CITAÇÃO POSTAL
CITAÇÃO QUASE-PESSOAL
PRESUNÇÃO DE ENTREGA E DE CONHECIMENTO
NULIDADE DA CITAÇÃO
Sumário

I - A citação postal realizada ao abrigo dos arts. 228º e 230º do Cód. de Proc. Civil considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
II - Sendo a carta recebida por terceiro estamos perante citação quase-pessoal que é equiparada a citação pessoal, nos termos do art. 225º, nº 4 do Cód. de Proc. Civil, presumindo-se que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que o citando dela teve oportuno conhecimento.
III - Consagra-se, assim, nestes preceitos uma dupla presunção, que, por admitir ilisão, é “juris tantum”.
IV - Se o destinatário da citação pessoal demonstrou que a carta enviada para a sua citação não lhe foi entregue, por facto que não lhe é imputável, ocorre falta de citação nos termos do art. 188º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil.
V - O art. 188º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, em que se estabelece um regime mais exigente de arguição da nulidade de citação por falta de efetivo conhecimento do ato, dependendo esta nulidade da demonstração de que, na ocasião em que a citação foi efetuada, já estava extinta a relação contratual no âmbito do qual foi estabelecido o domicílio, só se aplica aos casos em que exista domicílio convencionado, nos termos e para os efeitos do art. 229º do mesmo diploma.
VI - Porém, o disposto no art. 229º, referente ao domicílio convencionado, aplica-se apenas nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato escrito em que cumulativamente as partes tenham convencionado um domicílio especial para o efeito da sua citação e a obrigação respeite a fornecimento continuado de bens ou serviços ou, tendo a obrigação outra causa, o valor da ação não exceda a alçada do tribunal da relação.
VII - Como tal, o regime do art. 229º não é aplicável às ações executivas.

Texto Integral

Proc. nº 4644/17.3 T8OAZ-B.P1
Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis – Juiz 2
Apelação (em separado)
Recorrente: B…, SA
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Carlos Querido

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
O executado C… veio deduzir embargos de executado, em 16.12.2019, sustentando que nunca foi citado para os presentes autos e que só em 9.12.2019 tomou conhecimento através da sua entidade patronal de que estava a correr contra si uma ação executiva intentada pela B….
Ora, a não citação do executado implica a nulidade do processado posterior nos termos do artigo 187º do Cód. de Proc. Civil, desde que a falta não se encontre sanada.
Por isso, pretende que seja anulado todo o processado nestes autos dando-se sem efeito as penhoras efectuadas e ainda que seja suspenso o prosseguimento da execução.
Em 29.1.2020, a Mmª Juíza “a quo” indeferiu liminarmente os embargos de executado por serem intempestivos, face ao disposto no art. 732º, nº 1, al. a) do Cód. de Proc. Civil, e também por erro no meio processual adequado.
Porém, aproveitando a arguição da falta de citação, a Mmª Juíza “a quo” procedeu à sua convolação oficiosa para os termos processuais corretos, tendo determinado a inserção de cópia da oposição à execução nos autos principais e ordenado a notificação do exequente para este exercer, querendo, e em dez dias, o seu direito ao contraditório.
Notificou ainda o agente de execução para este se pronunciar, em dez dias, sobre a reclamação da falta de citação do executado.
O agente de execução pronunciou-se, entendendo que foram cumpridos todos os formalismos da citação e considerando-a válida.
A exequente pronunciou-se também no sentido da validade da citação.
Foi inquirida uma testemunha e o executado C… ouvido em declarações de parte.
Em 29.9.2020 foi proferida decisão que deferiu o pedido de nulidade por falta de citação do executado, e, em consequência, declarou nulo todo o processado depois da sua falta de citação inclusive, devendo ser o executado citado para a ação executiva.
Inconformada com o decidido, interpôs recurso de apelação a exequente “B…, SA” que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) O Sr. Agente de Execução cumpriu todas as formalidades da citação, previstas legalmente;
B) Tendo sido o aqui Recorrido citado em terceira pessoa, que não devolveu a citação, antes a aceitou;
C) Não havia legalmente, forma de saber que o executado havia alterado a sua residência;
D) Até ao pedido de nulidade de citação, várias notificações foram efectuadas, incluindo, a da venda do imóvel, aonde residiam os filhos menores do aqui Recorrido;
E) No contrato assinado e aceite pelo aqui Recorrido, previa o domicílio convencionado e, a obrigatoriedade do mutuário avisar o mutuante da alteração da morada, caso esta se viesse a verificar;
F) Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, o que não aconteceu, quer quanto ao seu cumprimento pecuniário, quer à obrigação de comunicar nova morada;
G) O executado alterou a sua morada junto do cartão de cidadão e junto a Autoridade Tributaria e Aduaneira e Segurança Social, descurando a sua obrigatoriedade de alterar a residência junto da Instituição Bancária na qual havia contratado mútuos e, aos quais estava obrigado a cumprir;
H) Demonstrando assim, um alheamento completo ao desenrolar daqueles contratos, que não pode, nem deve ser atendido.
I) Só há nulidade de citação quando se prove que tal não se deveu a motivo imputável ao citando;
J) Não se encontravam extintas as relações decorrentes dos contratos, pelo que havendo domicílio convencionado, a nulidade da citação fica sem efeito - Artº 188º nº 2 do C.P.C.
K) Não tendo avisado da alteração da morada, como lhe competia e, porque expresso contratualmente, não se pode verificar a nulidade da citação.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se no caso dos autos ocorre falta de citação do executado.
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É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:
1. A “carta de citação postal do executado” junta a fls. 31 e Aviso de Receção de fls. 31v cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. O executado reside na Rua … nº .., ….-… …, desde pelo menos 10 de abril de 2013, tendo procedido à alteração da sua morada, no cartão de cidadão, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e Segurança Social.
3. Nunca tendo recebido na sua morada qualquer citação ou notificação no âmbito destes autos.
4. Desde, pelo menos, meados do ano de 2007, o executado deixou de ter acesso à caixa postal da habitação sita na Rua … nº …, 2º andar traseiras, em ….
5. Nunca lhe tendo sido entregue qualquer comunicação que lhe tenha sido endereçada para aquela morada, pela ex-companheira D…, que continuou a habitar o imóvel.
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Passemos à apreciação jurídica.
1. O art. 228º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estabelece que a citação de pessoa singular por via postal se faz por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho.
A citação postal realizada ao abrigo deste artigo considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário – cfr. art. 230º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.
Sendo a carta recebida pelo próprio citando, a citação tem-se por realizada na data da assinatura do aviso de receção.
Sendo recebida por terceiro, presume-se que a entrega da carta ao citando ocorra nos cinco dias da dilação fixada pelo art. 245º, nº 1, al. a) do Cód. de Proc. Civil. Esta citação quase-pessoal é equiparada à citação pessoal, tratando-se de um dos casos expressamente previstos na lei a que se refere o art. 225º, nº 4.[1]
Dispõe-se neste último preceito que «nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento
Verifica-se, pois, que nos termos das disposições conjugadas dos arts. 225º, nº 4 e 230º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil se presume que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que o citando dela teve oportuno conhecimento.
Porém, resulta de qualquer um destes preceitos que esta dupla presunção admite ilisão, sendo “juris tantum”.
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 188º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil, o citando pode demonstrar que enquanto “destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”.[2]
2. No caso dos autos a citação do executado C… foi feita através de carta registada enviada para a sua residência constante do processo - Rua … nº …, 2º andar traseiras, … -, tendo o respetivo aviso de receção sido assinado por D….
Por força das disposições legais que atrás se referenciaram presume-se que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário e que, assim, este teve dela oportuno conhecimento.
No entanto, como já se assinalou, esta dupla presunção pode ser ilidida por prova em contrário, o que no caso “sub judice” ocorreu, uma vez que se deu como provado, que o executado desde pelo menos 10.4.2013 reside na Rua …, nº .., …, e nesta morada nunca recebeu qualquer citação ou notificação no âmbito destes autos [nºs 2 e 3].
Nesse sentido, mais se provou que, pelo menos desde meados do ano de 2007, o executado deixou de ter acesso à caixa postal da habitação sita na Rua … nº …, 2º andar traseiras, em …, e que nunca lhe foi entregue qualquer comunicação que lhe tenha sido endereçada para aquela morada, pela ex-companheira D…, que continuou a habitar o imóvel [nºs 4 e 5].
A Mmª Juíza “a quo”, para dar como provada esta factualidade, fundou-se nas declarações de parte prestadas pelo executado C… que conjugou com a prova documental junta (print da alteração da morada de 10.4.2013) e com o depoimento credível da testemunha E…, que atestou que o executado já não reside na morada em causa há cerca de 10/11 anos e mantém uma relação bastante conflituosa com a executada, sua ex-mulher.
Por isso, na decisão recorrida se escreveu que o tribunal ficou convencido que o executado C… há muito tempo que não residia na morada por onde foi remetido o expediente relativo à sua citação, tal como ficou convencido de que executada D…, sua ex-mulher, não lhe entregou a carta de citação, o que seria resultado da ausência de comunicação entre os dois.
Como tal, face à factualidade que foi considerada apurada, a 1ª Instância concluiu que o executado C… ilidiu a presunção decorrente dos arts. 230º, nº 1 e 225º, nº 4 do Cód. de Proc. Civil, atendendo a que demonstrou que a carta destinada à sua citação não lhe foi entregue.
Consequentemente ocorre falta de citação, ao abrigo do art. 188º, nº 1, al. e) do Cód. de Proc. Civil, o que implica a nulidade de todo o processado após tal falta de citação – cfr. também o art. 187º, al. a) do mesmo diploma.
3. Porém, a exequente B…, SA, embora não se tivesse insurgido contra a factualidade dada como assente na decisão recorrida, veio pugnar pela regularidade da citação sustentando que no contrato celebrado com os ora executados havia domicílio convencionado, estando também prevista a obrigação do mutuário avisar o mutuante da alteração da morada, caso esta se viesse a verificar.
Ora, não tendo o executado C… alterado a sua morada junto da instituição bancária com a qual havia contratado mútuos, entende a recorrente que a nulidade da citação fica sem efeito por força do disposto no art. 188, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
Estatui-se o seguinte neste preceito:
«Quando a carta para citação haja sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do ato deve ser acompanhada da prova da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato; a nulidade da citação decretada fica sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado
4. A cláusula 19ª do contrato de alteração de empréstimo e hipoteca celebrado no dia 25.2.2011, em que foram intervenientes os executados, com a epígrafe “correspondência e domicílio”, tem a seguinte redação:
“1. As comunicações escritas dirigidas pela B… à parte devedora serão sempre enviadas para a morada constante do presente contrato[3], a qual é considerada, também, a do seu domicílio, para efeitos de citação, em caso de litígio.
2. As comunicações, quando registadas, presumem-se feitas, salvo prova em contrário, no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, se esse o não for e têm-se por efectuadas se só por culpa do destinatário não forem por ele oportunamente recebidas.
3. A parte devedora deverá informar imediatamente a B… de qualquer alteração da referida morada.”
Sucede que o disposto no acima transcrito art. 188º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, que se aplica aos casos em que exista domicílio convencionado, nos termos e para os efeitos do art. 229º do mesmo diploma, estabelece um regime mais exigente de arguição da nulidade de citação por falta de efetivo conhecimento do ato, dependendo esta nulidade da demonstração de que, na ocasião em que a citação foi efetuada, já estava extinta a relação contratual no âmbito do qual foi estabelecido o domicílio.[4]
O art. 229º do Cód. de Proc. Civil estabelece no seu nº 1 que «nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito em que as partes tenham convencionado o local onde se têm por domiciliadas para o efeito da citação em caso de litígio, a citação por via postal efetua-se, nos termos dos artigos anteriores, no domicílio convencionado, desde que o valor da ação não exceda a alçada do tribunal da Relação ou, excedendo, a obrigação respeite a fornecimento continuado de bens ou serviços
E depois no seu nº 2 estatui-se que: «Enquanto não se extinguirem as relações emergentes do contrato, é inoponível a quem na causa figure como autor qualquer alteração do domicílio convencionado, salvo se a contraparte o tiver notificado dessa alteração, mediante carta registada com aviso de receção, em data anterior à propositura da ação ou nos 30 dias subsequentes à respetiva ocorrência, não produzindo efeito a citação que, apesar da notificação feita, tenha sido realizada no domicílio anterior em pessoa diversa do citando ou nos termos do n.º 5
5. No entanto, apesar de na situação dos autos existir, conforme refere a recorrente, domicílio convencionado, tal não implica o sucesso do seu recurso, uma vez que o regime mais exigente de arguição de nulidade de citação por falta de efetivo conhecimento do ato consagrado no art. 188º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil sempre pressupõe que se verifique a situação prevista no art. 229º do mesmo diploma.
E essa situação no presente caso não ocorre.
É que a disciplina do art. 229º, que tem a epígrafe «domicílio convencionado», aplica-se apenas nas ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato escrito em que cumulativamente as partes tenham convencionado um domicílio especial para o efeito da sua citação e a obrigação respeite a fornecimento continuado de bens ou serviços ou, tendo a obrigação outra causa, o valor da ação não exceda a alçada do tribunal da relação.[5]
Ora, ações para cumprimento de obrigações pecuniárias são ações de condenação e não ações executivas, de tal forma que o regime deste art. 229º e, por consequência, o do art. 188º, nº 2 não são de aplicar aos presentes autos, que revestem a natureza de ação executiva.
Com efeito, a execução não é definível como ação de cumprimento.[6]
Mas mesmo que se subsumisse ação executiva ao conceito de ação de cumprimento ainda assim não era de aplicar o regime do art. 229º do Cód. do Proc. Civil ao presente caso, porquanto o valor desta ação executiva excede o da alçada do tribunal da relação, sendo que a obrigação nela em causa não respeita ao fornecimento continuado de bens ou serviços.
Deste modo, atendendo a que o executado C…, conforme atrás se explanou, logrou ilidir a presunção resultante dos arts. 230º, nº 1 e 225º, nº 4 do Cód. de Proc. Civil, uma vez que demonstrou que a carta destinada à sua citação não lhe foi entregue, por facto que não lhe é imputável, há que concluir pelo acerto da decisão da 1ª instância que considerou ter ocorrido falta de citação.
O recurso interposto pela exequente é assim de julgar improcedente.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela exequente B…, SA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 23.3.2021
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Carlos Querido
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[1] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 462.
[2] Cfr. Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, Almedina, pág. 357.
[3] É a Rua …, nº …, 2º andar, traseiras, …, Santa Maria da Feira.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 240.
[5] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 460.
[6] Cfr. Rui Pinto, ob. cit., pág. 354.