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REVISÃO DA INCAPACIDADE
FACTOR DE BONIFICAÇÃO
IDADE
PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO
Sumário
No âmbito do incidente de revisão da incapacidade, quando o Sinistrado tiver 50 anos ou mais e não tenha beneficiado da aplicação do factor de bonificação 1.5, nos termos estabelecidos no ponto 5, alínea a), parte final, da TNI aprovada pelo Decreto-lei nº 352/2007, de 23 de Outubro -, é necessário que se verifique “modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação”, pressuposto a que alude o artigo 25º da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, para haver lugar à alteração da prestação que se encontra fixada.
Texto Integral
Processo nº 2421/14.2T8VNG.3.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 1 Recorrente: B… Recorrido: C…, S.A.
4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1 º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2 º Adjunto: Desembargador Domingos Morais
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório:
O Sinistrado, B…, em 11.05.2016, deduziu o presente incidente de revisão da incapacidade por em 27 de Fevereiro de 2014 ter sofrido um acidente, cujas lesões lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial de 3%, sendo que a data de fixação da incapacidade remonta a 20.04.2015, requerendo a respectiva submissão a exame médico de revisão, alegando sentir-se cada vez pior, com muitas dores que lhe têm provocado uma enorme limitação, designadamente para o seu trabalho, exercendo a actividade profissional de chapeiro, a qual implica andar debaixo dos carros, fazer força, subir e descer, baixar-se sobre os carros, movimentos esses que face às contínuas e cada vez mais insuportáveis dores, se mostram cada vez mais limitados e dolorosos.
Ainda que aquilo que tem sentido é uma modificação cada vez para pior da sua capacidade de trabalho e também de ganho, provenientes do agravamento da lesão que deu origem à anterior intervenção clínica, impondo-se a respectiva revisão.
Foi designada data para realização de exame médico de revisão da sua incapacidade.
Em 09.02.2017, pelo Hospital D…, foi junta informação clínica, relativa a:
- consulta de ortopedia efectuada ao Sinistrado em 19.09.2014 pelo Professor Dr. E… onde se lê:
gonalgia dta após entorse em 27FEV14 em acidente de trabalho (C…)
teve derrame tinha colateral interno (fez 5 sem de fisioterapia)
retomou trabalho nessa altura
piorou e só então efectuou RMN –tinha MI
operado em 22ABR14
está há 4 meses em fisioterapia e não melhorou
fez nova RMN e tem ruptura parcial do LCA.
sente instabilidade.
EO – rutura do LCA e sensibilidade no compartimento medial
RMN-pós-op-menisco bem+ruptura do LCA
para cirurgia
- consulta de ortopedia efectuada ao Sinistrado em 29.10.2014 pelo Prof. Dr. E… onde se lê:
CINTIGRAFIA – alts de sobrecarga do compartimento medial
Continua queixoso
Em 13 de Fevereiro de 2017, foi junta informação do médico especialista em Ortopedia-Traumatologia e Artroscopia, Dr. F…, dando conta que observou o Sinistrado em 20.11.2014 e nomeadamente que este era portador de RMN do joelho direito, datada de 07.08.2014 que revelou:
- Antecedente de meniscectomia parcial do menisco medial.
- Lesão das fibras proximais na inserção superior do ligamento lateral interno por rotura parcial.
- Rotura parcial de alto grau do ligamento cruzado anterior.
- Derrame articular de pequeno volume.
O exame ortopédico demonstrou essencialmente:
- Instabilidade antero-posterior.
- Hidartrose de pequeno volume.
Sem outros registos.
Em 02.03.2017 a C…, S.A., veio aos autos informar que o Sinistrado “anda a ser observado nos seus serviços clínicos, tendo tido consultas nos dias 16 e 21 de Fevereiro de 2017, sendo que, nesta última observação, foi prescrita uma RMN ao joelho direito (…) com consulta agenda para o próximo dia 14 de Março de 2017”.
Em 03.05.2017, foi proferido despacho determinando que fosse solicitada o agendamento de “data para conclusão do exame de revisão pelo INML, o qual, sendo caso e para além da incapacidade actual, se poderá pronunciar sobre os tratamentos de fisioterapia, cirúrgicos ou outros adequados à situação”.
Em 03.05.2017, o sinistrado, dando conta do seu desagrado com as sessões de fisioterapia que já fez e as que tem agendadas, veio solicitar a designação de data para realização de tentativa de conciliação com a presença do fisiatra e do médico Dr. F….
Em 02.08.2017, a C…, S.A., veio informar que o Sinistrado anda a ser observado nos seus serviços clínicos e que na última observação efectuada se considerou que o Sinistrado apresenta um quadro doloroso, pelo que se irá manter mais um ciclo de fisioterapia.
Em 29.08.2017, a C…, S.A., veio informar que o Sinistrado foi assistido nos seus serviços clínicos no dia 22.08.2017, mantendo o quadro de queixas no joelho com os movimentos estando agendada consulta de Ortopedia para o dia 17.10.2017.
Em 21.09.2017, a C…, S.A., veio juntar aos autos cópia da ficha clínica detalhada e relatório de exame auxiliar de diagnóstico (Ressonância magnética do joelho direito), datado de 09.03.2017, lendo-se neste relatório: “Derrame articular de pequeno volume. Quisto de Baker de espessura pericentimétrica.
Perda de substância do bordo livre do menisco interno em relação com os antecedentes de meniscectomia parcial, não se identificando sinais de re-rotura. Discreto hipersinal no bordo livre do corpo do menisco externo em relação com fibrilação mas sem lacerações meniscais.
O ligamento cruzado anterior encontra-se globoso e heterogéneo embora com preservação do trajecto da maioria das suas fibras, achados provavelmente sequelares a entorse. Sem translação anterior da tíbia.
Ligamento cruzado posterior e ligamento colateral lateral com trajecto preservado, sem sinais de entorses recentes ou roturas.
Globosidade da porção proximal do ligamento colateral interno provavelmente sequelar a entorse.
Patela alta com índice de Insall-Salvati de 1,46. Identifica-se edema da porção súpero-lateral da gordura de Hoffa em relação provável com síndrome de fricção do tendão rotuliano no côndilo femoro-lateral.
Identifica-se perda superficial da cartilagem de revestimento do compartimento femorotibial em relação com condropatia de grau II.
Sem áreas de alteração do padrão de sinal medular ósseo compatíveis com fracturas ou contusões ósseas recentes”.
Em 20.11.2017, o Sinistrado veio aos autos informar que a Companhia de Seguros lhe deu alta.
Em 22.11.2017, a C…, S.A. veio aos autos juntar relatório clínico referindo que o sinistrado mantém a situação anterior, tendo tido alta em 08.11.2017, lendo-se no relatório sobre a evolução clínica, depois da transcrição do teor do referido relatório de exame auxiliar de diagnóstico: “(…) Face à inexistência de rotura do LCA, sem indicação cirúrgica, propõe-se 2 ciclos de 20 sessões de Fisioterapia por ano de modo a manter quadro sintomático controlado. À data refere queixas dolorosas ao nível do joelho com os movimentos nomeadamente subir e descer escadas e cocaras EO. Sem amiotrofia da coxa D (D=E=50.5cm) sem derrame, sem instabilidade. Mantém situação anterior”.
Em 21.03.2018, foi junto relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho, levada a cabo em 12.01.2018, tendo no respectivo relatório a Perita Médica Cristina Silveira Ribeiro concluído pela necessidade do Sinistrado “ser avaliado em perícia de especialidade de ortopedia” considerando que “o quadro sequelar a avaliar é apenas do foro ortopédico”.
Em 27.06.2018, foi junto relatório de perícia médico-legal de especialidade de ortopedia, levada a cabo em 12.06.2018, tendo no respectivo relatório o Perito-Médico-Legal Dr. G… referido “Dados documentais(…) Segundo informação da Companhia de Seguros C…, datada de 02-03.2017, o examinado foi observado nos serviços clínicos nos dias 16 e 21 de fevereiro de 2017, tendo sido requisitada uma RM ao joelho direito nessa última consulta” “Não se efectuaram exames complementares de diagnóstico” e concluído “Não se observam razões de ordem clínica, para se considerar qualquer agravamento do seu estado sequelar.
Deverá manter a IPP anteriormente atribuída de 3%”.
O Sinistrado não se conformou com tal exame e veio, no prazo legal contido no artigo 145º nº 4 do Código de Processo do Trabalho, requerer a realização de exame de revisão por Junta Médica, solicitando que fosse o Tribunal a formular os quesitos.
O Tribunal começou por formular os seguintes quesitos (fls. 173):
1º) Houve agravamento das sequelas emergentes do acidente dos autos?
2º) Qual a IPP que o Sinistrado se encontra actualmente afectado?
Tais quesitos receberam as seguintes respostas unânimes dadas pelos Peritos Médicos:
1ª) Não.
2ª) Deverá manter a IPP de 3% já anteriormente atribuída.
O Sinistrado entendendo que os Peritos Médicos não justificaram nas respostas as respectivas conclusões e discordância com o relatório do Hospital D…, junto a fls. 87, que refere ter servido de base para o pedido de revisão, não tendo referido se consideraram aquele relatório e o subscrito pelo Dr. F…, veio solicitar a reabertura da junta médica para os mesmos Peritos esclarecerem se as sequelas emergentes do acidente de trabalho se agravaram e se tal tem ou não influência na actual IPP que o afecta.
O Tribunal a quo determinou a convocação e continuação da junta médica tendo formulado ainda como quesito complementar:
3º) Quais as sequelas que o Sinistrado apresenta actualmente em consequência do acidente dos autos?
Foi esta a resposta unânime dos Peritos Médicos:
3ª) No exame físico realizado não foram detectadas atrofia muscular, nem derrame articular, nem instabilidade. Apenas o sinistrado referiu dor residual localizada ao compartimento interno do joelho direito. O sinistrado foi submetido a meniscectomia parcial interna artroscópica.
Notificado, o Sinistrado veio referir ser bate chapas de automóveis, passando a maior parte do seu tempo de cocaras, baixado e que cada vez se sente pior, com menos mobilidade, com mais dores e com maior afectação para o seu trabalho, insistindo para que a sua incapacidade seja revista, pelas actuais sequelas anatómicas e disfunções de que sofre.
Em 25.02.2019, o Sinistrado veio insistir para que a sua incapacidade fosse revista dadas as sequelas e disfunções que actualmente sofre.
Em 27.02.2019, o Mmº Juiz a quo proferiu decisão sobre o incidente da qual consta:
“Cumpre decidir.
5. Analisado o auto de junta médica, verifica-se que os Peritos que a compuseram defenderam unanimemente que o Sinistrado mantém a mesma IPP que lhe foi anteriormente atribuída.
Tal parecer, para além de estar em integral consonância com a posição anteriormente assumida no exame médico-legal levado a cabo pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, foi emitido na sequência de uma longa, exaustiva e pormenorizada análise de todos os elementos existentes nos autos.
Assim sendo, não existe qualquer fundamento para pôr em causa esse mesmo juízo, sendo certo também que entendo não se afigurar necessária a realização de qualquer outra diligência suplementar.
6. Pelo exposto, julgo improcedente o presente incidente de revisão de pensão e, em consequência, decido manter inalterado o grau de incapacidade permanente parcial de 3% já fixado nestes autos ao sinistrado B….
Custas pelo Sinistrado, com taxa de justiça que fixo em 2 UC; ficando o pagamento dos exames a cargo da Seguradora responsável – artigo 17º nº 8 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique”.
Inconformado o Sinistrado interpôsrecurso.
Em 21.10.2019, foi proferido acórdão com o seguinte teor:
“Pelo exposto, acorda-se nesta secção:
a) em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, determinando-se que sem prejuízo da possibilidade de o Tribunal a quo formular os pedidos de esclarecimento que se mostrem pertinentes, bem como ordenar outras diligências que se afigurem necessárias (artigo 139º, nº 7, do Código de Processo de Trabalho), se proceda à realização de um novo exame por Junta médica – no qual os Srs. Peritos Médicos não só esclareçam se o exame físico levado a cabo permite concluir sem mais sobre a inexistência de derrame articular, atento o teor do relatório da Ressonância magnética do joelho direito, datado de 09.03.2017, como explicitem se ocorrem implicações em termos de avaliação actualizada das sequelas do acidente, se houve agravamento das mesmas com alteração da IPP, considerando o que for tido por pertinente face a tal exame de diagnóstico auxiliar - sendo depois proferida nova decisão sobre a existência ou não de incapacidade, concretizando os factos que essa fundamentam”.
Os autos foram remetidos à 1ª instância.
Em 20.11.2019, o Mmº Juiz a quo proferiu despacho designando data para continuação da Junta médica – com vista à prestação dos esclarecimentos ali determinados no acórdão que revogou a decisão anteriormente proferida, reafirmando a posição no sentido de não se afigurar necessária qualquer outra diligência complementar à Junta médica.
Na data designada foi reaberta a Junta médica, de cuja ata consta:
“Os peritos médicos, por unanimidade, vêm esclarecer que no exame físico realizado a 23.01.2019 bem como no exame físico realizado à data presente, não há derrame articular no joelho dt, e tendo em conta todas as manobras físicas para o seu diagnóstico.
Mais referem que no exame físico realizado à data presente não há qualquer alteração, havendo apenas queixas referidas pelo sinistrado de dor referida à região póstero-interna da interlinha articular do joelho dt. Mais foi dito pelo sinistrado que apresenta dor nos primeiros passos e na descida de degraus, e referida na mesma localização.
O exame físico realizado permite diagnosticar a inexistência de derrame articular, só por si, não sendo necessário qualquer exame complementar de diagnóstico para o fazer, exceto se o derrame for mínimo, o que implicaria outro tipo de queixas nomeadamente limitação da mobilidade do joelho.
Derrame mínimo não tem significado patológico e diagnóstico.
É incomparável o resultado de uma RMN realizada em 09.03.2017, que relata pequeno derrame, e um exame físico realizado em 31.10.2018 e em 11.03.2020.
O derrame relatado em 2017, de pequeno volume, não tem que se manter necessariamente 1 ano e 8 meses após.
Os peritos médicos:
Em representação do sinistrado – H…
Em representação da seguradora – I…
Em representação do Tribunal – J…”.
Em 10.06.2020, o Sinistrado veio reclamar do resultado da junta médica realizada em 11.03.2020, requerendo em remate:
“(…).E de acordo com os exames realizados pelo sinistrado em 14.05.2020, verifica-se existir derrame articular, coletando-se preferencialmente no recesso supra patelar, concluindo-se deste modo não ser o exame físico realizado pelos Srs Peritos (???) suficiente para diagnosticar a inexistência de derrame articular, comprovando-se ainda e ao contrário do que foi pelos Srs peritos erroneamente concluído que : não é assim tao incomparável o resultado de uma RMN realizada em 09.03.2017 à qual acresce outra de 14.04.2017 (doc. 4), que relata pequeno derrame, e um exame físico realizado em 31.10.2018 e em 11.03.2020, sendo pois “falso” que tal derrame não se mantenha e/ou possa manter durante 1 ano e 8 meses após. De facto;
(…). E tal como se comprova com o documento 1 que aqui se anexa (ecografia joelho direito de 14.05.2020), tal derrame até se pode prolongar por mais tempo, circunstancialismo esse determinante para o agravamento do estado de saúde do sinistrado, dai a razão de ser das suas (cada vez mais) dores, instabilidade e queixas. Posto isto;
(…). Aquilo que se impetra é que as presentes reclamações sejam admitidas, se “reabra” a junta médica, convidando-se os Srs peritos a esclarecerem as questões, todas elas, aqui suscitadas, nomeadamente e de entre outras, se há ou não necessidade de se proceder à realização de exames complementares de diagnósticos, os quais – exame verificação do menisco e exame RMN aos ligamentos do joelho direito – desde já se requer e sugere sejam pelo Tribunal ordenados efectuar, se apreciem e contextualizem a ecografia e raio x realizadas pelo sinistrado em 14.05.2020 (doc.ºs 1 e 2) a fim de ulteriormente e em nova junta médica, poderem ser enquadrados com as queixas, dores e instabilidade denunciadas pelo sinistrado e esclarecidas se tais sequelas emergentes do acidente de trabalho se agravaram ao ponto de terem ou não influencia na actual IPP que o afecta”.
Juntou 4 documentos.
Em 06.07.2020, foi proferido despacho, no qual o Mmº Juiz a quo designou nova data para continuação da Junta médica, aí se lendo: “A junta médica realizada em 11 de Março de 2020 prestou, no essencial, todos os esclarecimentos que o Tribunal considerou necessários e relevantes para dissipar as dúvidas levantadas pelo douto Acórdão da Relação do Porto.
Não obstante, tendo em consideração que, entretanto, o Sinistrado realizou dois novos exames imagiológicos, entendo que se afigura conveniente e adequado confrontar a junta médica com o teor dos respetivos relatórios, que aquele juntou aos autos.
(…)”.
Na data designada foi reaberta a Junta médica, de cuja ata consta: “Os peritos médicos, por unanimidade, são da opinião de que os exames imagiológicos (…) apresentados a folhas 253 verso e 254 não são susceptíveis de alterar os pareceres emitidos nas juntas médicas de folhas 174, 180 e 238 dos autos, uma vez que na Ecografia e no Rx realizados não são descritas lesões que justifiquem a alteração das decisões das juntas médicas supra citadas”.
Em 03.11.2020, o Sinistrado veio reclamar do resultado da continuação da Junta médica, requerendo em remate:
“Consequentemente e para integral clarificação destas contradições, omissões e cabal esclarecimento – as quais subsistem – continuando a ser patente, flagrante e não ter até este momento sido suficientemente desenvolvida a fundamentação apresentada pelo sinistrado, requer este que as reclamações ora suscitadas sejam não só admitidas, mas também que se proceda à realização de exames complementares de diagnósticos (o n.º 7 do art. 7 do art. 139.º do Código de Processo do Trabalho, estabelece que o Juiz, se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares que considere pertinentes) os quais – exame verificação do menisco e exame RMN aos ligamentos do joelho direito – bem como, se possível pareceres complementares, o que desde já requer e sugere sejam pelo Tribunal ordenados efectuar, se apreciem e contextualizem a ecografia e raio x realizadas pelo sinistrado em 14.05.2020 a fim de ulteriormente e em nova junta médica, poderem serem enquadrados com as suas crescentes queixas, dores e instabilidade sentidas/denunciadas pelo sinistrado e esclarecidas se tais sequelas emergentes do acidente de trabalho se agravaram ao ponto de terem ou não influência na actual IPP que o afecta, isto porque não pode continuar a colher que não é crível – face a tanto sofrimento – que as lesões descritas não justifiquem a alteração das anteriores juntas médicas, desde logo, por decorrer daqueles exames imagiológicos que o joelho em questão tem líquido, existindo também um espessamento da bursa pré e infra patelar, traduzindo o quadro de bursite ligeira”, circunstancialismo esse que – cfr. já foi pelo sinistrado referido e documentado noutros exames médicos junto a estes autos – impõe como necessário, a realização de outro(s) exame(s) complementar(es) de diagnóstico, designadamente “verificação” dos ligamentos do joelho direito bem como respectivo menisco, pois como também resulta do requerimento juntos aos autos em 13.07.2017, junto pelo médico Dr. F…, existia(e) um ruptura parcial de alto grau do ligamento cruzado anterior, demonstrando o exame ortopédico realizado uma instabilidade ântero-posterior.”
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Em 03.12.2020 foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento do Sinistrado de 29/10/2020 (fls. 259 e seguintes do processo em suporte físico):
No que concerne ao vertido nos artigos 2º e 3º, e como resulta claramente do teor da notificação que lhe foi remetida em 07/07/2020, o Sinistrado foi expressamente convocado para comparecer nas instalações do Instituto Nacional de Medicina Legal sitas na Rua ….
Assim sendo, para além de totalmente incompreensível, a sua alegada deslocação a quaisquer outras instalações daquela Entidade apenas ao mesmo pode ser imputada.
Já o alegado no artigo 4º do requerimento em análise não corresponde integralmente à verdade, uma vez que o que efectivamente sucedeu foi que o Sinistrado compareceu na junta numa altura em que os peritos já haviam analisado os exames imagiológicos complementares apresentados e procedido à subsequente deliberação, encontrando-se a terminar a redacção do respectivo auto.
Daí que os mesmos tenham considerado desnecessário qualquer exame físico complementar ao Sinistrado, entendimento que é do foro médico, não tendo este Tribunal qualquer competência científica para o pôr em causa.
Finalmente, as considerações expandidas no artigo 5º não passam de meras opiniões, subjectivas, emotivas e infundadas, que o Tribunal, obviamente, se escusa de comentar”.
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Na mesma data foi proferida a decisão recorrida, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo improcedente o presente incidente de revisão de pensão e, em consequência, decido manter inalterado o grau de incapacidade permanente parcial de 3% já fixado nestes autos ao sinistrado B….
Custas pelo Sinistrado, com taxa de justiça que fixo em 2 UC; ficando o pagamento dos exames a cargo da Seguradora responsável – artigo 17º nº 8 do Regulamento das Custas Processuais.”.
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Inconformado o Sinistrado interpôs recurso, terminando com as seguintes conclusões:
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Consequentemente;
Tem direito a que lhe seja atribuído o dito factor de bonificação 1.5, consequentemente que o mesmo seja incluído na sua incapacidade.
Em remate, requereu que o presente recurso seja julgado procedente por provado e em consequência, revogada a decisão que julgou improcedente o incidente de revisão de pensão requerido pelo Sinistrado, devendo ainda ao mesmo ser "atribuído" o factor de bonificação 1.5 por dele não ter ainda beneficiado.
Admitido o recurso, como apelação com efeito meramente devolutivo, os autos foram remetidos a esta Relação.
A Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso de apelação deduzido.
Foram cumpridos os vistos, nos termos do disposto no artigo 657º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do Código de Processo do Trabalho e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do Código de Processo Civil e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber se:
- se ocorre obscuridade nas respostas dadas pelos Srs. Peritos que integraram a Junta médica -que concluiu não ter havido agravamento das sequelas emergentes do acidente dos autos e que o Sinistrado deverá manter o grau de incapacidade de 3% anteriormente atribuído- impondo-se que fossem realizados novos exames complementares de diagnóstico ao joelho, designadamente, RMN ao joelho direito, menisco e ligamentos do joelho;
- se no mérito se impõe concluir de modo diverso quanto ao invocado agravamento das sequelas emergentes do acidente dos autos;
- se deve o sinistrado ser contemplado com o factor de bonificação 1.5 previsto na alínea a) do nº5 da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI).
2.Fundamentação: 2.1. Fundamentação de facto:
Os factos relevantes para a decisão a proferir são os que decorrem do relatório que antecede.
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2.2.Fundamentação do direito:
Transcrevemos aqui as considerações efetuadas no anterior acórdão desta secção:
“Dispõe 388º do Código Civil que “A prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspeção judicial”.
Dispõe o artigo 389º do Código Civil que “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
No âmbito de um processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, aos peritos médicos, por disporem dos necessários conhecimentos médico-científicos, cabe-lhes a pronúncia sobre quais as sequelas que resultaram das lesões provocadas pelo acidente de trabalho, identificando-as e enquadrando-as nas regras estabelecidas na TNI, para depois concluírem pela atribuição de uma determinada incapacidade.
Realizadas as perícias por junta médica, cabe ao juiz, nos termos previstos no artigo 140º nº 1 do Código do Trabalho, proferir “decisão sobre o mérito (...) fixando a natureza e grau de incapacidade”.
Tratando-se de um meio de prova pericial, as considerações e as conclusões do exame, mesmo quando alcançadas por unanimidade, não vinculam o juiz, estando antes sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova - artigos 389º do Código Civil e 607º, nº5 do Código de Processo Civil.
Como se lê no Acórdão desta secção 30.05.2018, (Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt), “Tratando-se embora a fixação de incapacidade de matéria sobre a qual o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, o laudo pericial (seja do exame médico singular, seja do exame por junta médica), não tem, todavia, força vinculativa obrigatória, estando sujeito à livre apreciação do julgador (arts. 389º do Cód. Civil e 489º do CPC/2013), devendo, no entanto, a eventual divergência ser devidamente fundamentada em outros elementos probatórios que, por si ou conjugadamente com as regras da experiência comum, levem a conclusão contrária”.
Lê-se no Acórdão desta Relação de 13.02.2017, (Relator Desembargador Nélson Fernandes, tendo sido 2º Adjunto o Desembargador também aqui 2º Adjunto, in www.dgsi.pt) citando-se aí o Acórdão desta mesma Secção de 23 de Março de 2015 (Relatora Desembargadora Paula Roberto, in www.dgsi.pt): “Constitui entendimento pacífico na jurisprudência que, não estando o juiz adstrito às conclusões da perícia médica, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentadas, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que, no âmbito da sua prudente convicção, possa extrair ou por razões de natureza processual que possam inquinar tal prova. No entanto, como resulta do Acórdão desta Relação de 05/02/2007, disponível em www.dgsi.pt, «tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório forem deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas». «Aliás, nos termos do nº 8 das Instruções Gerais da TNI, o resultado dos exames é expresso em ficha elaborada nos termos do modelo anexo, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões (…), do qual decorre que as respostas aos quesitos ou a fundamentação aduzida no laudo pericial deverão permitir com segurança ao julgador (que não é técnico de medicina) analisar e ponderar o grau de incapacidade a atribuir».
É que os laudos emitidos pela junta médica, mesmo que por unanimidade, não são vinculativos para o tribunal – encontra-se aqui também presente o princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal (artigos 389.º, do Código Civil e 591.º, do CPC.
Citando também – como no Acórdão anteriormente mencionado – o Acórdão desta Relação de 23 de Outubro de 2006 , «Se a Junta Médica não fundamentar as suas respostas, de forma a que o julgador não possa captar as razões e o processo lógico que conduziu à resposta (…) devem ser feitas as diligências complementares entendidas oportunas (nova Junta Médica, exames complementares ou outros), com vista ao correcto apuramento do grau de incapacidade de que sofre o sinistrado»”.
A decisão que fixa a natureza e o grau de incapacidade ou como no caso, decide manter inalterado o grau de incapacidade permanente parcial inicialmente atribuído ao sinistrado, respeita à aplicação do direito aos factos.
No anterior acórdão proferido nestes mesmos autos, entendeu-se que “(…) a fundamentação que se fez constar dos autos por Junta médica não permite compreender os motivos por que unanimemente se concluiu, designadamente que não existe derrame articular, não houve agravamento das sequelas emergentes do acidente dos autos e que o Sinistrado deve manter a IPP de 3% já anteriormente atribuída, considerando-se que neste caso não foi efetivamente cumprida a obrigação de fundamentação, enunciada no nº 8 das instruções gerais da TNI, (…)”.
Continuou posteriormente a existir unanimidade entre os Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta médica.
Lê-se na decisão recorrida, agora em apreciação, o que deixamos transcrito:
“(…) não se afigura necessária a realização de qualquer outra diligência de prova complementar, (…), pelo que cumpre proferir decisão final.
(…) Tal como se considerou na decisão entretanto revogada, o tribunal foi confrontado com dois pareceres periciais autónomos e independentes – um singular, realizado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal; e um colegial, levado a cabo pela junta médica – totalmente coincidentes e consonantes quanto à inexistência de qualquer agravamento da IPP de 3% anteriormente atribuída ao Sinistrado.
Entretanto, (…) os peritos que intervieram na junta médica esclareceram cabalmente que os exames físicos por eles realizados ao Sinistrado não permitem concluir pela existência de derrame articular relevante e significativo no joelho direito do mesmo.
Explicaram ainda que tais exames físicos são aptos e adequados a permitir diagnosticar a existência de um derrame articular, sem necessidade de realização de qualquer exame complementar de diagnóstico.
É certo que os peritos excecionaram a possibilidade de o derrame ser mínimo, caso em que o exame físico poderia ser insuficiente para o respetivo diagnóstico.
Contudo, desvalorizaram tal circunstancialismo, com o fundamento de que um derrame mínimo não teria significado patológico nem diagnóstico, susceptível de agravar a IPP do Sinistrado.
Ora, este argumento é absolutamente decisivo.
Com efeito, basta atentar no exame pericial realizado em 23/01/2015 (fls. 30 e seguintes do processo em suporte físico), e no qual foi atribuída ao Sinistrado a IPP de 3%, para concluir que já nessa altura foi expressamente consignada a inexistência de “derrame de médio/grande volume” (fls. 32 do processo em suporte físico). Ou seja, e em conformidade com o teor do relatório elaborado em 07/08/2014 (fls. 25 do processo em suporte físico) apenas existiria “derrame articular de pequeno volume”. Logo, é de concluir que este derrame articular mínimo foi já considerado na IPP de 3% então atribuída ao Sinistrado.
Assim sendo, e como bem referem os Peritos, a existência actual desse mesmo derrame articular mínimo (que, diga-se, parece ser comprovada pela análise da ressonância magnética realizada em 14/05/2020 e junta a fls. 253 verso do processo em suporte físico) afigura-se inócua e irrelevante para a decisão do presente incidente, uma vez que não configura qualquer agravamento do estado clínico do Sinistrado, mas sim a manutenção do estado sequelar anterior.
Tudo ponderado, e na certeza de que o Sinistrado não se encontra afectado com qualquer derrame articular diverso de grande/médio volume, não existe qualquer fundamento para colocar em causa a unanimidade expressa nos vários pareceres periciais que foram sendo emitidos nos autos, no sentido de que o Sinistrado mantém a IPP de 3% que lhe foi anteriormente atribuída”.
Concluiu, em suma, o Apelante:
- do teor da ressonância magnética ao joelho direito, datada de 14 de Abril de 2014, observava-se uma ruptura parcial de alto grau, ruptura essa que por não ter sido devidamente tratada, tem-se vindo a agravar;
- decorre dos exames imagiológicos realizados pelo Sinistrado (ecografia joelho direito em 14.04.2020 e RX joelho em 14.05.2020) que o joelho em questão tem liquido, existindo também um espessamento da bursa pré e infra patelar o que traduz um quadro de bursite (ligeira) - por si só sinonimo de agravamento;
- trata-se de factualidade (notória) que os Srs. Peritos continuam a não valorizar;
- na ecografia de 14.05.2020 comprova-se que o derrame se pode prolongar por (muito) mais tempo que aquele que os Srs. Peritos referiram;
- o exame físico realizado pelos Srs. Peritos não é suficiente para diagnosticar a inexistência de derrame articular;
- os Srs. Peritos excepcionaram a possibilidade do derrame ser mínimo, caso em que o exame físico poderia ser insuficiente para o respectivo diagnóstico. Entram em contradição e desvalorizam tal circunstancialismo, limitam-se a dizer que os exames imagiológicos não são susceptíveis de alterar o parecer já emitido, justificando com o facto de que um derrame mínimo não teria significado patológico nem diagnóstico susceptível de agravar a IPP do Sinistrado, sem explicar o crescente sofrimento e incapacidade para o trabalho do Sinistrado;
- é de todo importante proceder à realização de outro (s) exame (s) complementar (es) de diagnóstico, designadamente "verificação" dos ligamentos do joelho direito bem como respectivo menisco. Desde já se adiante que nos revemos na ponderação da decisão recorrida.
Diversamente do que sucedera na anterior junta médica que não permitia compreender os motivos por que unanimemente se concluiu, designadamente que não houve agravamento das sequelas emergentes do acidente dos autos, os Srs. Peritos justificaram depois inteiramente tal terminação de que não há derrame articular no joelho dt: “tendo em conta todas as manobras físicas para o seu diagnóstico”.
Não temos a leitura de ser obscura e contraditória a posição dos Srs. Peritos.
O aumentado sofrimento e incapacidade são mencionados pelo Sinistrado, mas não globalmente reconhecidos pelos Srs. Peritos que a esse respeito consignaram “queixas referidas pelo sinistrado de dor referida à região póstero-interna da interlinha articular do joelho dt.” e “(…) sinistrado que apresenta dor nos primeiros passos e na descida de degraus, e referida na mesma localização”.
Por outro lado, se é certo que os Srs. Peritos afirmam que o derrame relatado em 2017, de pequeno volume, não tem que se manter necessariamente 1 ano e 8 meses após, não dizem porém que assim não possa suceder.
Começam por afirmar que “não há derrame articular no joelho dt, tendo em conta todas as manobras físicas para o seu diagnóstico”.
Explicitam de seguida “O exame físico realizado permite diagnosticar a inexistência de derrame articular, só por si, não sendo necessário qualquer exame complementar de diagnóstico para o fazer, exceto se o derrame for mínimo, o que implicaria outro tipo de queixas nomeadamente limitação da mobilidade do joelho”.
Ou seja, os Srs. Peritos admitem que possa ocorrer um derrame mas mínimo, uma vez que de outra índole acarretaria outro tipo de queixas designadamente limitação da mobilidade do joelho, detetáveis no exame físico, não sendo indispensável um exame complementar de diagnóstico.
E foram categóricos em afirmar que “derrame mínimo não tem significado patológico e diagnóstico”. Critério evidenciado e bem como decisivo na decisão recorrida, “os peritos excecionaram a possibilidade de o derrame ser mínimo” mas “desvalorizaram tal circunstancialismo, com o fundamento de que um derrame mínimo não teria significado patológico nem diagnóstico, susceptível de agravar a IPP do Sinistrado”.
Revemo-nos assim no desiderato da decisão recorrida, a qual com arrimo no referido pelos Srs. Peritos conclui que “(…) a existência actual desse mesmo derrame articular mínimo (que, diga-se, parece ser comprovada pela análise da ressonância magnética realizada em 14/05/2020 e junta a fls. 253 verso do processo em suporte físico) afigura-se inócua e irrelevante para a decisão do presente incidente, uma vez que não configura qualquer agravamento do estado clínico do Sinistrado, mas sim a manutenção do estado sequelar anterior”.
Não temos pois como necessária a pretendida realização de novos exames complementares de diagnóstico ao joelho, designadamente, RMN ao joelho direito, menisco e ligamentos do joelho.
Sendo outrossim de confirmar a mesma decisão quanto ao invocado agravamento das sequelas emergentes do acidente dos autos: “(…) na certeza de que o Sinistrado não se encontra afectado com qualquer derrame articular diverso de grande/médio volume, não existe qualquer fundamento para colocar em causa a unanimidade expressa nos vários pareceres periciais que foram sendo emitidos nos autos, no sentido de que o Sinistrado mantém a IPP de 3% que lhe foi anteriormente atribuída” (sublinhado e realce nossos). Improcede assim nesta parte a apelação.
Passamos então para a última questão, objeto do presente recurso: 2.3. Deve o Sinistrado ser contemplado com o factor de bonificação 1.5 previsto na alínea a) do nº5 da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI)?
Concluiu, em suma, o Sinistrado:
- tinha à data do acidente 46 anos, à data do último exame/junta médica já tinha 52, tem atualmente 53 anos de idade, limitações físicas (deformação do joelho), decorrentes do acidente de trabalho e muitas limitações para exercer plenamente a actividade profissional atinente à sua categoria profissional;
- não foi contemplado com a aplicação deste factor que aqui impetra lhe seja aplicado.
Antes de mais, cumpre referir que a decisão proferida ao deixar de se pronunciar sobre a aplicação do factor de bonificação 1.5 e como tal de proferir decisão sobre a elencada questão, é nessa parte nula.
Entre as causas de nulidade da sentença previstas no artigo 615º nº 1, do Código Processo Civil, prevê-se na al. d) do mesmo artigo, a omissão de pronúncia, que se verifica quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Não releva em nosso entender que o Sinistrado não tenha fundamentado o seu pedido de revisão na aplicação do factor 1.5. Com efeito e como se lê no voto de vencido proferido no acórdão desta secção de 24.10.2016, (Relator Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt, com voto de vencido da Desembargadora Fernanda Soares), «Tal argumento, salvo o devido respeito, não colhe na medida em que estamos perante direitos indisponíveis tendo a acção emergente de acidente de trabalho carácter oficioso».
Neste sentido, o acórdão proferido no processo nº 329/11.2TTPRT.3.P1, in www.dgsi.pt (Relator Desembargador Nélson Fernandes, em que foi adjunta a aqui relatora):“ No caso que se aprecia, estamos perante um dever de conhecimento oficioso, por estar em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis, matéria subtraída à disponibilidade das partes – artigo 12.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro (LAT), ou seja, não está dependente sequer de invocação das partes, razão pela qual, não resultando da decisão recorrida qualquer referência ao invocado factor de bonificação, incluindo para justificar a razão por que não seria de aplicar no caso, estamos de facto perante um caso de omissão de pronúncia, (…)” (realce e sublinhado nossos). Como tal, considera-se verificada a apontada nulidade.
Ao abrigo do disposto no artigo 665º do Código de Processo Civil, este Tribunal irá substituir-se ao Tribunal recorrido e proferir decisão a esse respeito.
Cumpre relatar que esta secção se pronunciou já sobre a elencada questão, de forma não unanime, nomeadamente no acórdão desta secção de 09.01.2020, processo nº 587/06 4TUPRT 4 P1 (Relatora Desembargadora Fernanda Soares, com intervenção do aqui segundo Adjunto e em que a aqui relatora ficou vencida). A posição que sufragamos é aquela que não obteve vencimento no mesmo acórdão, constante do voto de vencido.
No que respeita à Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) a atentar, deverá ser tida em consideração aquela que se encontra atualmente em vigor, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10.
A TNI consagra a aplicação automática do factor de bonificação 1,5 em todos os casos em que o sinistrado tenha mais de 50 anos.
Numa primeira nota, como se lê no acórdão desta secção de 30.05.2012, (Relator Desembargador Rui Penha, in www.dgsi.pt), “o facto de um dado lesado sofrer um acidente quando ainda não tem 50 anos, não invalida que no futuro, já no quadro de um dos incidentes de revisão por ele requeridos e quando já ultrapassou essa fronteira etária, veja ser-lhe aplicado o referido factor de bonificação, desde que se mostrem reunidos os demais requisitos legalmente pela Instrução Geral em questão, o mesmo tendo de ser dito quanto à não obrigatoriedade de considerar desde logo, na fixação primitiva da incapacidade, tal factor, que só se pode revelar e justificar em fase posterior do processo de revisão daquela” (sublinhado nosso).
Deixamos transcritas “as notas essenciais sobre o factor de bonificação” que constam na fundamentação do acórdão desta secção de 24.10.2016 (Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt), com as quais concordamos e fazemos nossas.
“A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, com entrada em vigor 90 dias após a data da sua publicação (art.º 7.º), aplicando-se aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor e a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor [art.º 6.º alíneas a) e c)].
Conforme expresso no n.º 1, das Instruções Gerais (Anexo I) a Tabela Nacional de Incapacidades, usualmente designada por TNI “(..) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho».
Por seu turno o n.º3, estabelece que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.
O ponto controvertido consta do n.º5, onde se lê, no que aqui interessa, o seguinte:
-[5] «Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
(..)».
Deste número 5 das Instruções Gerais da TNI resulta, assim, que a atribuição do factor de bonificação 1.5 ocorre em três situações distintas:
i) “Se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, expressão que suscitou a necessidade de intervenção do STJ, para no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, de 30 de Junho [disponível em www.dgsi.pt], fixar que a mesma deve ser interpretada no sentido de se referir “(..) às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.
ii) Se a vitima “tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”, sendo a idade do sinistrado que impõe a bonificação, quando esta não tenha ocorrido pelos motivos previstos na 1.ª parte daquela norma.
iii) Quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho [al. b)], sendo que não será atribuída caso a vitima já beneficie da bonificação com um dos fundamentos da alínea anterior, isto é, funciona de forma subsidiária em relação à mesma. Aqui cabe-nos debruçar apenas sobre a segunda causa de atribuição da bonificação, que atende à idade da vítima: quando tiver 50 ou mais anos. Sendo de assinalar que a aplicação do factor de bonificação só é possível quando o sinistrado não tiver já beneficiado da sua aplicação.
O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para indivíduo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos.
Entenda-se que ao usarmos a expressão envelhecimento, fazemo-lo no sentido do processo que ocorre durante todo o curso da vida do ser humano, iniciando-se com o nascimento e terminando com a morte, processo que provoca nos indivíduos modificações de ordem biológica, funcional, bioquímica, psicológica e social. Em suma, um processo biológico progressivo e natural, caracterizado pela diminuição das funções celulares e pela diminuição da capacidade funcional.
Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação disponível e divulgada e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas, que após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade.
A título de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade.
É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1.5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vitima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional.
A talhe de foice, não é despiciendo assinalar que a Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro - regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção (art.º 1.º) -, ao impor ao empregador o dever de realizar “(..) exames de saúde adequados a comprovar e avaliar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da actividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo” [art.º 108.º/1], faz uma clara distinção em função da idade dos trabalhadores, nomeadamente, tais exames devem ser realizados com a periodicidade bianual para a generalidade dos trabalhadores, mas diferentemente, já devem ser “anuais para os menores e para os trabalhadores com idade superior a 50 anos” [n.º3, al. a), do mesmo artigo].
Revertendo ao caso, é ponto consensual que nos exames de revisão – singular e por junta médica – realizados neste incidente de revisão seria possível aos senhores peritos médicos aplicarem o facto de bonificação 1.5. (…) da actual TNI, a mesma prevê expressamente a sua aplicação a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor [art.º 6.º alíneas a) e c)]; por outro, o sinistrado tinha mais de 50 anos de idade à data das perícias; e, ainda por outro, não tinha ainda beneficiado da sua aplicação.
Do mesmo modo, também não suscitará dúvida afirmar que independentemente do parecer dos Senhores peritos médicos, sempre poderia o tribunal a quo ter procedido à aplicação do factor 1.5, naturalmente caso tivesse entendido verificarem-se todos os requisitos necessários, dado que o exame por junta médica inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, e as conclusões ai retiradas, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil)”. Tal como foi a solução acolhida no acórdão que vimos acompanhando, entendemos que não é possível a aplicação do factor 1.5, por tal estar dependente de uma condição essencial que não se verificou, em concreto, que se tivesse verificado a alteração da IPP, em consequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho.
Transcrevemos aqui uma primeira passagem da anotação ao referido Acórdão desta secção de 09.01.2020, de Filipe Miguel Cruz Albuquerque Matos, na recente publicação (nº69 Janeiro/Março 2020) dos Cadernos de Direito Privado, do Centro de Estudos Jurídicos do Minho - CEJUR, (página 73 e seg.), “(…) cumpre referir que o legislador, para alcançar o propósito legítimo de querer proteger a posição no mundo do trabalho das pessoas que, por força da idade (50 anos), acabam por sofrer limitações e perdas de aptidões para o exercício das suas funções, não tem, de modo algum, de as considerar automaticamente beneficiárias de um coeficiente de bonificação, uma vez que uma tal medida não se revela adequada e proporcional. Uma tal falta de adequação e de proporcionalidade resulta, desde logo, aferida pela circunstância de em relação a estes trabalhadores sinistrados –os que atingiram 50 anos não se registarem as mesmas razões justificativas de protecção acrescida dispensada aos trabalhadores que na sequência de um acidente ou de uma doença profissional ficam pura e simplesmente impedidos de retomar o exercício da sua profissão habitual. Esta diferença substancial ou material da posição das categorias de trabalhadores sinistrados abrangidas pela Instrução Geral n.º 5.ª, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades, vem justificar a obrigação imposta ao legislador de estabelecer diferenciações entre certas realidades, pois não se manifesta razoável tratar tais realidades desiguais de modo igual.(…)” (sublinhado e realce nossos).
Continuando agora acompanhar o texto do mesmo acórdão: “Começaremos por fazer notar que a própria norma, isto é, o n.º 5, das Instruções Gerais da TNI, aponta nesse sentido, ao começar por dizer que “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir”. Passamos a explicar a razão desta afirmação. A TNI aplica-se a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor, o que abrange, necessariamente, quer as peritagens que tem por objecto fazer essa avaliação avaliar pela primeira vez quer às que têm lugar subsequentemente no âmbito dos incidentes de revisão da incapacidade.
Portanto, a redacção do n.º 5 é objectivamente dirigida a essas distintas realidades. Nos incidentes de revisão da incapacidade só se procede à “determinação do valor da incapacidade a atribuir”, caso seja atribuída uma nova incapacidade, daí que a aplicação do estabelecido na norma só tenha lugar nesses casos, nomeadamente no que respeita à aplicação do factor de bonificação 1.5.
Por outro lado, a aceitar-se a tese do sinistrado, isto é, que a aplicação do factor 1.5, desde que verificados os demais requisitos, tem lugar independentemente de haver agravamento da IPP, então em termos lógicos, ter-se-ia também que aceitar que em qualquer caso em que o sinistrado fizesse 50 anos e não tivesse já beneficiado da aplicação desse factor de bonificação, nem sequer seria necessário requerer a revisão da incapacidade, bastando-lhe requerer a sua aplicação”.
(…).
Ora, nada na Lei 98/2009, de 04 de Setembro, [REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS], ou em qualquer outro diploma avulso, aponta nesse sentido. Antes pelo contrário, essa solução colidiria frontalmente com o princípio estabelecido no art.º 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, de onde decorre que no âmbito da revisão da incapacidade, a prestação pode ser alterada, mas desde que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”.
A tese defendida pelo recorrente levaria a que a atribuição do factor 1.5, permita-se-nos a comparação, funcionasse em termos próximos do regime estabelecido para a actualização de pensões, prevendo-se a actualização anual das pensões – automaticamente - nos termos estabelecidos no art.º 6.º do DL n.º 142/99, de 30 de Abril. Aqui não seria anual, mas bastaria que o sinistrado perfizesse 50 anos de idade e não tivesse ainda beneficiado da aplicação do factor 1.5, para se reunirem as condições para que tal lhe fosse aplicado e visse majorada automaticamente a IPP e, consequentemente, alterada a pensão anual correspondente.
Salvo o devido respeito, tal não tem acolhimento na lei.
Em nosso entender, a aplicação do factor de bonificação 1.5, no âmbito do incidente de revisão da incapacidade, quando o sinistrado tiver 50 anos ou mais e não tenha beneficiado da aplicação desse factor - nos termos estabelecidos no ponto 5, al. a), parte final, da TNI aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro -, pressupõe que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”, condição imposta no art.º 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, para haver lugar à alteração da prestação que se encontra fixada [Neste sentido: Ac. TR Évora de 28-05-2015, Proc.º n.º 744/09.1TTPTM-B.E1, Desembargador Alexandre Batista Coelho, e Ac. TR Lisboa, de 13-01-2016, Proc.º 1606/12.0TTLSB-L.1-4, Desembargadora Maria João Romba, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].”, (realce e sublinhado nossos).
Quanto à «bonificação» prevista no nº5 das Instruções gerais da TNI, impõe-se uma interpretação sistemática considerando igualmente a norma da LAT (redacção aplicável), que prevê a revisão das prestações fixadas.
É este o teor do artigo 25º da LAT (Lei nº 100/97 de 13.09.):
“1 - Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada”.
A propósito dos elementos a considerar na interpretação da vontade do Legislador, quanto a elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos), Batista Machado (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1983, página 183), refere “Este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico. Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (sublinhado nosso).
A interpretação sistemática que fazemos é esta: para haver incidente de revisão o que a LAT prevê (para o que aqui interessa) é que haja uma possibilidade de revisão da situação do Sinistrado, não bastando porém para tal haver uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho, antes implicando uma modificação dessa capacidade que resulte/provenha “de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação”.
Ou seja, a modificação da capacidade de trabalho ou ganho por si só não justifica a revisão.
E também não é um “agravamento” qualquer que para o Legislador permite rever a situação do Sinistrado, apenas o agravamento da lesão ou doença que deu origem à reparação, aí não se incluindo, nomeadamente o agravamento em função da idade.
Acresce referir que só assim se justifica, em sede do incidente de revisão, a determinação do valor da incapacidade a atribuir e é nesse momento, aquando de tal determinação que pode ter lugar a aplicação do factor de bonificação 1.5.
Dito de outro modo, os pressupostos do pedido de revisão (modificação na capacidade de trabalho ou de ganho provenientes do agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação) não são um assunto sem implicações na aplicação do factor 1.5 com fundamento na idade do Sinistrado, uma vez que esta aplicação pressupõe que haja uma determinação (outra/nova) do valor da incapacidade a atribuir e para tal ocorrer em sede desse incidente é necessário que haja agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão.
Sendo esta a interpretação que fazemos da Instrução Geral nº5, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades, a mesma norma “não suscita problemas de inconstitucionalidade, uma vez que a mesma admite diferenciações de tratamento, porque é pressuposto da sua aplicação a existência ou inexistência de agravamento na perda ou diminuição da função do sinistrado” (cfr. Professor Filipe Miguel Cruz Albuquerque Matos, na publicação dos Cadernos de Direito Privado, já mencionada, pág. 76).
Transcrevemos aqui ainda um segundo excerto da mesma anotação ao referido Acórdão desta secção de 09.01.2020, do Professor Filipe Miguel Cruz Albuquerque Matos, na publicação da revista CEJUR, (página 77), a propósito da que considera inadmissível equiparação entre o regime da actualização da pensão em função da idade e o da actualização anual das pensões, regime actualmente consagrado no Dec-Lei nº 18/2016, de 13 de Abril – comparação a que alude o acórdão de 24.10.2016 que transcrevemos supra e acompanhamos - “(…) o regime definido relativo à actualização anual das pensões de acidentes de trabalho visam fundamentalmente evitar a depreciação do valor das pensões em virtude de contingências ligadas à conjuntura económica, enquanto a alteração da pensão em virtude do agravamento da incapacidade encontra-se estritamente relacionada com o acidente ou a doença profissional que determinaram a situação de incapacidade. Louvamo-nos, a este propósito, na orientação consagrada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/5/2016 (…) quando determina: “A alteração do montante da pensão por força da revisão da incapacidade do sinistrado e a actualização da pensão têm fundamentos distintos”. Esta tem por fundamento a inflação ou a desvalorização da moeda e aquela a melhoria ou o agravamento das lesões ocorridas por força do acidente”. Tendo em conta a diversidade de lógicas destes regimes, não se nos afigura aceitável que a disciplina de revisão da incapacidade nas hipóteses em que o sinistrado atinja 50 anos esteja sujeita à regra da automaticidade, dependente apenas do mero decurso do tempo. Partindo então do pressuposto que a aplicação do coeficiente de bonificação pelo factor idade anda associada a um pedido de revisão de incapacidade, somos necessariamente remetidos para o regime regra plasmado no atrás aludido art. 70.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, no âmbito do qual se exige a ocorrência de uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de “agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação…”. Clarificando melhor o regime regra constante deste preceito da Lei n.º 98/2009, importa explicitar que não basta para o sinistrado obter a revisão da pensão a ocorrência de uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho, sendo ainda exigível que uma tal alteração se tenha ficado a dever a um agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou seja, exige-se a verificação de um nexo de causalidade entre a modificação na capacidade de trabalho ou de ganho e o agravamento ou recidiva da lesão ou da doença. Considerando nos termos atrás expostos que este regime regra não fica afastado pela norma especial – Instrução Geral n.º 5, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades –, então a revisão da pensão com fundamento na idade não pode deixar de levar em consideração o agravamento, recidiva ou recaída da lesão ou da doença, porque é precisamente no momento de determinação do valor da incapacidade (valor da nova incapacidade) que pode ter lugar a aplicação do coeficiente de bonificação. Assim sendo, não são questões independentes entre si: a aplicação do coeficiente de bonificação 1.5 em função da idade e a determinação médico-legal de uma diminuição da capacidade de trabalho ou de ganho em virtude do agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença, uma vez que uma tal avaliação constitui pressuposto de aplicação do referido coeficiente de bonificação 1.5. (…)”(sublinhado e alteração do tamanho de letra nossos). Em concreto, no incidente de revisão da incapacidade requerido pelo Sinistrado, já com mais de 50 anos – ao qual nunca lhe foi aplicada o factor 1.5 - não foi reconhecido o agravamento da sua IPP fixada inicialmente pelo que não há que no âmbito desse incidente determinar o valor da incapacidade e não tendo que ocorrer esse momento, ou seja, essa determinação, não há como aplicar o factor de bonificação 1.5. Improcede assim quanto a esta segunda questão a apelação.
3. Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção:
- em julgar improcedente a apelação, não sendo aplicável o factor de bonificação 1.5, previsto no artigo 5º da TNI, por não se ter verificado a alteração da IPP, em consequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho.
Sem custas.
Porto, 22 de Março de 2021
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Domingos Morais [Vencido conforme teor do voto que segue:
Voto vencido na questão da aplicação do factor 1,5, mantendo o entendimento subscrito no acórdão de 09.01.2020, proc. Nº.587/06.4TUPRT.P1.]