INSOLVÊNCIA
ACLARAÇÃO
DESPACHO DO RELATOR
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
EXTEMPORANEIDADE
CONTAGEM DE PRAZO
CONSTITUCIONALIDADE
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
OBJETO DO RECURSO
SUSPENSÃO
NULIDADE
Sumário


I - O prazo (de 10 dias) de que a parte dispõe para requerer que sobre a matéria do despacho do relator recaia acórdão conta-se desde a notificação da decisão do relator.
II - O decurso de tal prazo não é obstaculizado pelo facto da parte ter apresentado sucessivos requerimentos que apelidou de “aclaramento” e onde, invocando inclusivamente os arts. 616.º e 617.º do CPC, reagia contra a bondade da decisão.
III - Os desvalores jurídicos apontados ao despacho do relator têm de ser feitos atuar mediante reclamação para a conferência, e não mediante iniciativas como as descritas no ponto anterior.
IV - Se a parte opta por iniciativas processuais espúrias, em detrimento das iniciativas processuais que, segundo os ditames da lei ordinária, eram as cabidas ao caso, não pode dizer-se que enferma de inconstitucionalidade o “entendimento” que extrai as consequências dessa opção.
V - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

Texto Integral



Processo n.º 2442/19.9T8GMR-B.G1.S1

Revista

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação ……

                                                           +

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

Foi oportunamente declarada, por sentença proferida no Juízo de Comércio …, a insolvência de AA e mulher BB (doravante denominados Requeridos).

Os Requeridos interpuseram recurso da sentença.

O recurso não foi admitido, por extemporaneidade.

Os Requeridos reclamaram, nos termos do art. 643.º do CPCivil, contestando o indeferimento do recurso e pretendendo a sua admissão.

Na Relação ….. foi a reclamação indeferida por decisão (de 13 de janeiro de 2020) da Exma. Relatora.

Tal decisão foi notificada (eletronicamente) aos Requeridos no dia 14 de janeiro de 2020.

Os Requeridos requereram aquilo a que chamaram aclaração da decisão, invocando a propósito os art.s 616.º e 617.º do CPCivil.

Sobre tal requerimento recaiu despacho (de 23 de março de 2020), onde se expressou que a decisão visada não enfermava de qualquer obscuridade.

Os Requeridos apresentaram novo pedido daquilo a que chamaram aclaração, invocando a propósito os art.s 616.º e 617.º do CPCivil.

Sobre tal pedido recaiu despacho (de 5 de maio de 2020) onde se disse que a questão que se pretendia ver apreciada já fora objeto do despacho de 23 de março de 2020.

Os Requeridos apresentaram pedido daquilo a que chamaram aclaração do despacho de 5 de maio de 2020, invocando a propósito os art.s 616.º e 617.º do CPCivil.

Foi proferido despacho (8 de junho de 2020), que recusou tal pedido.

Aí se observou que se começava a entrever como evidente que o que, no fundo, os Requeridos pretendiam era obstar à baixa do processo e ao trânsito em julgado da decisão que decretou a sua insolvência e de que pretenderam recorrer.

Mais se consignou que, caso persistissem na mesma conduta processual seria o caso levado à conferência, nos termos e para os efeitos do art.º 670.º do CPCivil.

Dado que o requerimento era apresentado fora de prazo, foi invocado justo impedimento para a sua não apresentação atempada.

Sobre esta pretensão proferiu a Exma. Relatora despacho (de 17 de julho de 2020) onde decidiu que a mesma era extemporânea, pois que desde havia muito que estava esgotado o prazo de 10 dias disponível para reclamar para a conferência, sendo que os sucessivos pedidos de aclaração não colidiam com esse prazo nem era caso de justo impedimento.

Requereram então os Requeridos que sobre a matéria desse despacho recaísse acórdão.

Dado que o requerimento era apresentado fora de prazo, foi invocado justo impedimento para a sua não apresentação atempada.

Foi proferido despacho (28 de agosto de 2020) que recusou procedência ao invocado justo impedimento.

Mas sendo o requerimento atendível mediante o pagamento de multa, e tendo esta sido, entretanto, paga, foi o caso levado o caso à conferência.

Foi então proferido acórdão que indeferiu a reclamação e manteve a decisão singular reclamada.

Inconformados com o assim decidido, pedem os Requeridos revista.

Da respetiva alegação extraem as seguintes conclusões:

1ª. O presente acórdão admite recurso de revista, uma vez que indeferiu a impugnação do despacho singular, sendo o valor da causa superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada é desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, tudo nos termos do disposto nos artigos 215º e 629º, n.º 1 e ss. do Código de Processo Civil, 652º, n.º 5, al. b) e 671º, todos do Código de Processo Civil, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

2ª. Sucede que os pedidos de aclaração da decisão impunham a impossibilidade de reclamação para a conferência enquanto não estivesse esclarecida a questão levantada para ser possível aferir da necessidade ou não de reclamação para a conferência. Além de, admitidos os pedidos de aclaração pelo Tribunal a quo e cobradas as taxas pelos mesmos, a sua não rejeição implica o não decurso do prazo de recurso. Para entendimento distinto não podiam ter sido admitidos os pedidos de aclaração, nem taxados.

3ª. O acórdão n.º 16/2010 - Diário da República n.º 36/2010, Série II de 2010-02-22 – considerou que: “Julga inconstitucional a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.”

4ª. Isto por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da CRP, o que se aplica no caso do PIRE por imposição dos artigos 13º, 20º da CRP.

5ª. O entendimento diverso seguido pelo acórdão recorrido viola a Constituição da República Portuguesa que consagra a defesa dos direitos dos cidadãos (cfr. artigo 20º), de entre os quais se encontra assegurado o recurso a procedimentos judiciais (cfr. n.º 5 do artigo 20º) e o recurso de decisões judiciais (cfr. artigo 32º, n.º 1), direito este, segundo o princípio da igualdade (artigo 13º), extensível a todos os cidadãos. Considerar que o pedido de aclaração não suspende o prazo de recurso é negar o direito ao recurso devidamente esclarecido e fundamentado, pelo que é inconstitucional.

6ª. Arguidas nulidades, não se pronunciou o Tribunal sobre as mesmas e tendo baixado os autos em relação a uma das nulidades arguidas, foi produzida prova sem respeito do contraditório, o que é de todo inadmissível por lei e inconstitucional, em claro prejuízo dos reclamantes, o que expressamente se arguiu para os devidos efeitos legais e consubstancia nulidade.

7ª. Os recorrentes arguiram expressamente a falsidade da informação constante do termo de 09/09/2019 ref. …., pois à Advogada que contactou a secção foi informado que o termo do prazo de recurso ocorria em 08/08/2019 acrescido de 3 dias úteis com multa, informação esta prestada pela funcionária da secção CC, requerendo a realização de diligências.

8ª. Sucede que, conforme arguido pelos Recorrentes, até à presente data os reclamantes de nada mais foram notificados nem convocados para qualquer diligência judicial, nomeadamente quanto à arguida nulidade, realização ou não da audição requerida ou de quaisquer outras diligências ou despachos, tendo sido os autos remetidos a ao Tribunal de 1ª instância, o que consubstancia invalidade, nulidade, ilegalidade e irregularidade de tudo o processado desde o requerimento supra mencionado e subsequente descida dos autos à primeira instância, o que expressamente se arguiu para os devidos efeitos legais.

9ª. Termos em que foi arguida invalidade, nulidade, ilegalidade e irregularidade de tudo o processado desde o requerimento supra mencionado, para os devidos efeitos legais conforme supra exposto, o que determina a nulidade de tudo o processado desde a arguida nulidade e descida dos autos à 1ª instância, por fundamental para a descoberta da verdade material e violação, além do mais, do princípio do contraditório, nulidade esta que não tendo sido apreciada até à presente data o deve ser no âmbito do presente recurso.

10ª. Produzida prova requerida pelos Recorrentes sem que estes tivessem sido convocados para a diligência consubstancia clara nulidade que influenciou todo o posteriormente decidido no presente processo, influenciando o exame e a decisão da causa por se tratar de prova para determinar a existência de informação errada prestada pela secretaria quanto ao prazo de recurso, assim como consubstancia clara invalidade com as consequências supra mencionadas (ilegalidade e invalidade de tudo o posterior processado).

11ª. A nulidade foi devidamente arguida pelos Recorrentes, mesmo antes de consultarem os autos e, como tal, antes de terem conhecimento das mesmas, pelo que no prazo legal – artigos 195º, 197º, 198º e 199º do CPC.

12ª. O acórdão proferido não se pronunciou igualmente sobre as arguidas nulidades, o que consubstancia nulidade por falta de pronúncia que expressamente se argui – artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC.

13ª. Deveria ter sido admitida a reclamação para a conferência.

14ª. O acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 3º, 195º, 197º, 198º e 199º, 615º, n.º 1, al. d), 670º CPC, 380º, 411º, n.º 1 do CPP, 13º, 20º, 32º da CRP.

                                                           +

Não se mostra oferecida qualquer contra-alegação.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou argumentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

                                                           +

São questões a conhecer:

- Tempestividade da reclamação para a conferência;

- Inconstitucionalidade do “entendimento” do acórdão recorrido;

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Dão-se aqui por reproduzidas as incidências fáctico-processuais acima descritas.

De direito

Quanto à matéria da conclusão 1.ª

Os Recorrentes dizem aqui que o acórdão recorrido admite recurso de revista.

Aceita-se que assim seja (pelo menos na dúvida), razão pela qual se está a conhecer do recurso.

Nada a opor, pois, a tal conclusão.

Quanto à matéria da conclusão 2.ª

O acórdão recorrido decidiu que o requerimento apresentado pelos Requeridos, tendente a que sobre o despacho da Exma. Relatora que decidiu a reclamação contra o indeferimento do seu recurso de apelação recaísse acórdão, era extemporâneo.

Razão pela qual a questão sobre que decidiu a Exma. Relatora não tinha (não podia) ser levada à decisão da conferência.

Sustentam os Recorrentes que o seu requerimento deve ser havido como tempestivo, pois que enquanto não vissem dissipadas as dúvidas que os assaltavam não podiam requerer.

Mas não pode ser subscrito tal ponto de vista.

O decidido apresenta-se inteiramente conforme à lei, pelo que não pode deixar de ser mantido.

Efetivamente, a decisão da Exma. Relatora que apreciou a reclamação foi proferida em 13 de janeiro de 2020.

Tal decisão foi notificada aos Requeridos, por via eletrónica, no dia 14 de janeiro de 2020.

O prazo de que estes dispunham para requerer que sobre a matéria da decisão da Exma. Relatora recaísse acórdão era de 10 dias (art. 149.º, n.º 1 do CPCivil).

O que significa, visto o disposto no n.º 1 do art. 248.º do CPCivil, que tal pretensão só podia ter sido deduzida até ao dia 27 de janeiro de 2020 (ou 30 de janeiro de 2020, mediante o pagamento de multa).

Ocorre, porém, que apenas em 25 de junho de 2020 foi requerida a intervenção da conferência.

Extemporaneamente, pois.

É certo que os Requeridos foram apresentando sucessivos requerimentos, a que atribuíram os epítetos de “aclaração”, mas essas iniciativas processuais não obstavam ao decurso do prazo de 10 dias de que dispunham para requerer a intervenção da conferência.

Percorrendo tais requerimentos vemos que os Requeridos não mostravam ter dúvidas quanto àquilo que a Exma. Relatora decidira em sede de apreciação da reclamação. Nem, de resto, a lei atual (e diferentemente do que sucedia em lei pregressa), ciente dos abusos a que o contrário sempre levou, admite pedidos de aclaração autónomos (considerando, ao invés, como causa de nulidade da decisão a ambiguidade ou a obscuridade que a torne ininteligível (art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPCivil)).

Do que se tratava era de sucessivas discordâncias dos Requeridos acerca da bondade da decisão, ou seja, acerca da forma como a Exma. Relatora decidira a reclamação.

E tanto isto era assim que os Requeridos até invocaram os art.s 616.º e 617.º do CPCivil como suporte jurídico da sua pretensão, significando desse modo que estavam a reagir contra decisão tida por ilegal.

Ora, aqui chegados, há que ver que, nos termos do art. 652.º, n.º 3 do CPCivil, o meio próprio para reagir contra a decisão do relator que se tenha por desconforme à lei é a reclamação para a conferência (o que, no contexto do procedimento de reclamação contra o indeferimento do recurso é até reafirmado expressamente pelo n.º 4 do art. 643.º do CPCivil).

E é no âmbito dessa reclamação para a conferência que compete requerer a reforma da decisão do relator (ou arguir a sua nulidade, por obscuridade ou ambiguidade).

É que embora a reclamação para a conferência não se traduza tecnicamente num recurso, não deixa de constituir uma impugnação de uma decisão, pelo que tudo se passa como se estivéssemos perante um recurso.
Por isso tem inteira razão o acórdão recorrido quando (transcrevendo, por sua vez, o que constava do despacho reclamando da Exma. Relatora), afirma que “no caso da decisão singular prevista no art. 643.º do CPC, existindo a possibilidade da sua impugnação para a conferência, esta impugnação em tudo se comporta como um recurso; e, nessa medida, desejando os Reclamantes beneficiar da mesma, teriam que a ter pedido no prazo legal de 10 dias, contados da efectiva notificação da dita decisão singular (e não de qualquer outra, que haja recaído sobre distintas formas de reacção que entenderam exercer).
Portanto, os Requeridos podiam (se quisessem) e deviam (se tivessem cumprido a lei) ter reclamado para a conferência dentro do prazo legal de 10 dias sobre a notificação da decisão da Exma. Relatora que conheceu da reclamação que apresentaram contra o indeferimento do seu recurso de apelação.
Se o não fizeram, optando por outras iniciativas avulsas (na realidade, evidentes manobras dilatórias, como se entreviu, como toda a pertinência, no despacho da Exma. Relatora de 8 de junho de 2020), sibi imputat. Não têm de que se queixar.

Improcede, pois, a conclusão em destaque.

Quanto à matéria das conclusões 3ª, 4ª, 5ª

Diz-se nestas conclusões que:

- O acórdão n.º 16/2010 - Diário da República n.º 36/2010, Série II de 2010-02-22 – considerou que: “Julga inconstitucional a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.”

- Isto por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da CRP, o que se aplica no caso do PIRE (CIRE?) por imposição dos artigos 13º, 20º da CRP.

- O entendimento diverso seguido pelo acórdão recorrido viola a Constituição da República Portuguesa que consagra a defesa dos direitos dos cidadãos (cfr. artigo 20º), de entre os quais se encontra assegurado o recurso a procedimentos judiciais (cfr. n.º 5 do artigo 20º) e o recurso de decisões judiciais (cfr. artigo 32º, n.º 1), direito este, segundo o princípio da igualdade (artigo 13º), extensível a todos os cidadãos. Considerar que o pedido de aclaração não suspende o prazo de recurso é negar o direito ao recurso devidamente esclarecido e fundamentado, pelo que é inconstitucional.

Ora, a despeito destas elucubrações jurídico-constitucionais, os Recorrentes não identificam, nem nas conclusões em destaque nem no corpo da alegação, que norma concreta é que, afinal, é inconstitucional na interpretação que lhe possa ter sido dada pelo acórdão recorrido.

Tudo o que fazem é afirmar que o “entendimento” do tribunal recorrido é inconstitucional, passando depois a discursar sobre certos preceitos da Constituição da República Portuguesa.

Portanto, os Recorrentes não estão a suscitar a questão da inconstitucionalidade de qualquer norma de direito ordinário que tenha sido aplicada, limitando-se a afirmar que o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, incorreu na violação de certos artigos da Constituição da República Portuguesa.

Com proveito para o caso vertente, observe-se o que se diz no acórdão n.º 560/94 do Tribunal Constitucional (com texto disponível na página da internet do Tribunal Constitucional):

«(…) a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver - o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e perceptível. Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo. A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é (…) uma “mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.»

Dentro deste registo, observe-se também o que se afirma no acórdão da Relação do Porto de 22 de outubro de 2018 (processo n.º 235/12.3TYVNG-D.P1, disponível em www.dgsi.pt), e que não pode deixar de ser subscrito:

«(…) a mera afirmação de que existe inconstitucionalidade na aplicação de determinadas normas, não equivale a suscitar, validamente, uma questão de inconstitucionalidade normativa.

A válida imputação de inconstitucionalidade a uma norma (ou a uma sua dimensão parcelar ou interpretação), impõe, a quem pretende atacar, na perspetiva da sua compatibilidade com normas ou princípios constitucionais, determinada interpretação normativa, indicar concretamente a dimensão normativa que considera inconstitucional (…). A indevida aplicação da lei não configura só por si uma violação de preceitos constitucionais».

Do que fica dito resulta, cremos, a imediata improcedência das conclusões em destaque.

Mas sempre se dirá que nenhuma das normas constitucionais que os Recorrentes citam se pode ter como violada pelo direito infraconstitucional que o tribunal recorrido aplicou.

É que, como se julga ter demonstrado acima, os Requeridos - e pese embora o caráter visivelmente dilatório das suas iniciativas processuais (“aclaramentos”) - não foram, irrazoavelmente, privados da possibilidade do exercício do direito de impugnação da decisão da Exma. Relatora e aqui em causa (a decisão que conheceu da reclamação contra o indeferimento do recurso que interpuseram). Apenas sucede que optaram por iniciativas espúrias, em detrimento das iniciativas processuais que, segundo os ditames da lei ordinária (a quem a Constituição reconhece uma ampla margem de modelação do iter processual), eram as cabidas ao caso. E estas, se acaso eles as tivessem adotado, ter-lhes-iam permitido reagir contra a dita decisão.

Improcedem, pois, as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões 6.ª a 12.ª

Nestas conclusões os Recorrentes reportam-se a questões (nulidades, falsidade, etc.) que nada têm a ver com o objeto da decisão ora recorrida.

Na realidade, reportam-se a questões que têm a ver essencialmente com os fundamentos da reclamação que apresentaram inicialmente contra o despacho da 1ª instância que não admitiu o recurso que interpuseram contra a decisão que declarou a respetiva insolvência.

Os Recorrentes estão aqui a introduzir questões que se encontram fora daquilo a que foi chamado a decidir o acórdão recorrido, e que lhe estão totalmente a montante.

Recorde-se, mais uma vez, que o acórdão recorrido foi chamado a decidir unicamente sobre se era tempestivo o requerimento que os Requeridos haviam apresentado (em 25 de junho de 2020) no sentido de que sobre a matéria do despacho de 13 de janeiro de 2020 (o despacho que decidiu a reclamação contra o indeferimento do recurso) recaísse acórdão.

O acórdão recorrido não decidiu, nem tinha de decidir, sobre os fundamentos da reclamação contra o despacho que indeferiu o recurso que os Requeridos interpuseram contra a sentença que declarou a respetiva insolvência. Isso seria incumbência de um outro acórdão a proferir adrede, isto se acaso o acórdão ora recorrido tivesse invalidado a decisão da Exma. Relatora.

Ora, como acima se apontou, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

O que significa que não pode este tribunal conhecer das questões tratadas nas conclusões em destaque.

O que implica que improcedem em toda a linha as conclusões em destaque.

O que significa também que o acórdão recorrido, ao não ter conhecido de alguma das questões a que se reportam os Recorrentes, não incorreu na nulidade do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Quanto à matéria da conclusão 13.ª

Por tudo o que ficou dito, resulta que improcede esta conclusão, tendo o acórdão recorrido ajuizado adequadamente do ponto de vista jurídico ao ter indeferido, por extemporâneo, o pedido de reclamação para a conferência.

Quanto à matéria da conclusão 14.ª

Também por tudo o que ficou dito, resulta que improcede esta conclusão, não tendo o acórdão recorrido violado as normas legais citadas pelos Recorrentes.

IV - DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Regime de custas:

Os Recorrentes são condenados nas custas do presente recurso.

                                                           +

Lisboa, 23 de fevereiro de 2021

José Rainho (relator)

Graça Amaral (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

Henrique Araújo (tem voto de conformidade, não assinando por dificuldades de ordem operacional. O relator atesta, nos termos do art. 15.º-A do Dec. Lei. n.º 10-A/2020, essa conformidade)

                                                                               +

Sumário (art.s 663.º, n.º 7 e 679.º do CPCivil)

++

Apresentaram então os Requeridos requerimento (em 25 de junho de 2020) onde, invocando os art.s 643.º, n.º 4 e 652.º, n.º 3 do CPCivil, pediram que sobre a decisão da Exma. Relatora que indeferira a reclamação e respetivos despachos de aclaração recaísse acórdão.