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ARGUIÇÃO DE NULIDADE
DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO
Sumário
- Se o recurso é intempestivo, conforme fora declarado por decisão transitada em julgado, também a nulidade nele invocada é necessariamente intempestiva. - O trânsito em julgado da sentença torna a mesma e o respectivo processado que a gerou firme, imutável e definitivo, insusceptível de modificação pela via de qualquer requerimento ou recurso ordinário, em prol do princípio da certeza e segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, ou seja, tendo a sentença adquirido força obrigatória com o trânsito em julgado, só poderá a mesma ser questionada pela via extraordinária do recurso de revisão e no plano dos apertados e taxativos limites da respectiva admissibilidade. (…)
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
Nos Autos de Recurso da Contraordenação nº3356/18.5 T8BRR-C.L1, da Comarca de Lisboa Barreiro - Inst. Local - Secção Criminal – J1, em que é arguida V. , Lda, por despacho da Exmª Juiz, de 18-06-2019, foi decidido, (transcreve-se):
« O trânsito em julgado de uma decisão judicial, tem por efeito estabilizar não só a situação jurídica material sobre a qual dispôs, mas também o processado que a antecedeu e do qual depende.
Motivo pelo qual, após o trânsito em julgado da decisão está vedado ao tribunal conhecer que qualquer nulidade, sanável ou insanável ou de qualquer irregularidade.
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Mantendo-se o despacho que rejeitou, por extemporâneo o recurso interposto. » Por não se conformar, com o assim decidido, recorreu a arguida V. , Lda, formulando, na motivação apresentada, as seguintes, conclusões (transcrevem-se):
«1ª - Ocorre no caso a existência da nulidade insanável do art° 119°, alínea d) do CPP que deveria ter sido declarada oficiosamente, podendo sê-lo a todo o tempo, pelo que deve ser declarada.
2° - Não pode falar-se em trânsito julgado de decisão enquanto ela for suscetível de recurso e nem a não admissão do recurso a torna definitivamente imodificável porque dela pode reclamar o recorrente nos termos do art° 405° do CPP, dependendo, portanto, o trânsito em julgado de uma decisão definitiva de indeferimento do presidente do tribunal superior, o que até pode não acontecer.
3° - A arguida arguiu a nulidade do art° 119°, alínea d) do CPP, em 13-06-2019 e reclamou da não admissão do recurso em 18-06-2019, podendo fazê-lo até ao dia 20-06-20-06-2019, portanto, enquanto ainda lhe assistia o direito de reclamação da não admissão do recurso.
4° - Não estando estabilizada a situação jurídica material sobre a qual dispôs a decisão nem o processado que a antecedeu, deve, ser deferida a arguição da nulidade insanável do art° 119°, alínea d) do CPP que deveria ter sido declarada oficiosamente, podendo sê-lo.
Nestes termos, deve ser declarada nulidade insanável do artº 119º, alínea d) do CPP que deveria ter sido declarada oficiosamente, podendo sê-lo, assim se fazendo inteira e sã Justiça.»
O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pela Arguida Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.
Neste Tribunal o Exmo.Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido do não provimento do recurso.
A Recorrente, notificada nos termos e para os efeitos previstos no art. 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar.
Efectuada a conferência prevista no art. 419º do CPP, cumpre decidir.
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Numa brevíssima resenha dos autos temos que:
- Em obediência ao Acordão deste Tribunal da Relação de 20 de Março de 2019, foi proferida nova decisão final nos autos pela Mmª Juiz da Inst. Local - Secção Criminal – J1do Barreiro, em 29 de Abril de 2019,
- A aguida V. - , LDA., por não se conformar com o decidido, interpôs recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa, em 3 de Junho de 2019. No requerimento de interposição de recurso, para além do mais, pode ler-se:
“ bem vistas as coisas, ocorre no caso, no fim de contas, a existência da nulidade insanável do art° 119°, alínea d) do CPP que deveria ter sido declarada oficiosamente, podendo sê-lo a todo o tempo, pelo que se requer que seja declarada, ou não o sendo, requer-se a V. Exª se digne admitir o recurso.”
- Em 6 de Junho de 2019 a Mmª Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho de não admissão do recurso interposto pela arguida V. - , LDA, por o mesmo ser extemporâneo.
- Em 13 de Junho de 2019 a arguida recorrente apresentou o seguinte requerimento, que se transcreve:
“V. - , LDA., arguida nos autos, vem arguir a nulidade do art° 119°, alínea d) do CPP, com os seguintes fundamentos: No requerimento de admissão do recurso, a arguida disse que, bem vistas as coisas, ocorre no caso, no fim de contas, a existência da nulidade insanável do art° 119°, alínea d) do CPP que deveria ter sido declarada oficiosamente, podendo sê-lo a todo o tempo, pelo que se requer que seja declarada, ou não o sendo, requer-se a V. Exª se digne admitir o recurso. Assim, só pedia a admissão do recurso no caso de não ser declarada a nulidade insanável do art° 119°, alínea d) do CPP. Com efeito, a decisão proferida não teve em devida conta tudo o que foi determinado no douto acórdão da Relação e, assim, considerando que estamos perante uma prolixidade de matéria de facto e de direito que não permite à recorrente o cabal exercício do direito de defesa, tudo isto tendo as suas origens na falta de instrução imposta à autoridade administrativa pelo art° 54°, n° 2, do RGCO, deve ser declarada a existência da nulidade insanável do art° 119°, alínea d) do CPP. Nestes termos, deve ser declarada a arguida nulidade com as legais consequências.”
- Na sequência do sobredito requerimento, foi proferido o despacho recorrido em 18 de Junho de 2019, e supra transcrito.
A arguida V. — , Lda, reclamou para a Presidente deste Tribunal da Relação do despacho proferido a 6 de Junho de 2019, o qual não admitiu, por extemporâneo, o recurso por si interposto da decisão final proferida nos autos, sendo do seguinte teor a decisão proferida pela Exmª Senhora Presidente deste Tribunal (transcrição):
“V. — , Lda, arguida nos autos, reclama, ao abrigo do disposto no art. 405.° do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado, em 6/6/2019, o qual não admitiu, por extemporâneo, o recurso por si interposto da decisão final proferida nos autos. Alega, em síntese, que o prazo de recurso da decisão proferida é de 30 dias e não de 20 dias como entendido pela decisão reclamada, pelo que, o recurso foi interposto em prazo, devendo ser admitido. Mais alega, que o despacho reclamado refere que o prazo de recurso é de 20 dias, mas não indica a norma que estabelece esse prazo nem diz quando o arguido dela teve conhecimento, pelo que, o despacho é nulo. Alega, ainda, que seria inconstitucional retirar garantias de defesa à arguida, pelo que a norma que não foi indicada do prazo de 20 dias é inconstitucional por violação do art. 32.°, da CRP. O despacho reclamado, a fls. 14 destes autos, não recebeu o recurso com fundamento, em síntese, de que o mesmo foi interposto fora de prazo, que é de 20 dias. Conhecendo. Encontrando-nos nós perante uma decisão proferida no âmbito de uns autos de recurso de contraordenações ambientais, o prazo de interposição de recurso é de 20 dias, nos termos do disposto no n.° 4, do art. 55.° da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (Lei n.° 50/2006, de 29/8), a qual estabelece um prazo de recurso mais alargado relativamente ao Regime Geral das Contraordenações, cujo prazo é de 10 dias - no n.° 1, do art. 74.°, do RGCO. Sobre a interpretação deste último preceito incidiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 27/2006, de 10 de Janeiro, publicado no DR n.° 45, de 3/3/2006, declarando-o inconstitucional, mas apenas na dimensão em que o mesmo violava o princípio da igualdade de armas pela existência de prazos distintos para o recurso e para a respectiva resposta. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Uniformizador de Jurisprudência, n.° 1/2009, publicado no DR, n.° 11, Série I, de 16 de Janeiro de 2009, fixou a seguinte orientação interpretativa: "Em processo de contra-ordenação, é de 10 dias quer o prazo de interposição de recurso para a Relação quer o de apresentação da respectiva resposta, nos termos dos artigos 74.°, n. °s 1 e 4, e 41.° do Regime Geral de Contra-Ordenações (RGCO). ". Esta interpretação pôs fim à aludida violação do princípio da igualdade de armas, pressuposto de decisão do Acórdão n.° 27/2006, do Tribunal Constitucional, como se decidiu, entre outros, no acórdão deste Tribunal da Relação, de 21/9/2011 (em que foi Relator o Exm. Sr. Desembargador Jorge Raposo, acessível in dgsi.pt), e como uniformemente se tem decidido nas reclamações apresentadas neste Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 405.° do CPP. Porém, a decisão reclamada não aplicou esta norma relativa ao prazo geral de recurso nos autos de contraordenação, que é de 10 dias, mas o prazo referido no n.° 4, do art. 55.° da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (Lei n.° 50/2006, de 29/8), o qual é de 20 dias, conforme supra referimos. Tendo a decisão sido notificada ao mandatário do arguido via citius em 30/4/2019 e à arguida por via postal registada com prova de recepção remetida na mesma data e o requerimento de interposição de recurso dado entrada em juízo em 3/6/2019, é o mesmo manifestamente extemporâneo, conforme considerado pela 1.a instância. E não se vislumbra, nem a reclamante explícita, como é que a norma que estabelece o prazo de recurso de 20 dias para as contraordenações ambientais é violadora do art. 32.°, da CRP. Alegou a reclamante que o despacho reclamado é nulo porquanto não indicou a norma que estabelece o prazo de 20 dias para o recurso e nem diz quando o arguido dela teve conhecimento. Ora, se a reclamante entendia que o despacho reclamado padecia de qualquer nulidade deveria tê-la suscitado junto da 1.a instância. Não o tendo feito ficou a mesma sanada. Sempre se dirá, no entanto, que a arguida foi condenada pela prática de contraordenações ambientais, não lhe aproveitando o desconhecimento da lei. Além do mais, mostra-se representada por advogado. Pelo exposto, se indefere a reclamação, nos termos e para os efeitos previstos no art. 405.°, n.° 4, do CPP.”
Apreciando:
As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414º, (art.º 379.º, n.º 2, do CPP).
As demais nulidades - que respeitam ao procedimento - têm de ser arguidas perante o tribunal de primeira instância, que as apreciará em primeira mão, só havendo recurso da decisão que delas conhecer.
No caso em apreço, tratando-se de nulidade de sentença, - não obstante a falta de clareza da argumentação que consta da motivação de recurso interposto da decisão de 1ª Instância datada de 29 de Abril de 2019, parece pretender o Recorrente invocar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por nela, decisão recorrida, não ter o Tribunal a quo conhecido da eventual nulidade insanável definida como insuficiência de instrução da fase administrativa do processo e consequente violação do nº2 do art.54º do RGCC -, a respectiva arguição tem de ser invocada no recurso da sentença e no prazo em que este tem de ser interposto.
Na verdade, no caso sub judice a nulidade invocada na motivação de recurso é extemporânea nos mesmos termos em que é o recurso interposto da decisão final, porque invocada para além do prazo que a lei concedia ao Recorrente para a invocar.
Se o recurso é intempestivo, como já declarado por decisão transitada em julgado (v.g. Decisão da Senhora Presidente desta Relação de 3 de Julho de 2019), também a nulidade nele invocada é necessariamente intempestiva.
E nem se diga, como parece resultar da motivação do presente recurso que é legalmente possível conhecer das nulidades suscitadas mesmo em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão final condenatória.
De facto, «o conhecimento das nulidades insanáveis não pode ter lugar a todo o tempo, mas apenas, como resulta do disposto no corpo do artigo 119º do C. P. Penal, enquanto durar “o procedimento”, ou seja, como é óbvio, enquanto permanecer a “relação processual” conexionada com o arguente das nulidades em apreço, não podendo, pois, e ao contrário do que se entende na motivação do recurso, serem declaradas depois de transitada em julgado (relativamente ao arguente das nulidades) a decisão final.» (Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2018, proferido no Proc. Nº739/09.5TBTVR-B.E1)
Na verdade, «… este nosso entendimento (de que o caso julgado se sobrepõe ao conhecimento de qualquer nulidade, mesmo que insanável) está inteiramente conforme com o preceituado na Constituição da República Portuguesa, designadamente com as garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32º, nº 1, da nossa Lei Fundamental (“o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”).
É que, e desde logo, o caso julgado, ainda que não definido na nossa Lei Fundamental, é um valor constitucionalmente protegido, iluminado pelo nº 2 do artigo 32º, pelos nºs 2 e 3 do artigo 205º e pelo nº 3 do artigo 282º da Constituição da República Portuguesa.» (ibidem)
É que «o trânsito em julgado da sentença torna a mesma e o respectivo processado que a gerou firme, imutável e definitivo, insusceptível de modificação pela via de qualquer requerimento ou recurso ordinário, em prol do princípio da certeza e segurança jurídica inerente ao Estado de Direito. Ou seja, tendo a sentença adquirido força obrigatória com o trânsito em julgado, só poderá a mesma ser questionada pela via extraordinária do recurso de revisão e no plano dos apertados e taxativos limites da respectiva admissibilidade. (…) Aliás, a impossibilidade de conhecimento de tais matérias (relativas ao processado anterior à sentença) decorre igualmente, por maioria de razão, da própria impossibilidade de conhecimento de qualquer recurso interlocutório na ausência de recurso da sentença final ou após o trânsito desta última, que constitui jurisprudência e doutrina pacíficas». (Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 26-06-2018, disponível in www.dgsi.pt)
Assim, face ao supra expendido, e sem necessidade de mais considerações, por despiciendas, conclui esta Relação que não pode senão subscrever as razões doutamente aduzidas no despacho recorrido em desabono da tese perfilhada pelo Recorrente.
Eis por que o presente recurso irá improceder.
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes que constituem a 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, mantendo, na íntegra, o despacho recorrido.
Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCS.