratar daqueles assuntos mais complicados que era este caso, não é, que era uma situação de um terreno que não tinha alvarás... 84. Por fim, também não se vê qualquer utilidade na discussão vazia sobre se o Fung…/BES começou, activamente, a promover a valorização do activo logo em 2001 ou apenas a estudá-la, 85. Quando o que resulta do ponto 12) da matéria de facto provada é que, no período de tempo que mediou entre o trânsito em julgado da decisão que declarou a caducidade do Alvará n.º 6/80 e as negociações com os Recorrentes, o Fung…/BES não promoveu a venda da sociedade nos termos em que se encontrava, antes tendo procurado vias de valorizar o activo, para o tornar mais atractivo para potenciais compradores. 86. Improcede, assim, obviamente, esta pretensão dos Recorrentes”.
Apreciando:
O facto provado n.º 12) é do seguinte teor: “Desde essa data [2001, altura em que foi julgada em definitivo a improcedência do recurso de anulação contra o acto de declaração de caducidade do Alvará de Loteamento n.º 6/80] que a Porti…, Lda., à data detida pelo 1.º Réu, procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João e Pedro ”.
Tal factualidade foi, nomeadamente, alegada pelo réu FUNG… (cfr. artigos 94.º a 96.º da respetiva contestação).
Entendem os recorrentes que os documentos 1, 2 e 3, juntos com o requerimento dos autores de 06-07-2020 não permitem uma tal demonstração probatória.
Ora, o Tribunal recorrido enunciou que a sua convicção probatória sobre a realidade do facto n.º 12 assentou no seguinte: “(…) as testemunhas Manuel e Fernando fizeram um adequado enquadramento, no tempo e no conteúdo, do relacionamento iniciado com a família Cab…, a partir do “assunto Porti…” e dos activos que integravam esta sociedade, geridos por um fundo imobiliário dedicado à reestruturação de crédito, e não a investimentos (o primeiro), e dos factos ocorridos aquando e após as negociações que conduziram à cessão de quotas da Porti…, já cronologicamente posteriores (acompanhados já pela segunda testemunha). Ambos os depoimentos foram esclarecedores e objectivos – o depoimento da testemunha Fernando revelou-se, aliás, concludente –, tendo permitido ao Tribunal apreender cabalmente a sucessão de factos no tempo, assim como a posição do 1º Réu e dos Autores neste processo. É de notar que ambas estas testemunhas estão já desligadas profissionalmente do Fundo, o que ajudou a evidenciar o total à vontade com que prestaram os seus depoimentos, que valeram para prova dos pontos 12. (…)”.
Ora, de facto, os depoimentos de Manuel e Fernando foram objetivos, uniformes e concludentes sobre a conduta do 1.º réu no sentido da rentabilização, da melhor forma possível, do activo imobiliário que consistia nos terrenos detidos pela Porti…..
Manuel explicou que, no âmbito do problema de uma antiga empresa – AGERG – que detinha a Porti…, a mesma tinha uns terrenos em Por…, nos quais tinha desenvolvido um projeto, tendo entregue esse activo que foi adquirido pelo FUNG…. Referiu que, após tal ingresso, o 1.º réu foi falar com a Câmara no sentido de se tentar reestabelecer novamente o alvará de loteamento que tinha estado em funções, sendo que a Câmara disse, então, que a execução desse loteamento era totalmente inviável à luz do novo PDM, pelo que, o 1.º réu tomou a opção de desenvolver um novo projeto de loteamento. Explicitou que – referindo-se a momento anterior ao do negócio com os autores – “… nós estávamos nesse processo em que foi contratado o arquiteto Pedro (…) Portanto começamos a diligenciar no sentido então de desenvolver um novo alvará de loteamento para aqueles terrenos. A primeira situação que tinha que se resolver era a situação jurídica dos lotes e dos terrenos não é – tinha de se resolver aquilo, portanto estava também um solicitador que habitualmente costumava trabalhar com o arquiteto Pedro nto a trabalhar nessa situação para resolver isso tudo para se fazer o projeto e se apresentar o projeto na câmara, tivemos várias reuniões na câmara. Estava portanto, o projeto que tinha sido desenvolvido, não estava concluído atenção, ou seja um estudo volumétrico tinha sido desenvolvido pelo arquiteto Pedro foi, na altura, acolhido com bastante agrado por parte da câmara, até porque aquilo era uma situação muito incómoda para a câmara de Por.. porque são uns terrenos que ficam mesmo por trás da câmara de Por… (…) eles viram com muito bons olhos que se desenvolvesse o projeto e aquele projeto estava desenvolvido dentro daquilo que eram as linhas que a câmara considerava, na altura, adequadas para se resolver a situação”.
Por seu turno, em moldes concordantes com o referido por Manuel, Fernando salientou que foi contratado o arquitecto Ferreira para proceder a uma adaptação dos terrenos, uma vez que o alvará anteriormente existente se encontrava caducado.
Ora, se é certo que os documentos 1, 2 e 3 juntos com o requerimento de 06-07-2020, denotam uma proposta de prestação de serviços de janeiro de 2007, por parte da sociedade de arquitectos João e Pedro (na qual se menciona que, a mesma se destinava à elaboração de projetos para a urbanização da Horta do Palácio, sinalizando-se que, a área a estudar foi “anteriormente objecto de Operação de Loteamento, emissão do respectivo alvará, realização das obras de infraestruturas e edificação do lote então designado por Lote 3”, importando definir a situação das infraestruturas, eventual entrega ao Município, situação das áreas de cedência, delimitação correcta da área disponível para loteamento e edificação e situação cadastral da propriedade), não se pode considerar demonstrado – por qualquer meio de prova (nisso não tendo sido, ademais, concludentes os mencionados depoimentos de Manuel e Fernando ) – que antes de finais de 2006 (datando a primeira proposta dos arquitectos João e Ferreira de 06-11-2006 – cfr. facto provado n.º 13) ), o 1.º réu tenha desenvolvido alguma promoção no sentido de nova operação de loteamento, pelo que, o facto consignado no ponto n.º 12 dos factos provados apenas poderá considerar-se demonstrado parcialmente, que, a partir de finais de 2006 foi promovida a promoção do referido activo imobiliário da Porti…, nos termos infra concretizados, devendo, a parte não provada, ser incluída nos factos não provados.
De acordo com o exposto, importa alterar a redação do facto provado n.º 12, que passa a ser a seguinte: “12. A Porticentro, a partir de finais de 2006, à data detida pelo 1.º réu, procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João e Pedro.
E, nos mesmos termos, deverá ser aditada aos factos não provados, uma nova alínea – p) – do seguinte teor: “p) Que o referido em 12) dos factos provados tenha ocorrido desde a data referida em 11)”.
* G) Se o facto provado n.º 16) deve ser alterado para a seguinte redação: “Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos”?
Os recorrentes, entre as invocações já antes citadas, adiantaram que: “(…) ao contrário do que se dá por provado na parte final do ponto 16 dos factos provados, não há um único documento nos autos que comprove ou de que se resulte que o estudo prévio elaborado pelo atelier de arquitectura em janeiro de 2007 alguma vez tenha integrado o processo camarário referente aos prédios da Horta do Palácio. E não houve qualquer testemunha, seja arrolada pelos AA., seja arrolada pelos RR., que tenha prestado depoimento nesse sentido. Aliás, face ao que está provado no ponto 18 dos factos provados – que esta operação de loteamento nunca chegou a dar entrada formal junto da Câmara Municipal de Por… - não faria qualquer sentido que a informação sobre este estudo prévio relativo a este projecto de loteamento alguma vez tivesse estado no processo na camarário. Assim, o teor dos 3 documentos juntos com o requerimento dos AA. de 6/7/2020 impõe a eliminação do facto provado no ponto 12 dos factos provados. O teor do ponto 18 dos factos provados e a ausência de qualquer meio de prova que sustente a parte final do ponto 16 dos factos provados impõem a alteração da redacção deste ponto para a seguinte: “Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos”.
O réu FUNG… contrapôs o seguinte: “(…) iii)Da proposta de alteração à redacção do facto provado n.º 16 87- Resulta provado sob o n.º 16 dos factos provados: “Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos, e essa informação constava do processo camarário referente a esse imóvel.” 88- De acordo com os Recorrentes “o teor do ponto 18 dos factos provados e a ausência de qualquer meio de prova que sustente a parte final do ponto 16 dos factos provados (…)”, isto é, que a informação da caducidade do alvará constava do processo camarário referente ao imóvel, impõem a alteração da redacção deste ponto para a seguinte (cfr. Conclusão 25.): “Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos” 89- Na verdade, consta dos autos prova que atesta que o processo camarário relativo ao loteamento objecto do alvará 6/80 continha informação relativa a essa caducidade, a saber, documentos da Câmara Municipal de Por… relativos ao processo de declaração da caducidade do alvará 6/80, bem como Acórdão do STA que conheceu em definitivo da respectiva impugnação judicial (fls. 144 e seguintes e 187 e seguintes), 90- Bem como prova que, curiosamente, foi junta pelos próprios Autores à sua P.I., a saber, cópias do “Parecer n.º 55/95” e do “Pedido de 30.08.2000 dirigido à Conservatória do Registo Predial e Comercial de Por…”, ambas da Câmara Municipal de Por… – cfr. páginas 284, 408 e 409 dos documentos juntos pelos Autores à sua petição inicial. 91- Mas ainda que assim não se entendesse, atento o princípio da limitação dos actos previsto no artigo 130.º do CPC, sempre estaria a pretensão dos Autores condenada a improceder. 92- Com efeito, reitera-se, se os Autores confessam que, à data do negócio, sabiam da caducidade do alvará 6/80, a alteração de redacção requerida relativamente ao artigo 16. dos factos provados revela-se totalmente inócua, inútil e, consequentemente, proibida – idem artigo 130.º do CPC”.
Por seu turno, contra-alegou o …BANCO o seguinte: “(…) C. Ponto 16) da matéria de facto provada 87. Os Recorrentes interpretam o ponto 16) no sentido de decorrer do mesmo que a informação sobre o estudo prévio solicitado ao atelier de arquitectos constava do processo camarário, e insurgem-se dizendo que não foi feita prova nesse sentido. 88. Contudo, parece-nos óbvio que a informação a que se refere esse ponto da matéria de facto provada como constando do processo camarário não é sobre o estudo prévio, mas sim sobre a caducidade do Alvará n.º 6/80 – sobre isso, a prova existe e é suficientemente clara. 89. Por isso, não faz qualquer sentido a alteração da redacção do ponto 16) da matéria de facto provada, que assim se deve manter, o que se requer”.
Ora, quanto a este ponto, não se vislumbra que a razão esteja com os recorrentes.
De facto, o vertido no ponto 16) dos factos provados consigna que, aquando da apresentação do negócio pelos réus aos autores, estes foram informados da caducidade do alvará, do estudo prévio entretanto efetuado e, bem assim, que a informação da caducidade do alvará antes existente constava, de facto, do processo camarário referente ao imóvel em questão.
Ora, como bem se compreende, a informação a que se reporta o facto provado n.º 16) é a da caducidade do alvará de 1980 e, não, alguma referente ao estudo prévio realizado pelos arquitectos contratados em 2006/2007.
Não existe, pois, qualquer incompatibilidade com o vertido no facto provado n.º 18), sendo perfeitamente congruente com a prova produzida e completamente inteligível o consignado no mencionado facto provado n.º 16).
Aliás, a testemunha Hg... precisou que os autores, ainda antes de comprarem, procuraram saber como poderiam reativar o alvará, perceber porque é que o mesmo foi caducado.
Tal foi confirmado por L… , que referiu – reportando-se a momento anterior ao da aquisição das quotas- ter-se dirigido à Câmara Municipal de Por… com vista a obter elementos de confirmação junto desta edilidade, demonstrando saber claramente que o alvará do loteamento de 1980 se encontrava caducado.
O documento de fls. 114 v.º corrobora o pedido de obtenção de documentos pela Crédiférias junto da Câmara Municipal de Por… (datando tal documento de 30-08-2007, ou seja, em momento anterior ao da transação das quotas da sociedade Porti…).
Ora, quanto ao mais, claramente se conclui que o 1.º réu forneceu aos autores um “dossier de apresentação” dos terrenos, no qual se referenciava, não só a possibilidade de aquisição da sociedade detentora dos terrenos, como também que o alvará antes existente se encontrava caducado.
Vejam-se os seguintes documentos:
- Fls. 56 a 61 (“dossier de apresentação”): “Está em curso uma operação de loteamento com os seguintes parâmetros: Quadro de áreas: Área do Terreno: 19.954 m2 Área de Construção acima do solo: 25.940 m2 Área de Construção abaixo do solo: 23.550 m2 Habitacional: 20.700 m2; Comércio/Serviços: 5.240 m2 Garagem em cave: 23.550 m2 N.º Fogos: 152 N.º unidades comerciais: 35 lojas N.º Pisos (abaixo do solo): 3 (acima do solo): 7 (…) Nota: Tendo em conta que este activo pertence a uma empresa e é o único activo desta, podemos considerar que se faça a venda da própria sociedade (…) ANEXO (Projecto de Loteamento em curso) (…)”.
- Fls. 134-135: O alvará de loteamento, consagrando elementos aprovados sensivelmente diversos daqueles que constam mencionados no “dossier de apresentação” acima referido;
- Fls. 136 a 152 e 203 e 204: Documentos camarários certificativos da caducidade do alvará de loteamento de 1980.
- Fls. 479 a 482 e 529 a 542: Documentos referentes à intervenção da autoria dos arquitectos João e Ferreira o, onde expressamente se faz referência ao “cancelamento do alvará de loteamento, por incumprimento, devido às dificuldades experimentadas pela entidades promotora (ofício 4994 de 30.04.96)”, constando do anexo I – fls. 542 – as duas propostas de tal equipa de arquitectos, datadas de 06-11-2006 e 13-03-2007.
O mencionado L… confirmou que uma empresa escolhida pelos autores realizou uma “due diligence” no sentido de aferir a situação da Porti…, expressando que a entidade que a fez referenciava que o alvará de loteamento estava caducado, o que o referido depoente disse: “já sabíamos…”.
De igual modo, Nuno salientou que “havia conhecimento de que o alvará estava caducado…daí que a opção acabou por ser a aquisição da sociedade [Porti…]”.
Inequívoco foi também o depoimento de Manuel e de Fernando, os quais, cada um à sua maneira é certo, referenciaram que o alvará de loteamento de 1980 se encontra caducado, tendo sido transmitido aos autores a informação sobre este aspeto e sobre o novo estudo que estava a ser promovido por iniciativa do 1.º réu, apontando para diferente área de construção – agora de 25.000m2- ao invés do que constava no loteamento de 1980 (que previa cerca de 90.000 m2). Disse o primeiro, que foram disponibilizados aos autores os documentos que foram pedidos da Porti… e designadamente o novo processo de loteamento em curso. Referenciou que os autores, “logo na altura disseram que tinham ideias de desenvolver um projecto com uma abrangência muito maior…não se manifestando interessados” no prosseguimento dos trabalhos de estudo do arquitecto Ferreira. O segundo salientou que “tudo o que estava à nossa posse foi entregue” aos autores, sendo que todos os documentos que estavam na posse do 1.º réu foram entregues, asseverando, designadamente, a entrega de uma “brochura”.
Conjugados todos os mencionados meios de prova, não merece censura a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido em torno da demonstração probatória do facto provado n.º 16), inexistindo qualquer razão que justifique a alteração de redação preconizada pelos recorrentes.
O recurso de impugnação sobre a matéria de facto em apreço é, nesta parte, improcedente.
* H) Se o facto provado n.º 21) deve ser eliminado dos factos provados?
Consideram ainda os recorrentes que deve ser eliminado o facto provado n.º 21). Para tanto, alegaram o seguinte: “(…) b-3) Ponto 21 dos Factos Provados Neste ponto, a Mma. Juiz a quo considerou provado que “A família Cab….. é uma conhecida família de empresários algarvios, detentora de diversas sociedades com vasto património imobiliário e com experiência nos sectores da construção civil e promoção imobiliária/turística.” Este facto não se provou. Vejam-se os depoimentos coincidentes e esclarecedores das seguintes testemunhas: Da testemunha Helena: Minuto 17:55 a 18:34 Mandatária 1: Muito bem. Ó Sra. Dra., uma última pergunta. De, de, do seu… única e exclusivamente do seu trabalho na Câmara e do seu contacto profissional, conhece mais algum projeto imobiliário ligado a estas empresas: Crédiférias, …golf e Porti…? E se conhece, também, outros projetos imobiliários em que tenham estado envolvidos a família Cab…? Isto é, o que eu pergunto é: é uma família, ou é um grupo societário que se dedica publicamente e conhecidamente ao imobiliário na área, no concelho de Por…? Que saiba, que saiba. Helena : Não, eu desconheço, desconheço qualquer outro projeto no município. E, aliás, esses nomes foram sempre associados, creio eu, a agências de viagens, ou rent-a-car,uma coisa assim, mas projetos imobiliários, no município de Por…, desconheço. Da testemunha João: Minuto 19:40 a 20:24 Mandatária 1: Certíssimo. Pronto. Última, última questão: esta, esta, estas empresas eram empresas que se dedicassem a… ao imobiliário? Tinham grandes projetos, eram… tinham grande experiência nesta área do imobiliário? João: A Crediférias… Mandatária 1: A Crediférias. João: …era uma empresa que estava… sim, a Crediférias era uma empresa que estava a desenvolver um projeto imobiliário na altura, em Vila…, um loteamento de moradias. Mandatária 1: Certo. João: Eles tinham também uma empresa mais pequena, na área das agências de viagens, mas que era um negócio também da família. Depois, era uma empresa que era detentora de algum património, agora não tenho conhecimento de, de terem desenvolvido muitos projetos para além deste de Vila…, não, pelo menos eu não os acompanhei. Estas testemunhas trabalham e residem em Port.,.., uma na Câmara Municipal de Por… e outra no …Banco, S.A.. Se o facto em causa fosse efectivamente verdadeiro seria de esperar que estas pessoas soubessem. A verdade é que nenhum delas ligou a família Cab… à construção civil, não lhe conhecendo mais nenhum projecto imobiliário que não seja um pequeno loteamento em Vila…. De resto, não se fez qualquer prova nos autos do “vasto” património alegadamente titulado pelos AA. Sobre este assunto, tudo o que se provou sobre a Família Cab… é que eram “bons clientes” do Banco, tendo os representantes do 1º R. que com eles negociaram – Manuel e Fernando - presumido (sem conseguirem concretizar um único facto objectivo que sustentasse tal afirmação e sem terem feito qualquer averiguação séria) que os AA. eram conhecedores do mercado imobiliário. Deverá, por isso, ser este facto eliminado do rol dos factos provados”.
O réu …BANCO contrapôs o seguinte: “D. Ponto 21) da matéria de facto provada 90. Os Recorrentes não aceitam que se tenha considerado provada a experiência empresarial da Família Cab…, alegando que não foi feita prova da mesma. 91. Ora, veja-se o teor dos seguintes depoimentos, que nos parecem fundamentar devidamente aquilo que o Tribunal a quo deu por provado: Fernando -[00:07:49] … se foi o Centro de Empresas do Algarve. Já não me lembro. E como era uma empresa, a Porti… estava no fundo, e eu era o responsável, era eu que dirigia a negociação. [00:08:00] Eu tive sempre uma óptima relação com os senhores, não tenho nada a dizer, sempre demonstraram que eram muito conhecedores de tudo o que envolvia o imobiliário e nomeadamente em Por…, porque são gente dali, uma óptima relação com a câmara. Isso foi uma coisa que nos foi sempre transmitida e que nos dava confiança também para podermos fazer o negócio. Outra mandatária-[00:08:21] Mas transmitido por quem? Pelos próprios? Fernando -[00:08:23] Por eles. Quer dizer, sentia-se na relação que eram umas pessoas que sabiam muito bem do que é que estavam a falar, não andavam ali caídos do céu, era uma experiência que iam fazer. De todo. [00:08:32] Também, veja bem, ninguém para fazer um negócio destes, com esta dimensão, 25.000 metros quadrados de área bruta acima do solo é muita área, são dois hectares e meio de construção, não é qualquer um que sabe fazer isto e que domina esta mecânica. Tem que se ter experiência, não se começa a vida a fazer aquela quantidade de prédios e a fazer aquela sofisticação técnica que era preciso ter. E que vende-se a Porti…, porque se considerou que era um negócio possível, havia benefícios fiscais por se comprar a empresa porque… não sei se naquela altura ainda havia Sisa, se já era IMT, eu perco-me, e comprando a sociedade, não há necessidade de pagar IMT, e também era a forma como nós tínhamos esses imóveis alocados, estavam numa sociedade, e o que era… sensato e adequado à data era que a sociedade fosse vendida com os seus activos. Mandatária-[00:07:03] Sr. dr., e diga-me uma coisa, portanto, eram clientes BIC que depois com a fusão que foi em 2005 passaram a clientes do Banco Espírito Santo e a informação que passou… porque naturalmente houve pessoas dos quadros do Banco Internacional de Crédito que integraram o Banco Espírito Santo e que os acompanhava e, portanto, se era um cliente private e se era um cliente em termos de grupos de empresas que era acompanhado depois por vós, era um bom cliente? Era um cliente considerado? Nuno -[00:07:37] Sim. Sem sombra de dúvidas. Um cliente, por aquilo que me apercebi, desde logo bastante conceituado, conhecido, nomeadamente na praça de Por…, uma família também com raízes ali na praça de Por…e que era considerado um bom cliente do banco. 92. Por fim, dizer também que é mais uma discussão oca a de saber se o património das sociedades era vasto ou não, ou se as mesmas se dedicaram ou não, ao longo de décadas, ao sector da construção. 93. O que releva para a decisão destes autos é que nenhum dos interlocutores dos Recorrentes teve dúvidas em afirmar que estes tinham a experiência e os conhecimentos – além dos contactos privilegiados – para compreenderem todas as variáveis dos negócios que celebraram, mais até do que esses interlocutores. 94. Por tudo isso, deve manter-se provado o ponto 21) da matéria de facto, o que se requer”.
Vejamos:
Em questão está o facto constante do n.º 21) do rol dos factos provados de acordo com o expresso na decisão recorrida.
Em tal facto dá-se como assente que “a família Cab… é uma conhecida família de empresários algarvios, detentora de diversas sociedades com vasto património imobiliário e com experiência nos sectores da construção civil e promoção imobiliária/turística”.
Conforme resulta da motivação decisória da sentença recorrida, o Tribunal assentou na prova de tal facto na sequência da análise efetuada sobre os depoimentos das testemunhas Helena Marta onde, nas páginas 20 e 21, se escreveu o seguinte: “Quanto às testemunhas Helena e Marta, a credibilidade dos respectivos depoimentos foi afectada, quer pelo teor dos mesmos, quer pela relação de proximidade que mantêm com os Autores; veja-se, quanto à testemunha Helena , que a mesma, sendo jurista da Câmara Municipal de Por… (e tendo reconhecido ser amiga do Autor L… ), declarou conhecer o processo do PPHP, bem como as diligências promovidas pelos Autores junto da Câmara e com o Banco ora Réu (antes, com o BES) para desbloquear a situação jurídica dos terrenos – veja-se que o seu nome consta da documentação referente ao processo que conduziu à caducidade do alvará 6/80 (a testemunha assina a informação emitida pelo Gabinete de Apoio Jurídico da Câmara em 6.11.1995, que se pronunciou no sentido do cancelamento do alvará, cf. fls. 141). Fica, porém, a perplexidade quando a testemunha também declarou que desconhece as razões pelas quais o PPHP nunca foi executado e, mais ainda, nenhuma referência fez, a este propósito, à recentíssima tomada de posição da Câmara, no sentido da proposta de revogação deste Plano de Pormenor, ocorrida no passado mês de Janeiro, e já dada a conhecer à Porti… (cf. acta da reunião ordinária de 15.01.2020 e exercício do direito de audiência prévia pela Porti…, na pessoa do Autor L…, como gerente – fls. 840 e seguintes e 853 e seguintes); aliás, quando perguntada, a testemunha deu a entender que é normal os planos de pormenor demorarem algum tempo a ser executados – não sendo minimamente credível, atentas as regras da experiência comum, que esta testemunha, com as funções que exerce na Câmara, não tivesse conhecimento deste último e mais recente facto, ocorrido já na pendência da acção (cf. também o depoimento da testemunha Agostinho). Tudo isto coloca em dúvida a idoneidade do depoimento prestado por esta testemunha – para mais, uma pessoa próxima do Autor L… – e, em última instância, afecta significativamente a posição defendida pelos Autores, no sentido em que desconheciam por completo – antes do negócio com os Réus e por omissão deliberada destes – a caducidade do alvará e a sua irreversibilidade. Já quanto à testemunha Marta, Advogada, apesar de a própria ter reconhecido que só conhece este assunto “por alto”, sendo deputada na assembleia municipal de Por… desde 2013 (na oposição), sem nunca ter exercido funções camarárias, ficou também por explicar qual o seu concreto papel no seio das sociedades Autoras; sendo certo que, como a própria informou, representou muitos anos a família Cab…, como mandatária judicial, verifica-se que a mesma chegou a ser membro do Conselho de Administração (com o Autor L…) de, pelo menos, uma empresa do universo empresarial da família – conforme se alcança da certidão de registo comercial da sociedade Heraturismo – Actividades Imobiliárias e Turísticas, Lda. (fls. 543-544), com sede na mesma morada das sociedades Autoras e cujo objecto social é, entre outras actividades, a “promoção, execução e desenvolvimento de projectos imobiliários e turísticos” e a “construção, por meios próprios ou por empreitada e a venda de fracções autónomas ou de unidades de alojamento integrantes de projectos imobiliários ou turísticos”. O que contraria, por um lado, a ideia, perpassada pela testemunha, de um relacionamento meramente profissional com a família Cab… destacando-se, antes, a qualidade de deputada municipal, assim ficando posta em causa a idoneidade da testemunha, que, afinal, será muito mais do que advogada da família; por outro lado, a afirmação da testemunha Helena, que expressamente contrariou a alegação de que a família Cab… tem ligações significativas ao ramo imobiliário, no Algarve e, particularmente na zona de influência da Câmara Municipal de Por… (ponto 21. dos factos provados) – assim contribuindo para o reforço da falta de idoneidade/credibilidade desta testemunha, conforme já assinalado acima.”.
A conclusão alcançada pelo Tribunal não merece censura, conformando-se com um adequado exame crítico das provas produzidas.
Os elementos expressos no segmento acima citado da decisão recorrida e, bem assim, os depoimentos de M…, F…, assim como, o que se lê nos documentos de fls. 55vº (perfil de investidor do autor L…, aferido em 04-01-2011), 81-84 (documento referente à sociedade Porticentro) e 543-545 (elementos referentes à sociedade HERATURISMO – ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS E TURÍSTICAS, S.A.) dos autos, corroborado pelos valores dos financiamentos obtidos por sociedades detidas pelos autores, pessoas singulares (cfr. fls. 123vº a 127 e 214 a 226, entre outros), bem como, pelo enquadramento que decorre da envolvência num projeto urbanístico de monta, inculcam no sentido probatório alcançado, relativamente a cada um dos sub-factos considerados no mencionado ponto 21) dos factos provados: De que a família dos autores – Cab… – é uma conhecida família de empresários algarvios (sendo nessa região que se encontram sedeadas as sociedades e onde se encontram domiciliados os autores singulares); De que detém várias sociedades (pelo menos, 4 sociedades: Crediférias, …golf, Porti… e Heraturismo) com vasto património imobiliário e com experiência nos sectores da construção civil (sendo essa a actividade, desde logo, da sociedade Porti……) e promoção imobiliária/turística (sendo nesse âmbito que actuam as sociedades Crediférias, …golf e Heraturismo).
Improcede, pois, neste aspeto, a alegação dos recorrentes.
* I) Se o facto provado n.º 23) na decisão recorrida, deve ser dado como não provado?
Pugnam também os recorrentes no sentido de que o facto provado n.º 23) seja dado como não provado, tendo alegado o seguinte: “(…) b-4) Ponto 23 dos Factos Provados Neste ponto, a Mma. Juiz a quo considerou provado que: “Previamente à aquisição da Porti…, os 4° e 5° Autores pediram autorização ao FUNG… para realizar uma auditoria jurídico-financeira/“due diligence” à empresa, o que foi autorizado pelo 1º Réu, tendo-lhes sido disponibilizada toda a documentação solicitada/disponível, entre a qual a relativa ao processo administrativo/judicial relativo à caducidade do alvará 6/80” Os depoimentos das testemunhas envolvidas nas negociações são coincidentes no que se refere à realização de uma auditoria jurídico-financeira. E o A. L… admitiu-o expressamente nas declarações de parte que prestou. No entanto, nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência conseguiu concretizar qual a documentação entregue às AA. Crediférias e …golf no âmbito de tal auditoria. Na verdade, quanto a esta documentação, nada se provou nos autos. Assim sendo, impõe-se a alteração da redacção deste Ponto 23 para a seguinte: Previamente à aquisição da Porti…, os 4° e 5° Autores pediram autorização ao FUNG… para realizar uma auditoria jurídico-financeira/“due diligence” à empresa, o que foi autorizado pelo 1º Réu”.
O réu FUNG… contra-alegou o seguinte: “93- Resulta provado sob o artigo 23 da factualidade assente: “Previamente à aquisição da Porti…, os 4° e 5° Autores pediram autorização ao FUNG… para realizar uma auditoria jurídico financeira/“due diligence” à empresa, o que foi autorizado pelo 1º Réu, tendo-lhes sido disponibilizada toda a documentação solicitada/disponível, entre a qual a relativa ao processo administrativo/judicial relativo à caducidade do alvará 6/80.” 94- Defendem os Recorrentes, na Conclusão 26. das suas alegações de recurso que “os depoimentos das testemunhas Helena e João e das testemunhas Manuel e Fernando impõem que se considere como não provado o facto constante do ponto 23 dos factos provados.” 95- É absolutamente inacreditável que os Autores se atrevam a fazer este pedido. 96- Em primeiro lugar, quem confessou que foi requerida e realizada uma due diligence, em momento prévio à aquisição da Porti…, foi o próprio Autor, L… , em declarações de parte, conforme abaixo se transcreve. Declarações de parte do Autor L… Sessão de 25 de Junho de 2020 Depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 1.ª instância, "H@bilus Média Studio", com início às 15h26m e fim às 16h35m: (…) [00:16:05] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Certo. Há referência, e nós autores admitimos, à realização de uma due diligence, de uma DD. [00:16:16] AUTOR: Sim. [00:16:17] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Uma análise à situação da Porticentro? [00:16:22] AUTOR: Sim, foi feito, sim. [00:16:23] MANDATÁRIA DOS AUTORES: E o que lhe pergunto é se em resultado, e essa análise foi feita por quem? [00:16:28] AUTOR: Pela BDO. [00:16:30] MANDATÁRIA DOS AUTORES: MANDATÁRIA DOS AUTORES: E é, indica, a BDO foi indicada por quem? [00:16:34] AUTOR: Foi indicada, fomos nós, porque a BDO eram os nossos, eram os Revisores Oficiais de Contas e, portanto, nós não tínhamos assim muita lidação com outras Sociedades ou com outras entidades que fizessem esse tipo de… [00:16:50] MANDATÁRIA DOS AUTORES: De trabalho. [00:16:51] AUTOR: coisas, de trabalhos. Aliás, nunca tínhamos feito outro anteriormente, foi a primeira vez. [00:16:56] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Alguma vez tinham comprado uma Sociedade? [00:16:57] AUTOR: Não. [00:16:58] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Não. E, portanto, pediram esse trabalho. O que eu pergunto é: o relatório dessa DD, dessa due diligence, dessa auditoria ao fim e ao cabo, faz referência e alerta-vos para alguma coisa nova, relativamente ao alvará, nomeadamente a existência de uma ação judicial … [00:17:21] AUTOR: Não, não. [00:17:21] MANDATÁRIA DOS AUTORES: … e as dificuldades de reativação? [00:17:23] AUTOR: Não, não. Nunca, não… [00:17:26] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Quanto ao alvará que informação é que sai dali? [00:17:28] AUTOR: É que estava caducado, que era a informação que nós já tínhamos. [00:17:30] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Que estava caducado. [00:17:31] AUTOR: Exatamente. (…)” 97- Tendo a propósito destas declarações, a M.ª Juiz a quo tecido as seguintes considerações: “(…) quanto à questão de saber que documentação o Banco disponibilizou aos Autores, referente a este negócio, o declarante referiu que isso só aconteceu aquando da outorga da escritura, ficando por se perceber, afinal, que utilidade teve a due diligence promovida à Porti… pelos próprios Autores (não colhendo a alegação, feita pelo Autor nas declarações, de que essa “dd” se restringisse à realidade financeira da empresa e não, também, à análise do seu único activo)” 98- Depois, o que se extrai dos depoimentos a que o tribunal recorrido conferiu credibilidade, a saber, os dos Sr.s Eng.ºs Manuel e Fernando é precisamente o que resulta da última parte do facto provado n.º 23, a saber, que foi disponibilizada aos AA. toda a documentação solicitada/disponível, entre a qual a relativa ao processo administrativo/judicial relativo à caducidade do alvará 6/80. Nesse sentido, transcrevem-se os seguintes excertos dos depoimentos das indicadas testemunhas: Depoimento da testemunha Manuel (…) [0:17:17.5] MANDATÁRIA DO FUNG…: muito bem. Então, depois quando a família Cab… manifestou interesse nestes terrenos, iniciaram conversações, não é? [0:17:29.7] TESTEMUNHA: Claro. Sim, sim. [0:17:31.6] MANDATÁRIA DO FUNG…: e aqui era importante que o Senhor engenheiro focasse o que é que falaram nessa altura e que documentação é que lhes foi disponibilizada em termos de informação sobre a Porti…e sobre os terrenos [0:17:43.9] TESTEMUNHA: portanto nós tínhamos toda a documentação da Porti…. Toda. Estava em várias caixas, não é, e, portanto, foi disponibilizada toda a documentação que nos foi pedida, não é. Agora não me recordo exatamente o que é que foi disponibilizado na altura, não é. Mas o principal, para mim, que foi disponibilizado foi o novo processo de loteamento que tínhamos em curso, não é, para que soubessem que estávamos a vender qualquer coisa que tinha um potencial de construção que era aquele que estava considerado até nas avaliações do fundo, não é. Que havia uma perspetiva de valorização em função desse potencial de construção. Portanto foi isso que foi exibido à família Cab…, mas a família Cab… logo na altura nos disse que tinha ideias, portanto para desenvolver um projeto com uma abrangência muito maior. Portanto aquilo era, digamos uma parte, não é, era uma parte, era uma peça de um puzzle, em que a família Cab… teria contactos com outras entidades para desenvolver um projeto numa área muito maior do que aquela e portanto disse que aquele projeto era interessante e tal, mas eles não estavam interessados no projeto portanto nunca se manifestaram interessados em seguir com o projeto daí o contacto do arquiteto, etc. etc.… e eu compreendo perfeitamente. Se tinham uma possibilidade de desenvolver um projeto muito maior, não é, porquê ir fazer uma coisa pequenina, não é?(…) [0:49:17.1] MANDATÁRIA DOS AUTORES: disse que tiveram que pagar bom dinheiro pelo projeto. Celebraram algum contrato com o arquiteto? [0:49:23.5] TESTEMUNHA: sim, sim. [0:49:24.8] MANDATÁRIA DOS AUTORES: e sabe quando? [0:49:26.1] TESTEMUNHA: isso deve estar nos documentos que nós entregamos à família Cab…. Porque entregamos os documentos todos, todos, todos. Nós não ficamos absolutamente com nada. Depoimento da testemunha Fernando [00:10:09] MANDATÁRIA DO FUNG…: Uma das questões que está aqui em causa é o relacionamento da família Cab…, é um dos temas da prova, com o antigo Banco Espírito Santo. E portanto, se tem ideia de quando o banco lhe trouxe, se apresentou como um bom cliente, com crédito? Como é que foi? [00:10:26] TESTEMUNHA: Senhora Doutora, aquilo que nos chega são ótimas relações. Havia uma relação estável, havia uma relação sadia, o ambiente era bom, não havia crispação de espécie nenhuma, não me lembro de nenhuma crispação e o negócio foi feito de boa fé e livre vontade por ambas as partes. [00:10:45] MANDATÁRIA DO FUNG…: E transparência, Senhor Engenheiro? [00:10:47] TESTEMUNHA: Ouça, tudo o que nós tínhamos de documentos e tudo o que nós sabíamos foi transmitido sempre, sempre e repito sempre, à empresa compradora e aos seus sócios, sempre. [00:11:02] MANDATÁRIA DO FUNG…: Aqui o que está mais em causa é, naturalmente, as características dos terrenos e a sua aptidão para a construção e a capacidade de edificação e tudo isso mais, mas é principalmente a questão da caducidade do alvará. [00:11:15] TESTEMUNHA: Sim. [00:11:16] MANDATÁRIA DO FUNG…: Na tese dos autores, nunca lhes foi transmitido, no momento inicial não lhes foi transmitida que estava caducado. Num outro momento já é que foi transmitido que estava caducado, mas que eles sempre manifestaram que iam adquirir no pressuposto de conseguirem reativar o alvará e que o banco nunca lhes disse que essa caducidade era irreversível, essa reativação era irreversível. O Senhor Engenheiro Leite já explicou o processo que os Senhores percorreram na contratação do Engenheiro, do Arquiteto Ferreira e agora gostaria de ouvir o Senhor Engenheiro quanto a essa questão. [00:11:56] TESTEMUNHA: Ó Senhora Doutora, aquilo que… [00:11:58] MANDATÁRIA DO FUNG…: Estamos a falar de muita área de diferença. [00:12:00] TESTEMUNHA: aquilo que eu lhe posso garantir é que tudo o que fosse do nosso conhecimento foi transmitido aos compradores. E não acredito, porque também tenho vinte e tal anos de imobiliário, que alguém que se predispõe a comprar estes imóveis, esta Sociedade que é detentora destes imóveis, que não se informasse, apesar daquilo que nós lhe dissemos, daquilo que nós lhes dizíamos. Quer dizer, se a Senhora me diz a mim num negócio que aquela parede é castanha, eu antes de comprar aquela parede vou ver se ela é castanha e vou perguntar a quem fez aquela parede se ela é de facto castanha ou não, que é para corroborar ou negar aquilo que eu lhe estou a dizer. As pessoas têm que se informar, porque não estamos a falar de comprar ali uma lojinha com cinquenta metros quadrados. Estamos a falar de uma coisa de muito vulto, para a qual é preciso ter arcaboiço técnico, financeiro e logístico. E dentro deste arcaboiço logístico é preciso conhecer a fundo todas as variáveis que estão envolvidas no negócio. Com certeza que lhe foi dito, não pode ter sido de outra maneira. Porque é que nós não haveríamos de dizer, Senhora Doutora? [00:13:10] MANDATÁRIA DO FUNG…: Claro. [00:13:11] TESTEMUNHA: Percebe? Porque é que havia de estar a ser feita uma reserva mental de, da entidade vendedora à entidade compradora, com que propósito? Se estes Senhores conheciam tudo e todos e a relação com o presidente da Câmara da altura e com o Diretor do urbanismo na altura era excelente…(…) [00:16:50] MANDATÁRIA DO FUNG..: Portanto, foram umas negociações que correram lindamente, facultaram tudo o que tinha a facultar. Quando adquiriram a Porti… levaram toda a documentação referente à Sociedade? [00:16:58] TESTEMUNHA: Sim, sim, é verdade. [00:16:59] MANDATÁRIA DO FUNG…: Foi? [00:17:00] TESTEMUNHA: Dossiers e dossiers e pastas e pastas, tudo o que estava à nossa posse foi entregue. Eu lembro-me disso, também foi entregue.(…) [00:21:34] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Em concreto, por si o que é que foi entregue, que informação é que foi dada por si, não é pelo banco ou pela estrutura do banco ou pelo fundo, nas reuniões que teve que informação em concreto ou que documentação em concreto forneceu à família [00:21:52] TESTEMUNHA: Senhora Doutora, tudo o que nós tínhamos acesso, sem exceções. [00:21:57] MANDATÁRIA DO FUNG…: Mas é um conjunto de dossiers? [00:21:58] TESTEMUNHA: É uma enormidade, é uma quantidade grande de coisas … [00:22:02] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Pronto, mas a pergunta [00:22:02] TESTEMUNHA: …informámos da situação do alvará, informámos os metros quadrados, informámos os projetos que tínhamos. Eu não consigo recordar se nas reuniões que tive com a Câmara os Senhores também foram, não consigo dizer, portanto, não vou dizer nem que sim nem que não, não me lembro, não me lembro. Eu tive várias reuniões com a Câmara e no gabinete do presidente da Câmara onde isto foi falado, porque era, repare, para uma Câmara ter um estacionamento em terra, quando chove fica um lamaçal enorme, mesmo pegado atrás da Câmara, no centro de uma cidade, não é um cartaz de visita bonito, não é. E havia muito interesse que as coisas se fizessem e nós estávamos a fazer aquilo que era possível para adequar as áreas de construção ao PDM e àquilo que era permitido. E pronto, era isto. [00:22:48] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Certo, mas, certo, mas a pergunta é em concreto o que é que o Senhor Engenheiro Fernando entregou à família Cab…? Que informação é que entregou, documentação? Eu sei que lhes deu tudo o que tinha, isto é, o fundo deu tudo o que tinha e deu a informação toda que tinha, essa é a ideia que já me transmitiu. O Senhor Engenheiro Fernando nas reuniões que teve com eles o que é que entregou à família Cab…? [00:23:14] TESTEMUNHA: Ó Senhora Doutora, vou-lhe responder da seguinte maneira. Eu transacionava centenas de milhões de euros de imóveis por ano. Negócios da dimensão deste não eram centenas, mas eram com certeza por ano várias dezenas. Eu não lhe consigo dizer papel a papel o que eu passei, porque igual a este fiz mais cento e oitenta e sete, percebe? Só para lhe dar uma ideia. O que eu lhe posso dizer, e sobre compromisso de honra, é que todo o documento que eu tivesse na minha mão foi entregue aos Senhores. (…) [00:32:24] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Muito bem. Tem conhecimento da existência do processo judicial que envolveu a cassação do alvará e a caducidade do alvará? [00:32:36] TESTEMUNHA: Soube se ele foi, se ele caducou houve com certeza um processo para isso … [00:32:44] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Não. Processo administrativo houve, claro, [00:32:46] TESTEMUNHA: E fomos informados [00:32:46] MANDATÁRIA DOS AUTORES: mas o judicial? [00:32:47] TESTEMUNHA: e fomos informados de tudo aquilo que envolvia o terreno e transmitimos tudo aquilo que nós sabíamos sobre a envolvência do terreno. Fosse ele um processo administrativo, fosse esse um processo judicial, com certeza que se nós sabíamos, informámos sem dúvida nenhuma.(…) [00:40:56] MANDATÁRIA DO FUNGEPI: e que era claríssimo para todos que estava caducado o alvará, era isso? [00:41:01] TESTEMUNHA: Não tenho dúvida nenhuma, Senhora Doutora, não tenho dúvida nenhuma. E tudo aquilo que nós sabíamos foi transmitido e passado. Não tenho dúvida nenhuma sobre isso. Não cabia na cabeça das pessoas, nem a gente tinha tempo. Ó Senhora Doutora, quando você tem seiscentos, setecentos, oitocentos mil milhões de euros de imóveis para vender, você não tem tempo para andar com esquemas e jogadas e depois esqueceu-se, porque uma jogada é uma coisa que cansa e que se perde na memória. E a se a gente faz uma jogada no dia 14, no dia 17 já: “Eh pá, então, mas o que é que eu disse, já não me lembro o que é que disse”. Tem que ser tudo by the book, muito seguidinho, muito escritinho, muito homogéneo, muito certinho, senão não conseguimos, não há computador que resolva tanto, tanto, tanto imóvel, todos os dias, percebe? É isto, era a nossa vida da altura. 99- Deve, pois, manter-se no elenco da factualidade assente, o facto julgado provado sob o número 23. dos factos provados”.
Por seu turno, o réu …BANCO contra-alegou que: “E. Ponto 23) da matéria de facto provada 95. Os Recorrentes entendem não ter sido feita prova de que a documentação relativa ao processo administrativo/judicial relativo à caducidade do Alvará n.º 6/80 foi entregue aos Recorrentes antes da aquisição das quotas da Porti…. 96. Porém, sabemos, através da prova, que toda a documentação que estava em poder do Fungepi/BES foi partilhada e entregue aos Recorrentes: Mandatária-[00:21:34] Em concreto por si, o que é que foi entregue? Que informação é que foi dada por si, não é pelo banco ou pela estrutura do banco ou pelo fundo, nas reuniões que teve que informação em concreto ou que documentação em concreto forneceu à família sobre o negócio? Fernando -[00:21:51] Sra. dra., tudo o que nós tínhamos acesso, sem excepções. Mandatária-[00:21:57] Mas são… Fernando -É uma enormidade. Mandatária-[00:21:58] … centenas de dossiers. Fernando - [00:21:59] É uma quantidade grande de coisas. Informávamos… Mandatária-[00:22:01] Pronto, mas a pergunta… Fernando -[00:22:02] … da situação do alvará, informámos os metros quadrados, informámos os projectos que tínhamos. (…) Mandatária-[00:22:49] Certo. Mas a pergunta é: em concreto, o que é que o Sr. eng.º Fernando entregou à família Cab…, que informação é entregou, documentação? Eu sei que lhes deu tudo o que tinha. Isto é, o fundo deu tudo o que tinha e deu a informação toda que tinha. Essa é a ideia que já me transmitiu. O Sr. eng.º Fernando nas reuniões que teve com eles, o que é que entregou à família Cab…? Fernando -[00:23:14] Ó Sra. dra., vou responder da seguinte maneira: eu transaccionava centenas de milhões de euros de imóveis por ano. Negócios da dimensão deste, não eram centenas, mas eram com certeza, por ano, várias dezenas. Eu não lhe consigo dizer papel a papel o que eu passei, porque é igual a este, fiz mais 187, percebe? [00:23:41] O que eu lhe posso dizer, e sob compromisso de honra, é que todo o documento que eu tivesse na minha mão foi entregue aos senhores. Sem excepção. Sem excepção. Agora, não posso dizer “Olhe, entreguei este, depois entreguei aquele”. (…) Mandatária-[00:32:25] Tem conhecimento da existência do processo judicial que envolveu a cassação do alvará e a caducidade do alvará? Fernando -[00:32:36] Se ele foi… caducou, se ele caducou, houve com certeza um processo para isso… Mandatária-[00:32:43] Processo administrativo houve, claro. Mas judicial? Fernando -[00:32:46] Fomos informados… de tudo aquilo que envolvia o terreno e transmitimos tudo aquilo que nós sabíamos sobre a envolvência do terreno, fosse ele um processo administrativo, fosse esse um processo judicial, com certeza que se nós sabíamos, informámos, sem dúvida nenhuma. 97. E também sabemos que as testemunhas Manuel e Fernando conheciam a existência do referido processo: Outra mandatária-[00:42:06] Pronto. E, portanto, eu pergunto-lhe: tem conhecimento de algum processo judicial que tenha envolvido a cassação do alvará e a declaração de caducidade do alvará? Manuel -[00:42:19] Acho que existiu um processo, mas na altura já não havia qualquer processo não estava... não havia nenhum, digamos, nenhum litígio em curso, portanto, não estava... a situação estava resolvida, mal resolvida, mas estava resolvida, não é? Outra mandatária-[00:42:34] Muito bem. Mas tinha conhecimento dessa acção judicial? Manuel -[00:42:39] Eu tinha conhecimento que tinha havido um processo judicial. 98. Parece-nos, portanto, correcta a decisão do Tribunal a quo quanto ao ponto 23) da matéria de facto provada, que assim deve ser mantida por V. Exas.”.
Ora, considerando os elementos probatórios acima referenciados e extractados na contra-alegação dos réus, cuja clareza e pertinência é indesmentível – inculcando os depoimentos de Manuel e de Fernando, em particular, que todos os elementos mencionados, referentes à Porti…, terão sido objeto de disponibilização e de aferição - , verifica-se que o apuramento alcançado pelo Tribunal recorrido tem plena aderência nos meios de prova considerados, não determinando, ao contrário do que é pugnado pelos recorrentes, alguma alteração na redação do facto provado n.º 23).
Improcede, pois, o invocado pelos recorrentes a este respeito.
* J) Se deve incluir-se nos factos provados o seguinte: - Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg..., souberam, junto da CMP, que o alvará não podia ser reactivado (ponto d) dos factos não provados). - A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição. - Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porticentro propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80. - O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011?
Alegaram os recorrentes, para tal efeito, o seguinte: “b-5) Ponto d) dos Factos não provados Neste ponto, a Mma. Juiz a quo considerou não provado: “Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg..., souberam, junto da CMP, que o alvará não podia ser reactivado (art. 58º da p.i.).” Nos seus depoimentos, as testemunhas Hg... , Miguel e João Paulo declararam, sem hesitações, que este facto é verdadeiro. Vejamos o depoimento da testemunha Hg... (arquitecto autor do PPHP): Minuto 5:09 a 8:14 Mandatária 1: Bom dia Sr. Arq.º, disse-nos que a família Cab… e as sociedades Porti…o, Crédigolf e Crédiferias eram seus clientes, pode concretizar quando é que eles o contactaram e para quê? Hg...: Então fui contactado há cerca de 10 anos para desenvolver um processo que tem a ver com os terrenos da Porti…, portanto, inicialmente a família Cab… tinha sido proprietária dos terrenos, inicialmente quiseram fazer a reativação do loteamento que era da Porti… e contactaram-me no sentido de, como técnico, desenvolver o processo em termos práticos. Inicialmente foi o que fizemos, fomos à Câmara e tentamos perceber de que forma é que podíamos reativar o processo, que não tinha forma de haver reativação embora nunca ninguém na Câmara nos explicasse porquê essa situação mais tarde já sabemos mais ou menos o que é que se passou, portanto a reativação não era possível até por ordem do tribunal, na altura não sabíamos, face a esta situação a única hipótese de desenvolvimento foi através de um Plano de Pormenor que foi esse segundo passo que foi desenvolvido [impercetível] Horta do Palácio no sentido de garantirmos alguma capacidade de construir nos terrenos que, de que eles eram proprietários. Mandatária 1: Muito bem. Só para concretizarmos e percebermos o desenvolvimento temporal dessa, dessa relação, quando a família Cab… e a Porti… o contactaram eram já donos dos terrenos? Hg... : Eles contactaram-me inicialmente quando iam, estavam a pensar comprar mas aí não houve desenvolvimento da minha parte, só houve desenvolvimento efetivo quando eles efetivaram a compra. Mandatária 1: Portanto, só depois de eles efetivarem a compra. Hg... : Exatamente. [impercetível] Mandatária 1: E foi, e quando…depois de efetivarem a compra o contacto que fizeram inicialmente foi para reativar esse alvará 6/80? Hg...: É. O alvará é muito antigo, portanto eu não tenho bem ideia, mas é mesmo muito antigo, tinha uma capacidade de 80.000 metros quadrados de [impercetível] Mandatária 1: Quanto? Hg...: [impercetível]. Por ordem de grandeza de 90 mil metros e fazia algum sentido, não era aquilo que eles pretendiam fazer, portanto eles queriam até fazer [impercetível] mas fazia algum sentido primeiro conseguíssemos essa capacidade reativando o alvará só depois é que poderemos pensar fazer um novo projeto, portanto, o primeiro passo seria sempre a reativação do alvará, coisa que não conseguimos na Câmara que é uma situação [impercetível] normal nós não conseguimos perante a Câmara que permitisse que isso acontecesse. Mandatária 1: Se percebi bem, portanto a ideia era recuperar a capacidade construtiva do alvará. Hg... o: Exatamente. Mandatária 1: E depois eventualmente até reduzir a que estava prevista porque era, porque era muito densa, é isso? Hg...: Era excessiva, sim. Mandatária 1: Era excessiva. Hg...: [impercetível] Mandatária 1: Ok. E, portanto, a solução ou o desenvolvimento do Plano de Pormenor, disse-nos e eu gostaria que nos confirmasse foi uma solução alternativa a esta que verificaram não ser possível? Hg... o: Foi, portanto, como não houve forma de garantirmos a reativação do alvará a solução alternativa foi a elaboração do plano, foi isso que fizemos, portanto, conseguimos convencer a Câmara que toda a centralidade do plano era a uma mais valia para a Câmara e era uma mais valia para o promotor, daí ter-se feito o plano e ter-se desenvolvido o plano com menos capacidade construtiva, o plano tem cerca de setenta e picos mil metros quadrados, 65.000 mais ou menos para a Porticentro, mas pronto, é um plano que ia reorganizar todo o centro da cidade, Portanto o plano junta os paços do concelho, tinha ali uma zona de jardins, tinha ali uma série de situações que havia todo o interesse de todas as partes, daí o plano ter avançado. Mandatária 1: E tem conhecimento de quem é que financiou o desenvolvimento do plano e quem é que se, se esta sociedade, se a Porticentro, tinham, desenvolveram o projeto com capitais próprios ou se recorreram a financiamento? Hg...: Os planos pertencem à Câmara, neste caso o protocolo e foi a Porticentro a entidade que acabou por financiar o plano e tenho ideia que sim, havia assim algumas dificuldades de pagamentos, tenho ideia de ter sido capitais, [impercetível]. Mandatária 1: Através do banco. Hg... Raposo: [impercetível]. Mandatária 1: Sabe que banco? Hg...: Na altura era o BES, [impercetível], que eu tenha conhecimento. Vejamos o depoimento da testemunha Miguel : Miguel: Eu trabalho com regularidade com o Arq.º Hg... o e, portanto, acompanho os processos, muitas vezes não de uma maneira direta mas de uma maneira indireta vou acompanhando, neste caso, eu não participei em todas as reuniões, participei em algumas reuniões, o que é que eu sei, sei que o desígnio inicial era reativar o alvará de 1980, que estava caducado, e o espirito inicial foi tentar junto do município, da autarquia, reativar o alvará porque era um, digamos, um passo expetável do processo que nos tinha sido incumbido, ou que tinha sido incumbido em primeira mão ao Arq.º Hg... e eu colaboraria.
Depois, nas reuniões com a Câmara chegámos à conclusão que esse era um passo que era impossível de dar. Mandatária 1: Certo. E, portanto, o Plano de Pormenor da Horta do Palácio em que participou foi uma solução de recurso? Miguel: Foi uma solução de recurso porque era a única possível. Mandatária 1: Certo. Miguel: Não havendo, não estando, não existindo um alvará em vigor o único processo era para aqueles terrenos, que no fundo tinham regressado à propriedade mãe, fazer um Plano de Pormenor para no fundo redefinir uma definição de lotes para aquele terreno.
Vejamos o depoimento da testemunha João (funcionário do BES e do … Banco, S.A.): Minuto 7:56 a 11:32 Mandatária 1: Sim senhor. Pronto. E, portanto, todo esse financiamento… e a única pergunta relativamente a esse financiamento que eu lhe faço é: o financiamento para a aquisição da quota foi feito e tinha subjacente o desenvolvimento de algum projeto de imobiliário, ou não? João: O financ… a aquisição… tinha, posteriormente, tinha, não é. Aquilo era um projeto que era para depois desenvolver um projeto imobiliário, não é. A aquisição daquela empresa, que envolvia uns terrenos, que tinha como finalidade, depois, desenvolver um projeto imobiliário. Mandatária 1: Muito bem. E houve alguma, alguma mudança de intenção do projeto que inicialmente o banco… ou lhes foi comunicado pela, pela, pela… pelos representantes da Crediférias e da Credigolf qual seria o projeto que iam fazer e depois houve alguma alteração, ou alguma mudança no percurso? João: Vamos lá ver, eu… desde o início que se sabia que aquele… aquilo que estava subjacente àqueles terrenos, havia ali uma dificuldade, através de um alvará caducado. Mandatária 1: Hum. João: Depois, a perspetiva seria sempre ou tentar recuperar essa área de construção ou desenvolver, mais tarde, um projeto, nesses terrenos, mas foi uma situação que depois se foi… foi crescendo ao longo do tempo. Ali num espaço de dois, três anos, com negociações junto da autarquia, que os clientes fizeram, e que foram tentando melhorar, digamos, o, o… digamos, o plano imobiliário para aquele, para aqueles terrenos, uma vez que não tinham a certeza se conseguiriam recuperar aquele alvará que estava caducado ou que não estava aprovado. Mandatária 1: Sim senhor. Entretanto, houve, depois desse financiamento, em 2009 e em 2011, mais dois financiamentos diretos à Porticentro. Participou nesses, na aprovação e na preparação desses financiamentos? João : Totalmente, totalmente. Sim, confirmo. Mandatária 1: Pronto. E aí, subjacente a esses financiamentos, estava já uma operação urbanística identificada, perfeitamente definida? João: Estavam financiamentos destinados a despesas não de construção, porque não havia ainda nada aprovado em termos de construção, mas para desenvolvimento de projetos, de Planos de Pormenor, despesas inerentes a este tipo de, de, de atos. Não propriamente de construção, porque isso não havia ainda nada aprovado e previsto e orçamentado para isso. Mandatária 1: Portanto, financiamento do desenvolvimento de um Plano de Pormenor, é isso? João : Do Plano de Pormenor, de licenciamentos, doo pagamento de arquitetos, a engenheiros que iriam desenvolvendo esses projetos… e a custas, naturalmente, junto das autarquias, que eram necessárias, para desenvolver isso. Mandatária 1: Muito bem. E o banco entendeu que isso seria, que isto eram projetos e diligências e atos que valia a pena financiar? João: Sim, claro, senão não o teria aprovado. Mandatária 1: Não se tinha aprovado, exatamente. João : Não foi tudo de uma vez, se bem me recordo foram, foram espaçados no tempo, financiamentos que se realizaram, portanto, ali na casa dos 2 milhões e meio… [impercetível], um primeiro de 1 milhão, outro de 1 milhão e 100 e o terceiro mais pequeno, que eu já não me recordo, que já foi numa foi numa fase já um bocadinho mais difícil. Destes depoimentos decorre ainda que: -A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição. - Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porti… propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80. - O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-a uma boa opção e, por isso, a financiou em 2009 e 2011. A Mma. Juiz a quo considerou os depoimentos destas testemunhas credíveis e isentos, pelo que se impõe que todos estes factos sejam aditados à matéria da facto provada, propondo-se a seguinte redacção: - Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg... , souberam, junto da CMP, que o alvará não podia ser reactivado - A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição.” - Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porti… propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80. “ - O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011 (…)”.
Contra-alegou o réu FUNG… o seguinte: “(…) 100- Finalmente, entre as Conclusões 27. a 29. do recurso os Autores defendem que “os depoimentos coerentes e consistentes das testemunhas Hg... , Miguel e João impõe que se deem como provados os seguintes factos”: k) “Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg... , souberam, junto da CMP, que o alvará não podia ser reactivado (ponto d) dos factos não provados).” l) “A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição.” m) “Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porti… propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80.” n) “O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011.” o) “Se as 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porticentro, o 3º Autor nunca teria empenhado as unidades de participação identificadas nos artigos 88º e 92º da p.i.” p) “O BES e, posteriormente, o 2° Réu impediram o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial e impediram a sua inscrição na matriz predial urbana.” 101- Desde logo e conforme consta da douta motivação de facto “(…) no que concerne aos factos não provados, a esmagadora maioria proveniente da causa de pedir alegada pelos Autores (excepção feita a um único facto, o último daquele elenco), a convicção do Tribunal é resultado lógico e consequente da prova feita quanto à demais factualidade, designadamente aquela que foi invocada pelos Réus na sua defesa; pelo que, recaindo o ónus desta prova sobre os Autores, e atenta a contraprova em sentido contrário, se deu tal factualidade como não provada.” 102- Ora, dos excertos dos depoimentos que infra se transcrevem resulta evidente que os depoimentos das testemunhas indicadas pelos Autores não têm aptidão para provar aquilo que foi unanime e cristalinamente transmitido pelas demais testemunhas consideradas pelo tribunal a quo. 103- Designadamente, e no que respeita ao momento em que os Autores tomaram conhecimento da irreversibilidade da caducidade do alvará transcrevem-se os seguintes excertos das declarações de parte do co-Autor L… bem como dos depoimentos das testemunhas dos Réus, M… e F… e da testemunha do Autor, mencionada na douta motivação de facto, Hg... : Declarações de parte do Autor L… (…) [00:44:36] MANDATÁRIA DO FUNGEPI: E o banco alguma vez lhe disse isso, que o Senhor ia conseguir reativar o alvará? [00:44:41] AUTOR: O banco nunca me disse que eu ia conseguir, como é evidente. [00:44:45] MANDATÁRIA DO FUNG..: O banco disse-lhe que estava caducado? [00:44:47] AUTOR: Que estava caducado por pequenas coisas e que o banco não tinha capacidade […] [00:44:49] MANDATÁRIA DO FUNG…: E o Senhor assumiu que o podia reativar, é isso? [00:44:52] AUTOR: Eu assumi, o banco disse-me que estava caducado por pequenas coisas, o banco não tinha vocação para essas situações e que era provável que nós locais conseguíssemos reativar o alvará.(…) [00:48:43] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. E o Senhor viu o estudo do Arquiteto Ferreira? [00:48:49] AUTOR: Vi, vi. [00:48:50] MANDATÁRIA DO FUNG…: Viu? [00:48:50] AUTOR: Vi. [00:48:52] MANDATÁRIA DO FUNG…: Foi-lhe facultado pelo banco? [00:48:53] AUTOR: Sim, sim, sim. [00:48:54] MANDATÁRIA DO FUNG…I: E depois o Senhor… E alguma vez reuniu com o Arquiteto Ferreira? [00:48:58] AUTOR: Vi, estive com o Arquiteto Ferreira uma vez, sim. [00:49:00] MANDATÁRIA DO FUNG…: E o Arquiteto, então se, e o Arquiteto … [00:49:01] AUTOR: A pedido do Engenheiro Fernando . [00:49:05] MANDATÁRIA DO FUNG…: Muito bem. E o estudo do Arquiteto Ferreira não ia no sentido da reativação do alvará? [00:49:10] AUTOR: Não, não. [00:49:12] MANDATÁRIA DO FUNG…: E não o questionou porque é que ele não ia reativar o alvará e estava a optar por um projeto novo? [00:49:17] AUTOR: Ele disse que não concordava com o alvará antigo e com aquilo que se propunha no alvará antigo. E que achava que, no ponto de vista dele como Arquiteto, era melhor aquela situação assim. [00:49:28] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não disse que era porque o alvará estava caducado ou que não iam conseguir reativá-lo? [00:49:34] AUTOR: Que o alvará estava caducado, sabia, agora ele não me disse que não era, que não era possível reativar o alvará. [00:49:40] MANDATÁRIA DO FUNG…I: Não? Mas a opção do Arquiteto que estava a tratar do projeto e que tinha sido contratado pelo banco não era a reativação do alvará, mas sim a apresentação … [00:49:47] AUTOR: Apresentação de um novo loteamento, sim. Depoimento da testemunha Manuel [0:15:26.4] MANDATÁRIA DO FUNG…: […] e nessa altura foi claro nas negociações que tiveram, foi falado na situação do alvará? o problema que existia relativamente ao modelo de negócios a seguir. Fale-me um bocadinho sobre isso [0:15:42.7] TESTEMUNHA: portanto o alvará estava caducado não é. Portanto o alvará previa noventa mil metros quadrados de construção, não é, e aquele estudo que nós tínhamos (…) O alvará antigo, que estava caducado e, portanto, esse tinha sido abandonado porque estava caducado e, portanto, nós estávamos a fazer um projeto que era quase um quarto disso, não é. Vinte e cinco metros quadrados, acima do solo, que era o que estava previsto nesse estudo não é. E, portanto, obviamente que o alvará estava caducado, não é, portanto não havia nenhuma razão para nós, tendo a possibilidade de fazer um projeto de noventa mil metros quadrados, irmos fazer um projeto de vinte e cinco metros quadrados. Não havia razão absolutamente nenhuma. [0:16:26.9] MANDATÁRIA DO FUNG…: E isso na câmara foi explorado, para esticar mais… [0:16:30.3] TESTEMUNHA: Claro. A primeira reação que nós tivemos quando recebemos aquilo foi vamos recuperar o alvará antigo porque realmente eram noventa mil metros quadrados de construção no centro de Port…, não é, aquilo era valiosíssimo, não é. Mas a câmara recusou imediatamente. Disse que nem pensar, não é possível fazer isto, umas torres altíssimas, aquilo não se enquadra na perspetiva da câmara de momento e, portanto, nem pense em fazer uma coisa dessas. Está fora de causa. Foi aí que nós então, contactamos com o arquiteto Ferreira o para desenvolver o estudo dentro daquilo que eram os parâmetros que a câmara considerava que se enquadravam nos objetivos da câmara [0:17:13.3] MANDATÁRIA DO FUNG…: e na legislação [0:17:13.6] TESTEMUNHA: na legislação, no PDM, etc., etc. [0:17:17.5] MANDATÁRIA DO FUNG…: muito bem. Então, depois quando a família Cabr… manifestou interesse nestes terrenos, iniciaram conversações, não é? [0:17:29.7] TESTEMUNHA: Claro. Sim, sim. [0:17:31.6] MANDATÁRIA DO FUNG…: e aqui era importante que o Senhor engenheiro focasse o que é que falaram nessa altura e que documentação é que lhes foi disponibilizada em termos de informação sobre a Porti… e sobre os terrenos [0:17:43.9] TESTEMUNHA: portanto nós tínhamos toda a documentação da Porti…. Toda. Estava em várias caixas, não é, e, portanto, foi disponibilizada toda a documentação que nos foi pedida, não é. Agora não me recordo exatamente o que é que foi disponibilizado na altura, não é. Mas o principal, para mim, que foi disponibilizado foi o novo processo de loteamento que tínhamos em curso, não é, para que soubessem que estávamos a vender qualquer coisa que tinha um potencial de construção que era aquele que estava considerado até nas avaliações do fundo, não é. Que havia uma perspetiva de valorização em função desse potencial de construção. Portanto foi isso que foi exibido à família Cab…, mas a família logo na altura nos disse que tinha ideias, portanto para desenvolver um projeto com uma abrangência muito maior. Portanto aquilo era, digamos uma parte, não é, era uma parte, era uma peça de um puzzle, em que a família Cab… teria contactos com outras entidades para desenvolver um projeto numa área muito maior do que aquela e portanto disse que aquele projeto era interessante e tal, mas eles não estavam interessados no projeto portanto nunca se manifestaram interessados em seguir com o projeto daí o contacto do arquiteto, etc. etc.… e eu compreendo perfeitamente. Se tinham uma possibilidade de desenvolver um projeto muito maior, não é, porquê ir fazer uma coisa pequenina, não é? [0:19:33.0] MANDATÁRIA DO FUNG…: Sim. Com certeza. [0:19:33.0] TESTEMUNHA: Obviamente que teriam outra rentabilidade, teriam, enfim, outra possibilidade de desenvolver o projeto, até porque aquilo é uma zona realmente extremamente central da cidade de Portimão, não é. E, portanto, a família tinha essa intenção de desenvolver um projeto maior que foi aquilo que na verdade veio a acontecer, não é (…). Portanto não se interessaram, e compreendo, não é, faz todo o sentido que não se tenham interessado por aquele projeto que era pequenino, não é. Pequenino quer dizer, dentro das proporções (…) Exatamente e comparado com o futuro projeto que depois vieram a desenvolver. [0:20:18.5] MANDATÁRIA DO FUNG…: Certo. E diga-me Senhor engenheiro, a questão do alvará de loteamento dos anos oitenta estar caducado, foi falado com…eu sei que me estou um pouco a repetir, mas, era um facto conhecido de ambas as partes? [0:20:36.3] TESTEMUNHA: Claro. Obviamente que quem está a adquirir um terreno, daquele valor não é, obviamente, tem de saber o que é que se passa em termos jurídicos, não é, enfim qual é a situação de um terreno com aquelas características e obviamente que estava caducado o alvará. Até porque se não tivesse caducado nós não íamos fazer um projetinho de vinte e cinco mil metros quando tínhamos anteriormente noventa mil, não é. Era um contrassenso completo, não é. Portanto isso era obvio, era daquelas coisas que é evidente.(…) [0:21:50.6] MANDATÁRIA DO FUNG…: e diga-me uma coisa, a Crediférias e a família Cabr…, eles faziam promoção no imobiliário? [0:21:55.9] TESTEMUNHA: Sim. Eram pessoas que estavam ligadas ao sector, não é. [0:22:00.5] MANDATÁRIA DO FUNG…: E tinham projetos no Algarve e eram conhecidos na… [0:22:05.1] TESTEMUNHA: pois. Eram pessoas com experiência nessa área, sim. Não lhe posso dizer, Senhora Doutora quais é que são os projetos, não sei. Mas sei que eram pessoas que eram conceituadas, eram pessoas que eram, enfim, muito valorizadas pelo seu passado e… [0:22:31.3] MANDATÁRIA DO FUNG…: Tem aqui também falado que, os sócios da Crediférias, que quando adquiriram, portanto reconhecem que sabiam que o alvará estava caducado mas que tinham a convicção de que conseguiriam reativá-lo. E que só mais tarde, já após terem adquirido a Porti… e terem se dirigido à câmara é que se aperceberam ou que tomaram conhecimento, pela câmara, que aquele alvará não podia ser reativado e portanto toda esta ação é montada no pressuposto que omitiu a capacidade do alvará ou que pelo menos omitiu que a sociedade (…) sabia que a intenção dos adquirentes era reativar o alvará caducado. O banco sabia que era isso e nunca lhes disse que aquele alvará não podia ser reativado. [0:23:48.8] TESTEMUNHA: pois… isso, como é óbvio, se o alvará pudesse ser reativado, nós teríamos seguido esse caminho, não é. Como, nas reuniões que tivemos com a Câmara, nos foi dito claramente que aquela volumetria que estava no alvará anterior era totalmente desconforme com aquilo que eram os propósitos da câmara para aquela localização, nós abandonámos a ideia e contratámos um arquiteto que custou um dinheirão, não é, que o fundo pagou. O fundo teve de pagar tudo, não é, porque independentemente da família Cab… usar ou não usar o projeto, nós tivemos que pagar a parte do projeto que já estava feita. Foi feita, mas pronto, foi dinheiro deitado fora, digamos não é. Mas foi isso que foi feito não é, e, portanto, isto são coisas muito evidentes para quem se movimenta nesta área do imobiliário, não é. Digamos que são os princípios básicos …(…) [0:32:05.7] ILUSTRE MANDATÁRIO DO …BANCO: Ou seja, o Senhor engenheiro não tem dúvidas que a família Cab… abordou este projeto, sabendo que o banco estaria a vender uns terrenos com uma determinada capacidade construtiva que eles poderiam duplicar, triplicar, o que seja. Isso gera a minha última pergunta, que é – se a câmara dizia que não se podia construir mais de vinte e cinco mil metros quadrados acima do solo, tanto é que vocês tinham esse projeto em preparação, se conseguiu perceber, imagino que isto seja uma coisa que se pergunta, porque razão é que à família Cab… isso seria permitido? Por que razão é que eles acreditavam que eles poderiam triplicar ou duplicar, valorizar aquilo muito acima do valor pelo qual iam comprar a sociedade. [0:32:42.8] TESTEMUNHA: todos nós sabemos que, portanto os promotores, não é, em função da sua capacidade de relacionamento com as entidade públicas, nem todos conseguem as mesmas coisas, não é. E eu tive muitas experiências dessas na minha vida, não é, que tanto consegui ir até um certo ponto e aconteceu muitas vezes os fundos, venderem os terrenos e depois dava-se o milagre daquilo se multiplicar. Isso aconteceu muitas vezes e é uma coisa, uma situação perfeitamente normal não é. Alias nós estamos aqui, eu estou aqui a olhar para um prédio aqui na cidade de Lisboa, ali ao lado do Sheraton que foi construído com mais quatro andares do que aquilo que era anteriormente permitido ao anterior proprietário que esteve anos e anos e anos para conseguir fazer isso. Depois, houve uma outra entidade que adquiriu o terreno, não é, e que conseguiu fazer mais quatro andares. Portanto, isso tem a ver com a capacidade de relacionamento dos promotores com as entidades públicas, não é. Isso sempre aconteceu e vai continuar a acontecer. É assim. [0:33:54.4] ILUSTRE MANDATÁRIO DO …O BANCO: Muito bem, Senhor engenheiro. Muito obrigado. Não tenho mais perguntas. (…) [0:52:57.0] MANDATÁRIA DOS AUTORES: mas da memória que tem dessas reuniões ou dessa reunião, pergunto-lhe se se recorda, e aqui peço mesmo um esforço de memória, de ter dito a esta família o seguinte – o alvará está caducado. Está irremediavelmente caducado. Nós já fomos tentar, tivemos reuniões na câmara para tentar a sua reativação e ela não é possível e, portanto, a única coisa que o banco consegue desenvolver nestes terrenos é este projeto do arquiteto Ferreira. Não com estas palavras, mas se lhe transmitiu claramente esta ideia. [0:53:36.2] TESTEMUNHA: eu não sei exatamente os termos em que a coisa foi apresentada. Agora sei uma coisa que isso é indiscutível, não é. Portanto foi apresentado o novo estudo que estava em curso, que ainda não estava aprovado, atenção. Estava em curso porque a reativação do anterior alvará era perfeitamente impossível. Portanto estávamos perante uma situação de uma empresa que tinha um conjunto de terrenos e que não tinha um alvará, portanto estávamos a desenvolver todas as démarches no sentido de se conseguir um alvará, portanto era isso, não é. Agora exatamente os termos já não me recordo bem, mas penso que pode ser importante ouvir o engenheiro Fernando porque eu penso que foi mais com ele que já foi desenvolvido. Portanto comigo foi, digamos, arrumar a casa, não é. Foi a questão de olhar para aquilo, ver o que é que era possível fazer, não era possível pegar no anterior, vamos então tratar de um novo. Vamos contratar o arquiteto e foi isso que eu fiz, etc. etc. quando aquilo estava já para venda, entrou o engenheiro Fernando que seguramente terá mais presente aquilo que se passou.(…)” Depoimento da testemunha Fernando [00:11:16] MANDATÁRIA DO FUNG…: Na tese dos autores, nunca lhes foi transmitido, no momento inicial não lhes foi transmitida que estava caducado. Num outro momento já é que foi transmitido que estava caducado, mas que eles sempre manifestaram que iam adquirir no pressuposto de conseguirem reativar o alvará e que o banco nunca lhes disse que essa caducidade era irreversível, essa reativação era irreversível. O Senhor Engenheiro Leite já explicou o processo que os Senhores percorreram na contratação do Engenheiro, do Arquiteto Ferreira e agora gostaria de ouvir o Senhor Engenheiro quanto a essa questão. [00:11:56] TESTEMUNHA: Ó Senhora Doutora, aquilo que… [00:11:58] MANDATÁRIA DO FUNG…: Estamos a falar de muita área de diferença. [00:12:00] TESTEMUNHA: aquilo que eu lhe posso garantir é que tudo o que fosse do nosso conhecimento foi transmitido aos compradores. E não acredito, porque também tenho vinte e tal anos de imobiliário, que alguém que se predispõe a comprar estes imóveis, esta Sociedade que é detentora destes imóveis, que não se informasse, apesar daquilo que nós lhe dissemos, daquilo que nós lhes dizíamos. Quer dizer, se a Senhora me diz a mim num negócio que aquela parede é castanha, eu antes de comprar aquela parede vou ver se ela é castanha e vou perguntar a quem fez aquela parede se ela é de facto castanha ou não, que é para corroborar ou negar aquilo que eu lhe estou a dizer. As pessoas têm que se informar, porque não estamos a falar de comprar ali uma lojinha com cinquenta metros quadrados. Estamos a falar de uma coisa de muito vulto, para a qual é preciso ter arcaboiço técnico, financeiro e logístico. E dentro deste arcaboiço logístico é preciso conhecer a fundo todas as variáveis que estão envolvidas no negócio. Com certeza que lhe foi dito, não pode ter sido de outra maneira. Porque é que nós não haveríamos de dizer, Senhora Doutora? [00:13:10] MANDATÁRIA DO FUNG…: Claro. [00:13:11] TESTEMUNHA: Percebe? Porque é que havia de estar a ser feita uma reserva de, da entidade vendedora à entidade compradora, com que propósito? Se estes Senhores conheciam tudo e todos e a relação com o presidente da Câmara da altura e com o Diretor do urbanismo na altura era excelente… [00:13:27] MANDATÁRIA DO FUNG…: Quem eram, recorda-se de quem eram? Não, não faz mal. [00:13:30] TESTEMUNHA: Se me disser os nomes, se calhar lembro-me. Assim de repente não sou capaz de me lembrar. [00:13:33] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não, não se preocupe. [00:13:34] TESTEMUNHA: Pronto. Nós não podíamos correr o risco de que na realização do negócio depois o comprador viesse dizer: “Eh pá, mas tu disseste-me uma coisa, mas olha lá, fui à Câmara e não é nada disso”. Nós não agimos assim. Isso não faz parte do ADN cultural da minha pessoa, do Engenheiro Leite muitíssimo menos, não é, e do banco em si ou da (…) porque nós temos que ser transparentes, porque não estamos a falar com pessoas que são o vão de escada. Isto não se trata de um negociozinho, não é. [00:14:03] MANDATÁRIA DO FUNGEPI: E aproveitando isso que está a dizer, Senhor Engenheiro, porque esta figura dos fundos de investimento imobiliário, das Sociedades gestoras, é complexa, para quem não está … [00:14:11] TESTEMUNHA: É verdade, é verdade. [00:14:12] MANDATÁRIA DO FUNG…: Diga-me uma coisa, as Sociedades gestoras têm especiais deveres de gestão, não têm? [00:14:17] TESTEMUNHA: Ouça, nós não só… [00:14:18] MANDATÁRIA DO FUNG…: E são regulamentadas e supervisionadas pela CMVM … [00:14:20] TESTEMUNHA: Nós não só temos a CMVM à perna, como tínhamos o compliance do banco à perna, como tínhamos o Banco de Portugal também à perna. Portanto, nós não pudemos, somos metidos numas baias onde, até para efeitos profissionais, se nós prevaricamos isso aparece logo, porque nós tínhamos que reportar regularmente as transações efetuadas e como é que era e as de certo volume até a CMVM ia sempre pedindo mais, mais informação. Depois havia os serviços que prestavam e tal. Tínhamos que seguir à risca todas as normas e as leis em vigor. Isso é, não há hipótese de poder fugir disso, não é. (…)[00:18:18] MANDATÁRIO DO …BANCO, S.A.: A outra pergunta, eu já antecipo a resposta pelo teor do seu depoimento, mas não o disse claramente. O Senhor Engenheiro disse várias vezes: “Ninguém faz, isto não é um negócio de vão de escada. Ninguém faz uma coisa desta dimensão sem saber”. Mas podia acontecer? Ou seja, eu, que não tenho experiência nenhuma, podia se tivesse dinheiro ou financiamento, o que seja, tentar atrever-me a fazer uma coisa dessas. A minha pergunta é, da sua perceção da relação que teve com a família Cab…, eram pessoas que não tinham esta vocação e atreveram-se à grande num negócio destes ou sabiam o que estavam a fazer e, portanto, até tinham melhores contactos que o banco ou até tinham outras condições que o banco não tinha, para fazer uma coisa daquelas? [00:18:51] TESTEMUNHA: Ó Senhor Doutor, há uma coisa que eu lhe posso dizer. Nós temos a nossa experiência imobiliária, que vale o que vale. Estes Senhores sabiam muito mais do que nós. [00:19:00] MANDATÁRIO DO …BANCO, S.A.: Pronto. [00:19:01] TESTEMUNHA: Percebe? Eu não tenho dúvida nenhuma, daquela zona, daquele sítio sabiam muito mais do que nós. E deixe-me só dizer-lhe uma coisa. Se o Senhor aparecesse sem conhecimentos nenhuns a querer comprar uma coisa daquelas, é muito provável que eu não lhe fizesse o negócio. [00:19:14] MANDATÁRIO DO …BANCO, S.A.: Pois. [00:19:14] TESTEMUNHA: Porque o Senhor ir-se-ia financiar no banco e na altura de dar as garantias e de começar a negociar problemas mais técnicos você ia baralhar-se todo e depois não transmitia confiança suficiente para se lhe darem não sei quantos milhões para a mão. O que é que ele vai fazer ao dinheiro? Como é que ele vai gerir aquilo? Como é que ele vai pagar? Percebe? [00:19:32] MANDATÁRIO DO …BANCO, S.A.: Certo. Depoimento da testemunha dos Autores Hg... Sessão de 25 de Junho de 2020 Depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 1.ª instância, "H@bilus Média Studio", com início às 12h11m e fim às 12h52m (…) [00:32:29] MANDATÁRIO DO …BANCO, S.A.: Quando respondeu à primeira das minhas colegas, há pouco, creio que disse que a Porti…, os responsáveis da Porti…, falaram consigo ainda antes de comprarem a sociedade e, portanto, quando estavam a avaliar a operação, mas que o Senhor Arquiteto depois só foi à Câmara já depois de comprada. [00:33:02] T: Sim. [00:33:18] MANDATÁRIO …BANCO, S.A.: Muito bem. Outra pergunta. Na sua ótica, quando disse “a ideia era reativar o alvará” o que é que é reativar um alvará? [00:33:29] T: Reativar um alvará é perceber por que é que ele foi caducado e, na maior parte das vezes, é substituir a Câmara e resolver aquilo que foi caducado. Normalmente, os alvarás são caducados porque falta um bocado de passeio …(…) [00:34:21] T: O que as câmaras têm feito, todas elas, é que vendo caso a caso… portanto, se faltar um troço de passeio para ser executado, mas nos projetos antigos, e o alvará foi cassado porque faltava ali o troço do passeio, as câmaras estão a aceitar que alguém acabe por fazer aquele troço de passeio. Fazem lá umas vistorias, aceitam as infraestruturas e os loteamentos vão voltar… ativos. Portanto, é isso que muitas das câmaras têm feito.(…) [00:34:56] MANDATÁRIO DO… BANCO, S.A.: a última pergunta que tenho para si. Que é: eu creio que disse “no início a ideia até era assegurar a reativação daquele alvará, para depois reduzir a área de construção”. É isso? Porque aquilo era muito grande? Foi isso que disse? [00:35:28] MANDATÁRIO DO …BANCO, S.A.: […] eu acho que o Senhor Arquiteto disse “ a ideia era assegurar”… [00:35:32] T: Não, a ideia sempre foi essa. Sim. A minha ideia sempre foi fazer um projeto diferente. Daí que o plano acaba por transmitir um projeto diferente. O promotor não sei se teria muito na… na disponibilidade de rever a área de construção. Mas foi isso que acabou por acontecer. (…)” 104- Dos depoimentos acima transcritos impõe-se concluir nos termos constantes da fundamentação de facto da douta sentença recorrida. 105- Em consequência, deve ser julgada não provada a seguinte factualidade: k) “Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg... Raposo, souberam, junto da CMP…, que o alvará não podia ser reactivado (ponto d) dos factos não provados).”(…) l) “Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porticentro propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80.” 106- Quanto aos factos l) e n) infra transcritos que os Autores pretendem levar a factos assentes não encontram, contrariamente ao alegado, qualquer eco no depoimento da testemunha João Paulo: l) “A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição.”(…) n) “O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011.” 107- Com efeito, o que a referida testemunha refere é que: (i) não participou na negociação da cessão de quotas, ou seja, desconhece o que esteve na base da celebração do negócio; (ii) tinha conhecimento de que os financiamentos prestados se destinavam ao desenvolvimento de um projecto imobiliário (não identifica qual) e que (iii) esse projecto imobiliário se foi desenvolvendo ao longo do tempo, no espaço de 2/3 anos com negociações junto da autarquia. 108- Não é de relevar o depoimento desta testemunha na parte em que associa os 2/3 anos de desenvolvimento do projecto imobiliário à alegada expectativa dos Autores recuperarem o plano caducado pois, mesmo de acordo com a tese e depoimentos das testemunhas dos próprios Autores, pouco tempo depois da cessão de quotas estes tomaram imediatamente conhecimento da irreversibilidade da caducidade do alvará. 109- Aliás, a testemunha também refere que tem ideia de ter havido problemas com o registo do Plano de Pormenor… 110- Consequentemente, do depoimento da referida testemunha não é possível concluir – como enviesadamente pretendem os Autores – que o BES tenha tido conhecimento de qualquer mudança de orientação do projecto (a que projecto inicial se estão a referir os Recorrentes?) – como é evidente, o banco terá financiado os Autores enquanto entendeu que os financiamentos seriam susceptíveis de ser reembolsados. Nesse sentido, transcrevem-se infra os excertos mais relevantes do depoimento a que nos vimos referindo: Depoimento da testemunha João Paulo 00:05:46] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Muito bem. E relativamente a esse financiamento, eu não lhe vou perguntar pormenores da negociação, presumo que o senhor não participou na negociação da compra destas quotas, correto? [00:05:59] T: Não, pois. Exatamente. [00:06:01] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Portanto, quando o negócio chegou até si foi apenas para a regularização do financiamento? [00:07:43] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Sim Senhor, pronto. E, portanto, houve esse financiamento... e a única pergunta relativamente a esse financiamento que eu lhe faço é: o financiamento para a cessão da quota foi feito e tinha subjacente o desenvolvimento de algum projeto imobiliário ou não? [00:08:02] T: … tinha, posteriormente, tinha, não é? Aquilo era um projeto que era para depois desenvolver um projeto imobiliário, não é? Era a aquisição daquela empresa que envolvia uns terrenos, que tinha como finalidade depois desenvolver um projeto imobiliário. [00:08:18] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Muito bem. E houve alguma mudança de intenção do projeto que inicialmente comunicado pelos representantes da Crediférias e da Credigolf qual seria o projeto … e depois, houve alguma alteração, alguma mudança no percurso? [00:08:40] T: Vamos lá ver, desde o início que se sabia que aquilo que estava subjacente àqueles terrenos, havia ali uma dificuldade através do alvará caducado. Depois, a perspetiva seria sempre ou tentar recuperar essa área de construção, ou desenvolver mais tarde um projeto nesses terrenos, mas que foi uma situação que depois foi crescendo ao longo do tempo, ali no espaço de 2/ 3 anos, com negociações junto da autarquia que os clientes fizeram e que foram tentando melhorar, digamos, o plano imobiliário para aqueles terrenos, uma vez que não tinham a certeza se conseguiriam recuperar aquele alvará que estava caducado ou que não estava aprovado.”
Contra-alegou o réu …BANCO, nesta matéria, nos seguintes termos: “A. Ponto d) da matéria de facto não provada 99. Não pode ser a sério. 100. Os Recorrentes pretendem que se considere provado que apenas após a cessão das quotas da Porti… tomaram conhecimento, junto da CMP…, através do arquitecto Hg... Raposo, de que a caducidade do Alvará n.º 6/80 era irreversível. 101. Como se isso não fosse um dos pontos mais críticos da sua alegação e não tivesse sido completamente desmontado por toda a prova produzida nos autos, 102. E como se aquilo que os Recorrentes pretendem não fosse absolutamente contraditório com a factualidade provada nos pontos 16) e 22). 103. Nem se justifica que aprofundemos a discussão, de tão óbvia que é a sua improcedência: se há coisa que ficou provada é que os Recorrentes relevantes sabiam perfeitamente que a CMP… apenas tinha permitido ao Fungepi/BES uma capacidade construtiva muito inferior à que resultava do Alvará n.º 6/80, e que foi a sua convicção de que lhes seria permitida – dados os contactos privilegiados junto da CMP… – uma capacidade construtiva superior que os motivou a adquirir as quotas da Porticentro. 104. O ponto d) deve, assim, manter-se como não provado, por ser contraditório com toda a prova produzida nos autos e com a matéria de facto considerada provada, no seu todo. 105. E muito menos devem ser aditadas à matéria de facto provada as alegações a que os Recorrentes aludem neste âmbito (…)”.
Pretendem os recorrentes que, com fundamento nos depoimentos de Hg..., Miguel e João, o facto vertido na alíneas d) dos factos não provados seja considerado como provado - “Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg..., souberam, junto da CMP…, que o alvará não podia ser reactivado (art. 58º da p.i.).” – e, bem assim, que se dê como provado que:
- A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição;
- Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porticentro propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80; e
- O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011.
Ora, desde logo, resulta evidente a congruência da motivação expressa pelo Tribunal recorrido, com o resultado probatório – não provado – alcançado quanto ao consignado na mencionada alínea d) dos factos não provados: “(…) a convicção do Tribunal é resultado lógico e consequente da prova feita quanto à demais factualidade, designadamente aquela que foi invocada pelos Réus na sua defesa; pelo que, recaindo o ónus desta prova sobre os Autores, e atenta a contraprova em sentido contrário, se deu tal factualidade como não provada.”
Este juízo não merece qualquer censura.
De facto, tendo presente o que resulta dos factos provados, nomeadamente, os constantes dos n.ºs. 12) – com a alteração acima considerada - , 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 28), 29), 30), 31) e 32), não se mostra possível confluir, em congruência, com a conclusão de que, apenas após a celebração do negócio de cessão das quotas da Porti… – ocorrido em 05-11-2007 – é que os autores, por intermédio de Hg..., souberam que o alvará não podia ser reactivado.
Hg..., é certo, referiu que o que era pretendido com a sua intervenção, a solicitação dos autores, era a “reactivação” de um loteamento da Porti…, mas não deixou de referir também que a Câmara Municipal de Por… “não tinham interesse em que o loteamento fosse reactivado”.
O mesmo foi referenciado quer por Manuel e corroborado por Luís.
Este último admitiu que lhe foi transmitido antes do negócio de cessão que o alvará de loteamento de 1980 se encontrava caducado.
Esta versão contrapõe-se à referida por Manuel e Fernando que foram concordantes no sentido de que os autores sempre expressaram a intenção de desenvolver uma operação urbanística diversa da que tinha sido objeto do alvará de loteamento caducado e, bem assim, do novo estudo que Ferreira levava a efeito desde finais de 2006.
Ora, atentos os aludidos meios de prova, certo é que, não lograram os autores demonstrar que, só após a celebração do negócio de cessão de quotas da Porti…, é que tomaram conhecimento – e por intermédio de Hg... - da caducidade do alvará.
O depoimento de João não é, também, neste ponto prestável para demonstrar o almejado pelos recorrentes.
O conhecimento dos autores sobre a situação dos prédios pertencentes à empresa cujas quotas pretenderam adquirir, resulta claro do vertido nos factos provados, designadamente, dos pontos 15), 16), 17), 19), 20), 22), 23) e 29), que contrastam, claramente, com o consignado na alínea d) dos factos não provados, sendo certo que, também não ficou demonstrado o demais constante dos factos não provados, designadamente, o vertido nas alíneas a), e), f), g) e k).
Inexiste, pois, de acordo com o exposto, motivo para a eliminação da alínea d) dos factos não provados.
Quanto à demais factualidade pretendida incluir pelos recorrentes nos factos provado, cumpre referir que, conforme expressamente referenciado em aresto desta Relação de 24-04-2019 (processo nº. 5585/15.4T8FNC-A.L1, relatora LAURINDA GEMAS), “na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções), bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos notórios e de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito (…)”.
Conforme se assinalou, em semelhante sentido, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-10-2017 (processo 23656/15.5T8SNT.L1-7, relator JOSÉ CAPACETE): “O direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito, o que significa que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, logo, inútil e proibida por lei”.
Em consonância, “o princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo”, tratando-se de uma das “manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, nada impedindo que “que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2017, processo nº. 4111/13.4TBBRG.G1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira).
Ora, nos aludidos pontos, os autores pretendem incluir nos factos provados o seguinte:
- A intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição;
- Perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porticentro propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80; e
- O BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011.
Ora, compulsados os autos, verifica-se que, em nenhum momento, os autores, ora recorrentes alegaram no seu articulado uma tal factualidade, nem a mesma foi introduzida, por qualquer forma no pleito.
No CPC em vigor – contrariamente ao que sucedia com a matéria de facto inserida na Base Instrutória do anterior CPC de 1961 - que deveria conter, como previa a alínea e) do n.º 1 do artigo 508º-A e do artigo 511º, a matéria de facto relevante para a decisão da causa segundo as várias situações plausíveis da questão de direito, e sobre a qual iriam incidir as diligências instrutórias -, na enunciação dos temas da prova não se prevê a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas, tão-somente, se aponta genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais, deixando para a decisão final a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados.
E, não obstante a redacção dada ao artigo 410.º do novo CPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a essa enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constantes dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do novo CPC, e não, sobre os respectivos temas de prova enunciados.
De facto, em primeira linha, a prova incide sobre os factos alegados pelas partes. Quanto aos demais factos – complementares ou concretizadores dos que integram a causa de pedir invocada - e que resultem da instrução da causa, tais factos só poderiam ser introduzidos no processo no decurso do julgamento em primeira instância, mediante requerimento da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto.
Em qualquer dessas circunstâncias, assiste à parte beneficiada pelo facto complementar e à contraparte a faculdade de requererem a produção de novos meios de prova para fazer a prova ou contraprova dos novos factos complementares (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, pp. 28-29).
No caso, os autores/apelantes não desencadearam tal mecanismo de ampliação fáctica, nem o mesmo foi utilizado oficiosamente pelo tribunal, pelo que está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento em sede de apelação, o que corresponderia ao conhecimento de uma questão nova.
Ora, como se sabe, os recursos não se destinam a realizar um novo julgamento da causa, com vista à criação de uma decisão nova, mas sim, a reapreciar questões já decididas.
Note-se que a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).
Assim, considerando que a matéria em questão, pretendida incluir pelos autores, não pode ser contemplada na matéria de facto relevante, inútil seria qualquer indagação que, a este respeito, se fizesse.
Porque inútil seria apreciar da impugnação atinente à inclusão nos factos provados da mencionada factualidade, mostra-se prejudicado o conhecimento da aludida impugnação da matéria de facto, no que concerne à pretendida inclusão no rol de factos provados (quanto à “intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição”; quanto a que “perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porticentro propôs à Câmara Municipal de Por… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80”; e quanto a saber se “o BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011”).
* K) Se deve incluir-se nos factos provados o seguinte: “Se as 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…, o 3º Autor nunca teria empenhado as unidades de participação identificadas nos artigos 88º e 92º da p.i.”?
Alegaram os recorrentes, a este respeito, o seguinte: “b-6) Ponto h) dos Factos não provados Que, se as 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…, o 3º Autor nunca teria empenhado as unidades de participação identificadas nos artigos 88º e 92º da p.i.. Tal como só factos alegados nos artigos 90º e 91º da P.I., estes factos ficaram provados pela generalidade dos depoimentos das testemunhas do 2º R, funcionários do Novo Banco, S.A., mas, em especial, do depoimento da testemunha João que considera a aquisição dos terrenos da Horta do Palácio pelas AA. Crediférias e Credigolf e todos os financiamentos subsequentes como fazendo parte de um projecto imobiliário único que se iniciou com a celebração do contrato de cessão de quotas em crise nestes autos. Naturalmente que as garantias dadas no âmbito destes financiamentos também se incluem nos actos e contratos necessários para dar execução ao referido projecto. Veja-se o referido depoimento: Minuto 7:56 a 11:32 Mandatária 1: Sim senhor. Pronto. E, portanto, todo esse financiamento… e a única pergunta relativamente a esse financiamento que eu lhe faço é: o financiamento para a aquisição da quota foi feito e tinha subjacente o desenvolvimento de algum projeto de imobiliário, ou não? João Paulo : O financ… a aquisição… tinha, posteriormente, tinha, não é. Aquilo era um projeto que era para depois desenvolver um projeto imobiliário, não é. A aquisição daquela empresa, que envolvia uns terrenos, que tinha como finalidade, depois, desenvolver um projeto imobiliário. Mandatária 1: Muito bem. E houve alguma, alguma mudança de intenção do projeto que inicialmente o banco… ou lhes foi comunicado pela, pela, pela… pelos representantes da Crediférias e da Credigolf qual seria o projeto que iam fazer e depois houve alguma alteração, ou alguma mudança no percurso? João Paulo: Vamos lá ver, eu… desde o início que se sabia que aquele… aquilo que estava subjacente àqueles terrenos, havia ali uma dificuldade, através de um alvará caducado. Mandatária 1: Hum. João Paulo: Depois, a perspetiva seria sempre ou tentar recuperar essa área de construção ou desenvolver, mais tarde, um projeto, nesses terrenos, mas foi uma situação que depois se foi… foi crescendo ao longo do tempo. Ali num espaço de dois, três anos, com negociações junto da autarquia, que os clientes fizeram, e que foram tentando melhorar, digamos, o, o… digamos, o plano imobiliário para aquele, para aqueles terrenos, uma vez que não tinham a certeza se conseguiriam recuperar aquele alvará que estava caducado ou que não estava aprovado. Mandatária 1: Sim senhor. Entretanto, houve, depois desse financiamento, em 2009 e em 2011, mais dois financiamentos diretos à Porti…. Participou nesses, na aprovação e na preparação desses financiamentos? João Paulo: Totalmente, totalmente. Sim, confirmo. Mandatária 1: Pronto. E aí, subjacente a esses financiamentos, estava já uma operação urbanística identificada, perfeitamente definida? João Paulo: Estavam financiamentos destinados a despesas não de construção, porque não havia ainda nada aprovado em termos de construção, mas para desenvolvimento de projetos, de Planos de Pormenor, despesas inerentes a este tipo de, de, de atos. Não propriamente de construção, porque isso não havia ainda nada aprovado e previsto e orçamentado para isso. Mandatária 1: Portanto, financiamento do desenvolvimento de um Plano de Pormenor, é isso? João Paulo: Do Plano de Pormenor, de licenciamentos, doo pagamento de arquitetos, a engenheiros que iriam desenvolvendo esses projetos… e a custas, naturalmente, junto das autarquias, que eram necessárias, para desenvolver isso. Mandatária 1: Muito bem. E o banco entendeu que isso seria, que isto eram projetos e diligências e atos que valia a pena financiar? João Paulo: Sim, claro, senão não o teria aprovado. Mandatária 1: Não se tinha aprovado, exatamente. João Paulo: Não foi tudo de uma vez, se bem me recordo foram, foram espaçados no tempo, financiamentos que se realizaram, portanto, ali na casa dos 2 milhões e meio… [impercetível], um primeiro de 1 milhão, outro de 1 milhão e 100 e o terceiro mais pequeno, que eu já não me recordo, que já foi numa foi numa fase já um bocadinho mais difícil. Deverá, pois, dar-se este facto por provado”.
Contra-alegou o réu FUNG… dizendo que se trata de matéria não provada, considerando não se alcançar “qual a utilidade do seu aditamento aos factos provados atenta a demais prova produzida” (cfr. artigo 111.º da contra-alegação).
O réu …BANCO contrapôs que a testemunha João Paulo não fez prova das alegações, como as mesmas são irrelevantes para a decisão final a proferir.
O Tribunal recorrido considerou tal facto não provado.
Ora, não só o meio de prova elencado – o aludido depoimento de João Paulo - não conduz ao resultado probatório almejado pelos recorrentes - nada tendo o mesmo afirmado sobre a razão ou intenção do 3.º autor na prestação da garantia de penhor - como não é possível tal demonstração probatória estribar-se em qualquer outro dos meios de prova produzidos, nada mais se apurando para além do que já consta do facto provado n.º 26).
Assim, naturalmente e na decorrência do exposto, o facto em questão deve manter-se, como resultou do apuramento efetuado pelo Tribunal recorrido: Não provado.
Improcede, pois, neste conspecto, a alegação dos recorrentes, não merecendo censura a conclusão do Tribunal recorrido.
* L) Se deve incluir-se nos factos provados o seguinte: “O BES e, posteriormente, o 2° Réu impediram o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial e impediram a sua inscrição na matriz predial urbana”?
Consideraram os recorrentes que tal facto – considerado como não provado (ponto j) dos factos não provados) - “foi, efectivamente, provado”. Alegaram, que isso deriva do seguinte:
- De estarem provados os pontos 40, 41, 42, 43 e 44 dos factos provados (40. Para desenvolver e implementar o PPHP, era indispensável garantir à Câmara Municipal de Por… a execução das necessárias e projectadas infra-estruturas, hipotecando-lhe um dos 6 novos lotes; 41. Era também indispensável obter o financiamento necessário à execução dessas infraestruturas, o que só seria exequível com a constituição de hipoteca sobre um outro dos 6 novos lotes pertencentes à Porti…; 42. Com esse desiderato, os Autores propuseram ao BES que cancelasse as diversas hipotecas que havia constituído sobre os 8 lotes de terreno constituídos no âmbito do alvará n.º 6/80 e que as substituísse por hipotecas constituídas sobre 4 dos 6 lotes de terreno para construção urbana criados pelo Plano de Pormenor (deixando assim dois lotes livres para garantia da execução das infra-estruturas e do financiamento para a sua execução); 43. Tanto o BES como, posteriormente, o 2º Réu sempre recusaram tal proposta; 44. A manutenção das hipotecas sobre os antigos 8 lotes inviabiliza o registo do PPHP); e
- Do depoimento da testemunha João, de que referiu os segmentos dos minutos 12:03 a 12:46, 19:00:33 a 20:05, 30:00 a 37:00 e 37:46 a 42.26.
Contrapôs o réu FUNG… o seguinte: “112- Finalmente, apesar de dizer respeito à relação AA. –…Banco, S.A. sempre se dirá nem os factos provados sob os pontos 40., 41., 42., 43. e 44., nem o depoimento da testemunha João, permitem que se dê por provado que: p) “O BES e, posteriormente, o 2° Réu impediram o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial e impediram a sua inscrição na matriz predial urbana. 113- O que resulta do depoimento da indicada testemunha é que o banco tentou encontrar uma solução de compromisso que fosse ao encontro dos interesses de todos os envolvidos e que a proposta apresentada acabou por não obter acolhimento por parte da Câmara Municipal de Por…, eventualmente, porque o assunto deveria ter sido tratado por via “política” e não “jurídica”. Depoimento da testemunha João [00:09:39] MANDATÁRIA DO FUNG…: (…) Portanto, que o banco, sem justificação ou pelo menos sem justificação percetível para os mutuários, que o banco se recusou com o argumento de que o banco ficaria com os lotes, por um hiato de tempo o banco não teria garantias sobre os lotes, porque teria, segundo o banco, teriam que ser canceladas as hipotecas sobre os lotes que atualmente estão registados, não é, e que não era imediata a constituição de garantias idênticas sobre os lotes que resultam da nova configuração que é trazida pelo plano de pormenor da Horta do Palácio? [00:10:25] T: Sim, o problema era exatamente esse. É que o plano de pormenor, e basta ler o plano de pormenor, o plano de pormenor tinha diferentes unidades de execução. O plano de pormenor é bastante mais abrangente do que os terrenos que são propriedade da Porti…. Abrange outros terrenos, nomeadamente da Câmara, até alguns terrenos do Ministério da Justiça, onde acho que funcionava um estabelecimento prisional. E portanto, esse plano de pormenor assentava na seguinte ideia: abrangia uma área grande, cento e, para aí cento e dez mil metros quadrados e a primeira, a unidade de execução 1 correspondia de facto aos terrenos da Porti…... Só que isso para nós tinha um problema. É que a unidade de execução 1 tinha os terrenos anteriormente da Porti…, mas só concedia à Porti… três lotes nessa primeira unidade. A Porti… teria direito a mais três lotes para construir numa outra unidade de execução posterior. E o que a Câmara queria e que o plano de pormenor determina era que fossem canceladas as hipotecas existentes, o banco, portanto, abria mão das hipotecas que tinha constituídas… [00:11:38] MANDATÁRIA DO FUNG…: Que era sobre quantos lotes, Senhor Doutor? [00:11:40] T: Era sobre todos os lotes que foram transmitidos com a venda da Sociedade, pertenciam à Sociedade. E, mas só podia constituir hipoteca sobre três. E toda a área sobrante, toda a área fora do perímetro dos três lotes a construir, era ao mesmo tempo cedida à Câmara. Portanto, eu propus, isso foi transmitido ao cliente, foi primeiro aprovado até pelo Departamento Jurídico do banco, uma solução. Que era, para o banco não ficar fragilizado nas colaterais, porque o banco, para o crédito que tinha, abria mão do colateral todo e só recebia cerca de metade, fazendo assim uma conta, assumindo que os seis lotes eram iguais, só podia constituir hipoteca sobre três. E o problema não era só esse, é que não se sabia quando é que viriam a existir os outros três, que poderiam vir a ser hipotecados no futuro, e se alguma vez eles existiriam. E portanto, o banco ia ficar ali numa situação em que reduzia substancialmente o colateral para o crédito. Portanto, é um tema de risco, OK. E a solução que foi, que eu na altura alvitrei, que sugeri, foi proponha-se à Câmara o registo de novo alvará, fazer um contrato de permuta em que a Câmara terá direito de facto às cedências, a toda a área fora dos três lotes, mas essa área só é concedida à Câmara quando a Câmara emitir o alvará para a fase subsequente, que permita ao banco constituir hipoteca. E o banco aí, o banco e o cliente tinham uma moeda de troca. A Câmara só leva as áreas que pretende para o domínio público, quando conceder um alvará que permita hipotecar os três lotes seguintes. Essa solução foi discutida primeiro internamente, o nosso Departamento Jurídico deu acordo a ela, achava que era uma solução que permitia desbloquear o problema, e foi apresentada ao cliente, que de resto se dispôs a apresentá-la à Câmara, mas que depois não teve seguimento …[00:13:41] MANDATÁRIA DO FUNG…: Não teve seguimento. [00:13:42] T: …ou não teve acolhimento (…) [00:16:26] MANDATÁRIO DO …BANCO: Muito bem. Portanto, a dado passo entrou em incumprimento e depois deixa o seu departamento, não é, passa para recuperação? [00:16:35] T: Sim, mas ainda, já depois de estar em incumprimento, nós durante bastante tempo procurámos encontrar soluções, dentro desta, soluções quer para viabilizar o registo do alvará. Inicialmente ainda na expectativa de podermos vir a considerar o financiamento para desenvolvimento do projeto. Mais tarde, até por terem manifestado incapacidade para prosseguir com o processo e de aportar mais capitais, o incumprimento tornou-se definitivo, nunca foi possível fazer o registo do alvará. Tanto quanto sei também nunca foi emitido ou nunca foi formalmente aprovado a ponto de ser possível registá-lo. E portanto, ainda houve uma tentativa de reestruturação da dívida da empresa. A determinada altura a empresa contratou a BDO para lhes fazer um estudo de viabilidade, que permitisse reestruturar a dívida. Esse estudo, do nosso ponto de vista, assentava numa avaliação que foi encomendada pela empresa, que nós entendíamos que era excessivamente otimista. E, enfim, depois de várias iterações, concluímos que aquele estudo de viabilidade não tinha aderência à realidade e que a probabilidade de virmos a recuperar o crédito por via da reestruturação, no fundo, que aquela reestruturação não tinha pernas para andar (…). [00:25:43] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Pronto. E essa proposta que implicava aqui também uma aceitação por parte da Câmara foi apresentada à Câmara, conjuntamente com os clientes? [00:25:56] T: Foi apresentada aos clientes para a submeterem à Câmara. Que nos deram depois conhecimento que tinham submetido à Câmara. [00:26:03] MANDATÁRIA DOS AUTORES: E que não tinha tido aprovação? [00:26:05] T: Não, a justificação apontada nos e-mails trocados é de que a determinada altura, em contactos que existiram entre o banco e a Câmara Municipal, houve contactos até com o Departamento Jurídico da Câmara, e uma das razões que é invocada como dificuldade é que o cliente entendia que aquilo devia ter sido tratado num plano político e não no plano jurídico. E que, portanto, o facto de o banco ter contactado o Departamento Jurídico da Câmara que estava ali a criar dificuldades a que fosse aceite a solução que nós estávamos a apresentar. [00:26:43] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Certo. E … [00:26:43] T: Eu julgo que pelo meio, não tenho a certeza, mas julgo que pelo meio também o executivo camarário mudou e os contactos que a empresa tinha, que eram privilegiados, também se perderam um pouco, o que dificultou depois qualquer negociação. [00:26:56] MANDATÁRIA DOS AUTORES: Os contactos que a empresa tinha na Câmara Municipal de Por…? [00:26:59] T: Sim. 114- Deve, por tudo o que se expôs, manter-se, nos exactos termos julgados, a decisão sobre a matéria de facto”.
E, em moldes semelhantes, o réu …BANCO contra-alegou o seguinte: “C. Ponto j) da matéria de facto não provada 110. Aqui, os Recorrentes pretendem que se dê como provado que foi o BES e o NB quem impediu o registo do PPHP. 111. Para demonstrar o absurdo, atente-se no depoimento da testemunha João: Mandatária- [00:09:38] … mas sem justificação. Peço desculpa. Portanto, o banco sem justificação ou pelo menos sem justificação perceptível para os mutuários, o banco se recusou, com o argumento de que o banco ficaria com os lotes, por um hiato de tempo o banco não teria garantias sobre os lotes porque, segundo o banco, teriam que ser canceladas as hipotecas sobre os lotes que actualmente estão registados e que não era imediata a constituição de garantias idênticas sobre os lotes que resultam da nova configuração que é trazida pelo plano de pormenor da Horta do Palácio… João Manuel -[00:10:24] Sim. O problema era exactamente esse. É que o plano de pormenor – e basta ler o plano de pormenor, o plano de pormenor tinha diferentes unidades de execução. O plano de pormenor é bastante mais abrangente do que os terrenos que são propriedade da Porti…. Abrange outros terrenos, nomeadamente da câmara, até alguns terrenos do Ministério da Justiça, onde acho que funcionava um estabelecimento prisional e, portanto, esse plano de pormenor assentava na seguinte ideia, abrangia uma área grande, para aí 110 mil metros quadrados e a unidade de execução 1 correspondia, de facto, aos terrenos da Porticentro. Só que isso para nós tinha um problema. É que a unidade de execução 1 tinha os terrenos anteriormente da Porti…, mas só concedia à Porti… três lotes nessa primeira unidade. [00:11:20] A Porti… teria direito a mais três lotes para construir numa outra unidade de execução posterior. E o que a câmara queria e o que o plano de pormenor determina era que fossem canceladas as hipotecas existentes e o banco, portanto, abria mão das hipotecas que tinha constituídas… Mandatária-[00:11:38] Sobre quantos lotes, Sr. dr.? João Manuel mões-[00:11:40] Era sobre todos os lotes que foram transmitidos com a venda da sociedade, que pertenciam à sociedade. Mas só podia constituir hipoteca sobre três. E toda a área sobrante, toda a área fora do perímetro dos três lotes a construir era, ao mesmo tempo, cedida à câmara, portanto, eu propus… isso foi transmitido ao cliente, foi primeiro aprovado até pelo departamento jurídico do banco, uma solução que era para o banco não ficar fragilizado nas colaterais. Porque o banco, para o crédito que tinha, abria mão do colateral todo e só recebia cerca de metade, fazendo assim uma conta… assumindo que os seis lotes eram iguais, só podia constituir hipoteca sobre três. [00:12:27] E o problema não era só esse. É que não se sabia quando é que viriam a existir os outros três que poderiam vir a ser hipotecados no futuro e se alguma vez eles existiriam e, portanto, o banco ia ficar ali numa situação em que reduzia substancialmente o colateral para o crédito, portanto, é um tema de risco. E a solução que foi… que eu, na altura, alvitrei, que sugeri, foi, proponha-se à câmara o registo de novo alvará, fazer um contrato de permuta em que a câmara terá direito, de facto, às cedências, a toda a área fora dos três lotes, mas essa área só é concedida à câmara quando a câmara emitir o alvará para a fase subsequente que permita ao banco constituir a hipoteca. E o banco aí – o banco e o cliente – tinham uma moeda de troca. [00:13:17] A câmara só leva as áreas que pretende para o domínio público quando conceder um alvará que permita hipotecar os três lotes seguintes. Essa solução foi discutida primeiro internamente. O nosso departamento jurídico deu acordo a ela, achava que era uma solução que permitia desbloquear o problema e foi apresentada ao cliente que, de resto, se dispôs a apresenta-la à câmara, mas que depois não teve seguimento… Mandatária-[00:13:41] Não teve seguimento. João Manuel -[00:13:42] … ou não teve acolhimento. Mandatária-[00:13:43] Sim. E, portanto, e foi aí que depois a dado passo o banco decidiu não financiar mais e reduzir?... João Manuel -[00:13:53] Sim. Vamos lá ver, a abordagem que o cliente fez ao Centro de Empresas do Algarve e depois a nós era, “vamos fazer o registo deste novo alvará e vamos estudar um financiamento para iniciar a construção, primeiro das infra-estruturas…”. Ah, já agora dizer que de acordo com o plano de pormenor cabia também à Porti… a responsabilidade de fazer um conjunto de infraestruturas com peso e custo significativo porque a Porti…, para conseguir a aprovação daqueles seis lotes de construção que correspondiam mais ou menos a 65.000 metros quadrados de construção acima do solo, tinha, em contrapartida, de executar infra-estruturas bastante custosas que iriam, obviamente, servir à câmara. [00:14:39] Já agora também dizer o seguinte, um dos riscos que nós avaliámos na altura era que não se sabia quando é que sairia o alvará das unidades de execução seguintes, além de que estamos a falar em 2012/2013, a Câmara de Por… era das câmaras mais endividadas do país e estava em bastantes dificuldades financeiras, portanto, nós questionávamos bastante se aquilo algum dia viria a acontecer. [00:15:05] Para além de que as unidades de execução seguintes envolviam equipamentos como, por exemplo, a deslocalização do Estádio do Porti…, situações que nós duvidávamos que alguma vez… e até hoje nunca foram concretizadas. Passados estes anos todos, isso nunca aconteceu. Duvidávamos muito da capacidade da câmara para conseguir fazer essas deslocalizações e viabilizar as fases seguintes, portanto, o banco corria sério risco de abrir mão de uma hipoteca que o garantia e ficar bastante mal co-lateralizado com o risco de tudo vir a correr mal e não ter garantias a que se agarrar. Mandatária-[00:16:26] Muito bem. Portanto, a dado passo, entrou em incumprimento e depois deixa o seu departamento, não é? Passa para o Centro de Empresas ou não? João Manuel -[00:16:35] Sim, mas ainda já depois de estar em incumprimento, nós durante bastante tempo procurámos encontrar soluções dentro desta… soluções, quer para viabilizar o registo do alvará, inicialmente ainda na expectativa de podermos vir a considerar o financiamento para o desenvolvimento do projecto. Mais tarde, até por terem manifestado incapacidade para prosseguir com o processo e de aportar mais capitais, o incumprimento tornou-se definitivo. Nunca foi possível fazer o registo do alvará. Tanto quanto sei, também nunca foi emitido ou nunca foi formalmente aprovado a ponto de ser possível registá-lo. [00:17:26] Ainda houve uma tentativa de reestruturação da dívida da empresa. A determinada altura a empresa contratou a BDO para lhes fazer um estudo de viabilidade que permitisse reestruturar a dívida. Esse estudo, do nosso ponto de vista, assentava numa avaliação que foi encomendada pela empresa, que nós entendíamos que era excessivamente optimista. E, enfim, depois de várias interacções, concluímos que aquele estudo de viabilidade não tinha aderência à realidade e que a probabilidade de virmos a recuperar o crédito por via da reestruturação… no fundo, que aquela reestruturação não tinha pernas para andar… Mandatária-[00:18:07] Não era possível. João Manuel es-[00:18:08] … e abandonámos essa ideia e, portanto, o crédito depois foi transferido para a área de recuperação. Mandatária-[00:18:22] … portanto, sabe bem o que está a falar em termos de… Sr. eng.º, alguma vez o banco equacionou, no âmbito dessas negociações, receber a Porti… em dação ou?... João Manuel -[00:18:34] Sim. Isso foi discutido, de facto. Confesso que não sei se por iniciativa do cliente, se por sugestão nossa. Mas quer dizer, uma vez, passe a expressão, uma vez que o cliente deitou a toalha ao chão e não tinha mais capacidade para aportar capitais, era uma das funções do meu departamento. O meu departamento faz uma recuperação, digamos, amigável, não por via legal e, portanto, encontrámos soluções dessa natureza. Se fosse possível resolver a dívida por via de uma dação ou de uma recompra da sociedade, nós explorávamos essa via. Sim, equacionou-se isso. Mandatária- [00:19:09] Mas não foi possível? João Manuel -[00:19:11] Não aconteceu sobretudo porque o cliente, a fazer uma dação ou a revender a sociedade para a esfera do banco, como estava ancorado numa avaliação completamente irrealista, queria ter um troco e isso era impossível. O banco não praticava essa solução. Ou seja, o cliente avaliava os imóveis muito acima do que era a dívida. Nós nunca tivemos… temos avaliações ao longo dos anos que nunca passaram dos 7 milhões e meio, 8 milhões de euros, que era basicamente igual à dívida existente e, portanto, aceitávamos receber a sociedade ou os imóveis, saldando a dívida, não havendo troco e executando ou recebendo também os colaterais que existiam por parte da dívida, que havia uma parte da dívida que estava co-lateralizada com activos financeiros. Mandatária-[00:20:05] Pronto. Também essa solução não foi dada? João Manuel ões-[00:20:07] Não. Essa solução não foi aceite sequer pelo cliente, porque entendia que para entregar ao banco devia ter um ganho. 112. Desse depoimento absolutamente claro, lógico e objectivo, percebe-se facilmente, não só que não foi o BES ou o NB a entidade envolvida no processo que se mostrou intransigente, como também, e mais importante, que foram quem mais procurou estudar e oferecer soluções que nunca, por várias razões, foram aceites. 113. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao considerar essa matéria não provada, que assim se deve manter, o que expressamente se requer”.
Ora, ao invés do pugnado pelos recorrentes, não se vislumbra que tenha havido qualquer erro de julgamento pelo Tribunal recorrido, pois, de facto, os meios de prova produzidos não inculcam por qualquer impedimento do BES ou do NOVO BANCO para que fosse registado o Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial ou para a sua inscrição na matriz predial urbana.
Hg... foi, desde logo, inequívoco em dizer que “ninguém sabia como registar um Plano de Pormenor”, atendendo à proximidade temporal da lei disciplinadora de tal registo, nos termos que concretizou.
L…, por seu turno, referiu, em seu entender, qual a razão pela qual o BES não aceitava substituir as garantias de hipoteca que detinham: Dizendo que o banco invocava que poderia existir um espaço temporal no qual o banco poderia não ter garantias, o que o depoente disse, pelos motivos que expôs, não compreender, mas nada adiantando sobre alguma intenção do BES em provocar o impedimento do registo ou inscrição do Plano de Pormenor.
Mas, também o depoimento brandido pelos recorrentes como demonstrativo da prova do facto em presença, na realidade, não o é.
Com efeito, o que sucedeu, de acordo com a explicação de João Simões – aliás, no desenvolvimento do antes referido, em moldes compatíveis, pela testemunha Helena (jurista, há vários anos, da Câmara Municipal de Por…), referenciando que com a caducidade “havia direitos de terceiros – hipotecas – registados que se iriam transferir para os novos lotes” (que resultariam da nova operação urbanística projetada), situação que nem a Câmara Municipal de Por…, nem o “promotor” teriam interesse em que ocorresse - foi, que, havia um problema resultante do facto de existirem sobre os prédios incluídos na operação urbanística hipotecas de que era beneficiário o BES, que pretendia acautelar as garantias de que dispunha, sendo que “…o que a câmara queria e o que o plano de pormenor determina era que fossem canceladas as hipotecas existentes e o banco, portanto, abria mão das hipotecas que tinha constituídas…”.
Referiu o mencionado João ter formulado uma proposta, que foi “transmitida ao cliente” como forma de solução da questão “para o banco não ficar fragilizado nas colaterais. Porque o banco, para o crédito que tinha, abria mão do colateral todo e só recebia cerca de metade, fazendo assim uma conta… assumindo que os seis lotes eram iguais, só podia constituir hipoteca sobre três…E o problema não era só esse. É que não se sabia quando é que viriam a existir os outros três que poderiam vir a ser hipotecados no futuro e se alguma vez eles existiriam e, portanto, o banco ia ficar ali numa situação em que reduzia substancialmente o colateral para o crédito, portanto, é um tema de risco. E a solução que foi… que eu, na altura, alvitrei, que sugeri, foi, proponha-se à câmara o registo de novo alvará, fazer um contrato de permuta em que a câmara terá direito, de facto, às cedências, a toda a área fora dos três lotes, mas essa área só é concedida à câmara quando a câmara emitir o alvará para a fase subsequente que permita ao banco constituir a hipoteca. E o banco aí – o banco e o cliente – tinham uma moeda de troca”. Mas, referiu esta testemunha que, não obstante apresentada “ao cliente”, essa solução não teve “seguimento”.
A referida testemunha, que depôs com clareza, segurança e objetividade, salientou – não impedimento da entidade bancária – mas que não foi possível fazer o registo do alvará, que, ao que sabe, “não foi emitido ou formalmente aprovado”.
Não ficou, pois, em face desses depoimentos ou de qualquer outro meio de prova, demonstrada alguma conduta do réu …BANCO ou do BES no sentido de impedir o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial ou da sua inscrição na matriz predial urbana, mas de, por razões justificadas – nos termos concretizados por João – não ter assentido em reduzir as garantias de que disporia sobre os terrenos, não aceitando a transferência de garantia para uma unidade inicial de execução do PPHP, não sabendo, se e quando, iriam ser executadas as demais áreas do PPHP – salientando que era uma temática “de risco” para o banco - , não merecendo, pois, qualquer censura a não inclusão da referida factualidade no rol dos factos provados, devendo manter-se, a mesma, integrada no rol dos factos não provados.
Improcede a alegação dos recorrentes a este respeito.
* NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
1. O 2º Réu foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03.08.2014, como banco de transição no quadro de uma medida de resolução bancária, tendo sucedido nos direitos e obrigações titulados pelo extinto Banco Espírito Santo, S.A., nos termos definidos pelas deliberações de 03.08.2014, 11.08.2014 e 29.12.2015.
2. Uma das deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29.12.2015 (aquela conhecida por “Deliberação Contingências”) determinou, além do mais, que «(…) não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (…), independentemente da sua natureza (…) e de se encontrarem ou não registados na contabilidade do BES» (ponto A) e, ainda, que «(…) [n]a medida em que, não obstante as clarificações acima efectuadas, se verifique terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014» (ponto C).
3. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Vila do Bispo, em 28 de Maio de 1981, a PORTI… - Sociedade de Construção, Gestão e Turismo, Lda. adquiriu à AGERG - Agrupamento Complementar de Empresas, A.C.E., o prédio rústico sito na Senhora do Pé da Cruz, freguesia e concelho de Por…, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo 1258.° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o n.° 7688, actual descrição n. 10491/20110809, área comummente denominada por “Horta do Palácio”.
4. Para esta área de terreno, havia sido emitido pela Câmara Municipal de Por…a pedido da AGERG, em 08.08.1980, o Alvará de Loteamento n.º 6/80, o qual autorizou a constituição de nove lotes no prédio rústico situado na Senhora do Pé da Cruz, descrito na CRP de Por… sob o n.º 7788 (actual descrição n.º 10491/20110809), com uma área de construção total de 65.332 m2.
5. Nos termos do mesmo Alvará n.º 6/80, foram doados à CMP…, para instalação de arruamentos, parques e outras infraestruturas, terrenos com uma área de 14.854 m2.
6. Em virtude da aprovação da operação de loteamento titulada pelo Alvará 6/80, foram desanexados daquele prédio os seguintes, entre 1982 e 1988:
(i) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito na Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número um", inscrito na respectiva matriz no artigo 8553, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2229;
(ii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito na Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número dois", inscrito na respectiva matriz no artigo 8555, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2230;
(iii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito em Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número quatro", inscrito na respectiva matriz no artigo 9529, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2231;
(iv) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana, sito em Senhora do Pé da Cruz, denominado "lote número cinco", inscrito na respectiva matriz no artigo 9527, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2232;
(v) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designado por "lote seis", sito no Sítio da Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 9528, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 9559;
(vi) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designado por "lote sete", sito no Sítio da Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 95254, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 9560;
(vii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designada por "lote oito", sito no Sítio da Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 9524, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 9561;
(viii) Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção urbana designado por "lote número nove", sito em Senhora do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 95286, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 2233;
(ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na Rua do Pé da Cruz, inscrito na respectiva matriz no artigo 11, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 9563.
7. Em 26.08.1988, o Alvará n.º 6/80 foi averbado em nome da Porti….
8. Em 12 de Novembro de 1996, em cumprimento de uma dívida que mantinha para com vários Bancos, a Sociedade de Construções ERG, S.A. e, ainda, a Intersol - Empreendimentos Turísticos, S.A. e a Luamar - Sociedade de Empreendimentos Turísticos de Porto Santo e Madeira, Lda., entregaram ao então Banco Internacional de Crédito, S.A. (mais tarde integrado, por fusão, no Banco Espírito Santo, S.A.) e a outros Bancos, a totalidade do capital social da Porti… - Sociedade de Construção, Gestão e Turismo, Lda. e, indissociavelmente, o (único) activo imobiliário que o integrava.
9. A sociedade Porti… veio a ser adquirida pelo 1º Réu, à data denominado Fundo de Gestão de Património Imobiliário – Fung….
10. Por deliberação da CMP de 23.04.1996, notificada à Porti… por ofício datado de 30.04.1996, foi declarada a caducidade do Alvará n.º 6/80, tendo também sido requerido o cancelamento do respectivo registo.
11. Por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.04.2001, transitado em julgado em 02.05.2001, foi confirmada a improcedência do recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 15.05.1997, que julgou improcedente o recurso de anulação interposto contra o acto de declaração de caducidade do Alvará.
12. A Porti…, desde finais de 2006, à data detida pelo 1.º réu, procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João de …e Pedro Ferreira ….
13. Do Anexo I ao estudo prévio, constavam duas propostas com diferentes datas (06.11.06 e 13.03.07) sendo que, em ambos os casos, a área total do terreno não ultrapassava os 20.000 m2 e as áreas médias de construção previstas acima e abaixo do solo, respectivamente, não iam além de 25.000m2 e 23.000m2, tendo sido estas as áreas do projecto de loteamento que foram promovidas pelos Réus a partir de finais de 2006.
14. O mesmo atelier de arquitectos preparou uma memória descritiva que acompanhou o referido estudo prévio, da qual consta, além do mais que ora se dá por reproduzido, que os elementos aí constantes «(…) são suporte da Proposta de Loteamento elaborada com o objectivo de recolher uma 1.ª apreciação da C.M. Por…. com vista à sua sensibilização para as negociações indispensáveis a um prosseguimento seguro do Projecto de Loteamento da Horta do Palácio (…)», referindo-se, adiante, que se pretendia «(…) encontrar, conjuntamente com a CM Por…, uma boa solução para a ocupação das áreas livres da Horta do Palácio, no Centro de Por…, cujo desenvolvimento urbano foi suspenso pelo cancelamento do Alvará de Loteamento n.° 6/80».
15. Os Autores foram informados por um representante do BES que estava a ser promovida a venda dos terrenos identificados em 3., para construção urbana, que, por se situarem a nascente do Estado do Porti…, a 100 metros da zona ribeirinha de Por…, PSP, Tribunal e outros serviços, constituía uma zona com excelentes infra-estruturas, grande projecção urbanística, bons acessos, bom estacionamento e bem servida de transportes públicos locais.
16. Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos, e essa informação constava do processo camarário referente a esse imóvel.
17. Essa operação de loteamento tinha os seguintes parâmetros: um terreno com uma área de 19.954 m2, que poderia vir a ter uma área de construção acima do solo de 25.945 m2; uma área de construção abaixo do solo de 23.550 m2, sendo 20.700 m2 habitacional, 5.240 m2 destinada a comércio e serviços e 23.550 m2 de garagem em cave; 152 fogos, 35 lojas, 3 pisos abaixo do solo e 7 pisos acima do solo.
18. A operação de loteamento projectada pelos Réus, embora não tivesse chegado a dar entrada formal junto da Câmara Municipal de Por…, tinha sido elaborada após conversações informais com estes serviços.
19. Na medida em que a área de terreno designada como “Horta do Palácio” era o único activo da Porti…, a venda da própria empresa ou a cessão de quotas da totalidade do seu capital social foi sempre uma hipótese equacionada e apresentada como opção possível para concretização da aquisição dessa área pelos Autores.
20. Para justificar as vantagens desta opção, os representantes do BES transmitiram aos Autores que, com a cessão de quotas, não era devido o pagamento de IMT nem IS, pelo que o negócio se tornaria mais barato.
21. A família Cab… é uma conhecida família de empresários algarvios, detentora de diversas sociedades com vasto património imobiliário e com experiência nos sectores da construção civil e promoção imobiliária/turística.
22. Não obstante os Autores terem sido informados que a operação de loteamento em curso já havia sido discutida com a Câmara e projectada de acordo com as condicionantes da área, aqueles pediram expressamente aos Réus que não prosseguissem com tal operação, assegurando-lhes que as suas relações privilegiadas com o executivo camarário lhes permitiriam um investimento mais rentável.
23. Previamente à aquisição da Porti…, os 4° e 5° Autores pediram autorização ao FUNG… para realizar uma auditoria jurídico-financeira/“due diligence” à empresa, o que foi autorizado pelo 1º Réu, tendo-lhes sido disponibilizada toda a documentação solicitada/disponível, entre a qual a relativa ao processo administrativo/judicial relativo à caducidade do alvará 6/80.
24. Por escritura pública de 05.11.2007: foi unificada, numa única quota do valor nominal de € 374.908,42, as 13 quotas em que o capital social da Porti… estava dividido; esta quota única de € 374.908,42 foi dividida em duas novas quotas dos valores nominais de € 269.350,86 e de € 104.747,56; Pelo preço de € 4.932.000,00, o 1° R. cedeu à 1ª A., Crediférias, a quota do valor nominal de € 269.350,86; Pelo preço de € 1.918.000,00, o 1° R. cedeu à 2ª A., Credigolf, a quota do valor nominal de € 104.747,56.
25. No mesmo dia e para efectuar o pagamento de parte do preço pelos quais haviam adquirido, por via indirecta, os terrenos pertencentes à Porti…, a aqui 1ª Autora celebrou com o BES um Contrato de Financiamento com o n.° ..004472/07 através do qual este lhe emprestou a quantia de € 5.480.000,00.
26. Para assegurar o bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes do referido contrato, nomeadamente a obrigação de restituição da quantia mutuada, foram prestadas as seguintes garantias: Hipotecas voluntárias a favor do BES sobre os terrenos de que a Porticentro era proprietária e que constituíam o seu único activo; Livrança subscrita pela Cliente “Crediférias” e avalizada pelos seus administradores Ma..., H... e L…; Penhor das duas quotas dos valores nominais de € 269.350,86 e €104.747,56, representativas do capital social da Porti….
27. Para liquidar a parte restante do preço, no mesmo dia a 1ª Autora recorreu à utilização dos fundos disponibilizados pelo contrato de empréstimo sob a forma de conta corrente caucionada n.º …0002188/07 (mais tarde substituído pelo contrato n.º …000472/11), que havia celebrado com o BES em 03.09.2007, até ao montante de € 2.500.000,00.
28. Ao tomarem conhecimento da irreversível caducidade do Alvará 6/80, e considerando que, por essa razão, também não se concretizou a doação à CMP… da área restante do prédio que havia sido acordada no âmbito da concessão desse alvará, os Autores, através da Porti…, propuseram à Câmara a elaboração de um Plano de Pormenor para toda a área do prédio “mãe”.
29. Assim, após a aquisição pelos Autores da Porti…, os mesmos dedicaram-se à preparação e implementação desse Plano de Pormenor, o qual passou a ser conhecido como “Plano de Pormenor Horta do Palácio” (“PPHP”), com uma intervenção de 109.450,16 m2.
30. Para isso, os Autores mantiveram com o BES a sua relação como clientes, nomeadamente no âmbito do financiamento concedido à Autora Crediférias, cujos pagamentos foram efectuados até Novembro de 2012.
31. O PPHP foi aprovado pela Assembleia Municipal de Por… em 28 de Fevereiro de 2011, tendo o respectivo regulamento sido publicado por Aviso n.° 7949/2011 no Diário da República, 2.° Série, n.° 63, de 2011.
32. Desde 05.11.2007 que a 1ª Autora concentrou toda a sua actividade no desenvolvimento do projecto imobiliário para a mencionada área, nele tendo investido todos os seus recursos e ainda os recursos próprios dos seus accionistas.
33. O PPHP ainda não foi executado e a operação de reparcelamento ali prevista ainda não foi aprovada.
34. Por via da medida de resolução, o 2º Réu assumiu a posição de credor em todos os financiamentos que haviam sido concedidos aos Autores pelo BES, os quais, pelo menos desde Novembro de 2012, já se encontravam em situação de incumprimento.
35. Nessa medida, o 2º Réu, em 31.12.2014, mediante a desmobilização de contragarantias no âmbito do financiamento n.° …000472/11, procedeu à amortização de capital, no valor de € 1.954.578,65, e de juros e imposto do selo, nos montantes de € 94.203,32 e € 3.768,13, respectivamente, (total € 2.052.550,10), apesar de não ter, ainda, procedido ao preenchimento das livranças e execução das mesmas contra os Autores pessoas singulares que nelas figuram como avalistas.
36. Desde 6/11/2007 e até à propositura da presente acção, a 1ª A. pagou ao 2° R. o montante global de €1.824.675,98 em juros, comissões e demais encargos relativos ao Contrato de Financiamento com o n.° …004472/07.
37. Desde 6/11/2007 até à propositura da presente acção, a 1ª A. pagou ao 2° R. o montante global de €511.076,11 em juros, comissões e demais encargos relativos à utilização de fundos feita no âmbito do contrato de financiamento …O002188/07, mais tarde substituído pelo …O000472/11.
38. A área dos 6 lotes de terreno para construção urbana criados pelo Plano de Pormenor atribuídos à Porti… passou a ser de 21.300,81 m2.
39. Uma simulação pelos critérios da Autoridade Tributária e Aduaneira feita em 2015 feita pelos Autores conferia aos 6 lotes de terreno para construção decorrentes do Plano de Pormenor aprovado e atribuídos à Porti… os seguintes valores, num total de € 19.485.510,00:
LOTE 1 - € 4.023.710,00
LOTE 2 - € 3.362.510,00
LOTE 3 - € 3.752.830,00
LOTE 4 - € 2.394.400,00
LOTE 5 - € 2.940.810,00
LOTE 6 - € 3.011.256,00
40. Para desenvolver e implementar o PPHP, era indispensável garantir à Câmara Municipal de Por… a execução das necessárias e projectadas infra-estruturas, hipotecando-lhe um dos 6 novos lotes.
41. Era também indispensável obter o financiamento necessário à execução dessas infra-estruturas, o que só seria exequível com a constituição de hipoteca sobre um outro dos 6 novos lotes pertencentes à Porti….
42. Com esse desiderato, os Autores propuseram ao BES que cancelasse as diversas hipotecas que havia constituído sobre os 8 lotes de terreno constituídos no âmbito do alvará n.º 6/80 e que as substituísse por hipotecas constituídas sobre 4 dos 6 lotes de terreno para construção urbana criados pelo Plano de Pormenor (deixando assim dois lotes livres para garantia da execução das infra-estruturas e do financiamento para a sua execução).
43. Tanto o BES como, posteriormente, o 2º Réu sempre recusaram tal proposta.
44. A manutenção das hipotecas sobre os antigos 8 lotes inviabiliza o registo do PPHP.
45. O 2º Réu já requereu a insolvência da 1ª Autora e da Porti…, tendo as respectivas acções sido julgadas improcedentes.
46) A Porti…. celebrou os seguintes contratos com o BES:
- Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº …C 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porticentro a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária;
- Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº …O 12320/10, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido;
- Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº …C 5512/11, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária.
47) Os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Por… sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam até 17 de junho de 2014.
48) Até 17 de Junho 2014, a Conservatória do Registo Predial de Por… não anotou na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará n.º 6/80 a caducidade deste Alvará.
* NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
a) Que a inexistência, na Câmara Municipal de Por….., do novo loteamento projectado pelos Réus reforçou a convicção dos 3º e 4º Autores de que seria possível e até fácil a reactivação do caducado alvará de loteamento n.º 6/80, tendo essa reactivação como certa, tratando-se de uma garantia dada pelo BES (arts. 37º e 38º da p.i.);
b) Que Autor H... recusou liminarmente a ideia de a transacção dos terrenos se fazer através da cessão de quotas da Porti… (art. 42º da p.i.);
c) Que a exigência do BES de constituir hipoteca sobre todos e cada um dos 8 lotes de terreno para construção urbana reforçou a convicção dos Autores de que aqueles lotes existiam e tinham o valor que o vendedor lhes atribuía (artigo 50º da p.i.);
d) Que só depois do negócio que determinou a transferência dos 8 lotes de terreno para os Autores é que estes, através do Arq. Hg..., souberam, junto da CMP…, que o alvará não podia ser reactivado (art. 58º da p.i.);
e) Que todo o processo (judicial e administrativo) referente à caducidade do alvará foi mantido em segredo e ocultado dos Autores, antes e depois da cessão de quotas (art. 76º da p.i.);
f) Que o Autor H... ilva se sentiu ofendido e humilhado ao tomar conhecimento de que o alvará não podia ser reactivado (art. 78º da p.i.);
g) Que a aprovação do PPHP demorou cerca de 3 anos e meio, quando a expectativa dos Autores, no momento da compra dos prédios, era a de que a reactivação do Alvará demorasse apenas 3 ou 4 meses (art. 85º da p.i.);
h) Que, se as 1ª e 2ª Autoras não tivessem adquirido as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…, o 3º Autor nunca teria empenhado as unidades de participação identificadas nos artigos 88º e 92º da p.i. (art. 93º da p.i.);
i) Que avaliadores especializados, muito qualificados e que prestam habitualmente serviços aos Bancos e também ao BES, em avaliações feitas em Janeiro de 2014, atribuíram aos direitos de construção da Porti… um valor de mercado entre €18.096.644,00 e € 25.905.000,00 (art. 99º da p.i.);
j) Que o BES e, posteriormente, o 2° Réu impediram o registo do Plano de Pormenor na Conservatória do Registo Predial e impediram a sua inscrição na matriz predial urbana (art. 105º da p.i.);
k) Que a estratégia adoptada pelos Autores, em face da informação que colheram junto da CMP…, foi, por diversas vezes, desaconselhada pelos representantes do 1º Réu as reuniões de negociação (artigo 99º da contestação do 2º Réu).
l) Que a celebração dos contratos mencionada em 46) tenha tido o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio.
m) Que o actual valor dos prédios de que a Porti… é proprietária seja, no mínimo, de € 18.000.000,00.
n) Que o Plano de Pormenor (PPHP) tenha valorizado o actual activo da Porticentro, valendo, hoje, no mínimo, € 18.000.000,00.
o) Que, quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva.
p) Que o referido em 12) dos factos provados tenha ocorrido desde a data referida em 11).
* III) Impugnação da decisão de direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando as questões enunciadas a este título.
* M) Se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 619.º e 621.º do CPC ao considerar transitada em julgado a decisão proferida na acção n.º …600/17.5T8PTM, o que não sucedeu, não tendo a mesma força de caso julgado em relação à presente acção?
Alegam os recorrentes que a decisão recorrida incorreu em erro grosseiro na apreciação da decisão proferida no processo n.º ..600/17.5T8PTM.
Para tanto, aduziram o seguinte: “Pode ler-se na sentença recorrida o seguinte: “Questionaram, também, os Autores a situação jurídica dos imóveis, em termos de, sendo os lotes inexistentes (por efeito da caducidade do alvará 6/80), as hipotecas sobre os mesmos constituídas e vigentes à data da cessão de quotas da sociedade e respectiva transmissão de propriedade seriam, necessariamente, nulas, por falta de objecto. Ora, quanto a esta questão jurídica, pouco ou nada haverá nesta sede a acrescentar, considerando, antes do mais, a decisão tomada e transitada em julgado na acção n.º ..600/17.5T8PTM, que versou, precisamente, sobre a pretensa nulidade dessas garantias reais. Com efeito, pese embora em tal acção apenas terem intervindo, como sujeitos processuais, a Port… e o 1º Réu, é óbvio que a questão de direito aí discutida e agora referida foi precisamente a mesma e envolveu, pelo menos do lado dos demandantes, os mesmos interessados: pois que, conforme se alcança das certidões de registo comercial constantes dos autos, a Porti… é detida, exclusivamente, pelas duas sociedades Autoras na presente acção, não restando dúvidas, portanto, de que a solução aí alcançada tem força de caso julgado, nos termos e para os efeitos dos artigos 619º e 621º do C.P.C..” Lê-se e não se acredita. Na verdade, a decisão que a sentença recorrida refere é o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no âmbito do processo nº ..600/17.5T8PTM em que era A., apenas e só, a aqui A. Porti… e R., apenas e só, o aqui R. …Banco, S.A.. E esta decisão não havia transitado em julgado na data em que foi proferida a sentença recorrida e também ainda não transitou em julgado na presente data. De facto, este acórdão foi junto aos autos, em cópia simples, com as alegações do R. …Banco, S.A.. Da cópia junta decorre que foi enviada ao mandatário do …Banco, S.A. notificação de tal acórdão no dia 14/7/2020 (um dia antes de atingido o termo do prazo acordado pelas Partes para entrega das suas alegações de direito). Atendendo a que as notificações aos mandatários se consideram feitas no 3º dia útil posterior ao envio (art.º 248º, n.º 1, do do CPC), o ali R. …Banco, S.A. considerou-se notificado do acórdão no dia 17 de Julho de 2020. Tendo em conta que as férias judiciais tiveram início no dia 16 de julho e terminaram no dia 31 de agosto e partindo do princípio que também a A. naquela acção havia sido notificada do acórdão no dia 17/07/2020 – o que, de facto, aconteceu - o prazo para recorrer do acórdão em análise só se iniciou no dia 1 de Setembro de 2020 e, como tal, nunca poderia ter terminar antes do dia 6 de Outubro de 2020. (art.os 138º, n.º 1, e 139º, n.º 5, do CPC). A sentença recorrida nos presentes autos foi proferida no dia 10 de setembro de 2020. O que impõe a conclusão de que, no dia em que foi proferida a sentença recorrida, o acórdão em causa estava longe, muito longe, de sequer poder ter transitado em julgado. Acresce que, exercendo o seu direito, a aqui recorrente, interpôs recurso de revista excepcional daquele acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça conforme cópia de alegações que, ao abrigo do disposto no art. 651º, nº 1 do C.P.C., se juntam. Como é óbvio e evidente, a decisão a que a sentença recorrida se refere não havia transitado em julgado na data em que ela foi proferida e também ainda não transitou em julgado na presente data. E mesmo que tal decisão tivesse transitado em julgado, tal facto teria de ter sido provado através da necessária certidão judicial nos termos do disposto no art.º 364º do Código Civil. A sentença recorrida é, pois, nesta parte errada, absolutamente errada e ilegal. Acresce que, ainda que tivesse transitado em julgado, a decisão contida no referido acórdão não teria em relação à presente acção força de caso julgado nos termos dos arts. 619º e 621º do C.P.C... Na verdade, dispõe o art. 619º do C.P.C. que: “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos arts. 580º e 581º (…)”. Ora, nos termos do art. 580º, nº 1 do C.P.C., as excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa. Se uma causa se repete estando a anterior em curso, há lugar a litispendência, se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado. Nos termos do disposto no art. 581, nº 1 do C.P.C. repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Pois bem, entre a acção onde foi proferido o acórdão referido na sentença (acção n.º …600/17.5T8PTM) e a presente acção não existe identidade de sujeitos, nem de pedido e nem de causa pedir. Quanto aos sujeitos: Na acção nº …600/17.5T8PTM os sujeitos são a Porti… (Interveniente nestes autos) e a o … Banco, S.A. (2º R. nesta acção), nenhum dos AA. é parte na acção e também não o é o 1º R. Fung…. Quanto ao pedido: Na acção nº ..600/17.5T8PTM, a Porti… pede a declaração de nulidade das 3 hipotecas voluntárias a favor do …Banco, S.A. e registadas sobre os prédios descritos no ponto 6 dos factos provados. Nesta acção, os AA. pedem a declaração de nulidade da cessão de quotas celebrada em 5/11/2007 pela qual a Crediférias e a Credigolf adquiriram ao R. Fung… a totalidade do capital social da Porti… e ainda, por com esta formarem uma união de contratos, a nulidade dos seguintes actos e contratos: - O contrato de Financiamento com o n.º …004472/07 celebrado entre a 1ª A. e o BES através do qual este lhe emprestou a quantia de € 5.480.000,00 para pagar parte do preço das quotas; - Todas as garantias constituídas para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes deste Financiamento …004472/07, nomeadamente: i) constituição de hipotecas voluntárias sobre os já referidos e identificados oito prédios urbano ii) contrato de penhor das quotas representativas do capital social da Porti… iii) Avales pessoais dados pelos 3ºs e 4º AA. - A utilização dos fundos no montante de € 2.105.000,00 no âmbito contrato de empréstimo nº …O002188/07 (posteriormente substituído pelo nº…O000472/11) para pagamento da parte restante do preço das quotas e para custear o desenvolvimento do PPHP; - Avales pessoais dados pelos 3ºs e 4ºAA. para garantia do bom e pontual pagamento da referida quantia de € 2.105.000,00 utilizada ao abrigo do referido contrato de empréstimo nº ECO002188/07 (posteriormente substituído pelo nºECO000472/11); - Todos os avales pessoais dados pelos 3ºs e 4 AA. no âmbito dos contratos de financiamento celebrados entre o BES e a Porticentro e que, como se alegou, se destinaram, única e exclusivamente, ao desenvolvimento do projecto imobiliário que tinha por objecto os mencionados e inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo e que os 3ºs e 4º AA. só deram porque a Crediférias e a Crédigolf eram as únicas sócias da Porticentro. - O penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido constituído para garantia do Contrato de Financiamento nº … 12325/10, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 350.000,00. Subsidiariamente, os AA. pedem ainda a condenação do R. Fung… no pagamento de indemnização a título de enriquecimento sem causa. Quanto à causa de pedir: Na acção nº ..600/17.5T8PTM, a Porti… invoca, como causa de pedir, a inexistência jurídica dos lotes que constituem o objecto das hipotecas decorrente da caducidade do alvará de loteamento 6/80. Na presente acção, os AA. invocam, como causa de pedir, os factos que demonstram que a cessão de quotas em crise nestes autos é um negócio jurídico indirecto fraudulento por ter sido celebrado apenas para conseguir o resultado típico da compra e venda dos oito inexistentes lotes de terreno que constituíam o único activo da Porticentro. Este resultado foi obtido em violação do art. 49º do RJUE (norma imperativa de interesse público) e em violação dos arts. 280º por ter por objecto lotes inexistentes (objecto legalmente impossível). Tudo para concluir que, mesmo que o acórdão proferido na acção nº ..600/17.5T8PTM tivesse transitado em julgado – e, como se viu, não transitou – nunca se poderia afirmar, como afirmou a sentença recorrida, que a “solução aí alcançada tem força de caso julgado” (pudesse esta afirmação ser verdadeira e os RR. teriam invocado a excepção de litispendência em relação àquela acção e, como se sabe, não o fizeram). No limite, o que podia, isso sim, era considerar-se que, transitada em julgado, aquele acórdão, no que se refere à questão da (in)existência dos lotes, poderia ter autoridade de caso julgado sobre a decisão a proferir sobre a mesma questão nesta acção. Poderia, mas não pode. É que, antes daquele acórdão, a inexistência jurídica dos lotes foi já confirmada e reconhecida pelos nossos Tribunais no âmbito dos processos de reclamação dos actos de penhora e de decisão de venda de alguns dos “lotes” em causa, onde expressamente se entendeu que, por força da caducidade do alvará de loteamento, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir e, como tal, não podem ser objecto de quaisquer actos jurídicos, negócios, direitos e, naturalmente, não podem ser objecto de penhora ou venda. E os AA. juntaram com a sua P.I., como Docs. 45 a 48, as 4 sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé onde esta inexistência jurídica foi reconhecida. E, na resposta à contestação dos RR., os AA. pugnaram pelo reconhecimento da autoridade de caso julgado das mencionadas sentenças no que se refere ao reconhecimento da inexistência jurídica dos lotes criados pelo caducado alvará 6/80. Para tanto, invocaram os AA. a jurisprudência que tem vindo a reconhecer este novo instituto e citaram o o recente Acórdão do STJ de 30/3/2017 (in www.dgsi.pt): “I Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes: a) uma função negativa, reconduzida à excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar entre as mesmas partes em acção futura; b) uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou noutros tribunais. II A excepção de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no art. 581º do CPC: a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade da causa de pedir. III Já a autoridade de caso julgado não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.IV – A autoridade de caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objecto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.“ (No mesmo sentido, entre muitos outros, cfr. Acs. do STJ de 23/11/2011, 10/10/2012 e 15/1/2013, todos em www.dgsi.pt) Em vão. Incompreensivelmente, o que reconheceu ao acórdão não transitado em julgado proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a sentença recorrida não conseguiu encontrar nas sentenças transitadas em julgado proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé. De tal forma que estas decisões não foram sequer mencionadas. Pelo exposto, impõe-se as seguintes conclusões de direito: 1 - A solução alcançada no acórdão proferido na acção nº ..600/17.5T8PTM para o estatuto jurídico dos lotes em causa nestes autos não tem força de caso julgado. A sentença recorrida violou, neste parte, o disposto nos arts. 619º e 621º do C.P.C.. 2 – A solução alcançada nas quatro sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e juntas com a P.I. como Docs. 45 a 48 sobre o estatuto jurídico dos mesmos lotes tem autoridade de caso julgado nesta acção que deve ser respeitada para que sobre a mesma questão não recaiam decisões judiciais contraditórias”.
Sobre esta alegação o réu …BANCO contra-alegou, nos seguintes termos: “(…) 115. A esse respeito, em primeiro lugar, é preciso referir que, no seu requerimento de 15.07.2020, o NB referiu expressamente que a decisão ainda não tinha transitado em julgado. 116. Em segundo lugar, convém também esclarecer que, como resulta claro da Sentença, quando se refere ao efeito de caso julgado, o Tribunal a quo não está a referir-se à integralidade dos pedidos formulados pelos Recorrentes, mas apenas à suposta nulidade das hipotecas por inexistência de objecto. 117. Em terceiro lugar, diga-se que esse efeito de caso julgado sempre seria irrelevante para a decisão do Tribunal a quo sobre essa questão jurídica, pois logo no parágrafo seguinte (iniciado, de forma elucidativa, com a expressão “de todo o modo”) o Tribunal a quo esclarece que, independentemente da decisão proferida no processo que correu termos em Portimão, também não teria como divergir do teor do Parecer que o NB juntou a estes (e àqueles) autos, do Prof. Dr. J. A. Mouteira Guerreiro, 118. O que nos leva à conclusão óbvia de que, vinculado ou não pelas decisões proferidas naquele processo, a decisão do Tribunal a quo sobre a suposta nulidade das hipotecas por inexistência de objecto seria sempre no sentido da improcedência, 119. De onde, por sua vez, esta linha de argumentação dos Recorrentes, além de não ter relevância para efeitos da decisão deste recurso, sempre deverá improceder. Além disso: 120. Como já tínhamos tido oportunidade de adiantar é neste segmento que os Recorrentes, tão chocados com o potencial caso julgado das decisões proferidas no outro processo, já não se mostram minimamente incomodados com esse efeito, se ele decorrer de algumas sentenças que juntaram a estes autos, 121. Sentenças sobre as quais os Recorridos se pronunciaram expressamente nestes autos (e naqueles, onde a estratégia já tinha sido tentada pelos Recorrentes), 122. Para esclarecerem que, ora foram processos nos quais não estiveram envolvidos a nenhum título, e que portanto decorreram sem que estes pudessem pronunciar-se sobre quaisquer questões ou produzir qualquer prova, simplesmente porque deles não foram pares, 123. Ora, além disso, num dos casos, estava em causa uma decisão proferida num processo de insolvência, cuja natureza não se compadece com o detalhe que se exige na avaliação de uma questão jurídica como a da nulidade das hipotecas, já que o seu objecto é a aferição da situação de solvência ou insolvência de uma entidade. 124. Por essa razão, tal como já havia pugnado nestes autos, o NB reitera que uma tal pretensão dos Recorrentes nunca poderia ser atendida, devendo, uma vez mais, improceder”.
Ora, conforme se lê na sentença recorrida, o Tribunal abordou a questão – suscitada pelos autores – sobre a “situação jurídica dos imóveis, em termos de, sendo os lotes inexistentes (por efeito da caducidade do alvará 6/80), as hipotecas sobre os mesmos constituídas e vigentes à data da cessão de quotas da sociedade e respectiva transmissão de propriedade seriam, necessariamente, nulas, por falta de objecto” – e, relativamente à mesma, aludiu à “decisão tomada e transitada em julgado na acção n.º …600/17.5T8PTM, que versou, precisamente, sobre a pretensa nulidade dessas garantias reais”.
Mais se considerou na sentença recorrida que: “Com efeito, pese embora em tal acção apenas terem intervindo, como sujeitos processuais, a Porti… e o 1º Réu, é óbvio que a questão de direito aí discutida e agora referida foi precisamente a mesma e envolveu, pelo menos do lado dos demandantes, os mesmos interessados: pois que, conforme se alcança das certidões de registo comercial constantes dos autos, a Porti…é detida, exclusivamente, pelas duas sociedades Autoras na presente acção, não restando dúvidas, portanto, de que a solução aí alcançada tem força de caso julgado, nos termos e para os efeitos dos artigos 619º e 621º do C.P.C.”.
Vejamos:
Conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
De acordo com o critério da eficácia, distingue-se entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1, do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º do CPC. “Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito) (…). Nos termos do art.º 613.º agora em vigor (que reproduziu o artigo 666.º do diploma cessante), proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que era lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 do preceitos). Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-10-2015, P.º 231514/11.3YIPRT.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES).
A força obrigatória das decisões que gozam de caso julgado formal é absoluta: mantém-se mesmo que o juiz seja substituído por outro ou o processo seja remetido para outro tribunal ou não pode ser afastada com a mera invocação do princípio da adequação formal (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-12-2011, Pº 545/09.7T2OVR-B.C1, rel. CARLOS QUERIDO).
O n.º 2 do artigo 620.º do CPC determina que se excluem da regra do caso julgado formal “os despachos previstos no artigo 630.º”, exclusão que não significa que esses despachos não tenham força obrigatória dentro do processo, mas sim, que o juiz não estará vinculado a eles de modo absoluto, podendo alterá-los (assim, Rui Pinto; “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 5, consultado em: http://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/).
A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, cujo fundamento constitucional assenta no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito, do artigo 2.º da Constituição Portuguesa, à semelhança do que sucede com o trânsito em julgado.
A ocorrência da exceção de caso julgado supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas. Em termos lógicos, pressupõe-se, então, a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1, do CPC.
Tal situação pode ocorrer em termos intraprocessuais, quando se verifique que já foi proferida decisão entre as partes, relativamente a causas de pedir e a pretensões idênticas.
Assim, por exemplo: “O despacho proferido a indeferir liminarmente o incidente de habilitação, entendendo que o mesmo, tendo sido requerido depois de ter sido proferido o acórdão pelo qual se julgou definitivamente a ação, altura em que estavam já findos os termos desta, era manifestamente intempestivo, uma vez transitado em julgado, faz caso julgado formal, impedindo que posteriormente venha o tribunal a proferir novo despacho de sentido contrário” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2016, Pº 2450/10.5TVLSB.E1, rel. MATA RIBEIRO).
Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 13 e ss.) ensaia uma linha de atuação para a aferição, na prática, da relação de identidade entre causas, concluindo que, primeiro, “apura-se a consideração dos efeitos que uma eventual segunda decisão de mérito terá sobre a primeira decisão de mérito”, importando que, a primeira decisão haja transitado em julgado, nos termos do artigo 628.º CPC; “Depois, para efeitos da exceção de caso julgado há que comparar o teor da parte dispositiva da decisão já transitada com o perímetro potencial da decisão a proferir no segundo processo, segundo as soluções plausíveis da questão de direito, para o que relevam o objeto e os sujeitos determinados pelo autor na petição. Em suma: comparar uma decisão passada com uma potencial decisão futura”.
Não poderá olvidar-se que o efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 574).
Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que apenas poderá ter lugar em sede de recurso.
Finalmente, cumpre referir que o próprio ordenamento jurídico tem uma salvaguarda para a possibilidade de ocorrência de casos julgados contraditórios, valendo (na expressão legal: “cumprindo-se”) a decisão primeiramente transitada – cfr. artigo 625.º, n.º 1, do CPC. Este princípio é aplicável à contradição que exista entre duas decisões que, “dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual” (cfr. n.º 2 do artigo 625.º do CPC).
Em síntese, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019 (Pº 355/16.5T8PMS.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES): “1.- O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão). 3.- O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). 4.- Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir”.
Ora, no caso em apreço, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 14-07-2020, no âmbito do processo n.º …600/17.5T8PTM (cuja cópia foi junta aos presentes autos pelo réu …BANCO com o requerimento de alegações escritas apresentado em 15-07-2020) não se mostra transitado em julgado (o que, aliás, o réu …BANCO em tal requerimento deu expressa conta – cfr. artigos 20.º e 21.º do mesmo).
O parágrafo supra transcrito da decisão recorrida, porque assente no pressuposto – errado – de que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 14-07-2020 houvera transitado em julgado, não se mostra conforme com a situação de facto que a ele subjazeu, nem com os mencionados artigos 619.º e 621.º do CPC, aplicados à concreta situação do processo judicial em referência.
Em face do exposto, conclui-se que a decisão proferida no processo n.º …600/17.5T8PTM prolatada pelo Tribunal da Relação de Évora, não se mostra ainda transitada em julgado, não podendo constituir força de caso julgado relativamente à definição da situação jurídica objeto de tal lide, com reflexos para a decisão dos presentes autos.
O reflexo jurídico – ou a ausência dele – relativamente ao que vem sendo referido e, bem assim, sobre o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (cfr. Docs. 45 a 48 da p.i.) sobre o estatuto jurídico dos lotes, caberá na apreciação da questão seguinte, para aí se remetendo as considerações a respeito.
* N) Se a decisão recorrida deveria ter declarado a nulidade do contrato cessão de quotas de 05-11-2007, por violação dos artigos 49.º, n.º 1, do RJUE e 280.º, n.º 1, do CC e dos actos ou contratos que, não fosse a celebração daquela cessão, não teriam sido celebrados, nomeadamente o contrato de financiamento, garantias, utilização dos fundos e avales pessoais identificados no petitório formulado na petição inicial e a restituição do prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do CC?
Concluem os recorrentes que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 49º nº 1 do RJUE e 280º, nº 1 do Código Civil, devendo ser declarada a nulidade do contrato de cessão de 05-11-2007 e dos actos ou contratos que, não fosse aquela cessão, não teriam sido celebrados.
Para tal efeito alegaram o seguinte: “(…) A linha fundamental de argumentação nesta acção é negócio jurídico indirecto fraudulento que, como se verá, está provado (mais do que provado) nestes autos É verdade que os AA. alegaram e provaram que o R. Fung… não transmitiu aos AA. toda a informação disponível sobre os lotes, nem os informou sobre a irreverssibilidade da caducidade do alvará, nem os informou da existência da acção judicial que teve por objecto a cassação do alvará. Estes factos foram alegados pelos AA. como complementares aos factos essenciais e também para afastar a tese do abuso de direito que os RR. têm ensaiado desde que apresentaram as respectivas contestações. Mas eles não são os factos centrais da presente acção. Os factos essenciais e nucleares desta acção são os seguintes (e foram dados por provados na sentença recorrida): “Ponto 19 - “Na medida em que a área de terreno designada como “Horta do Palácio” era o único activo da Porti…, a venda da própria empresa ou a cessão de quotas da totalidade do seu capital social foi sempre uma hipótese equacionada e apresentada como opção possível para concretização da aquisição dessa área pelos Autores.” “Ponto 25 - No mesmo dia e para efectuar o pagamento de parte do preço pelos quais haviam adquirido, por via indirecta, os terrenos pertencentes à Porti…, a aqui 1ª Autora celebrou com o BES um Contrato de Financiamento com o n.° …004472/07 através do qual este lhe emprestou a quantia de € 5.480.000,00.” (sublinhados nossos) Estes factos provados não deixam dúvidas de que a cessão das quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… em crise nestes autos foi um meio de, através de um negócio típico, conseguir um fim atípico – através de um contrato de cessão de quotas concretizar a venda dos 8 lotes de terreno criados pelo caducado Alvará 6/80. Aliás, nenhuma das testemunhas que prestaram depoimento tem dúvidas de que o verdadeiro fim do negócio celebrado era a “compra e venda dos terrenos”, isto é, a transmissão da titularidade daqueles lotes de terreno para a esfera jurídica da Crediférias e da Credigolf. Ao contrário do que parecem defender os RR., o que caracteriza o negócio jurídico indirecto não é o “efeito jurídico” por ele produzido (que é sempre típico) mas sim o resultado alcançado (esse, sim, atípico) Como não nos temos cansado de repetir, a circunstância de ser um negócio indirecto não teria qualquer relevância se a opção das Partes pela cessão de quotas tivesse tido um fim atípico, mas lícito – por exemplo, estratégia empresarial ou simplificação burocrática. Porém, como decorre claríssimo dos autos, se não fosse através do contrato de cessão de quotas, não se conseguiria, como se conseguiu, o resultado típico da compra e venda dos oito inexistentes lotes de terreno que constituíam o único activo da Porti…. Repetimos o que já alegámos: O art. 49º, nº 1 do RJUE prescreve o seguinte: Artigo 49.º Negócios jurídicos 1 - Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes nos termos da alínea i) do artigo 2.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, devem constar o número do alvará ou da comunicação prévia, a data da sua emissão ou admissão pela câmara municipal, a data de caducidade e a certidão do registo predial. Repetimos ainda o que também já alegámos: Se a Porti… (ainda na titularidade do Fung…) tivesse vendido às AA. Crediférias e Credigolf os oito ex-lotes criados pelo caducado alvará 6/80, o art. 49, nº 1 do RJUE exigiria que na respectiva escritura de compra e venda ficasse absolutamente clara a definição do seu estatuto jurídico, isto é, ficasse absolutamente claro que estas unidades prediais não tinham qualquer aptidão construtiva, que elas já não eram lotes. Neste sentido, a deliberação do Conselho Consultivo RP 52/2013 : “Não será com certeza difícil encontrar os dizeres mais apropriados à prevenção de dúvidas: mormente quando a vontade das partes (na hipótese paradigmática do contrato dispositivo) seja a de transmitir o lote afetado pela caducidade na condição de prédio urbano destinado a terreno para construção (e não como lote), cremos que bastará que no título se consigne a declaração de que, atenta a declaração de caducidade do ato de aprovação do loteamento (com as adicionais precisões que se julguem adequadas relativamente à identificação da operação de loteamento e da declaração de caducidade que sobre ela recaiu), o prédio se transmite, não como lote, mas como “simples” terreno para construção” Ao optar pela cessão de quotas como forma indirecta de transmissão dos ex-lotes, as Partes violaram esta exigência legal imperativa o que permitiu que estas unidades prediais se tivessem transmitido com um estatuto de lotes e perdurassem na ordem jurídica com esse mesmo estatuto. E, como se viu, no dia imediatamente a seguir ao dia em que foi celebrada a escritura de cessão de quotas em crise nos autos, estas unidades prediais voltaram a ser objecto de negócio jurídico constitutivo de hipoteca voluntária (também em crise nestes autos) com este (falso) estatuto de lote. E o mesmo aconteceu com as escrituras de constituição das 2ª e 3ª hipotecas celebradas em 22/4/2009 e 27/2/2012. A cessão das quotas representativas da totalidade do capital social da Porticentro em crise nestes autos é, pois, um negócio jurídico indirecto fraudulento porque violou a norma imperativa e de ordem pública contida no art. 49º, nº 1 do RJUE. Pela mesma razão, esta compra e venda é também nula pela impossibilidade legal do seu objecto (inexistência jurídica) nos termos do disposto no art. 280º, nº 1 do Código Civil. Temos e mantemos o entendimento de que, por força da caducidade do Alvará 6/80, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir enquanto lotes, deixaram de ter qualquer aptidão construtiva e deixaram de poder ser alienados/transaccionados enquanto tais. E esta posição não é incompatível com a posição assumida, em tese, na sentença recorrida. De facto, na sentença recorrida defende-se que a caducidade do alvará não faz desaparecer as unidades prediais por ele criadas, apenas lhes retira aptidão construtiva. Em resumo e se bem a lemos, a sentença recorrida reconhece que a caducidade do alvará de loteamento altera o estatuto jurídico dos prédios por ele criados embora não altere a divisão fundiária por ele operada. Esta tese não é incompatível com o reconhecimento de que, uma vez cassado o alvará, os lotes – unidades prediais com uma aptidão construtiva específica - por ele criados não mais poderão ser objecto de negócios jurídicos. Os lotes, como lotes, desaparecem para dar lugar a parcelas de terreno sem aptidão construtiva atribuída. E, como se viu e é entendimento pacífico do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e Notariado, esta mudança de estatuto jurídico tem de ser absolutamente clara na titulação dos documentos que formalizam os negócios jurídicos que os têm por objecto. Esta, de resto, a tese defendida com uma clareza cristalina no Parecer da Senhora Professora Mónica Jardim que, ao abrido do disposto no art. 651º, nº 2 do C.P.C., se junta. É na titulação dos negócios e na ocultação da mudança de estatuto dos lotes em causa nestes autos que a sentença recorrida diverge do entendimento que expressamos considerando que o que se transaccionou foram já unidades prediais sem aptidão construtiva susceptíveis de constituir objecto de negócios jurídicos. Com todo o respeito, não foi isso que aconteceu porque em nenhum documento, em nenhum registo, em nenhum acto se menciona expressamente que os lotes – registados como lotes na Conservatória do Registo Comercial e inscritos como lotes na matriz predial - haviam perdido este estatuto. Por isso, o resultado do contrato de cessão de quotas em crise nestes autos foi, pois, um resultado proibido e ilegal – foram alienadas com o estatuto de lotes parcelas de terreno que haviam perdido esse estatuto. O que os AA. alegam (e não se cansam de repetir) é que o resultado do contrato de cessão de quotas em crise nestes autos foi, precisamente, permitir a transmissão dos lotes com o estatuto jurídico de lotes, o que nunca poderia acontecer se o contrato celebrado tivesse sido, como devia, o contrato de compra e venda. O contrato de cessão de quotas constituiu assim um meio de obter um resultado proibido – um contrato celebrado em violação do disposto no art. 49º do RJUE e um contrato que teve por objecto realidades jurídicas inexistentes (o objecto dos contratos é juridicamente inexistente, independentemente da sua existência física) e por isso violou também o art. 280º do Código Civil. E nulos são todos os actos ou contratos que, não fosse a celebração da cessão de quotas, nunca teriam sido celebrados, nomeadamente: a) O contrato de Financiamento com o n.º …004472/07 celebrado entre a 1ª A. e o BES através do qual este lhe emprestou a quantia de € 5.480.000,00 para pagar parte do preço das quotas (ponto 25 dos factos provados); b) Todas as garantias constituídas para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes deste Financiamento …004472/07, nomeadamente: i) constituição de hipotecas voluntárias sobre os já referidos e identificados oito prédios urbano ii) contrato de penhor das quotas representativas do capital social da Porticentro iii) Avales pessoais dados pelos 3ºs e 4º AA. (Ponto 26 dos factos provados) c) A utilização dos fundos no montante de € 2.105.000,00 no âmbito contrato de empréstimo nº …O002188/07 (posteriormente substituído pelo nº…O000472/11) para pagamento da parte restante do preço das quotas e para custear o desenvolvimento do PPHP (Ponto 27 dos factos provados); d) Avales pessoais dados pelos 3ºs e 4ºAA. para garantia do bom e pontual pagamento da referida quantia de € 2.105.000,00 utilizada ao abrigo do referido contrato de empréstimo nº …O002188/07 (posteriormente substituído pelo nº…O000472/11) (cfr. ponto a-1) da impugnação da matéria de facto); e) Todos os avales pessoais dados pelos 3ºs e 4 AA. no âmbito dos contratos de financiamento celebrados entre o BES e a Porticentro e que, como se alegou, sedestinaram, única e exclusivamente, ao desenvolvimento do projecto imobiliário que tinha por objecto os mencionados e inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo e que os 3ºs e 4º AA. só deram porque a Crediférias e a Crédigolf eram as únicas sócias da Porti… (cfr. ponto a-1) da impugnação da matéria de facto) , f) O penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido constituído para garantia do Contrato de Financiamento nº …O 12325/10, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 350.000,00. (cfr. ponto b-6) da impugnação da matéria de facto supra). Todos estes contratos estão ligados entre si por um nexo funcional - todos eles se destinaram ou a permitir e viabilizar o negócio fraudulento ou foram celebrados por causa dele - e, apesar de constituírem contratos separados, existe entre eles uma relação de dependência recíproca, nos termos da qual nenhum deles existiria se não existisse o negócio fraudulento. No que especificamente se refere aos actos e contratos destinados a financiar a aquisição das quotas, recordamos o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa de 9/6/2009, in www.dgsi.pt: “1 – A recíproca dependência entre o contrato de financiamento e o respeitante à aquisição financiada, corresponde à figura da união de contratos, repercutindo-se as vicissitudes de um no outro, arrastando a invalidade de um deles a destruição do outro, mostrando-se a ligação funcional entre venda e mútuo, mostrando-se a união desses contratos, a nulidade ou anulabilidade do contrato de compra e venda incidirá também sobre o contrato de mútuo. 2 – Os actos praticados à sombra de um negócio nulo, nulos são também, e, portanto, os negócios praticados à sombra de um negócio anulável, anuláveis são também.” (sublinhado nosso) O nexo funcional e de dependência que existe entre todos os actos e contratos mencionados determina a existência de uma verdadeira união de contratos e, face à relação de dependência recíproca que existe entre eles, da validade de um desses negócios, depende a validade de outros. (cfr. Vaz Serra, BMJ 91, págs. 11 e segs) Nos termos do disposto no art. 289º do Código Civil, a declaração de nulidade de negócio jurídico tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (…)”.
Sobre estas considerações da alegação, o réu …BANCO contra-alegou, nos seguintes termos: “(…) B. Do alegado negócio jurídico indirecto fraudulento 125. Não nos parece que da Sentença decorra que o objecto primeiro e essencial dos presentes autos seja a pretensa nulidade das hipotecas por inexistência do objecto. 126. Pelo contrário, parece-nos resultar bastante claro da Sentença recorrida que o Tribunal a quo começou por pronunciar-se sobre a suposta nulidade da própria cessão de quotas (e, por arrasto, dos demais negócios), ainda antes da referência à nulidade específica das hipotecas. 127. De qualquer forma, sobre esta matéria, começamos por referir que não é verdade que “os AA. alegaram e provaram que o R. Fung… não transmitiu aos AA. toda a informação disponível sobre os lotes, nem os informou sobre a irreversibilidade da caducidade do alvará, nem os informou sobra e existência da acção judicial que teve por objecto a cassação do alvará”. 128. Bem pelo contrário: para se confirmar, basta que se atente nos pontos 14, 16, 17 e 22 da matéria de facto provada. 129. Depois, sobre a confusão que os Recorrentes procuram levantar a propósito do artigo 49.º, n.º 1, do RJUE, não existe violação nenhuma, porquanto na cessão de quotas da Porti…não foram transmitidos quaisquer prédios como lotes, 130. Pois mesmo que se subscrevesse a tese absurda do negócio indirecto, os prédios em causa encontravam-se desprovidos de aptidão construtiva, como ambas as partes sabiam perfeitamente. 131. Além disso, e ainda que por absurdo se entendesse que da cessão de quotas devia ter constado uma menção expressa à data de caducidade do alvará, não se compreende por que razão da sua ausência resultaria a nulidade do negócio. 132. É coisa que o artigo 49.º, n.º 1, do RJUE certamente não estabelece e os Recorrentes não esclarecem. 133. Seguidamente, os Recorrentes vão ainda mais longe, afirmando que a cessão de quotas é nula por inexistência do objecto. 134. Sobre essa afirmação, ou se trata de um lapso dos Recorrentes, ou não faz qualquer sentido, pois se há coisa que não se crê ter sido alegada ou discutida nestes autos é a inexistência jurídica das quotas da Porti…. 135. Não é que não se espere tudo dos Recorrentes. 136. É só que um tal enquadramento jurídico careceria de uma causa de pedir que nem sequer se alcança e que certamente não consta destes autos. 137. Por fim, os Recorrentes procuram fazer de conta que o cerne da Sentença recorrida é a manutenção da autonomia fundiária dos prédios, insistindo que os mesmos foram transaccionados como lotes. 138. Ora, nem os prédios foram transaccionados, na medida em que o objecto da transacção foram as quotas da Recorrente Porti…, 139. Nem as partes valorizaram essas quotas pelo valor que as mesmas teriam se os prédios que constituíam o activo da sociedade fossem lotes com aptidão construtiva, pois ambas as partes sabiam da caducidade do alvará, 140. Bem como ambas sabiam que o Fung… tinha em preparação uma nova operação de loteamento, que obviamente não teria se os prédios mantivessem uma aptidão construtiva superior na data da cessão de quotas. 141. Em suma, seja qual for o caminho que se escolha para abordar esta alegação dos Recorrentes, a conclusão é sempre uma e só uma: a cessão de quotas da Porti… não padece de qualquer nulidade, arguição que deve, assim, improceder, o que se requer. 142. E logicamente, improcedendo, como improcede, a alegada nulidade da cessão de quotas, improcedem também todas as nulidades arguidas pelos Recorrentes relativamente a todos os demais negócios, mesmo sem necessidade de discutirmos qual a relação que existe, se existe, entre esses negócios e aquela cessão (…)”.
Apreciando, importa considerar, se o enquadramento jurídico da questão jurídica dos presentes autos conduz à procedência da pretensão dos recorrentes, ou se, ao invés, tal improcederá.
A decisão recorrida, com extensa fundamentação, conclui neste último sentido.
Efetuando a subsunção jurídica dos factos ao Direito, o Tribunal recorrido começou por referir o seguinte: “(…) Dos factos provados – e dos não provados – torna-se quase imediata a conclusão de que os Autores não lograram demonstrar em juízo a tese que alicerçaram na sua causa de pedir. Estava em causa a invalidade do contrato de cessão de quotas da sociedade Porti… a favor das Autoras, por via do qual estas passaram a ser proprietárias do activo imobiliário que constituía o único património daquela sociedade cujas quotas foram objecto da cessão (ponto 24. dos factos provados). Por via dessa invalidade – que os Autores caracterizaram como nulidade – também os contratos de financiamento, e respectivas garantias associadas, estariam afectados na sua subsistência, o que fundamentaria os pedidos de restituição das prestações efectuadas ao abrigo dos respectivos contratos, reciprocamente: quer as quotas objecto da cessão e respectivo preço pago, quer os capitais mutuados e juros pagos. Da prova produzida, caiu por terra um dos fundamentos basilares que suportava a causa de pedir dos Autores, ou seja, que estes, aquando da negociação e subsequente concretização do acordo de cessão de quotas, desconheciam o facto de o alvará de loteamento incidente sobre os imóveis estar irreversivelmente caducado e que este desconhecimento teria sido, pelo menos, potenciado ou proporcionado, deliberadamente, pelos Réus, com vista a cumprir o seu fundamental objectivo: o de retirar da sua esfera os imóveis organizados em lotes inexistentes juridicamente e, por isso, putativamente insusceptíveis de transmissão, por um valor muito superior ao real, ainda lucrando com os financiamentos associados àquele negócio. Ora, na verdade, o que se apurou foi algo de muito diferente – não só os Autores sabiam da declaração de caducidade do alvará 6/80, muito anterior à negociação das quotas da Porti…, mas também se demonstrou que os Réus sempre lhes prestaram toda a informação disponível sobre a situação jurídica do activo imobiliário da sociedade e sempre agiram nesse pressuposto. Demonstrou-se ainda, aliás, que os próprios Autores, na presente acção, apesar de alegarem que laboraram em algum tipo de erro sobre a base do negócio (ou, eventualmente, algum vício de vontade), quanto a este facto, simultaneamente – e paradoxalmente – admitiram, ab initio, que os Réus lhes transmitiram a informação relativa à caducidade do alvará, ainda que, alegadamente, lhes tivessem feito crer que o mesmo poderia ser facilmente reactivado. Porém, também quanto a este concreto circunstancialismo, nenhuma prova suficientemente consistente os Autores lograram fazer: na verdade, demonstrou-se que os Autores desde cedo se propuseram tomar a dianteira na promoção de um novo projecto de loteamento, confiando na influência que teriam junto da Câmara Municipal – razão pela qual transmitiram aos Réus que não mantinham qualquer interesse na continuidade do projecto entretanto encomendado por estes a um gabinete de arquitectura (cf. pontos 12., 16., 22., 28., 29., 32. dos factos provados). Pelo que esta fundamental linha de argumentação na acção tem, forçosamente, de soçobrar.”.
Entendem os recorrentes, com especial apelo sobre os factos provados n.ºs. 19) e 25), que foi demonstrado cabalmente que foi celebrado um “negócio jurídico indirecto fraudulento” que, em seu entender, consistiria na circunstância de “a cessão das quotas representativas da totalidade do capital social da Porti…em crise nestes autos foi um meio de, através de um negócio típico, conseguir um fim atípico – através de um contrato de cessão de quotas concretizar a venda dos 8 lotes de terreno criados pelo caducado Alvará 6/80”.
Ora, passando em revista a factualidade apurada, tal como resulta da reapreciação efetuada nesta sede recursória,
Por escritura pública de 1981, a Porti…tinha adquirido à AGERG o prédio rústico commumente denominado por “Horta do Palácio”.
Relativamente a tal prédio, a Câmara Municipal de Por… tinha emitido, a pedido da AGERG, em 08-08-1980, o Alvará de Loteamento n.º 6/80, autorizando a constituição de 9 lotes no aludido prédio rústico, com uma área de construção de 65.332 m2, tendo, em 26-08-1988, o mesmo alvará sido averbado em nome da Porti….
Sucede que, entretanto, por deliberação da Câmara Municipal de Por… de 23-04-1996 (notificada à Porti…por ofício datado de 30.04.1996), foi declarada a caducidade do Alvará n.º 6/80, tendo também sido requerido o cancelamento do respectivo registo.
Em 12-11-1996, em cumprimento de dívida que tinha com vários bancos, a Sociedade de Construções ERG, S.A., a Intersol- Empreendimentos Turísticos, S.A. e a Luamar- Sociedade de Empreendimentos Turísticos de Porto Santo e Madeira, Lda. entregaram ao então BIC, S.A. – mais tarde integrado por fusão no BES, S.A. – e a outros bancos, a totalidade do capital social da Porti…, vindo o 1.º réu (à data denominado Fung… BES) a adquirir a dita sociedade Porti…, a qual detinha o mencionado “activo imobiliário”.
Não obstante interposto recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 15-05-1997 que tinha julgado improcedente o recurso de anulação interposto contra o acto de declaração de caducidade do alvará, a mesma improcedência veio a ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo (por acórdão de 03-04-2001, que transitou em julgado em 02-05-2001).
A partir de finais de 2006, a Porti… – então detida pelo 1.º réu - procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João …e Pedro…, em moldes diversos daqueles que tinham resultado na aprovação do alvará de 1980 (prevendo-se, agora, que a área total do terreno não ultrapassava os 20.000 m2 e as áreas médias de construção previstas acima e abaixo do solo, respectivamente, não iam além de 25.000m2 e 23.000m2, tendo sido estas as áreas do projecto de loteamento que foram promovidas pelos Réus a partir de finais de 2006).
Os Autores foram informados pelo BES de que estava a ser promovida a venda dos terrenos da Porti…, para construção urbana, que, por se situarem a nascente do Estado do Porti…, a 100 metros da zona ribeirinha de Por…, PSP, Tribunal e outros serviços, constituía uma zona com excelentes infra-estruturas, grande projecção urbanística, bons acessos, bom estacionamento e bem servida de transportes públicos locais.
Quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos, e essa informação constava do processo camarário referente a esse imóvel.
Na medida em que a área de terreno designada como “Horta do Palácio” era o único activo da Porti…, a venda da própria empresa ou a cessão de quotas da totalidade do seu capital social foi sempre uma hipótese equacionada e apresentada como opção possível para concretização da aquisição dessa área pelos Autores, sendo que, os representantes do BES transmitiram aos Autores que, com a cessão de quotas, não era devido o pagamento de IMT nem IS, pelo que o negócio se tornaria mais barato.
A família Cab… é uma conhecida família de empresários algarvios, detentora de diversas sociedades com vasto património imobiliário e com experiência nos sectores da construção civil e promoção imobiliária/turística.
Ora, os autores, não obstante terem sido informados que a operação de loteamento em curso já havia sido discutida com a Câmara e projectada de acordo com as condicionantes da área, aqueles pediram expressamente aos Réus que não prosseguissem com tal operação, assegurando-lhes que as suas relações privilegiadas com o executivo camarário lhes permitiriam um investimento mais rentável, tendo desenvolvido um outro projeto urbanístico.
É neste contexto e enquadramento que se vem a concretizar a escritura – outorgada em 05-11-2007 – de unificação e ulterior divisão de quotas e de cessão de quotas da sociedade Porti… às autoras sociedades.
No mesmo dia e para efectuar o pagamento de parte do preço pelos quais haviam adquirido, por via indirecta, os terrenos pertencentes à Porti…, a aqui 1ª Autora celebrou com o BES um Contrato de Financiamento com o n.° ..004472/07 através do qual este lhe emprestou a quantia de € 5.480.000,00 e, para assegurar o bom e pontual cumprimento das obrigações decorrentes do referido contrato, nomeadamente a obrigação de restituição da quantia mutuada, foram prestadas as seguintes garantias: Hipotecas voluntárias a favor do BES sobre os terrenos de que a Porti… era proprietária e que constituíam o seu único activo; Livrança subscrita pela Cliente “Crediférias” e avalizada pelos seus administradores Ma... , H... e L…; Penhor das duas quotas dos valores nominais de € 269.350,86 e €104.747,56, representativas do capital social da Porti….
Para liquidar a parte restante do preço, no mesmo dia a 1ª Autora recorreu à utilização dos fundos disponibilizados pelo contrato de empréstimo sob a forma de conta corrente caucionada n.º …0002188/07 (mais tarde substituído pelo contrato n.º …000472/11), que havia celebrado com o BES em 03.09.2007, até ao montante de € 2.500.000,00.
Não se provou, nomeadamente, que o processo referente à caducidade do alvará tenha sido “mantido em segredo” e “ocultado dos Autores”, nem que, só depois de 05-11-2007 é que os autores souberam que o alvará de 1980 não podia ser reativado. Ao invés, previamente à aquisição da Porti…, foi realizada uma auditoria jurídica e financeira àquela empresa, por intermédio dos autores, tendo sido disponibilizada toda a documentação solicitada/disponível, entre a qual a relativa ao processo administrativo e judicial relativo à caducidade do alvará n.º 6/80.
Ora, conforme resulta deste elenco factual e dos factos não provados, e como bem assinalado na decisão recorrida, verifica-se que não lograram os autores demonstrar – como lhes competiria, enquanto factos constitutivos da causa de pedir que invocaram (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC) – que desconheciam, antes da outorga dos negócios dos autos, que o alvará de loteamento se encontrava irreversivelmente caducado.
Seria esse o pressuposto fundamental para a procedência da pretensão dos autores.
Do mesmo modo, também não se logrou demonstrar qualquer objetivo dos réus, no sentido de retirarem da sua esfera os imóveis da Porti….
Conforme se referiu na decisão recorrida – considerações que não merecem qualquer reparo, antes adesão deste Tribunal: “(…) Ora, na verdade, o que se apurou foi algo de muito diferente – não só os Autores sabiam da declaração de caducidade do alvará 6/80, muito anterior à negociação das quotas da Porti…, mas também se demonstrou que os Réus sempre lhes prestaram toda a informação disponível sobre a situação jurídica do activo imobiliário da sociedade e sempre agiram nesse pressuposto. Demonstrou-se ainda, aliás, que os próprios Autores, na presente acção, apesar de alegarem que laboraram em algum tipo de erro sobre a base do negócio (ou, eventualmente, algum vício de vontade), quanto a este facto, simultaneamente – e paradoxalmente – admitiram, ab initio, que os Réus lhes transmitiram a informação relativa à caducidade do alvará, ainda que, alegadamente, lhes tivessem feito crer que o mesmo poderia ser facilmente reactivado. Porém, também quanto a este concreto circunstancialismo, nenhuma prova suficientemente consistente os Autores lograram fazer: na verdade, demonstrou-se que os Autores desde cedo se propuseram tomar a dianteira na promoção de um novo projecto de loteamento, confiando na influência que teriam junto da Câmara Municipal – razão pela qual transmitiram aos Réus que não mantinham qualquer interesse na continuidade do projecto entretanto encomendado por estes a um gabinete de arquitectura (cf. pontos 12., 16., 22., 28., 29., 32. dos factos provados). Pelo que esta fundamental linha de argumentação na acção tem, forçosamente, de soçobrar.”.
Mas, como se disse, no desenvolvimento da respetiva alegação, reiteram os autores a tese de que o “o verdadeiro fim do negócio celebrado era a “compra e venda dos terrenos”, isto é, a transmissão da titularidade daqueles lotes de terreno para a esfera jurídica da Crediférias e da Credigolf”, o que – segundo referem – “não teria qualquer relevância se a opção das Partes pela cessão de quotas tivesse tido um fim atípico, mas lícito – por exemplo, estratégia empresarial ou simplificação burocrática”, mas, concluem que, “[p]orém, como decorre claríssimo dos autos, se não fosse através do contrato de cessão de quotas, não se conseguiria, como se conseguiu, o resultado típico da compra e venda dos oito inexistentes lotes de terreno que constituíam o único activo da Porti…”.
Concluem os autores que, “por constituírem lotes inexistentes juridicamente”, não poderiam ser transaccionados (sendo que uma compra e venda dos lotes seria nula – cfr. artigos 280.º, 289.º e 294.º do CC) enquanto tal, violando o disposto nos artigos 49.º, 52.º, 71.º e 74.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de abril, visando a cessão de quotas defraudar a lei, para conseguir tal finalidade vedada por lei. “Ao optar pela cessão de quotas como forma indirecta de transmissão dos ex-lotes, as Partes violaram esta exigência legal imperativa o que permitiu que estas unidades prediais se tivessem transmitido com um estatuto de lotes e perdurassem na ordem jurídica com esse mesmo estatuto. E, como se viu, no dia imediatamente a seguir ao dia em que foi celebrada a escritura de cessão de quotas em crise nos autos, estas unidades prediais voltaram a ser objecto de negócio jurídico constitutivo de hipoteca voluntária (também em crise nestes autos) com este (falso) estatuto de lote. E o mesmo aconteceu com as escrituras de constituição das 2ª e 3ª hipotecas celebradas em 22/4/2009 e 27/2/2012. A cessão das quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… em crise nestes autos é, pois, um negócio jurídico indirecto fraudulento porque violou a norma imperativa e de ordem pública contida no art. 49º, nº 1 do RJUE. Pela mesma razão, esta compra e venda é também nula pela impossibilidade legal do seu objecto (inexistência jurídica) nos termos do disposto no art. 280º, nº 1 do Código Civil. Temos e mantemos o entendimento de que, por força da caducidade do Alvará 6/80, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir enquanto lotes, deixaram de ter qualquer aptidão construtiva e deixaram de poder ser alienados/transaccionados enquanto tais” (assim, a alegação dos recorrentes).
Vejamos o caso dos autos, previamente concretizando os conceitos de “negócio indirecto” e de “negócio fraudulento”, invocados pelos recorrentes.
Caracterizando o que seja negócio indirecto, refere Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, p. 179), que se fala em negócio indirecto face a uma situação que se traduz em “um negócio típico, cujos efeitos são realmente queridos pelas partes, ser concluído por um motivo ou para um escopo ulterior diverso dos que estão de acordo com a função característica (causa) desse tipo negocial e correspondente a outro negócio típico ou tipificável (doação, qualquer espécie de garantia creditória, etc.)”. As partes querem verdadeiramente o negócio-meio, com os efeitos que lhe são próprios, embora só para conseguirem através dele um resultado prático diverso do que lhe é normal.
Por seu turno, Ferrer Correia refere que “o negócio indirecto consiste em se utilizar determinado tipo negocial tendo-se em mente um fim prático diverso do que é normalmente visado através do emprego desse tipo” (cfr. “Sociedade Fictícias e Unipessoais”, 1948, p. 148).
Nas palavras de Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2.ª ed., Lisboa, Lex, 1996, p. 265), o “negócio indirecto é o acto típico cujas cláusulas são executadas visando atingir um fim diferente do seu fim típico…o negócio indirecto é verdadeiro e daí não se confundir com a simulação”.
Exemplificando, o mesmo Autor (ob. cit., loc. cit.) refere: “Assim, se A e B celebram entre si um contrato de compra e venda com um preço simbólico, mas sério, em relação ao valor da coisa vendida, estão afinal a realizar um fim de doação através de uma compra e venda…Do mesmo modo, se A, devedor de B, vende a este alguma coisa sob a condição resolutiva de pagamento da dívida do vendedor, também há um negócio indirecto”.
Conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-04-2012 (Pº 1065/03.9TBBRG.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) pode concluir-se em face destas definições que: “- O negócio indirecto distingue-se da simulação relativa e, desde logo, por naquele, o negócio celebrado ser realmente querido pelas partes, enquanto na simulação tal não acontece; - O negócio indirecto é válido, em princípio; - O fim ulterior que o negócio - meio actua é um fim económico, um resultado prático, não um fim jurídico”. “O negócio indirecto não está, enquanto tal, ameaçado de qualquer forma de nulidade … O regime aplicável à situação será o do negócio adoptado – e só haverá lugar à invalidade se esta resultar de tal regime – não relevando, nesta sede, a circunstância de o negócio ter sido utilizado para finalidades diversas das que normalmente presidem ao seu emprego. Na verdade, o Direito não veda aos particulares servirem-se dos negócios que configurou como típicos, para fins práticos diversos dos que correspondem à função de tais negócios. Isto, é claro, desde que os particulares, procedendo deste modo não estejam a praticar uma fraude à lei…” (assim, o Acórdão da Relação do Porto de 20-03-2001, in CJ, Tomo V, p. 186).
Assim, o negócio indirecto é, em regra, válido. Só não o será se for fraudulento: “o negócio indirecto é válido, a menos que seja celebrado com fraude à lei” (cfr. Carvalho Fernandes; Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2.ª ed., Lisboa, Lex, 1996, p. 265).
Quando é que, por seu turno, se está perante uma situação de “fraude à lei”?
Desde logo importa evidenciar que se trata de uma figura jurídica que não tem tratamento autónomo no Código Civil (cfr. Ana Filipa Morais Antunes; “Negócio em Fraude à Lei”, in Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 168, o que foi reafirmado no Acórdão do STJ de 14-03-2019, Pº 8765/16.16.1T8LSB.L1.S2, rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO), cujos contornos têm sido trilhados pela doutrina e pela jurisprudência, com algum desinteresse, mas que tem extrema acuidade prática (de que são exemplos, as controvérsias sobre a alienação em garantia, sobre a criação de sociedade em termos disfuncionalizados, sobre a celebração de contratos de crédito fraccionados para evitar as prescrições do D.L. n.º 133/2009, de 2 de junho, tal como previsto no artigo 27.º desse diploma, sobre procedimentos de contratação pública fraccionados de acordo com o previsto no artigo 16.º do D.L. n.º 197/99, de 8 de junho, etc.).
Conforme se refere naquele aresto, “a doutrina tem reconduzido o tratamento da fraude à lei a um problema de interpretação do negócio e da lei, não simplesmente literal, mas de acordo com o seu fim e o seu sentido”.
Segundo Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, I, parte Geral, Tomo I, Almedina, 2ª edição, 2000, pp. 490 e ss.) a denominada fraude à lei reconduz, no essencial, a uma forma de ilicitude que envolve, por si, a nulidade do negócio. A sua particularidade residirá, quando muito, no facto de as partes terem tentado, através de artifícios formais mais ou menos assumidos, conferir ao negócio uma feição inócua.
Também a propósito deste instituto, refere Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2015, p. 519) que “a fraude à lei torna-se possível sempre que o Legislador, ao redigir o texto legal, intenta impedir um resultado que considera indesejável, ou promover um resultado que considera desejável, através da proibição ou da imposição das condutas tidas como causais desses resultados desejáveis ou indesejáveis. Trata-se de casos em que a prossecução de uma determinada finalidade legal é feita, não diretamente, mas indiretamente através de uma atuação legal sobre as causas ou os comportamentos que se pensa serem causais daqueles objetivos legais. (…) Na fraude à lei, o conteúdo negocial não agride diretamente a lei defraudada, mas antes colide com a intencionalidade normativa que lhe está subjacente e que justifica a sua imperatividade. Esta intencionalidade normativa subjacente à imperatividade da lei é a Ordem Pública, como portadora dos critérios ordenantes do sistema. O juízo de fraude à lei coloca-se, assim, no domínio da Ordem Pública. O negócio jurídico fraudulento é ilícito.”
Assim, em síntese, de acordo com Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 3ª edição, p. 388) tudo se reconduz à exata interpretação da norma proibitiva, segundo a sua finalidade e alcance substancial. “Em certos casos, o objecto do negócio ofende frontal ou directamente uma norma legal proibitiva: há então ilicitude directa e o negócio diz-se contra legem. Mas pode também acontecer que, perante uma proibição legal, as partes procurem obviar a essse obstáculo, contornando-o, ou seja, celebrando um negócio que permita alcançar, por via indirecta, o resultado proibido. Existe aqui um negócio em fraude à lei; trata-se, ainda, de uma situação de ilicitude, que se designa por indirecta” (assim, Carvalho Fernandes; Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2.ª ed., Lisboa, Lex, 1996, p. 97).
Ou seja: “Há contrariedade à lei não só quando o objeto do negócio viola diretamente uma disposição legal, como também quando o objeto, sem ofender frontalmente a lei, tenta contornar uma proibição por esta imposta, chegando por outros meios ao resultado proibido. Numa palavra, há contrariedade à lei tanto nos negócios contra legem, como nos negócios concluídos em fraude à lei. Nestes, as partes celebram um negócio diverso daquele previsto na norma proibitiva, que, todavia, conduziria exatamente ao mesmo resultado do negócio proibido. Apesar de a letra da lei não ser violada e, portanto, o negócio aparentemente ser válido, uma análise ao elemento teleológico daquela demonstra uma ofensa clara do seu escopo. Isto acontece sempre que uma norma ” (assim, Elsa Vaz de Sequeira, em anotação ao artigo 280.º do CC, no Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2014, p. 693).
Mas, a fraude à lei é realidade distinta da ilicitude.
A “fraude à lei consiste em: - violar “indiretamente” a lei; - violar “de modo oculto” a lei; - violar o “espírito” da lei; - atuar em termos “aparentemente lícitos” ou “formalmente válidos”, mas “substancialmente inválidos” (assim, Ana Filipa Morais Antunes; “Negócio em Fraude à Lei”, in Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, pp. 162-163).
O negócio em fraude à lei assenta nos seguintes elementos: “- A conclusão de um negócio ou de um conjunto de atos e de negócios jurídicos; - Uma atuação negocial com aparência de licitude, enquanto tal não vedada diretamente pela lei, e com (aparente) suporte numa outra lei (a designada “lei de cobertura”); - O contorno (intencional ou não) de uma lei de natureza imperativa (a denominada “lei contornada”); - A prossecução de um resultado não autorizado por lei” (assim, Ana Filipa Morais Antunes; “Negócio em Fraude à Lei”, in Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 164).
Por exemplo, a venda de pais a filhos sem consentimento dos outros filhos é ilícita – cfr. artº 877º do CC – mas não é, em si mesmo, fraudulenta. A fraude à lei só existirá quando se conseguir um resultado que lei proíbe, “mediante uma conjugação de actos ou formas em si lícitas mas praticadas intencionalmente com o fim de obter tal resultado” (cfr. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, Lisboa, AAFDL, reimp., 1999, pp. 769-770). “A fraude à lei dá-se quando se procura evitar a aplicação de uma lei imperativa mediante um desvio consistente na realização de um contrato diferente do proibido directamente, alcançando-se o mesmo resultado” (assim, o Acórdão do STJ de 09-05-1985, in BMJ 347.º, p. 404 e ss.).
Depois de analisar detidamente a temática, Ana Filipa Morais Antunes (“Negócio em Fraude à Lei”, in Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil; Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017, p. 184) enuncia as seguintes diretrizes fundamentais sobre o negócio celebrado em fraude à lei: “1.º O “verdadeiro negócio em fraude à lei” consiste numa operação negocial fraudulenta; 2.º Cada sujeito de um negócio singular deve ser considerado parte do negócio em fraude à lei, tendo presente que concorre, com a sua vontade, para a formação de uma operação negocial complexa. 3.º Exige-se, para esse efeito, a consciência e a vontade, por cada um dos sujeitos intervenientes nos negócios singulares, de celebrar uma operação negocial complexa (isto é, a vontade de vinculação jurídica no plano plurilateral). 4.º O exame do resultado negocial, assim como o esclarecimento dos interesses concretamente compreendidos no todo negocial são aspetos nucleares da conceção, para o que releva ponderar o conceito de causa-função concreta. 5.º Está em causa uma figura conceptualmente distinta do negócio contrário à lei, e caracterizada por traços identitários próprios (em razão da estrutura, do objeto e do fundamento do desvalor jurídico – a interferência da “causa ou função negocial complexa”, isto é, do resultado final global da operação negocial fraudulenta). 6.º O negócio em fraude à lei constitui uma fonte autónoma de ilicitude jurídica: é uma patologia que afeta a causa negocial complexa, pese embora a licitude das causas negociais correspondentes dos negócios isolados. 7.º O negócio em fraude à lei titula um fundamento autónomo de invalidade negocial. 8.º O desvalor jurídico do negócio em fraude à lei traduz-se na nulidade da operação concluída. 9.º O fundamento normativo da nulidade do negócio em fraude à lei é o artigo 294.º do CC, preceito que sanciona o negócio contrario à lei imperativa, assim como outras hipóteses de patologias negocial não especialmente previstas na lei; numa palavra, os casos de antijuridicidade negocial, não especialmente contemplados. 10.º É necessário transcender a perspetiva atomística – negócio a negócio (em si mesmo lícito, se examinado isoladamente) – e considerar a operação negocial na sua complexidade e na sua unidade substancial”.
Revertendo estas considerações para a situação dos autos, verifica-se que não resultou demonstrado nenhum facto demonstrativo de que a “opção” das partes outorgantes do negócio, no sentido da celebração da cessão de quotas da Porticentro, tenha sido baseada na circunstância de defraudação da lei, determinação resolutiva que seria, como se viu, imprescindível para que se pudesse concluir ter sido celebrado um negócio fraudulento.
O negócio de cessão de quotas, para além de ser típico e legalmente previsto (cfr. artigos 225.º a 231.º do Código das Sociedades Comerciais) constitui uma forma lícita de transmissão de participações sociais (sobre os problemas que suscita o referido contrato e para mais desenvolvimento, vd. Alexandre Soveral Martins; Cessão de Quotas; Almedina, 2007).
Conforme decorre do facto provado n.º 19), dado que a sociedade Porti… tinha como único activo o terreno designado como “Horta do Palácio”, a par da transmissão dos prédios – que (ao contrário do entendido pelos autores, de que os prédios não poderiam ser objeto de negócios jurídicos) sempre poderiam ser objeto de transmissão ou alienação, diga-se com observância do previsto na lei e menção dos requisitos legais – foi equacionada pelo 1.º réu – que assim o publicitou no “dossier de apresentação”, a possibilidade de alienação da própria empresa ou a cessão de quotas da totalidade do respectivo capital social.
Refira-se, neste ponto, que não ficou demonstrada – cfr. al. b) dos factos não provados, quanto ao autor H... – alguma rejeição de transação por meio da mencionada cessão de quotas, ou alguma oposição ou reticência dos autores – ou dos réus – sobre o negócio de cessão passível de ser celebrado.
Diga-se, aprofundando um pouco mais a análise, de que não se vislumbra demonstrada, por qualquer modo, alguma operação negocial complexa que visasse, por via da formalização do negócio de cessão de quotas, fazer transmitir os prédios detidos pela Porti… de qualquer forma fraudulenta, defraudando disposição legal.
Dito de outro modo: Não se detectou na conduta dos contraentes (autores ou réus) que o complexo negocial firmado – a cessão de quotas, os financiamentos e a prestação de garantias ao bom cumprimento destes últimos – tenham ocorrido apenas como forma de contornar alguma proibição legal.
Conforme ficou espelhado desde o início das negociações havidas, o 1.º réu, de forma clara e objetiva, referenciou o “preço de referência de € 7.000.000,00”, mas também que, “tendo em conta que este activo pertente a uma empresa e é o único activo desta, podemos considerar que se faça a venda da própria empresa” (cfr. fls. 57vº).
As vias contratuais apresentadas passariam pela alienação dos terrenos – em termos e formalização que não se comprovou terem sido objeto de análise ou de tema entre as partes – ou pela “venda” da empresa titular dos terrenos, na forma de cessão de quotas.
Assim, se é certo que, com a cessão de quotas, as sociedades autoras adquiriram as quotas da Porti…, tornando-se “donas” da mesma empresa e, consequentemente, também titulares dos direitos detidos por aquela sociedade e adstritos aos deveres que a ela são inerentes (ou seja, por via indirecta, tornaram-se titulares dos direitos que a pertença das quotas sociais da Porti… conferia ao património das sociedades autoras, aqui se incluindo os prédios dos autos de que a mesma sociedade Porti… era proprietária), daí não decorre que, em virtude de uma tal celebração tenha ocorrido uma defraudação ao comando legal do artigo 49.º, n.º 1, do RJUE ou aos demais invocados pelos recorrentes.
Vejamos:
Nos termos do artigo 74.º, n.º 1, do RJUE (conforme decl. Rect. n.º 5-B/2000, de 29 de fevereiro, redação em vigor à data da escritura de 05-11-2007), o licenciamento ou autorização das operações urbanísticas é titulado por alvará.
Por seu turno, o artigo 49.º do RJUE prescrevia o seguinte: “1 - Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes nos termos da alínea i) do artigo 2.º [“i) Operações de loteamento: as acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento;”], sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, deve constar o número do alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial. 2 - Não podem ser celebradas escrituras públicas de primeira transmissão de imóveis construídos nos lotes ou de fracções autónomas desses imóveis sem que seja exibida, perante o notário, certidão emitida pela câmara municipal, comprovativa da recepção provisória das obras de urbanização ou certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa de que a caução a que se refere o artigo 54.º é suficiente para garantir a boa execução das obras de urbanização. 3 - Caso as obras de urbanização sejam realizadas nos termos dos artigos 84.º e 85.º, as escrituras referidas no número anterior podem ser celebradas mediante a exibição de certidão, emitida pela câmara municipal, comprovativa da conclusão de tais obras, devidamente executadas em conformidade com os projectos aprovados. 4 - A exibição das certidões referidas nos n.os 2 e 3 é dispensada sempre que o alvará de loteamento tenha sido emitido ao abrigo dos Decretos-Leis n.os 289/73, de 6 de Junho, e 400/84, de 31 de Dezembro”.
O artigo 52.º do mesmo regime estabelecia que: “Na publicidade à alienação de lotes de terreno, de edifícios ou fracções autónomas neles construídos, em construção ou a construir, é obrigatório mencionar o número do alvará e a data da sua emissão pela câmara municipal, bem como o respectivo prazo de validade”, sendo punível por contra-ordenação a ausência de tais elementos na respetiva publicitação (cfr. artigo 98.º n.º 1, al. p) do RJUE).
Em face destes normativos, verifica-se que os “instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes… ou a transmissão de lotes legalmente constituídos”, deles deveria constar “o número do alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial”. “Estes requisitos visam garantir um maior controlo preventivo para evitar o aparecimento de loteamentos clandestinos. Assim, exige-se que nos documentos judiciais, bem como nos instrumentos relativos a atos ou negócios jurídicos, conste a identificação do alvará ou da comunicação prévia, uma vez que na ausência destes requisitos podem enfermar do vício da nulidade. Se o alvará é inexistente, estamos perante uma nulidade substantiva do negócio, nos termos do art.º 294.º do CC, que impede que o mesmo seja admitido a registo, uma vez que há manifesto incumprimento de disposições legais de caráter imperativo. Já se o alvará existe, mas por qualquer razão não foi mencionado, estamos perante uma nulidade não formal. Quando se trata de falta de identificação deste, mas que apesar de tudo ele existe, o título permanece válido, e o registo é qualificado como provisório por dúvidas, estas são sanáveis nos termos do art.º 70.º do CRPredial. É possível, assim, retificar a escritura, o ato notarial a que falte aquelas menções, passando a registo definitivo com a apresentação do alvará cuja menção não constou na escritura” (assim, Isabel Maria Madeira Nunes; O registo das operações de transformação fundiária resultantes de loteamento; Escola Superior de Tecnologia e Gestão – Politécnico do Porto, 2017, consultado em https://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/11741/1/DM_IsabelNunesa_MSOL_2017.pdf, pp. 66-67).
Contudo, como é bom de ver, na cessão de quotas da Porti… não foram transmitidos quaisquer lotes. O que foi transmitido foram quotas sociais. Os prédios da Porti… não foram objeto – ainda que de forma indirecta – de transmissão.
Repita-se: O que foi inexoravelmente transmitido, por intermédio da aquisição pelas sociedades autoras das quotas da Porti… foram, apenas e só, as quotas sociais da sociedade Porti….
Conforme sublinha José Engrácia Antunes (“A empresa como objecto de negócios – “Asset Deals” Versus “Share Deals”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68.º, 2008, Vol. II/III, pp. 726-727), “a transmissão negocial de acções ou quotas de uma sociedade comercial não pode ser equiparada em absoluto à transmissão directa da empresa por aquela detida — e isto por várias razões. Assim, desde logo, os negócios de “transmissão de quotas” ou de “transmissão de acções” (arts. 228.° e 328.° do Código das Sociedades Comerciais) têm por objecto a transmissão de fracções do capital social, e não do património da sociedade: quer isto dizer que, caso uma sociedade comercial seja titular de uma empresa, ela permanece dona e senhora exclusiva desta após a celebração daqueles negócios, os quais não afectam semelhante titularidade jurídica (…). Finalmente, e mais importante, mesmo quando o negócio aquisitivo haja sido de molde a investir o adquirente num poder de domínio absoluto no seio da sociedade comercial (“maxime”, aquisição da totalidade do capital social), a verdade é que a interposição da personalidade jurídica societária impede que o sócio controlador, ainda que único, possa ser havido como proprietário da empresa social. Na realidade, a propriedade “corporativa” ou indirecta dos sócios, no caso das empresas societárias, não se confunde com a propriedade “real” ou directa dos titulares de empresas individuais. O empresário individual, enquanto titular do direito de propriedade da empresa, dispõe de um poder de gozo directo, pleno e exclusivo sobre a mesma (“ius utendi, fruendi et abutendi”): enquanto seu “dominus”, ele é inteiramente livre e soberano de gerir, transformar, onerar, negociar ou liquidar a empresa, em nome e por conta próprios. Inversamente, no caso de empresas societárias, é a própria sociedade comercial que é titular da propriedade da empresa, não detendo os sócios quaisquer direitos reais de disposição, uso ou fruição sobre os bens sociais, antes sim uma posição jurídica complexa perante a própria pessoa colectiva societária constituída por um feixe de direitos organizativos e económicos (“participação social”): significa isto dizer, pois, em suma, que o poder jurídico de disposição do sócio controlador ou mesmo único sobre a empresa social será sempre um poder indirecto e limitado, no sentido em que o seu exercício é mediatizado pela interposição da corporação social, devendo conformar-se às regras legais e estatutárias que regem o funcionamento desta (v.g., intangibilidade do capital social, interesse social, proibição de confusão entre os patrimónios social e pessoal, etc.)”.
Mais adiante (loc. cit., pp. 757-758) explica o mesmo Autor que, “tendo o negócio aquisitivo por objecto precípuo as acções ou quotas de uma sociedade comercial que mantém incólume a sua personalidade jurídica, a transmissão empresarial não implica assim qualquer necessidade de observância das leis gerais de circulação do património empresarial “in toto” ou dos seus diferentes elementos componentes (“maxime”, bens imóveis, contratos, créditos, débitos, criações industriais, sinais comerciais distintivos): condição necessária e suficiente daquela transmissão é o cumprimento das regras específicas em sede da cessão de quotas — em regra, observância da forma escrita (art. 228.°, n.° 1 do Código das Sociedades Comerciais), consentimento da sociedade (arts. 228.°, n.° 3 e 230.° do Código das Sociedades Comerciais), e competentes registo comercial e publicação (arts. 242.° e segs. do Código das Sociedades Comerciais, arts. 3.°, c), 15.°, n.° 1, 70.°, n.° 1 do Código do Registo Comercial) (…)”.
A titularidade do direito de propriedade sobre os prédios mencionados nos autos encontrava-se e encontra-se na esfera jurídica da Porti….
Apesar de as quotas da mesma Porti…. terem transitado para a esfera jurídica de outros que não aqueles que, antes, as detinham, nem por isso, o património social (e aqui se incluindo o referente aos prédios dos autos) foi afectado com a cessão.
A titularidade dos prédios da Porti…., que radica desde 1981 na esfera patrimonial desta, decorreu do negócio então firmado – cfr. ponto 8) dos factos provados - ou seja, em data muito anterior à outorga da escritura de 05-11-2007.
Assim, com a outorga desta escritura de 2007, tal sociedade – a Porticentro - não viu, de qualquer modo, alterada a respetiva configuração jurídica dos prédios (que se mantiveram na respetiva propriedade – cfr. artigo 1305.º do CC).
O negócio de cessão de quotas de 2007 é, pois, imprestável para se subsumir à previsão do mencionado artigo 49.º, n.º 1, do RJUE ou dos demais normativos citados deste diploma, dado que, por ele não se constituiu ou transmitiu algum lote de terreno, passível de se encontrar sujeito às vinculações do aludido diploma legal.
De todo o modo, ainda que, porventura, se entendesse que da cessão de quotas devia ter constado uma menção expressa à data de caducidade do alvará, ou seja, caso se concluísse que o RJUE seria aplicável, não se verifica que a cominação para a ausência de tal menção no instrumento notarial levado a efeito fosse a mais gravosa de nulidade do negócio celebrado.
Tal efeito invalidante não resulta de qualquer das disposições do RJUE e não deriva, em si mesmo, dos artigos 280.º, 281.º ou 294.º do CC.
Pode dizer-se, resumindo, o exposto que:
-Não resultando demonstrado nenhum facto no sentido de que a opção das partes outorgantes de escritura pública de cessão de quotas das participações sociais de sociedade (até aí detida por um dos réus) que tinha como activo diversos imóveis, tenha sido baseada na circunstância de defraudar ou de contornar proibição legal imposta por lei imperativa (designadamente, a que determina que nos instrumentos notariais relativos a negócios jurídicos de que resulte, a constituição ou transmissão de lote ou lotes destinados a edificação urbana deve constar o número do alvará de loteamento, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial – cfr. artigo 49.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de abril), nem que tal tenha sucedido relativamente aos negócios jurídicos que titulam financiamentos bancários concedidos às sociedades cessionárias das quotas e a prestação de garantias ao bom cumprimento destes últimos), determinação resolutiva que seria imprescindível para que se pudesse concluir ter sido existido um negócio fraudulento, não se pode concluir que tais negócios tenham sido celebrados com fraude à lei; e
- Com a transferência das quotas sociais para as cessionárias, em razão da cessão, o património social da sociedade (aqui se incluindo o referente aos prédios de sua propriedade) a que respeitam as quotas não foi afetado pela cessão, não sendo também, alterada a respetiva configuração jurídica dos prédios (que se mantiveram na respetiva propriedade – cfr. artigo 1305.º do CC).
Em suma, ao invés do invocado pelos recorrentes, a opção da outorga do negócio de cessão de quotas, ainda que, indiretamente tenha determinado a transferência do património da Porti… para as sociedades autoras – e assim o activo consistente nos prédios de titularidade desta – não assentou em qualquer determinação, não se tendo comprovado qualquer comportamento volitivo das partes nesse sentido, à violação de norma legal imperativa, com vista ao seu contorno.
E, para além do mais, na decorrência da conclusão do dito negócio de cessão de quotas, não adveio qualquer alteração sobre o estatuto jurídico dos bens da Porti…, que se mantiveram – com a configuração jurídica que detinham e com a mesma consistência – no património de tal sociedade, agora, detida, é certo, pelas sociedades autoras.
Invocaram, todavia, os recorrentes que “esta compra e venda é também nula pela impossibilidade legal do seu objecto (inexistência jurídica) nos termos do disposto no art. 280º, nº 1 do Código Civil. Temos e mantemos o entendimento de que, por força da caducidade do Alvará 6/80, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir enquanto lotes, deixaram de ter qualquer aptidão construtiva e deixaram de poder ser alienados/transaccionados enquanto tais”.
Em abono da sua tese, os recorrentes juntaram aos autos – com as alegações de recurso - o Parecer de Direito, datado de dezembro de 2018, subscrito pela Professora Doutora Mónica Jardim (cfr. fls. 1023 a 1051), onde são formuladas, designadamente, as seguintes conclusões: “I - A declaração, pela Câmara Municipal, da caducidade-sanção da licença de loteamento e a cassação do respectivo alvará - após audiência prévia do interessado - tem como efeito a cessação da eficácia do ato autorizativo. Consequentemente, declarada a caducidade-sanção e cassado o alvará extinguem-se os lotes - as unidades prediais com capacidade edificativa precisa e estabilizada - criados pelo acto de licenciamento.(…) IV- Sem se duvidar que a declaração de caducidade de um acto de licenciamento determina a destruição ou eliminação dos lotes urbanos, apenas se tem discutido se tal declaração, ao determinar a improdutividade jurídica do ato de licenciamento, também conduz à eliminação do fracionamento da propriedade,(…) VI- A caducidade-sanção da licença de loteamento e a cassação do respectivo alvará tiveram como consequência necessária o desaparecimento dos lotes criados pela operação de loteamento - em relação aos quais não tinha sido diferido qualquer pedido de licenciamento para obras de edificação, nem tinha sido apresentada qualquer comunicação prévia da realização dessas obras - e, consequentemente, os três negócios hipotecários celebrados sobre tais ex-lotes são nulos por impossibilidade legal do objecto. VII-Um negócio tendente à constituição de uma hipoteca, tal como qualquer negócio jurídico, só é válido se o respectivo objecto for legalmente possível, nos termos do art 280.° do Códio Civil. VIII-Assim sendo, estando em causa um negócio real, dúvidas não podem subsistir quanto ao facto de este não ter um objecto legalmente possível se visar a constituição de um direito real sobre coisa que deixou de existir. IX-De facto, a ligação entre a coisa e o direito real que sobre ela incide é tão estreita que, mudando, extinguindo-se ou perdido o objecto, o direito real extingue-se. É a característica da inerência. X-É essa a razão que conduz à nulidade da venda de coisa inexistente ou absolutamente futura, bem como a que determina que, na venda de coisa relativamente futura, só se transfira o direito quando a coisa for adquirida pelo alienante. E, recordamos, as normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos reais (cfr. art. 939.° do Código Civil). E, portanto, aos negócios hipotecários. XI-Ora, os lotes - unidades prediais com um estatuto urbanístico preciso, por conterem uma edificabilidade definida e estabilizada - constituem unidades prediais ou realidades muito diversas, quer fáctica quer juridicamente, de quaisquer parcelas de terreno com a capacidade edificativa que em cada momento os instrumentos de planeamento lhe defiram. XII-Em face de todo o exposto, reafirmamos que, no caso em concreto, os três negócios hipotecários - celebrados em data posterior à data da caducidade-sanção da licença de loteamento e da, consequente, cassação do respectivo alvará, porque tiveram por objecto lotes - unidades prediais com um estatuto urbanístico preciso, por conterem uma edificabilidade definida e estabilizada - e não parcelas de terreno com a capacidade edificativa que em cada momento os instrumentos de planeamento lhe deferissem, nem o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o número 7788, tiveram um objecto legalmente impossível e, portanto, são nulos, devendo, consequentemente, ser declarada a sua nulidade. XIII-No nosso ordenamento jurídico não vigora o princípio da abstração, mas sim o da causalidade. Princípio este que determina que um direito real apenas se transmite ou constitui se se fundar num título (v.g. contrato) existente, válido e procedente. XIV-Perante o direito constituído (cfr. art. 16.° do Cód.Reg.Pred.), um registo pode ser nulo em virtude de uma invalidade intrínseca ou de uma invalidade extrínseca - o mesmo é dizer que um o registo pode ser nulo por si e em si, ou, ao invés, em consequência de um vício do facto jurídico que publicita. XV-Sendo os negócios hipotecários - celebrados em data posterior à data da caducidade-sanção da licença de loteamento e da, consequente, cassação do respectivo alvará - nulos por impossibilidade legal do objecto, as respectivas inscrições registais que publicitam a existência das três hipotecas também são nulas, nos termos da alínea b) do art. 16.° do Código do Registo Predial. XVI-Consequentemente, declarada a nulidade dos negócios hipotecários que tiveram por objecto os ex-lotes ou coisa inexistente, devem ser totalmente canceladas as fichas desses lotes. XVII-Do artigo 408.°, n.° 2, do Código Civil português decorre, indubitavelmente, que os direitos reais só podem incidir sobre coisas presentes - “que existam já em poder do alienante (no caso de interceder uma aquisição derivada)” - não em face de coisas relativamente futuras ou absolutamente futuras, nem de coisas inexistentes. XVIII-O referido preceito legal é apenas uma decorrência do próprio conceito de coisa ou daquilo que pode ser objecto de um direito real, dado que, enquanto não houver coisa, existe uma impossibilidade legal objectiva de o contrato produzir efeitos reais. Assim, a “eficácia real” fica, necessariamente, diferida ou definitivamente afastada. XIX-Sendo o direito real um poder directo e imediato sobre uma coisa, naturalmente, enquanto não existir coisa não pode existir um direito real E, se é inquestionável que só pode conceber-se um direito real sobre coisa que já exista, indubitável é também que só estamos perante um direito real se este incidir sobre coisa que ainda exista e esteja subordinada ao domínio ou soberania de alguém. XX-Mais, a hipoteca, enquanto direito real de garantia, confere ao credor o poder de promover a venda judicial de coisa certa e determinada, para assim se pagar com preferência face aos demais credores. E, obviamente, para que tal seja possível, é suposto que a coisa seja susceptível de ser alienada, como decorre, designadamente, do estatuído do artigo 690.° do Código Civil, e, assim, naturalmente, que a coisa exista. De facto, de nada serviria ao credor uma hipoteca sobre coisa insusceptível de ser vendida, como o é uma coisa inexistente. XXI-Qualquer negócio hipotecário, enquanto negócio real, há-de ser o título válido para a constituição da hipoteca, o que supõe, além do mais, ter um objecto legalmente possível e, portanto, não ter por objecto coisa inexistente. Caso contrário, tal negócio será nulo e a constituição da hipoteca, consequentemente, não ocorrerá. XXII-O registo da hipoteca, apesar de constitutivo, nunca sana a invalidade do título. XXIII-Na verdade, nos sistemas jurídicos europeus de civil law, o registo não é condição suficiente para que ocorra a mutação da situação jurídico-real existente. Tal fica a dever-se ao facto de o registo não ser condição suficiente para que ocorra a mutação da situação jurídico-real existente. Ou seja, à circunstância de a inscrição registai, por si só, não conduzir à aquisição do direito. XXIV-A hipoteca só se constitui validamente se a um título válido (de acordo com o princípio da causalidade) se juntar um registo válido. XXV-No caso em concreto, como já se demonstrou, os negócios hipotecários são nulos, bem como os registos dos mesmos e, portanto, as hipotecas nunca existiram. XXVI-Contra o afirmado, não procede o argumento segundo o qual o Registo Predial continuou a publicitar a existência dos lotes. Isto porque, como já afirmámos, tal como os lotes não são criados em virtude da inscrição registai, também não deixam de ser inexistentes quando as respectivas descrições sobreviverem no Registo Predial. Por outra via, o facto de o registo publicitar a existência de lotes - em data posterior à data da caducidade-sanção da licença de loteamento e da, consequente, cassação do respectivo alvará - não gera a existência de tais lotes e a manutenção do registo não conduz à sua existência, não os faz subsistir substancialmente, nem os faz renascer. E, isto, maxime quando em causa estão ex-lotes para os quais não foi aprovado qualquer pedido de licenciamento para obras de edificação, nem foi apresentada qualquer comunicação prévia da realização dessas obras. XXVII-Em face de todo o exposto, afirmamos, sem quaisquer dúvidas, que, no caso em concreto, os três negócios hipotecários - celebrados em data posterior à data da caducidade-sanção da licença de loteamento e da, consequente, cassação do respectivo alvará - são nulos, bem como as respectivas inscrições registais e que, consequentemente, as hipotecas voluntárias que as partes pretenderam constituir nunca chegaram a existir (…). XXXIV-O plano de pormenor de estruturação urbanística da área da Horta do Palácio é um plano municipal de ordenamento do território com efeitos registais, que vincula as entidades públicas e ainda directa e imediatamente os particulares e que tem a qualidade de título da transformação fundiária sendo, enquanto tal, o elemento produtor dos efeitos reais. XXXV-De facto, o efeito real da individualização jurídica dos lotes e parcelas resultantes da transformação fundiária decorreu directa e imedíatamente do plano de pormenor de estruturação urbanística da área da Horta do Palácio, mais concretamente, da publicação em Diário da República que lhe conferiu eficácia. XXXVI-Consequentemente, o plano em causa constitui título bastante para efeitos de registo predial dessas transformações O facto de tal plano ainda não ter sido registado em nada afecta o efeito real da divisão fundiária por si gerado. Efectivamente, é necessário distinguir o efeito real da divisão fundiária - a criação dos lotes - e o efeito real translativo das parcelas de terreno paru o município. O primeiro efeito decorre directa e imediatamente da publicação Diário da República do plano de pormenor (regulamento, planta de implantação e planta de condicionantes) e da deliberação municipal que o aprovou, e o registo do loteamento nem sequer é condição de oponibilidade do facto a terceiros. O segundo efeito - o efeito real translativo das parcelas de terreno para o município - ocorre com o registo do loteamento, assumindo então este registo natureza constitutiva. XXXVII-O facto de o referido plano ainda não ter sido executado também não prejudica, de qualquer modo, o efeito real da divisão fundiária por si gerado. XXXVIII-A partir da entrada em vigor do referido diploma legal, o plano de pormenor deixou de ser apenas instrumento de planeamento de execução das opções urbanísticas dos planos municipais, para se se apresentar também na modalidade de instrumento de execução (plano de pormenor com efeitos registais), tornando-se auto-suficiente para fundar diretamente operações de transformação fundiária (de loteamento ou fracionamento, de reparcelamento ou de estruturação da compropriedade), dispensando, pois, um procedimento administrativo subsequente e equiparando-se, assim, aos demais instrumentos de execução capazes de efetivar a recomposição predial do solo, XXXIX-Precisamente por isso, qualquer alteração ao nível da concepção urbanística subjacente à operação, executada ou concretizada em plano de pormenor com efeitos registais e em contrato de urbanização que, por exemplo, se traduza na redução do número de lotes criados e no consequente aumento da área dos restantes, há-de ser refletida em sede de alteração desses instrumentos. XL- Em conclusão, já não existe o prédio rústico, sito em Por…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Por… sob o n.° 7788 a fls. 72 do Livro B-20 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1258, nem os lotes descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.os 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233. Em virtude do plano de pormenor de estruturação urbanística da área da Horta do Palácio, agora existem seis novos lotes que absorvem toda a área de XLI- terreno dos ex-lotes criados pela caducada licença de loteamento titulada pelo alvará 6/80, XLII- Não é possível a conversão dos três negócios hipotecários nulos, porque com objecto legalmente impossível, em três novos negócios válidos. Porquanto: XLIII- Para que se possa admitir a conversão de um negócio jurídico nulo nos termos do disposto no art.° 293° do Código Civil, é necessário, além do mais, que o negócio sucedâneo diga respeito ao mesmo objecto material a que respeitava o negócio principal. XLIV- Ora, como resulta de todo o exposto, o objecto material a que respeitaram os negócios inválidos inexistiam, pois eram ex-lotes. Precisamente por isso, tais negócios são nulos. E, tais ex-lotes continuam a inexistir. Não podendo, portanto, ser objecto de qualquer negócio real sucedâneo válido. XLV- Acresce que, tendo presente a posição que a Autora manifestou na Réplica, contrária à verificação da conversão, tal conversão sempre seria inviável. XLVI- Pois, a conversão opera para satisfazer a confiança das partes na protecção jurídica, tendo em vista as finalidades práticas visadas pelos interessados e, portanto, não pode converter-se um negócio inválido contra a vontade e os interesses de ambas as partes.”.
Na sentença recorrida, a respeito desta questão, produziram-se as seguintes considerações: “Questionaram, também, os Autores a situação jurídica dos imóveis, em termos de, sendo os lotes inexistentes (por efeito da caducidade do alvará 6/80), as hipotecas sobre os mesmos constituídas e vigentes à data da cessão de quotas da sociedade e respectiva transmissão de propriedade seriam, necessariamente, nulas, por falta de objecto. Ora, quanto a esta questão jurídica, pouco ou nada haverá nesta sede a acrescentar, considerando, antes do mais, a decisão tomada e transitada em julgado na acção n.º ..600/17.5T8PTM, que versou, precisamente, sobre a pretensa nulidade dessas garantias reais. Com efeito, pese embora em tal acção apenas terem intervindo, como sujeitos processuais, a Porti… e o 1º Réu, é óbvio que a questão de direito aí discutida e agora referida foi precisamente a mesma e envolveu, pelo menos do lado dos demandantes, os mesmos interessados: pois que, conforme se alcança das certidões de registo comercial constantes dos autos, a Porti… é detida, exclusivamente, pelas duas sociedades Autoras na presente acção, não restando dúvidas, portanto, de que a solução aí alcançada tem força de caso julgado, nos termos e para os efeitos dos artigos 619º e 621º do C.P.C.”.
Já se referiu, na apreciação da anterior questão, o desalinhamento do expresso no segundo parágrafo do trecho ora citado da decisão recorrida, com a realidade factual resultante dos autos, relativamente ao processo n.º …600/17.5T8PTM, na medida em que se pressupõe, na decisão recorrida, uma força de caso julgado ao decidido em tal processo, que o acórdão proferido nesse processo pela Relação de Évora em 14-07-2020, na realidade, não adquiriu.
Como se verá, adiantando-se desde já, em termos substanciais, o resultado a que se chegou na decisão recorrida, não merece censura.
De todo o modo, como se aludiu, as recorrentes consideraram que antes da prolação daquele Acórdão, “…a inexistência jurídica dos lotes foi já confirmada e reconhecida pelos nossos Tribunais no âmbito dos processos de reclamação dos actos de penhora e de decisão de venda de alguns dos “lotes” em causa, onde expressamente se entendeu que, por força da caducidade do alvará de loteamento, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir e, como tal, não podem ser objecto de quaisquer actos jurídicos, negócios, direitos e, naturalmente, não podem ser objecto de penhora ou venda. E os AA. juntaram com a sua P.I., como Docs. 45 a 48, as 4 sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé onde esta inexistência jurídica foi reconhecida. E, na resposta à contestação dos RR., os AA. pugnaram pelo reconhecimento da autoridade de caso julgado das mencionadas sentenças no que se refere ao reconhecimento da inexistência jurídica dos lotes criados pelo caducado alvará 6/80. Para tanto, invocaram os AA. a jurisprudência que tem vindo a reconhecer este novo instituto (…) Incompreensivelmente, o que reconheceu ao acórdão não transitado em julgado proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a sentença recorrida não conseguiu encontrar nas sentenças transitadas em julgado proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé”.
Concluíram, pois, os recorrentes de que à solução alcançada nas quatro sentenças proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé e juntas com a P.I. como Docs. 45 a 48 sobre o estatuto jurídico dos mesmos lotes tem autoridade de caso julgado nesta acção deve ser conferida autoridade de caso julgado.
Ora, neste ponto, muito embora não transitado em julgado, são de acolher, pelo seu acerto e acutilância, todas as considerações expendidas no referido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2020, onde, sobre a relação existente entre o que ali estava em apreciação e anteriores decisões de tribunais judiciais e administrativos, onde a temática tinha sido abordada, se produziram as seguintes considerações, que, como se disse, têm inteira propriedade e cabimento para a questão ora em decisão: “Mais sustenta a recorrente que a caducidade do alvará de loteamento determina a extinção dos lotes por ele criados. Os lotes desaparecem e as unidades prediais por ele criadas deixam de poder qualificar-se como lotes. Tais unidades não perdem, assim, o estatuto de prédio mas não mais poderão qualificar-se como "lotes" (unidades prediais às quais foi reconhecida uma concreta aptidão construtiva), o que significa que o proprietário de um tal prédio não pode negociá-lo como um lote. Se o fizer, o negócio será nulo por impossibilidade legal do seu objecto (art. 2809, n9 1 do C.C). A autoridade do caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581.º. Por força da autoridade do caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas são exactamente as mesmas. Há pois uma relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo - abrangendo os fundamentos de facto e de direito - que lhe dão sustento, seria posta em causa, (no mesmo sentido Ac. RP, de 11-10-2018, Proc n. 23201/17, disponível em www.dgsi.pt). No caso dos autos a autoridade do caso julgado invocada pela recorrente refere-se à sentença proferida no processo de insolvência contra si deduzido pelo …Banco, bem como em algumas decisões judiciais em que o recorrido não parte. No que respeita à primeira o que ali se discutiu foi a questão de saber se devia ser declarada a insolvência da ora recorrente ou que passou pela apreciação da situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas e ou existência de um passivo manifestamente superior ao activo. Aquela sentença nada tem a ver com a validade dos negócios jurídicos agora em causa. Inexiste pois uma decisão proferida em acção anterior, que se insira, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, sendo ainda certo que a autoridade do caso julgado se restringe à parte injuntiva da decisão e não aos seus fundamentos. No que respeita às restantes sentenças foram as mesmas proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em litígios judiciais em que o ora recorrido não foi parte. O objectivo de evitar toda e qualquer contradição lógica entre duas sentenças judiciais, ainda que proferidas em processos diferentes, não pode justificar que, contra as mais elementares regras processuais se façam repercutir numa acção que corre entre determinados sujeitos os efeitos decorrentes de uma sentença proferida noutro processo que correu entre outros sujeitos, (jurisprudência citada nos autos). O caso julgado só abrange os sujeitos da mesma relação jurídica, mas que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão, situação que não se verifica nos autos”.
De facto, conforme tem sido assinalado uniformemente que, na decorrência do disposto nos artigos 619.º a 621.º do CPC, o caso julgado apenas se verifica entre os mesmos sujeitos – sob uma perspectiva qualitativa - , relativamente à mesma pretensão material e a partir do mesmo fundamento substancial.
Contudo, tem de se verificar determinadas condições para que uma questão ou incidente suscitado num processo constitua caso julgado noutro.
Conforme refere Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol I, Almedina, 2018, p. 742), “o âmbito do caso julgado tem sido profusamente tratado a respeito dos fundamentos que, sendo decisivos para a ação, foram apreciados noutra ação com eficácia jurídica relativamente aos mesmos sujeitos, esbarrando a ampliação dos efeitos da sentença com a forte restrição que está prevista no art. 91.º n.º 2, norma segundo a qual a decisão de questões e incidentes suscitados numa ação apenas produz caso julgado, com eficácia externa, quando alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude”.
É neste enquadramento que tem que ser apreciado o efeito positivo do caso julgado (a commummente denominada “autoridade do caso julgado”).
O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior (assim, Miguel Teixeira de Sousa; “O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual)”, in BMJ 325.º, p. 159).
Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar Online, novembro de 2018, p. 17, consultado em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf) distingue entre o efeito positivo interno e o efeito positivo externo do caso julgado: O primeiro reporta-se ao “objeto processual e aos sujeitos da própria decisão”; o segundo refere-se a “objetos processuais que estejam em relação conexa com o objeto da decisão”.
Clarificando a distinção refere o mencionado Autor (pp. 18-19) que: “O efeito positivo interno do caso julgado tem por objeto os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (cf. artigo 607.º, n.º 3, in fine). Dito de outro modo, a força obrigatória é a do enunciado em que o tribunal julga procedente ou não procedente o pedido ou, mais genericamente, impõe ou nega certo efeito jurídico a certo sujeito da ordem jurídica – por regra, as partes. Numa decisão de procedência, estamos a falar, por ex., nos enunciados de condenação na entrega ou no pagamento, de divisão da coisa comum ou de anulação do contrato. Numa decisão de improcedência, tratase desse mesmo enunciado de improcedência do pedido, qualquer que ele seja. É a parte dispositiva que vincula tanto os destinatários, como o tribunal. É ela que pode ser objeto de imposição forçada, por meio de execução da sentença (cf. artigo 703.º, n.º 1, al. a))”. Por seu lado, os fundamentos da parte dispositiva, tomados por si mesmos, não vinculam, seja os destinatários, seja o tribunal. Portanto, o caso julgado não tem por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, do despacho ou sentença; para o ter, a parte terá de o pedir: justamente, o artigo 91.º, n.º 2, determina que a “decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia. Em conformidade, em sede de recurso ou de reclamação o que se impugna é a parte dispositiva da decisão — cf. os n.os 2 e 3 do artigo 635.º —, porquanto é ela que, ao fazer caso julgado, é eficaz nas esferas jurídicas dos destinatários da decisão”.
Quanto ao efeito positivo externo, o mesmo Autor (pp. 25 e ss.) refere que o mesmo consiste na “vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais, ou, em termos mais simples, em razão de objetos processuais conexos. Adiantemos, preliminarmente, um exemplo, por razões didáticas: se foi declarada perante B a propriedade de A sobre o imóvel x, será improcedente uma segunda ação em que B pede a condenação de A na entrega do mesmo imóvel. O pedido é outro, mas percebe-se a incompatibilidade de efeitos materiais e a oposição de julgados. Ao contrário do efeito positivo interno do caso julgado que, na realidade, constitui o objeto de uma execução de sentença, o efeito positivo externo do caso julgado não é passível de uma ação executiva, dado não constituir uma vinculação jurídica das partes; basta que determine o sentido de uma decisão posterior. (…) A jurisprudência costuma designar este efeito como autoridade de caso julgado stricto sensu”.
Conclui Rui Pinto (loc. cit., pp. 26-33) que a possibilidade de um efeito positivo externo do caso julgado depende de duas condições objetivas e de uma condição subjetiva: - Condições objetivas:
A autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado (opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas) e tem de se verificar uma relação de prejudicialidade (uma relação de concurso material entre objetos processuais: tem de existir “uma relação ente os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor”); e - Condição subjetiva: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido no artigo 581.º, n.º 2, do CPC.
A jurisprudência tem também apreciado, em diversas situações, em que termos ocorre uma tal autoridade do caso julgado anterior. Entre outros arestos, podem citar-se, os seguintes:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-03-2017 (Pº 1375/06.3TBSTR.E1.S1, rel. TOMÉ GOMES): “A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1.S1, rel. ROSA TCHING): “O caso julgado resultante do trânsito em julgado da sentença proferida num primeiro processo, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo. Os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente”;
-Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2020 (Pº 7597/15.9T8LRS.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES): “A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Para tal efeito, embora o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, tem-se entendido que “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”. Nesta linha, a extensão da autoridade do caso julgado não depende da verificação integral ou completa da tríplice identidade prescrita no artigo 581.º do CPC, mormente no plano do pedido e da causa de pedir. Já no respeitante à identidade de sujeitos, o efeito de caso julgado só vinculará e aproveitará a quem tenha sido parte na respetiva ação ou a quem, não sendo parte, se encontre legalmente abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa, consoante os casos”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-10-2018 (Pº 23201/17.8T8PRT.P1, rel. JERÓNIMO FREITAS): “A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC. Por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar a decisão proferida no primeiro processo, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são exactamente as mesmas que as autoras aqui pretendem ver apreciadas e discutidas. Há, pois a necessária relação de prejudicialidade. De outro modo, a decisão proferida no primeiro processo – abrangendo os fundamentos de facto e de direito – que lhe dão sustento, seria posta em causa, de novo apreciada e decidida de modo diverso neste processo”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-06-2019 (Pº 2388/17.5T8VLG.P1, rel. DOMINGOS MORAIS): “A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior, cujo objecto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objecto de uma acção posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-01-2017 (Pº 329/15.3T8FAF-A.G1, rel. MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA): “A excepção de caso julgado não se confunde com autoridade do caso julgado, respeitante à determinação dos seus limites e eficácia, na medida em que passa pela interpretação do conteúdo da decisão (despacho, sentença ou acórdão), nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2020 (Pº 1229/18.0T8VVD.G1, rel. RAMOS LOPES): “Os fundamentos de facto duma decisão não adquirem valor de caso julgado quando autonomizados da respectiva decisão, não valendo por si mesmo (não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, valendo apenas enquanto seu fundamento e em conjunto com esta), salvo excepções justificadas pela necessidade de respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (designadamente relações de prejudicialidade e relações sinalagmáticas entre prestações)”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-06-2019 (Pº 1840/18.0T8STR-A.E1, rel. TOMÉ RAMIÃO): “De acordo com o prescrito no art.º 581.º do C. P. Civil são requisitos do caso julgado quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, entendendo-se que há identidade de sujeitos “quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, há identidade de pedido “quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” , e há identidade de causa de pedir “quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. O efeito do caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”;
Ora, também na situação dos autos, se verifica que, de facto, quanto às sentenças de insolvência, em processos requeridos pelo 2.º réu contra a Porti…, o que ali foi objeto foi apenas a questão de saber se devia ser declarada a insolvência da Porti…, ou seja, saber se estavam reunidos os pressupostos para tal declaração (cfr. fls. 333vº e ss., quanto ao processo n.º 590/17.9T8OLH e fls. 344 e ss., quanto ao processo n.º 589/17.5T8OLH), tendo sido apreciada a situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas e ou existência de um passivo manifestamente superior ao activo.
As referidas decisões nada têm a ver com a validade dos negócios jurídicos agora em causa e nas mesmas não foi apreciada, com força de caso julgado, a questão da validade dos negócios celebrados, que assim pode, sem colocar em questão o decidido nos mencionados processos de insolvência.
Quanto aos processos que foram apreciados pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (cujas decisões se mostram juntas de fls. 347v.º a 371 dos presentes autos), neles verifica-se que, por um lado, apenas teve intervenção a Porti…, mas não, os demais sujeitos partes do presente processo e, por outro lado, a apreciação realizada foi-o a título incidental – em sede de reclamações deduzidas contra despachos de determinação de penhora e de venda executiva em processos de execução fiscal - e com referência a enquadramento jurídico-tributário, sem que, exista a relação de prejudicialidade ou de concurso de objetos processuais entre o ali decidido – o objeto da causa correspondente – e aquilo que está em apreciação nos presentes autos.
Conclui-se, pois, que tais decisões não podem constituir obstáculo quanto ao conhecimento, no presente processo, designadamente, da questão referente à validade dos negócios celebrados e que constituem o litígio dos presentes autos, não se configurando uma situação de caso julgado, nas suas feições positiva ou negativa, face ao então ali decidido e aos fundamentos expendidos em tais decisões.
Conforme sintetizou a Relação de Coimbra, no acórdão de 12-12-2017 (Pº 3435/16.3T8VIS-A.C1, rel. ISAÍAS PÁDUA): “A autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu”.
Na confluência da improcedência da pretensão dos autores, escreveu-se, ainda, na decisão recorrida, o seguinte: “De todo o modo, sempre diremos que não temos como divergir do conteúdo do parecer apresentado nos autos com vista à caracterização técnico-jurídica da situação vigente nos imóveis (fls. 782 e seguintes): que prédios/imóveis (enquanto realidade física) e lotes (enquanto unidade predial à qual foi reconhecida uma determinada aptidão construtiva) são conceitos e realidades diferentes; que a caducidade de um alvará de loteamento apenas implica a perda da aptidão construtiva que aquele instrumento de ordenação urbanística conferia aos prédios que dele eram objecto, não tendo qualquer influência na situação registral desses mesmos imóveis; que os prédios, conforme a descrição que consta no registo predial, são coisas (em sentido técnico-jurídico) objecto do normal comércio jurídico, designadamente a constituição de garantias reais como são as hipotecas, independentemente da gestão urbanística vigente sobre eles. Como se salienta no Acórdão proferido naquela citada acção, «(…) por um lado, caducando o loteamento, se não existirem obstáculos à construção, como sejam a inclusão da área em zona de Reserva Agrícola ou de Reserva Ecológica Nacional, poderá vir a ser efectuado e licenciado um novo loteamento, e, subsequentemente, vir até a ser feita construção no local do loteamento caducado (de resto, o que a A. pretende).» Nesta decorrência, não se identifica qualquer situação de fraude à lei, como pretendido pelos Autores, já que o negócio no âmbito do qual a propriedade dos prédios foi transmitida para as Autoras, na qualidade de únicas titulares das quotas da sociedade em nome da qual esses imóveis estão registados, não implicou nenhum efeito de transmissão de propriedade sobre “lotes” (tanto mais que, à data do negócio, o alvará já estava caducado)”.
De facto, sobre a caracterização da situação jurídica dos imóveis da Porti…, afigura-se-nos terem inteira pertinência as considerações expendidas no Parecer de Direito, da autoria do Professor Doutor Mouteira Guerreiro, datado de 19 de março de 2019 (relativo ao processo n.º 1600/17 acima referido e junto aos presentes autos de fls. 782 a 811 v.º) e onde se formularam as seguintes conclusões: “1 - No atual CRPred. as finalidades do Registo Predial passaram a ser muitas outras além do anterior objetivo exclusivamente publicitário e, além disso, o conjunto de princípios e a finalidade da segurança jurídica que agora o regem tornaram-no não apenas credível como um '‘registo de direitos” 2- O registo de hipoteca é constitutivo e o sistema registral português deve considerar-se semi-constitutivo. 3 - Não é apenas com o licenciamento de um loteamento - o qual pode nunca chegar a concretizar-se - que se constituem prédios autónomos, mas quando o registo é efetuado e os designados (ainda que, como no caso, impropriamente) lotes passaram a ficar descritos e a ter realidade como prédios autónomos. 4-O conceito de prédio é mais amplo do que o de lote, pois nem todos os prédios têm essa designação. O “lote” resultou de um “loteamento” que, como procedimento administrativo que é, tem em vista permitir a constituição dos mesmos em consequência da divisão de um (ou mais) prédio(s) para o destino imediato ou subsequente de edificação urbana. E o “lote” não é já o “prédio”, visto que este, além da área e destino (próprios do lote) tem também de ter a composição, natureza e artigo matricial, devendo publicitar-se a sua “identificação física, económica e fiscal” (art° 79° do CRPred.). 5- Nenhum prédio se extingue, pelo que - como a lei, desde que há Registo Predial, sempre determinou -, não é possível, nem legal, proceder ao cancelamento das descrições (art. 87.°, n.° 1, do CRPred.). 6- A anotação, tanto à inscrição como à descrição -ao invés das descrições, inscrições e averbamentos - traduz tão-só uma notícia ou mera “sinalização”, que pode servir de indicação, mas que é destituída de quaisquer efeitos próprios da publicidade registral. No caso dos autos, mesmo como mero “alerta” de nada valem, já que, sendo de 17 de junho de 2014, são posteriores às constituições de hipoteca e aos correspondentes registos, pelo que também de nada podiam alertar os sujeitos desses registos, bem como o “comércio jurídico”, em geral. 7- Os direitos, ónus ou encargos são publicitados registralmente nas inscrições - e seus averbamentos, que nelas se integram. Quanto às inscrições de hipoteca em causa- assim como relativamente às escrituras públicas que as basearam -, verifica-se que não contêm quaisquer irregularidades. 8 - As “causas de nulidade" dos registos estão taxativamente elencadas nas sucessivas alíneas do art° 16° do CRPred., confirmando-se que nas citadas hipotecas não existe qualquer uma delas. Mas ainda que existisse ninguém a poderia sequer invocar, visto que, nos termos do disposto no art° 17.º/1 do CRPred. a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado" - o que nunca aconteceu. 9-O conceito técnico de “lote" está assim definido no Decreto Regulamentar n° 9/2009, de 29 de maio (ficha 41 do Anexo): lote é um prédio destinado à edificação, constituído ao abrigo de uma operação de loteamento ou de um plano de pormenor com efeitos registais". Ora, 10 - No caso dos autos, os prédios oferecidos em garantia hipotecária não foram constituídos ao abrigo de uma operação de loteamento ou de um plano de pormenor com efeitos registais, mas antes, todos eles, apenas constituídos e descritos com base em desanexações de um “prédio-mãe”, requeridas pelo hipotecante. 11-O alvará titula uma licença de loteamento, mas o loteamento a que se refere o alvará n° 6/80 nunca foi registado, tendo apenas sido feita em 2014 uma anotação às descrições e causa dizendo: “Caducou o alvará de loteamento n° 6/80". 12 - Em 8 de novembro de 1996 a CMP declarou a caducidade do alvará de loteamento n° 6/80”. Essa caducidade é relativa, visto que - além de outros casos - não produz efeitos “relativamente aos lotes objecto de deferimento do pedido de licenciamento das construções neles projectadas". 13- Tal relatividade é confirmada dado que a caducidade do alvará não produz efeitos quanto à divisão ou reparcelamento fundiário resultante da operação de loteamento, pelo que, em princípio, os lotes constituídos se mantêm com a respetiva área e localização. 14- A proteção de titulares inscritos e de terceiros é a luz do nosso Ordenamento Jurídico, alcançada através do Registo Predial, que, no caso dos autos, não possuíam qualquer informação registrai quer das condições do licenciamento, quer da caducidade do alvará, visto que, no registo, nunca existiu inscrição alguma publicitando a autorização do loteamento. 15 -A anulação da autorização de loteamento, não pode afetar direitos de terceiros, constantes de registos anteriores a essa anulação, visto que estão legalmente protegidos pelo sistema registrai português e também expressamente salvaguardados pelo disposto no artigo 266°, n° 1, da Constituição, como também tem sido confirmado por doutrina constante do IRN. 16- A possível nulidade na constituição de uma hipoteca afere-se à data em que os correspondentes negócios jurídicos foram celebrados, titulados e inscritos no registo. Posteriormente o que pode verificar-se é um incumprimento, uma revogação, uma impossibilidade de cumprimento ou qualquer outra causa reconhecida pela lei. 17- Invoca-se ter sido a caducidade do alvará (em 19[9]6) que motivou a nulidade das inscrições de hipoteca, porque extinguiu os prédios descritos e hipotecados, denominados "lotes”. Porém, como se referiu, nem há nulidade - e mesmo que houvesse não poderia ser invocada (art° 17.º/1 do CRPred.) - nem outrossim os prédios se extinguem ou as descrições se podem cancelar (art° 87.º/1 do CRPred.), nem também os prédios hipotecados foram constituídos como "lotes” (citado Dec.- Reg n° 9/2009), mas sim por desanexações, pelo que não podem ser como tal qualificados. 18- Consequentemente, não colhe a tese segundo a qual o Banco credor perdeu as garantias hipotecárias, dada a nulidade destas, porque as parcelas hipotecadas se "extinguiram”, tornando o objeto impossível, uma vez que - insiste-se - as descrições não se extinguem. Nenhum prédio se extingue e a alegada impossibilidade só poderia ocorrer relativamente ao objeto de um negócio jurídico que envolvesse uma prestação impossível no domínio dos factos de harmonia com disposto no art° 280.º/1 do C.C. e com as interpretações da doutrina. 19- Por outro lado, o perecimento da coisa hipotecada não produz, nem promove, a nulidade da hipoteca. É o contrário que se verifica. De harmonia com o que a lei determina, dá lugar à substituição ou ao reforço da hipoteca nos termos do disposto no art° 701.º/1 do C.C. Acresce que a lei, no caso da coisa hipotecada ter perecido não teve em vista proteger o devedor, mas antes o credor, pois foi ele o único prejudicado com essa ocorrência. Daí que, a al. c) do art° 730° do C.C., contenha as expressas ressalvas da sua parte final. 20- Não se verifica a nulidade dos registos das hipotecas com base na al. b) do art° 16° do CRPred. - que diz: o registo é nulo "quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado” - dado que esta causa de nulidade nunca poderia existir quando, como aconteceu, as hipotecas foram constituídas por escritura pública, que é o titulo legalmente idóneo: art° 714° do C.C. 21-O perecimento da coisa hipotecada não extingue a garantia hipotecária que subsiste, quer através do reforço, quer da substituição, quer até da indemnização (art° 692° do C.C.).. 22- No caso de ter de haver lugar à inutilização de descrições de lotes ou parcelas de terreno desanexadas de um prédio-mãe, por analogia com o disposto no art° 87º/2, a) do CRPred. e do art° 1416º/1 do C.C., os titulares de direitos incidentes sobre as descrições de tais ex-lotes tinham a possibilidade de que os seus direitos ficassem em regime de compropriedade naquele prédio-mãe. Contudo, havendo ou não a citada possibilidade, o certo é que não existe qualquer causa legal para que os direitos civis se extingam, nem tal resulta das disposições aplicáveis. Pelo contrário, conservam-se. 23- Qualquer que seja a denominação que for dada a um imóvel (casa, lote, parcela...) o que no registo se descreve é sempre um prédio e o que é objeto de direitos, atos e contratos é o prédio e não a descrição ou, como se fosse realidade diferente, a casa, o lote, a quinta, o pinhal, ou outra qualquer designação. 24- Os prédios em causa foram hipotecados quando o loteamento já tinha sido declarado nulo. No entanto, verifica-se que o Banco, ora Réu, nunca interveio direta ou indiretamente nesse loteamento, sendo-lhe alheio e, consequentemente, terceiro tanto na autorização, como na anulação do mesmo e nos factos que de tal derivaram. 25- A inexistência de "lotes” não conduz necessariamente à inexistência das respetivas descrições, como a própria Lei do Loteamento reconhece quando admite que subsistam como "lotes” aqueles onde foi licenciada uma construção (e outros). Aliás, apesar da cassação do alvará, continuam a ser prédios, embora podendo já não ter capacidade construtiva. De qualquer modo, não se extinguem, porque os prédios que nasceram não morrem. Extinguem-se, sim, enquanto lotes, com as inerentes permissões. 26- A caducidade de um alvará de loteamento não determina nem pode determinar qualquer efeito sobre os direitos inscritos no sistema de registo, mesmo porque uma coisa são os direitos civis e outra os licenciamentos administrativos. Aliás, o interesse público que, subjaz ao licenciamento do loteamento urbano, tem de ser exercido “no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (art°s 62° e 266.º/1 da Constituição), que o nosso Registo Predial visa defender através de uma série de princípios que permitem qualificar o sistema como o de um registo de direitos e igualmente lhe subjaz um interesse público, desde logo por uma das finalidades que prossegue: a da segurança do comércio jurídico imobiliário. 27-O objeto de cada uma das hipotecas foi o, ou os prédios oferecidos para a constituição dessas garantias reais. Embora aos prédios, (ou imóveis que é sinónimo) lhes possam ser dadas várias denominações - tais como uma casa, uma quinta, um lote de terreno, um campo de lavradio etc. - trata-se invariável e legalmente de prédios. Portanto, “lote é um prédio”, como diz expressamente o Decreto citado no n° seguinte. 28- Nos autos também a expressão ‘lote’ é mera denominação (do prédio) e não um conceito técnico, visto que este é unicamente o dado no Decreto Regulamentar n° 9/2009, de 29 de maio (ficha 41 do Anexo): “lote é um prédio destinado à edificação, constituído ao abrigo de uma operação de loteamento (...)”. No caso vertente, também os prédios que foram denominados lotes não foram constituídos e descritos na Conservatória ao abrigo de uma operação de loteamento, mas sim ao abrigo de desanexações do prédio que foi loteado. 29- Quando as hipotecas foram constituídas não existia qualquer menção no registo (por ténue que fosse) de que o alvará foi anulado. O que unicamente existiu - e anos depois da constituição das hipotecas - foi uma simples “anotação” (e a anotação é um mero alerta sem eficácia registrai) e apenas constante das descrições, de que tinha havido uma anulação do alvará de loteamento. 30- Como tem reconhecido o IRN “os efeitos da caducidade do alvará de loteamento circunscrevem-se ao âmbito do próprio do direito administrativo, aí suspendendo o jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objeto de licenciamento de construção”. Mas esses lotes “continuam, apesar disso, a constituir, quer física quer juridicamente, prédios autónomos sobre os quais podem ser celebrados quaisquer actos jurídicos permitidos por lei”. 31- A caducidade de um loteamento ou a anulação de um alvará não determina consequência alguma sobre os direitos constituídos e inscritos no sistema de registo, nem pode determinar, salvo alguma expressa disposição legal que, se existir, certamente será inconstitucional, atento o disposto nos art°s 62° e 266º/1 da Constituição, uma vez que o interesse público que subjaz ao licenciamento do loteamento urbano tem de ser exercido “no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. 32-O PPHP é um vulgar plano de pormenor, os quais têm muito escassa (ou quase nenhuma) concretização prática a qual é (quando é) conseguida e executada através das ‘unidades de execução’ as quais, do mesmo modo, raramente se executam. Quanto ao mencionado PPHP (cuja UE é a UE1) teve inicio em 2010 e, no respetivo levantamento das ocorrências patrimoniais, verificou-se que o “principal condicionante à execução destes trabalhos foi o índice de visibilidade do solo”. 9 anos volvidos, não se vê que tenha existido a contratualização necessária para que se possa formar a denominada “massa de concentração”, a fim de possibilitar ulteriores adjudicações. 33-O “efeito real” da individualização jurídica dos lotes e parcelas resultantes da transformação fundiária decorre direta e imediatamente do PPHP e da UE1 e da publicação em Diário da República que lhe conferiu eficácia. Contudo, esse efeito é limitado a tal alteração fundiária, e não tendo havido a contratualização entre todos os interessados - e o credor hipotecário é um deles - também não pode haver a distribuição ou adjudicação de parcelas, nem tâo-pouco inexistência de anteriores prédios, a qual só se poderia verificar com a conclusão da operação, mas de modo a que nenhum titular de direitos fique prejudicado, o que, evidentemente, a lei não quer.”.
Neste sentido, não colhe a argumentação expendida, em sentido diverso, no Parecer junto pelos autores.
De facto, entende-se nesse Parecer junto pelos autores, que a razão que conduz à nulidade assenta na característica da inerência de que comungam os direitos reais. O raciocínio desenvolvido é, segundo percecionamos e em suma, o seguinte: A caducidade do loteamento determina a cessação da eficácia do acto autorizativo (alvará) extinguindo-se, em face de tal caducidade, os lotes – as unidades prediais com capacidade edificativa- que tinham sido criados por tal acto de licenciamento, pelo que, estando em causa um negócio de constituição de direito real sobre coisa que deixou de existir (negócio sobre ex-lotes), o negócio é nulo, em face do disposto no artigo 280.º do CC, por incidir sobre objeto legalmente impossível (no mesmo sentido do Parecer, secundando a existência de uma nulidade do negócio de transmissão ou de oneração celebrado após a declaração de nulidade, vd. José Lorenzo González; “Inutilização da descrição predial devido à caducidade do alvará de loteamento”, in Lusíada – Direito, n.º 13, 2015, pp. 119-128).
Ora, nos termos do artigo 2.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, as operações de loteamento são as “acções que tenham por objecto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”.
Se compararmos com a noção apresentada no pretérito D.L. n.º 448/91, de 29 de novembro, podemos concluir que o loteamento, para efeitos de aplicação deste diploma, não é só, agora, a divisão de prédios. De facto, a constituição de um lote ou de vários lotes resultantes do emparcelamento de prédios autónomos também é considerado, na perspectiva deste diploma, como uma operação de loteamento sujeita a controlo municipal. Daí que se preveja a constituição de “loteamentos de um só lote”.
A autorização de loteamento constitui, na atualidade, um facto obrigatoriamente, sujeito a registo (cf. artigo 2° n° 1 al. d) do CRP), imposição que existe na ordem registral, pelo menos, a partir do Código do Registo Predial aprovado pelo Dec. Lei 224/84, de 6 de Julho, que entrou em vigor a 1 de Outubro do mesmo ano (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-01-2009, Pº 2548/08-3, rel. ALMEIDA SIMÕES). “O loteamento em sentido estrito corresponde a uma conduta voluntária determinadora de uma divisão predial (material ou meramente jurídica que dá origem à formação de unidades prediais autónomas (novos prédios urbanos perfeitamente individualizados e objecto de direito de propriedade nos termos gerais, as quais se destinam imediata ou subsequentemente a edificação urbana. Estas unidades prediais designam-se de lotes, sendo os loteamentos, precisamente, as operações de transformação fundiária que dão origem a lotes destinados à construção urbana, ainda que apenas a um” (assim, Fernanda Paula Oliveira; Direito do Urbanismo - Do Planeamento à Gestão; Cejur, Col. Estudos Regionais e Locais, Braga, 2010, pp. 206-207). “O loteamento, enquanto operação urbanística, altera a situação jurídica dos prédios abrangidos, garantindo-lhes uma dada edificação ou uma estabilização das suas condições de edificabilidade. Assim, as condições que ficarem definidas, para cada lote, no alvará de loteamento, irão vincular quer o proprietário do prédio, quer os adquirentes do lote, ou outros titulares de direitos reais sobre os terrenos, como, igualmente, tornam-se vinculantes para a respectiva Câmara Municipal” (assim, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17-12-2020, Pº 457/20.3BELRA, rel. SOFIA DAVID, na linha da decisão do mesmo Tribunal, com a mesma relatora, de 04-10-2017, Pº 124/07.5BELLE).
Assim, conforme sublinha Fernanda Paula Oliveira (Direito do Urbanismo - Do Planeamento à Gestão; Cejur, Col. Estudos Regionais e Locais, Braga, 2010, pp. 226 a 230), “uma operação de loteamento, quer na sua configuração estrita, quer enquanto reparcelamento urbano, altera a situação jurídica dos prédios por ela abrangida. Desde logo, o loteamento urbano dá origem a lotes e a parcelas, uns e outras com estatutos jurídicos precisos. O estatuto das parcelas (…) decorre quer do fim a que se destinam (…), quer da respectiva titularidade, já que ou serão cedidas ao município (para o seu domínio público ou privado, embora, neste caso, sempre afectas àquelas finalidades e não livremente transaccionáveis), ou permanecerão propriedade privada embora com o estatuto especial de partes comuns dos lotes e dos edifícios que neles venham a ser erigidos (…). Por sua vez, o estatuto específico dos lotes advém-lhes da edificabilidade precisa que para eles é definida, a qual fica estabilizada com o licenciamento (ou admissão da comunicação prévia) do loteamento (…). A promoção de uma operação de loteamento baseia-se precisamente nesta vantagem: de criar unidades prediais com este estatuto urbanístico. Com esta operação urbanística prepara-se a área para acolher edificação urbana, a qual, porque o acto que sobre ela incide define as condições precisas da mesma, fica desde logo definida e estabilizada. Esta operação funciona, pois, como um factor de segurança e estabilidade jurídica no mercado imobiliário, em especial, criando para os adquirentes dos lotes um conjunto de garantias na concretização de uma edificabilidade que também adquirem quando adquirem o lote. Por isso, embora seja verdade que nem a licença nem a comunicação prévia de uma operação de loteamento sejam actos que, por si só, permitam a edificação nos lotes – a qual fica dependente de um posterior acto da administração (a admissão da respectiva comunicação prévia) –, a mesma define, porém, de uma forma detalhada e concreta as condições urbanísticas das edificações a implantar nos lotes, sendo esta precisamente a sua função: a de definir, estabilizando, os parâmetros urbanísticos (de edificabilidade) a que obedecerão as edificações a erigir nos lotes e as condições imprescindíveis para que as mesmas possam ser utilizadas de uma forma urbanisticamente sustentável, quer do ponto de vista da existência de infra-estruturas, quer de zonas verdes e de utilização colectiva ou de equipamentos destinados a servir os mesmos. Porque estabiliza aquelas regras e parâmetros de edificabilidade, o licenciamento ou a comunicação prévia de uma operação de loteamento introduzem um factor de segurança e estabilidade no mercado imobiliário, criando uma mais-valia que não é descurada por terceiros que adquirem os lotes. Esta mais-valia decorre, para estes adquirentes, da garantia: – de concretizar no lote a operação urbanística (edificação) para ele prevista e nas condições definidas no respectivo título (em regra o alvará); – da execução efectiva das obras de urbanização, já que, caso o promotor do loteamento as não realize (como é seu dever) pode solicitar que a câmara, ao abrigo do disposto no artigo 84.°, as realize em substituição daquele (à custa da caução por ele prestada) ou pode, nos termos previstos no artigo 85.°, requerer autorização judicial para promover directamente a execução de obras de urbanização; – do cumprimento das condições estabelecidas no alvará ou da comunicação prévia admitida por parte dos restantes adquirentes dos lotes, do promotor e da própria câmara (artigo 77.°, n.° 3); – de uma certa estabilidade das regras constantes do alvará ou comunicação prévia admitida, uma vez que as respectivas alterações estão sujeitas a regras mais rígidas de legitimidade, em que os adquirentes dos lotes têm uma palavra a dizer (cfr. o disposto no n.° 3 do artigo 27.°) e, tratando-se de alteração da iniciativa da câmara (artigo 48.°), as alterações que prejudiquem os adquirentes dos lotes dão lugar a indemnização (221). b) Daqui se pode concluir que o loteamento não confere apenas o direito a proceder à divisão/transformação fundiária da sua área de intervenção, conferindo também o direito à edificabilidade nele prevista. (…) Sendo os lotes resultantes de uma operação de loteamento unidades prediais com uma capacidade edificativa precisa servidos, de forma a garantir a efectiva concretização daquela edificabilidade, pelas necessárias infra-estruturas urbanísticas – as quais devem ser realizadas dentro de determinados prazos, ainda que a edificação nos lotes apenas surja mais tarde –, e por áreas verdes e de utilização colectiva e equipamentos – que ficam logo previstas ou, sendo caso disso, são imediatamente cedidas ao município para aqueles fins (não podendo ser destinados a outros sob pena de reversão) –, bem se compreende que, no mercado, um lote integrado num loteamento tenha um valor mais elevado do que um prédio não abrangido por este tipo de operação”.
Em moldes semelhantes, alinharam-se no Parecer n.º 33/2016, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (publ. no Diário da República n.º 116/2017, Série II, de 19-06-2017, pp. 12376-12415), nomeadamente, as seguintes proposições: “1.ª – As operações urbanísticas, na generalidade, integram o conceito de transformação dos solos, ultrapassando o simples uso ou fruição, ambos compreendidos na esfera originária de proteção do direito de propriedade privada (cfr. artigo 62.º da Constituição e artigo 1305.º do Código Civil). 2.ª – As pertinentes normas constitucionais, em especial o disposto no n.º 4 do artigo 65.º, não consentem um arquétipo legislativo que tome o designado jus aedificandi como inato às coisas imóveis e correlativos direitos reais de gozo. Só a administração pública pode legitimar as transformações do solo, através do plano, por ato administrativo ou sobre comunicação prévia, acrescentando ao conteúdo do direito civil de propriedade um direito subjetivo público de caráter real. 3.ª –Não obstante, a pretensão dos proprietários de solos a obterem tal ampliação do conteúdo do seu direito é protegida pela livre de iniciativa económica (cfr. artigo 61.º, n.º 1, da Constituição). Esta, contudo, possui um estatuto diminuído, uma vez que, ao contrário das demais liberdades fundamentais – elas próprias a demarcarem a ingerência de restrições, inclusivamente legislativas (cfr. artigo 18.º, n.º 2 e n.º 3 da Constituição) – a liberdade de iniciativa económica há de mover-se na órbita que o legislador e a administração pública lhe traçarem. 4.ª – A necessidade de os conjuntos de edificações autónomas num mesmo prédio ou em prédios contíguos terem de ser precedidos por uma operação de loteamento e respetiva licença municipal (ou, nos casos previstos na lei, de mera comunicação prévia) deve-se, fundamentalmente, à necessidade de afirmar a precedência da urbanização sobre a edificação, ou seja, garantir que um conjunto de novas edificações autónomas dispõe de infraestruturas adequadas, beneficia de espaços e equipamentos de utilização coletiva próprios, contribui para o bem comum com a cedência de terrenos a favor do domínio público ou do património municipal e assume um programa de edificação nos lotes ao qual se vinculam o promotor, os adquirentes de lotes e o município. 5.ª – A licença de loteamento não deve ser qualificada como regulamento, nem como um plano nem como um negócio jurídico, conquanto o seu conteúdo revele traços normativos, em especial as especificações obrigatoriamente fixadas para a edificação em cada lote, apesar da função de instrumento de gestão territorial que desempenha e não obstante assumir uma natureza jurídica modal, evidenciada nos deveres, ónus, encargos, termos e condições que recaem sobre o loteador. 6.ª – A licença de loteamento é um ato administrativo e é constitutiva de direitos e interesses legalmente protegidos, gozando da proteção constitucionalmente devida a estas posições jurídicas ativas ora por força de limites à revisão destes atos, ora por condicionar eventuais efeitos retroativos de outros atos administrativos, de regulamentos ou contratos administrativos e até da lei. 7.ª – A construção nos lotes é permitida pelo direito que se constitui com as especificações do alvará ou título equivalente das operações de loteamento, posto que se antecipa para o licenciamento ou para os atos preparatórios da comunicação prévia a verificação da conformidade com a lei e com os planos aplicáveis por parte das obras a executar. 8.ª – Vale isto por dizer que o tempo que rege o ato é, no caso das licenças e comunicações prévias de obras de edificação, em área abrangida por operação de loteamento, antecipado para o momento em que esta se constitui, na parte que seja especificada no alvará ou título equivalente. 9.ª – O direito a edificar, porém, revela-se um direito incompleto, condicional e condicionado. 10.ª – Não obstante garantir o aproveitamento de cada lote, segundo os parâmetros arquitectónicos e construtivos fixados nas especificações do título do loteamento, é um direito incompleto, pois só adquire plenitude com a comunicação prévia ou com a licença para início de obras de edificação no lote. 11.ª – E, essa plenitude, de harmonia com o princípio da aquisição progressiva das faculdades urbanísticas (artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 31/2014, de 30 de maio) é condicional, pois o direito a edificar em cada lote encontra-se sujeito às vicissitudes que atinjam a licença da operação de loteamento, designadamente na validade e eficácia respetivas, no seu conteúdo ou no objeto. 12.ª – O referido direito encontra-se sujeito, fundamentalmente, a duas condições. A primeira, de natureza suspensiva, impede o início das obras de construção nos lotes sem estarem concluídas – ou devidamente garantida a conclusão – das obras de urbanização. A segunda é de natureza resolutiva e impede a comunicação prévia (ou o licenciamento) de obras de edificação nos lotes se a licença de loteamento tiver caducado, designadamente por incumprimento de prazos fixados ao loteador, se tiver sido anulada ou declarada nula ou se o objeto e conteúdo respetivos tiverem sido alterados restritivamente (…).”.
Ora, sucede precisamente que, conforme se encontra provado, emitido que foi em 08-08-1980 o alvará de loteamento para os terrenos da “Horta do Palácio”, veio a ser declarada a caducidade de tal licenciamento em 1996.
Em sentido amplo, a caducidade determina “a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu dotado de eficácia extintiva” (assim, Menezes Cordeiro; “Da caducidade no Direito português”, in O Direito, Ano 136, 2004, V, p. 819 e em Tratado de Direito Civil Português; I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, 2002, p. 355 e André Folque, Curso de Direito da Urbanização e da Edificação, Coimbra Editora, 2007, p. 199).
Marcelo Caetano (Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, vol. I, p. 534) refere que: “A declaração de caducidade é um acto pelo qual a administração atesta que se verificaram certos factos que nos termos da lei originam a cessação dos efeitos de certo acto administrativo. Difere da revogação porque a supressão dos efeitos resulta, no caso da revogação, do próprio acto de revogação, que é um acto constitutivo ou inovador; ao passo que a declaração de caducidade é um acto meramente declarativo, resultando então a supressão dos efeitos, não da declaração de caducidade, mas dos factos objectivos ocorridos, que nos termos da lei são causa de extinção do acto administrativo. É por isso mesmo que, mesmo não tendo havido declaração, o acto em relação ao qual se verifique um motivo de caducidade deve considerar-se como tendo caducado”.
Conforme se referiu no Parecer n.º 40/94-complementar, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (publicado no Diário da República n.º 11/2003, Série II, de 14-01-2003, pp. 593-602), “por regra, a caducidade visa garantir o interesse público de certeza ou estabilidade de uma situação em que um direito tenha de ser exercido dentro de um prazo, sob pena de preclusão. No direito administrativo, a caducidade aparece muitas vezes associada a uma actuação do titular do direito que a lei permite configurar como um dever, caso em que se fala em caducidade-sanção por incumprimento, que a doutrina tende a integrar entre os actos administrativos extintivos, tal como a revogação e a anulação, o que implica uma declaração da Administração e a audiência prévia do particular”.
Ora, “declarada a caducidade de alvará de loteamento, produz-se o efeito próprio da caducidade, que é o da extinção dos direitos a que se reporta” (assim, o Acórdão do STA de 27-10-2004; recurso n.º 581/02-13, rel. JORGE DE SOUSA).
Conforme se lê na fundamentação desse aresto, em razão da caducidade do alvará de loteamento, “os direitos de construir que pudessem derivar do licenciamento do loteamento para os particulares extinguiram-se, no que concerne às construções ainda não licenciadas, só podendo renovar-se se existir um novo licenciamento, como vem entendendo este Supremo Tribunal Administrativo, posição que tem suporte nos arts. 24.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho (…), 54.º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, 38.º, n.ºs 5 e 6, 39.º e 48.º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º 448/91, e 72.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro. As possibilidades concedidas às câmaras municipais de expropriarem prédios cuja licença de loteamento caducou ou realizarem obras de urbanização nos mesmos consubstanciam faculdades atribuídas àquelas entidades públicas, por razões de interesse público, e não direitos dos particulares a verem licenciadas construções, depois da declaração de caducidade do alvará e antes da sua renovação. Por outro lado, os direitos atribuídos a terceiros, inclusivamente a adquirentes dos lotes, de requererem a realização de obras de urbanização nos casos de caducidade de licença de loteamento (reconhecidos pelo art. 48.º do Decreto-Lei n.º 448/91 e pelo art. 85.º do Decreto-Lei n.º 555/99), não dispensam a emissão de um novo alvará (n.º 9 daqueles arts. 48.º e 87.º) e só são exercitáveis por via judicial (...). O facto de o art. 26.º do Decreto-Lei n.º 289/73 permitir a expropriação de prédios cuja licença de loteamento tenha caducado em nada afecta este entendimento, antes o vem corroborar, pois, ao referir que os prédios expropriados não são considerados como terrenos para construção se o não eram já antes do loteamento, vem confirmar que a licença de loteamento, após a sua caducidade, não produz efeitos relativamente à qualificação dos terrenos, não lhe sendo reconhecido o efeito de lhes atribuir potencialidades construtivas que não tivessem já antes do licenciamento. Assim, existindo essa declaração de caducidade e não tendo havido novo licenciamento de loteamento, não subsistiam na ordem jurídica, depois daquela data, os direitos de construção que o então titular dos lotes referidos pudesse ter anteriormente (…)”.
Para efeitos jurídico-tributários, o STA já teve ocasião de decidir no seguinte sentido: “Os lotes de terreno para construção constituem-se com a emissão da licença de loteamento, constando, de forma especificada, do respectivo alvará (artigo 77.º, n.º 1, alínea e) do RJUE então vigente). A caducidade da licença de loteamento, ao extinguir os direitos a que se reporta, produz efeitos nos lotes criados por força do licenciamento.” (assim, Acórdão de 27-11-2013, Pº 076/13, rel. ISABEL MARQUES DA SILVA).
Mas, será que se mostra afectada – como pretendem os recorrentes – a validade dos actos de constituição de hipotecas, operadas desde 2007 (cfr. factos 26, 40 e 46 dos factos provados)?
Apreciando detidamente uma interessante situação em que foram celebrados diversos negócios em momento ulterior à declaração de caducidade de um alvará de loteamento, Isabel Pereira Mendes (“Consequências registrais da caducidade do alvará de loteamento e da suspensão da eficácia da deliberação camarária que a reconhece”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 55.º, n.º 3, Dez. 1995, pp. 969-971) concluiu, nomeadamente, o seguinte: “(…) IV— Não é o cancelamento da inscrição de emissão do alvará de loteamento que afecta os direitos de terceiros adquirentes dos lotes de terreno, mas sim as «especificações» do mesmo alvará que lhes sejam oponíveis e constem dessa inscrição («condições fixadas», segundo a terminologia anterior ao Dec.-Lei n.° 30/93), e também as disposições de lei sobre os factos que determinam a sua caducidade, com a consequente alteração do respectivo registo por forma que este reflicta a realidade subjacente (v. C.R.P., alínea f) do n.° 1 do artigo 95.°, e Decs.-Leis n.os 448/91 e 400/84, respectivamente artigos 29.°, n.° 3, e 47.°, n.° 2). V— O cancelamento da inscrição de emissão do alvará de loteamento não impõe a anexação das descrições dos lotes de terreno, nem mesmo daquelas que respeitam a lotes ainda não transmitidos a terceiros, nem implica a alteração das respectivas descrições prediais quanto à natureza, composição e situação matricial dos lotes, nos termos dos artigos 90.°, alínea c) do artigo 89.° e alíneas b),d)ef) do n.° 1 do artigo 82.° do C.R.P. (cfr. artigos 85.° e 87.°) (…). VIII — No caso de ter sido interposto recurso da deliberação de caducidade do alvará e de ter sido suspensa a eficácia desta, durante o período de suspensão nada há, «de jure constituto», que impeça a realização de actos ou negócios jurídicos de transmissão de lotes (…)”
A citada Autora refere, em particular (p. 970) que: “(…) Se a ninguém aproveita a ignorância da lei, o próprio facto de se conhecer, através do registo, que foi emitido um alvará de loteamento (cuja inscrição nunca é provisória por natureza, mas sempre definitiva, se não houver dúvidas que o impeçam) obriga os interessados, como cidadãos medianamente informados e instruídos, a indagarem se foram ou não cumpridas as condições legais para queo alvará se mantenha. A corroborar a afirmação precedente existia no Dec.-Lei n.° 400/84 a disposição do n.° 3 do artigo 53.°, estipulando que «a transmissão da propriedade de terreno objecto de operação de loteamento antes de concluídas as obras de urbanização terá como efeito a mudança de titularidade do alvará, para o que deverão os interessados comunicá-la à câmara municipal, no prazo de 30 dias, a fim de que seja efectuado o respectivo averbamento». Por aplicação extensiva desta norma, a transmissão de lotes, antes de concluídas as obras de urbanização, determinava que o alvará passasse a ter uma múltipla titularidade, não sendo de admitir o desconhecimento desse condicionalismo por parte dos interessados. Quem adquirir um lote de terreno sem se inteirar do estado das obras de urbanização não poderá depois exigir que sejam licenciadas as construções previstas para o mesmo, pois há expressas disposições de lei que não permitem um tal licenciamento, ou só o permitem em condições especiais (cfr. n.° 2 do artigo 52.° do Dec.-Lei n.° 400/84 e n.° 2 do artigo 35.° do actual Dec.-Lei n.° 448/91) (…). O registo predial, se tem uma função de protecção dos interesses privados, constitui também um meio eficaz de assegurar a defesa da função social da propriedade. Não é viável que, através dele, se desvirtuem os ditames das leis urbanísticas. Tem que haver conjugação entre estas e o registo predial. Ora, se este contiver todos os elementos publicitários que assegurem ou propiciem um perfeito conhecimento da situação concreta, não é legítimo invocá-lo precisamente para se frustrarem as prescrições das mencionadas leis urbanísticas (…)”.
Na mesma linha, pode dizer-se que “os loteamentos urbanos, como operações urbanísticas de fraccionamento dos solos, incluem um conjunto de parâmetros urbanísticos (de edificação, infraestruturas, etc), que só com o licenciamento podem ser executadas. Com base no Alvará de loteamento urbano, pode registar-se a nova realidade urbanística daí recorrente, o registo da operação de loteamento urbano, permite de acordo com os princípios, fins e efeitos inerentes à actividade registal, criar novos prédios, descrições – que correspondem a Lotes – sob os quais se inscrevem os mais variados negócios jurídicos, necessários ao comércio jurídico imobiliário. Com o loteamento urbano e o registo do mesmo, está assegurado o longo caminho, que é o procedimento administrativo “de desmembrar os imóveis” e torná-los autónomos, com condições de edificabilidade. Com o seu registo se garante e publicita que esses direitos existem o são-no exactamente como aí estão publicitados, ambos têm o mesmo objecto – o solo e o mesmo fim criar realidades prediais, onde o interesse público e ambiental é respeitado, e o interesse privado é promovido, executado e protegido” (cfr. Clara de Jesus Lucas de Abreu; Os Loteamentos Urbanos e o Registo Predial; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Outubro de 2020, consultado em https://eg.uc.pt/retrieve/199089/Disserta%C3%A7%C3%A3o%202020.pdf, pp. 39-40).
Tem sido complexa a convivência das regras registrais com a publicitação da caducidade da licença de loteamento.
De facto, tal como evidencia Vítor Hg... Oliveira Ferreira (A Cessação dos Efeitos do Registo; Escola Superior de Tecnologia e Gestão – Politécnico do Porto, 2015, pp. 61-62) “tem vindo a ser muito debatido a questão de se saber se os lotes abertos em consequência do registo da operação de transformação fundiária devem ou não ser reanexados, em face da comunicação da cassação do alvará ou do título da comunicação prévia, feita pelo presidente da câmara municipal. No parecer do IRN, extraído no processo n.º 134 - RP 9083, defendeu-se que se sobre as descrições não incidirem quaisquer registos, devem esses prédios ser reanexados ao prédio de onde foram desanexados sendo, posteriormente, inutilizadas as descrições. Posteriormente, porém, surgiu um outro parecer do IRN, em consequência do processo n.º 1/97 DSJ –CT, onde se concluiu que, nos termos do n.º 3 do artigo 80.º do C.R.P, são abertas imediatamente as descrições dos lotes a que o licenciamento deu origem, lotes estes que são autónomos, não podendo, numa futura declaração de cancelamento, ser prejudicados. Pelo parecer emitido no âmbito do processo n.º 18/98 DSJ – CT chegamos à conclusão de que as descrições abertas no âmbito de alvará de loteamento lavrado com carácter definitivo, permanecem como tal, ainda que posteriormente o registo do alvará de loteamento venha a ser cancelado. Assim sendo, determinada a cassação do alvará de loteamento e efetuada a comunicação à Conservatória do Registo Predial para cancelamento daquele registo, os lotes não são reagrupados, mantendo as suas descrições e inscrições, perdendo, no entanto, o direito de construir. É de referir que, pela caducidade do licenciamento e respetiva cassação do alvará, os efeitos do licenciamento não são destruídos, exceto no que concerne ao ius eadificandi” (para maior desenvolvimento vd., Carla Maria Ferreira da Silva; O Urbanismo e o Registo Predial; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Julho de 2019, consultado em https://eg.uc.pt/bitstream/10316/90261/1/O%20URBANISMO%20E%20O%20REGISTO%20PREDIAL.pdf).
Mais recentemente, o Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e do Notariado emitiu o Parecer n.º 47/CC/2018 (Pº RP 103/2018 STJSR-CC), de 15-11-2018, onde se concluiu o seguinte: “1) A existência de anotação, lançada às descrições de todos os lotes criados ao abrigo da operação de loteamento inscrita, a informar, nos seus próprios termos, da cassação de determinado alvará (“segundo alvará”, digamos) de loteamento que terá sido emitido em consequência da caducidade do alvará (“primeiro alvará”, digamos) a que respeita aquela mesma operação de loteamento inscrita, faz com que, mesmo do ponto de vista estritamente tabular, se torne duvidosa a condição jurídica das unidades prediais originadas e descritas como “lotes” – não podendo assim dar-se por seguro, em face dum tal conteúdo registal, que tais unidades conservem esse preciso estatuto jurídico (de “lote”) e que com esse preciso estatuto jurídico possam consequentemente ser objeto de negócios. 2) Ocorrendo o apontado circunstancialismo tabular, o título pelo qual se venda alguma das referidas unidades prediais deverá ser instruído com documento comprovativo, emitido pela entidade administrativa competente, ou a) de que essa unidade conserva o estatuto de “lote” (quando seja como “lote” que os contraentes a negoceiem, nomeadamente, em caso de declaração de caducidade do ato de aprovação, por dos seus efeitos ter ficado excluída – cfr. arts. 38.º/5, do DL n.º 448/91, de 29-11, e 71.º/7-a, do RJUE), ou b) de que deixou de ter um tal estatuto (quando seja como “simples” terreno para construção que os contraentes a negoceiem, por dos efeitos da mesma declaração de caducidade “do loteamento” não ter ficado excluída) (…)”.
Ora, não nos parece que o efeito da caducidade do loteamento – que não foi objeto de anotação no registo predial, senão em 2014 (em data ulterior à constituição das hipotecas dos autos) - determine outra modificação na componente real do prédio (sobre o qual incidia o loteamento cujo alvará foi cassado ou caducou) que a resultante de não poder ser desenvolvida a operação urbanística que por ele era (desde a concessão do alvará e antes da caducidade do loteamento) viabilizada.
Cessando a eficácia do loteamento anterior, extingue-se o parcelamento motivado pelo mesmo, mas, nem por isso, fica afetada ou limitada a titularidade do direito real incidente sobre o prédio sobre o qual incidiria o loteamento (agora caducado), nem igualmente, a possibilidade de a coisa – no caso o prédio – ser objeto de relações jurídicas negociais, designadamente, a oneração voluntária, que determine a constituição de uma hipoteca voluntária, não se subscrevendo o entendimento de que, tais negócios a terem lugar com referência ao prédio existente – que não se “esfumou” com a declaração de caducidade do alvará de loteamento – incidem sobre objeto legalmente impossível. O objeto negocial é o prédio – ou, na expressão do artigo 1302.º do CC – a coisa corpórea.
Afigura-se, aliás, que este entendimento é o que melhor compatibiliza as características inerentes aos direitos reais, à fonte de onde promanam as faculdades que lhes são inerentes, com a natureza da intervenção da administração pública na delimitação e na conformação prática de tais direitos.
Conforme, elucidativamente, descreve José Alberto Vieira (Direitos Reais; Almedina, 2020, pp. 314-316) “o chamado“ius aedificandi”“não tem autonomia no contexto do gozo, sendo uma das manifestações possíveis do poder de transformação que integra alguns dos tipos de direitos reais de gozo, particularmente, o direito de propriedade, o direito de superfície e, em menor medida, os direitos de usufruto e de uso e habitação. Este poder de transformação, que constitui uma parte do conteúdo (positivo) de direitos reais de gozo, não resulta de nenhuma disposição de Direito Público – Direito Administrativo, Direito do Urbanismo ou outro – sendo, ao contrário, atribuído exclusivamente pelo Direito Civil (…). Contudo, e como, de resto, dispõe o art. 1305.º, no fim, num trecho que vale no seu alcance para qualquer direito real de gozo, o aproveitamento da coisa pelo gozo está sujeito aos limites e restrições legais. Dito por outras palavras, a extensão do poder de transformação pode ser diminuída em função de normas que impõem deveres ou outras vinculações ao titular do direito real. É a isso que chamamos delimitação negativa dos direitos reais. Quando, por exemplo, no art. 4.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação se prescreve a necessidade de licença ou autorização administrativas, não se está a dar ao órgão da administração pública uma competência para atribuir ao titular do direito real (proprietário ou outro) um direito à construção, mas sujeitar o gozo daquele a uma restrição. E é por isso que quando uma tal restrição não se encontre prevista na lei o titular do direito real de gozo que beneficie de um poder de transformação o pode fazer licitamente. Se fosse a administração pública a atribuir um ius aedificandi, ficaria por explicar qual a sua fonte quando a construção não esteja de algum modo limitada normativamente”.
Retome-se o Parecer do Professor Doutor Mouteira Guerreiro junto aos autos, onde a respeito da validade das hipotecas constituídas a favor do BES e transmitidas para o …BANCO se referiu, designadamente, o seguinte (sublinhando-se as considerações que pela sua particular pertinência, se colocam em evidência): “(…) No que diz respeito à constituição e ao registo das hipotecas voluntárias [únicas que estão em causa] e à sua invocada nulidade, a clarificação que liminarmente importa fazer é esta: a possível existência de tal nulidade afere-se à data em que os correspondentes negócios jurídicos foram celebrados, titulados e inscritos no registo (…). Por outro lado, as posteriores imperfeições, erros, desconformidades e impossibilidade de cumprimento também não são equiparáveis à ideia de nulidade, sobretudo na titulação e no registo de atos que as foram gerindo. A nulidade é indubitavelmente um grave vício que pode ocorrer na contratação, isto é, na constituição do negócio jurídico, em especial proveniente de “defeitos” na declaração da vontade (ou na sua formação) aquando da realização do negócio. O que posteriormente à sua conclusão e celebração poderá acontecer é que os sujeitos desse negócio pratiquem atos contrários à lei e, portanto, nulos o que, é claro, é outra coisa. Por conseguinte, será legítimo interrogarmo-nos sobre se a invocada nulidade das hipotecas é um vício que surgiu quando: 1) o loteamento (com o respetivo alvará) foi anulado em 1996; 2) ou o STA julgou improcedente o recurso da Autora e a decisão transitou em julgado em 2000; ou quando as hipotecas foram constituídas (em 2007, 2009e2012)? Depreende-se dos autos que se entende ter sido a caducidade do alvará (em 1966) que motivou a aludida nulidade porque "extinguiu” os “lotes” descritos. Vê-se também que: a constituição das hipotecas é posterior à anulação do alvará (…). a) - Não colhe a tese segundo a qual, porque as parcelas descritas e hipotecadas se “extinguiram” - e vimos já que as descrições não se extinguem - o Banco credor perdeu as garantias hipotecárias de que era titular, dada a nulidade destas. Contudo, de harmonia com disposto no art° 280.º/1 do C.C., só “é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível”. Ora, a extinção das descrições sobre as quais recaem as hipotecas não torna o objeto destas fisicamente impossível. Todavia (além do que já disse quanto à nulidade do negócio jurídico) a impossibilidade a que esta norma se refere não é a alegada. Como ensinam PlRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, tal impossibilidade só poderia ocorrer relativamente ao objeto de um negócio jurídico “que envolve uma prestação impossível no domínio dos factos: entregar a lua (...) etc.” . Prestação, diz a lei, porque o preceito não diz respeito a um direito real, mas antes ao objeto da constituição de um negócio jurídico. b) - O perecimento da coisa hipotecada não produz, nem promove, a nulidade da hipoteca. Sublinhemos: é o contrário (…) que se verifica (…). IV- Neste capítulo e para esclarecer qual foi realmente o objeto das hipotecas, teremos de saber se foram hipotecados lotes, descrições ou prédios. Antes de tentar desenvolver qualquer argumentação (quiçá desnecessária), devo dizer clara e resolutamente o seguinte: são sempre prédios (ou imóveis que é sinónimo de prédios). É certo que vulgarmente são-lhes dadas várias denominações, mas no conceito legal trata-se invariavelmente de prédios. Na verdade, em múltiplos e títulos - tais como escrituras públicas, documentos judiciais e outros notariais e particulares, incluindo contratos-promessa - é frequente ver identificado o imóvel (objeto de transmissão ou de qualquer negócio) deste modo: “uma casa no lugar... com a área de...inscrita na matriz sob o artº..., descrita na conservatória de...”, ou então “uma quinta denominada..., ou “um campo de lavradio e vinha....”, “uma bouça de pinheiros e mato... descrita... , "um lote de terreno... inscrito na matriz sob o art°...” etc. etc. Acontece ainda que em alguns documentos o imóvel é apenas identificado pelo número da descrição na conservatória - o que é suficiente. Em todos os referidos casos pode sustentar-se que afinal não se vendeu (ou se hipotecou, etc.) um prédio, mas antes uma quinta, ou um lote... ou uma casa - e defender que se ela foi demolida então deixou de existir e, por isso, nada se vendeu? Como é possível defendê-lo? Não é: todos eles - “coisas imóveis’’-, são prédios, rústicos ou urbanos (ou mistos) com determinada denominação, caso a tenham. E essa denominação, seja qual for, e embora específica, em nada altera a qualificação legal de prédio, o qual é rústico ou urbano (ou, eventualmente, misto). Não existe na lei um tertium genus de qualquer bem imóvel que não seja um prédio. No que tange aos prédios hipotecados, afigura-se que também não é sustentável que sejam lotes e não prédios: primeiro porque, como se disse, todos os lotes são prédios; depois porque também no caso vertente não se terão de considerar lotes em sentido tecnicamente definido, já que se trata de parcelas que nasceram por sucessivas desanexações e não por ter sido a “operação de loteamento” que deu lugar à sua constituição. Referimos já que o conceito técnico de “lote” foi definido no Decreto Regulamentar n° 9/2009, de 29/5; “ lote é um prédio destinado à edificação, constituído ao abrigo de uma operação de loteamento ou de um plano de pormenor com efeitos registais”. Nesta definição verifica-se ainda que é a lei a dizer: “lote é um prédio”. V- Quanto à data da constituição das hipotecas e anterior anulação do alvará: Não se verifica a pretensa invalidade das hipotecas pela circunstância de terem sido constituídas depois da declaração de nulidade do loteamento. Todos os documentos (com força probatória plena) entregues pela Autora ao Banco para obter o financiamento (designadamente as certidões da Conservatória e da Repartição de Finanças de Por…) claramente mencionvam os prédios que, para tal fim, pretendia oferecer como garantia hipotecária, prédios esses iguais a quaisquer outros, não contendo refêrencia alguma que fizesse sequer suspeitar que poderia haver uma irregularidade. Outro tanto acontecia com as inscrições, as quais publicitavam que a Autora era a proprietária desses prédios, sem condições, ónus ou encargos, não existindo quaisquer outros registos. Na verdade, a simples “anotação” - e, como se disse, a anotação é um mero alerta sem eficácia registrai mesmo para as próprias partes - foi a única referência, apenas constante das descrições, de que tinha havido uma anulação do loteamento. Mas essa anotação foi feita apenas em 2014, portanto vários anos depois de constituídas e registadas as hipotecas. Além disto, depois do CRPred. de 1984 o ter admitido, nunca foi inscrita a autorização do loteamento e nem a própria CMP.. promoveu o cancelamento do registo dessa autorização. Por conseguinte, como é que poderia ser oponível a quaisquer terceiros a mencionada anulação do licenciamento em causa? (…)”.
E, mais adiante, questiona-se neste Parecer o seguinte: “ (…) A declaração de nulidade de um loteamento ou a anulação de um alvará determina algum efeito sobre os direitos inscritos no sistema de registo? Em meu entender não determina nem pode determinar, salvo alguma expressa disposição legal, a qual, a existir, até pode ser inconstitucional, atento o disposto nos art°s 62° e 266º/1 da Constituição, uma vez que o interesse público que, evidentemente, subjaz ao licenciamento do loteamento urbano, tem de ser exercido "no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” e, como tentamos demonstrar no Io capítulo, o nosso Registo Predial visa precisamente - através de uma série de princípios que permitem qualificar o sistema como o de um registo de direitos - defender tais “direitos e interesses”. Numa intervenção que teve lugar na Universidade do Minho, referi que é hoje incontroverso dever dar-se prevalência ao interesse público face a qualquer egoístico interesse privado. Contudo, dito isto, cabe também lembrar que a publicitação dos direitos feita pelo registo, sendo embora da órbita cível, é igualmente de interesse público, dado que ela mesma tem em vista a segurança do comércio jurídico - valor este que em si é de âmbito geral e de interesse social, mormente na nossa época em que as pessoas não se conhecem, mas se informam e contratam através da Internet e sabem que a informação registral dos direitos inscritos já é disponibilizada eletronicamente, entre nós e nos países da Europa Comunitária. Quando se raciocina sobre o tema dos efeitos da caducidade e revogação do licenciamento e da cassação do alvará, habitualmente, quanto às inscrições, pensa-se no proprietário inscrito. Contudo, ainda que o direito de propriedade seja o direito real básico, convém não esquecer que estão sujeitos a registo muitos outros direitos e situações jurídicas, relativamente aos quais é, porventura, ainda mais nítida a necessidade de, apesar daquela cassação, as inscrições se terem de manter intocadas. Na verdade, se, v.g., sobre um dos "ex-lotes” incidir um registo de ação, sobre outro um ‘leasing” imobiliário e sobre outro, onde há uma casa, um arrendamento de longa duração registado, já se tornará mais evidente perceber que tais inscrições não podem ser tocadas, embora o licenciamento urbanístico tenha cessado. A realidade, sempre sublinhada em pareceres do IRN, é esta: uma coisa são os licenciamentos urbanísticos - e, em geral, os atos administrativos - e outra, muito diferente, são os direitos civis. Trata-se de dois planos distintos que nem concorrem entre si, nem têm que colidir, nem devem querer prevalecer um sobre o outro e, no tocante à anulação de um loteamento, os seus efeitos nunca podem atingir - para usar a expressão constitucional - os "direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”. Não querendo alongar a exposição faço apenas esta singela observação: como pode entender-se que a autorização de determinada operação urbanística - que (por assim dizer) nunca transita, já que, de quando em quando é alterada, anulada e de novo concedida - extinga os direitos individuais (mormente os obrigacionais e reais) que foram definitiva e legalmente constituídos e registados pelo facto de ter sido anulado ou revogado, um mero licenciamento administrativo, mas sem que exista qualquer causa extintiva do próprio direito inscrito? E manifesto que não pode concluir-se que a lei tenha pretendido essa incongruente e desacertada solução pelo que tem de ser rejeitada (art° 973 do C.C.) (…). Refletindo neste tema, num anterior trabalho, e a propósito dos efeitos civis e registrais resultantes da cassação de um alvará de loteamento, recordava que quando o alvará de loteamento é registado são abertas (como se referiu) as descrições dos lotes como prédios autónomos. Deste modo, podem sobre eles ser celebrados (e habitualmente são) os mais variados actos e contratos tal e qual como ocorreria relativamente a qualquer outro prédio autónomo, que sempre o tivesse sido. E, insista-se, também caso se trate desses ou de quaisquer outros “lotes”, mesmo não contemplados naquele art° 71º7, isso nada tem a ver com os direitos registados -quer o de propriedade, quer qualquer outro, como o de hipoteca, cujo registo até tem uma eficácia constitutiva. Em qualquer situação, como já doutamente se fez notar, a decisão da câmara municipal que anulou o alvará "apenas faz desaparecer, do ponto de vista jurídico, o acto de licenciamento”, mas “tal não permite cancelar os registos dos direitos que se formaram na sequência do registo do alvará” que podem incidir sobre uma dada descrição predial . Já há muito, antes mesmo da publicação do RJUE, que a jurisprudência e a doutrina têm reconhecido que o jus aedificandi não faz parte dos poderes inerentes ao direito de propriedade, sendo antes uma concessão de natureza pública habitualmente consubstanciada num licenciamento administrativo, o qual não anula - seria ilegal sustentá-lo - os direitos civis constituídos ou que se constituam. Em síntese: somos de opinião que a inscrição de autorização de loteamento, estando comprovadamente titulada pelo respectivo alvará, dá sempre lugar à abertura das descrições dos lotes, como prédios independentes, os quais, à luz do sistema registrai (e como supra se disse), não mais se podem cancelar, nem ficam ligados ao prédio loteado, relativamente ao qual, de uma vez por todas, foi como que cortado um "cordão umbilical”, ao contrário do que acontece na propriedade horizontal em que subsiste uma descrição genérica do prédio (onde são descritas as partes comuns) relativamente à qual permanecem ligadas as descrições das frações autónomas. Quanto ao loteamento: os prédios autonomizados (os "ex-lotes”), como tais, apesar da cassação do alvará, não se extinguem. Extinguem-se, sim, enquanto lotes. Os prédios, que nasceram, não morrem. O que deixaram é de ser lotes. Poderão passar a ser prédios rústicos, parcelas em que não se pode construir, mas registralmente (e civilmente) têm existência. Uma vez abertas as descrições, o próprio sistema de registo “exige” que subsistam, embora o prédio que descrevem possa deixar de ter natureza urbana e de ser constituído por "lotes” destinados a construção, para passar a ser uma simples parcela de terreno (…). No concernente à situação jurídica, ela abrange o conhecimento dos direitos que incidem sobre os prédios (através das inscrições), mas outrossim a definição e público conhecimento da própria identidade deles mesmos, afirmada pela sua natureza, situação, composição, artigo matricial e demais menções previstas no Código(…) os “lotes”, enquanto áreas de terreno demarcadas e destinadas imediata ou subsequentemente à edificação urbana, nascem como tais, integrados num loteamento aprovado. Mas se esse loteamento deixou de ter existência (designadamente porque foi declarado nulo, o que, como é sabido, tem um efeito ex tunc) também os respectivos “lotes”, enquanto tais, desaparecem, ou até, de harmonia com a legislação administrativa (v.g. do art.° 134° do CPA de que falamos), como lotes nunca existiram. Contudo, a inscrição da autorização de loteamento deu lugar à abertura de descrições próprias, sendo que parte básica das suas menções, como a composição e a área, é a que (ou deve corresponder à que) foi atribuída aos lotes, mas há ainda outras, como é o caso do artigo matricial, que eles não tinham. Portanto, a nosso ver, poder-se-á afirmar: aquela dada superfície de terreno nasce como um lote, mas termina como “um prédio ”, com a sua descrição própria. Deste modo, confirma-se que, tendo sido abertas as descrições dos lotes, passam as respetivas áreas de terreno a constituir, legalmente, prédios descritos, sobre os quais podem incidir quaisquer inscrições que a lei tiver previsto. E, assim sendo, também não parece que se devam suscitar dúvidas de que os efeitos dos registos sobre esses prédios venham a ser exatamente os mesmos daqueles que decorriam se tais inscrições incidissem sobre quaisquer outros prédios. E não nos referimos apenas ao efeito geral da oponibiiidade do direito inscrito face a terceiros (e a terceiros de boa fé), mas sim a todos os outros, em especial ao efeito constitutivo inerente a determinadas inscrições (como as de hipoteca), bem como ao prioritário, ao presuntivo e até ao decorrente do trato sucessivo. Em suma: os prédios, uma vez descritos, subsistem. Podem alterar a natureza, a denominação, a composição, o artigo matricial..., enfim, quaisquer menções que contenham, mas conservam sempre (como consideramos ter demonstrado) a sua identidade. E o que acontece com os que - como no caso vertente - foram descritos com a designação de "parcela de terreno destinado a construção urbana designado por lote 8” e que tenha perdido o previsto destino e denominação, visto que, como se comprova, inexistência como "lote”, desde que esteja descrito na conservatória, conduz necessariamente à subistência das descrições e dos prédios nelas descritos (…)”.
Ou seja, em termos fundamentais, considerando os factos apurados e o direito aplicável, podem alinhar-se as seguintes conclusões:
1) A concessão de alvará de loteamento - podendo o loteamento nunca se concretizar – não determina a constituição de prédios autónomos, sendo que o conceito de prédio é mais amplo que o de lote;
2) O conceito de “prédio” é mais amplo do que o de “lote”;
3) O “lote” é o prédio destinado à edificação constituído ao abrigo de uma operação de loteamento ou de plano com efeitos registais que deriva de um procedimento administrativo de “loteamento”, que tem em vista permitir a edificação urbana, em consequência da divisão de um ou de vários prédios;
4) Em termos registrais, “lote” não se identifica com “prédio”, visto que este, além da área e destino (próprios do lote) contém a composição, natureza e artigo matricial, devendo publicitar-se a sua “identificação física, económica e fiscal” (art° 79° do CRPred.);
5) Nenhum prédio se extingue pela caducidade do loteamento, limitando-se a anotação da caducidade do loteamento a servir de alerta para tal caducidade;
6) No caso, o alvará de concessão da licença de loteamento n.º 6/80 nunca foi registado, não tendo também sido anotada até 2014 a sua caducidade (repare-se que, até 17-06-2014, os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Por… sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam, sem que estivesse anotada no registo a caducidade do alvará n.º 6/80);
7) A possível nulidade na constituição de uma hipoteca afere-se à data em que os correspondentes negócios jurídicos foram celebrados, titulados e inscritos no registo;
8) Aquando da anotação registral da caducidade do loteamento de 1980, realizada em 2014, as hipotecas dos autos já se encontravam constituídas e registadas (foram-no, em 2007, em 2009 e em 2012);
9) Os prédios oferecidos em garantia hipotecária não foram constituídos ao abrigo de uma operação de loteamento ou de um plano de pormenor com efeitos registais;
10) A caducidade do alvará não produz efeitos quanto à descrição predial e à divisão ou reparcelamento fundiário resultante da operação de loteamento, pelo que, em princípio, os lotes constituídos se mantêm com a respetiva área e localização;
11) Quando as hipotecas foram constituídas não se encontrava registado (ou por qualquer forma “anunciado”) o cancelamento do loteamento, o que proporcionava a admissibilidade da constituição das hipotecas referenciadas à situação jurídica que o registo revelava (sendo admissível a constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 688.º do CC, de hipotecas referentes a partes de prédios suscetíveis de propriedade autónoma, sem perda da sua natureza imobiliária – cfr., neste sentido, José Osvaldo Gomes; Manual dos Loteamentos Urbanos; 2. ª ed., Coimbra, 1983, pp. 503-504);
12) A anotação no registo da caducidade do alvará de loteamento não determinou qualquer efeito sobre os direitos de terceiros inscritos no sistema de registo, não afetando os direitos do ora 2.º réu, nem impediu a inscrição registral da constituição de hipotecas, na inscrição aberta em razão do alvará existente.
Em face do que se conclui, que inexiste motivo para a declaração de nulidade das hipotecas de que é beneficiário o 2.º réu e registadas sobre os prédios da Porti…, validamente constituídas e não afetadas juridicamente pela declaração de caducidade do loteamento, anotada em 2014.
De igual modo, o juízo formulado pelo Tribunal recorrido, quanto aos demais negócios firmados, não merece qualquer reparo ou censura, subscrevendo-se a conclusão a que chegou a sentença recorrida: “Não sendo nulo aquele negócio, não são nulos os financiamentos concedidos pelo antigo BES para pagamento do preço daquela cessão de quotas e, posteriormente, para outras operações relacionadas com tais financiamentos, nem tão-pouco as garantias, reais e pessoais, que lhes estão associadas (…)”.
Improcedem, pois, em conformidade com o exposto as conclusões dos recorrentes a respeito da questão em apreço.
* O) Se deverá reconhecer-se o enriquecimento sem causa do 1.º réu FUNG…, condenando-se este a restituir às 1.ª e 2.ª autoras a quantia de € 15.268.882,85 que, nos termos do disposto no art. 473º do CC, na proporção de 72% e 28%, respectivamente?
Concluem os recorrentes que o 1º R. beneficiará de um injusto e injustificado enriquecimento no montante de, pelo menos, € 15.268.882,85 que, nos termos do disposto no art. 473º do C.C., deverá restituir às 1ª e 2ª AA. na proporção de 72% e 28%, respectivamente.
Alegaram, para tanto, o seguinte: “Como já se alegou a propósito do valor dos terrenos na sequência da aprovação do PPHP, se (e só se) forem declarados nulos o contrato de cessão de quotas e os contratos de financiamento com os nºs …004472/07 e nº …O002188/07 (posteriormente substituído pelo nº…O000472/11) celebrados entre a 1ª A. e o BES, bem como todas as garantias constituídas para assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes deste Financiamento …004472/07, a Porti… reingressará no património do R. Fung…. Ora, quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15. Agora, o 1º R. receberá a Porticentro reintegrada de um activo constituído pelos prédios da Horta do Palácio que valem, no mínimo, €19.130.000,00 (dezanove milhões cento e trinta mil euros) e com um passivo de €2.450.000,00 (dois milhões quatrocentos e cinquenta euros). A declaração de nulidade do contrato de cessão da totalidade das quotas representativas do capital social da Porti… determinará, pois, para o 1º R., um enriquecimento injusto e injustificado que se traduz na extraordinária valorização dos seus activos graças ao trabalho e aos recursos dos A. (…)”.
Contra-alegou o réu …BANCO o seguinte: “C. Enriquecimento sem causa e abuso do Direito 143. Sobre a matéria relativa ao pedido de restituição por enriquecimento sem causa, formulado pelos Recorrentes contra o Fung… para a eventualidade de virem a proceder as arguidas nulidades, com regresso das quotas da Porti…o à esfera deste, o B não se pronunciará por não ser matéria que lhe diga respeito, 144. Senão para referir o quão sintomático esse pedido é relativamente ao ponto seguinte das alegações dos Recorrentes, relacionado com o abuso do Direito da sua parte, que foi mencionado pelo B e pelo Fung… nas respectivas Contestações. 145. De facto, não há mais ilustrativo desse abuso do que a circunstância de os Recorrentes, após a cessão das quotas da Porti…, terem investido no PPHP, que entenderam implementar, tendo-se financiado junto do BES em mais (cerca de) € 2.500.000, 146. E só mais de 10 anos depois da cessão, como forma de contornar obstáculos que decorrem, acima de tudo, da natureza ambiciosa do PPHP – e de alguma intransigência da CMP.., diga-se –, se lembram de que, afinal, foram enganados quanto à caducidade do Alvará n.º 6/80, 147. Procurando ainda lucrar com esse seu posicionamento à custa do património do Fung... 148. Ora, na data de hoje já temos, como suporte do que se havia alegado, a matéria de facto provada nos autos, da qual decorre, com clareza, que os Recorrentes relevantes bem sabiam que a aptidão construtiva que aquele Alvará n.º 6/80 previa não podia ser recuperada nos mesmos termos, 149. E que foi por sua iniciativa, e pelo conhecimento (ou expectativa) de circunstâncias que o B (e o Fung…) não podiam nunca influenciar, que resolveram enveredar pela aprovação do PPHP. 150. Todo este tempo depois, depois de todas as posições tomadas e de todas as interacções entre as partes entretanto, pouco mais há a acrescentar como fundamento da ideia de que, mesmo que houvesse algum mérito nas alegações dos Recorrentes – e não há, como já se percebeu – , a sua posição seria sempre ilegítima e inatendível, ao abrigo do que prevê o artigo 334.º do Código Civil. 151. Assim sendo, e nessa lógica subsidiária, sempre se requereria a V. Exas. que reconhecessem a natureza abusiva dos pedidos formulados pelos Recorrentes nestes autos, ditando assim a improcedência integral dos mesmos”.
Na decisão recorrida teceram-se, a propósito, as seguintes considerações: “Quanto ao pedido de enriquecimento sem causa, formulado pelos Autores apenas quanto ao 2º Réu, o mesmo alicerçava-se, fundamentalmente, na avaliação feita aos imóveis, cujo valor, na tese dos Réus, aumentara substancialmente, graças ao Plano de Pormenor por estes desenvolvido – pelo que, de acordo com a sua causa de pedir, ao receber de volta os prédios que constituem o activo da Port… por efeito do incumprimento dos financiamentos e consequente accionamento das garantias reais, o 2º Réu ficaria com esses bens imóveis por um valor superior àquele que tinham aquando do negócio de cessão de quotas pretensamente inválido. Ora, por um lado, como já se referiu supra, não há qualquer fundamento para a restituição ao 1º Réu das quotas da Porti…, nem a inerente retransmissão dos imóveis que são seu património; por outro lado, a alegação de que esses imóveis teriam beneficiado de uma valorização decorrente da aprovação do Plano de Pormenor promovido pelas Autoras teve por base pressupostos sem correspondência com a realidade e, por isso, não ficou demonstrada, atentas as fragilidades da avaliação efectuada nos autos e a falta de outros meios de prova, a que acresce o facto, entretanto conhecido, que a CMP..tem intenção de revogar esse Plano de Pormenor”.
Ora, mantêm plena pertinência estas considerações, uma vez que, decorre do exposto, inexistir motivo para que seja declarada a nulidade dos negócios mencionados nos autos, designadamente, o de cessão de quotas da Porti…, pelo que, se mostra prejudicada a apreciação da questão de enriquecimento sem causa do 2.º réu arguida pelos autores – cfr. artigo 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC.
* P) Da ampliação do objeto do recurso pelo recorrido FUNG…: a) Se caducou o direito à anulação do negócio previsto no artigo 287.º, n.º 1 do CC? b) Se procede a excepção de prescrição invocada pelo réu FUNG…? c) Se ocorreu abuso de direito dos autores?
O réu FUNG… requereu a ampliação do objeto do recurso, o que fez alegando o seguinte: “135- Na sua contestação, de 20.04.2018 (ref.ª citius 18717379), o Réu/ora Recorrido defendeu-se, entre mais, por excepção. 136- Por um lado, invocou a prescrição do direito à indemnização peticionada pelos Autores, nos termos previstos no artigo 227.º do CC, peticionando a consequente absolvição dos pedidos de acordo com o disposto no artigo 576.º, n.º 3 do CPC – cfr. artigos 54.º e 63.º da contestação de fls… 137- Para o caso de assim não se entender, o Fung… requereu, subsidiariamente, que fosse julgada provada a excepção peremptória de caducidade do direito à anulação do negócio previsto no artigo 287.º, n.º 1 do CC com a consequente absolvição dos pedidos, conforme previsto no supra citado artigo 576.º, n.º 3 do CPC o Fung… também invocou a excepção de caducidade – cfr. artigos 64.º e 73.º da contestação de fls… 138- Finalmente, o aqui Recorrido, invocou, entre os artigos 162.º a 180.º da sua contestação, que a ser reconhecido algum direito aos Autores, deve ser expressamente proibido o seu exercício nos termos previstos no artigo 334.º do Código Civil, por constituir um claro abuso de direito, nas modalidades de Venire Contra Factum Proprium, Supressio e Tu Quoque – cfr. contestação de fls… 139- Decorre do supra exposto que a defesa do Réu assentou em fundamentos distintos/plurais e subsidiários – cfr. artigo 636.º, n.º 1 do CPC. 140- Ora, atenta a solução jurídica dada pela douta sentença recorrida à vexata quaestio em discussão nos autos – vide artigo 608.º, n.º 2 do CPC – ficou naturalmente prejudicado o conhecimento dos fundamentos da defesa do Recorrido, acima elencados (prescrição, caducidade, abuso de direito). 141- Dispõe o artigo 636.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”: “No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.” 142- A ampliação do recurso prevista no supra citado artigo “(…) destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da acção não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente (…)” – in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/01/2007 (Proc.º n.º 1226/04.3TTCBR.C1),disponível em www.dgsi.pt 143- Nas suas alegações de recurso, os Autores pugnam pela revogação da douta sentença recorrida com fundamento na errada decisão da matéria de facto e na incorrecta subsunção dos factos ao direito – cfr. alegações de recurso de fls.... 144- Donde, na eventualidade das doutas alegações dos Autores virem a obter vencimento – o que não se concede mas apenas equaciona por mera cautela e dever de patrocínio, 145- Ou, de outro prisma, na hipótese dos fundamentos da douta sentença recorrida virem a improceder, o ora Requerido tem evidente interesse em ver julgado e decidido por este Venerando Tribunal, a título subsidiário, os fundamentos da defesa por si formulados nos autos - o que por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 636.º, n.º 1 do C.P.C., desde já se requer. 146- In casu, o pressuposto de aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 636.º do C.P.C. encontra-se devidamente preenchido. Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014 – 2.ª Edição, páginas 78 e 79 (os destacados são nossos): “(…) a parte (…) que, (…) obteve vencimento quanto ao resultado final, não pode considerar-se vencida. No entanto, é admitida a promover a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art.º 636.º, precavendo-se, deste modo, contra o eventual acolhimento pelo tribunal ad quem dos argumentos de facto ou de direito que sejam suscitados pelo recorrente (…).” 147- E a seguinte jurisprudência, disponível em www.dgsi.pt (os destacados são nossos): - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6/02/2008 (Proc.º 07S2620) “I – Se, perante o teor do n.º 1 do art.º 684º-A do CPC, o seu âmbito aponta indubitavelmente no sentido de se aplicar às situações em que, havendo vários fundamentos (ou várias causas de pedir) e, vingando um deles, o tribunal a quo deu por procedente a pretensão tão só relativamente a um desses fundamentos, obrigando o tribunal ad quem a conhecer de um fundamento da acção (ou da defesa), caso venha a julgar procedente o recurso interposto por quem ficou vencido, a razão de ser de tal preceito não pode deixar de conduzir também à sua aplicação aos casos em que o tribunal, tendo por procedente a pretensão com base num dos fundamentos, se escusou de analisar e decidir os demais. II – Mesmo que se sustente que existe diferença entre estes últimos casos e aqueles em que se coloque em causa, não fundamentos (ou causas de pedir) de uma única pretensão, mas sim uma pretensão principal e uma pretensão deduzida a título subsidiário, o que é certo é que, mesmo numa tal perspectiva, sempre incumbirá ao tribunal ad quem curar da pretensão subsidiária no caso de vencimento do recurso interposto pela parte vencida, e isso em face do disposto no nº 2 do artº 715º do CPC. (…)” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/10/2012 “A ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido supõe uma acção preventiva a uma possível decisão a proferir e não uma reacção impugnativa a uma decisão já proferida. Recorre-se da decisão e amplia-se o recurso quanto aos fundamentos; assim se delimita os casos em que cabe recurso da decisão, dos casos em que cabe a ampliação do seu âmbito por iniciativa do recorrido. (…)” Caso assim não se entenda, requer-se, alternativamente, C)Substituição do tribunal recorrido/ julgamento de questões não apreciadas em 1.ª instância 148- No caso de se entender que a ampliação do objecto do recurso supra requerida não se enquadra no artigo 636.º, n.º 1 do C.P.C., requer-se a Vossas Excelências se dignem, em alternativa e na hipótese de procedência da apelação dos Autores, conhecer dos fundamentos de defesa invocados pelo ora Recorrido, Fundo … Imobiliário – Fung…, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 2 do C.P.C., a saber: a) Excepção de prescrição, invocada entre os artigos 54.º e 63.º da contestação; Subsidiariamente, b) Excepção de caducidade, alegada entre os artigos 64.º a 73.º da contestação e Sempre, em qualquer dos casos, c) Abuso do Direito, nas modalidades de Venire Contra Factum Proprium, Supressio e Tu Quoque, invocado e melhor desenvolvido entre os artigos 162.º a 180.º da contestação e no requerimento de 29.05.2018 (ref.ª citius 19176011). 149- Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.01.2000 (Proc.º n.º 99S216), disponível em www.dgsi.pt (os sublinhados são nossos): “Os poderes de cognição da Relação, nos termos do artigo 715 do C.P.Civil [actual artigo 665.º do CPC], incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu ao litígio cumprindo à Relação, assegurado o contraditório e prevenido o risco de serem proferidas decisões surpresa, resolvê-las sempre que disponha dos elementos necessários.” 150- Dito de outro modo, se a subsunção jurídica dos factos operada em 1.ª instância prejudicou/tornou inútil o conhecimento dos fundamentos da defesa invocados pelo Recorrido, acima melhor identificados, 151- O mesmo já não sucederá na hipótese dos argumentos dos Recorrentes serem agora, em sede de recurso, acolhidos. 152- Nessa eventualidade, o desfecho dado à presente acção não poderá deixar de conhecer, pronunciar-se e decidir a matéria de excepção oportunamente invocada na contestação do Réu. 153- Matéria relativamente à qual os Autores/Recorrentes tiveram oportunidade de exercer, amplamente, o seu direito ao contraditório – cfr. requerimento dos Autores, de 29.05.2018 (ref.ª citius 19176011), requerimentos dos Réus de 11.06.2018 (ref.ªs citius 19309088 e 19310094) e douto despacho de 17.09.2018. 154- Em síntese final, prevenindo a hipótese deste Venerando Tribunal acolher os argumentos dos Recorrentes, requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 1 ou, caso assim não se entenda, do artigo 665.º, n.º 2, ambos do CPC que sejam apreciados e julgados procedentes os fundamentos de defesa formulados pelo Réu: prescrição, caducidade e abuso de direito”.
Vejamos:
Apenas tem legitimidade para recorrer a parte principal que tenha ficado vencida. Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas e, no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, no caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
O 1.º réu vem, como se viu, nas suas contra-alegações ampliar o objecto da apelação, nos termos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, a título subsidiário (para a hipótese de procedência da apelação).
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-02-2019 (processo 19391/15.2T8LSB.L1-2, relatora GABRIELA CUNHA RODRIGUES): “I - Há que destrinçar claramente o recurso subordinado (artigo 633.º do CPC), o qual implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, da ampliação do objeto do recurso (artigo 636.º do mesmo diploma), que pressupõe apenas que o fundamento ou os fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos. II - A diversidade de pressupostos e de finalidades leva a que não se possam ser qualificadas como recurso subordinado as alegações complementares apresentadas pela Recorrida segundo o disposto no artigo 636.º.”.
Na realidade, “a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido só é permitida nos exactos termos do art.º 636.º, n.º s 1 e 2, do CPC, prevenindo a hipótese de o recurso interposto pelo recorrente poder ser julgado procedente, e não para impugnar o sentido da decisão na parte em que ficou vencido para o que é necessária a interposição de recurso independente ou subordinado, como previsto no art.º 633.º do mesmo Código” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-11-2016, processo 2194/13.6TBPNF.P1, relator CURA MARIANO).
A ampliação do âmbito do recurso permite ao recorrido introduzir no recurso matérias não trazidas à instância recursiva por parte do recorrente, prevenindo a hipótese do tribunal de recurso aderir in totum aos fundamentos apresentados pelo recorrente (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-10-2017, processo 1891/15.6T8FAR.E1, relator MÁRIO COELHO).
Os pressupostos para a ampliação do objeto do recurso a requerimento do recorrido, são, pois, os seguintes: “Existência de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa; Decaimento do vencedor em parte deles – e não decaimento do vencedor em qualquer pedido que tenha formulado ou arguição de nulidade que haja atempadamente suscitado; Necessidade de o vencedor, acautelando a possibilidade de procedência do recurso interposto pelo vencido, requerer, a título subsidiário, a sua reapreciação (artigo 636º, nº 1, do CPC). É, por assim dizer, a arma do vencedores precavidos. Atente-se ainda na extensão desta possibilidade à arguição de nulidade da sentença e à impugnação da decisão de facto – antevendo sempre, à cautela, a possibilidade de procedência do recurso interposto pelo vencido (artigo 636º, nº 2, do CPC). A não existir este mecanismo de salvaguarda processual (ou ao não ser devidamente utilizado), o vencedor da causa – a quem não assistiria a necessária legitimidade para recorrer – poder-se-ia ver surpreendido com uma reviravolta na apreciação dos fundamentos que determinaram o resultado processualmente favorável, conduzindo afinal à sua derrota, sem que tivesse tido a oportunidade de fazer valer, junto da instância superior e no âmbito do conhecimento do recurso interposto pelo antagonista vencido, o seu argumentário quanto à decisão sobre matéria de facto ou de direito que se revelou contrária àquela que entende correcta. Importa ter presente que esta ampliação do âmbito do recurso se refere apenas aos fundamentos (da acção e da defesa). Se estiverem, diferentemente, em causa pedidos em que a parte haja decaído, o mecanismo processual adequado para reagir é o da interposição de recurso – quer independente, quer subordinado” (assim, Luís Filipe Castelo Branco; Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária. Lisboa: CEDIS, 2020, pp. 167-168, consultado em: https://cedis.fd.unl.pt/wp-content/uploads/2020/09/Recursos-Civis-min.pdf).
Ora, como se viu, tendo presentes as considerações supra expendidas e dirigindo-se as questões suscitadas em sede de ampliação do recurso, a contrariar a nulidade dos negócios que era almejada pelos autores, questão que se considerou improcedente e uma vez que apenas faria sentido apreciar a ampliação do recurso, para a hipótese de o recurso dever proceder, não se encontram verificados os pressupostos que determinariam o conhecimento da matéria da ampliação.
De acordo com o exposto, conclui-se mostrar-se prejudicada a apreciação da mencionada ampliação do recurso, deduzida pelo réu FUNG….
* Q) Se os autores litigaram – ou não -de má fé?
Alegaram, ainda, os autores, na alegação de recurso, que não litigaram de má fé, referindo que, na sentença recorrida se faz uma confusão “entre o que, a propósito das hipotecas, estava a ser discutido nesta acção e na “outra” acção (acção nº ..600/17.5T8PTM)”: “(…) a questão discutida nestes autos é diferente, a todos os títulos, da questão discutida na acção nº ..600/17.5T8PTM. É certo que nas duas acções os factos são quase os mesmos e que, em ambas, a definição da situação jurídica dos 8 ex-lotes de terrenos criados pelo alvará 6/880 é essencial para a decisão. Mas as questões são diferentes. Vejamos concretamente as questões das hipotecas. Na acção nº …600/17.5T8PTM, a Porti… pede a declaração de nulidade das três hipotecas voluntárias constituídas a favor do …Banco, S.A. e registadas sobre os prédios descritos no ponto 6 dos factos provados com fundamento na inexistência jurídica de tais prédios. Nesta acção, os AA. (que, com todo o respeito, não se confundem com a Porti…) pedem a declaração de nulidade de uma só daquelas hipotecas (a primeira hipoteca constituída em 6/11/2007) com fundamento na nulidade do contrato de cessão de quotas celebrado entre as AA. Crediférias e Credigolf e o 1º R. Fung…. Invocando a união de contrato entre a cessão de quotas e o contrato constitutivo da hipoteca, os AA. defendem que a nulidade do primeira determina a nulidade do segundo. As acções são diferentes, as Partes são diferentes, os pedidos são diferentes e as causas de pedir diferentes. Há, de facto, uma questão comum nas duas acções – o estatuto jurídico dos lotes criados pelo caducado alvará 6/80 – mas, de resto, são acções completamente diferentes. Os AA. não tinham e não têm fundamento ou razão para informar nesta acção a pendência daquela outra acção nº ..600/17.5T8PTM. Até porque a pendência daquela outra acção não poderia ter qualquer influência no normal desenvolvimento da presente acção”.
Quanto ao facto de terem omitido que a Câmara Municipal de Port…declarou a sua intenção de revogar o PPHP referem os autores o seguinte: “É necessário começar por insistir em duas correcções: A Câmara Municipal de Port… não declarou a sua intenção de revogar o PPHP no uso das suas competência legais. A Câmara Municipal de Port…não tem competência para revogar o PPHP. Quem tem competência para deliberar a revogação do PPHP é a assembleia municipal. Assim, a Câmara Municipal de Port.. deliberou a sua intenção de propor a revogação do PPHP à Assembleia Municipal - o órgão competente para deliberar esta revogação. Trata-se assim de um projecto de proposta de revogação.. Por outro lado, o PPHP não constitui fundamento basilar desta acção. O fundamento basilar desta acção é o inválido contrato de cessão de quotas celebrado em 5/11/2007 entre as AA. Crediférias e Credigolf e o 1º R. Fung…i e através do qual aquelas adquiriram a esta 8 ex-lotes de terreno para construção que não podiam ter sido transaccionados como foram. Mas é verdade que o PPHP e a valorização que ele trouxe aos activos da Porti… é fundamento do pedido subsidiário de indemnização por enriquecimento sem causa formulado contra ao R. Fung…. Ora, a existência de uma intenção da Câmara Municipal de Port… de propor a revogação do PPHP não põe em causa a avaliação feita dos activos da Porti…. Este facto não altera os pressupostos da referida avaliação e, por isso, não altera, nem põe em causa o resultado da peritagem realizada, pelas seguintes razões: - Em primeiro lugar, uma intenção de propor uma revogação está longe de ser uma revogação e pode nunca chegar a materializar-se, sendo certo que a concretização de tal intenção é matéria da competência da Assembleia Municipal e não do Executivo Camarário – o PPHP está plenamente em vigor porque, posteriormente ao exercício do direito de audição prévia da Porti…, o processo não teve qualquer desenvolvimento - Como se viu, no relatório de peritagem – pág. 33 - os peritos consideraram expressamente a possibilidade de o PPHP poder ser revogado e, ainda assim, consideraram como bastante plausível que os 21.300m2 mantenham uma edificabilidade semelhante à prevista no PPHP, uma vez que a capacidade construtiva deste foi calculada considerando o previsto no PDM (este mesmo entendimento foi expresso pela testemunha António ..). O que significa que, ainda assim e mesmo em caso de revogação do PPHP, os activos da Porti… devem ser valorizados com base nos direitos de construção nele considerados. Este facto é, por isso, completamente irrelevante para a decisão das questões trazidas a Juízo e, por isso, os AA. não o trouxeram a juízo senão no final do julgamento. E os AA. só trouxeram este facto a Juízo para esclarecer os erros, as incorrecções e as contradições constantes do depoimento da testemunha Agostinho”.
Concluem os autores não se verificar, assim, violação do disposto no art. 542º, nº 2, alíneas a) e b) do C.P.C.
O 1.º réu contrapôs que se deve manter a decisão recorrida, dado que, “face à versão falsa dos factos que persistem em manter, face à postura que revelaram ao longo da instrução da causa e que, mais uma vez, reiteram com interposição do presente recurso e com as alegações que subscrevem, actuam em gritante abuso de direito – impondo-se uma condenação agravada exemplar dos Autores como litigantes de má-fé!”.
Vejamos:
Sob as partes de um processo impende o dever de pautarem a respetiva atuação processual em conformidade e respeito com as regras de conduta conformes à boa fé - cfr. artigo 8.º do CPC. Caso isso não seja observado, a parte que incumpra um tal dever pode incorrer em responsabilidade processual.
A responsabilidade por litigância de má fé (cfr. artigo 542.º e ss. do CPC) - tipo central de responsabilidade processual – traduz a prática de um ilícito meramente processual. “A condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-06-2019, Pº 4281/16.0T8GMR-A.G1, rel. EUGÉNIA CUNHA).
No caso da alínea a) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC – ter a parte “…deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”, como refere Susana Teresa Moreira Vilaça da Silva Barroso (O Abuso de Direito de Ação; Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2016, p. 40), “o conceito de “não devia ignorar” tem uma carga demasiado subjetiva e demasiado pessoal que impossibilita a sua aplicação direta. É que o enfoque da norma não está na manifesta falta de fundamento, critério mais ou menos objetivo se entendido na perspetiva do “homem médio”, “bonus pater família” etc., mas sim no facto da falta de fundamento “não dever ser ignorada”. Ora esta nuance devolve à norma um caráter de subjetividade que lhe vem introduzir dificuldades interpretativas. Onde está a linha que separa até onde é “aceitável ignorar” e a partir de onde deixa de o ser. Dito de outra forma, até onde é razoável aceitar estarmos perante o exercício genuíno do direito de ação ou do direito de defesa, e a partir de onde se pode razoavelmente assumir que o agente conhecia (ou devia conhecer) a falta de fundamento? É esta dificuldade interpretativa de imputação de conhecimento presumido que dificulta a arguição da culpa do agente, e torna a norma inaplicável, inócua e esvaziada de conteúdo. Isto no âmbito do instituto da má-fé, já não do abuso do direito”.
Conforme sublinha Paula Costa e Silva (A Litigância de Má Fé, Almedina, 2008, p. 394), basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo-lhe indagar se a sua pretensão era concretamente fundamentada, no plano de facto e do direito: “a parte pratica um acto desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quanto à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável”.
Relativamente à alínea b) do n.º 2 do artigo 542.º do CPC – configurando o legislador como de “litigância de má fé”, o comportamento de alteração da verdade dos fatos ou de omissão de factos relevantes para a decisão da causa - referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pp. 593-594) que: “O tipo objetivo da al. b) pressupõe que a parte atue em seu benefício ao alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes, comportando um tipo de ilícito doloso e negligente (…)”.
Não é legítimo, de facto, a qualquer das partes, “de forma consciente ou gravemente culposa, afirmar factos que não sejam verdadeiros, do mesmo modo que é vedada a negação de factos que a parte sabe que são verdadeiros ou em relação aos quais lhe era claramente exigível esse conhecimento” (assim, Abrantes Geraldes; Temas Judiciários, I, Almedina, 1998, p. 321).
De todo o modo, como sublinha este Autor (ob. cit., pp. 321-322) não é qualquer negação factual que determina a atuação da censura prevista na alínea b), pois, “embora a adjectivação da “relevância” dos factos apenas surja no segundo segmento da norma, julgamentos que também no que concerne à primeira parte não será qualquer alteração da verdade que justificará a cominação legal, exigindo-se igualmente alguma importância no contexto da acção ou da defesa, deste modo se desvalorizando a simples alteração de factualismo inócuo para a acção ou para a defesa”.
Entre as situações configuradas pelo segmento normativo que prevê o sancionamento da alteração da verdade factual a jurisprudência considerou, entre outros, os seguintes comportamentos:
- A alteração pelo comprador de ter feito o pagamento parcial do preço, o que se apurou não ter acontecido (cfr. Ac. da Relação de Évora de 18-02-1993, in CJ, t. I, p. 273);
- A apresentação de falsa versão de acidente de viação que, conforme a parte bem sabia, era falsa (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 04-03-1992, in BMJ 415.º, p. 731);
- A negação de factos pessoais que acabam por se provar, em acção de investigação da paternidade (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 10-12-1991, in BMJ 412.º, p. 559);
- A negação da existência de documento assinado pelo próprio (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 05-03-1991, in CJ, t. II, p. 69);
- O falseamento da verdade em matéria essencial à decisão do pleito (cfr. Ac. do STJ de 26-04-1995, in BMJ 446º, p. 615 e Ac. da Relação do Porto de 16-02-1998, in CJ, t. I, p. 214);
- A confissão de factos inverídicos por um dos co-réus, tendo em vista a condenação de co-ré (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 01-07-1997, in CJ, t. IV, p. 18);
- A alegação por uma parte de serem devidas despesas de saúde do seu filho, juntando após faturas referentes a despesas pessoais para as comprovar, deduz pretensão que sabe ser infundada e tenta adulterar meios de prova (Acórdão da Relação do Porto de 16-12-2020, Pº 7222/18.6T8VNG.P1, rel. PAULO DUARTE TEIXEIRA). “Já quanto à alínea “c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação” o problema interpretativo situa-se ao nível da definição de “omissão grave”. A partir de onde é que a omissão é grave? Por exemplo, a falta de resposta a 3 notificações do tribunal para apresentação de documento essencial constitui omissão grave, ou é justificável (…)?” (assim, Susana Teresa Moreira Vilaça da Silva Barroso; O Abuso de Direito de Ação; Faculdade de Direito da Universidade do Porto, julho de 2016, p. 40).
Inserida no âmbito da litigância de má fé em sentido amplo, tem-se recortado a figura do abuso do direito de acção. Esta figura surgirá sempre que um meio processual é usado de forma abusiva ou para fins diversos dos previstos, podendo verificar-se, quer no acesso ao tribunal propriamente dito - com a interposição de uma ação ou de uma providência cautelar - quer na própria defesa, no âmbito da contestação, invocação de exceções, na dedução de pedidos de reconvenção e em sede de recurso. “O direito de ação, com proteção constitucional, é atualmente entendido, de modo pacífico, como um direito público totalmente independente da existência da situação jurídica para a qual se pede a tutela judiciária, afirmando-se como existente, ainda que ela, na realidade, não exista; a afirmação basta à existência do processo, com o consequente direito à emissão da sentença. Salvo casos excecionais, sendo o direito de ação inerente ao Estado de direito e um veículo para a discussão do direito material subjetivo, não é por se decidir na ação que este direito afinal não existe que deixa de se reconhecer que o direito de ação foi plena e corretamente exercido. Situações excecionais, justificativas de responsabilidade, são aquelas em que o direito de ação é exercido com abuso de direito, de que é afloramento a litigância de má fé, e as que caraterizam a culpa in agendo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-11-2016, Processo 982/14.5T8PRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO).
É, aliás, discutível a sua autonomização do instituto da litigância de má fé (cfr. sobre a temática Susana Antas Videira Branco et al.; “A avaliação do regime da litigância de má-fé em Portugal”, in Revista Direito GV, São Paulo, n.º 19, 10 (1), Jan.-Jun. 2014, pp. 347-363).
Independentemente disso, a jurisprudência tem concretizado algumas situações em que a instauração ou o prosseguimento de uma ação consubstanciam “abuso de direito de ação”.
Assim, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-10-2018 (Processo 528/11.7TVPRT.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA), salientou-se que, “o abuso de direito no campo processual, numa perspetiva macroscópica, pode aferir-se tendo em conta, designadamente, os seguintes índices: - o exercício gratuito do direito com o único e manifesto propósito de negar interesses dos outros, revelando-se, em contrapartida uma falta de interesse objetivo para o exercente (ex. a vingança e a pura finalidade de prejudicar terceiros); - a afirmação de interesses próprios mas em que se patenteia uma lesão ponderosa (mas de todo escusada) de interesse alheio (ainda que não dolosa); - o exercício do direito desviado do interesse que lhe é imanente e que justificou a sua atribuição, sendo abusiva qualquer situação subjetiva processual que se desvie manifestamente desse interesse; - a ação por má vontade ou para pressionar o lesado (ex., a ação sem fundamento relativa a um imóvel e registo da mesma, com isso podendo impedir a comercialização do imóvel, causando danos em cadeia); - o pedido manifestamente vexatório ou desprovido de qualquer propósito real”.
Por seu turno, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09-2019 (Processo 423/19.1T8PVZ.P1, rel. FERNANDA ALMEIDA) considerou-se: “Verifica-se abuso de direito de ação quando agente, de má-fé, e ciente do facto de que não tem o direito de pleitear, usa a justiça como se realmente possuísse tal direito ou utiliza os meios judiciários sem causa razoável ou provável”.
Outras situações retiram-se da jurisprudência, a saber:
- Acórdão da Relação de Évora de 13-06-1985 (in BMJ n.º 350, p. 405): “(…) Toda a pretensão (como toda a defesa) manifestamente inviáveis constituem abuso de direito de acção (…)”;
- Acórdão da Relação do Porto de 12-06-2008 (Processo 0716047, rel. FERREIRA DA COSTA): “Deve ser condenado como litigante de má fé em multa e indemnização a favor da ré, o autor (engenheiro civil) que invocou ter sofrido um acidente de trabalho e se provou que se lesionou a jogar futebol”;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 23-11-2004 (Processo 3064/04, rel. HELDER ALMEIDA): “Constitui abuso de direito, pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo respectivo exercício a outrem, a notificação de todos os Notários do País, através da Direcção Geral dos Registos e Notariados, da providência cautelar, que proíbe o requerido de utilizar uma determinada procuração ou qualquer fotocópia autenticada em qualquer escritura notarial”; e
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2004 (Processo 04B882, rel. MOITINHO DE ALMEIDA): “Constitui abuso de direito o comportamento da recorrente que, sem qualquer interesse e depois de ter confirmado a qualidade de sucessor de determinada pessoa, vem recorrer da decisão que a considerou habilitada”.
O parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se, assim, no seguinte: “A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte” (Paula Costa e Silva; A Litigância de Má Fé, Almedina, 2008, p. 395).
De todo o modo, importa que, na análise que se efetue da situação concreta, o juiz atente no especial circunstancialismo em que se fundamenta a acção: “Na verdade, situações existem em que a afirmação ou a negação de certo facto contrário à realidade não pode deixar de ser imputada à parte, a titulo de dolo ou de negligência grave. Já noutras situações (v.g. acidentes de viação – [em que, em razão de, pelo imprevisto da situação, da dinâmica factual e da consequente emoção gerada, poder ser toldada a exacta percepção factual – cfr. sobre o ponto o Ac. da Relação de Coimbra de 19-04-1988, in BMJ 376.º, p. 664]), nem sempre a afirmação de uma determinada versão dos acontecimentos, ainda que objectivamente não corresponda à verade, será geradora de responsabilidade processual subjetiva” (assim, Abrantes Geraldes; Temas Judiciários, I, Almedina, 1998, p. 320, nota 525).
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, verifica-se que a decisão recorrida assentou a condenação dos autores, como litigantes de má fé, no seguinte: “Devendo as partes pautar a sua actuação processual por regras de conduta conformes com a boa-fé, nos termos do novo artigo 8º do Código de Processo Civil (correspondente ao antigo artigo 266º-A deste Código), entende-se que a lide é temerária quando essas regras são violadas com culpa grave ou erro grosseiro; a lide considerar-se-á dolosa, quando esta violação é intencional ou consciente. Tal como vem salientado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 315/92 (cfr. “Acórdãos do Tribunal Constitucional” n.º 23, pág. 323), «as sanções processuais são cominadas para ilícitos processuais praticados no processo, cujo adequado desenvolvimento visam promover. Com a sua estatuição pretende-se, conforme os casos, obter a cooperação dos particulares com os serviços judiciais, impor aos litigantes uma conduta que não prejudique a acção da justiça ou ainda assegurar o respeito pelos Tribunais». Apreciando a conduta dos Autores, somos de concluir que a mesma preenche claramente as alíneas a) e b) do artigo 542º, n.º 2 do C.P.C.. Com efeito, resulta dos autos, com suficiente clareza, que estes procuraram, desde o início da acção, toldar ou deturpar a realidade dos factos que, por vezes, se revelou notória, insistindo numa versão dos factos que, quer nesta, quer noutras instâncias judiciais com a produção de prova através de meios de prova coincidentes, ficou longe de ser demonstrada. Resulta também dos autos que os Autores omitiram deliberadamente um facto (ponto 33., parte final), relevante para a apreciação do mérito da causa nas suas diferentes vertentes, o qual sempre foi do seu conhecimento, até ao limite – o do final da instrução probatória – só o tendo feito nesta fase tardia, mas sem qualquer motivo plausível que não, quiçá, o de evitar que este facto se tornasse conhecido em juízo por iniciativa de outrem que não os próprios Autores, para quem o mesmo é do seu conhecimento pessoal. Em conclusão, os Autores agiram de forma processualmente censurável, ao insistir na tese da nulidade das hipotecas, quando essa questão já estava a ser directamente discutida no âmbito de uma outra acção onde os mesmos, ainda que indirectamente, eram intervenientes como parte, e ao deliberadamente omitir, até à fase final da produção de prova, que a Câmara Municipal de Port…, no uso das suas competências legais, já declarou a sua intenção de revogar o PPHP, que constituía, na tese dos Autores, fundamento basilar para os pedidos formulados na acção. Todos estes são elementos que constituem, portanto, base para merecer condenação dos Autores como litigantes de má-fé. Assim, nos termos do n.º 1 do referido artigo 542º do C.P.C., ponderando a gravidade da conduta processual ora apreciada e a unicidade da posição dos demandantes na acção, bem como os limites plasmados no artigo 27º, n.º 3 do R.C.P., vão os Autores solidariamente condenados em multa de 10 (dez) U.C..”.
A primeira conduta processual que é sancionada na decisão recorrida prende-se com a insistência dos autores “…na tese da nulidade das hipotecas, quando essa questão já estava a ser directamente discutida no âmbito de uma outra acção onde os mesmos, ainda que indirectamente, eram intervenientes como parte”.
Não nos parece que se vislumbre má fé na conduta dos autores – e, em particular, da parte comum a ambos os autos (a Porticentro – autora da acção …600/17.5T8PTM.E1, cfr. fls. 884 e interveniente principal, não autora primitiva, no presente processo) – pela mera circunstância de, em ambos os processos, ser invocada a tese da nulidade das hipotecas, sendo que, conforme se assinalou, não há ainda definição jurídica – por meio de decisão transitada em julgado – sobre tal questão relativamente a tal autora.
Ora, conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 30-04-2020 (Pº 4748/18.5T8LSB.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE), “quando o autor intenta várias acções para tentar cobrar a mesma dívida, e vai perdendo todas sucessivamente, e intenta mais uma, mantendo a alegação do mesmo núcleo factual essencial e introduzindo apenas inovações ao nível da construção jurídica, mas fazendo referência na petição inicial às acções anteriores que fracassaram, não tendo alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes, não se pode afirmar que tenha litigado de má-fé”.
Não se subscreve, pois, o entendimento do Tribunal recorrido quanto à verificação de litigância de má fé dos autos, no que a este respeito foi referido.
De todo o modo, o Tribunal recorrido fundamenta também a condenação dos autores como litigantes de má fé na circunstância de terem deliberadamente omitido factos do seu conhecimento pessoal – segundo se refere, com atinência à parte final do facto n.º 33 – “até à fase final da produção de prova, que a Câmara Municipal de Port… no uso das suas competências legais, já declarou a sua intenção de revogar o PPHP, que constituía, na tese dos Autores, fundamento basilar para os pedidos formulados na acção”.
Como se assinalou, o julgador, para condenar uma parte como litigante de má fé deve atentar nas concretas circunstâncias em que se fundamenta a acção, podendo determinados factos, negados como verdadeiros, não inculcar dolo ou negligência grave da parte, por nem sempre a sua afirmação, ainda que não corresponda à verdade, deva ser sancionada como litigância de má fé.
Ou seja: “Na avaliação da litigância de má-fé, haverá que reconhecer à parte alguma margem na seleção dos factos que considera relevantes para a definição da situação em que se baseia para sustentar a ação, admitindo-se que esta omita factos que embora possam, aparentemente, contrariar a bondade da sua pretensão, na verdade possa considerar-se que são irrelevantes e apenas contribuem para onerar a causa com a produção de prova desnecessária – sobretudo se os RR. tiverem conhecimento, no essencial, desses factos e poderem, se o quiserem fazer, trazê-los ao processo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-2020 (Pº 7637/17.7T8LSB.L1-2, rel. JORGE LEAL).
Ora, muito embora a declaração da intenção de revogação do PPHP apenas tenha chegado ao conhecimento dos presentes autos numa fase tardia, quase no culminar da prolação de decisão final- na sequência da inquirição de Agostinho …(cfr. acta da sessão de julgamento de 09-07-2020 e requerimento da mesma data dos autores), certo é que, não se afigura que os autores tenham tomado alguma conduta censurável relativamente a não terem, antes do momento em que o fizeram, manifestado existir tal intenção de revogação.
Por um lado, os autores não alegaram uma tal factualidade nos articulados apresentados até um tal momento.
Por outro lado, trata-se claramente de factualidade superveniente aos articulados - reportando os documentos juntos com o requerimento de 09-07-2020 que os factos a que se referem se reportam ao ano de 2020 – sobre a qual não era imposta aos autores a clarificação ou a sua evidenciação factual nos autos (repare-se que, em geral, a introdução de factos supervenientes, por meio de um articulado superveniente constitui uma faculdade e não uma vinculação, cuja inobservância possa ser sancionada, sem outras circunstâncias, a título de litigância de má fé).
Não assentaríamos, pois, a condenação dos autores como litigantes de má fé nesta motivação.
De todo o modo, tendo presente a questão colocada, que foi objeto de discussão contraditória entre as partes e que é, aliás, de conhecimento oficioso (cfr., entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de: 28-04-2009, Pº 10773/2008-1, rel. JOÃO AVEIRO PEREIRA; 24-09-2020, Pº 19727/18.4 SLSB-A.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES), impõe-se a este tribunal – cfr. artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC – ponderar a questão da eventual violação do dever de verdade e probidade a que aludem ambas as partes, que, sobre o ponto já exerceram o respetivo contraditório.
Ora, conforme se viu, efetuado o julgamento da causa apurou-se, nomeadamente, que, quando o negócio foi apresentado aos Autores pelos Réus, aqueles foram informados da caducidade do alvará, juntamente com o estudo prévio entretanto efectuado com vista à promoção de uma nova operação de loteamento desses terrenos, e essa informação constava do processo camarário referente a esse imóvel e que, na medida em que a área de terreno designada como “Horta do Palácio” era o único activo da Porti…, a venda da própria empresa ou a cessão de quotas da totalidade do seu capital social foi sempre uma hipótese equacionada e apresentada como opção possível para concretização da aquisição dessa área pelos Autores. Mais se apurou que, não obstante os Autores terem sido informados que a operação de loteamento em curso já havia sido discutida com a Câmara e projectada de acordo com as condicionantes da área, aqueles pediram expressamente aos Réus que não prosseguissem com tal operação, assegurando-lhes que as suas relações privilegiadas com o executivo camarário lhes permitiriam um investimento mais rentável, sendo que, previamente à aquisição da Porticentro, os 4° e 5° Autores pediram autorização ao FUNG… para realizar uma auditoria jurídico-financeira/“due diligence” à empresa, o que foi autorizado pelo 1º Réu, tendo-lhes sido disponibilizada toda a documentação solicitada/disponível, entre a qual a relativa ao processo administrativo/judicial relativo à caducidade do alvará 6/80. “A “due diligence”, expressão anglo-saxónica cujo uso se internacionalizou, designa justamente a operação complexa e pré-contratual de exame da empresa negociada, levada a cabo pelo comprador (com ajuda dos seus colaboradores ou peritos, v.g., advogados, revisores de contas, economistas e gestores, técnicos diversos), que visa recolher uma informação exaustiva sobre os mais variados aspectos organizativos, técnicos, patrimoniais, financeiros e contabilísticos da empresa negociada. As funções da “due diligence” são, assim, essencialmente, uma função formativa (providenciando informação completa e objectiva que permita uma correcta e livre formação da vontade negocial das partes contratantes), uma função garantística (examinando o objecto negociai por forma a assegurar ao comprador a inexistência de vícios materiais ou ocultos), uma função valorativa (coadjuvando a determinação do preço negocial) e uma função probatória (documentação dos fluxos informativos pré-contratuais entre comprador, vendedor e empresa negociada)” (assim, José Engrácia Antunes; “A empresa como objecto de negócios – “Asset Deals” Versus “Share Deals”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68.º, 2008, Vol. II/III, p. 753).
Sucede que, os autores, invocaram ao longo dos presentes autos factos diametralmente opostos aos apurados, assentando a sua pretensão numa visão distorcida de factos sobre que operaram - parte deles real e parte ficcionada - para conseguir o objetivo da procedência da pretensão que, artificiosamente, teceram, de onde se destacam os seguintes factos pessoais, cuja inveracidade não podiam deixar de conhecer, o que se divisa quanto ao seguinte:
1) A invocação de que foi reforçada a convicção de que “seria possível e até fácil a reactivação do caducado Alvará de Loteamento n.º 6/80” e que tal seria “uma garantia dada pelo BES” (artigos 37.º e 38.º da p.i.);
2) Que o autor H... recusou terminantemente a compra/cessão da quotas da sociedade Porti… (artigo 42.º da p.i.);
3) Que todo o “processo (judicial e administrativo) foi mantido em segredo e ocultado dos AA. antes e depois da cessão de quotas” (artigo 76.º da p.i.);
4) Que o autor H... se sentiu ofendido e humilhado ao tomar conhecimento de que o alvará não podia ser reactivado (artigo 78.º da p.i.);
5) Que “sem qualquer justificação, primeiro o BES e depois o aqui 2.º Réu recusaram” as propostas no sentido de cancelamento das hipotecas constituídas e que as mesmas fossem substituídas por hipotecas constituídas sobre 4 dos 6 lotes criados pelo PPHP, impedindo conscientemente o registo do PPHP, a sua inscrição e a substituição das hipotecas, tornando impossível, “com a actuação descrita” a execução do PPHP (artigos 102.º a 106.º da p.i.).
Ora, toda esta alegação foi deduzida como elementos de sustentação da arquitetada pretensão gizada pelos autores, que a interveniente principal acolheu (cfr. artigo 319.º, n.º 4, do CPC), o que não deixaram de sublinhar no decurso da causa.
Sucede que, resultou não provado, nomeadamente, o alegado nos artigos 37.º, 38.º, 42.º, 58.º, 76.º, 105.º da p.i. e resultaram apurados, entre outros, os factos vertidos nos pontos 16), 19), 22) e 23) dos factos provados.
E, forçoso é reconhecer que, ao contrário do que os autores invocaram, os mesmos tendo tomado conhecimento - antes da aquisição das quotas da Porti… pelas duas sociedades autoras - de que o alvará de loteamento de 1980 se encontrava caducado e dos elementos referentes ao processo administrativo e judicial atinente a uma tal caducidade, engendraram uma versão factual pela qual procuraram distorcer tal realidade, invocando que um tal conhecimento não ocorreu, designadamente, por factos que imputaram aos réus.
A prova dos factos apurados, que são factos pessoais dos recorrentes, é frontalmente incompatível com a versão que aqueles trouxeram aos autos e que neles prosseguiram.
O comportamento dos autores (e interveniente), ora recorrentes, não pode deixar de se considerar censurável, porquanto, sem justificação, os mesmos invocaram factos pessoais – tese em que persistiram, de forma consabidamente infundada - que se provaram não ter ocorrido, o que não podia deixar de ser do seu conhecimento litigando, pois, com o dolo caracterizador da litigância de má fé. “Incorre em litigância de má fé a Autora, demonstrada a prática de ilícito processual consciente, de alegação de factos pessoais, cuja verdade bem conhecia, atuação que vai contra a verdade dos factos e que leva a uso manifestamente reprovável do processo, o que é manifestamente censurável” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-12-2019, Pº 11964/17.5T8PRT.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA). “Quem alega factos pessoais, com influência na decisão da causa, que se provou serem falsos, e sem que tenha provado justificação desculpável, tem de ser condenado como litigante de má fé” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-06-2017, Pº 878/10.0TMCBR-G.C1, rel. CARLOS MOREIRA).
Em consequência, afigura-se-nos que o comportamento dos autores eivou de má fé na litigância, de harmonia com o previsto na alínea b) do n.º 2, do artigo 542.º do CPC.
Estabelece o art. 27.º n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais que, nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC.
E, segundo o nº 4 do referido artigo, “o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.
No caso, estando em causa três sociedades comerciais e outras tantas pessoas singulares e não resultando dos autos uma especial vulnerabilidade económica das mesmas, decide-se fixar a multa a aplicar aos recorrentes em 10 U.C.’s, valor que, tendo em conta a amplitude da moldura legalmente prevista, se mostra, em concreto, adequado, não havendo risco, face ao seu reduzido montante, de ter sérias repercussões no património dos autores, sendo ainda certo que “o caráter desmotivador da aplicação da sanção, também não permite que o valor da multa seja irrisório” (assim, o Acórdão da Relação de Lisboa de 08-03-2017, Pº 6894/16.0T8LSB.L1-4, rel. MANUELA FIALHO).
Deverá, pois, em conformidade com o exposto, ainda que com outro fundamento, confirmar-se a decisão que condenou os autores como litigantes de má fé, na multa de 10 U.C.’s.
*
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “I. O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão. II. A decisão de facto inserida em sentença ou acórdão não constitui ato decisório autónomo, assumindo antes a natureza de fundamento no quadro e economia da decisão final ali proferida. III. Assim, o vencimento obtido pelo recorrente na impugnação de determinado ponto de facto, mas sem repercussão na solução jurídica da pretensão recursória, não importa em juízo de procedência parcial da apelação nem releva para efeitos de repartição da responsabilidade pelas custas”.
Em conformidade com o exposto, as considerações expendidas em sede de impugnação da matéria de facto – que determinaram a alteração da decisão de facto prolatada – e os diversos fundamentos – acessórios, com referência, ao sentido decisório do mesmo, em que se ancorou o presente acórdão, não relevam para efeitos de repartição da responsabilidade por custas.
Ou seja: O vencimento obtido pelo recorrente na impugnação de determinado ponto de facto ou em determinado fundamento jurídico acessório, que não determinou repercussão na decisão da pretensão recursória, não importa em juízo de procedência parcial da apelação, nem releva para efeitos de repartição da responsabilidade pelas custas.
Assim, a responsabilidade tributária incidirá, in totum, sobre os apelantes, que decaíram integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
* 5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em:
I) Admitir o documento junto pelos apelantes com a sua alegação;
II) Modificar a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
1) Determinar a inclusão nos factos provados da seguinte matéria: -“46) A Porti… celebrou os seguintes contratos com o BES: - Em 22/4/2009, o Contrato de Financiamento nº …C 2082/09, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 1.000.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 2ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária; - Em 17/9/2010, o Contrato de Financiamento nº …O 12320/10, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 350.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e pelo penhor de 350 unidades de participação denominadas “Espírito Santo Reconversão Urbana II – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado” pertencentes ao 3º A. marido; - Em 27/2/2012, o Contrato de Financiamento nº …C 5512/11, através do qual o BES emprestou à Porti… a quantia de € 1.100.000,00, garantida por livrança avalizada pelos 3ºs e 4º AA. e por uma 3ª Hipoteca sobre os 8 prédios de que ela é proprietária”; -“47) Os lotes de terreno que constituíam os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Port… sob os nºs 2229, 2230, 2231, 2232, 9559, 9560, 9561 e 2233 continuaram descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam até 17 de junho de 2014”; -“48) Até 17 de Junho 2014, a Conservatória do Registo Predial de Port… não anotou na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará n.º 6/80 a caducidade deste Alvará”;
2) Determinar a inclusão nos factos não provados da seguinte matéria: -“l) Que a celebração dos contratos mencionada em 46) tenha tido o fim exclusivo de custear o desenvolvimento do Plano de Pormenor da Horta do Palácio”; -“m) Que o actual valor dos prédios de que a Porti… é proprietária seja, no mínimo, de € 18.000.000,00”; -“n) Que o Plano de Pormenor (PPHP) tenha valorizado o actual activo da Porti…, valendo, hoje, no mínimo, € 18.000.000,00”; -“o) Que, quando, em 5/11/2007, o 1º R. cedeu as quotas representativas da totalidade do capital social da Porti… às 1ª e 2ª AA., esta sociedade e os inexistentes oito lotes de terreno que constituíam o seu único activo tinham o valor contabilístico de € 1.411.117,15, o que correspondia ao seu valor real já que se tratava de terrenos sem qualquer aptidão construtiva.”; -“p) Que o referido em 12) dos factos provados tenha ocorrido desde a data referida em 11)”;
3) Alterar a redação do facto provado n.º 12) para a seguinte: “12. A Porti…, a partir de finais de 2006, à data detida pelo 1.º réu, procurou rentabilizar da melhor forma possível este activo imobiliário, o que fez através da promoção de uma nova operação de loteamento, cujo estudo prévio entregou ao atelier de arquitectos associados João … e Pedro…”;
4) Julgar prejudicado o conhecimento da impugnação da matéria de facto, no que concerne à pretendida inclusão no rol de factos provados quanto à “intenção dos AA., conhecida dos RR., era reactivar o Alvará 6/80 e foi nesse pressuposto que o BES financiou a aquisição”, quanto a que “perante a informação de que não podiam reactivar o alvará, em alternativa, a Porti… propôs à Câmara Municipal de Port… elaborar um Plano de Pormenor para toda a área do “prédio mãe” do Alvará 6/80” e, quanto a saber se, “o BES teve pleno conhecimento desta mudança de orientação do projecto dos AA. e considerou-o uma boa opção por isso a financiou em 2009 e 2011”;
III) Manter, ainda que por diverso fundamento, a condenação dos autores como litigantes de má fé; e
IV) Confirmar, quanto ao mais, ainda que com outros fundamentos, a decisão recorrida, de improcedência da acção e de absolvição dos réus dos pedidos e, consequentemente, não conhecer da ampliação do objeto do recurso deduzida.
Custas pelos apelantes.
Notifique e registe.
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Lisboa, 15 de abril de 2021.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes