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LOCAL DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA INAMOVIBILIDADE DO TRABALHADOR
TRANSFERÊNCIA
PREJUÍZO SÉRIO
Sumário
I - O princípio da inamovibilidade do trabalhador, consagrado no art.º 129.º n.º1, al. f), do CT comporta importantes excepções, uma delas prevista na al. b), do n.º1, do art.º 194.º do CT, admitindo a possibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador, temporária ou definitivamente, sem que aquele possa opor-se-lhe eficazmente, quando exista ”motivo do interesse da empresa (que) o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”. II - A existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade-, sendo necessário para que se verifique que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos. III - Quer a empresa, ao determinar a transferência do local de trabalho, quer o trabalhador ao opor-se, devem guiar-se pelo princípio da boa fé, estabelecido no art.º 126.º do CT, nomeadamente, ao estabelecer o n.º1 que “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.”
Texto Integral
APELAÇÃO n.º 5235/19.0T8MTS.P1 SECÇÃO SOCIAL
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO I.1 B… instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra C…, S.A, pedindo o mesmo seja julgado procedente, sendo a Ré condenada no seguinte:
1. A recolocar a autora no seu local de trabalho, a D….
2. A aceitar a prestação de trabalho da autora naquele local.
3. A pagar os salários à autora que não foram pagos desde a alteração ilegítima de local de trabalho até ao trânsito em julgado.
4. A pagar à autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 25.000,00€.
5. A pagar os juros moratórios que se vencerem desde a citação até ao efetivo e integral pagamento.
6. A suportar as custas judiciais.
Para sustentar os pedidos, alegou, no essencial, que em 9/3/1990 foi admitida ao serviço da empresa E… como empregada de limpeza, com local de trabalho na “D…”, sito na Rua …, ….
Após uma sucessão de empresas para as quais foi transitando, a 1/9/2018 foi transmitida para a aqui ré.
Em Julho de 2019 a ré decidiu transferi-la do seu local de trabalho, sem fundamento para tanto e com colocação noutro local que a inviabiliza de manter sua rotina diária, fazendo-a entrar num estado depressivo, entristecida e assustada.
Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificada a ré para contestar.
A ré contestou no prazo legal, alegando, também no essencial, que a transferência da autora ocorreu por imposição do cliente e que o local proposto à autora era o único disponível com compatibilidade para a esta, estando a ré disponível para lhe adaptar o horário de trabalho de molde a ser mais ajustado às suas necessidades.
Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, se dispensou a fixação do objecto do litígio e dos temas de prova.
Foi fixado o valor da acção em € 30 000,01.
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento. I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando os factos e aplicando o direito, concluída com a decisão seguinte:
- «Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que dele condeno a ré a pagar à autora a quantia de €233,99 a título de retribuição do mês de agosto de 2019, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde 25/10/2019 e até efetivo pagamento, absolvendo-a do mais peticionado pela autora. Custas a cargo de autora e ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que aquela beneficia.
(..)». I.3Inconformada com esta sentença, a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
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Nestes termos e nos mais de direito, deve ser revogada a sentença e condenar-se a R. conforme peticionado. I.4 A Recorrida apresentou contra alegações, encerrando-as com as conclusões seguintes:
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Conclui pugnando pela improcedência do recurso. I.5 A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso. I.6 Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento. I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pela recorrente, consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, em razão de não ter concluído pela “ existência de prejuízo sério, tendo como consequência a ilegalidade da transferência de local de trabalho”. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1. A autora está filiada no F…, onde lhe foi atribuído o seguinte número de socio: …...
2. Em 01.09.2018, a autora passou a exercer por conta da ré a atividade de empregada de limpeza que vinha exercendo no edifício “D…”, sito na Rua …, …, por conta de outras empresas.
3. Em 2019 a autora auferia a retribuição mensal de €600,00, acrescida do subsídio de alimentação por dia efetivo de trabalho no valor de €1,83.
4. A autora vive a uma distância de cerca de 5 minutos a pé do local de trabalho referido em 2.
5. Enquanto ao serviço da ré a autora nunca foi alvo de processo disciplinar.
6. A autora desempenhava, desde a data de admissão, o seguinte horário de trabalho: 08h00 as 09h30 e das 14h00 as 20h30, de segunda a sexta-feira.
7. E este horário permitia-lhe garantir a vida doméstica, uma vez que assim conseguia, além de fazer as refeições em casa, prepará-las também para o seu marido. [alterada a redacção pelas razões adiante constantes]
8. No final de junho de 2019, a autora ficou a saber da intenção da ré de a transferir de local de trabalho, através do responsável operacional da ré, G….
9. A autora requereu a antecipação das férias, tendo gozado férias no período compreendido entre 24.06.2019 e 08.07.2019.
10. No dia imediatamente seguinte ao final das suas férias, dia 09.07.2019, apresentou-se no seu local de trabalho.
11. Nesse dia, entrou às 08h00 e saiu às 09h30.
12. Após, voltou ao seu local de trabalho pelas 14h00 e saiu, como habitualmente, as 20h30.
13. No dia 11.07.2019, da parte da manhã, foi-lhe retirado o seu cartão de acesso pelo Eng. H… e pelo Eng. I… da empresa “D…”.
14. Com data de 8 de julho de 2019, a ré enviou carta à autora com o seguinte teor:
“Nos termos do art. 194 do Código do Trabalho, serve a presente para lhe comunicar que, tendo em conta o interesse desta empresa, o qual passa, nomeadamente, por preencher uma vaga em aberto nas instalações de outro cliente sem recurso ao recrutamento direto, a partir do dia 18/07/2019, será transferida temporariamente do cliente D…, sito na Rua …, em …, mantendo-se o horário que tem atualmente. Assim, para dar continuidade ao cumprimento do contrato de trabalho, deverá apresentar-se a partir do dia 18/7/2019, nas instalações do cliente J…, sito na Rua …, …-…, ….-…, no Porto, no seu horário habitual das 08h00 e das 14h00 as 20h30. Nos termos do art. 194º n.º 3, a presente transferência não excedera os 6 meses, salvo por exigências imperiosas da empresa. Mais informamos que a C… custeará todas as despesas decorrentes da transferência, caso se verifique um acréscimo dos custos de deslocação.”
15. Às 14h do mesmo dia 11/7/2019 a autora voltou a apresentar-se ao trabalho, mas foi impedida de o prestar, tendo então chamado a GNR, que compareceu no local.
16. Nos dias seguintes a autora continuou a apresentar-se nas mesmas instalações, tendo sempre sido impedida de prestar ali seu trabalho.
17. Em resposta à missiva referida em 14., a autora enviou carta à ré, com data de 17/7/2019, com o seguinte teor:
“Exmos. Senhores, Fui notificada, por carta registada com aviso de receção, recebida no dia 11.07.2019, da transferência de local de trabalho, nomeadamente devo apresentar-me no V. Cliente J…, sito na Rua … n.º …-…, na cidade do Porto. Em primeiro lugar, quero fazer notar que a transferência não está de todo justificada e que, por forca do disposto nas competentes disposições do CT (art.º 196 n.º 2), a mesma deve indicar a duração previsível (a referencia que fazem a seis meses não se encontra justificada e certamente decorre devido ao prazo máximo indicado no CT). Naquela comunicação, sou informada que irei preencher uma vaga em aberto nas instalações do Cliente J…. Todavia, salvo o devido respeito, tal leva a crer que V. Exas. querem disfarçar uma transferência com cariz definitivo. Acresce que sou Associada do F… há décadas e, por força desta convenção que não caducou, designadamente da cl. 15, em caso de necessidade de transferência para outro local de trabalho, observar-se-ão os critérios a seguir indicados, pela mencionada ordem de preferências: a) Transferência por mútuo acordo constante de documento escrito; b) Trabalhadores contratados temporariamente ou a prazo; c) Trabalhadores com menos antiguidade; d) Trabalhadores com menos tempo de serviço no local de trabalho. Ora, nenhum destes critérios parece ter sido cumprido, pelo que, por esta razão, requeiro a V. Exas. que reconsiderem a minha transferência. Em segundo lugar, como V. Exas. também sabem, o meu horário e das 08h00 as 09h30 é das 14h00 as 20h30. Este horário, no local onde me encontro a trabalhar, não me causa qualquer transtorno, uma vez que estou a cerca de 3 minutos de minha casa. Contudo, passarei a precisar de fazer uma deslocação de 1h20 para cada lado (vd. doc. 1), tendo de sair as 6h41 de casa para me apresentar as 8h00, trabalhar durante 1h30 e, posteriormente, aguardar pelas 14h para pegar novamente ao serviço, tendo, depois de cumprir o meu horário, de fazer cerca de 1h20 para voltar para casa (vd. doc. 2). Tudo isto somado, passarei de um local onde estou ao lado de casa para um outro onde terei de estar cerca de 17h diárias (contabilizando deslocações e períodos de espera). Esta exigência é completamente desumana, não existindo qualquer fundamento para uma deslocação que implica para mim (sem contar o meu agregado) um prejuízo serio. Também por esta razão, requeiro que reconsiderem a minha transferência. Apresentar-me-ei, conforme ordenado, mas informo V. Exas. que certamente não conseguirei aguentar mudança tão brutal na minha rotina e as respetivas exigências horárias, pelo que se não reconsiderarem a transferência, terei de recorrer aos meios legais para tal.”
18. Com recurso a transportes públicos a autora demoraria cerca de 1h10m desde sua casa até à Rua … no Porto.
19. A autora esteve de baixa médica, por incapacidade temporária para o trabalho, de 17/7/2019 a 19/8/2019.
20. A ré remeteu à autora carta datada de 1/8/2019 com o seguinte teor:
“Na sequência da missiva data de 08 de julho de 2019, anteriormente enviada, informamos que confirmamos a transferência de local de trabalho para o cliente J…, sito na Rua …, …-…, ….-…, no Porto. A transferência produz efeitos a 2 de setembro de 2019, e tendo em atenção o mencionado na sua comunicação, o seu horário de trabalho será das 8h as 17h. com 1h de intervalo, de segunda a sexta-feira. O motivo da transferência e a recusa do cliente D…, S.A. em aceitar a sua entrada nas suas instalações, onde prestava serviços de limpeza. As queixas desse cliente têm por base acontecimentos ocorridos em 4 e 5 de junho, agravado por comportamentos posteriores da sua parte, incluindo a presença da PSP nas instalações do cliente. O Cliente D… apresentou varias queixas por escrito contra V. Exa., incluindo pedido da sua substituição, em 6 de junho de 2019.”
21. Submetida a junta médica pela Segurança Social, foi por esta deliberado deixar de existir a incapacidade para o trabalho da autora a partir do dia 16/8/2019.
22. Na retribuição do mês de agosto de 2019 a ré descontou à autora a quantia de €223,99 referente a 11 dias de faltas injustificadas.
23. A autora ficou abalada com a impossibilidade de continuar a prestar trabalho nas instalações da D….
24. A ré não pagou qualquer quantia à autora a título de retribuição no mês de setembro de 2019.
25. A Ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de limpeza.
26. Entre os clientes da Ré, conta-se a empresa D…, S.A., na Rua …, em ….
27. No início da manhã de 04.06.2019, a Autora observou um colaborador da D… no edifício de escritório da K…, cliente da D…, sem que este tivesse, alegadamente, autorização para permanecer nessas instalações.
28. A Autora não alertou a D… ou os responsáveis da Ré, e optou por dar nota da ocorrência diretamente à K….
29. Nesse mesmo dia, o Dr. I…, Contract Coordinator da D…, aquando da reunião diária que habitualmente mantêm com os responsáveis da K…, foi surpreendido com a presença da Autora na mesma e com o relato desta.
30. O Dr. I… foi confrontado com a alegação de que um elemento da D… estava indevidamente presente no edifício da K…, e de que este teria agido por indicação de L…, o que a D… negou.
31. Quando confrontada com sua atuação, a autora referiu ao Dr. I… que teria de ficar por ali ou, caso contrário, iria saber-se muita coisa, visando diretamente alguns colaboradores da D….
32. Em 16.07.2019 a Ré colocou outra trabalhadora no lugar da Autora.
33. A D… não aceitou mais, e continua a não aceitar, a presença da Autora nas suas instalações.
34. Por tal razão, a ré optou pela transferência da autora.
35. A Ré procurou transferir a Autora para um local de trabalho que não causasse a esta qualquer transtorno ou o menor transtorno possível, nomeadamente no que diz respeito ao tempo entre deslocações. [eliminado pelas razões adiante constantes]
36. O único local para onde a Autora poderia ser transferida eram as instalações do cliente J…, na Rua …, …-…, ….-…, no Porto, mantendo o horário.
37. Esse local fica a cerca de 13km do anterior local de trabalho.
38. A Autora recebeu ordens para não se apresentar na D…, até à transferência de local de trabalho, mantendo a Ré o pagamento da retribuição.
39. No dia 10.07.2019, durante a manhã, o cliente D… viu a Autora nas suas instalações – concretamente no Parque da K… – e contactou de imediato M…, Supervisora da C…, que recebeu indicações para a Autora não continuar nas instalações da D… e não voltar a entrar.
40. M… contactou de imediato a Autora e informou esta de que estava proibida de entrar nas instalações da D…, por indicação desta, e de que após o intervalo para almoço não deveria voltar a entrar nas mesmas.
41. À tarde, pelas 14h00, a Autora voltou a entrar nas instalações da D…, a fim de prestar a sua atividade, sem autorização nem conhecimento da D… ou da Ré.
42. Em 11.07.2019, durante a manhã, a Autora voltou a entrar nas instalações da D…, novamente sem autorização ou conhecimento desta ou da Ré.
43. A D… ordenou à Autora que abandonasse as suas instalações e devolvesse o cartão de acesso, o que aquela fez.
44. Considerando a comunicação da Autora, que a D… não aceitava o regresso da mesma e que não havia outro local onde a Autora pudesse ser colocada, a Ré decidiu “adiar” a transferência para dia 02.09.2019 e alterar o horário de trabalho da Autora, que passaria a ser das 8h às 17h, com 1h de intervalo, de segunda a sexta-feira.
45. Até dia 02.09.2019 a Autora ficaria dispensada de comparecer ao serviço, mas mantendo a retribuição.
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De resto não se provaram outros factos, nomeadamente:
a) o alegado nos artigos 1º a 4º, 10º, 14º (para além do que consta do ponto 7. dos factos), 15º a 18º, 23º a 26º, 29º, 30º, 32º, 33º, 35º a 38º (1ª parte), 49º, 51º, 61º,62º, 63º (1ª parte), 74º a 77º, 82º, 83º, 96º, 98º a 105º, 108º, 111º a 113º da petição inicial;
b) o alegado nos artigos 16º e 45º, 68º a 75º da contestação
c) que a presença da PSP nas instalações do cliente D…, tenha gerado muito alarido e incómodo nesse cliente. II.2 ALTERAÇÃO da MATÉRIA DE FACTO POR INICIATIVA DESTE TRIBUNAL DE RECURSO
Impõe-se, desde já, proceder a alteração à matéria de facto fixada, por iniciativa desta Relação no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe (art.º 662.º 1, CPC), em razão de nela se encontrarem alegações conclusivas.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
Importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
No ponto 7 da matéria provada, consta o seguinte: “E este horário permitia-lhe garantir a vida doméstica, uma vez que assim conseguia, além de fazer as refeições em casa, prepará-las também para o seu marido”.
A locução “permitia-lhe garantir a vida doméstica, uma vez que assim conseguia” é conclusiva, fazendo um juízo valorativo e genérico, que se prende com a questão fulcral do “prejuízo sério” causado pela transferência. Assim, o facto deve ser expurgado dessa partes, alterando-se a redacção para passar a ser seguinte: 7.“E este horário permitia-lhe, além de fazer as refeições em casa, prepará-las também para o seu marido”.
Continuando a percorrer o elenco da matéria assente, constata-se que o ponto 35, no seu todo, encerra uma conclusão, nomeadamente, um juízo valorativo, que concomitantemente se reconduz à questão controvertida em discussão, dado o seu conteúdo ser o seguinte: 35. A Ré procurou transferir a Autora para um local de trabalho que não causasse a esta qualquer transtorno ou o menor transtorno possível, nomeadamente no que diz respeito ao tempo entre deslocações.
Esta conclusão deve resultar dos factos concretos alegados que tenham resultado provados e, se for esse o caso, apenas pode ser extraída na sentença, como juízo formulado em face do elenco factual aprovado.
Por conseguinte, elimina-se o facto35. II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
A questão em apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, ao concluir que a transferência de local de trabalho determinada pela Ré empregadora à autora não implica um prejuízo sério para esta, sendo lícita e estando obrigada a cumprir essa ordem.
O Tribunal a quo, após afirmar a aplicabilidade do CCT celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Atividades Similares e o F…, juntamente com outros sindicatos, publicado no BTE n.º 12, de 29.03.2004, cujo âmbito subjetivo foi estendido por PE, publicada no BTE nº 17, de 8.05.2005, à relação laboral entre as partes, entrou na apreciação questão relativa à licitude da transferência do local de trabalho imposta pela ré à autora, nessa parte constando da fundamentação da decisão recorrida o seguinte: -«[…] A fixação do local de trabalho constitui um elemento essencial na economia do contrato e possui natureza contratual, resultando de acordo, expresso ou tácito, entre empregador e trabalhador. Partindo desta conceção contratualista na fixação do elemento geográfico, a alteração do local de trabalho em consequência de uma decisão unilateral da entidade empregadora terá de ser vista como um desvio ao princípio pacta sunt servanda, em que a lei opta por dar prevalência ao interesse da empresa atendendo à flexibilidade na utilização dos fatores produtivos (cfr. Joana Nunes Vicente, in Cláusulas de mobilidade geográfica: vias de controlo possíveis, in Questões laborais, Ano XIII – 2006, nº 27, pág. 62.) Esta fixação do local de trabalho encontra-se protegida ao abrigo da garantia de inamovibilidade. Com efeito, o art. 129º consagra como garantia do trabalhador, na al. f) do seu n.º 1, a proibição do empregador o transferir para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos no referido código e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, ou quando haja acordo (situando-se neste caso no âmbito da autonomia privada). O princípio da inamovibilidade, segundo o qual a estipulação do local de trabalho deverá gozar de uma certa estabilidade espacial, visa constituir um centro estável (ou permanente) da atividade de certo trabalhador, assim como um elemento determinador das condições concretas da organização da sua vida, fazendo parte do próprio conteúdo da prestação contratual devida. Apesar de assim ser, existem sempre situações em que se torna imperativo introduzir alterações ao local de trabalho, principalmente por necessidade do empregador. A este propósito, e sob a epígrafe “Direito ao Local de Trabalho”, dispunha a cláusula 15ª do CCT referido (publicado no BTE n.º 12 de 2004): “1 - A entidade patronal poderá transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador e desde que se cumpra o disposto nos números seguintes. 2 - Em caso de necessidade de transferência para outro local de trabalho observar-se-ão os critérios a seguir indicados, pela mencionada ordem de preferências: a) Transferência por mútuo acordo constante de documento escrito; b) Trabalhadores contratados temporariamente ou a prazo; c) Trabalhadores com menos antiguidade; d) Trabalhadores com menos tempo de serviço no local de trabalho. 3 - Em caso de transferência de local de trabalho a entidade patronal custeará sempre as despesas diretamente impostas pela transferência, bem como metade do tempo de deslocação, verificadas em razão dá mudança. 4 - Ocorrendo motivo justificado, qualquer das partes poderá deduzir integralmente no horário de trabalho a praticar o acréscimo de tempo de deslocação. 5 - A transferência de local de trabalho não poderá determinar a alteração do horário de trabalho do trabalhador, exceto se houver consentimento escrito deste. 6 - Entende-se por «mudança de local de trabalho», para os efeitos previstos nesta cláusula, toda e qualquer mudança de local de prestação de trabalho ainda que na mesma cidade, desde que determine acréscimos de tempo ou despesas de deslocação para o trabalhador.” No presente caso, e perante o disposto no citado n.º 6, é inequívoco estarmos perante uma efetiva mudança de local de trabalho, pois é certo que tal mudança ocorre para uma cidade diferente e determina acréscimos de tempo e deslocação para a autora. Conforme resulta dos factos provados, a decisão de transferência da autora surgiu na sequência de oposição do cliente da ré em que aquela entrasse nas suas instalações. Os factos descritos sob os pontos 27. a 33. narram os acontecimentos que levou à quebra de confiança da cliente da ré em ter a autora com livre acesso a suas instalações, a presenciar e tomar conhecimento das movimentações e atuações daquele. Foi assim uma transferência imposta pelo cliente da ré, e dos factos apurados, não parece viável que a ré legitimamente se pudesse opor a tal exigência. Não nos podemos esquecer que na área de atuação da ré o local de trabalho de seus colaboradores corresponde a instalações próprias e privadas dos clientes, os quais dispõem do direito à sua reserva da vida privada e a permitir o acesso apenas a quem confiem não o violar. E, justificadamente, a cliente da ré perdeu essa necessária confiança na autora, a qual chegou mesmo ao limite de ameaçar aquela com a divulgação de factos e /ou atos que a poderiam lesar. Perante tal quadro, é de entender que os critérios de escolha do trabalhador a transferir, constantes do n.º 2, da cláusula 15ª não podem ter aqui aplicação, já que não estamos perante uma normal e corrente conveniência de serviço para a ré. Impõe-se, por fim, determinar da eventual existência de prejuízo sério para a autora com tal deslocação. Na ausência de uma definição legal e estando em causa um conceito indeterminado impõe-se o recurso aos contributos doutrinais e jurisprudenciais para a sua particularização. Para Bernardo da Gama Lobo Xavier, "ao julgador competirá precisar o conceito de prejuízo sério: parece certo, contudo, que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador" (in Curso de Direito do Trabalho, pág. 352.). Também António Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 13ª edição, pág. 429) refere que “é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis. ” Mas o que sobretudo importa assinalar é que a natureza e a extensão de tal «prejuízo» não são suscetíveis de uma definição abstrata ou a priori: é evidente que a determinação do «prejuízo sério» depende sempre do confronto entre as características da alteração unilateral do local de trabalho (distância, condições concretas do novo local) e as condições de vida do trabalhador. A mesma transferência pode ser prejudicial para um trabalhador e vantajosa para outro. O prejuízo sério tem de ser apreciado perante o caso concreto e dependerá, designadamente, do exponencial acréscimo da morosidade da deslocação, de uma acrescida dificuldade de transporte ou de a alteração ser temporária ou definitiva. Relacionando os fundamentos do direito à conservação do local de trabalho com a tutela de interesses pessoais, e não tanto profissionais do trabalhador, este último Autor dá particular ênfase às considerações ligadas ao arranjo ou organização de vida do trabalhador, em especial as respeitantes "ao tempo de trajeto entre o local de trabalho e a residência". “Temos, pois, como seguro que o conceito de prejuízo sério deve implicar um dano relevante que não tenha pequena importância e que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador, sendo de afastar as alterações nos seus hábitos de vida que traduzindo-se em meros incómodos ou transtornos suportáveis não assumem gravidade relevante na estabilidade da sua vida nem determinam alteração substancial do seu plano de vida” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Junho de 2000, Revista n.º 88/00, 4ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 42-, Junho de 2000, págs. 89-90). A amplitude deste conceito tem, normalmente, a ver com a determinação daquilo que é exigível aos trabalhadores suportar face aos interesses em conflito, ou seja, saber se os interesses em causa da empresa suplantam sensivelmente os inconvenientes para a estabilidade da vida do trabalhador, conservando sempre no horizonte o princípio da boa-fé subjacente a esta ponderação (Júlio Gomes e Agostinho Guedes, in «Algumas considerações sobre a transferência do trabalhador (nomeadamente no que concerne à repartição do ónus da prova)», RDES, 1991, pág. 98) Devem ter-se em linha de conta aspetos da vida profissional e da vida pessoal e familiar do trabalhador, tendo a jurisprudência estabelecido, no âmbito da legislação anterior, uma conexão muito estreita entre a deslocação do trabalhador para o local de trabalho e o agravamento que pode ocorrer em resultado da alteração do ponto de vista do tempo de trabalho, dos transportes e das perturbações na organização da vida familiar; todavia, isso não significa que um qualquer prejuízo, um qualquer dano, seja suficiente para impedir a transferência do trabalhador do local de trabalho. Os prejuízos terão de ser minimamente relevantes, não podendo confundir-se – como já referimos - com o simples transtorno ou alteração de hábitos na vida do trabalhador. Assim, ter-se-á de verificar se a alteração que se pretende introduzir representa uma modificação substancial do "plano de vida", pessoal e profissional, do concreto trabalhador em causa. Ter-se-á, pois, de averiguar as incidências da transferência no que diz respeito, nomeadamente, à escolha da residência, ao custo de vida, à duração e horário dos transportes, aos centros de interesses extralaborais, à situação familiar, às relações sociais e às expectativas respeitantes à carreira profissional. No caso sub judice sabemos que a autora vive a uma distância de cerca de 5 minutos a pé do local de trabalho que correspondia às instalações da D…. A autora desempenhava, desde a data de admissão, o horário de trabalho das 08h00 as 09h30 e das 14h00 as 20h30, de segunda a sexta-feira; horário este que lhe permitia garantir a vida doméstica, uma vez que assim conseguia, além de fazer as refeições em casa, prepará-las também para o seu marido. Por força da alteração que lhe foi imposta pela ré, com recurso a transportes públicos, a autora demoraria cerca de 1h10m desde sua casa até à Rua José Falcão no Porto, para percorrer uma distância de cerca de 13 km. É certo que esta deslocação importa um prejuízo para a autora, mas que não se pode considerar como prejuízo sério. A autora habita dentro da área metropolitana do Porto, dotado de redes de transporte onde é prática social deslocações para o trabalho com os meios e a duração que a autora terá de enfrentar. A vida doméstica que a autora conseguia assegurar é ainda assim possível, se bem que com maior esforço pessoal. E terá sido com o propósito de minorar esse esforço que a ré propôs a alteração à autora do horário de trabalho, para que passasse a ser cumprido das 8h às 17h. No entanto, esta alteração do horário de trabalho apenas poderá ocorrer mediante acordo formal da autora (cfr. n.º 5 da cláusula 5ª do CCT). São inegáveis os transtornos para a autora, que terá de readaptar sua rotina diária às novas exigências, sofrendo prejuízos pessoais inerentes a tal readaptação. No entanto, considerando os factos expostos e que resultaram provados, entendo que não estamos perante um prejuízo sério, pelo que, sendo lícita a transferência do local de trabalho, está a autora obrigada a acatá-la e obedecer. Será ainda de referir que, por força do disposto no n.º 3 da cláusula 15ª está a ré obrigada a custear o acréscimo das despesas de deslocação. […]».
Alega a recorrente, no essencial, que “o Tribunal a quo deveria ter em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto”, esgrimindo os argumentos seguintes:
-«A Recorrente passou de uma distância de 5 minutos de casa para mais de 2h de deslocações»;
- O Tribunal a quo «(..) deveria ter tido em conta a idade da Recorrente e as suas condições familiares em específico»;
- «(..) a Doutrina é unânime em afirmar que o interesse da empresa na transferência do local de trabalho tem que estar relacionado com razões de ordem técnica, produtiva ou organizativa, e não com interesses pessoais do empregador, ou seja, “este requisito deve ser apreciado em termos objetivos (ou seja, como um interesse de gestão) e não confundido com as conveniências pessoais do empresário”, não resultando da matéria provada essa premissa, não cabendo, nem sendo “ lícito – ao cliente inferir no funcionamento e organização dos trabalhadores de limpeza. (..) mesmo na hipótese de ter sido o Cliente a requerer o afastamento da A., estaríamos perante a ingerência de um terceiro numa relação laboral que está sujeita a regras e princípios que este não teria de respeita». - « A Recorrente mora a uns escassos metros do local onde prestava a sua força de trabalho nos últimos 30 (!!!!) anos (..)» e “passará a fazer de transportes públicos cerca de 3h diárias”;
- «(..) as alterações na vida da Recorrente, trabalhadora com 6 décadas de idade, ultrapassam em muito o simples incómodo. (..) ter-se-á de levantar substancialmente mais cedo e chegará do trabalho substancialmente mais tarde do que estava habituada, causando danos irreversíveis à sua saúde», existindo “prejuízo sério, tendo como consequência a ilegalidade da transferência de local de trabalho”.
Contrapõe a recorrida, que com relevo para a vida pessoal e familiar da Recorrente apenas se provou que a transferência de local de trabalho implica um acréscimo de 50 a 55 min para deslocação. A transferência foi adiada e o horário de trabalho alterado para atenuar os transtornos que possam ser causados. Há interesse ponderoso da Recorrida na transferência do local de trabalho, uma vez que é o cliente onde os serviços de limpeza são prestados que proibiu a Recorrente de entrar nas suas instalações.
Defende que o tribunal a quo teve em considerações as circunstâncias específicas do caso concreto, decidindo pela inexistência de prejuízo sério em linha com as orientações jurisprudenciais para casos semelhantes. II.3.1 Antes de entrarmos na apreciação das questões colocadas, para que não fique ofuscada a objectividade devida na valoração dos factos, impõe-se repor o rigor das coisas relativamente às alegações da recorrente que de seguida passamos a indicar e analisar.
Para questionar licitude do motivo do interesse da empresa Ré na transferência do local de trabalho, refere a recorrente, respectivamente, nas conclusões 14, 15 e 20, o seguinte:
i) “Analisando a matéria de facto supra dada como provada, é nosso entendimento que a mesma não permite o preenchimento desta primeira premissa (..)”;
ii) “(..) pese embora tenha alegado, de forma genérica, que era o Cliente da R. que não permitia a entrada da Recorrente nas instalações onde prestava trabalho (..)”;
iii) “(..) mesmo na hipótese de ter sido o Cliente a requerer o afastamento da A. ».
Como bem se percebe, pretende a recorrente sugerir que da matéria de facto provada não resulta, em termos concretos e objectivos, que o cliente da Ré, a empresa D…, rejeitou a possibilidade da autora poder continuar a entrar nas suas instalações e executar os serviços de limpeza contratados.
Ora, não é assim, pois resulta da matéria provada que a ”A D… não aceitou mais, e continua a não aceitar, a presença da Autora nas suas instalações” [facto 33], bem assim que após esta ter entrado nas suas instalações, em 10.07.2019, sem autorização nem o conhecimento da empresa, a mesma “contactou de imediato M…, Supervisora da C…, que recebeu indicações para a Autora não continuar nas instalações da D… e não voltar a entrar” [facto 39], vindo no dia seguinte, após a A. ter entrado de novo nas suas instalações sem autorização ou conhecimento [facto 42], a ordenar-lhe “que abandonasse as suas instalações e devolvesse o cartão de acesso, o que aquela fez” [facto 43]. Conexo com este último facto, também consta provado que “No dia 11.07.2019, da parte da manhã, foi-lhe retirado o seu cartão de acesso pelo Eng. H… e pelo Eng. I… da empresa “D…” [facto 13], bem assim que “Nos dias seguintes a autora continuou a apresentar-se nas mesmas instalações, tendo sempre sido impedida de prestar ali seu trabalho “[facto 16].
Nas conclusões 31 e 33, a recorrente afirma que em virtude da transferência “passará a fazer de transportes públicos cerca de 3h diárias” e que “ter-se-á de levantar substancialmente mais cedo e chegará do trabalho substancialmente mais tarde do que estava habituada, causando danos irreversíveis à sua saúde”.
Com o devido respeito, não é isso que decorre dos factos provados.
Sobre o tempo que a autora passará a despender para se deslocar para o local de trabalho determinado pela Ré, está provado que “Com recurso a transportes públicos [..] demoraria cerca de 1h10m desde sua casa até à Rua …” [facto 18].
Assim, em rigor, despenderá não “cerca de 3h diárias”, mas antes 2h20m.
Quanto aos “danos irreversíveis à sua saúde” que alegadamente lhe serão causados por ter de se levantar mais cedo e chegar mais tarde ao trabalho do que estava habituada, trata-se de uma conclusão sem qualquer suporte nos factos provados. Importa dize-lo, trata-se de uma alegação conclusiva, mas acresce nem estar provado que a autora sofra de alguma doença, por exemplo, com natureza crónica, que tendencialmente pudesse ser agravada.
De resto, na petição não se encontra qualquer alegação com o propósito de suportar aquela conclusão. Mais, percorrido o texto da carta que a autora dirigiu à Ré a opor-se à transferência [facto 14], não consta ai a invocação de qualquer fundamento relacionado com razões de saúde para sustentar o alegado “prejuízo sério” que a mesma irá causar. II.3.2 Prosseguindo, começaremos por deixar umas breves notas sobre a transferência determinada pelo empregador.
No âmbito dos poderes de direcção do empregador cabe-lhe estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, mas esse poder deve ser exercido “dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” (art.º 97.º CT/09).
Um desses limites consiste no princípio da inamovibilidade do trabalhador, consagrado no art.º 129.º n.º1, al. f), do CT, embora comportando importantes excepções, como também logo decorre da norma, ao estabelecer a proibição do empregador “Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo”.
Uma dessas excepções é a prevista na al. b), do n.º1, do art.º 194.º do CT, admitindo-se a possibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador, temporária ou definitivamente, sem que aquele possa opor-se-lhe eficazmente, quando exista ”(..) motivo do interesse da empresa (que) o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”.
Como observa Bernardo da Gama Lobo Xavier [Manual de Direito do Trabalho, 2.º Edição, Edição BABEL, 2014, pp. 522 e 524], a lei estabelece a possibilidade de transferência individual determinada unilateralmente pelo empregador desde que «tenha subjacente um quadro motivador suficientemente forte e em que se cuide da tutela do trabalhador transferido»,caso em que os «interesses da empresa sobrelevam as conveniências do trabalhador, desde que esse sacrifício não ultrapasse os limites de um prejuízo sério».
Em caso de transferência do local de trabalho por iniciativa do empregador, este deve observar os procedimentos indicados no art.º 196.º do CT, entre eles constando, no que aqui interessa, o dever de fundamentar a decisão (n.º2).
Esse dever de fundamentação visa garantir, caso haja divergência e esta venha a ser submetida à apreciação judicial, que a montante o trabalhador e os tribunais possam aferir da conformidade da decisão do empregador com os limites imposto por lei, nomeadamente, devendo permitir que dela se extraia a existência real e a razoabilidade do motivo do interesse do empregador que justifica a transferência, bem assim as razões que exigem que seja aquele trabalhador e não outro (quando existirem outros trabalhadores) a ser transferido.
Ainda no domínio da LCT, mas mantendo tal posição actualidade, Bernardo da Gama Lobo Xavier, escrevia que “Embora o conceito de prejuízo sério não esteja determinado na lei, tendo de ser fixado caso a caso pelos tribunais, parece certo que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador” [Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª Edição, Lisboa, 1999, p. 198].
Mais recentemente, António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, pp. 448 e 449/450], na mesma linha de pensamento a propósito da determinação do sentido e alcance do requisito “prejuízo sério“, começa por referir que «(..) a própria noção de “prejuízo sério” é marcada pela relatividade: a seriedade do prejuízo deve ser apurada também em confronto com a importância das consequências que a não transferência acarretará à empresa», para mais adiante prosseguir, elucidando o seguinte:
-«Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de facto actuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, a medida das compensações financeiras que o empregador oferece.
(..) De resto, o carácter virtual do “prejuízo sério” implica uma ponderação de condições concretas que podem, como se viu, pertencer ao foro privado do trabalhador. Os fundamentos do direito à conservação do local de trabalho relacionam-se muito estreitamente, com a tutela de interesses pessoais (e não tanto profissionais) do trabalhador. A consideração de uma transferência como «causa adequada» de prejuízos importantes – e, portanto, a determinação da possibilidade de recusa da alteração unilateral do lugar de trabalho – só pode resultar de uma análise das condições concretas da organização de vida do trabalhador, que são justamente o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade. Por outro lado, é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis”.
Como de seguida veremos, numa breve resenha sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - publicada em www.dgsi.pt - a propósito do que se deve entender por “prejuízo sério”, o entendimento deste tribunal superior tem sido consonante com a doutrina. Assim:
- “Esse prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos: torna-se mister que a alteração ordenada afecte, substancialmente e de forma gravosa, a vida pessoal e familiar do trabalhador visado. [Acórdão do STJ de 25-11-2010, Proc.º 411/07.0TTSNT.L1.S1, Conselheiro SOUSA GRANDÃO]
- “O prejuízo sério a que se refere a lei deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, devendo a transferência assumir um peso significativo na vida do trabalhador, abalando, de forma grave, a estabilidade da sua vida, violando, assim, a garantia da inamovibilidade que o legislador tutela.(..) A medida dos prejuízos causados ao trabalhador com a transferência tem que ser encontrada a partir dos factos que por ele sejam alegados e que possibilitem determinar aquilo que é essencial na sua vida e, consequentemente, apurar em que medida esta foi afectada.(..) A noção de prejuízo sério assume particular relevo e terá, necessariamente, de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto actuais [Acórdão do STJ de 03-03-2010, proc.º 933/07.3TTCBR.C1.S1, Conselheiro BRAVO SERRA].
- “O prejuízo sério há-de consistir num dano substancialmente gravoso, susceptível de afectar, num juízo antecipado de adequação causal, a vida pessoal, familiar, social e económica do trabalhador visado. [13-04-2011. Proc.º 125/08.4TTMAI.P1.S1, Conselheiro FERNANDES DA SILVA].
Em jeito de síntese, como afirmado no Ac. desta Relação de 18-11-2019, relatado pelo aqui relator e com intervenção dos mesmos excelentíssimos adjuntos [Processo n.º 1512/19.8T8MAI.P1, disponível em www.dgsi.pt], pode dizer-se ser entendimento unânime que a existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade -, sendo necessário para que se verifique que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.
Por último, importa sublinhar que quer a empresa, ao determinar a transferência do local de trabalho, quer o trabalhador ao opor-se, devem guiar-se pelo princípio da boa fé, estabelecido no art.º 126.º do CT, nomeadamente, ao estabelecer o n.º1 que “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.” Parafraseando o acórdão de 15-09-2016, do Tribunal da Relação de Lisboa [Proc.º 5/16.0T8BRR.L1-4, Desembargador José Eduardo Sapateiro, disponível em www.dgsi.pt], “O princípio da boa-fé (artigo 126.º do C.T./2009) […] está sempre presente no cumprimento e execução do contrato de trabalho, o que significa que as partes não podem agir nas suas relações contratuais de uma forma infundada, despauterada, por sua livre e autorrecriação, sem motivo objetivo, plausível, lógico e reconhecido como legítimo pelo direito (logo, em violação do dito princípio da boa-fé)”. II.3.3 A sentença recorrida fez este mesmo percurso, assinalando o entendimento doutrinal e jurisprudencial sobre o conceito de prejuízo sério, para depois, aplicando-o ao caso concreto, concluir o seguinte: -«É certo que esta deslocação importa um prejuízo para a autora, mas que não se pode considerar como prejuízo sério. A autora habita dentro da área metropolitana do Porto, dotado de redes de transporte onde é prática social deslocações para o trabalho com os meios e a duração que a autora terá de enfrentar. A vida doméstica que a autora conseguia assegurar é ainda assim possível, se bem que com maior esforço pessoal. E terá sido com o propósito de minorar esse esforço que a ré propôs a alteração à autora do horário de trabalho, para que passasse a ser cumprido das 8h às 17h. No entanto, esta alteração do horário de trabalho apenas poderá ocorrer mediante acordo formal da autora (cfr. n.º 5 da cláusula 5ª do CCT). São inegáveis os transtornos para a autora, que terá de readaptar sua rotina diária às novas exigências, sofrendo prejuízos pessoais inerentes a tal readaptação. No entanto, considerando os factos expostos e que resultaram provados, entendo que não estamos perante um prejuízo sério, pelo que, sendo lícita a transferência do local de trabalho, está a autora obrigada a acatá-la e obedecer».
Na perspectiva da recorrente, o Tribunal a quo não teve em conta “as circunstâncias específicas do caso concreto”, referindo-se ao tempo de deslocação, à idade da recorrente e condições familiares e, desde logo, à existência de motivo do interesse da empresa que exija a transferência.
Diremos, desde já, que não lhe assiste razão. Concordamos, no essencial, com a fundamentação da sentença, que na nossa perspectiva fez uma apreciação criteriosa dos factos relevantes, aplicando-lhe com correcção o direito aplicável e, para além disso, com fundamentação clara e elucidativa, devidamente apoiada na doutrina e jurisprudência, de antemão dando resposta às questões colocadas pela recorrente.
A recorrente não tem razão ao pretender defender que da matéria provada não resulta que a recorrida tenha sido motivada por um interesse de gestão na decisão de a transferir.
Como flui dos factos que enunciámos mais acima, a recorrida foi confrontada com a recusa do cliente em aceitar que a autora continuasse a prestar os serviços de limpeza nas suas instalações, proibindo-a de entrar e retirando-lhe o cartão de acesso. Retira-se daqueles factos que a cliente D… tomou uma posição firme quanto a essa possibilidade, negando-a perentoriamente, tendo essa empresa tomado essa decisão na sequência dos factos seguintes: 27. No início da manhã de 04.06.2019, a Autora observou um colaborador da D… no edifício de escritório da K…, cliente da D…, sem que este tivesse, alegadamente, autorização para permanecer nessas instalações. 28. A Autora não alertou a D… ou os responsáveis da Ré, e optou por dar nota da ocorrência diretamente à K…. 29. Nesse mesmo dia, o Dr. I…, Contract Coordinator da D…, aquando da reunião diária que habitualmente mantêm com os responsáveis da K…, foi surpreendido com a presença da Autora na mesma e com o relato desta. 30. O Dr. I… foi confrontado com a alegação de que um elemento da D… estava indevidamente presente no edifício da K…, e de que este teria agido por indicação de L…, o que a D… negou. 31. Quando confrontada com sua atuação, a autora referiu ao Dr. I… que teria de ficar por ali ou, caso contrário, iria saber-se muita coisa, visando diretamente alguns colaboradores da D….
Como bem refere o Tribunal a quo, a decisão de transferência surge na sequência da oposição do cliente em que a Autora entrasse nas suas instalações, levando os factos a concluir que essa decisão da D… tem subjacente a “quebra de confiança (..) em ter a autora com livre acesso às suas instalações, a presenciar e tomar conhecimento das movimentações e atuações (..)”.
Vem a recorrente defender que não cabendo, nem sendo “(..) lícito – ao cliente inferir no funcionamento e organização dos trabalhadores de limpeza. (..) mesmo na hipótese de ter sido o Cliente a requerer o afastamento da A., estaríamos perante a ingerência de um terceiro numa relação laboral que está sujeita a regras e princípios que este não teria de respeita».
Não podemos concordar com esta leitura. A D… não está a pretender ingerir-se na relação laboral, simplesmente não quer lá a trabalhadora, por razões que para si, enquanto cliente, considera fundadas. A questão da resolução da situação em termos de relação laboral não é problema dela, mas da requerida entidade empregadora. Em termos reais e objectivos é esta a configuração da situação.
Por isso, tem razão o Tribunal a quo quando refere o que segue: -«Foi assim uma transferência imposta pelo cliente da ré, e dos factos apurados, não parece viável que a ré legitimamente se pudesse opor a tal exigência. Não nos podemos esquecer que na área de atuação da ré o local de trabalho de seus colaboradores corresponde a instalações próprias e privadas dos clientes, os quais dispõem do direito à sua reserva da vida privada e a permitir o acesso apenas a quem confiem não o violar. E, justificadamente, a cliente da ré perdeu essa necessária confiança na autora, a qual chegou mesmo ao limite de ameaçar aquela com a divulgação de factos e /ou atos que a poderiam lesar. Perante tal quadro, é de entender que os critérios de escolha do trabalhador a transferir, constantes do n.º 2, da cláusula 15ª não podem ter aqui aplicação, já que não estamos perante uma normal e corrente conveniência de serviço para a ré».
A posição da Recorrente leva a questionar, então que solução entende que seria válida? Entrar a recorrida empregadora em litígio com a cliente D…, procurando impor-lhe a trabalhadora, alegando, por exemplo, que só lhe cumpria assegurar o serviço de limpeza e que poderia usar a trabalhadora que bem entendesse?
Como iria sequer forçar que aquela empresa autorizasse a entrada da autora nas suas instalações?
Como parece evidente face às regras da experiência comum, perante as razões que levaram a D… a opor-se firmemente a que o serviço de limpeza continuasse a ser prestado pela autora, caso a recorrida adoptasse a atitude que a Recorrente propugna, é legítimo pensar que daí poderiam derivar consequências para a relação contratual entre ambas, incluindo sobre a manutenção ou não do contrato de prestação de serviços em vigor, caso em que nem sequer se garantiria, no que à Autora diz respeito, a manutenção da sua prestação de atividade no local que pretende, ou seja, acabando por não ficar resolvido o problema que se coloca – isto sem pensarmos sequer na possibilidade de vir a existir litígio jurídico para discutir o cumprimento do contrato, com as consequências que daí poderiam resultar, incluindo para a imagem da recorrida na área em que presta os serviços.
Portanto, com o devido respeito, afigura-se-nos que a recorrida tinha um interesse de gestão que justifica a decisão de transferência, tendo agido de boa-fé no cumprimento dos direitos e deveres que sobre ela impedem no âmbito da relação laboral, segundo os ditames do art.º 126.º do CT. Mais, veja-se que inclusivamente ajustou o horário de trabalho à autora de modo a procurar minimizar o impacto que a transferência implica no quotidiano da sua vida pessoal e familiar.
No que concerne ao prejuízo sério, com a alegação que apontámos, defende a recorrente que se verifica, contrariamente ao entendido pelo tribunal a quo.
Como cuidámos de precisar no primeiro ponto, em termos objectivos, a recorrente passará a despender diariamente, entre a ida e a volta para o local de trabalho para onde foi transferida, um total de 2h20m por dia, contra os 10 minutos de que necessitava para ir à D… e voltar a casa, dado esta empresa situar-se próximo da sua residência.
É certo, como refere o tribunal a quo, que a deslocação para o novo local de trabalho vai implicar uma alteração na rotina diária da trabalhadora, com reflexos na organização da sua vida familiar. Igualmente é certo, como alega a recorrente, que ter-se-á de levantar mais cedo e chegará do trabalho mais tarde do que estava habituada.
Contudo, como refere o Tribunal a quo, mais uma vez com acerto, se “são inegáveis os transtornos para a autora, que terá de readaptar sua rotina diária às novas exigências”, considerando os factos que resultaram provados, deve concluir-se “que não estamos perante um prejuízo sério, pelo que, sendo lícita a transferência do local de trabalho, está a autora obrigada a acatá-la e obedecer”.
É verdade que a autora disfrutava de uma situação pouco comum, pelo menos para quem reside nas grandes áreas urbanas, como é o seu caso, de ter o local de trabalho praticamente junto a casa. É claro que irá estranhar e terá necessidade de fazer ajustes na sua vida pessoal e familiar para se deslocar de casa para o trabalho e depois voltar, mas o certo é que dispõe de transportes públicos e o tempo que vai despender nesses percursos encontra-se dentro do que se pode considerar, em termos gerais, isto é, para uma significativa parte dos trabalhadores por conta de outrem que diariamente se deslocam para o trabalho e retornam a casa cumprido o seu período normal de trabalho diário, dentro dos limites razoáveis.
Aceitamos, também, que essa nova rotina, implicando as deslocações diárias em transportes públicos durante aqueles períodos de tempo, vai exigir mais esforço à autora, mas como também elucidámos previamente, não existem factos provados que permitam concluir, em termos fundados e objectivos, que esse maior desgaste vai provocar “danos irreversíveis à sua saúde” - como veio alegar-, nem tão pouco cremos, à luz das regras da experiência comum, que seja razoável e aceitável admitir tal, só por si, como um resultado previsível, ou mesmo possível.
Em suma, como entendeu o Tribunal a quo é certo que a transferência de local de trabalho vai implicar transtornos para a autora, mas não se considera que os ajustamentos necessários a introduzir na organização da vida familiar e pessoal, em razão de ter de passar a despender 1 hora e 10minutos para se deslocar para o trabalho e idêntico tempo para retornar a casa finda a jornada de trabalho, seja suficiente para se concluir pela existência de um prejuízo sério.
Concluindo, improcede o recurso. III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).
Porto, 22 de Março de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira