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INVENTÁRIO
ALIENAÇÃO
QUINHÃO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
HABITAÇÃO
Sumário
Pode ser exercido no processo de inventário – mesmo estando pendente incidente de habilitação de cessionário – o direito de preferência na alienação de alienação da meação da cabeça-de-casal nos bens comuns do inventariado seu marido, desde que a questão não se revista de complexidade.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
No processo de Inventário nº …../01, a correr termos no Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, ….º Juízo de Competência Cível, aberto por óbito do inventariado B……., o cessionário C………, incorformado com o douto despacho de fl.s 2 e ss, que admitiu, nos próprio processo de inventário, o incidente do exercício do direito de preferência, na alienação do quinhão hereditário e da meação da interessada D……., suscitado pelo interessado E……., do mesmo interpôs o presente recurso.
Na respectiva minuta formulou as seguintes conclusões:
1 – O douto despacho ora recorrido deve ser revogado e substituído por outro que não admita o incidente deduzido nos autos pelo interessado E…….., ou, no caso de o admitir, substituir por outro que exclua do exercício do direito de preferência a alienação da meação da cabeça-de-casal nos bens comuns do seu dissolvido casal com o de cujos, inventariado, B……, porquanto,
2 – Não deveria ter sido admitido o exercício do direito de preferência em sede de inventário quando se encontrava a correr habilitação de cessionário promovida por apenso aos autos de inventário.
3 – Para além do mais porque não pode o cessionário intervir no processo de inventário, aí defendendo os seus direitos adquiridos por escritura pública, enquanto não for habilitado.
4 – Este é, aliás, entendimento da doutrina e jurisprudência maioritárias.
5 – Para além disso, existindo já a correr processo de habilitação, nada impede e até por uma questão de defesa do princípio da celeridade e economia processual, que fosse no incidente de habilitação discutida a questão da preferência.
6 – O incidente requerido no inventário carece assim de fundamento legal e contraria o disposto no artigo 1.333º/1 in fine do C.P.C.. Acresce que,
7 – Não deverá o exercício do direito de preferência incidir sobre a meação da cônjuge sobreviva, pois que,
8 – Trata-se de propriedade da cônjuge sobreviva, podendo a mesma dispor dos seus bens, enquanto estão os mesmos inteiramente livres e a título oneroso.
9 – Se assim não fosse não se entenderia o regime especial previsto no artigo 2.162º do C.Civil.
10 – Neste sentido, vidé RLJ 105º-160º citado no C. Civil Anotado, nota 1 ao artigo 2.130º, de Abílio Neto, 8ª Edição, pág. 1352.
11 – Nem será de aplicar à venda do quinhão hereditário as regras da compropriedade que justificam o exercício do direito de preferência, pois que,
12 – A herança objecto dos autos encontra-se indivisa e ilíquida. Trata-se de um património autónomo, e como universalidade de facto não permite a sua composição antes da partilha em bens determinados, e por tal, impossível de lhe ser aplicado o regime do exercício do direito de preferência entre comproprietários.
13 – O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 1.332º/6; 1.333º e 668º/1, al. d) do C.P.C. e ainda 1.403º e 2.130º, ambos do C. Civil.
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Houve contra-alegações.
O Mmº Juiz “ a quo “, manteve a sua decisão.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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Para além do supra referido, é de mencionar, ainda, a seguinte factualidade:
A interessada /cabeça-de-casal D……, por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis a 09 de Abril de 2003 declarou vender ao ora recorrente, o direito à meação e o quinhão hereditário que lhe pertenciam nos bens comuns do seu dissolvido casal e na herança, ainda ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu falecido marido B…… .
Correm, por apenso ao Inventário, uns autos de incidente de habilitação de adquirente ou cessionário, sendo habilitante C…… e habilitados E…… e outros, no qual aquele habilitado e ora recorrido, juntou o requerimento constante de fl.s 8 dos presentes autos, no qual declarou pretender exercer o direito de preferência, na alienação do direito à meação e quinhão hereditário pertencente à viúva, no processo de inventário.
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Do mérito do recurso.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – CPC 684º, nº 3 e 690º, nº.s 1 e 3 (Diploma a que pertencem as normas a seguir mencionadas sem indicação de origem )
Com tal delimitação são duas as questões a decidir:
1ª) - O direito de preferência deve ser exercido no apenso de habilitação ou no inventário?
2ª ) - O direito de preferência abrange ou não o direito à meação?
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Vejamos a primeira.
O Senhor juiz entendeu admitir o incidente em causa nos próprios autos de inventário.
Defende o Recorrente que, estava a correr apenso de habilitação de cessionário, pelo que nada impede, atentos os princípios da celeridade e economia processual, que a questão da preferência fosse discutida nesse apenso, não podendo o cessionário intervir no inventário enquanto não estiver, como tal, habilitado, pelo que o decidido carece de fundamento legal e contraria o disposto no artº. 1333º, nº1.
Mas sem razão ( s.d.r. ).
Diz o citado nº1, do artº. 1333º:
“A preferência na alienação de quinhões hereditários dos interessados na partilha pode ser exercida incidentalmente no processo de inventário, salvo se envolver a resolução de questões de facto cuja complexidade se revele incompatível com a tramitação daquele processo”.
Cotejando esta norma com a que anteriormente regulava o exercício do direito de preferência – artº. 1336º, nº 1 – constata-se que a anterior o fazia em termos mais limitados, na medida em que só podia ser exercida no processo de inventário quando envolvesse «apenas questões de direito ou que simplesmente exijam prova documental».
E compreende-se esta evolução legislativa, se atentarmos nas palavras (aqui, actuais) de Simões Pereira in Processo de inventário e Partilhas, p.164:
“…O principal, se não mesmo o exclusivo, fundamento do direito de preferência na venda de quinhões hereditários está em impedir que um estranho se intrometa na partilha sem o consentimento dos restantes interessados. Sendo assim, torna-se evidente a necessidade de facilitar o exercício do direito antes da partilha e um dos modos de o fazer está em permitir esse exercício, de forma sumária e simples, no próprio processo de inventário, sempre que possível “.
Foi o que o ora Recorrido fez (depois de “avisar”, no apenso de habilitação de adquirente, que o ia fazer), sendo certo que os argumentos invocados pelo Agravante para sustentar a falta de fundamento legal de tal procedimento não podem colher.
Na verdade, não se descortina a necessidade de resolução de questões de facto cuja complexidade se revele incompatível com a tramitação do inventário (1333º/1, in fine), sendo certo que não integra tal “complexidade”, como alega o Recorrente, a circunstância do cessionário ainda não se encontrar habilitado – é que, tanto quanto consta dos autos, a habilitação encontra-se pendente e, nessa situação, nada impede que se decida a questão da preferência no inventário (v., neste sentido, Domingos de Sá in Do Inventário, Descrever, Avaliar e Partir, pág. 71 e seg.), assim como não o impediria (atenta a simplicidade do incidente e a vantagem que daí resulta para a partilha, atenta a já referida razão de ser da preferência), naquelas situações em que o cabeça-de-casal indica o cessionário nas suas declarações, ou em que nem o cessionário vem habilitar-se, nem o cabeça-de-casal o indica nas suas declarações iniciais, nem o requerente do inventário faz indicação do cessionário (cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, III, 2ª. ed., p.162 e ss ).
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Quanto à 2ª questão.
Advoga o Recorrente que, a admitir-se a tramitação do incidente no inventário, então que se exclua do exercício do direito de preferência a alienação da meação da cabeça-de-casal nos bens comuns do seu dissolvido casal, com o inventariado B……., na medida em que as regras da compropriedade, que justificam o exercício do direito de preferência, não se aplicam à venda do quinhão hereditário, pois que a herança em causa, indivisa e ilíquida, constitui um património autónomo, uma universalidade de facto, não permitindo a sua composição, antes da partilha, em bens determinados.
Mais uma vez, não o acompanhamos.
De acordo com o nº 1, do artº. 2130º, do C.C.:
“Quando seja vendido ou dado em cumprimento a estranhos um quinhão hereditário, os co-herdeiros gozam do direito de preferência nos termos em que este direito assiste aos comproprietários”.
Ora, da simples leitura desta norma constata-se que ela faz uma equiparação entre o direito de preferência dos co-herdeiros e o que assiste aos comproprietários.
Tais direitos, é certo, não se identificam totalmente quanto à natureza do seu objecto, pois que, enquanto na compropriedade há participação na propriedade de bens certos e determinados, na contitularidade do direito à herança (que, enquanto indivisa é um património autónomo de afectação especial – ao pagamento das dívidas e outros encargos do seu autor – constituindo uma universalidade de bens) há direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada, como universalidade que é indivisível enquanto a partilha se não fizer (cfr. Pereira Coelho, Sucessões, 2ª ed., 1968, p-71 e A.Varela, Direito da Família, 1982, p.373 e ss).
Porém, partir da enunciação destes princípios, para concluir, como o faz o Recorrente, pela exclusão da venda do direito à meação do direito de preferência, é que se nos afigura destituído de suporte legal.
Na verdade, pensamos que a conclusão terá de ser a oposta, precisamente porque a alienante/cabeça-de-casal só tem direito a uma parte ideal da herança em si mesmo considerada, devendo, portanto, ser relacionados e descritos todos os bens que constituem o acervo hereditário, ainda que o cônjuge sobrevivo tenha cedido a terceiro o seu direito à meação nos bens do casal, como aconteceu in casu.
É que (como se observa nos doutos ac.s do STJ de 16/7/71 e de 2477/84: BMJ, 209/160 e 339/392, respectivamente ) uma vez dissolvido o casamento, o meeiro pode dispor desse direito (C.C. 1689º), caindo-se no regime do artº. 1403º, do CC; de qualquer maneira, a situação seria de “comunhão de outros direitos” (indivisão entre o meeiro e os herdeiros ), sendo-lhe aplicáveis as regras da compropriedade (CC 1404º) – entre elas, as dos artº.s 1409º e 1410º, todos do C.C..
Decisão.
Pelo exposto, improcedendo todas as conclusões da alegação do Recorrente, nega-se provimento ao agravo e confirma-se o douto despacho recorrido.
Custas pelo agravante.
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Porto, 29 de Maio de 2006
José Rafael dos Santos Arranja
Jorge Manuel Vilaça Nunes
Abílio Sá Gonçalves Costa