EXEQUIBILIDADE DO TÍTULO
ATA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
OBRAS DE CONSERVAÇÃO
Sumário


Sumário (do relator):

1- Considerando o disposto no artº 1433º, nº 4 do CC, em principio, encontra-se fora do âmbito dos embargos à execução as questões relacionadas com a irregularidade da deliberação que se pretende executar.
2- No caso, tem natureza ambulatória a obrigação de pagamento de obras de conservação profunda do telhado e das fachadas de um imóvel em regime de propriedade horizontal que, além do mais, embora já tivessem sido aprovadas à data da transmissão da fração ainda não tinham sido realizadas.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

Condomínio do Edifício … sito na Rua … requereu em 17.03.2020, contra V. M. e P. C., execução para pagamento da quantia de 6.713,96€, acrescida de juros vincendos, à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Dando à execução uma ata da assembleia de condóminos alegou, em síntese: os executados até 30.01.2019 foram proprietários de fração autónoma; por deliberação da assembleia de condóminos de 23.09.2015, conforme ata nº 15, tinha sido decidido realizar obras de manutenção do edifício cabendo aos mesmos suportar 5.402,10€, valor esse que teria de ser entregue até 31.10.2017; a esse montante, acresce a quantia de 800,00€ a título de multa, para efeitos de pagamento de despesas e custos processuais, incluindo honorários de advogado, solicitador e administrador, conforme consta da ata número onze, por deliberação da assembleia de condóminos de 10.07.2012; encontra-se assim, vencida e não paga, a quantia global de 6.203,00€; é ainda credora de juros moratórios à taxa legal de 4% ao ano, contados desde as datas de vencimento dos valores em dívida, sendo que à data se contabilizavam em 510,96€; e, no dia em que alienaram a fração, 30.01.019, assumiram para com os atuais proprietários, pagar até a aquele momento todas as despesas, quotas extras e outros valores referentes ao condomínio do imóvel.
Os executados opuseram-se mediante embargos no sentido da extinção da execução alegando, em suma: não foram regularmente convocados para a assembleia relativa à ata dada à execução, sendo que a deliberação padece de outras irregularidades formais, o que tudo compromete a exequibilidade do título; os valores relativos a multa/despesas/honorários não são exigíveis em execução com base em ata de condomínio; as obras em causa não foram realizadas na integra, designadamente até terem vendido a fração; em todo o caso, o documento dado à execução não é título executivo, tendo as deliberações perdido o seu alcance face às novas deliberações tomadas em assembleias posteriores; e deve o exequente ser condenado como litigante de má-fé.
O embargado contestou sustentando a exequibilidade da ata dada à execução e a exigibilidade da quantia exequenda.

Proferiu-se despacho saneador altura em que se decidiu:
“(…)
Do Direito:
A primeira questão que se coloca é a da alegada irregularidade das deliberações executadas e da ata nº 15.
No seguimento da jurisprudência dominante – veja-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/6/2019 (processo nº 22996/17.3T8PRT-A.P1, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrp) – entendemos que caberia aos executados alegar e provar terem impugnado a deliberação, o que não sucede, pelo que não podem, por esta via, atacar a regularidade da mesma.
Esta limitação nos fundamentos da oposição abrange a questão suscitada quanto à alegada falta de realização das obras, matéria que extravasa o âmbito dos embargos, e que deveria, no decurso dos 4 anos que mediaram entre a deliberação e a venda ter sido alvo de reação – quiçá judicial – dos então proprietários e aqui Embargantes.
Isto posto, e no que tange à legitimidade passiva dos executados, face à venda da fração, importa considerar que as despesas de conservação das partes comuns do edifício e as orçamentadas para os serviços de interesse comum e seguro são pagas pelos condóminos na proporção do valor das suas frações (cfr. art.º 1424º, nº 1 do Cód. Civil), ficando as despesas com as inovações a cargo dos condóminos nos termos fixados pelo artigo 1424.º (cfr. art.º 1426º, nº1 do Cód. Civil).
Tal como defendem os Embargantes/Executados, a obrigação de contribuir para as despesas do condomínio deve ser qualificada como situação jurídica proper rem, porquanto a titularidade de tal obrigação determina-se indireta e mediatamente, pela simples circunstância objetiva da propriedade da fração (a lei fala constantemente em encargos e obrigações do condómino, fazendo derivar a sua titularidade daquela qualidade; é a determinação mediata do sujeito da situação jurídica, característica das situações proper rem) e tal obrigação é inseparável da fração e transmite-se, automaticamente, com esta, isto é, aquele que adquirir a fração adquire a obrigação (o direito acompanha a coisa, em consequência direta da característica acima assinalada e em clara emanação da natureza real desta figura). Para além disso, nos termos do art. 1428º, nº 3, do Cód. Civil, cedendo (ou sendo expropriado) da propriedade da fração, o proprietário liberta-se da obrigação.
Existindo alienação da fração autónoma por parte de um condómino após deliberação da Assembleia de Condomínios a aprovar a realização de obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício, mas antes de ser devido o pagamento pelo respetivo condómino da parte que lhe compete nas obras, entende a jurisprudência, à qual aderimos, que caberá ao novo condómino a liquidação da quota-parte do pagamento da obra, salvo se outro for o acordado entre os novos e antigos condóminos.
Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006 (processo nº 364/2006-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl) “A obrigação de contribuir para as despesas, devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal é uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da fração integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que caiba efetuar para a realização das aludidas obras. Poderá suceder, entre outras hipóteses que não interessa considerar, que entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respetiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceda este condómino à transmissão da sua fração. Se assim suceder, e salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fração de que é titular. Isto porque se considera que esta obrigação “propter rem”, tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular.”.
No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que “Nos casos figurados está em causa, segundo parece, o pagamento integral do custo da obra; será suportado pelo alienante se a obra já estiver efetuada; será suportado pelo comprador não estando a obra realizada. As despesas já efetuadas, tanto para os fins indicados no artigo 1411.º/1 ou 1424.º/1 do Cód. Civil não são ambulatórias, correm pelos proprietários que o eram quando foram contraídas; as despesas não efetuadas correm por conta do adquirente, são ambulatórias”. (Processo 10076/03.3TVLSB.L1.S1, Acórdão de 08-06-2017, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
É certo que ambos os arestos referem a conclusão da obra. Porém, considerando a forma de funcionamento das administrações de condomínio (e as mais do que conhecidas dificuldades com que se deparam os administradores para reunir as quantias necessárias à realização de obras muitas vezes urgentes e imprescindíveis), é normal – e no caso tal sucedeu – que se estabeleçam prazos de pagamento que terminam antes do início das obras.
Tal destina-se a evitar que, começadas as obras, se veja a administração sem fundos para a terminar, arriscando além disso, a penalização por banda dos fornecedores contratados.
Assim, o que releva para se apurar da responsabilidade do condómino anterior ou presente prende-se com a data em que se venceu a última prestação fixada e que, no caso, ocorreu em 31/10/2017, ou seja, quando eram os executados os proprietários.
Tanto basta para entendermos que eram – como foram – estes que deviam ser demandados para pagamento da quantia respetiva.
Não fosse assim e estaria encontrada a forma de se eximirem os mesmos do pagamento de quantia que há muito eram devedores.
A última questão a apreciar diz respeito à exequibilidade da ata quanto às despesas enunciadas no ponto 8 do requerimento executivo, sendo que, desde já o adiantamos, entendemos assistir razão aos Embargantes.
Dispõe o art. 6º do DL 268/94, de 25/10, que a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição de partes comuns e ao pagamento dos serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte.
No preâmbulo do diploma que atribui força executiva às atas de condomínio (no seguimento da previsão do art. 46º, al. d), do Cód. Proc. Civil) justifica-se a aprovação do mesmo com “A necessidade de desenvolver alguns aspetos do regime da propriedade horizontal, aliada à opção de preservar a integração da disciplina daquele instituto no Código Civil” e, simultaneamente com “objetivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”.
O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/6/2009 (processo nº 1139/06.4TBGDM-A.P1, acessível no sitio www.dgsi.pt/jtrp) esclarece que «Sabendo-se das relações complexas que envolve a propriedade horizontal e das dificuldades (frequentes) criadas ao seu funcionamento, nomeadamente pela atuação relapsa e frequente de alguns condóminos, avessos a contribuir para as despesas comuns, sem que, não obstante, prescindam ou deixem de aproveitar dos benefícios da contribuição dos outros (revelador de, pelo menos, algum deficit de civismo), é criado um instrumento que facilite a cobrança dos valores devidos ao condomínio, legalmente previstos e regularmente aprovados.».
Definindo o título executivo os fins e os limites da execução, de tal modo que do mesmo deve resultar a obrigação do executado, nos termos do art. 10º, nº 5, do Cód. Proc. Civil (anterior art. 45º do Cód. Proc. Civil), entendemos, na senda da jurisprudência dominante, que a ata da reunião da assembleia de condóminos apenas pode constituir título executivo quando da mesma resulte, expressa ou implicitamente, os seguintes elementos:
- os montantes das contribuições devidas ao condomínio através da individualização da quota parte devida por cada condómino/fração, seja pela identificação individualizada da prestação devida por cada condómino, seja pela associação, mediante cálculo aritmético, da permilagem ao valor global do orçamento; e
- o prazo de pagamento, o qual, em todo o caso, pode resultar, quanto às quotas periódicas mensais/trimestrais, do prazo regulamentar, sem necessidade de cada ata anual fazer expressa referência a esse prazo.
Nesta sequência, também como vem sendo acolhido por grande parte da jurisprudência – ainda que não seja pacífico, ver, a este propósito, com citação de diversa jurisprudência, José Henrique Delgado de Carvalho, em “Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa”, Quid Juris, 2014, p. 283 e ss. -, entende o tribunal que apenas pode ser tida como título executivo a ata da assembleia de condóminos que delibera sobre as contribuições a suportar por cada um dos condóminos e fixa o seu prazo de pagamento, não se enquadrando neste âmbito as atas posteriores que se limitam a liquidar as contribuições já vencidas e não pagas.
No que concerne às multas ou despesas com a cobrança judicial devidas pela falta ou atraso de pagamento das contribuições (nomeadamente honorários de advogado), na sequência da previsão legal do art. 1434º do Cód. Civil, entende o tribunal que inexiste título executivo.
Na verdade, não existe jurisprudência uniforme quanto a considerar aquelas despesas/multas abrangidas pela força executiva atribuída às atas das assembleias de condóminos, sendo distinta a interpretação que se faz da expressão “contribuições devidas ao condomínio” utilizada pelo legislador no dito art. 6º, nº 1, do DL nº 268/94, de 25/10 – sobre esta matéria e com referência a jurisprudência dos tribunais superiores, ver José Henrique Delgado de Carvalho, em “Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa”, Quid Juris, 2014, p. 286 a 287.
Nos termos do art. 1434º nº1 do Código Civil a assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições desde código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.
O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8/1/2013 (Proc. 8630/08.6TBBRG-A.G1, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrg), é no sentido de que as penalizações por atrasos no pagamento de comparticipações e despesas de contencioso e custas judiciais, a suportar pelo condómino faltoso extravasam o comando do art. 6º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, argumentando que a exequibilidade das atas das assembleias de condóminos restringe-se a certas despesas que vêm taxativamente previstas no normativo que se analisa, cingindo-se às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns, que, em todo o caso, não devam ser suportadas pelo condomínio.
Acresce que os serviços de interesse comum a que se refere o art. 6º nº1, supra citado, são os serviços de interesse comum a que se refere o art. 1424º nº1, do Código Civil. Como se pode ler no Acórdão da Relação de Coimbra de 7/2/2017 (proc. nº 454/15.0T8CVL.C1, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrc), «para estes efeitos, serviços de interesse comum são serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como acontece, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais ascensores, as caldeiras de aquecimento, jardins coletivos, piscinas, antenas coletivas, os serviços de segurança e vigilância do imóvel». Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no envio de cartas de cobrança, o qual não está à disposição de cada um dos condóminos.
Embora se reconheça que a cobrança das contribuições é do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo advogado não é um serviço que qualquer um dos condóminos possa usar ou não usar. Os executados não são beneficiários dos serviços prestados pelo advogado.
Na ação executiva que é tida em vista pelo nº 1 do artigo 6º do DL nº 268/94, de 25/10, o proprietário/condómino é executado por ter deixado de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nas contribuições devidas ao condomínio, ou nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou ainda no pagamento de serviços de interesse comum.
Pelo exposto, as despesas peticionadas, como de custas judiciais, despesas extrajudiciais e penalidades, no valor de €: 800 – embora sejam devidas - não podem ser exigidas na presente execução por falta de título executivo bastante, tendo o condomínio de as peticionar em sede de ação declarativa.
Considerando o que supra se explanou quanto ao capital de €: 800 temos que os juros respetivos, porque acessórios, não poderão igualmente ser exigidos.
Procederão, pois, parcialmente os embargos.

*
Da litigância de má-fé:

Os executados pediram a condenação do exequente como litigante de má-fé.
Observou-se o contraditório.
Prescreve o art. 542º, nº 1, do Cód. Proc. Civil, que “Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.”.

E nos termos do n.º 2, do citado preceito legal, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”.

As várias alíneas do nº 2 do art. 542º do Cód. Proc. Civil, estabelecem os comportamentos considerados como integradores da litigância de má fé, desde que praticados com dolo ou negligência grave.
O preceito em análise trata a má fé sobre dois prismas: a má fé material, que abrange os casos de dedução de pedido ou de oposição cuja falta de fundamento não ignorava ou não devia desconhecer, a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos essenciais e relevantes para a decisão a causa; e a má fé instrumental, que se refere ao uso reprovável do processo ou dos meios processuais, para conseguir um fim ilegal, para impedir a descoberta da verdade, para entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
No caso que nos ocupa, o decaimento do exequente (quanto aos valores enunciados no ponto 8 do requerimento executivo) resulta de entendimento que não é pacífico na jurisprudência e, nessa medida, a opção tomada nunca poderia fundamentar a condenação pretendida, que, assim, improcederá.
*
IV. Decisão:
Pelo exposto decide-se:
1) julgar parcialmente procedentes os embargos de executado e, em conformidade, determinar a extinção da execução quanto ao valor de €: 800 enunciado no ponto 8 do requerimento executivo e respetivos juros e o prosseguimento da execução quanto ao demais;
2) julgar improcedente o pedido de condenação do exequente como litigante de má-fé.
Custas pelos Embargantes e pelo Embargado, na proporção de 90%/10% – art. 527º do Cód. Proc. Civil.
(…)”.

Os embargantes recorreram, concluindo:
“I. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova constante dos autos e uma errada aplicação do direito.
II. Os Embargantes não foram convocados para a Assembleia de 23.09.2015 que deu origem à ata n.º 15 que serve de base à execução.
III. Nesta assembleia deliberou-se sobre questões de manifesta importância económica para os condóminos (quiçá propositadamente) sem a presença da maioria dos votos representativos do capital investido, constando expressamente da ata que na mesma estiveram apenas 492/1000 do capital investido.
IV. A ata também refere no seu ponto 4 (folha 40 verso do livro de atas, linhas 14 a 19) que a deliberação foi por unanimidade, mas que houve condóminos a votar contra os prazos de pagamento, pelo afinal não existiu unanimidade nem se sabe quem votou a favor e quem votou contra e, no seu final, contém uma assinatura do “Presidente” e outras 4 assinaturas, num universo de 53 frações, desconhecendo-se a que condóminos pertencem, sendo certo que 4 condóminos não representam 50% do capital investido do prédio.
V. As deliberações tomadas nesta assembleia não foram comunicadas aos Embargantes, pelo que estes jamais poderiam impugnar aquela deliberação anteriormente, pois dela nunca foram conhecedores.
VI. A impugnação ou não da deliberação não contende com o alegado nos Embargos.
VII. Olvidou-se o tribunal a quo de apreciar a ata n.º 18, datada de 03 de outubro de 2018, na qual se colhe que as obras deliberadas na ata n.º 15 não foram realizadas e que seria aprovado novo orçamento, para outras obras, por outra empresa.
VIII. E também se olvidou de apreciar a ata n.º 19, datada de 25 de junho de 2019, onde ainda se ia apresentar e aprovar orçamentos.
IX. Aquela primeira deliberação deixou de produzir efeitos, pois não foram realizados os trabalhos nela previstos, da forma, pelo preço e pelo empreiteiro ali aprovados.
X. Não pode, portanto, aquela ata n.º 15 servir de título executivo.
XI. Não foi cumprida a obrigação do Embargado realizar as obras revistas no orçamento “aprovado” na ata n.º 15, facto que é inquestionável, as quais foram depois adjudicadas, apenas em parte, a outra empresa, com base noutro orçamento, e em deliberação posterior – Cfr. orçamento datado de 31/07/2018 junto com a contestação.
XII. É através de Embargos que os Executados podem reagir à tentativa de cobrança de um valor que não é devido pelos fundamentos ali invocados.
XIII. O incumprimento do Embargado é manifesto, pois este não realizou qualquer obra com base no orçamento “aprovado” na ata n.º 15, o que por si só seria suficiente para decretar a procedência dos Embargos. A ata oferecida à execução tem a data de 2015 e em 2020 as obras ainda não foram executadas, pelo que não é devido qualquer montante ao Embargado.
XIV. Os Embargantes venderam a sua fração em 30 de janeiro de 2019 a H. D. e a S. R..
XV. Naquela data as obras não tinham sido realizadas e ainda hoje estão por realizar.
XVI. A obrigação de contribuir para as despesas de conservação das partes comuns de um imóvel constituído em regime de propriedade horizontal é uma obrigação “proper rem” e o adquirente está obrigado a cumprir a obrigação, mesmo que eventualmente haja adquirido o direito após o vencimento da mesma.
XVII. O que é reforçado pelo facto de estes adquirentes, já enquanto proprietários, terem aprovada uma nova adjudicação (ata n.º 19, datada de 05.06.2019), o que fez cair qualquer obrigação resultante da ata dada à execução sobre os Embargantes.
XVIII. A sentença deveria ter julgado desde logo procedentes os Embargos, na sua plenitude.
XIX. Ao decidir pela improcedência parcial dos embargos violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 1432.º e 1433.º do CC, o n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro e ainda o constante nos artigos 703.º, 728.º, 731.º, e 732.º n.º 4 do CPC.
Termos em que, deliberando no sentido de dar provimento ao presente recurso …”.
Não se respondeu.
***
As questões a conhecer revertem para a admissibilidade da impugnação da deliberação da realização de obras de manutenção do edifício e da fixação do valor a suportar pelos condóminos, a exequibilidade do titulo, o momento de pagamento e a responsabilidade deste.

A matéria fáctica considerada assente na sentença:

“a) A exequente instaurou ação executiva, dando à execução a ata nº 15 de 23/9/2015, junta à contestação como documento nº 1 e cujo teor se dá por reproduzido e a ata nº 11, de 10/7/2012 peticionando, com base nas mesmas despesas com obras de conservação do prédio e o valor de €: 800 a título de “multa, para efeitos de pagamento de despesas e custos processuais, incluindo honorários de advogado, solicitador e administrador”.
b) Os Embargantes venderam a sua fração em 30 de janeiro de 2019, por escritura pública, a H. D. e a S. R., tendo, nessa data, os executados, subscrito a declaração de compromisso junta ao requerimento executivo como documento nº 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.”.
*****
O tribunal a quo decidiu que no âmbito destes embargos, considerando o decurso de tempo desde a deliberação aprovada na assembleia de condóminos de 23.09.2015 extratada na ata nº 15 a executar, não se lhe pode assacar as irregularidades que os recorrentes arguiram:

“A primeira questão que se coloca é a da alegada irregularidade das deliberações executadas e da ata nº 15.
No seguimento da jurisprudência dominante – veja-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4/6/2019 (processo nº 22996/17.3T8PRT-A.P1, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrp) – entendemos que caberia aos executados alegar e provar terem impugnado a deliberação, o que não sucede, pelo que não podem, por esta via, atacar a regularidade da mesma.”.
Os recorrentes persistem na sua posição inicial.
Entendem, por um lado, que a deliberação a executar padece de vícios internos, intrínsecos ou de formação tal como a insuficiência de quórum para ser aprovada, considerando a permilagem de cada uma das frações representadas nesse órgão deliberativo. Chamam atenção ainda para a circunstância de se declarar que foi aprovada por unanimidade e simultaneamente exarar-se que houve condóminos a votar contra os prazos de pagamento bem como, para a insuficiência de assinaturas em face das presenças representativas do capital investido.
Por outro lado, gizam uma irregularidade externa referente à sua invalidade ou ineficácia relativa por não terem sido convocados para a assembleia nem tido conhecimento do teor da ata.

Por isso concluem de forma singela que “jamais poderiam impugnar aquela deliberação antes pois dela nunca foram conhecedores” e, referindo-se ao artº 1433º do CC:
“A norma que determina que a ação para anular a deliberação tenha que ser proposta no prazo de 60 dias parte do pressuposto que todos os prazos anteriores foram verificados, designadamente que o condómino tenha conhecimento da deliberação, o que não é o caso dos autos, pelo que se impunha que o tribunal a quo conhecesse das nulidades invocadas.
A impugnação ou não da deliberação não contende com o alegado pelos Embargantes.”.

Diremos desde já, pese embora o disposto no artº 731º do CPC (parte final), que se impõe a nossa concordância com esta parte da sentença, na qual se seguiu a jurisprudência do acórdão citado a propósito:
“Importa, pois, apurar qual a atuação devida por parte do condómino que não concorde com a aprovação do Regulamento Interno e/ou que não tenha sido notificado das Atas da Assembleia de Condóminos.
Por falta de regulamentação específica a este respeito, deve entender-se ser aplicável a estatuição do n.º 1 do art.º 1433.º do Código Civil, a qual prescreve que “As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.”.
Acrescenta o n.º 4 que “O direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.”.
Tal como se refere na decisão recorrida, tem de considerar-se, na ausência de qualquer distinção na lei, que este normativo se aplica quer às deliberações inválidas em função do respetivo objeto (vício de conteúdo), quer às inválidas por virtude de irregularidades ocorridas na convocação dos condóminos (vícios de formação).
Por inerência, deve entender-se que quer a falta de convocatória de qualquer condómino para a assembleia, quer a aprovação do Regulamento de Condomínio em violação das disposições legais deverão ser impugnadas pelo condómino que se considere lesado.
Em face do exposto, entende-se, como na decisão recorrida, que, dependendo a nulidade da deliberação e a omissão de notificação de arguição, sob pena de se considerar o ato válido, recaía sobre os Recorrentes/embargantes o ónus de alegação e prova da impugnação das deliberações em causa, nos termos consagrados no indicado art.º 1433.º do C Civil.
Não tendo os Recorrentes diligenciado no sentido da impugnação de tais deliberações, deve considerar-se o Regulamento validamente aprovado e exequíveis as Atas que documentam as deliberações tomadas quanto à comparticipação de cada condómino nas despesas comuns e nas demais comparticipações aprovadas.
Dando como nossas as palavras de Marco Carvalho Gonçalves, “(…) a força executiva da ata não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade coletiva definida através da deliberação nos termos legais, exarada na ata.”.
Esta doutrina deve considerar-se aplicável mesmo nas situações em que não haja prova nos autos de que o condómino faltoso tenha efetivamente sido notificado do teor da Ata respetiva.
Na verdade, a redação inicial do n.º 2 do 1433.º do C Civil – correspondente ao atual n.º 4 do mesmo preceito - determinava que “O direito de propor a ação caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de vinte dias a contar da deliberação e, quanto aos proprietários ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação.”.
O D.L. n.º 267/94, de 25/10, introduziu a redação atualmente vigente, com duas relevantes alterações: alterou para 60 dias o prazo para os condóminos ausente impugnarem as deliberações, mas deixou de fazer referência à comunicação da deliberação como início de contagem do prazo da impugnação.
Esta alteração legislativa tem de considerar-se racional e deliberada.
Tal como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2001, tendo como Relator Araújo de Barros: “Em nosso entender, tais alterações têm um significado evidente: se, por um lado, o legislador, relativamente aos condóminos ausentes, alargou o prazo para impugnação das deliberações anuláveis de 20 para 60 dias, assim lhes concedendo uma maior dilação para poderem averiguar em concreto do teor das deliberações tomadas em assembleia geral (o que, em princípio, constitui um benefício para aqueles e se justifica em razão da ausência na assembleia), por outro lado quis tutelar a segurança e a operacionalidade das deliberações tomadas, impedindo que, devido a circunstâncias alheias (ausência em parte incerta) ou imputáveis aos condóminos ausentes (intencional impedimento da comunicação), estes se refugiem na alegação do desconhecimento do que se deliberou nas assembleias para, com base nesse fundamento, passados meses os anos, atacarem as deliberações tomadas ou dilatarem, com tal expediente, a realização de inovações, obras ou quaisquer outras diligências que afetariam todos os interessados e tornariam praticamente ingovernável o condomínio.”
Deve, portanto, considerar-se que o direito de os condóminos ausentes da assembleia geral impugnarem as deliberações nelas tomadas por contrárias à lei ou aos regulamentos, caduca no prazo de 60 dias contados sobre a data das deliberações, independentemente da sua comunicação.
Conclui-se, consequentemente, pela improcedência destes fundamentos de recurso.”.

Esta jurisprudência está na linha da consagrada no acórdão do TRL de 04.12.2017 (26113/15.6T8PRT-A.P1; sítio da dgsi), segundo o qual:

“Não quer isso, naturalmente, significar que o administrador do condomínio não esteja legalmente obrigado (cfr. arts. 1431º, nº 1 e 1432º, nº 1 do Cód. Civil) a convocar os condóminos para a respetiva assembleia e bem assim a comunicar ao condómino que nela não haja participado (pessoalmente ou por procurador) as deliberações que foram tomadas (cfr. art. 1432º, nº 6 do Cód. Civil).
No entanto, diversamente do que a recorrente preconiza, o citado art. 6º não estabelece o cumprimento dessas formalidades como requisito de exequibilidade, pelo que, mesmo em caso de inobservância das mesmas (o que, como resulta do quadro factual apurado, não se verificou na situação sub judicio), a ata não deixará de revestir força executória, restando ao condómino a possibilidade de neutralizar a exigência de pagamento das contribuições condominiais nela fixadas com fundamento na não exigibilidade da obrigação por ausência de notificação da deliberação. Porém, para poder, triunfantemente, invocar essa exceção torna-se mister que proceda à sua válida e tempestiva impugnação.
Ora, neste ponto, o decisor de 1ª instância entendeu que o prazo para essa impugnação já há muito havido decorrido quando foi proposta a ação executiva de que a presente oposição constitui enxerto declaratório, posto que o respetivo dies a quo ocorreu na data da tomada das deliberações.
Neste conspecto, não vislumbramos válido fundamento para divergir do entendimento adrede acolhido no ato decisório sob censura porquanto, conforme vem constituindo entendimento claramente maioritário na jurisprudência, o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no nº 4 do art. 1433º do Cód. Civil, de propositura das ações anulatórias a que se reporta o nº 1 do mesmo normativo, conta-se desde a data da deliberação mesmo para os condóminos ausentes.
Certo é que as deliberações constantes das atas que foram dadas à execução não foram impugnadas, designadamente pela ora apelante (já que disso não dá notícia), pelo que se tornaram juridicamente inatacáveis.
Consequentemente, por observarem os requisitos de exequibilidade legalmente exigidos, constituem título executivo contra qualquer dos condóminos que deixem de pagar as contribuições devidas ao condomínio e que foram alvo de aprovação, como é o caso da apelante.”.

E, como se expendeu também, no acórdão do STJ de 19.06.2019 (3125/17.0T8VIS.C1.S1, sítio da gsi):
“O tribunal recorrido entendeu que o prazo para intentar a ação de anulação se contava a partir da data da comunicação da ata da assembleia.
Para o efeito justificou a sua posição, começando por reproduzir o preceito legal (art.º 1433.º CC), para depois o interpretar.
Na interpretação efetuada considerou que, ao caso, seria aplicável o prazo previsto no n.º 4 do art.º 1433.º – tratar-se-ia de uma anulação, e não de uma declaração de nulidade – sendo que esta qualificação não vem contestada pelos interessados, nem é objeto do recurso do Ré, nem da A..
Em seguida analisou os factos provados – data da assembleia (inicial/suspensão/continuação), que conjugou com o facto provado de a A., convocada, não se ter feito representar, nem ter assistido à assembleia, em qualquer dos dias em que a mesma ocorreu. Porque a autora não esteve presente (facto provado n.º 13), considerou que a mesma tinha de ser notificada das deliberações aprovadas, nos termos do n.º 6 do artigo 1432.º, do Código Civil, onde se dispõe que «As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias». E porque estava provado que a autora fora notificada das deliberações por carta registada que recebeu no dia 16 de dezembro de 2016, seria nesta data que se iniciava a contagem dos 60 dias, que terminariam em 16 de Fevereiro de 2017. Adicionalmente, tomou em consideração que a A. pediu apoio judiciário – em 23 de janeiro de 2017 – e que, por causa desse facto, a ação ter-se-ia de considerar instaurada a 23 de Janeiro de 2017, quando ainda não tinha decorrido o prazo máximo para a sua instauração, não obstante a peça processual (PI) só ter dado entrada em juízo no dia 26 de Junho de 2017. Mais explicou que a decisão da 1ª instância tinha sido diversa – considerando-se ultrapassado o prazo – porque se desconhecia a data do pedido de apoio judiciário. Estando esta apurada, tal como se indicou, a conclusão teria de ser distinta: não tinha decorrido o prazo para a instauração da ação, cumprindo revogar a sentença nesta parte.
9.3. A decisão do Tribunal da Relação, na parte em que vem impugnada, não merece apoio da jurisprudência que tem sido proferida por este STJ, tal como invoca o recorrente.
Na primeira decisão que vamos indicar, encontra-se uma explicação clara do sentido da norma e do quadro evolutivo da legislação até se chegar à atual solução – com a qual se concorda. É também contestado, em termos que merecem apoio, a posição que defende uma solução diferente.
9.3.1. No Ac. do STJ de 3/10/2002, no proc. 02B1816[1], veio a dizer-se o seguinte:
“Entendeu-se no acórdão recorrido - em consonância com o decidido na 1ª instância - que, não tendo o autor, ausente da Assembleia Geral de 8 de Março de 1999, instaurado a ação nos 60 dias subsequentes à data das deliberações tomadas naquela, não foi respeitado o prazo consignado no art. 1433º, nº 4, do C. Civil, pelo que caducou o seu direito de as impugnar.
Sustenta, em contrapartida, o recorrente que tal caducidade não ocorreu, uma vez que o prazo de 60 dias a que se refere o nº 4 do art. 1433º só pode contar-se a partir da data da deliberação para os condóminos que tenham comparecido à assembleia e não para os condóminos ausentes, pois em relação a estes, esse prazo tem de contar-se a partir do conhecimento das deliberações (as quais têm que ser, por força do nº 3 do art. 1432º, comunicadas a todos os condóminos ausentes).

Quid juris?

Sob a epígrafe "Impugnação das deliberações" estabelece o art. 1433º que "as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado" (nº 1).
Acrescentando que "o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação" (nº 4).
Por seu turno prescreve o nº 5 do art. 1432º que "as deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes".
Consignando-se no nº 6 que "as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada, com aviso de receção, no prazo de 30 dias".
Divergem a jurisprudência e a doutrina acerca da interpretação daquele art. 1433º, nº 4, no que respeita à caducidade do direito de impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, nomeadamente quanto à necessidade ou não da sua conjugação com o nº 6 do art. 1432º.
Assim, entendem uns que todas as deliberações devem ser comunicadas aos condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias (e não apenas no caso das deliberações sujeitas a unanimidade de votos, tomadas sob condição de aprovação pelos condóminos ausentes), como resulta do nº 6 do art. 1432º em correlação com o nº 2 do art. 1433º, já que "aquele nº 6 é uma disposição genérica e não apenas complementar do nº 5. Em consequência, da falta de comunicação resulta o adiamento do início do prazo para propositura da ação de impugnação".
Como refere Sandra Passinhas "o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contado sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes".
Defendem outros a orientação diversa de que "atualmente os condóminos faltosos terão de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava".
É esta última, a nosso ver, a opinião que melhor se coaduna com uma interpretação historico-actualista, sistemática e teleológica (racional), onde se não esqueça a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº s 1 e 3).
Em primeiro lugar, a atual redação do art. 1433º, nº 4, adveio da publicação do Dec.Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, em correspondência com o seu anterior nº 2, que substituiu.
Este nº 2 prescrevia que "o direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de 20 dias a contar da deliberação e, quanto aos condóminos ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação".
Ocorrem, com o novo texto, duas sensíveis alterações: foi alargado de 20 para 60 dias o prazo para os condóminos ausentes impugnarem as deliberações; deixou, no entanto, de se fazer referência à comunicação da deliberação como início do prazo da impugnação, passando tão só a aludir-se à data da deliberação.
Se o legislador, sabendo que na redação anterior se referia expressamente a data da comunicação aos condóminos ausentes e, mesmo assim, resolveu excluir essa referência, certamente o fez consciente de que outro sentido se pretendeu.
Em nosso entender, tais alterações têm um significado evidente: se, por um lado, o legislador, relativamente aos condóminos ausentes, alargou o prazo para impugnação das deliberações anuláveis de 20 para 60 dias, assim lhes concedendo uma maior dilação para poderem averiguar em concreto do teor das deliberações tomadas em assembleia geral (o que, em princípio, constitui um benefício para aqueles e se justifica em razão da ausência na assembleia), por outro lado quis tutelar a segurança e operacionalidade das deliberações tomadas, impedindo que, devido a circunstâncias alheias (ausência em parte incerta) ou imputáveis aos condóminos ausentes (intencional impedimento da comunicação), estes se refugiem na alegação do desconhecimento do que se deliberou nas assembleias para, com base nesse fundamento, passados meses ou anos, atacarem as deliberações tomadas ou dilatarem, com tal expediente, a realização de inovações, obras ou quaisquer outras diligências que afetariam todos os interessados e tornariam praticamente ingovernável o condomínio.
É que os condóminos têm cada vez mais que se revelar como pessoas responsáveis e preocupadas com a resolução dos problemas que afetam o condomínio e, nessa medida, devem procurar estar ao corrente de todas as situações que lhe digam respeito.
Assim, ainda que não compareçam nas assembleias gerais (por não quererem ou não o poderem fazer - em todo o caso sempre se poderão fazer representar), desde que saibam da sua realização devem diligenciar por conhecerem o que foi deliberado e, caso não estejam de acordo, utilizarem rapidamente o direito de impugnação para não impossibilitarem, por largo tempo, a eficácia das deliberações tomadas.
Doutro passo, o argumento de que o nº 6 do art. 1432º é uma norma geral, de aplicação a todas as deliberações de condóminos, contende claramente com o elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, resulta do nº 5 do citado art. 1432º que as deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes, sob condição da aprovação dos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes (sublinhado nosso).
Ora, os números seguintes referem, precisamente, a necessidade de comunicação das deliberações a todos os condóminos ausentes (nº 6), a possibilidade de estes comunicarem à assembleia o seu assentimento ou a sua discordância (nº 7), a presunção que advém do silêncio dos ausentes (nº 8).
Desta forma, da inserção sistemática da norma do nº 6 do art. 1432º - colocada na sequência e regulamentando, de certo modo, o preceituado no nº 5 - deve concluir-se que a mesma se reporta tão somente às deliberações que têm que ser aprovadas por unanimidade dos condóminos.
Concluindo, face ao exposto, "o direito de os condóminos ausentes da assembleia geral impugnarem as deliberações nelas tomadas por contrárias à lei ou aos regulamentos, caduca no prazo de 60 dias contados sobre a data das deliberações, independentemente da sua comunicação".

9.3.2. Outras decisões deste STJ apontam no mesmo sentido:
- Ac. do STJ no proc. 416/07.1TBAMD.L1.S1, de 23/2/2010 – sem texto integral disponível – mas com o sumário:
I - A caducidade do direito de propositura da ação de anulação ocorre, no prazo de vinte dias, contado sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, no caso de a mesma não ter sido solicitada, no prazo de sessenta dias, indistintamente, quer para os condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da respetiva comunicação ao condómino não presente, traduzindo o objetivo do legislador em privilegiar os meios extrajudiciais ou parajudiciais de revogação das deliberações anuláveis, em detrimento da via da anulação judicial, propriamente dita.
II - Caducando o direito de anulação com o decurso do prazo de sessenta dias sobre a data da deliberação primitiva, renasce com a deliberação extraordinária, na hipótese de ser confirmatória daquela, o direito de o condómino lesado pedir a correspondente anulação judicial, e não já da deliberação primitiva, muito embora esta tenha o mesmo objeto daquela.
III - Apesar de o autor ter requerido a realização de uma assembleia extraordinária tendente à revogação das deliberações produzidas na assembleia primitiva, desatendida pelo administrador do condomínio, que a não convocou, o que deveria ter feito, no prazo de vinte dias, sem que o autor tenha interposto recurso desse ato do administrador para a assembleia de condóminos, confrontado com a sua não designação, a não ter optado pela via da arbitragem, deveria, então, ter proposto a ação anulatória, dentro do prazo legal dos sessenta dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade.
IV - O condómino, perante uma deliberação inválida ou ineficaz, que não mereça a sua aprovação, pode exercer três faculdades, ou seja, exigir do administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, no prazo de dez dias, sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem, no prazo de trinta dias, ou propor uma ação judicial de anulação da deliberação, no prazo de sessenta dias, a partir da data da deliberação primitiva.

- Ac. do STJ no proc. 99A1089, de 11-1-2000. Neste processo veio a dizer-se o seguinte:
“Por seu turno, o artigo 1433 prescreve no seu n. 1 que "as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado", acrescentando no seu n. 4 que o direito de propor a ação de anulação caduca, no caso de não ter sido solicitada assembleia extraordinária, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
11. Ora, compaginando a primitiva redação do artigo 1432 e 1433 com a nova, facilmente constatamos que, com o Decreto-Lei n. 267/94, o legislador introduziu alterações significativas, tanto no capítulo da convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, como no da impugnação das respetivas deliberações.
Assim, enquanto que, antes, se, nomeadamente, não comparecesse o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, havia sempre lugar à convocação de nova reunião dentro dos 10 dias imediatos (antigo n. 3 do artigo 1432), hoje, nessa eventualidade, não há lugar, como vimos, à convocação de nova reunião. Se a primeira convocatória for omissa neste especto, a nova reunião considera-se convocada para uma semana depois (atual n. 4 do artigo 1432).
Depois, quanto à caducidade do direito de propor a ação anulatória, deixou de distinguir-se entre condóminos presentes e condóminos ausentes.
No domínio do anterior n. 2 do artigo 1433, o prazo de caducidade era sempre de 20 dias, contando-se, no entanto, para os presentes, da deliberação e, para os ausentes, da comunicação da deliberação.
Agora, contudo, não tendo sido solicitada assembleia extraordinária, a caducidade do direito de ação de anulação opera, sempre, tanto para os condóminos presentes como para os ausentes -, no prazo de 60 dias contados da data da deliberação (vigente n. 4 do artigo 1433).
O que significa que, atualmente, como pondera Rui Vieira Miller, os condóminos faltosos terão "de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efetivamente designado" (cfr. "A Propriedade Horizontal no Código Civil", 3. edição, 1998, página 272) e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação. Não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava.”

- Ac. STJ no proc. 05B018, de 16-9-2004. Neste processo veio a dizer-se o seguinte:
“A questão a resolver é a de saber como se conta o prazo de caducidade, previsto no nº4 do artigo 1433 do Código Civil, da ação anulatória das deliberações das assembleias de condóminos contrárias à lei ou aos regulamentos (nº1 do mesmo artigo), proposta pelo condómino ausente (embora notificado para comparecer na assembleia).
A 1ª Instância e o voto de vencido do acórdão ora em apreço - na esteira dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 22/6/1999, CJ 1999 III-121 e do STJ, de 11/1/2000 - entendem que o prazo se conta a partir da data da deliberação impugnada.
Por sua vez, a tese que fez vencimento no acórdão sob recurso - estribando-se no acórdão do STJ, de 21/1/2003 e na opinião de autores como Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª edição, página 86 e Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos", página 241 - vai no sentido de que a contagem de tal prazo só se inicia a partir da comunicação da deliberação impugnada ao condómino ausente, feita nos termos do nº 6 do artigo 1432 do Código Civil.
Podemos desde já adiantar que propendemos para a primeira interpretação.
Como é sabido, a atual redação do artigo 1433 do Código Civil - aplicável ao caso -- foi-lhe dada pelo DL 267/94 de 25/10.
Na anterior redação, o nº 2 do referido artigo não deixava margem para dúvidas, ao prescrever expressamente que o prazo em causa se contava da comunicação da deliberação ao condómino ausente.
Numa interpretação literal, o correspondente número (o 6) do atual 1433 também não nos deixa margem de dúvida, pois que não faz qualquer referência a essa comunicação como início da contagem do prazo, fazendo apenas distinção entre os prazos para a propositura das ações - 60 dias para a anulação da primitiva deliberação e 20 dias para a anulação da deliberação da assembleia extraordinária.

Mas, para uma melhor apreciação, relembremos o teor dos 4 primeiros dos seis números do artigo 1433:
--«as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado» (nº1);
--«no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes» (nº2);
--«no prazo de 30 dias contados nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem» (nº3);
--«o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação» (nº4).
Como se vê pelas passagens a negrito e a itálico que tomámos a liberdade de utilizar, a lei faz iniciar a contagem do prazo para o condómino ausente requerer, quer a assembleia extraordinária, quer a intervenção do centro de arbitragem, da comunicação - que lhe deve ser feita, nos termos do nº 6 do artigo 1432 do Código Civil -- da deliberação impugnanda.
Mas - claramente - já não usa o mesmo critério relativamente ao prazo de caducidade das ações anulatórias.
Terá sido distração do legislador?
Ou foi caso pensado?
Se é certo que a interpretação da lei não deve ser meramente literal (nº 1 do artigo 9 do Código Civil), não é menos verdade que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo sempre de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nºs 2 e 3 do mesmo artigo).
Ora, tendo sido o legislador de 1994 tão minucioso nas alterações que introduziu ao regime da propriedade horizontal, através do referido DL 267/94, só se pode entender como sendo de caso pensado esta diferença de regime.
Então qual a ratio?
Cremos que, fundamentalmente, o desiderato de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou para judiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do artigo 1433.

Desse desiderato legal - embora perfilhando o outro entendimento sobre a contagem do prazo em análise - nos dá conta Aragão Seia, ob. cit., páginas 185/186:
--«Para obstar a recurso a tribunal, evitando o inconveniente de criar antagonismos entre os condóminos e de protelar no tempo a eficácia definitiva da decisão, permite-se no prazo de 10 dias "exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária"»;
--«Continuando a procurar evitar o recurso a tribunal permite-se que "possa sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.».
Este desiderato tem a sua plena expressão no caso de condómino ausente que só tenha tido conhecimento da deliberação através da comunicação a que alude o nº 6 do artigo 1432 e já depois de decorridos os 60 dias referidos no nº4 do artigo 1433, ou seja, sobre a data daquela, como diz a lei.

Neste caso e no nosso entender, porque já não pode intentar a ação anulatória dessa deliberação, para a revogar tem necessariamente de, nos respetivos prazos legais, recorrer:
--ou à assembleia extraordinária;
--ou ao centro de arbitragem.

E se, lançando mão da assembleia extraordinária, a respetiva deliberação lhe vier a ser desfavorável, ainda poderá recorrer aos meios judiciais, instaurando a respetiva ação de anulação desta deliberação extraordinária, no prazo de 20 dias, contados sobre ela, como permite o nº 4 do artigo 1433.
Nem se diga que esta interpretação que perfilhamos equivalerá ao renascimento de um direito caducado (Sandra Passinhas, ob. cit.).
É que, embora a deliberação extraordinária seja confirmatória da primitiva deliberação - sendo revogatória não há fundamento para a intervenção judicial, como é óbvio --, o objeto da ação de anulação é aquela e não esta.
O direito de anulação da primitiva deliberação morreu com o decurso do prazo de 60 dias - prazo este que, evidentemente, jamais poderá renascer.
O que nasce com a deliberação extraordinária é o prazo de 20 dias para o condómino ausente pedir a anulação judicial desta mesma deliberação e não da primitiva (não obstante esta ter sido objeto daquela).
Se o condómino ausente optar pelo recurso ao centro de arbitragem, precludirá o seu direito à ação anulatória, pois que a decisão arbitral tem, nos termos do artigo 26 da Lei nº31/86, de 29 de agosto, a mesma força e os mesmos efeitos jurídicos que uma sentença judicial.
Em suma, o condómino ausente nunca ficará cerceado no seu direito de recorrer aos tribunais para anular as deliberações das assembleias de condóminos que considere anuláveis à luz do nº1 do artigo 1433 do Código Civil.
Basta estar atento - como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da assembleia, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (nº 4 do artigo 1432 do CC) --, para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar e, por sua iniciativa (independentemente da comunicação que lhe deve ser feita nos termos do nº 6 do artigo 1432 do mesmo Código), tomar conhecimento do respetivo teor.
De qualquer forma, se não tiver esse cuidado e só vier a ter conhecimento da deliberação através da referida comunicação e depois de decorrido o prazo de 60 dias sobre ela, ainda assim lhe restará a possibilidade da sua (indireta) apreciação judicial, caso a assembleia extraordinária a que necessária e previamente terá que recorrer, nos termos legais atrás explanados - não a revogue.
Entendimento diverso - no sentido de a contagem do prazo de caducidade da ação anulatória se iniciar só com a comunicação nos termos do nº 6 do artigo 1432 do CC - propiciará o laxismo/absentismo e a indefinição das questões condominiais, ao contrário do que, naturalmente, é pretendido pela lei.
Nesta conformidade, concluindo-se, como se conclui, que o prazo de caducidade de 60 dias a que alude o nº 4 do artigo 1433 do Código Civil se conta a partir da data da deliberação, mesmo para os condóminos ausentes, considera-se caducado o direito da autora/recorrida de propor a presente a ação, uma vez que esta foi instaurada em 11/7/2002 e a assembleia de condóminos onde foram tomadas as deliberações anuladas teve lugar em 5/3/2002.”
9.4. A interpretação adotada pelo STJ veio mesmo a ser analisada pelo Tribunal Constitucional, que veio a decidir, no Processo n.º 441/2010, de 9 de Dezembro de 2010, em que foi Relator o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, o seguinte:
“(…) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1433.º, n.º 4, do Código Civil, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar ação de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente.”.
9.5. Ainda que se afigure importante o argumento retirado do art.º 329º do Código Civil, apresentado pela A./recorrida, segundo o qual o prazo de caducidade apenas pode começar a contar quando o direito puder ser legalmente exercido – o que no caso em apreço significa que apenas começaria a contar quando as deliberações da assembleia chegassem ao conhecimento dos condóminos, não deixa de se considerar que o mesmo não tem a virtualidade de alterar a posição que vem sendo seguida, por contra ele se poderem invocar os contra-argumentos indicados nos acórdãos indicados, a que se adere, e que se sobrepõem.
A interpretação indicada é a que mais se adequa à interpretação do art.º 1433.º do CC, à luz dos critérios de interpretação do art.º 9.º do CC – à luz da evolução legal e do contexto da solução no seio do sistema jurídico e das soluções consagradas quanto à necessidade de comunicar aos condóminos o teor das deliberações adotadas.
O argumento da recorrida constante da conclusão II, perante os factos provados e decisões judiciais já transitadas em julgado, não poderia proceder. É que veio já decidido que o tipo de vício que poderia estar em causa nos presentes autos seria apenas a anulabilidade (e não a nulidade – caso em que poderia fazer sentido o condómino ter de ser notificado do teor da ata para poder saber que a mesma conheceu de assunto para o qual não estaria convocada a assembleia, questão que também aqui não vai ser analisada).
Os argumentos apresentados pela recorrida nas conclusões IV a VII, não tendo sido interposto recurso subordinado e não havendo sido solicitada a ampliação do objeto do recurso, não delimitam o objeto do recurso, pelo que o Tribunal não tem de analisar a relevância da questão que aí se encontra implícita, por a parte se ter conformado com a anterior decisão judicial que a resolveu, não interpondo o correspondente recurso. Tal não significa que o argumento não foi tido em consideração, mas apenas que, no quadro do objeto do recurso, tal como delimitado pelas conclusões do recorrente, tal questão não se apresenta como suscetível de modificar a posição do tribunal sobre a caducidade do direito de impugnar a deliberação/deliberações dos condóminos.

9.6. Considerando que, in casu:
- A 02/11/2016 reuniu a assembleia em segunda convocatória – se lhe acrescentarmos os referidos 60 dias para impugnar a deliberação, concluir-se-ia que, no máximo, a ação teria de ser proposta até 2/1/2017 (60 dias).
- A 17/11/2017 reuniu a assembleia após suspensão dos trabalhos em 2/11/2016 –– se lhe acrescentarmos os referidos 60 dias para impugnar a deliberação, concluir-se-ia que, no máximo, a ação teria de ser proposta até 17/1/2017 (60 dias);
- Acão foi considerada proposta a 23/1/2017;
é forçoso concluir que, em qualquer caso (quer o prazo se contasse desde 2/11, quer desde 17/11), nesta data (23/1/2017) o prazo de 60 dias estabelecido no referido artigo 1433.º, n.º 4 do Código Civil estava ultrapassado.
Assim, a ação foi proposta quando a A. já não era titular do direito de impugnar a deliberação social aprovada em qualquer das datas, pelo que não assistiu razão à Relação, impondo-se revogar a decisão recorrida na parte em que aí se decidiu:
2 – Revoga-se a sentença quanto à decisão que julgou caduco o direito de instaurar a ação.
3 – Anulam-se as deliberações tomadas na ata n.º 13 identificada nos factos provados na parte em que a assembleia:
«a) Elegeu a ré X, Lda., pelo período compreendido entre dezembro de 2016 e Novembro de 2017;
b) Aprovou o orçamento constante dessa ata;
c) Conferiu poderes ao legal representante da ré X para livremente movimentar as contas bancárias existentes, podendo até encerrá-las e abrir novas contas onde entender».
4 – Condenam-se os Réus a restituir ao condomínio o acesso às contas bancárias e todos os documentos propriedade do condomínio, nomeadamente livros de atas e livros de recibos, e tudo quanto seja propriedade do condomínio e esteja em posse dos Réus.”.

Por último, temos que o próprio relato dos factos pelos apelantes no recurso não exclui que até à propositura da execução tiveram conhecimento do deliberado em si e até da ata onde se encontra extratado e, ao fim ao cabo, do ocorrido na respetiva assembleia: “Os Embargantes não foram convocados para a assembleia realizada em 23.09.2015, que dá origem à ata n.º 15 usada como título executivo, nem foram notificados das deliberações aí tomadas.”.
Aliás, se na petição inicial chegam a alegar quanto ao teor da ata que “só com a presente ação …tiveram conhecimento”, isso não exclui que não tivessem tido conhecimento da deliberação que se executa por outra forma como seja através do recebimento da carta que mencionaram: “Os Embargantes tiveram conhecimento, em finais de Dezembro de 2019, através de uma carta do Ilustre Mandatário do Exequente, que havia um valor em dívida da sua responsabilidade, tendo anexo apenas uma Nota de Débito, sem qualquer outro documento – Cfr. Doc. 1.” e “…vieram posteriormente a saber, através de ex-vizinhos, moradores do prédio em causa, que o condomínio andava a tentar cobrar aos mesmos um valor para obras, designadamente reparação da fachada e substituição do telhado.”. Nem explicitam, por exemplo, o momento e o modo como tiveram conhecimento da ata nº 18 de 03.10.2018 que invocaram.
Como de resto não poderia deixar de acontecer para quem vive num condomínio ou detenha efetivos interesses patrimoniais relativos à dominialidade das frações que o compõe.
Essa pessoa sabe que a vida em propriedade horizontal exige responsabilidades para com os seus compartes e não desconhece que deve ser realizada anualmente assembleia ordinária (artº 1431º do CC), pelo que tudo isso impõe uma proatividade na aquisição de conhecimentos como aquele que aqui está em causa.
Ademais existindo um livro de atas como também é referido pelos recorrentes e haver mais uma razão para estarem obrigados a esse conhecimento: pretendiam alienar a fração e ao fazerem-no quereriam definir o conteúdo do documento particular da sua autoria, junto pelo recorrido com o requerimento executivo não tendo sido impugnado.
É um documento assinado na mesma data do contrato de compra e venda e é intitulado como declaração de compromisso no qual os recorrentes se comprometem a assumir todas as despesas, “cotas extras” e outros valores referentes ao condomínio e à fração em causa até à data do contrato, o que indubitavelmente só pode significar que alienantes e adquirentes estavam a prever também o encargo que está a ser debatido e não apenas o “pagamento das suas obrigações referentes a quotas e seguros” como se alega na petição de embargos.
Numa fase de transição dominial em que cada um dos outorgantes tenta salvaguardar ao máximo os seus próprios interesses o contrário, pois, é que não seria de esperar.
Daí que os recorrentes não possam agora prevalecerem-se do eventual alheamento em que se pretendem agora colocar.
Depois, em face da obrigação fixada pela deliberação o tribunal a quo menciona que a matéria relacionada com a falta de realização de obras também estava excluída dos fundamentos dos embargos.
Insurgem-se os recorrentes por considerarem que a deliberação “deixou de ter força executiva por força de novas deliberações tomadas que tornaram inútil e inviável a deliberação anterior” pelas quais “foram aprovados novos orçamentos, os últimos dos quais, aliás, já não eram os … proprietários da fração”, “Não foram executadas as obras previstas na deliberação em causa” e “As obras que foram executadas, após a alienação da fração …, foram efetuadas com base numa outra deliberação e em desconformidade com o aprovado”.
Para o efeito mencionam o deliberado em 03.10.2018 pela assembleia, constante da ata nº 18: “a administração informou os condóminos, que a empresa a quem tinha sido adjudicada a obra do telhado e das fachadas, informou que não poderia realizar os trabalhos uma vez que a inflação e o acréscimo de trabalho que surgiu durante estes dois anos de espera os impossibilitam de assumir a obra, ficando deliberado a administração de pedir cotação a outros fornecedores. Foi deliberado por todos os presentes avançar com a obra do telhado, e adjudica-la ao O. L. pelo mesmo valor (…) Relativamente à obra de manutenção da fachada, os presentes deliberaram unanimemente recorrer a um gabinete de engenharia para ser efetuado um estudo de patologias do edifício…”.
Tal como na assembleia que decorreu em 25.06.2019 (ata nº 19): “(…) apenas ficou deliberado que se irá realizar uma assembleia extraordinária para apresentar e aprovar orçamentos (…)”.
Por isso concluem também que “face a estas deliberações posteriores à deliberação constante da ata dada à execução, parece que aquela primeira deliberação deixou de produzir efeitos, pois não foram realizados os trabalhos nela previstos, da forma, pelo preço e pelo empreiteiro ali aprovados”.
Recorde-se que segundo a ata dada a execução a deliberação constituiu a obrigação de cada condómino suportar a sua quota-parte das obras denominadas de manutenção relativamente às fachadas e ao telhado do edifício. Obras essas que foram orçamentadas por um dado valor que foi aprovado (114.631,64€), para além dos custos de engenharia relacionados com projetos licenciamento, acompanhamento de fiscalização de obra, coordenação e segurança da obra, livro de obra e ocupação de via pública. Foi também aprovado que o início da obra ocorreria em meados de março de 2018 e os condóminos deviam proceder a 24 pagamentos mensais, ainda que ficando com 28 meses para esse pagamento a partir da data da assembleia (23.09.2015). Mais ainda foi aprovado que as obras apenas teriam o seu início se, entretanto, a administração tivesse na conta do condomínio a totalidade do montante aprovado, sendo que aos recorrentes pertenceria pagar 5402,10€.
O que daqui resulta de imediato é uma obrigação certa, exigível e líquida, as principais características de um titulo executivo, mediante um documento ao qual é atribuída legalmente força executiva (artº 703º, nº 1, 713º do CPC e 6º do DL 268/94, de 25.10).
Segundo o último preceito, no seu nº 1, “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”).
Ou seja, as atas de assembleias de condóminos são títulos executivos desde que nelas conste: uma deliberação aprovando o montante das contribuições, ou de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, ou de serviços de interesse comum que não devam ser suportados pelo condomínio; a fixação da quota-parte devida por cada condómino; e o prazo de pagamento respetivo.
A partir daí constituiu-se um direito de crédito.

No caso sub judice, este está quantitativamente individualizado e determinado. Não depende de qualquer interpelação do devedor (artº 771º, nº 1 do CC) e também, quando ao seu cumprimento, não está dependente de qualquer condição de facto ou de tempo, nomeadamente por depender de certo prazo ou termo inicial, ou de alguma condição suspensiva, ou do adimplemento do contrato, por parte do credor.
Por seu turno, o condomínio não está vinculado a uma contraprestação a efetuar simultaneamente.
Daí decorre, portanto, que a obrigação do condómino, ao contrário da do condomínio, não está sujeita a qualquer condição suspensiva ou resolutiva (artº 270º do CC).
A presunção da existência e preexistência do crédito de forma alguma consegue ser ilidida pelo demais deliberado nas assembleias posteriores ao ponto de se poder assentar a ideia que a ata º 15 nesta matéria deixou de ter força executiva, estando-se perante um título inexequível
Com efeito, com as deliberações de 03.10.2018 permanece todo o programa contratual no que aos condóminos está reservado embora tenha sido concedido que até 31.01.2019 os condóminos teriam que pagar ao menos metade do valor orçamentado por outra empresa no que concerne às obras no telhado, na medida em que o condomínio foi confrontado com dificuldade inelutável a exigir a necessidade do concurso de outro prestador de serviços. Tudo continua a compaginar-se com o inicialmente deliberado de se querer assegurar liquidez de tesouraria para suportar os custos e afastar o condomínio de qualquer tipo de responsabilidade perante empreiteiro que, por sua vez, poderia recair de novo sobre os condóminos.
E o mesmo se pode concluir do deliberado na assembleia de 25.06.2019 em que apenas se perfilha a realização de uma assembleia extraordinária para apresentação por uma ainda outra entidade de orçamentos relativamente às fachadas e sua aprovação.
Os condóminos mantinham-se vinculados à obrigação decorrente da primeira deliberação.
Ao alegado a propósito não se pode atribuir também natureza modificativa ou extintiva da obrigação decorrente da deliberação da primeira assembleia.
Carece, assim, de qualquer cabimento na previsão do artº 729º do CPC e na ultima parte do disposto no artº 730º do CPC.
Propendemos, pois, a considerar que tal ata continua a ser título executivo bastante.
Por fim, obviamente os recorrentes são contra a sua responsabilização pelo pagamento dos montantes peticionados, sendo antes essa responsabilidade dos adquirentes da fração.

Decidiu o tribunal a quo:
“Isto posto, e no que tange à legitimidade passiva dos executados, face à venda da fração, importa considerar que as despesas de conservação das partes comuns do edifício e as orçamentadas para os serviços de interesse comum e seguro são pagas pelos condóminos na proporção do valor das suas frações (cfr. art.º 1424º, nº 1 do Cód. Civil), ficando as despesas com as inovações a cargo dos condóminos nos termos fixados pelo artigo 1424.º (cfr. art.º 1426º, nº1 do Cód. Civil).
Tal como defendem os Embargantes/Executados, a obrigação de contribuir para as despesas do condomínio deve ser qualificada como situação jurídica proper rem, porquanto a titularidade de tal obrigação determina-se indireta e mediatamente, pela simples circunstância objetiva da propriedade da fração (a lei fala constantemente em encargos e obrigações do condómino, fazendo derivar a sua titularidade daquela qualidade; é a determinação mediata do sujeito da situação jurídica, característica das situações proper rem) e tal obrigação é inseparável da fração e transmite-se, automaticamente, com esta, isto é, aquele que adquirir a fração adquire a obrigação (o direito acompanha a coisa, em consequência direta da característica acima assinalada e em clara emanação da natureza real desta figura). Para além disso, nos termos do art. 1428º, nº 3, do Cód. Civil, cedendo (ou sendo expropriado) da propriedade da fração, o proprietário liberta-se da obrigação.
Existindo alienação da fração autónoma por parte de um condómino após deliberação da Assembleia de Condomínio a aprovar a realização de obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício, mas antes de ser devido o pagamento pelo respetivo condómino da parte que lhe compete nas obras, entende a jurisprudência, à qual aderimos, que caberá ao novo condómino a liquidação da quota-parte do pagamento da obra, salvo se outro for o acordado entre os novos e antigos condóminos.
Como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-02-2006 (processo nº 364/2006-6, acessível em www.dgsi.pt/jtrl) “A obrigação de contribuir para as despesas, devidas por obras de conservação e fruição das partes comuns do edifício em propriedade horizontal é uma obrigação que recai sobre aquele que for titular da fração integrada no condomínio no momento em que haja lugar ao pagamento da parte do preço que caiba efetuar para a realização das aludidas obras. Poderá suceder, entre outras hipóteses que não interessa considerar, que entre a deliberação de realizar as obras e a conclusão da respetiva empreitada, mas antes de determinado condómino pagar a parte que lhe compete, proceda este condómino à transmissão da sua fração. Se assim suceder, e salvo acordo em contrário entre vendedor e comprador ou compromisso do vendedor, será o novo condómino o responsável pela liquidação da parte do preço imputado à fração de que é titular. Isto porque se considera que esta obrigação “propter rem”, tem como característica a “ambulatoriedade”, no sentido de que a transmissão do direito real de cuja natureza a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular.”.
No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, afirmando que “Nos casos figurados está em causa, segundo parece, o pagamento integral do custo da obra; será suportado pelo alienante se a obra já estiver efetuada; será suportado pelo comprador não estando a obra realizada. As despesas já efetuadas, tanto para os fins indicados no artigo 1411.º/1 ou 1424.º/1 do Cód. Civil não são ambulatórias, correm pelos proprietários que o eram quando foram contraídas; as despesas não efetuadas correm por conta do adquirente, são ambulatórias”. (Processo 10076/03.3TVLSB.L1.S1, Acórdão de 08-06-2017, acessível em www.dgsi.pt/jstj).
É certo que ambos os arestos referem a conclusão da obra. Porém, considerando a forma de funcionamento das administrações de condomínio (e as mais do que conhecidas dificuldades com que se deparam os administradores para reunir as quantias necessárias à realização de obras muitas vezes urgentes e imprescindíveis), é normal – e no caso tal sucedeu – que se estabeleçam prazos de pagamento que terminam antes do início das obras.
Tal destina-se a evitar que, começadas as obras, se veja a administração sem fundos para a terminar, arriscando além disso, a penalização por banda dos fornecedores contratados.
Assim, o que releva para se apurar da responsabilidade do condómino anterior ou presente prende-se com a data em que se venceu a última prestação fixada e que, no caso, ocorreu em 31/10/2017, ou seja, quando eram os executados os proprietários.
Tanto basta para entendermos que eram – como foram – estes que deviam ser demandados para pagamento da quantia respetiva.
Não fosse assim e estaria encontrada a forma de se eximirem os mesmos do pagamento de quantia que há muito eram devedores.”.
Existe um erro patente da sentença quando fixa o vencimento da última prestação. Alude-se a 31.10.2017 quando seria em janeiro de 2018.
Os recorrentes alegaram que vendendo a fração em 30.01.2019 e não estando realizadas nessa data as obras, dada a natureza “proper rem” da obrigação a mesma recairia sobre os adquirentes que até estiveram da assembleia citada de 05.06.2019.
É certo que foi junto o aludido documento particular pelo recorrido da autoria dos recorrentes, com a mesma data do contrato de compra e venda e intitulando-se como declaração de compromisso.
No entanto estamos perante uma obrigação ex lege, pelo que ao nível do enquadramento jurídico que ora se efetua para se determinar a quem pertence a obrigação pelo pagamento da quantia respeitante às obras após a alienação da fração, perante o condomínio, tal documento e as consequências jurídicas que dele se devem extrair, não relevam. A respetiva relevância ocorre apenas no plano das relações entre os declarantes e os destinatários da declaração.
Para além são obras, como vimos e segundo se extrai da ata nº 18, só se concretizariam parcialmente (telhado) a partir de 31.01.2019 (na contestação refere-se: “A obra de substituição do telhado realizou-se em setembro de 2019 e foi realizada de acordo com o que foi apresentado no orçamentado por parte da empresa Serralharia O. L., Unipessoal, Lda”), altura em que deveria estar pago metade do valor respeitante a essa parte orçamentada, ficando a realização das obras da fachada ainda para depois, como resulta não só dessa ata como da ata nº 19, em que cuja assembleia já participaram os adquirentes da fração, sendo que na contestação nada se refere respeitante ao início dessa realização.
São obras de monta, indiciadores de impacto de requalificação do prédio de que os recorrentes em nada beneficiarão, ao contrário, naturalmente, dos adquirentes.

Nestes termos, apesar de sermos sensíveis à circunstância que norteou o tribunal a quo para decidir pela responsabilidade dos recorrentes (data em que se venceu a última prestação), certo é que aderimos à jurisprudência citada pelos recorrentes (acórdão do TRP de 10.07.2019; 3526/16.0T8MAI-A.P2; sítio da dgsi), a qual reflete que a obrigação pode revestir a característica da ambulatoriedade ou não, e, em todo o caso, é problema de difícil solução, a merecer ponderação casuística:

“O artigo 1424.º, nº1, do Código Civil estatui:
“Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.

No caso em apreço estamos perante despesas relativas a realização de obras nas partes comuns do edifício em que se integra a fração em causa, ou seja, estamos perante uma típica obrigação ob rem ou propter rem, sujeita, portanto, ao regime das obrigações reais.
Na lição do Prof. Antunes Varela, a obrigação diz-se real quando é imposta em atenção a certa coisa, a quem for titular dela e isto porque, “dada a conexão funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do obrigado é determinada através da titularidade da coisa”.
A obrigação existe por causa da res, sendo “obrigado quem for titular do direito real, havendo assim uma sucessão do débito fora dos termos normais da transmissão das obrigações”.

A mesma ideia é também salientada, com toda a minúcia, por Manuel Henrique Mesquita, na procura da sua caracterização: “Trata-se de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra (titular ou não, por sua vez, de um ius in re) à realização de uma prestação de dare ou de facere”.
O pagamento de despesas resultantes do uso das partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal foi, aliás, com toda a profundidade, objeto de estudo e de análise por parte deste último civilista coimbrão na obra citada na nota 4.
Todavia, a maior dificuldade está em saber, ao certo, que tipos de despesas estão em jogo: despesas normais, correntes, ou despesas resultantes de reparações estruturais, de grande monta.
A dificuldade ainda se adensa mais em relação a estas últimas, perspetivando-as no caso de venda de frações, se equacionarmos o problema da justiça da solução a encontrar, para se saber se as mesmas devem ser postas a cargo do adquirente ou do alienante.
No fundo, trata-se aqui, analisando o caso concreto, podermos chegar à conclusão de que a obrigação em causa (de pagamento da quota-parte) reveste a característica da ambulatoriedade ou não, problema este de difícil solução, a merecer ponderação casuística, como enfatiza o indicado Professor Henrique Mesquita em referência que põe a nu a seguinte realidade: “ (…) a ambulatoriedade não é inerente ou característica essencial de todas obrigações propter rem, no sentido de que a transmissão do direito real de cujo estatuto a obrigação emerge implica automaticamente a transmissão desta para o novo titular do uis in re. Se há obrigações em que essa ambulatoriedade se impõe, outras existem, pelo contrário, que devem considerar-se intransmissíveis, por ser essa a solução que melhor se harmoniza com os vários interesses a que importa conferir tutela adequada”.
Ideia com a qual estamos de acordo e que revela a grande preocupação de encontrar a solução justa a partir do caso concreto, e não partindo de pré-juízos puramente conceituais e desfasados da realidade.

Ora, o Prof. Henrique Mesquita, no sentido de encontrar um critério geral que permita todos os casos em que o problema se possa colocar, defende as seguintes soluções:

a)- Devem considerar-se ambulatórias todas as obrigações reais de “facere” que imponham ao devedor a prática de atos materiais na coisa que constitui objeto do direito real (ilustrando depois esta solução como alguns exemplos);
b)- Devem considerar-se não ambulatórias todas as demais obrigações “propter rem”, com exceção daquelas cujos pressupostos materiais se encontrem objetivados na coisa sobre que o direito real incide;
c)- (…).

No âmbito das não ambulatórias este professor ilustre com o exemplo da obrigação de os condóminos de edifícios em regime de propriedade horizontal pagarem, proporcionalmente ao valor das respetivas frações autónomas, a parte que lhes couber nas despesas, já efetuadas, para os fins indicados no nº 1 do artigo 1424.º do C.Civil (despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum).
Adverte, porém, o mesmo mestre, que importa observar, que no campo das obrigações que não vinculam o devedor propter rem a praticar atos materiais na coisa que constitui o objeto do direito real, são concebíveis situações em que a ponderação dos interesses em jogo impõe que a dívida se transmita juntamente com o direito real de cujo estatuto emerge.

E para ilustrar esta situação dá o seguinte exemplo:
“Suponhamos que o telhado de um edifício em regime de propriedade horizontal foi danificado por uma intempérie e que o administrador do condomínio concluiu (…) um contrato de empreitada que tem por objeto as obras de reparação a que é necessário proceder. Suponhamos, ainda, que antes de os condóminos pagarem a parte que lhe compete no preço da empreitada a executar um deles vende a sua fração autónoma.
Sendo inquestionável que a obrigação propter rem já existia à data da alienação, importa decidir se ela se transmite para o adquirente ou se, pelo contrário, continua a ter como devedor o alienante.”
Ora, nestes casos refere o ilustre Prof. que, a solução mais razoável é a da ambulatoriedade da obrigação real.
Efetivamente, refere “Pelo que respeita ao alienante, com efeito, não se justifica que ele tenha de contribuir para uma despesa de que nenhum proveito lhe poderá resultar, uma vez que a sua soberania sobre o prédio terminou. Mas já pelo que respeita ao adquirente, há todas as razões para o sujeitar ao pagamento, quer porque é ele que vai beneficiar da despesa em questão, quer porque a necessidade de proceder à reparação no telhado ter-se-á refletido na determinação do preço da fração autónoma, quer ainda porque ele dispunha objetivamente, de todos os elementos para conhecer o encargo a que os condóminos estavam expostos, bastando-lhe, para tanto, confrontar o estatuto do condomínio com a situação em que se encontra uma das partes comuns do edifício.
Mas os dados do problema mudam radicalmente se à data da alienação da fração autónoma, o telhado do edifício se encontra já reparado, não tendo ainda o alienante cumprido a sua obrigação (obrigação propter rem) de contribuir, na parte que lhe competia, para as despesas efetuadas. O adquirente não dispõe agora de quaisquer elementos objetivos que denunciem a existência da obrigação”.
Conclui, assim, aquele Professor, que devem, por conseguinte, “considerar-se ambulatórias, não só as obrigações propter rem que imponham a prática de atos materiais na coisa sobre que incide o direito real, como ainda todas aquelas cuja existência seja denunciada ou indiciada pela situação em que a coisa ostensivamente se encontre”.
*
Também a nossa jurisprudência não tem sido unânime no tratamento dado à questão.
Efetivamente, tem sido constante a dualidade de respostas dadas ao problema da alienação de fracções com dívidas ao condomínio.
Há acórdãos em que se afirma, perentoriamente, que a responsabilidade por tal pagamento continua a incumbir aos alienantes e acórdãos em sentido diametralmente oposto.

Na essência, a nossa jurisprudência tem afirmado que as obrigações contidas no disposto no artigo 1424.º CCivil são obrigações propter rem, ou seja, obrigações do titular do direito de propriedade, seguindo, no entanto, duas correntes opostas:
- A primeira tem entendido que, apesar de se tratar de típicas obrigações propter rem, não têm uma das suas características definidoras, que é a ambulatoriedade.
Comportam as obrigações que decorrem do uso normal do bem, em que o pagamento do condomínio é a contrapartida disso, de forma a fazer face às despesas com a limpeza das partes comuns, manutenção geral e custos de administração. O mesmo não sucede com as obrigações que implicam melhorias, alterações ou reparações, em que é o novo proprietário a tirar proveito delas, mesmo tendo sido o anterior proprietário a deliberar e aprovar as mesmas em assembleia de condóminos;
- A segunda, por seu turno, entende que toda e qualquer obrigação propter rem tem como característica a ambulatoriedade. É essa, até, a sua principal característica, a par da sua titularidade ser definida pela titularidade do direito real.
O proveito é, também, tendo em conta a análise jurisprudencial, um pormenor importante quando se pretende aferir da responsabilidade no pagamento.
Nesta senda, acórdãos existem que entendem que a obrigação de pagamento das despesas de condomínio não se deve transmitir para o novo adquirente de determinada fração, pois não será justo onerar o novo proprietário com uma despesa que teve a sua origem na utilização de um bem – durante um período de tempo diversos por outra pessoa (o anterior proprietário). O anterior proprietário foi quem fruiu da fração durante o período que originou as despesas em causa pelo que deve ser dele a responsabilidade pelo seu pagamento.
Em diferente sentido o Ac. esta Relação de 07/07/2016 que entende que relativamente ao pagamento de despesas extraordinárias – reparação de elevadores ou reabilitação do prédio em que ocorreu no momento que mediou entre a deliberação de realizar essas obras e a conclusão da respetiva empreitada uma transmissão de uma fração por um determinado condómino, aqueles custos, salvo acordo em contrário, devem ser suportados, na proporção correspondente, pelo novo condómino tendo em conta que será este a retirar proveito do gozo do bem ao qual foi incorporada aquela beneficiação.
*
Postos estes considerandos e descendo ao caso concreto cremos, salvo o devido respeito, que a respostas para a questão colocada no recurso não pode ser a que ditou a decisão recorrida.
Analisando.
Como resulta do quadro factual as obras comuns a realizar no edifício em questão diziam respeito realização de obras de conservação e manutenção nas fachadas, cobertura e garagem do edifício [cfr. al. b) da fundamentação factual].
Vem também demonstrado nos autos que as obras ainda não se tinham iniciado aquando da transmissão da fração (esta ocorrida em 09/01/2014), tendo as mesmas decorrido entre maio de 2014 e Junho de 2015 [cfr. al. h) da fundamentação factual].
Importa ainda realçar que o que foi aprovado na Assembleia Geral com data de 18/04/2013 foi um dos quatro orçamentos apresentados para a realização das referidas obras, sendo que, o valor orçamentado e aprovado foi distribuído por todas as frações em função das respetivas permilagens.
Portanto, tendo nessa data sido apenas aprovado o orçamento, a adjudicação da obra ao empreiteiro em causa teve que ocorrer, forçosamente, em momento temporal para lá da data em que aquela Assembleia teve lugar.
Daqui resulta que a transmissão da fração operou-se numa altura em que determinados partes comuns do prédio careciam de obras de conservação, pelo que, a regra (tradicional) de que obrigação propter rem, neste caso, de cada condómino contribuir, proporcionalmente ao valor da respetiva fração autónoma, para as despesas de conservação de uma parte comum do edifício se transmite juntamente com o direito real não pode suscitar, aqui, qualquer dúvida, pois o adquirente da fração autónoma dispunha objetivamente de todos os elementos para se aperceber da existência da obrigação, bastando-lhe para isso, confrontar a situação material da coisa com o regime legal do condomínio.
Na verdade, qualquer titular do direito real está sujeito às vinculações e encargos decorrentes do próprio estatuto, sendo que, no caso esse estatuto diz que cada condómino deve contribuir, em proporção do valor da respetiva fração autónoma, para as despesas de conservação das partes comuns do edifício (cfr. artigo 4º do Regulamento).
Como assim, carecendo o edifício em causa, à data da transmissão da fração autónoma, de obras de reparação das coberturas e das fachadas, o adquirente não podia ignorar o encargo a que ficava sujeito, pelo que, a transmissão não o colhe de surpresa, é um efeito jurídico com que ele devia contar, pois que, decorre direta e imediatamente da aplicação da lei às condições objetivas ou materiais que o edifício se encontrava à data da alienação.
Nenhuma razão se divisa, portanto, para que a obrigação propter rem não vincule o adquirente da fração autónoma e para que o alienante não fique dela liberto cfr. Henrique Mesquita, que defende nestes casos que “a solução mais razoável é a da ambulatoriedade da obrigação real”.
Acresce que, não se descortina, neste caso, qualquer justificação em termos de justiça distributiva para que, a apelante, na qualidade de alienante, tenha de contribuir para uma despesa de que nenhum proveito lhe poderá resultar, uma vez que a sua soberania sobre o prédio terminou.
Mas já pelo que respeita ao adquirente, há todas as razões para o sujeitar ao pagamento, porque é ele que vai beneficiar da despesa em questão.
É certo que a embargante pretendeu fundar a sua irresponsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda referente às quotas de obras, no facto de ter vendido o imóvel de que era condómina, sendo a venda efetuada por valor inferior ao inicialmente fixado por o comprador ter assumido que pagaria o valor das obras não tendo, todavia, logrado provar essa factualidade [cfr. pontos 1. a 3. do elenco dos factos provados].
Acontece que, essa não prova, em nada muda os dados do problema.
O devedor, na relação estabelecida, é determinado não pessoalmente (em função da pessoa), mas realmente, ou seja, pela titularidade do direito real sobre a coisa.
As obrigações referidas no artigo 1424.º CCivil constituem exemplo típico de obrigações propter rem. O citado artigo prevê a obrigação de todos os condóminos contribuírem com a sua quota-parte para a conservação e administração das partes comuns. As partes comuns, são uma das características definidoras do regime da Propriedade Horizontal e, por isso, são indissociáveis da titularidade de uma dada fração, pelo que o proprietário desta está adstrito ao cumprimento das obrigações previstas no citado inciso.
Atendendo à natureza jurídica e às características da obrigação em causa, a transmissão da obrigação acontece automaticamente com a transmissão do imóvel.
Se a obrigação de pagar as despesas do condomínio é uma obrigação propter rem, o obrigado determina-se em função da coisa e não, intuitu personae, pelo que dúvidas não podem subsistir quanto a quem deve estar adstrito ao cumprimento da aludida obrigação.
Independentemente de se considerar que o vendedor pode ser (também) responsabilizado por tal pagamento (nomeadamente ao nível das relações internas– comprador/vendedor), conclui-se que tal responsabilidade impende sobre o comprador, como dono atual da fração, de harmonia com o princípio propter rem que caracteriza as obrigações em questão.
Instado a pagar valores em dívida da sua fração, que se tenham vencido em momento anterior à sua aquisição, o novo proprietário pode sempre, ser ressarcido dos danos e prejuízos causados pelo anterior proprietário, recorrendo ao regime da compra e venda de bens onerados (artigo 905.º e ss. CCivil), anulando o negócio efetuado e responsabilizando-o, nos termos gerais de direito.
Com efeito, a responsabilização do adquirente por dívidas que poderia eventualmente não conhecer no momento da aquisição, tem um enquadramento perfeito no conceito de “ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria”, presente no citado artigo 905.º.
A resposta à questão colocada está longe de ser pacífica, mas, face ao exposto, perfilha-se a seguinte conclusão: no caso da alienação de frações com dívidas ao condomínio, este, para reaver o seu crédito coercivamente deve, em princípio, intentar uma ação executiva contra o adquirente da fração em questão, pois estamos perante uma típica obrigação propter rem e, por isso, ambulatória. Só assim se concretiza uma correta interpretação das normas jurídicas e se prevê o equilíbrio das posições de todos os interessados.
Como salienta José Alberto C. Vieira, para quem a transmissão do direito real implica a transmissão da obrigação real “Se a fonte da obrigação propter rem é o direito real, o titular respetivo está investido no dever de a cumprir, mesmo que eventualmente haja adquirido o direito após o vencimento da mesma” (.”.
O mesmo se pode extrair do acórdão do TRL de 22.01.2019 (3450/11.3TBVFX.L1-7; sitio da dgsi), ainda que encargos aí aludidos tenham a ver com “despesas referentes a períodos temporais decorridos antes da transmissão” designadas pelo aí recorrente como “originadas pela utilização de serviços e bens necessários a assegurar a funcionalidade normal do condomínio”.
Visto que não se pode concluir que exista qualquer outro elemento fático a ser apurado para alterar o acabado de discernir, deve, portanto, proceder o recurso pelo que se mantendo no mais revoga-se a sentença determinando-se a extinção de toda a execução.
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Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso, pelo que, mantendo-se no mais a sentença, revoga-se a mesma determinando a extinção de toda a execução.
Custas pelo recorrido.
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08-04-2021