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CONTRATO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
DECLARAÇÃO DE UMA SÓ DAS PARTES
Sumário
I - A condição é suspensiva se o negócio só produz efeitos após a verificação do evento condicionante, suspendendo assim a sua eficácia; é resolutiva se o negócio deixa de produzir efeitos após a verificação do evento condicionante, sendo eficaz até lá. II - Apurar se estamos perante uma cláusula contratual que constitui a estipulação de uma condição resolutiva há-de resultar da pura interpretação da vontade das partes. III - Tendo os vendedores se limitado a declarar a sua propriedade relativamente ao imóvel em venda, identificação matricial e registral do mesmo e o preço da venda, que declaram ter já recebido, dando por realizado o negócio, a posterior declaração unilateral da compradora de “que o terreno adquirido se destina à construção de um campo para a prática de hóquei em campo”, sem mais, não constitui a estipulação de uma condição resolutiva potestativa do negócio.
Texto Integral
Apelação Processo n.º 3295/19.2 T8VFR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 1
Recorrente – B… Recorrida – C…
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
(1.ªsecção cível)
I –B… intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C… pedindo que a ré fosse condenada:
a) À resolução do contrato celebrado com os antecessores do aqui autor, em 02 de Dezembro de 1986, sendo os efeitos do referido contrato, retroactivamente, anulados;
b) A restituir ao autor a propriedade do imóvel e a sua respectiva posse e;
c) A restituir ao autor todos os valores que a ré tenha recebido a título indevido, mais concretamente, todas as rendas por esta recebidas, nos termos do contrato de cedência de direito de superfície, celebrado com a empresa sistemas D… Portugal, Ld.ª, em 20 de Junho de 2017 até á presente data, bem como todas as rendas vincendas até á efectiva entrega da propriedade e posse do imóvel ao autor.
Para tanto, alegou, em síntese, que por escritura pública de 2.12.1986, outorgada no Cartório Notarial de …, E… e sua mulher F…, pais do autor, celebraram um contrato de Compra e Venda, pela qual venderam à ré o imóvel denominado “G…”, sito no lugar … da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 188/19860909 e inscrito na matriz sob o artigo 1913, pelo preço de 500.000$00, actualmente €2.500,00. Ficando expressamente previsto na escritura de compra e venda, que o imóvel supra identificado teria por fim a construção de um campo destinado à prática de hóquei em campo. A ré que aceitava a referida venda com a condição referida no artigo anterior, imposta por cláusula resolutiva.
Ora, naquela parcela não foi construído o referido campo de jogos, conforme havia sido estipulado e acordado pelas partes, tendo sido afecto à construção de um Restaurante D…, dando-se uso distinto à finalidade prevista no contrato celebrado, pagando a Sistemas D… Portugal, Ld.ª à ré, desde 20.06. 2017, uma remuneração periódica mensal de €5.500,00.
Pelo que, com a sua ilícita conduta, a ré não deu cumprimento à condição resolutiva contratualmente fixada e assim pretende o autor a resolução do contrato, sendo seu direito o de o exigir, passando a ser proprietário do prédio objecto da presente lide.
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Pessoal e regularmente citada, a ré, veio contestar pedindo a improcedência da acção, deduzir pedido reconvencional de condenação do autor no pagamento do valor a apurar em incidente próprio de liquidação e correspondente aos encargos para a rentabilização do prédio rústico comprado em 1986 nos dias de hoje, devendo este valor compensar o valor pedido, e ser pago à ré-reconvinte no valor que exceda o pedido principal e ainda a condenação do autor como litigante de má-fé.
Para tanto, aceita que em 2.12.1986 comprou a E… e mulher, F… um prédio rústico conforme descrito no art.º 6º da p. inicial, sendo que esse terreno deveria ser afecto à construção de um campo para a prática de hóquei em campo, devendo por isso ser incluído em estudo urbanístico de toda a zona envolvente, em que deveriam igualmente ser incluídos outros terrenos daqueles vendedores e que à data não tinham capacidade edificativa.
A ré pagou o preço acordado do dito terreno de lavradio, e declarou no mesmo acto notarial, e só ela declarou, que destinaria aquele prédio à construção de um campo desportivo, no caso de hóquei em campo, e fê-lo apenas para incluir o terreno no âmbito da prática desportiva para efeitos de enquadramento de regime tributário e por forma a ficar isento das, então, sisa e contribuição autárquica.
Nunca a ré declarou condicionar a compra, e muito menos de forma resolutiva, à efectiva construção do dito campo de hóquei em campo, e nunca os vendedores condicionaram a sua venda a tal construção, ou sequer emitiram qualquer tipo de declaração a esse propósito, o resulta evidente da própria redacção dada à escritura pública, onde não foi convencionada qualquer condição, resolutiva ou suspensiva, ao negócio de compra e venda do prédio identificado na p. inicial.
Aliás o prédio objecto do negócio de compra e venda descrito pelo autor no art.º 6.º da p. inicial já não existe, porque o mesmo foi objecto de loteamento juntamento com outros dois prédios adquiridos pela ré, visando a sua agregação num único prédio, tendo esse prédio sido posteriormente objecto de destaque, com vista à criação de dois prédios distintos e autónomos, actualmente existentes.
O prédio objecto destes autos não corresponde a qualquer dos prédios existentes.
Aliás, o autor não pediu a anulação de qualquer operação urbanística de aprovação e licenciamento dos ditos loteamento e destaque.
Ora, pelas normas aplicáveis a aquisição de frutos por possuidor de boa-fé, ou seja, caberão à ré os frutos até ao dia em que tenha conhecimento em que saiba da lesão de terceiros - in casu, até à data de sentença que tanto declare.
Mas, ao invés do pressuposto pelo autor, o rendimento auferido pela ré a título de rendas desde Junho de 2017 não resulta apenas e só ou automaticamente do negócio de compra a seus pais, desde logo, porque tendo a ré realizado operação de loteamento de parcelas de terreno e seu posterior destaque, nunca a parcela de terreno adquirida aos pais do autor seria susceptível, por si só, de ser objecto de direito de superfície com as mesmas finalidades do contrato celebrado pela ré.
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Foi depois proferido despacho saneador-sentença, no âmbito do qual foi admitido o pedido reconvencional e fixado o valor da causas e, de onde consta: “Nestes termos julga-se a acção improcedente e absolve-se a Ré de todos os pedidos. Fica prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional. Não se anota má-fé (…)”.
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Inconformado com a tal decisão, dela veio o autor recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a acção procedente.
O apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e manifestamente prolixas conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que julgou improcedente, a acção intentada pelo autor, porquanto, por um lado, tais factos alegados e devidamente comprovados não podem ser interpretados no sentido pretendido pelo autor e, por outro, o facto da referida declaração negocial final estar exarada em escritura pública, não poderá ser admitida prova por testemunhas ou por presunções judiciais, pois o mesmo está plenamente provado por documento.
II. Afigura-se ao recorrente que a decisão proferida não representa uma digna e correta aplicação do direito, demonstrando-se injusta.
III. Entendeu o Tribunal a quo, quanto à primeira questão, sucintamente ao que se reporta o presente recurso, que: “(…) Não pode ter-se como certa a afirmação do autor de que o negócio estava sujeito à condição de uso do imóvel para o fim declarado. É que nada no contrato permite supor que a ré pudesse contar que esse fim ou destino era também essencial para os seus pais, vendedores, fosse para formar a vontade de vender fosse a fixação do preço do negócio. Ainda que o alegasse, contudo, não poderia provar tal alegação sem que a mesma tivesse o mínimo de correspondência ou evidência no texto do contrato.”
IV. Considerou o Tribunal a quo, que a petição inicial interposta pelo autor é totalmente improcedente, na medida em que o negócio jurídico não está acompanhado da alegação de que a ré era conhecedora da condição cujo negócio dependia.
V. Segundo a douta sentença recorrida, o mero facto de a ré não ter dado ao imóvel o destino a que declarou pretender destiná-lo, não põe em causa a eficácia do negócio já que não foi declarado que esse fim era condição do negócio.
VI. Discorda o aqui apelante da interpretação perpetrada pelo Tribunal a quo, quanto mais, porque, ficou expressamente previsto na Escritura Pública de Compra e Venda que o imóvel objecto da presente lide, teria por fim a construção de um campo destinado à prática de hóquei em campo.
VII. Construção, esta, que jamais se verificou.
VIII. Por Escritura Pública, datada de 2 de Dezembro de 1986, os pais do apelante, celebraram um contrato de compra e venda sobre o imóvel denominado “G…”, no lugar …, freguesia de ….
IX. O referido contrato foi celebrado com a ré, por quinhentos mil escudos, actualmente 2.500€ (dois mil e quinhentos euros).
X. Ficando expressamente previsto na Escritura Pública de Compra e Venda que o imóvel, objecto da presente demanda, teria por fim a construção de um campo destinado à prática de hóquei em campo.
XI. Sendo resolutiva a condição, na pendência desta, o negócio produz todos os efeitos que lhe são próprios, os quais, porém, serão destruídos retroactivamente, se a condição se verificar.
XII. In casu, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes produziu todos os seus efeitos típicos, isto é, transferência da propriedade do imóvel e pagamento do preço, mas, no que concerne à transferência da propriedade, a mesma ficou na dependência da verificação de um facto futuro e incerto, ou seja, a construção de um campo destinado à prática de hóquei em campo.
XIII. Não se verificando esse facto, ocorreu a condição resolutiva que desencadeará automaticamente a resolução do contrato e, em consequência, a reversão da propriedade para o vendedor.
XIV. Ficou estipulado no referido contrato, uma verdadeira cláusula resolutiva que determina o fim para o qual se destina o uso do imóvel.
XV. Pois, se assim não fosse, não faria qualquer sentido, a estipulação da menção na Escritura Pública que o imóvel teria por fim a construção de um campo destinado à prática de hóquei em campo.
XVI. Deverá entender-se que o declarante apenas quis celebrar aquele negócio como negócio condicional, só quis a produção dos efeitos do negócio propriamente dito se verificada a condição, ou só quer que esses efeitos se tornem definitivos e se consolidem, verificada a condição.
XVII. Note-se que a referida finalidade foi declarada pelo comprador, neste caso pelos representantes da C…, não tendo os pais do aqui autor manifestado qualquer oposição, pois foi sempre esta a vontade a vontade de ambas as partes.
XVIII. Pelo que, passou a fazer parte do conteúdo do contrato.
XIX. É claro que a razão de ser da estipulação condicional radica na incerteza do declarante de alcançar os fins a que se propõe com o negócio, porquanto, embora seja provável que venham a ser alcançados, não está afastada a dúvida sobre a futura verificação, uma vez que, na sua perspectiva, a finalidade a que se dirige o negócio depende das circunstâncias futuras que ele não domina e se lhe afiguram de verificação incerta.
XX. A resolução contratual requerida deve-se unicamente à existência do evento condicionante, que consiste nos termos apostos na cláusula, cláusula esta que, se encontra inserida na Escritura Pública outorgada por ambas as partes.
XXI. As partes quiseram que o contrato produzisse, desde logo, os seus efeitos, sujeitando, porém, o comprador a cumprir com o fim declarado, sob pena de resolução contratual.
XXII. O referido terreno passou a ser uma única e exclusiva fonte de rendimento.
XXIII. A cláusula resolutiva não se encontra devidamente registada, dada a data do Contrato de Compra e Venda, precisamente 1986.
XXIV. Não construindo a ré, no terreno, um campo de hóquei tal como se propôs, fim esse a que acabou por se vincular incorreu na violação de uma importante obrigação por si assumida.
XXV. Ainda neste sentido e tendo por base a douta sentença recorrida, existe uma contradição intrínseca entre os fundamentos invocados na sentença e a decisão nela tomada, pois, em determinado momento, a fundamentação aponta num sentido e a decisão nela tomada segue um caminho completamente oposto.
XXVI. Nas palavras de Durval Ferreira in Erro Negocial Objecto – Motivos – Base Negocial e Alterações Circunstâncias, relativamente a um caso hipotético, pode ler-se na sentença proferida pelo Tribunal a quo: “Desde logo esta oração existe. E como tal, tem que se considerar que valor terá na unidade do sistema jurídico: não se pode fazer de conta que não existe, ter-se ou haver-se por não escrita, sem embargo do declarado (…) presume-se legalmente – como já antes realçado – que a circunstância aí declarada foi representada com consciência: e tem interesse e é concausal daquele negócio, ou dos seus termos (…) E por sua vez, o reconhecimento desse facto por parte da compradora, consubstancia também uma confissão (…)”.
XXVII. De acordo com o artigo 352.º do CC, a “confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”.
XXVIII. A declaração feita pelo comprador perante a entidade documentadora e exarada na escritura pública, que aquele terreno tinha um determinado fim, no nosso entendimento e salvo melhor opinião, é dotada de força probatória plena no que respeita à declaração feita.
XXIX. Apesar de a mesma força probatória plena, inerente ao documento autêntico, não poder garantir que as declarações não tenham sido viciadas por erro, dolo ou coacção;
XXX. Neste sentido, deverá ser admitida a prova testemunhal.
XXXI. A fim de o autor fazer prova do sentido que as partes quiseram atribuir à referida menção, pois, o mesmo era de conhecimento geral.
XXXII. Todavia, tal declaração consubstancia uma confissão extrajudicial feita em documento autêntico e, como tal, goza de força probatória plena contra o confitente.
XXXIII. Conforme pode ler-se no excerto acima transcrito, o reconhecimento do facto por parte da compradora, consubstancia uma confissão, e ao contrário disto, a douta sentença recorrida em nada tem em consideração a confissão realizada pela compradora, confissão, essa, inserida na Escritura Pública.
XXXIV. Já para não dizer que, se a mesma confissão não tivesse a forma de condição resolutiva, não faria qualquer sentido a mesma estar inserida no conteúdo do contrato e, inclusive, ser reconhecida pelo comprador sem oposição do vendedor.
XXXV. Deverá ser restituído ao recorrente o imóvel em questão, propriedade deste e a sua posse, deverá, igualmente, ser restituído, ao recorrente, todos os valores que o recorrido tenha recebido a título indevido e, consequentemente deverá ser resolvido o contrato de compra e venda em questão, na medida em que, verificou-se a condição cujo negócio dependia.
XXXVI. A douta sentença recorrida violou as normas jurídicas dos artigos 270.º, 274.º n.º1, 352.º do Código Civil.
XXXVII. Por outro lado, veio o douto Tribunal suscitar a questão da inadmissibilidade da prova testemunhal, pois, a referida declaração negocial final encontra-se exarada em escritura pública.
XXXVIII. Pelo que, não é admitida a prova por testemunhas ou por presunções judiciais quando o facto estiver provado por documento.
XXXIX. In casu, tendo por base um documento autêntico, o mesmo prova a verdade dos factos que se sucederam na presença do documentador, melhor dizendo, os factos que nele são atestados tem por base as suas próprias percepções (artigos 371.º n.º1, 2.ª parte do Código Civil).
XL. Isto é, o documentador garante, pela fé pública, de que está revestido que os factos que está a documentar, efectivamente, se passaram, mas, não garante, nem pode garantir que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção.
XLI. Ainda que a própria escritura transpareça o verdadeiro sentido da declaração objecto da presente demanda, a prova testemunhal é o meio idóneo à comprovação do sentido que as partes quiseram atribuir à mesma.
XLII. As testemunhas arroladas pelo aqui autor demonstram ter conhecimento directo e suficiente dos factos em relação aos interesses demonstrados nestes autos, não deixando a menor dúvida sobre a vontade das partes em atribuírem à referida menção, força resolutiva.
XLIII. A recorrida, ao modificar o fim a que se tinha vinculado, apenas tinha um objectivo, rentabilizar o terreno, edificando a construção de um Restaurante D….
XLIV. Dado que, já anteriormente, correu um processo contra a recorrida, intentado por anteriores proprietários de uma parcela de terreno no mesmo local da do aqui recorrente, uma vez que, foram expropriados pelo Ministério da Educação, já que naquele local iria ser construído um parque de jogos para a prática de hóquei em campo.
XLV. Algo que nunca se sucedeu, pelo que, pediram que fosse declarada a reversão, bem como a adjudicação do prédio expropriado aos mesmos.
XLVI. Sendo todos estes factos de conhecimento geral, deverá ser a prova testemunhal admitida, pois só assim se conseguirá uma interpretação justa e correta da referida menção.
XLVII. As testemunhas arroladas representam suporte suficientemente forte para formar a base de convicção do julgador.
XLVIII. Isto porque, a base de convicção do julgador será formada através de elementos probatórios, presunções judiciais, regras da experiência comum e/ou critérios lógicos, que, de forma sustentada e segura e tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova permitam uma fundada convicção quanto à verificação dos factos que se tenham como provados.
XLIX. Foram assim violadas as normas jurídicas contantes nos artigos 393.º e 394.º do Código Civil.
L. Devendo, a prova testemunhal ser admitida, nos termos e para os efeitos dos artigos supramencionados.
LI. Deverá ser restituído ao recorrente o imóvel em questão, todos os valores que o recorrido tenha recebido a título indevido, consequentemente, deverá ser resolvido o contrato de compra e venda em questão.
LII. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, deverá ser admitida a prova testemunhal arrolada, descendo, os autos, à primeira instância para a competente audiência de discussão e julgamento.
LIII. A douta sentença recorrida, violou, as normas perpetradas nos artigos 270.º, 274.º n.º1, 352.º, 393.º, 394.º n.º1, todos do Código Civil, porém deverá ser substituída por outra que as aplique correctamente.
LIV. Por tudo quanto ora vertido, requer o recorrente a procedência do presente recurso, revogando-se a sentença proferida, com as devidas e legais consequências.
LV. Porquanto, não pode, o recorrente, conformar-se com a sentença proferida, tanto mais entende que deveria a mesma ter sido proferida noutro sentido.
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A ré juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.
* II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. E… faleceu no dia 04 de Março de 2005. 2. Foram seus herdeiros o aqui autor e sua mãe, F…. 3. Esta faleceu no dia 13 de Fevereiro de 2017. 4. Deixando o autor, como seu único herdeiro. 5. Por escritura pública datada de 2 de Dezembro de 1986, outorgada no Cartório Notarial de …, E… e sua mulher F…, casados em comunhão geral de bens, como primeiros outorgantes e H… e I…, como segundos outorgantes, em representação da C…, celebraram um contrato epigrafado de compra e venda, cujo teor é o do documento número 3 junto com a petição inicial e aqui se dá por integralmente reproduzido, sobre o imóvel denominado “G…”, no lugar …, com dois mil e cem metros quadrados, na freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 188/19860909 e inscrito na matriz sob o artigo 1913, com a aqui ré. 6. O referido contrato foi celebrado por quinhentos mil escudos. 7. Ficando expressamente previsto na escritura de compra e venda, que “os segundos outorgantes declaram que aceitam esta venda e que o terreno adquirido se destina à construção de um campo destinado à prática de hóquei em campo.” 8. Naquela parcela não foi construído o referido campo de jogos. 9. Por escritura pública outorgada em 20 de Junho de 2017, cujo teor é o do documento número 4 junto à petição inicial e aqui se dá por integralmente reproduzido, J… em representação da aqui ré e K… em representação da Sistemas D… Portugal, Ld.ª declararam constituir a favor desta um direito de superfície, oneroso, por um prazo de 30 anos pela remuneração periódica mensal de 5.500,00€ (cinco mil e quinhentos euros sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 6217. 10. Tendo esse prédio sido resultante da desanexação do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 6205 de 2017/04/07. 11. E este da anexação dos prédios referido em 5 com os descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 2374/20011011 e 2516/20021029 e da desanexação do prédio descrito sob o número 6217/20170519.
III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações do autor/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegação inserção no contrato de uma condição resolutiva.
2.ª – Da alegada confissão do comprador.
3.ª – Da admissibilidade de prova testemunhal.
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Como se vê, vem o autor/apelante recorrer da decisão de 1.ª instância que julgou totalmente improcedente o pedido por si formulado por via da presente acção, ou seja, a resolução do contrato de compra e venda de imóvel celebrado por escritura pública entre os seus pais e a ré/apelada em 2.12.1986, porque no seu entender tal negócio teria ficado sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, à obrigação da ré/apelada afectar, exclusivamente, o prédio adquirido à construção de um campo de hóquei em campo. E para esta fabulosa conclusão alcançada pelo autor/apelante contribuiu a menção encontrada no final da dita escritura pública em que os representantes da ré/apelada declararam, além de aceitar os termos da venda declarada pelos vendedores, que o terreno teria esse destino – concretamente “Os segundo outorgantes declararam que aceitam esta venda e que o terreno adquirido se destina à construção de um campo para a prática de hóquei em campo”.
Isto, imediatamente antes, de: “Os primeiros outorgantes declararam que por quinhentos mil escudos vende à referida C… um prédio rústico denominada “G…”, no Lugar … (…). E que tendo recebido o indicado preço dão como efectuada a venda. Mais declararam que não há fraccionamento proibido”.
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1.ªquestão – Da alegação inserção no contrato de uma condição resolutiva.
Começemos por referir que efectivamente e por força do preceituado no art.º 432.º do C.Civil, a resolução do negócio pode fundar-se na lei ou em convenção:
a) se a resolução se funda na lei, está-se perante a condição resolutiva tácita, que consiste no direito potestativo, conferido a um dos contraentes, de ter o contrato por resolvido em virtude da outra parte não ter cumprido a sua prestação;
b) se a resolução se funda em convenção, está-se perante a condição resolutiva expressa, que se traduz na destruição da relação contratual com base num facto posterior à sua celebração, não tendo tal facto de estar necessariamente ligado ao incumprimento, podendo consistir numa simples razão de conveniência.
“In casu” o autor/apelante defende a existência de uma condição resolutiva fundada no acordo das partes e inserta no contrato de compra e venda em apreço.
Sobre a noção de condição, preceitua o art.º 270.º do C.Civil, que a condição é suspensiva se o negócio só produz efeitos após a verificação do evento condicionante, suspendendo assim a sua eficácia; é resolutiva se o negócio deixa de produzir efeitos após a verificação do evento condicionante, sendo eficaz até lá.
Segundo o Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, pág. 356, define-se a condição como “… a cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio (o conjunto dos efeitos que ele pretende desencadear) é posta na dependência dum acontecimento futuro e incerto, por maneira que ou só verificado esse acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou então só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva) … “.
A importância prática da estipulação condicional, sendo um corolário do princípio da liberdade contratual, cfr. art.º 405.º do C.Civil, destina-se a que, por esse meio, o declarante pode tomar em conta o futuro que se apresenta como incerto e realizar o negócio em termos de estar sempre de acordo com o que julga ser os seus interesses, seja qual for o rumo das coisas, o curso dos acontecimentos, no que toca ao ponto ou pontos sobre os quais não se supõe habilitado a fazer previsões seguras.
Identificar-se uma condição é suspensiva ou resolutiva é uma questão de interpretação do negócio jurídico, de averiguar qual a vontade real das partes, cfr. “Teoria Geral do Direito Civil, pág. 559, curiosamente e segundo este civilista, a lei - salvo o caso excepcional previsto no artigo 2234.º do C.Civil - não formula qualquer presunção geral, nem é legítimo propor qualquer presunção natural ou de facto como validade geral.
A condição tem assim por conteúdo um facto ou acontecimento futuro, de cuja verificação ou não verificação depende a vigência do negócio e a uma incerteza quanto à verificação desse evento. Avaliando-se a incerteza do facto em termos objectivos e não subjectivos e, respeita à sua verificação ou não verificação. Sendo que a vontade e a iniciativa do adquirente se reflecte apenas na classificação da condição assente na origem do facto condicionante em condição potestativa, casual ou mista. Pois que a condição potestativa é aquela em que a verificação do facto depende da vontade humana, de uma das partes, sendo este tipo de condições que, de modo geral, o expediente legal a que uma das partes pode lançar mão para estimular o comportamento da contraparte ou para tentar assegurar-se de um certo resultado que lhe será benéfico.
A condição casual, por seu turno, é aquela em que o acontecimento depende de uma causa natural ou de um acto de um terceiro. E a condição mista é aquela em que para a verificação ou não verificação do facto condicionante se torna necessário o concurso da vontade de uma das partes e de um facto natural ou da vontade de terceiro.
Em causa está um contrato de compra e venda, o qual não é, nem pela sua natureza nem por disposição de lei, um negócio incondicionável, cfr. Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica", vol. II, págs. 360 a 364. E, atento o defendido pelo autor/apelante e as considerações gerais que acima deixámos consignadas, estaríamos perante uma condição resolutiva potestativa, aposta ao contrato de compra e venda celebrado pelos seus pais com a ré/apelada, e porque unicamente por vontade da adquirente esse facto futuro se não veio a verificar, o negócio tem de deixar de os produzir os seus normais efeitos, por resolução contratual por parte do filho dos vendedores.
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Consta da escritura pública de compra e venda, outorgada a 2.12.1986, no Cartório Notarial de …, entre E… e sua mulher F…, pais do autor/apelante, e a C… celebraram um contrato epigrafado de compra e venda “Os segundo outorgantes declararam que aceitam esta venda e que o terreno adquirido se destina à construção de um campo para a prática de hóquei em campo”.
Como também já se deixou consignado apurar se estamos perante uma cláusula contratual que constitui a estipulação de uma condição resolutiva há-de resultar dapura interpretação da vontade das partes.
Em causa está assim um contrato de compra e venda, um negócio formal e, “in casu” está formalizado por escritura pública. Logo, na interpretação desse negócio não pode olvidar-se o preceituado no art.º 238.º n.º1 do C.Civil, quanto à interpretação dos negócios jurídicos formais. Ou seja, nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade, cfr. art.º 238.º n.º2 do mesmo diploma.
Também como se sabe, no âmbito interpretativo, haverá que ter em conta que a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se ela for conhecida do declaratário, cfr. art.º 236.º n.º 2 do C.Civil.
Mas como a interpretação da declaração negocial tem por objectivo fixar o seu sentido e alcance juridicamente relevantes, a lei não se basta, contudo, com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste), concedendo primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia (sentido objectivo para o declaratário). Por isso, não sendo conhecida a vontade real do declarante, a declaração negocial valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, cfr. art.º 236.º n.º1 do C.Civil, também denominada “teoria da impressão ou da interpretação do destinatário”, teoria que sofre adaptação objectiva no caso dos negócios formais, cfr. art.º 238.º n.º s 1 e 2 do C.Civil.
Conforme ensina o Prof. Vaz Serra, in Rev. Leg. Jur., ano 103, pág.287, a teoria da impressão deve ser entendida nos seguintes termos: “a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, com o que se procura, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribuiu a sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia razoavelmente atribuir-se a esta, dar preferência a este, que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante, mas também porque assim se defendem melhor os interesses gerais do tráfico ou comércio jurídico. Mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo no caso do n.º2 do art.º 236.º) a fixar a um simples facto o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração, mas a fixar o sentido jurídico, normativo da declaração”.
Sendo certo que, no domínio da interpretação, surgem também como elementos básicos e a que deve recorrer para a fixação do sentido das declarações – “a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos”, cfr. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil” vol. II, pág. 344. Ou, no dizer de Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, pág. 213, “os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de outros meios ou profissões), etc.”. Ou ainda segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 223, “normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se, não só pela capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.
E assim, sendo a interpretação dos negócios jurídicos a actividade orientada a fixar o sentido e alcance decisivo dos negócios, segundo as declarações que os integram, de modo a determinar o conteúdo das declarações de vontade e os efeitos jurídicos que o negócio visa produzir, o resultado interpretativo a alcançar deve estar de acordo com a teoria da interpretação do destinatário, ou seja, salvo o caso do n.º2 do art.º 236.º do C.Civil, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, à luz dos ditames da boa-fé e das circunstâncias atendíveis no caso concreto, só assim não sendo se este último, em termos de razoabilidade, não puder contar com a atribuição de tal sentido à sua declaração.
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Vejamos o texto da escritura pública em causa.
Como se referiu, da mesma consta como únicas declarações dos vendedores (pais do autor/apelante) “Os primeiros outorgantes declararam que por quinhentos mil escudos vende à referida C… um prédio rústico denominada “G…”, no Lugar …,deterrenodecultura,comdoismilecemmentrosquadrados,aconfinardenortecomnascentescaminhos(…),descritosobonúmerozerozerocentosetentaeoito,freguesiade …,cominscriçãoG-umafavordosvendedores. E que tendo recebido o indicado preço dão como efectuada a venda. Mais declararam que não há fraccionamento proibido”.
Seguem-se depois as declarações da compradora, ora ré/apelada, “Os segundos outorgantes declararam que aceitam esta venda e que o terreno adquirido se destina à construção de um campo para a prática de hóquei em campo”.
Decorre do assim declarado que os vendedores se limitaram a declarar a sua propriedade relativamente ao imóvel em venda, identificação matricial e registral do mesmo e o preço da respectivamente venda, que declaram ter já recebido, pelo que dão por realizado o negócio.
Ou seja, nada é declarado, ainda que implicitamente, pelos vendedores quanto ao fim que a adquirente pudesse vir a dar ao prédio que lhe estão a vender.
É na realidade a compradora, ora ré/apelada, quem, a seguir às declarações dos vendedores, declara que aceita a venda efectuada pelos pais do autor/apelante e nos termos que o foi e acima constantes, nomeadamente quanto ao bem, preço o qual já pagou, e depois mais declara “…e que o terreno adquirido se destina à construção de um campo para a prática de hóquei em campo”.
Ou seja, é a compradora quem, de sua livre e espontânea e unilateral vontade, declara a finalidade que à data tencionava dar ao imóvel que havia adquirido. E nem sequer o autor/apelante alegou que essa finalidade a dar ao bem vendido era a vontade real dos seus pais – vendedores – à altura da outorga do negócio, e/ou que era do conhecimento da compradora.
Na verdade, atendendo aos ditames interpretativos constantes dos art.ºs 238.º e 236.º, ambos do C.Civil e acima já consignados, é para nós evidente que antes da emissão desta última declaração da compradora, o negócio da compra e venda estava perfeitamente ultimado/concluído, quer no que respeita à vontade dos outorgantes, quer em termos formais. Ou seja, está última declaração unilateral e avulsa da compradora é absolutamente estranha ao acordo translativo da propriedade anteriormente alcançado e concluído entre as partes contratantes. E assim sendo dela não decorre qualquer vinculação, mesmo que implícita, da compradora perante os vendedores, pois que estes são absolutamente estranhos ao declarado pela ré/apelante, que não lhes é dirigido, nem expressa nem tacitamente, pelo que é absolutamente irrisório o defendido pelo autor/apelante de que os vendedores se não opuseram, ainda que tacitamente, ao assim declarado pela compradora, pois que, não lhes sendo essa declaração dirigida, a ela, atento o seu teor, demais circunstâncias do negócio, eram manifestamente estranhos.
Em suma, reproduzimos aqui a conclusão alcançada em 1.ª instância que é, pelo que deixámos exposto, também a nossa: “Não há, no trecho transcrito (nem no mais constante na referida escritura), qualquer menção que possa ser entendida como a manifestação da vontade da Ré ou dos pais do Autor de sujeitarem a compra e venda do imóvel à condição de o mesmo ser usado para o declarado fim de construção de um campo para a prática de hóquei em campo”.
Apesar de não ter resultado provado nos autos, certo é que pela experiência da vida e em concreto da prática negocial, admitimos, como é alegado pela ré/apelante que a inserção daquela declaração no texto da escritura terá tido por única finalidade a sua ulterior relevância para efeitos tributários, ou seja, por ser uma instituição de utilidade pública destinada à promoção e organização da prática desportiva, a afectação do prédio à actividade desportiva, importava a isenção de pagamento de impostos sobre o imóvel assim adquirido.
Fosse por que razão fosse, certo é que do teor das declarações dos outorgantes constantes da escritura pública que formalizou o contrato de compra e venda em apreço não resulta que os mesmos quisessem submeter o negócio a uma qualquer condição, mormente atinente ao uso que a compradora iria dar ao bem adquirido.
Destarte, improcedem as respectivas conclusões do apelante.
* 2.ªquestão – Da alegada confissão do comprador.
Mais defende o autor/apelante que a declaração feita pela compradora, ora ré/apelante, perante a entidade documentadora – Notária do Cartório onde foi formalizada a compra e venda em apreço - de que aquele terreno tinha um determinado fim, é dotada de força probatória plena em termos de confissão.
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Como é sabido, em termos substantivos e como resulta do disposto no art.º 352.º do C.Civil: “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”, situando-se, portanto, esta figura, no domínio da prova, designadamente a parte a quem aproveita a confissão fica dispensada de provar o facto, ou seja, não tem qualquer influência directa e imediata na relação processual, pois que o juiz sempre terá de apreciar do mérito da causa.
A escritura pública, como a de compra e venda em apreço nestes autos, é um documento autêntico, por se revestir da característica estabelecida no art.º 369.º do C. Civil, sendo o seu valor probatório pleno, por força do n.º 1 do art.º 371.º do C.Civil, circunscrito aos factos que nelas se referem como praticados pelo notário e, outrossim, aos factos objecto de percepção por esse oficial público (entidade atestadora/ /documentadora), mas não cobre tal força probatória a veracidade e/ou a correspondência com a realidade dos factos ou declarações das partes que integram a respectiva materialidade.
Como refere Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 247 “a confissão quando exarada em documento com força probatória plena e for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art.º 358.º n.º 2 do C. Civil)”.
“In casu”, dúvidas não restam de que a compradora, ora ré/apelada, declarou sobre a referida Notária que “Os segundos outorgantes declararam (…) que o terreno adquirido se destina à construção de um campo para a prática de hóquei em campo”. Ou seja, em escritura pública de compra e venda, constando que a compradora proferiu tal afirmação naquele acto faz prova plena desta afirmação desta. A realidade da afirmação da compradora, do fim que tencionava dar ao bem adquirido, cabe nas percepções da notária, no entanto, de tal não resulta sequer que o afirmado coincida com a realidade, pois esta bem poderia ser outra, já imaginada à ocasião (caso da isenção de impostos) ou, admitindo-se que outro fim poderia vir a ser dado no futuro ao imóvel.
Na sequência do que acima já deixámos consignado, entendendo nós que estamos seguramente perante uma declaração unilateral e avulsa da compradora é absolutamente estranha ao acordo translativo da propriedade anteriormente alcançado e concluído entre as partes contratantes, esta declaração por não ter sido feita ou dirigida aos vendedores (pais do autos/apelante), nem se revelar, à ocasião em que a declaração foi feita, por qualquer forma desfavorável à compradora e favorável aos vendedores, nem a existência dessa dicotomia, à ocasião da declaração, foi alegada pelo autor/apelante, à excepção de que ocorreu “enriquecimento da ré “obtido à custa do aqui autor e seus pais, na medida em que, apenas celebraram aquele negócio em virtude da finalidade que lhe estava adstrita”, pelo que não tem a virtualidade de consistir numa confissão de qualquer facto perante os vendedores.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respectivas conclusões da apelante.
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3.ªquestão – Da admissibilidade de prova testemunhal.
Por fim defende o autor/apelante que deveria ter a 1.ª instância feito prosseguir os autos, a fim de em julgamento se poder produzir prova testemunhal para se aquilatar do real sentido que as partes outorgantes na referida escritura pública de compra e venda queriam atribuir à referida declaração prestada pela compradora, ora ré/apelada.
Concretamente, diz o autor/apelante que as testemunhas que arrolou demonstram ter conhecimento directo e suficiente dos factos em relação aos interesses em causa, não deixando a menor dúvida sobre a vontade das partes em atribuírem à referida menção, força resolutiva.
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Em suma, pretende o autor/apelante provar por testemunhas que era vontade real dos seus pais, - vendedores – que o imóvel que venderam à ré/apelada fosse por esta unicamente destinado à construção de uma campo para a prática de hóquei em campo, caso contrário, o negócio deixaria de produzir os seus efeitos, daí que, consequentemente, a compradora – ter aceite essa condição e declarado ”que o terreno adquirido se destina à construção de um campo para a prática de hóquei em campo”.
Ora, como é sabido, a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada, cfr. art.º392.º do C.Civil.
Em sede de prova testemunhal, preceitua o art.º 393.º do C.Civil que:
“1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito não é admitida prova testemunhal. 2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena. 3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento”.
E o art.º 394.º do mesmo C.Civil preceitua ainda que: “1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.
E também se sabe que a Jurisprudência, em geral, tem vindo a defender que os preceitos sobre a inadmissibilidade de prova testemunhal não podem ser interpretados em termos rígidos, nem as regras aí consagradas podem ter um alcance absoluto.
A regra contida no art.º 394.º tem por fundamento os perigos da prova testemunhal de convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos e a circunstância de ter sido possível ao interessado munir-se de uma prova escrita dessas convenções.
Sendo certo que, como refere Mário Brito, in “C.Civil Anotado”, vol. 1.º, pág. 537 “a inadmissibilidade da prova por testemunhas, tendo por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos, não tem aplicação à prova de vícios da vontade. É que tais vícios não são convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento. Assim, se as declarações documentadas tiverem sido viciadas, v.g., por erro, dolo ou coacção, estes vícios podem provar-se por testemunhas”.
E assim, com é Jurisprudência assente, embora o documento autêntico faça prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, bem como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, cfr. art.º 371.º n.º1 do C.Civil, nada obsta a que se ataquem as declarações, dele, constantes, seja por falsidade seja por vícios de vontade, pois que a prova plena respeita à materialidade das afirmações atestadas, mas não quanto à sinceridade, à veracidade ou à validade das declarações nele, emitidas.
Finalmente, a inadmissibilidade da prova testemunhal não vale quando em causa está a interpretação do contexto do documento, cfr. art.º 393.º n.º3 do C.Civil, ou seja, do sentido e alcance atribuídos ao texto do documento.
“In casu” o pretendido alcançar pelo autor/apelante através do recurso a prova testemunhal não é a simples interpretação do sentido e alcance do que está expresso no texto do documento, é antes, a prova de um acordo/convenção alcançado entre os outorgantes, de algo que era vontade real dos vendedores e que não foi pelos mesmos declarado então, e/ou de natureza adicional ao conteúdo do referido documento autêntico e que do respectivo texto, manifestamente, não consta, nem implicitamente.
E assim sendo, desde logo, o pretendido recurso à prova testemunhal não é um mero complemento da prova documental, isto é, inexiste um “começo de prova” documental, e como acima se deixou consignado, tal não tem o mínimo de correspondência no texto da escritura pública em apreço, logo valem aqui em pleno as razões da proibição resultante do n.º 1 do art.º 394.º do C.Civil, ou seja, a necessidade de afastar os riscos próprios da falibilidade da prova testemunhal, contra o valor que o documento autêntico deve ter.
E como refere o Prof. Vaz Serra, in RLJ 107.º-311: “Quando há um começo de prova por escrito, que torne verosímil o facto alegado, a prova testemunhal não é já o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção por então, o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte, visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento”. Mas “in casu” inexiste, ou não foi sequer alegada a existência pelo autor/apelante, a existência de qualquer documento escrito; que seja proveniente da ré/apelante, então, compradora e que dele resulte alguma verosimilhança do alegado pelo autor/apelante.
Em suma, o pretendido pelo autor/apelante trata-se de determinar o conteúdo de uma alegada convenção adicional da escritura pública ajuizada – uma condição resolutiva potestativa – e que não chegou a constar do texto da respectiva escritura pública - caso que, à luz do preceituado no n.º1 do art.º 394.º do C.Civil, é proibido o recurso à prova testemunhal.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, nenhuma censura nos merece a decisão proferida em 1.ª instância, se assim se confirma.
Improcedem as derradeiras conclusões do apelante.
Sumário:
.................................. .................................. .................................. IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Porto, 2021.03.09
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues