CONTRATO DE FORNECIMENTO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
TRESPASSE
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
BOA FÉ
DEVER ACESSÓRIO
CONTRATO ATÍPICO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CONCAUSALIDADE
LIBERDADE CONTRATUAL
CONTRATO MISTO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CONTRATO DE COMODATO
CONTRATO DE MÚTUO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL
PROVA COMPLEMENTAR
PROVA DOCUMENTAL
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA VINCULADA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


I. A proibição de prova testemunhal prevista no artigo 394.º do Código Civil tem sido objeto de uma interpretação restritiva, admitindo-se a valoração de prova testemunhal como prova complementar de um início de prova escrita ou retirada de circunstâncias que revelem a existência da declaração negocial a provar.
II. Não se justifica a extensão desta interpretação restritiva às proibições contidas no artigo 393.º, n.º 1 e 2, do Código Civil.
III. Estando previsto num contrato de fornecimento de café para consumo num estabelecimento comercial que a contraente adquirente continuava a estar obrigada à aquisição de café para aquele estabelecimento, caso o trespassasse durante a vigência do contrato, tendo-se verificado essa transmissão do estabelecimento para terceiro, assistimos à transformação de um contrato bilateral puro numa estrutura contratual triangular atípica, em que coexistem, interpenetram-se e complementam-se o contrato de fornecimento de café, inicialmente celebrado, e os sucessivos contratos de compra e venda de partidas de café outorgados entre a fornecedora e a trespassária, os quais, além dos seus efeitos internos, funcionam como execução do primeiro contrato (efeito externo), num exemplo do leque infinito de possibilidades que permite o princípio da liberdade negocial.
IV. O princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos exigia que a fornecedora e a trespassária informassem a trespassante sobre o estado das relações contratuais que se desenvolviam entre elas, pois, só com essa informação, poderia aquela acompanhar o cumprimento do contrato que havia celebrado com a Autora e que a continuava a vincular.
V. Numa situação em que um dever acessório incumprido recai sobre o credor de uma prestação incumprida, revelando-se que o inadimplemento do dever acessório do credor é, pelo menos, concausal do incumprimento da prestação pelo devedor, os efeitos daquele inadimplemento, tendencialmente, devem desagravar as consequências do incumprimento pelo devedor.
VI. Daí que, não tendo a fornecedora avisado a trespassante que a trespassária há cerca de dois anos que não lhe adquiria café, a indemnização contratualmente prevista para o incumprimento da obrigação de aquisição de café deve ser reduzida.

Texto Integral

I Relatório

A Autora propôs a presente ação declarativa, pedindo a condenação dos Réus a: a) Reconhecer a resolução do contrato descrito na petição inicial;

b) Proceder à restituição da quantia de € 29.927,87 €;

c) Pagar o montante indemnizatório deduzido da bonificação a que têm direito pela aquisição de café efetuada no valor de (9500 – 2063) x € 26,50 x 20 % = 39.416,10 – 6.499,07;

d) Proceder ao pagamento das faturas n.º 111601836/07, de 07.09.2007 no valor de € 245,84, n.º 9111312351, de 24.09.2007, no valor de € 803,95 e n.º 9111314414, de 06.11.2007, no valor de € 887,67, tudo no montante global de (€ 29.927,87 + € 39.416,10 + € 6.499,07 + €245,84 + € 803,95 + € 887,67) € 64.782,36 acrescido de juros de mora à taxa legal que atualmente é de 7,00%, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou como causa de pedir o incumprimento de um contrato celebrado com os Réus, no dia 29 de Maio de 1996, nos termos do qual a 1.ª Ré se obrigou a comprar-lhe 9.500 quilos de café …, em quantitativos mínimos mensais de 100 quilos, destinados à exploração do estabelecimento comercial “N...”, tendo os restantes Réus assumido nesse contrato, pessoal e solidariamente, com a 1.ª Ré, a responsabilidade pelo pontual cumprimento do mesmo.


Os Réus “Cérebros – Publicidade, Ld.ª”, AA, BB e DD, apresentaram contestação em que alegaram o seguinte.

- A 1.ª Ré cedeu a sua posição naquele contrato à sociedade - “Sinónimo de Êxito - Iniciativas de Restauração e Espetáculos Culturais, Ld.ª”, que passou a explorar aquele estabelecimento comercial, pelo que aquela não é responsável pelo incumprimento do contrato, não sendo os Réus devedores das quantias peticionadas;

- Em todo o caso, o pedido de pagamento da indemnização que tem por base de cálculo o valor de consumo fixado pela Autora excede os limites impostos pela boa-fé às partes no exercício de um direito, pelo que tal exercício é ilegítimo.

Concluíram, pugnando pela total improcedência dos pedidos contra si deduzidos ou, subsidiariamente, pela redução da indemnização reclamada a título de cláusula penal.

Após realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, tendo absolvido os Réus dos pedidos formulados.


A Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 22 de outubro de 2020, julgou parcialmente procedente a apelação e, revogando a decisão recorrida, condenou os Réus a ver reconhecida a resolução do contrato que lhes foi comunicada por carta remetida pela autora a 2 de agosto de 2011, e a, solidariamente, pagarem à Autora as seguintes quantias:

a) 29.927,87, correspondente à quantia que lhes foi adiantada pela Autora;

b) O valor das faturas n.º …07, de 07.09.2007, no valor de 245,84, n.º …51, de 24.09.2007, no valor de 803,95 e n.º …14, de 06.11.2007, no valor de 887,67.

c) O valor a apurar em liquidação da sentença, correspondente a 20% do valor de 7437 quilogramas de café ..., calculado ao preço praticado à data de 02/08/2011, deduzido de 6.499,07, correspondentes à bonificação a que têm direito nos termos da cláusula do contrato.

Condenou ainda os Réus a pagarem à Autora juros de mora à taxa comercial, nos termos do artº 102º, 2 e 3, do C. Comercial, contados sobre as quantias referidas em a) e b) desde a data da citação para a ação, como vem peticionado, e até integral pagamento, e desde a data da liquidação no que concerne à indemnização referida em c).

Desta decisão recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça os Réus Cérebros-Publicidade, Limitada, AA e BB, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1 O disposto no 1 do art.º 393º não obsta ao recurso à prova testemunhal se acompanhada de circunstâncias que tornem plausível a convenção invocada ou no caso de existir um início de prova escrita.

2 No caso concreto circunstâncias que tanto podem evidenciar a aceitação de uma cessão de posição contratual, como podem enquadrar-se na previsão da cláusula 8 do contrato “sub judice”.

3 também outras que apenas se compreendem no quadro da aceitação da cessão por parte da Recorrida.

4 De entre estas últimas:

a) o facto de a Recorrida ter sido informada do teor do contrato celebrado entre a Recorrente e a “Sinónimo de Êxito” e de ser conhecedora de tudo quanto fora contratado entre estas;

b) o facto da Recorrida, não obstante a “Sinónimo de Êxito” lhe ter deixado de comprar o café, pelo menos desde Setembro de 2009, nunca ter interpelado a recorrente a propósito do cumprimento ou incumprimento das obrigações previstas no contrato;

c) o facto de a Recorrida passar a relacionar-se com a “Sinónimo de Êxito” a propósito de tudo quanto ao contrato respeitasse;

d) o facto de a Recorrida apenas em agosto de 2011 ter comunicado aos Recorrentes a resolução do contrato, sem previamente os interpelar a tal propósito ou a qualquer outro relativo ao cumprimento ou incumprimento das obrigações previstas no contrato.

5 Conjugadas todas as circunstâncias devem as primeiras ser consideradas sob a perspetiva das segundas, ou seja da aceitação pela Recorrida da cessão da posição contratual.

6 Não existia impedimento, nestas circunstâncias, ao recurso à prova testemunhal a propósito da aceitação da cessão da posição contratual.

7 –A decisão sob recurso ao desconsiderar, eliminando, o facto 32, considerando-o  como não provado, deverá  neste particular ser revogada, devendo a respetiva matéria ser levada em linha de conta para a decisão do pleito.

8 Demonstrada que está a aceitação da cessão por parte da Recorrida, deverá, por via do presente recurso, ser julgada improcedente a ação.

9 O acórdão sob recurso violou, neste particular, o disposto no 1 do artº 393º do C. Civil.

Sem conceder

Ainda que se entenda que não ocorreu ou não está demonstrada a aceitação da cessão da posição contratual, deverá ainda improceder a ação.

Na verdade

10 A resolução operada sempre constituiria abuso de direito, nos termos do artº 334º do C. Civil, o que equivale à inexistência do direito.

11 A Recorrida era conhecedora do que fora contratado entre a Recorrente e uma sociedade terceira, por ter sido informada pela Recorrente, passando a fornecer a sociedade adquirente em nome e sob encomenda desta, com a mesma, tratando tudo quanto respeitasse ao contrato.

12 Com a venda do estabelecimento os Recorrentes deixaram de com o mesmo ter relação, pelo que se impunha, de acordo com os ditames da boa fé, que se a Recorrida entendia que aqueles continuavam obrigados e respondiam pelas consequências do incumprimento do contrato, tão gravosas elas são, pelo que se impunha, dizia-se, que tivesse dado conhecimento

aos mesmos dos factos integradores de tal incumprimento e do seu propósito de resolução, tanto mais que entre o início do mesmo e a declaração de resolução decorreram quase dois anos.

13 A decisão surpresa da Recorrida desconsiderou totalmente o facto de os Recorrentes ignorarem ou poderem ignorar que ocorria um incumprimento contratual e que ela,          Recorrida,     os    considerava     obrigados    pelas     consequências de    tal     incumprimento, designadamente pelas que resultassem da resolução do contrato.

14 Em conformidade deverá considerar-se ter ocorrido abuso de direito por parte da Recorrida ao resolver o contrato nos termos e circunstâncias em que o fez, não se lhe reconhecendo o direito a tal resolução nos termos realizados, o que    determinará     a improcedência da ação e a revogação do acórdão sob recurso.

Sem conceder

15 Ainda que se considere válida a resolução operada, o que por mero raciocínio se concebe, não podem os Recorrente ser condenados nos termos em que o foram.

16 Isto quer por via da cláusula 2 do contrato “sub judice”, que impõe que sejam refletidos “direta e proporcionadamente” na importância a restituir os valores que se mostrem pagos no caso 2.062 quilos -, quer pelo recurso à equidade, nos termos do artº 812º do C. Civil.

17 Por fim, no que respeita à indemnização contratualmente estabelecida de pagamento de 20% do valor do café prometido em venda e não adquirido, dir-se-á dever a mesma ser, igualmente, objeto de redução, pelo recurso à mencionada disposição do artº 812º.

18 A Recorrida tinha necessariamente conhecimentos para não ter considerado no contrato uma estimativa 3 vezes superior ao consumo real do estabelecimento e não pode beneficiar desse comportamento seu, que se tem de admitir como possivelmente intencional, que nos conduz a uma indemnização que assenta em consumos comprovadamente irreais.

19 Nessa indemnização deverá ser considerado o consumo médio mensal do estabelecimento 30 quilos -, multiplicando o mesmo pelo número de meses de duração - 95 meses subtraindo ao número assim encontrado 2.850 o total dos consumos do estabelecimento 2.062 quilos e encontrando-se o valor sobre o qual devem ser considerados os mencionados 20% - 788 quilos.

20 Há, assim, fundamento válido para o presente recurso de revisão, nos termos do 1, do art.º 674º do C. P. Civil.

Pediram a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença da 1.ª instância.

A Ré DD também recorreu, autonomamente, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, para o Supremo Tribunal da Justiça, concluindo as suas alegações do seguinte modo:

1a) Pelas razões aduzidas nos pontos I a V das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é claro e inequívoco que, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa a que as partes estão adstritas na negociação, celebração e execução de qualquer contrato, o exercício pela ora aqui Recorrida do direito à indemnização que resulta para si da resolução do "contrato de comércio 105/03/106", designadamente, nos termos que dele resultam quanto à restituição da quantia de 29.927,87 e ao pagamento da quantia correspondente a 20% do valor do café prometido em compra e ainda não adquirido, consubstancia uma clara situação de abuso de direito - cfr. Art.º 334°, do Código Civil -,

e, por isso, tal exercício é ilegítimo.

2a) Ao decidir em sentido contrário, reconhecendo à ora aqui Recorrido o direito a essa indemnização e condenando a "Cérebros Publicidade, Lda." ao seu pagamento, a sentença ora recorrida viola o disposto naquele Art.º 334°, do Código Civil, o que constitui fundamento bastante para o presente recurso de revista Art.º 674°, n°. I, alínea a), do C.P.C..

SEM PRESCINDIR


3 a) Pelas razões aduzidas nos pontos VI a VII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é de concluir, de forma clara e inequívoca, que, ainda que seja legitimo o exercício pela ora aqui Recorrida do direito à indemnização que para si resulta da cláusula de resolução expressa inserta no "contrato de comércio 105/03/106" - cláusula 10a -, uma das penas nela previstas para o incumprimento do mesmo pela "Cérebros Publicidade, Lda.", designadamente, a obrigação desta em restituir à ora aqui Recorrida a totalidade da quantia de € 29.927,87 que por esta lhe foi entregue aquando da celebração do mesmo, é uma pena manifestamente desproporcionada e excessiva atenta a finalidade que presidiu à sua estipulação e o conteúdo do direito que a mesma visa realizar.

4 a) Por essa razão, justifica-se a redução dessa pena pelo Tribunal de acordo com juízos de equidade, a qual deve ter em conta que a finalidade que presidiu à sua estipulação e o conteúdo do direito que a mesma visa realizar estão, senão na totalidade, quase por completo satisfeitos, devendo, por isso, em respeito a critérios de equidade, ser uma redução substancial - na ordem dos 80 % -dando-se cumprimento ao disposto ao Art.º 812°, n°. 1, do Código Civil, disposição que o Acórdão ora recorrido, ao considerar não ser abusiva a pretensão/exigência da ora aqui Recorrida de receber a totalidade daquela quantia com base na cláusula 10ª do contrato, viola manifestamente, o que constitui também fundamento bastante para o presente recurso de revista Artº. 674°, n°. 1, alínea a), do C.P.C.

SEM PRESCINDIR

5 a) Pelas razões aduzidas no ponto VIII das alegações do presente recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, é de concluir, de forma clara e inequívoca, que, ainda que seja legitimo o exercício pela ora aqui Recorrida do direito à indemnização que para si resulta da cláusula de resolução expressa inserta no "contrato de comércio 105/03/106" - cláusula 10ª -, o montante da indemnização nela definido, designadamente, a percentagem de " (20%) do valor do café prometido em venda e ainda não adquirido", é manifestamente desproporcionada e excessiva atenta a finalidade que presidiu à sua estipulação e o conteúdo do direito que a mesma visa realizar.

6 a ) Por essa razão, justifica-se a redução pelo Tribunal dessa percentagem de acordo com critérios de equidade, a qual deve ter em conta a atitude da ora aqui Recorrida descrita no ponto VII das alegações do presente recurso, claramente ofensiva dos limites da boa a que os contraentes estão adstritos na negociação, celebração e execução do contrato, a qual, por si só, justifica uma redução de pelo menos para metade da percentagem estipulada no contrato - 10 % - para o cálculo da referida indemnização, dando-se, assim, cumprimento ao disposto ao Ar.º. 812°, n°. 1, do Código Civil, disposição que o Acórdão ora recorrido, ao considerar não ser abusiva a pretensão/exigência da ora aqui Recorrida de receber a totalidade da indemnização prevista na cláusula 10a do contrato, viola manifestamente, o que constitui também fundamento bastante para o presente recurso de revista Art.º 674°, n°. 1, alínea a), do C.P.C.

Concluiu, requerendo que a revista fosse julgada procedente e, em consequência, deve o Acórdão ora recorrido ser parcialmente revogado e substituído por outro que absolva a ora aqui Recorrente e os restantes Réus do pagamento das quantias referidas nas alíneas a) e c) da decisão final proferida naquele Acórdão, OU, caso assim se não entenda, a sua substituição por outro que, ao abrigo do disposto no Art.º 812.°, n°. 1, do Código Civil, reduza de acordo com a equidade, designadamente, nos termos que resultam das conclusões 4a e 6a do presente recurso, as quantias referidas nas alíneas a) e c) da decisão final proferida naquele Acórdão e que a aqui Recorrente e os restantes Réus foram condenados solidariamente a pagar.

Não foram apresentadas contra-alegações.


*

II - O objeto dos recursos

Tendo em consideração o conteúdo da decisão recorrida e as conclusões das alegações dos Recorrentes é o seguinte o objeto destes recursos:

Do recurso interposto pelos Réus Cérebros-Publicidade, Limitada, AA e BB:

1.ª- O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 393.º do Código Civil, ao não valorar a prova testemunhal relativa à aceitação pela Autora da cessão da posição contratual da Ré “Cérebros Publicidade” para a sociedade “Sinónimo de Êxito” ?

2.ª - A resolução do contrato sub iudicio, por parte da Autora, constitui um abuso de direito ?

3.ª - O dever de restituição dos valores adiantados deve ter em consideração os valores já pagos, nos termos da cláusula 2.ª desse contrato ?

4.ª - As indemnizações previstas na cláusula 10.ª desse contrato devem ser reduzidas, nos termos do artigo 812.º do Código Civil ?

Do recurso interposto pela Ré DD:

1.ª A exigência do pagamento das indemnizações previstas na cláusula 10.ª do referido contrato constitui um abuso de direito ?

2.ª As indemnizações previstas na cláusula 10.ª desse contrato devem ser reduzidas, nos termos do artigo 812.º do Código Civil ?

Os fundamentos dos dois recursos, atenta a sua similitude, irão ser apreciados conjuntamente.

III Os factos provados

Neste processo provaram-se os seguintes factos:

1 – A Autora, no exercício do seu comércio de venda, por grosso, de cafés, bebidas espirituosas e outros produtos, celebrou com os Réus, no dia 29 de Maio de 2003, um contrato, intitulado “contrato de comércio 105/03/16”, nos termos e condições constantes do documento de fls. 9 e 10, cujo teor se considera integralmente reproduzido.

2 – Por força desse contrato, a 1ª Ré obrigou-se a comprar à Autora 9.500 quilos de café ... ..., em quantitativos mínimos mensais de 100 quilos.

3 – Tendo-lhe sido concedido a título de empréstimo, na data referida em 1, a quantia de 29.927,87 €.

4 – Convencionou-se que o incumprimento do contrato conferia à Autora o direito de o resolver e de reclamar indemnização no modo aí previsto, nomeadamente a quantia correspondente a 20% do valor do café prometido em compra e ainda não adquirido e o pagamento da quantia adiantada.

5 – Os segundo, terceiro, quarto e quinto Réus assumiram, pessoal e solidariamente com a primeira Ré, a responsabilidade pelo pontual cumprimento do supra mencionado contrato.

6 – A Autora comunicou aos Réus contestantes por carta expedida em 02.08.2011 1 a resolução do contrato supra referido, nos seguintes termos:

Vimos por esta via, em relação ao contrato de fornecimento de café n.º …, de 29 de maio de 2003, notificá-los de que o resolvemos/anulamos nos termos do disposto no seu número

10, com base no facto de desde, pelo menos, Dezembro de 2009 não terem efetuado compras de café ... nos termos acordados.

Queiram V. Exas, consequentemente:

1. Proceder à restituição da quantia que lhe foi adiantada no valor de 29.927,87;

2. Proceder ao pagamento da indemnização no valor de (9500-7437) x 26,50 x 20% = 39.416,10, abatido da bonificação a que tem direito por compras de café no valor de 6.499,07;

3. Tudo no montante global de (€ 29.927,87 + 39,416,10 - 6.449,07) = 62.844,90. Notificamos ainda v/ Exas de que poderão, querendo, no prazo de 15 dias contados da

data de resolução proceder à compra e respetivo pagamento de 7437 quilos de café, evitando desse modo, os efeitos da resolução referenciados, supra.

7 – A Ré “Cérebros – Publicidade, Limitada”, era detentora de um estabelecimento sito na Loja … do empreendimento “…”, na Avenida ... em ....

8 – Tal estabelecimento havia sido instalado pela referida Ré ao abrigo de um “Contrato de Utilização de Loja” celebrado entre a mesma e a sociedade “D..., Limitada”.

9 – Tinha a designação de “N...” e estava associado, pelo nome e pela imagem do mesmo, à “R…”, sociedade comercial de que eram sócios alguns dos sócios da Ré “Cérebros”.

10 – Foi no âmbito da atividade do referido estabelecimento que a Autora celebrou com todas as pessoas nele identificadas o já referido “contrato de comércio”.

11 – A Autora forneceu à Ré “Cérebros”, e para o estabelecimento em causa, louça personalizada quer com o nome do estabelecimento, quer com a grafia utilizada na imagem do mesmo.

12 – Enquanto o estabelecimento se manteve em atividade nunca atingiu o consumo mensal de 100 Kg. de café.

13 – Foi a Autora quem estabeleceu o limite mínimo de consumo mensal para aquele estabelecimento em concreto.

14 – A Ré “Cérebros” não tinha a exata noção desse consumo e aceitou a previsão que a Autora estabeleceu, tomando-a como boa.

15 – Os consumos estabelecidos no contrato – 100 Kg/mês – revelaram-se desadequados por excesso à capacidade de consumo de café do estabelecimento, em particular porque este tinha apenas 40 lugares sentados.

16 – Quando a Ré “Cérebros” constatou que os consumos não atingiam o que contratualmente estava previsto teve a preocupação de falar com a Autora a tal propósito.

17 – Esta manifestou-lhe que o determinante para si era que a Ré “Cérebros” continuasse a consumir os seus cafés em exclusivo.

18 – E que, enquanto o fizesse, desconsideraria o facto de não ser atingido o valor mensal previsto.

19 – Nunca a Autora dirigiu, por escrito ou oralmente, à Ré “Cérebros”, qualquer comunicação, reparo, aviso, admoestação, censura ou advertência pelo facto de não ser atingido o valor mensal mínimo contratualmente previsto.

20 – Em agosto de 2007, morreu EE, um dos signatários do contrato.

21 – Esse sócio da Ré “Cérebros” era quem dirigia a actividade da empresa e do estabelecimento.

22 – Face a tal circunstância, a Ré “Cérebros” decidiu transmitir a uma sociedade terceira o estabelecimento.

23 – Não obstante tal ter sido contratualizado em 19 de Março de 2008, tal sociedade passou a explorar o estabelecimento desde Dezembro de 2007.

24 – A Ré “Cérebros” cedeu a tal sociedade - “Sinónimo de Êxito – Iniciativas de Restauração e Espetáculos Culturais, Limitada”, a posição contratual que detinha como utilizadora referente ao Contrato de Utilização de Loja em Zona Comercial, outorgado em 22 de julho de 2002 com a já mencionada “D…”, quanto ao estabelecimento comercial mencionado – o “N...”.

25 – A cessionária aceitou a cessão sendo o preço equivalente ao valor do imobilizado e recheio, e aceitou e assumiu todas as responsabilidades/dívidas que da exploração do referido estabelecimento comercial resultavam para a primeira outorgante, nos termos resultantes do documento de fls. 55 e 56 cujo teor se considera integralmente reproduzido.

26 – A Autora foi informada do teor do contrato celebrado entre a “Cérebros” e a referida “S...”, sendo a Autora conhecedora de tudo quanto foi contratado entre cedente e cessionária.

27 – O estabelecimento deixou de se designar “N...” e passou a designar-se por “C…”.

28 – A Autora forneceu, à mencionada cessionária, nova louça, em substituição da que fora fornecida anteriormente e que se identificava com o estabelecimento da “Cérebros”.

29 – De igual modo, a Autora passou a fornecer à sociedade cessionária e em nome desta o café, sob encomenda da mesma.

30 – De dezembro de 2007 em diante, a Ré “Cérebros” deixou de explorar o estabelecimento em causa e de encomendar/comprar café à Autora.

31 – Não obstante a Ré “Cérebros” ter deixado de adquirir em dezembro de 2007 café à Autora, esta nunca dirigiu, por escrito ou oralmente, à Ré “Cérebros” qualquer comunicação, reparo, aviso, admoestação, censura ou advertência pelo facto de esta ter deixado de o fazer.

32 – A partir de dezembro de 2007, a Autora passou a fornecer única e exclusivamente à referida “S...”, recebendo desta, as respetivas encomendas, cumprindo com a entrega das correspondentes mercadorias, recebendo dela o pagamento do preço dos produtos e relacionando-se a propósito de tudo o mais que ao contrato respeitasse.

33 – A Autora veio a comunicar a resolução do contrato à Ré “Cérebros” e aos demais Réus ora contestantes, sem que previamente os tenha interpelado a tal propósito ou a qualquer outro propósito relativo ao cumprimento ou incumprimento das obrigações previstas no mencionado contrato.

34 - Desde maio de 2003, até setembro de 2009, foram adquiridos 2062 quilos dos 9500 prometidos em compra.

35 - Pelo menos desde setembro de 2009 nem a Ré nem a cessionária compraram mais café à Autora.

36 - A Autora vendeu à Ré Cérebros ainda, os produtos mencionados nas faturas n.º 111601836/07, de 07.09.2007, no valor de € 245,84, n.º 9111312351, de 24.09.2007, no valor de € 803,95 e n.º 9111314414, de 06.11.2007, no valor de € 887,67, que não foram pagas.


*

IV O direito aplicável

1. O contrato

A Ré Cérebros, era detentora de um estabelecimento sito na Loja ... do empreendimento “C...”, em ....

Tal estabelecimento havia sido instalado pela referida Ré, ao abrigo de um “Contrato de Utilização de Loja” celebrado entre a mesma e a sociedade “D..., Limitada” que explorava aquele empreendimento.

A Autora, no exercício do seu comércio de venda, por grosso, de cafés, bebidas espirituosas e outros produtos, celebrou com os Réus, no dia 29 de Maio de 2003, um contrato, intitulado “contrato de comércio 105/03/16”, nos seguintes termos e condições:

- A Autora prometeu vender, à Ré Cérebros, com destino ao seu estabelecimento comercial 9500 Kg. de café ..., lote ..., em frações mínimas mensais de 100 Kg., aos preços de tabela, às datas das vendas efetivas (n.º 1), concedendo-lhe um desconto /bonificação de € 29.927,87, quando, cumulativamente, a totalidade do café acima referida se mostrasse integralmente paga – a regularizar, porém anualmente, em função direta e proporcionada dos quantitativos de café adquiridos e pagos, em cada ano, sempre, sem prejuízo do estabelecido no n.º 10 (n.º 2).

- A título de adiantamento condicional do desconto/bonificação acima referido a Autora entregou na data da celebração do contrato à Ré Cérebros, a título gratuito, a quantia de € 29.927,87, para investimento direto em mercadorias e bens de equipamento no seu estabelecimento comercial (n.º 4).

- A Autora emprestou ainda a título gratuito à 1.ª Ré, pelo prazo de vigência deste contrato, no estado de novos, para utilização no estabelecimento desta, vários bens móveis, avaliados em € 6.839,69 (n.º 6).

- Este contrato teve termo inicial no dia 29 de Maio de 2003 e termo final quando a totalidade do café prometida em venda houver sido integralmente adquirida e paga nos termos nela prevenidos (n.º 13).

Os restantes Réus responderão – pessoal e solidariamente – pelo exato e fiel cumprimento das obrigações a que esta fica adstrita, que derivem diretamente do contrato ou da sua resolução/anulação (n.º 14).

Neste acordo estabelecem-se relações jurídicas continuadas, em que a Autora se vincula, a título de obrigação principal, a transmitir regularmente a propriedade de café à 1.ª Ré, mediante o pagamento de um preço, o que carateriza um contrato juridicamente atípico, embora socialmente típico, denominado contrato de fornecimento 2, que se aproxima do contrato de compra e venda, apresentando-se como um negócio definitivo e unitário, cujas prestações se sucedem e prolongam no tempo, sendo o fundamento deste contrato a satisfação continuada de uma necessidade duradoura da parte que é fornecida.

Neste tipo de contratos, o fornecedor está obrigado (seja a prestações contínuas, seja a prestações periódicas), a prestações autónomas a que correspondem outros tantos créditos distintos, que se vão formando sucessivamente. O outro contraente fica, do mesmo modo, vinculado a obrigações sucessivas (as várias e distintas dívidas de preço), cada uma das quais corresponde a um dos períodos de fornecimentos ou a certo período de fornecimento continuado 3.

No entanto, no contrato aqui em análise, ao estipular-se, na cláusula n.º 10, consequências resolutórias e indemnizatórias para a falta de encomenda periódica pela Ré Cérebros de determinadas quantidades de café, a compradora também assumiu a obrigação de realizar essas encomendas em determinados prazos e quantidades.

A este tipo contratual aplicam-se as regras do contrato de compra e venda (artigo 939.º do Código Civil).

Contudo, o contrato sub iudice, apesar de ser este o seu núcleo central, apresenta uma maior complexidade, nele também se incluindo, como prestações a cargo da Autora, o empréstimo, a título gratuito, de bens móveis, que é uma prestação típica de um contrato de comodato (artigo 1129.ºdo Código Civil), e o adiantamento de uma quantia, relativa a descontos futuros no preço dos bens fornecidos, operação que resulta num empréstimo de uma quantia em dinheiro, gratuitamente, a ser devolvida, fracionadamente, com o pagamento do preço sem o desconto dos fornecimentos do café, que é uma prestação típica de um contrato de mútuo (artigo 1142.º do Código Civil).

Estamos, pois, perante um contrato misto 4, uma vez que nele se reúnem elementos de diferentes tipos contratuais, sujeitos a diferentes regimes 5, na modalidade de contratos típicos com prestação subordinada, adotando a classificação de Enneccerus 6, em que a prestação principal é a prestação típica do contrato de fornecimento 7.

O contrato é comercial (artigos 2.º e 13.º do Código Comercial).

Os restantes Réus outorgaram este contrato, assumindo, pessoal e solidariamente com a primeira Ré, a responsabilidade pelo pontual cumprimento do supra mencionado contrato, pelo que garantiram o cumprimento das obrigações contratuais da Ré Cérebros através da prestação de uma fiança plúrima (artigos 627.º e 649.º do Código Civil).

2. A violação do direito probatório material

Os Réus alegaram, na contestação, que a Ré Cérebros havia cedido a sua posição no contrato acima descrito à sociedade “Sinónimo de Êxito”, com o conhecimento e a aceitação da Autora.

Na sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância foi julgado provado que a Autora aceitou que a sociedade “S...” sucedesse à Cérebros no referido contrato de comércio (facto n.º 32.º dessa sentença).

Tendo, no recurso interposto para o Tribunal da Relação, sido impugnada a decisão da matéria de facto sobre este ponto concreto, no acórdão proferido eliminou-se esse facto da matéria provada, por se entender que não era possível valorar a prova testemunhal que havia determinado a sua inclusão nos factos provados.

Foi a seguinte a fundamentação apresentada pela decisão recorrida: No ponto 32 estava em causa o seguinte:

32 A autora aceitou que a referida “Sinónimo de Êxito” sucedesse à “Cérebros” no referido “contrato de comércio” (art. 43º da contestação).

A recorrente invoca o conteúdo das cláusulas a 14ª do contrato inicial celebrado com a ré, argumentando que a cessão da sua posição contratual em tal contrato seria obrigatoriamente reduzida a escrito e com o consentimento expresso da Autora.

Por sua vez, na motivação da decisão impugnada lê-se que a convicção do tribunal, quanto à aceitação pela autora de que a referida “Sinónimo de Êxito” sucedesse à “Cérebros” no referido “contrato de comércio”, se fundamentou no depoimento da testemunha FF, funcionário da autora enquanto tendo confirmado a aceitação pela autora da cessão da posição contratual comprovada nos autos.

A este propósito não pode deixar de atender-se ao disposto nas cláusulas 8 ª e do contrato inicialmente celebrado referida pela recorrente. Com efeito dispõe-se na referida cláusula consta:

“Ocorrendo alienação ou cessão do estabelecimento comercial dos SO ( Segundo Outorgantes), onerosa ou gratuitamente, os quantitativos de café comprados e pagos pelo adquirente/cessionário, com destino a tal estabelecimento, em conformidade, com o ora acordado e que não derivem, por conseguinte, de contrato autónomo de fornecimento de café com este celebrado ter-se-ão por adquiridos pelos mesmos SO para efeito de cumprimento do contrato, ficando este bem ciente de que lhe será sempre imputável, em tal caso, a falta de aquisição e pagamento de cafés, nos termos acordados no número um.”

Por sua vez a cláusula do mesmo contrato dispõe-se que:

“A validade da cessão contratual da posição dos SO neste contrato dependerá sempre do consentimento expresso da PO (Primeiro Outorgante) a prestar necessariamente por escrito”.

Na decisão recorrida não se ponderou o teor destas cláusulas. E, no entanto, o artº 393º é claro quando preceitua, no seu 1, que se a declaração negocial, por disposição legal ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível a prova testemunhal. Por sua vez o artº 364º, 1 do C. Civil dispõe que quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. Este mesmo normativo acrescenta no seu 2 que se resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório. Compreende-se que assim seja, uma vez que admitir a prova testemunhal nestas situações seria ir contra o estipulado pelas partes ou contra a exigência formal legalmente exigida.

É inquestionável que na referida cláusula as partes estipularam expressamente que o consentimento para a cedência da posição contratual teria necessariamente que ser prestado por escrito. E assim sendo, e não estando comprovada a existência de documento escrito em que a autora, ora recorrente, desse o seu consentimento à cessão da posição contratual, não poderia a existência desse consentimento ser feita através de prova testemunhal ou por presunções, pelo que não pode manter-se o que vem dado como provado no ponto 32.

Os Recorrentes entendem que a valoração da prova testemunhal pode ser feita nestas situações, desde que seja acompanhada de circunstâncias que tornem plausível a convenção invocada ou de um início de prova escrita, pelo que a interpretação e aplicação restritiva que o acórdão recorrido fez do disposto no artigo 393.º do Código Civil violou as regras do direito probatório material.

O artigo 674.º do Código de Processo Civil permite que, apesar do Supremo Tribunal de Justiça, no recurso de revista, não poder controlar a existência de erros na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, pode verificar se, no julgamento da matéria de facto, foram infringidas disposições pertencentes ao direito probatório material.

O tribunal recorrido entendeu que não podia ser considerado provado um ato de autorização de cedência da posição contratual que as partes haviam convencionado que teria

necessariamente constar de documento escrito, com fundamento em prova testemunhal, atenta a proibição constante do artigo 393.º do Código Civil.

A convenção pelas partes da utilização da forma escrita para a emissão de uma determinada declaração no âmbito da execução do plano contratual presume que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada (artigo 223.º, n.º 1, do Código Civil). Esta presunção é, contudo, ilidível pela prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil), podendo essa prova resultar das circunstâncias do caso, a provar por qualquer meio de prova, evidenciarem que as partes, apesar de terem anteriormente acertado observarem um formalismo mais exigente, quiseram vincular-se por meio mais informal 8. Como explicou Rui Alarcão 9, autor do Anteprojeto do Código Civil, nesta parte:

Importa também acentuar que a exigência de forma feita voluntariamente pode, por isso mesmo que se trata de uma forma voluntária, ser afastada pelas partes, através de uma determinação ulterior ou sucessiva em sentido contrário. É óbvio isso, pelo que não carece de ser dito explicitamente na lei.

Tal abandono da forma determinada por negócio jurídico pode naturalmente ter lugar por maneira expressa ou tácita, e designadamente através da realização, sem sujeição à forma voluntariamente exigida, do negócio para o qual tal exigência justamente se fez.

Daí que, caso essa presunção fosse considerada ilidida, revelando-se revogada a estipulação da forma escrita, seria possível demonstrar, por qualquer meio de prova, designadamente a testemunhal, a emissão daquela autorização, uma vez que já não era aplicável o disposto no artigo 393.º do Código Civil.

Contudo, no presente caso, o tribunal recorrido não julgou ilidida aquela presunção legal, não competindo a este tribunal controlar tal juízo, pelo que, tendo as partes estipulado a redução a escrito da autorização para uma cedência da posição contratual, por parte da Ré Cérebros, a prova dessa cedência não pode ser efetuada com recurso à prova testemunhal, conforme proíbe o artigo 393.º, n.º 1, do Código Civil, com vista a garantir a eficácia das disposições legais ou convencionais que imponham a observância da forma escrita para a emissão de determinadas declarações negociais.

Alegam os Recorrentes que este preceito não obsta ao recurso à prova testemunhal se acompanhada de circunstâncias que tornem plausível a convenção invocada ou no caso de existir um início de prova escrita.

Os Recorrentes aplicam a interpretação restritiva que tem sido seguida quase unanimemente pela jurisprudência 10 e por alguma doutrina 11 , relativamente às proibições de prova contidas no artigo 394.º do Código Civil, às proibições referidas no artigo 393.º do mesmo diploma 12.

Efetivamente, apesar da proposta de Vaz Serra constante dos trabalhos preparatórios do Código Civil 13, no sentido de, expressamente, relativizar a proibição da prova testemunhal nos casos previstos no artigo 394.º do Código Civil, não ter sido acolhida, logo na 1.ª Revisão Ministerial do seu Anteprojeto, ela veio a ser seguida como uma interpretação restritiva justificada daquele preceito, admitindo-se a valoração de prova testemunhal como prova complementar de um início de prova escrita ou retirada de circunstâncias que revelem a existência da declaração negocial a provar.

No entanto, esta interpretação restritiva não é extensível à proibição constante do artigo 393.º, do Código Civil, onde as razões que justificam a proibição da prova testemunhal são diversas das que presidem às impostas no artigo 394.º do mesmo diploma. Enquanto no primeiro destes dispositivos se procura assegurar a eficácia da imposição da forma escrita pela lei ou por estipulação das partes, a qual não deve ser fragilizada, no segundo visa-se evitar os perigos da falibilidade e da manipulação, da prova testemunhal, perigos esses que, nesta interpretação, são atenuados pela existência de um início de prova escrita ou de circunstâncias que revelem o facto a provar.

Aliás, se consultarmos o articulado proposto por Vaz Serra no seu Anteprojeto verificamos que este apenas relativizava essa proibição para as situações atualmente previstas no artigo 394.º, do Código Civil, delas excluindo as que constam do artigo 393.º, do mesmo diploma, uma vez que o n.º 1, do artigo 49.º (A prova por testemunhas das convenções referidas nos §§ 3.º e 4.º do artigo anterior é admitida quando, em consequência de haver um começo de prova por escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante ou da qualidade das partes, da natureza do contrato ou de outra circunstância, seja verosímil que tenham sido feitas as ditas convenções) apenas se reporta às convenções dos §§ 3.º e 4.º (contrárias ou adicionais ao conteúdo de um documento autêntico ou de um documento particular tido como como verdadeiro ... anteriores ou contemporâneas da formação do documento ou posteriores à sua formação), atualmente referidas no n.º 1, do artigo 394.º, do Código Civil, excluindo deliberadamente as situações referidas nos §§ 1.º e 2.º, do mesmo artigo 48.º (se por disposição da lei ou estipulação das partes, o negócio jurídico dever ser provado por escrito ou for nulo se não revestir a forma escrita ... e quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio pleno de prova), correspondentes ao que atualmente consta dos n.º 1 e 2, do artigo 393.º, do Código Civil.

Acresce ainda que, se lermos a fonte que no direito comparado inspirou esta relativização da proibição da prova testemunhal – o artigo 2274., 1), do Código Civil Italiano 14 – verificamos que ele também apenas admite a prova testemunhal como prova complementar nas situações que se encontram previstas nos artigos 2272. e 2273, correspondentes ao disposto no artigo 394.º, n.º 1, do nosso Código Civil, excluindo propositadamente as proibições de prova testemunhal previstas no artigo 2275., correspondente ao artigo 393.º, n.º 1, do nosso Código Civil.

Não tem apoio e não se justifica, pois, a extensão da interpretação restritiva, habitualmente feita na leitura do artigo 394.º do Código Civil, às proibições contidas no artigo 393.º, n.º 1 e 2, do Código Civil.

Por estas razões, se conclui que, estando aqui em causa a admissibilidade de prova por testemunhas de uma autorização negocial que as partes haviam convencionado que teria que observar a forma escrita, não se tendo demonstrado que as partes admitiram vincular-se de outra forma, não ofende o disposto no artigo 393.º do Código Civil, antes o respeitando, a posição da decisão recorrida de que não pode ser valorado o depoimento de testemunha no sentido dessa autorização ter sido conferida.

3. As implicações da transmissão do estabelecimento

No decurso da execução do contrato misto, com prevalência das prestações típicas de um contrato de fornecimento, analisado no ponto 1 deste acórdão, a Ré Cérebros celebrou um contrato com a sociedade “S...”, em que declarou ceder-lhe a posição contratual que detinha como utilizadora referente ao Contrato de Utilização de Loja em Zona Comercial, outorgado em 22 de julho de 2002 com a já mencionada “D...”, quanto ao estabelecimento comercial mencionado – o “N...”.

Da leitura das cláusulas deste contrato constata-se que essa cedência não teve por objeto apenas a posição contratual no contrato de utilização de uma loja situada em “Zona Comercial”, mas sim todo o estabelecimento comercial nele instalado.

Na verdade, na cláusula terceira do contrato consta o seguinte:

1. O valor ou preço do presente negócio é equivalente ao valor do imobilizado e recheio existente no identificado estabelecimento comercial bem como de todas as responsabilidades/dívidas resultantes para a 1.ª Outorgante pela exploração do referido estabelecimento comercial, conforme listagem anexa que fica a fazer parte integrante do presente contrato sob o Anexo II.

2. A 2.ª Outorgante declara expressamente aceitar e assumir todas as responsabilidades e dívidas constantes do Anexo II deste contrato, obrigando-se a proceder ao seu pontual e efetivo pagamento nas condições contratadas pela 1.ª Outorgante com os fornecedores/credores identificados ou outras que venham a ser aceites pelos credores.

3 A 2.ª Outorgante declara expressamente aceitar e assumir igualmente todas as responsabilidades, despesas e juros inerentes aos financiamentos, adiantamentos, empréstimos, letras ou livranças e encargos com as suas reformas, constantes da relação do Anexo II deste contrato, que se tenham vencido ou que venham a vencer, obrigando-se a proceder ao seu pontual e efetivo pagamento nas condições contratadas pela 1.ª outorgante com os fornecedores/credores identificados.

4 Além das responsabilidades e obrigações atrás referidas, na eventualidade da 1.ª Outorgante vir a ser demandada judicialmente por algum dos credores/fornecedores identificados no Anexo II, pelo facto da 2.ª Outorgante não pagar àqueles o que aqui se obrigou a fazer, será também da exclusiva responsabilidade da 2.ª Outorgante todas as despesas, custas processuais e honorários de advogados que a 1.ª Outorgante venha a necessitar despender nesses litígios.

5 A 1.ª Outorgante cede o aludido estabelecimento comercial, libertando-se de todas as dívidas, responsabilidades, presentes ou futuras, inerentes àquele estabelecimento comercial, incluindo os trabalhadores, não resultando, no entanto, do presente negócio qualquer mais valia económica ou pecuniária para a 1.ª Outorgante ou para os seus sócios que não o pagamento pela 2.ª Outorgante de todas as dívidas e responsabilidades.

O que ocorreu foi, pois, um trespasse do estabelecimento comercial, nele se incluindo a cessão da posição contratual no contrato de utilização de loja em zona comercial onde funcionava o estabelecimento.

Quanto à transmissão para a adquirente do estabelecimento das “responsabilidades” que resultavam para a Ré Cérebros do contrato outorgado com a Autora, admitindo-se que essa transmissão englobava todo o complexo de direitos e obrigações resultantes desse contrato, não se tendo provado que esta tivesse autorizado tal transmissão, na sequência da alteração da matéria de facto efetuada pelo acórdão recorrido, a correspondente cessão da posição contratual é seguramente ineficaz perante ela, nos termos dos artigos 424,º n.º 1, e 406.º do Código Civil, independentemente da discussão sobre a eventual validade da “transmissão da responsabilidade” entre os contraentes do trespasse do estabelecimento 15 .

Deste modo, a transmissão do estabelecimento da Ré Cérebros para a sociedade “S...” enquadra-se na previsão do n.º 8 do contrato outorgado entre aquela Ré e a Autora, onde se estipulou que, ocorrendo alienação ou cessão do estabelecimento comercial da (Ré Cérebros), onerosa ou gratuitamente, os quantitativos de café comprados e pagos pelo adquirente/cessionário, com destino a tal estabelecimento, em conformidade com o ora acordado e que não derivem, por conseguinte, de contrato de fornecimento autónomo com este celebrado ter-se-ão por adquiridos pela (Ré Cérebros) para efeito de cumprimento do contrato, ficando esta bem ciente de que lhe será sempre imputável, em tal caso, a falta de aquisição e pagamento de cafés nos termos acordados no número 1.

Atenta esta previsão negocial, após a transmissão do estabelecimento da Ré Cérebros para a sociedade “S...”, as encomendas de fornecimento de café e respetivos pagamentos efetuados por esta última à Autora para o estabelecimento trespassado, não havendo notícia da celebração de um contrato autónomo de fornecimento entre a nova proprietária do estabelecimento e a Autora, foram efetuadas no âmbito da execução do contrato de fornecimento celebrado entre esta e a Ré Cérebros.

No entanto, tendo as sucessivas encomendas parcelares sucessivas passado a ser feitas em nome da sociedade “S...”, assim como o pagamento das mesmas, não agindo esta como uma simples representante da Ré Cérebros, contrariamente ao que é habitual suceder nos contratos de fornecimento com o figurino tradicional, este deixa de ter uma configuração unitária, repartindo-se em múltiplos contratos de compra e venda (tantos quantos as diferentes encomendas) de que foram partes a Autora e a sociedade “S...”, pelo que assistimos à transformação de um contrato bilateral puro numa estrutura contratual triangular atípica 16, em que coexistem, interpenetram-se e complementam-se o contrato de fornecimento de café, celebrado entre a Autora e a Ré Cérebros, e os sucessivos contratos de compra e venda de partidas de café celebrados entre a Autora e a sociedade “S...”, os quais, além dos seus efeitos internos, funcionam como execução do primeiro contrato (efeito externo), num exemplo do leque infinito de possibilidades que permite o princípio da liberdade negocial (artigo 405.º do Código Civil).

4. A cláusula resolutiva

A cláusula número 10 do contrato estipulava o seguinte:

Se a (Ré Cérebros) seguida ou interpoladamente não adquirir café durante dois meses, ou não efetuar, em dois trimestres, um mínimo trimestral de compras de 300 quilos de café ... poderá a (Autora) resolver/anular este contrato e, consequentemente, reclamar-lhe: indemnização em montante correspondente a 20% do valor do café prometido em venda e ainda não adquirido; restituição imediata da quantia adiantada; restituição imediata dos bens do equipamento emprestados e indemnização, à razão de 113,99 por cada mês que decorra a partir da data da resolução do contrato até à data da entrega efetiva daqueles à (Autora).

Estamos perante uma cláusula resolutiva expressa, em que o exercício do direito de resolução, tendo origem convencional, é apenas condicionado pelo estipulado pelas partes e tem as consequências por elas definidas.

A transcrita cláusula negocial permitia que a Autora resolvesse o contrato de fornecimento de café se a Ré Cérebros não adquirisse café durante dois meses ou, não efetuasse, em dois trimestres um mínimo trimestral de compras de 300 quilos de café, definindo também as consequências do exercício do direito de resolução pela Autora.

Note-se que a condição exigida para a constituição do direito de resolução era o simples incumprimento pela Ré Cérebros da obrigação de realização de encomendas de café à Autora, no âmbito do contrato de fornecimento que as unia, durante um determinado período de tempo, sem que se exigisse que esse incumprimento fosse imputável, a título de culpa, à Ré.

5. A resolução do contrato pela Autora

Após ter ocorrido o trespasse do estabelecimento acima analisado, a Autora resolveu o contrato por carta enviada à Ré Cérebros em 02.08.2011, invocando o disposto no seu número 10, com base no facto de desde, pelo menos, Dezembro de 2009, não terem efetuado compras de café ... nos termos acordados.

No recurso interposto pelos quatro primeiros Réus, estes alegam que a resolução do contrato, pelos motivos invocados, consubstancia um abuso de direito, uma vez que, sendo a Autora conhecedora da transmissão do estabelecimento e tendo passado a fornecer a sociedade adquirente em nome e sob encomenda desta, impunha-se, de acordo com os ditames da boa fé, que, mantendo-se a Ré Cérebro obrigada pelo cumprimento do contrato e estando ela sujeita às consequências do incumprimento, lhe tivesse sido dado conhecimento pela Autora dos factos integradores do incumprimento ocorrido e do seu propósito de o resolver.

Relativamente a este aspeto lembramos que se provou o seguinte:

- A Autora foi informada do teor do contrato celebrado entre a Ré Cérebros e a sociedade “S...”, sendo a Autora conhecedora de tudo quanto foi contratado entre estas.

- O estabelecimento deixou de se designar “N...” e passou a designar-se por “C...”.

- A Autora forneceu, à “S...”, nova louça, em substituição da que fora fornecida anteriormente e que se identificava com o estabelecimento da Ré Cérebros.

- De igual modo, a Autora passou a fornecer à “S...” e em nome desta o café, sob encomenda da mesma.

- De dezembro de 2007 em diante, a Ré Cérebros deixou de explorar o estabelecimento em causa e de encomendar/comprar café à Autora.

- A partir de dezembro de 2007, a Autora passou a fornecer única e exclusivamente à referida “S...”, recebendo desta, as respetivas encomendas, cumprindo com a entrega das correspondentes mercadorias, recebendo dela o pagamento do preço dos produtos e relacionando-se a propósito de tudo o mais que ao contrato respeitasse.

- Pelo menos desde setembro de 2009 nem a Ré nem a “S...” compraram mais café à Autora.

- A Autora veio a comunicar a resolução do contrato à Ré Cérebros e aos demais Réus ora contestantes sem que previamente os tenha interpelado a tal propósito ou a qualquer outro propósito relativo ao cumprimento ou incumprimento das obrigações previstas no mencionado contrato.

Atenta a transmutação na mencionada estrutura contratual trilateral, ocorrida após o trespasse do estabelecimento comercial da Ré Cérebros para a sociedade “S...”, analisada no ponto 3. deste acórdão, a execução do contrato de fornecimento celebrado entre a Autora e a Ré Cérebros passou a ser efetuada, a partir de dezembro de 2007, através da celebração e cumprimento, entre a Autora e a sociedade “S...”, de sucessivos contratos de compra e venda de partidas de café.

Decorrendo as relações entre estas duas sociedades outorgantes, a Ré Cérebros só poderia acompanhar a execução do contrato que mantinha com a Autora se elas a informassem do estado dessas relações, sendo essa informação essencial a habilitar a Ré Cérebros a tomar providências, caso as relações contratuais entre a Autora e a “S...”, não assegurassem o cumprimento das obrigações por ela assumidas perante a Autora.

A estipulação desse dever de aviso não consta expressamente das cláusulas do contrato celebrado entre a Autora e a Ré Cérebros, nem do contrato de trespasse outorgado entre esta e a sociedade “S...”. No entanto, no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, consagra-se o princípio geral de que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé, o que inclui o cumprimento dos denominados deveres acessórios de conduta, onde se incluem os deveres de informação, que abrangem os chamados deveres de participação ou aviso 17. Esses deveres existem não só quando se encontram previstos na lei ou por estipulação das partes, mas como referiu Carlos Mota Pinto 18, brotam da cláusula geral da boa fé, na medida em que preside a todos eles um pensamento jurídico unitário: permitir ao destinatário da participação, através do aviso, um esclarecimento necessário para o seu comportamento futuro, a fim de este poder tomar providências.

Ora, atento o desenho da estrutura contratual trilateral que unia estas três sociedades, decorrente do princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil), recaía sobre a Autora e a “S...” (sobre esta sociedade, enquanto manifestação do fenómeno da pós-eficácia das obrigações 19) a obrigação de informação da Ré Cérebros sobre o estado das relações contratuais que se desenvolviam entre elas, pois, só com essa informação, poderia a Ré Cérebros acompanhar o cumprimento do contrato que havia celebrado com a Autora e que a continuava a vincular.

E a iniciativa na prestação dessa informação recaía, sobretudo, sobre a Autora e a sociedade “S...”, pois eram elas que tinham a possibilidade de acompanhar pari passo a execução do contrato, não sendo exigível que os Réus regularmente as inquirissem sobre essa execução.

A existência de uma responsabilidade partilhada com terceiro (a “S...”) não exclui ou atenua a obrigação acessória da Autora, enquanto credora das obrigações assumidas pela Ré Cérebros, de a avisar da ocorrência de qualquer situação nas relações que mantinha com a sociedade “S...” que pudessem provocar um incumprimento da obrigação a que a Ré Cérebros continuava vinculada, com consequências gravosas para esta 20.

Provou-se que a Autora incumpriu este dever acessório de aviso, uma vez que resolveu o contrato que a unia aos Réus, após terem decorrido quase dois anos sem que fosse efetuada à Autora qualquer compra de café, não tendo esta, durante todo esse tempo, alertado a Ré Cérebros para essa situação.

As consequências do incumprimento de deveres acessórios num complexo contratual podem ser muito distintas, sendo a obrigação de indemnização dos prejuízos causados a mais comum 21.

Numa situação em que o dever acessório incumprido recai sobre o credor de uma prestação incumprida, revelando-se que o inadimplemento do dever acessório do credor é, pelo menos, concausal do incumprimento da prestação pelo devedor, os efeitos daquele inadimplemento, tendencialmente, devem desagravar as consequências do incumprimento pelo devedor 22.

No presente caso, tendo presente as consequências previstas pelas partes na cláusula número 10 do contrato, para o incumprimento pela Ré Cérebros da obrigação de proceder à encomenda de fornecimentos de café, face à inexistência de qualquer encomenda durante quase dois anos e perante a revelada falta de interesse de qualquer das partes em manter o contrato em vigor, o exercício do direito de resolução contratualmente previsto não se mostra abusivo, não exigindo os ditames da boa fé, perante a inexecução prolongada do contrato, a sua manutenção.

Daí que o incumprimento do dever de aviso que recaía sobre a Autora não tenha como resultado a ineficácia da declaração resolutiva emitida por esta.

Por estas razões, se conclui que a resolução do contrato operada pela Autora encontra-se coberta pela cláusula número 10 do contrato resolvido, não se revelando que o seu exercício constitua um abuso de direito, censurado pelo artigo 334.º do Código Civil.

6. As consequências da resolução do contrato

Na mencionada cláusula número 10 as partes previram que, resolvendo a Autora o contrato, por falta de encomendas, poderia reclamar da Ré Cérebros:

- uma indemnização em montante correspondente a 20% do valor do café prometido em venda e ainda não adquirido;

- a restituição imediata da quantia que havia adiantado (€ 29.927,87); - a restituição imediata dos bens do equipamento emprestados;

- e uma indemnização, à razão de € 113,99 por cada mês que decorresse a partir da data da resolução do contrato, até à data da entrega efetiva daqueles bens à Autora.

Estas duas últimas consequências não estão em questão no presente recurso, nem sequer nesta ação, uma vez que a Autora apenas peticionou o pagamento da indemnização, correspondente a 20% do valor do café prometido em venda e ainda não adquirido, e a restituição da quantia adiantada, além do pagamento de faturas em dívida, relativas a fornecimentos de café.

Os Réus invocaram, em ambos os recursos, a já analisada omissão de aviso por parte da Autora, para fundamentar a existência de um abuso de direito na exigência das consequências resolutivas previstas na cláusula número 10 do contrato de fornecimento de café.

A Ré DD, no recurso por si interposto, aditou ainda, como fundamento do alegado abuso do direito, as circunstâncias que rodearam a fixação das quantidades que a Ré Cérebros se obrigou a adquirir no contrato de fornecimento que celebrou.

Relativamente a este último aspeto, provou-se o seguinte:

– Foi a Autora quem estabeleceu o limite mínimo de consumo mensal para aquele estabelecimento em concreto.

– A Ré Cérebros não tinha a exata noção desse consumo e aceitou a previsão que a Autora estabeleceu, tomando-a como boa.

– Os consumos estabelecidos no contrato – 100 Kgs/mês – revelaram-se desadequados por excesso à capacidade de consumo de café do estabelecimento, em particular porque este tinha apenas 40 lugares sentados.

– Quando a Ré Cérebros constatou que os consumos não atingiam o que contratualmente estava previsto teve a preocupação de falar com a Autora a tal propósito.

– Esta manifestou-lhe que o determinante para si era que a Ré “Cérebros” continuasse a consumir os seus cafés em exclusivo.

– E que, enquanto o fizesse, desconsideraria o facto de não ser atingido o valor mensal previsto.

– Enquanto o estabelecimento se manteve em atividade nunca atingiu o consumo mensal de 100 Kg. de café.

Deste relato resulta que as partes, tendo estipulado que a Ré “Cérebros” se obrigava à realização de encomendas mensais, no mínimo de 100 Kg., face à constatação de que essa quantidade não era adequada à capacidade de escoamento do estabelecimento da Ré, por acordo tácito, modificaram o estipulado nesta matéria, deixando de ser exigíveis quantidades mínimas de aquisição mensal de café, mas passando a Ré Cérebros a ter de adquirir esse produto em exclusividade à Autora, (esta comprometeu-se a desconsiderar o facto de não ser atingido o valor mensal inicialmente acordado, sem que tenha sido fixado qualquer outro limite, passando, contudo a vigorar um regime de exclusividade no fornecimento de café ao estabelecimento da Ré Cérebros).

Não constando da matéria de facto provada que essa modificação tivesse sido acompanhada de uma extensão do prazo máximo de duração do contrato, o qual resultava da conjugação da quantidade global do café a fornecer (9.500 Kg.) com o valor mínimo mensal a adquirir (100 kg.), ou seja 7 anos e 11 meses, deve considerar-se que, a desconsideração de um valor valor mensal mínimo acarretou, necessariamente, a desconsideração de uma quantidade global que a Ré Cérebros tivesse obrigação de adquirir, passando os 9.500 kg. apenas a sinalizar a quantidade global que a Autora se obrigava a fornecer.

Perante esta modificação parcial tácita do conteúdo contratual e, não tendo sido o incumprimento da obrigação alterada que motivou a resolução do contrato pela Autora, é irrelevante para a decisão da presente ação, o facto de ter sido esta quem indicou o limite mínimo de consumo mensal para aquele estabelecimento, em concreto, e da Ré Cérebros não ter a exata noção desse consumo, tendo tomado como boa a previsão exagerada feita pela Autora. Não tendo os Réus invocado a existência de um eventual erro sobre o objeto do negócio, no momento da sua formação, com vista à sua anulação, o referido circunstancialismo é irrelevante para a decisão das questões colocadas nestes recursos.

Assim, apenas resta avaliar quais as consequências do incumprimento do dever acessório de aviso por parte da Autora, relativamente aos direitos à restituição da quantia que havia sido adiantada pela Autora à Ré Cérebros, aquando da celebração do contrato (€ 29.927,87), e a uma indemnização correspondente a 20% do valor do café prometido em venda e ainda não adquirido, previstos na cláusula número 10 do contrato, exercidos na presente ação, que foram fundamento da condenação dos Réus pelo acórdão recorrido (além da condenação no pagamento de alguns fornecimentos de café não pagos) e que estão colocados em causa em ambos os recursos interpostos para este tribunal.

A propósito da abordagem à legitimidade substantiva do exercício do direito de resolução convencional do contrato por parte da Autora, já havíamos concluído que, numa situação em que o dever acessório incumprido recai sobre o credor de uma prestação incumprida, revelando-se que o inadimplemento do dever acessório do credor é concausal do incumprimento da prestação pelo devedor, os efeitos daquele inadimplemento, tendencialmente, devem desagravar as consequências do incumprimento do devedor.

Vejamos, então, se e como se deve repercutir o incumprimento do dever de aviso por parte da Autora na ativação das consequências da resolução do contrato previstas na sua cláusula número 10, nomeadamente, no direito à restituição da quantia adiantada pela Autora e no pagamento da indemnização correspondente a 20% do valor do café prometido em venda e ainda não adquirido.

6.1. O dever de restituição da quantia adiantada pela Autora

A resolução de um contrato por uma das partes, com fundamento no incumprimento da prestação que cabia à contraparte, tem como efeito standard, a retroatividade prevista nos dois números do artigo 434.º do Código Civil.

Perante a morte prematura do contrato, a retroatividade constitui um mecanismo que visa uma liquidação adequada das relações contratuais, procurando repor-se a situação anterior à frustração negocial, através da criação de obrigações de restituição. Daí que este mecanismo, atento os seus objetivos, funcione alheio às eventuais questões de culpa no incumprimento que motivou a resolução do contrato.

É precisamente neste fenómeno reconstitutivo da situação anterior à outorga do contrato que se insere a previsão da obrigação da Ré Cérebros proceder à restituição da quantia que a Autora lhe adiantou, para investimento direito em mercadorias e bens de equipamento no seu estabelecimento comercial, no cumprimento do contratado. Como já referimos acima, este adiantamento resultou num empréstimo de uma quantia em dinheiro, a ser devolvida, fracionadamente, com o pagamento do preço dos fornecimentos de café, sem o desconto acordado, revelando-se uma prestação típica de um contrato de mútuo, inserida num contrato misto.

Tendo a cessação prematura do contrato impedido que ocorresse o reembolso total da quantia mutuada, o efeito retroativo da resolução justifica a obrigação de devolução convencionada, devendo, contudo, tomar-se em consideração o valor já restituído através do pagamento das encomendas que foram realizadas que totalizaram 2062 Kg.

Caso se entenda que esta ressalva não resulta das regras de interpretação da cláusula número 10, na visão de um declaratário normal (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil), deve considerar-se a sua integração de acordo com os ditames da boa fé, nos termos do artigo 239.º do mesmo diploma.

Note-se que esta obrigação de restituição da quantia mutuada não reembolsada decorre do funcionamento do mecanismo reconstitutivo inerente ao termo prematuro do contrato, o qual é alheio a juízos de culpa, pelo que não colhem os argumentos dos Recorrentes no sentido da exigência da restituição da quantia adiantada não devolvida constituir um abuso de direito.

Alega ainda a Ré DD que, visando o adiantamento daquela quantia a publicidade e promoção no estabelecimento da Ré Cérebros dos produtos vendidos pela Autora e, tendo o contrato perdurado por tempo que se aproximou ao da duração que teria, caso tivessem sido respeitados os prazos e quantidades das encomendas contratualmente previstos, não se justifica a sua devolução, uma vez que os objetivos do adiantamento foram quase totalmente atingidos.

Da leitura do contrato não resulta que a entrega da referida quantia tivesse como contrapartida a publicitação e promoção do café fornecido pela Autora, correspondendo antes a uma antecipação dos descontos no preço de venda do café, pelo que não se verifica o pressuposto em que se fundava este argumentação da recorrendo, razão pela qual a mesma não colhe.

Assim, tendo em consideração a quantidade de café que foi encomendada e faturada pela Autora ao abrigo do presente contrato - 2062 kg -, verifica-se que, correspondendo os € 29.927,87 emprestados aos descontos que incidiam no preço de venda de 9500 kg. de café, já foram restituídos € 6.495,92, pelo que incide sobre a Ré Cérebros o dever de restituir apenas € 23.431,95.

Por esta dívida são também responsáveis os restantes Réus, uma vez que garantiram o cumprimento das obrigações contratuais da Ré Cérebros através da prestação de uma fiança plúrima (artigos 627.º e 649.º do Código Civil).

6.2. A indemnização

Na mencionada cláusula número 10 do contrato as partes previram que, resolvendo a Autora o contrato, por falta de encomendas, poderia esta reclamar da Ré Cérebros uma indemnização em montante correspondente a 20% do valor do café prometido em venda e ainda não adquirido;

A indemnização prevista na cláusula número 10, no valor de 20% do valor do café prometido em venda e que não chegou a ser adquirido, visa compensar a Autora da margem de lucro que esta obteria caso vendesse todo o café a que se obrigou, e que deixou de auferir como resultado da extinção antecipada do contrato, causada pelo incumprimento da Ré Cérebros (interesse contratual positivo).

Relativamente ao exercício deste direito indemnizatório, face ao incumprimento pela Ré Cérebros da obrigação que assumiu de adquirir periodicamente café à Autora, há que, em primeiro lugar, retirar consequências da alteração contratual tácita, mencionada no ponto 6. deste acórdão, de onde resultou a desconsideração de uma quantidade global de café que a Ré Cérebros tivesse obrigação de adquirir.

Apesar de, na cláusula número 10, se estipular o pagamento de uma indemnização correspondente a 20% do valor do café em venda (9500 kg.), esse valor pressupunha a existência de uma obrigação da Ré Cérebros o adquirir, uma vez que essa indemnização visava compensar os lucros cessantes, pelo que, tendo os 9500 Kg. sido desconsiderados como quantidade que a Ré Cérebros se obrigava a adquirir, em resultado da modificação contratual tacitamente operada, não pode o valor dessa quantidade servir de elemento integrante do critério fixado para determinar o montante indemnizatório.

Tendo as partes substituído a fixação de quantidades mínimas mensais e de uma quantidade global por uma obrigação de aquisição em regime de exclusividade, deve este vazio contratual ser integrado, nos termos do artigo 239.º do Código Civil, através do cálculo do valor da quantidade previsível de café que a Ré Cérebros adquiriria à Autora, num regime de exclusividade, utilizando, para tanto, como referência, as quantidades de café adquiridas durante o tempo em que o contrato foi executado. Assim, tendo sido adquiridos 2062 kg. desde Maio de 2003, até Setembro de 2009, o que compreende um período de 77 meses, em 95 meses (prazo implicitamente previsto para a duração do contrato 23) seriam adquiridos 2544 kg, pelo que, a indemnização estipulada, perante a modificação contratual ocorrida é a correspondente a 20% do valor de 482 kg (2544 kg – 2062 kg.) de café.

Tendo em consideração, o prejuízo que se visa ressarcir com esta estipulação e o valor fixado, estamos perante uma cláusula de liquidação forfaitaire da indemnização e não perante uma cláusula penal compulsória 24.

É no montante deste valor indemnizatório que o incumprimento do dever acessório de aviso por parte da Autora não pode deixar de intervir. Como já acima se afirmou, em tese geral, sendo esse inadimplemento concausal do incumprimento da prestação pela Ré Cérebros, os efeitos daquele inadimplemento, devem desagravar as consequências desse incumprimento.

Apesar de na cláusula resolutiva a condição exigida para a constituição do direito de resolução e suas implicações ser o simples incumprimento pela Ré Cérebros da obrigação de realização de encomendas de café à Autora, no âmbito do contrato de fornecimento que as unia, durante um determinado período de tempo, sem que se exija que o incumprimento seja imputável, a título de culpa, à Ré, o exercício de um direito de indemnização, com liquidação forfaitaire, não se pode alhear completamente de um juízo de culpa 25.

Tendo a Autora contribuído, ao incumprir um dever acessório de aviso, para o incumprimento da prestação principal da Ré Cérebros, deve aplicar-se a doutrina do artigo 570.º do Código Civil, que permite que o julgador, atenta a gravidade das culpas e as consequências que delas resultaram, atribua uma indemnização, reduzida ou não, pelos prejuízos que resultaram do incumprimento recíproco, ou exclua a existência de qualquer obrigação de indemnização.

Como afirmámos num acórdão recente 26, o disposto neste artigo apesar de se encontrar pensado para as situações de responsabilidade extracontratual, encontra-se colocado no Código Civil na secção que contém as normas que especialmente regem as obrigações de indemnização, independentemente do tipo de responsabilidade que origina esse tipo de obrigação 27, pelo que, apesar da sua inaptidão natural para regular as situações de responsabilidade contratual 28, deve a solução nele adotada aplicar-se, com as necessárias adaptações 29, abrangendo também, acrescentamos agora, os casos em que um comportamento do credor contribui para o inadimplemento da prestação a que o devedor se obrigou.

Se a contribuição do comportamento da Autora para o incumprimento da Ré Cérebros da obrigação assumida e que se manteve mesmo após o trespasse do estabelecimento, não justifica uma eliminação completa do dever de indemnização, não se podendo concluir que o exercício do correspondente direito viole, em qualquer dimensão, os ditames da boa fé, preenchendo a figura do abuso de direito na fórmula tu quoque, a responsabilidade da Ré Cérebros deve ser desagravada, reduzindo-se o valor da liquidação forfaitaire, o que, aliás, é expressamente permitido pelo artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil, e os Recorrentes, subsidiariamente, requereram.

Tendo em consideração a importância do dever acessório violado no cumprimento da prestação pela Ré Cérebros, justifica-se uma redução de 50% do montante liquidado a forfait, pelo que a Ré Cérebros deve ser condenada a pagar 10% do preço de 482 kg. de café ..., à data da comunicação da resolução do contrato, em 02.08.2011, a liquidar posteriormente, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, uma vez que não se apurou o valor desse preço.

Pelo pagamento deste valor são também responsáveis os restantes Réus, uma vez que garantiram o cumprimento das obrigações contratuais da Ré Cérebros através da prestação de uma fiança plúrima (artigos 627.º e 649.º do Código Civil).

7. Conclusão

Face às razões acima desenvolvidas, devem ambos os recursos serem julgados parcialmente procedentes, alterando-se os montantes que o acórdão recorrido condenou os Réus

pagar, no que respeita ao reembolso da quantia adiantada e à indemnização pelo incumprimento do contrato, mantendo-se o demais decidido.


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Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista e, em consequência:

- altera-se o conteúdo da alínea a) do acórdão recorrido, condenando-se os Réus a pagar à Autora € 23.431,95 da quantia que foi adiantada pela Autora;

- altera-se o conteúdo da alínea c) do acórdão recorrido, condenando-se os Réus a pagar à Autora, 10% do preço de 482 kg. de café ..., em 02.08.2011, a liquidar posteriormente;

- mantém-se o decidido na alínea b) e a condenação no pagamento de juros.


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Custas da ação e dos recursos, na proporção de 60%, pela Autora e 36%, pelos Réus, sendo os restantes 4%, provisoriamente, em igual proporção, por Autora e Réus, definindo-se a responsabilidade definitiva por esta parte das custas, após a decisão do incidente de liquidação e de acordo com o resultado dessa decisão.

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Notifique.

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Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.


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Lisboa, 11 de março de 2021


João Cura Mariano (relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

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1 Aditou-se a data de expedição da carta em que a Autora comunicou a resolução do contrato por se tratar de facto assente, por acordo tácito das partes nos articulados.
2 Sobre estes contratos, HELENA BRITO, O Contrato de Concessão Comercial, Almedina, 1990, pág. 133-135, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos II. Conteúdo. Contratos de Troca, Almedina, 2007, pág. 142-143, CAROLINA CUNHA, O Contrato de Fornecimento no Sector da Grande Distribuição a Retalho: Perspetivas Atuais, em Estudos em “Homenagem ao Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita”, vol. I, Coimbra Editora, 2009, pág. 621-637, ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, 2012, pág. 357-358, e FERNANDO FERREIRA PINTO, Contratos de Distribuição, Universidade Católica Editora, 2013, pág. 41.
3 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Aspetos Comuns aos Vários Contratos, no B.M.J. n.º 23, pág. 79.
4 Adotando essa qualificação em contrato idêntico, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.01.2013, Proc. n.º 600/06 (Rel. Fonseca Ramos), acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os que se encontram citados neste acórdão sem menção do local de publicação.
5 Sobre os contratos mistos, VAZ SERRA, União de Contratos. Contratos Mistos, no B.M.J. n.º 91, pág. 11-28, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 372-379, INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 86-87, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, 2000, pág. 279-281 e 286-300, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, 10ª ed., Almedina, 2013, pág. 188-192, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, Almedina, 1995, pág. 211-214, RUI PINTO DUARTE, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Almedina, 2000, pág. 44-50, EDUARDO DOS SANTOS JÚNIOR, Direito das Obrigações I, AAFDL, 2010, pág. 190-193, e FRANCISCO MANUEL DE BRITO PEREIRA CIOELHO, Contratos Complexos e Complexos Contratuais, Coimbra Editora, 2014, pág. 239 e seg.
6 Na tradução espanhola da 15.ª revisão de Heinrich Lehman, Derecho de obligaciones, vol. 2.º, 1.ª parte, 3.ª ed., Bosch, 1996, pág. 7-18.
7 Daí que, doravante, iremos denominar este contrato, como “o contrato de fornecimento”
8 ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. II, 4.ª ed., Almedina, pág. 204-205, e Código Civil Comentado, vol. I, Almedina, 2020, pág. 647, HEINRICH EWALD HORSTER e EVA SÓNIA MOREIRA DA SILVA, Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2019, pág. 483-484, e JOANA VASCONCELOS, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 502-503.
MANUEL PITA, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 275, no entanto, afirma que a prova em contrário não pode ser feita por testemunhas, invocando, para tal, o disposto no artigo 393.º, n.º 1, do Código Civil.
9 Forma dos Negócios Jurídicos, B.M.J. n.º 86, pág. 202
10 V.g., acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2011, Proc. n.º 758/06 (Rel. Alves Velho), de 09.07.2014, Proc. n.º 5944/07 (Rel. Pinto de Almeida), de 04.06.2019, Proc. n.º 2375/11 (Rel. Pedro Lima Gonçalves) e de 17.12.2020, Proc. n.º 3815/16 (Rel. Maria João Vaz Tomé).
11 VAZ SERRA, Anotação ao acórdão do S.T.J. de 04.12.1973, na R.L.J., Ano 107, pág. 311-312, MOTA PINTO e PINTO MONTEIRO, Arguição da Simulação pelos Simuladores. Prova Testemunhal, Parecer pub. na C.J. Ano X (1985), tomo III, pág. 12-13, CARVALHO FERNANDES, Estudos sobre a Simulação, Quid Iuris, 2004, pág. 45-68, e Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 3.ª ed., Universidade Católica Portuguesa, 2001, pág. 287-288, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS e PEDRO LEITÃO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., Almedina, 2019, pág. 694-695, MARIA DOS PRAZERES BELEZA, Admissibilidade da Prova Testemunhal: a Prova da Simulação e do Negócio Simulado, Direito e Justiça, vol. X, 1996, t 2, pág. 245, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, Almedina, 2014, pág. 228-230, e Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, pág. 217-220, e RITA GOUVEIA, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, cit., pág. 891-892.
Opondo-se a esta interpretação, INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2002, pág. 184-186, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, cit., pág. 236-237, e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. II, cit., pág. 908-909.
12 LEBRE FREITAS, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 479, ao fazer referência a essa interpretação numa nota ao artigo 393.º e não ao artigo 394.º, apesar dessa referência se reportar apenas a casos em que estava em causa a aplicação deste último preceito, assim como LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, cit., pág. 231, e Direito Probatório Material Comentado, cit., pág. 221, ao incluir nas exceções a ambas as proibições a valoração dos depoimentos testemunhais como prova complementar, podem, inadvertidamente, induzir esta extensão da interpretação restritiva do artigo 394.º ao artigo 393.º, ambos do Código Civil.
13 Artigo 49.º, n.º 1, do Anteprojeto, relativo às Provas, no B.M.J. nº 112, pág. 292
14 O referido artigo 49.º, n.º 1, do Anteprojeto de Vaz Serra, relativo às Provas, quase que é uma tradução literal deste preceito do Código Civil Italiano.
15 Sobre esta discussão, CARLOS MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Almedina, 1982, pág. 474-478, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., Almedina, 2013, pág. 400-402, RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 1990, pág. 647-651, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 12.ª ed., 2019, pág. 79-80, e GONÇALO ANDRADE E CASTRO, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 116.
16 Sobre estas figuras contratuais em geral, TIAGO AZEVEDO RAMALHO, O Princípio da Relatividade Contratual e o Contrato a Favor de Terceiro. Da Titularidade do Direito à Prestação por parte do Beneficiário, Coimbra Editora, 2013, pág. 61-65.
17 CARLOS MOTA PINTO, ob. cit., pág. 337 e seg., ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, cit., pág. 73-80, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, 2020, pág.125-128, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, tomo I, Almedina, 2009, pág. 477-485, e MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, cit., pág. 109-112.
18 Ob. cit. pág. 344, nota 2
19 Sobre a existência de deveres acessórios de conduta enquanto sinal da pós-eficácia das obrigações, CARLOS MOTA PINTO, ob. cit., pág. 354-356, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da Pós-Eficácia das Obrigações, em “Estudos de Direito Civil”, vol. I, Almedina, 1987, pág. 143 e seg., Da Boa no Direito Civil, vol. I, Almedina, 1984, pág. 625 e seg., e Tratado de Direito Civil, IX vol., 3.ª ed., Almedina, 2019, pág. 198-200, e NUNO PINTO OLIVEIRA, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina, 2005, pág. 95-96.
20 Apontando para uma responsabilidade solidária, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, Almedina, 1988, pág. 320.
21 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, cit., pág. 127, e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, II, tomo I, cit., pág. 480-481.
22 Veja-se, por exemplo, o que sucede quando o credor não avisa o fiador do incumprimento do devedor (v.g. JANUÁRIO GOMES, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, pág. 944-951) ou quando o dono da obra não adota os comportamentos necessários a que o empreiteiro possa proceder aos trabalhos de eliminação dos defeitos (v.g. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso. Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 2001, pág. 343-344).
23 Cfr. ponto 6. deste acórdão
24 Sobre a distinção entre estas duas figuras, PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, 1990, pág. 647 e seguintes.
25 Neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.04.2007, Proc. n.º 07B1070 (Rel. Salvador da Costa).
26 De 14.01.2021, Proc. n.º 2209/14 (Rel. João Cura Mariano).
27 VAZ SERRA não só propôs intencionalmente essa colocação (Conculpabilidade do prejudicado, B.M.J. n.º 86, pág. 173, nota 73), como, no articulado por ele proposto, concluía com um artigo com a seguinte redação: os critérios dos artigos precedentes são aplicáveis em hipóteses diferentes da de indemnização neles prevista, quando a culpa recíproca de duas ou mais pessoas deva ser apreciada e se verifique a razão de ser dos mesmos critério.
28 BRANDÃO PROENÇA, Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral. A Dualidade Execução Específica-Resolução, Separata dos “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Arruda Ferrer Correia”, 1984, pág. 101-103, e A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, 1997, pág. 52-53.
29 Relatando as diferentes posições da doutrina alemã sobre o tema, perante igual inexistência de um preceito específico, antes e depois das alterações introduzidas em 2002, no BGB, pela lei de Modernização do Direito das Obrigações, CATARINA MONTEIRO PIRES, Impossibilidade da Prestação, Almedina, 2017, pág. 770-785.
Em Itália, o artigo 1227. do Codice Civile prevê, especificamente, no capítulo dedicado ao Incumprimento das Obrigações, solução semelhante à que consta do artigo 570.º do nosso Código Civil, dispondo: se a negligência do credor tiver contribuído para causar o dano, a indemnização será reduzida de acordo com a gravidade da falta e a extensão das consequências resultantes da mesma (tradução nossa).