RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
QUESTÃO NOVA
INCONSTITUCIONALIDADE
DIREITO AO RECURSO
Sumário


I. Estatui o direito adjetivo civil, salvaguardando o princípio dimanado da Lei Fundamental, que lhe permite regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões, condições gerais quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, nomeadamente, aquelas que respeitam às decisões que comportam revista.
II. Estando em causa um acórdão que recaiu sobre decisão interlocutória nova, sendo que não houve recurso do acórdão final da Relação a que possa acoplar-se, impõe afirmar que a acessoridade da impugnação da decisão interlocutória dita que a mesma não possa ser impugnada em revista.
III. Do destino da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação por ausência de recurso da decisão final continuam a ser ressalvados, ao abrigo do n.º 4 do art.º 671º do Código de Processo Civil, os acórdãos que tenham interesse direto e efetivo para o recorrente, independentemente da decisão final, exigência que deve ser interpretada objetivamente, de modo a afastar o confronto do Supremo Tribunal de Justiça com pretensões cuja resolução não determina qualquer benefício direto e efetivo para os recorrentes.

Texto Integral


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

1. AA - mais tarde acompanhado de BB, de modo a suprir a sua ilegitimidade processual, tanto ativa como passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, que declarou fazer seus os articulados apresentados pelo autor - intentou uma ação contra a sua [dos dois autores] filha, CC, e marido, DD, pedindo que fosse reconhecido o direito de propriedade do autor sobre o imóvel ajuizado, e os réus fossem condenados a restituir a parte do imóvel que ocupam, que identificam, bem como a pagar-lhe uma indemnização de 75€ por cada dia de atraso na entrega da parte do imóvel a contar da data da interpelação para a restituição, efetuada por notificação judicial avulsa.

Foi apresentada contestação e deduzida reconvenção.

Houve resposta.

Realizada a audiência final foi proferida sentença que reconheceu o direito de propriedade do autor sobre o imóvel e condenou os réus a restituir, imediatamente, livre de pessoas e bens a parte do imóvel que ocupam, e que corresponde a um piso (2.º piso) e águas furtadas, e a pagar uma indemnização de 50€ por cada dia de atraso na entrega da parte do imóvel, a contar da data da interpelação para a restituição, efetuada por notificação judicial avulsa. A reconvenção foi considerada totalmente improcedente, absolvendo-se os autores dos pedidos formulados pelos réus.

2. Os Réus recorreram desta sentença, tendo a Relação proferido acórdão, em cujo dispositivo consignou: “Pelo exposto, julga-se procedente o recurso dos réus apenas quanto à sua condenação na indemnização de 50€ diários, decisão que se revoga, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida”.

3. Os Recorrentes/Réus/CC e DD depois de proferido o aludido acórdão, datado de 6 de Fevereiro de 2020, que conheceu da apelação interposta, requereram que os autos aguardassem na Relação, uma vez que se encontra ainda pendente de decisão, na 1ª Secção do Tribunal da Relação …. (Processo 2214/14…..), uma apelação autónoma que foi interposta pelos mesmos Réus e aqui Recorrentes do despacho proferido durante a audiência de julgamento que rejeitou a admissão nos autos, de documentos por eles apresentados, destinados a comprovar a sua capacidade económica para custearem as obras realizadas em 1991/1992 na parte do imóvel que tem sido a sua habitação, alegação que, no aresto proferido em 6 de Fevereiro de 2020, foi considerada destituída de qualquer suporte documental e que poderá ter interesse para a decisão dos pedidos reconvencionais, sendo revelador de que a matéria de facto não se encontra estabilizada, circunstância que impossibilita os Recorrentes de interporem recurso do acórdão proferido em 6 de Fevereiro de 2020, que confirmou parcialmente o sentenciado em 1ª Instância.

Assim, a pendência de recurso autónomo da decisão interlocutória que rejeitou a admissão daqueles documentos é uma questão prejudicial que impede o trânsito em julgado do Acórdão de 6 de Fevereiro de 20/20 até que esteja decidida.

Concluem pedindo que o acórdão de 6 de Fevereiro de 2020 seja complementado e eventualmente retificado ou complementado com o acórdão que venha a recair sobre a apelação autónoma interposta da decisão interlocutória que rejeitou a admissão de meios de prova (documentos).


4. Sobre o predito requerimento, o Tribunal a quo proferiu decisão singular, em 8 de Julho de 2020, com o seguinte teor:

“Requerimento dos réus de 03/06/2020:

Não é, evidentemente, como os réus dizem.

Desde logo, não há qualquer norma - nem os réus invocam qualquer uma - que permita aos réus que requeiram à conferência que se pronuncie sobre um requerimento qualquer.

Nem há, nem os réus invocam, qualquer norma que diga que um tribunal de recurso, depois de decidir um recurso, deve ficar à espera do que seja decidido noutro para depois o ter em consideração.

É certo que, se estiver pendente um recurso de um acto interlocutório anterior à sentença recorrida, a eventual procedência desse recurso pode implicar a anulação, por arrastamento, da sentença e do acórdão que recaiu sobre a sentença, se vier a ser considerado que o decidido no recurso do acto interlocutório tem influência no que foi decidido na sentença (art. 195/2 do CPC).

Mas isso não impedia, evidentemente, os réus de recorrerem do acórdão, do que não podem deixar de saber, porque tal também não os impediu de recorrer da sentença: um recurso autónomo tem efeito meramente devolutivo precisamente para permitir que o processo prossiga normalmente, podendo inclusive, como foi o caso, ser interposto recurso da sentença e depois recurso do acórdão que decidir esse recurso.

E como já está decorrido o prazo para o recurso contra o acórdão de Fev2020, os autos devem ser devolvidos, sem mais, à 1.ª instância.

Custas do incidente, por perfeitamente anómalo, pelos réus, que se fixam em 3UC de taxa de justiça (art. 7/4 do RCP e tabela II do mesmo).”

5. Os Réus reclamaram do predito despacho de 8 de Julho de 2020, que lhes indeferiu a pretensão de que o processo aguardasse, na Relação …., a decisão de um recurso interlocutório pendente desde data anterior ao recurso decidido neste processo, pedindo que sobre o aludido despacho recaísse acórdão.

O Tribunal a quo proferiu acórdão em 8 de Outubro de 2020, tendo concluído pelo indeferimento da aludida reclamação.

6. Os Réus/Recorrentes/CC e DD não se conformaram com o acórdão proferido e interpuseram revista, aduzindo as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso de revista tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação … que confirmou anterior despacho do Exmº Senhor Desembargador Relator que considerou que os Rtes perderam por extemporaneidade o direito ao recurso do acórdão proferido pela Relação nestes autos em 06/02/2020 quando ainda se encontra nesta data pendente na 1 a Secção da mesma Relação uma apelação autónoma que incide sobre decisão de 1 a instância que rejeitou meios de prova.

2. A revista (em separado) para o Supremo Tribunal de Justiça deve ser admitida ao abrigo do disposto na alínea b) do artº 673°, artº 629, nº 1 e da alínea g) do n° 2 do artº 644° todos do C.P.C. - este último por analogia com o regime da apelação autónoma em virtude do acórdão recorrido ter sido proferido após a decisão final - cfr. alegado supra em 6.

3. E deve ainda ser admitida ao abrigo do segmento final do n° 1 do are 671 do CPC por se tratar de um acórdão que põe termo ao processo, devendo esta norma processual ser entendida no sentido de se aplicar a quaisquer decisões da Relação que ponham termo ao processo (dr. Conselheiro Abrantes Geraldes e alegado supra em 7).

4. Ou, subsidiariamente para o caso de assim não se entender, admitida ao abrigo do n° 2, alínea a) do artº 671 quando conjugado com a alínea d) do nº 2 do artº 629 em virtude do acórdão ora recorrido estar em oposição com outro proferido pelo mesmo Tribunal da Relação (e já transitado) sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação (sem que exista AUJ) cfr. certidão judicial que protesta juntar e o alegado supra em 8.

5. É inaceitável a interpretação do acórdão recorrido (e do despacho para o qual remete) segundo a qual os Rtes, pese embora a pendência da apelação autónoma, não estavam impedidos de recorrerem para o STJ do acórdão de 06/02/2020 e que, não o tendo feito no prazo legal, perderam o direito ao recurso, podendo mais tarde - e no caso de procedência daquela, interporem novo recurso da sentença e depois recurso do acórdão que decidir esse recurso”.

6. Porquanto o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (a todos os factos fixados), não os podendo alterar (salvo no caso excecional previsto na parte final do n° 3 do art.º 674º do C.P.C.), conforme resulta dos nºs 1 e 2 do art.º 682° do C.P.C.

7. Pelo que, não estando ainda os factos fixados definitivamente por estarem dependentes do desfecho que venha a ter a referida apelação autónoma, os recorrentes têm estado legitimamente confiantes e convictos da inviabilidade, inoportunidade e inutilidade de recorrerem do acórdão de 06/02/2020 porque caso o fizessem, o STJ não poderia conhecer da revista e proferir decisão final de direito, sendo seguro que nesta situação seria ordenada a baixa do processo à Relação.

8. Não é por isso, nem admissível, nem proporcional, nem equitativo exigir aos recorrentes - como o faz o acórdão ora recorrido - que, sem prévio conhecimento do desfecho da apelação autónoma, tivessem interposto desde logo recurso de revista do acórdão de 06/02/2020 e que mais tarde - no caso de procedência daquela - viessem interpor novos recursos de apelação e de revista, porquanto e como é sabido, tal procedimento os obrigaria a suportar os inerentes custos e encargos acrescidos em duplicado (mais 2 recursos e respetivas alegações), designadamente com honorários de advogados e taxas de justiça, apenas pela razão de haver atraso na 1ª Secção da Relação quanto à decisão da apelação autónoma sobre a decisão interlocutória.

9. Tal como é inadequado o paralelismo que o acórdão recorrido estabelece com o recurso de sentenças finais de 1 a instância, na pendência de recursos de decisões interlocutórias, porque o regime da apelação da sentença final é muito diferente da revista, uma vez que as Relações conhecem amplamente de facto e direito.

10. O que efetivamente se verifica é uma lacuna da lei que o intérprete há-de resolver (v, supra 12 e as recomendações do Sr. Consº A. Geraldes a respeito) mas em sentido que não represente um sacrifício dos direitos das partes, mormente do direito ao recurso para o STJ de decisões que são recorríveis nos termos gerais do artº 629°, 1, do CPC, o qual foi violado pelo acórdão recorrido.

11. Ao invés, a interpretação das normas processuais, feita ou implícita no acórdão recorrido, no sentido de que o acórdão proferido em 06/2/20 transitou em julgado embora não esteja feita em definitivo a fixação da matéria de facto devido à pendência de apelação autónoma que tem por objeto a rejeição de meio de prova, obrigando consequentemente os Recorrentes à interposição de novos recursos no caso de procedência daquele que se encontra pendente, e designadamente a interpretação dada às normas ínsitas nos artºs 627°, 628° e 629° (direito ao recurso e noção de trânsito em julgado), 638° n° 1 (prazos de recurso), 644, n° 2 d) (apelação autónoma), 671 ° n° 1 (revista), 679º e 682º (revista e poderes do STJ) todos do C.P.C., é manifestamente violadora dos princípios da certeza e segurança jurídicas, da garantia de efetivação dos direitos, da proporcionalidade e do acesso ao direito e tribunais, na vertente do direito ao recurso, plasmados nas referidas normas processuais de garantia e nos artºs 2° e 20° da Constituição.

12. Princípios constitucionais e fundamentais que tal interpretação e decisão viola em prejuízo dos recorrentes por não lhes ser exigível que interponham recurso para o STJ, que apenas conhece de direito, quando a matéria de facto ainda não esteja totalmente estabilizada: isto é, que se dê como transitado um acórdão da Relação proferido quando ainda está pendente outro recurso que tem a virtualidade de poder alterar a matéria de facto e obrigar à repetição de julgamento em 1 a instância.

13. lnterpretação que é ainda contrária ao acórdão relatado pelo mesmo Desembargador Relator do acórdão recorrido - cfr. referido no ponto 14 supra, bem como contraria a melhor doutrina sobre este tema, de que também se citam excertos no ponto 15 supra.

14. Estando em causa nesta revista uma questão fundamental de direito que consiste em saber se transita, ou não, em julgado, um acórdão proferido pela Relação sobre sentença de mérito de 1 a instância enquanto ainda está por decidir na mesma Relação uma apelação autónoma sobre a não admissão de determinado meio de prova. Entendendo os recorrentes que não pode transitar pelas razões aduzidas.

Nestes termos e nos melhores de direito, requerem de Vossas Excelências que admitam a presente revista e que revoguem o acórdão recorrido (e o despacho para o qual ele remete) julgando procedente o recurso e assim considerando não transitado em julgado o acórdão da Relação de 06/02/20 enquanto estiver pendente de decisão na 1ª Secção da mesma Relação a apelação autónoma sobre decisão de 1ª instância que rejeitou meios de prova.”

7. Vem a presente reclamação do despacho do Mmº Juiz Desembargador relator a quo que não admitiu o aludido recurso de revista, tendo consignado a propósito:

“Depois de ter sido proferido o acórdão deste TR… (já a 06/02/2020) a julgar improcedente o recurso por eles interposto, bem como do incidente de renúncia de mandato e do incidente para apoio judiciário que lhes foi indeferido, e depois ainda do período de suspensão de prazos por força da legislação covid-19, depois, por isso e apesar disto tudo, de ter decorrido o prazo para recurso contra aquele acórdão final, os réus vieram requerer (a 03/06/2020) que o processo ficasse a aguardar neste TR…. que, um outro recurso pendente contra uma decisão interlocutória fosse decidido (para que, depois, fosse tomado em consideração em novo acórdão).

Por despacho do relator (de 08/07/2020), essa pretensão foi-lhes indeferida e foi também determinado que o processo fosse devolvido ao tribunal de 1.ª instância.

Deste despacho do relator, os réus reclamaram para a conferência que indeferiu a reclamação (por acórdão de 08/10/2020).

Agora pretendem recorrer deste acórdão interlocutório (de 08/10/2020) para o STJ.

Trata-se, pois, de um acórdão do TR… (de 08/10/2020) que se limita a confirmar um despacho (de 08/07/2020) que diz que o processo deve ser devolvido à 1.ª instância, por não ter sido interposto recurso do acórdão final deste TR… que decidiu a apelação contra a sentença recorrida, mas sem deixar de reconhecer que, caso o recurso pendente, contra uma decisão interlocutória, seja julgado procedente, essa decisão poderá, eventualmente, levar à anulação, por arrastamento, do acórdão final do TR…. contra a sentença (decisão de anulação que cabe naturalmente à 1.ª instância, no processo principal, quando for junto o acórdão que vier a ser proferido no recurso interlocutório pendente, pois que este acórdão, do recurso pendente, se conceder provimento ao recurso, diz respeito a um acto anterior à sentença recorrida e ao acórdão final deste TR….).

Assim sendo, aquele acórdão do TR…. (de 08/10/2020 - sobre a reclamação para a conferência do despacho do relator) não é uma decisão que conheça do mérito da causa, nem que ponha termo ao processo, pelo que não cabe dentro da previsão do (art. 671/1 do CPC), nem pode caber, por natureza, na previsão do art. 673/-a do CPC, nem existe qualquer norma que o ponha a coberto do art. 673/-b do CPC.

Por outro lado, não se está perante nenhum dos casos em que o recurso seja sempre admissível (art.º 671/2 e 629/2 do CPC), designadamente o acórdão interlocutório (de 08/10/2020) não versa, obviamente, sobre a mesma questão fundamental de direito que estava em causa no ac. do TR…. de 07/11/2019 invocado pelos réus (aquele diz que um processo não deve ficar à espera, num tribunal de recurso, a decisão de um recurso interlocutório; o último decide a inutilidade superveniente de uns embargos).

Pelo que o recurso não é admissível”.

8. Sustentam os ora Reclamantes/CC e outro, que o recurso de revista interposto deve ser admitido, para seguir os seus trâmites, aduzindo, para o efeito:

“1. O despacho ora reclamado do Exmº Sr. Desembargador Relator rejeitou o recurso de revista oportunamente interposto pelos Rtes. do Acórdão da conferência (2ª Secção) datado de 08/10/2020 que, por sua vez, confirmou anterior despacho do mesmo Exmº Sr. Desembargador Relator datado de 08/07/2020 que considerou que o Acórdão do mesmo Tribunal da Relação … com data de 06/02/2020 já transitou em julgado, sendo insuscetível de recurso por extemporaneidade (mandando baixar os autos à 1a instância), Acórdão esse que julgou improcedente a apelação da sentença final, apesar de ainda se encontrar pendente na 1ª Secção do mesmo Tribunal da Relação uma apelação autónoma de despacho interlocutório proferido no decurso da audiência de julgamento em 1 a instância e que rejeitara a admissão de certos documentos probatórios que fora requerida pelos ora Reclamantes.

2. No recurso que foi retido os Rtes. consideram “inaceitável a interpretação do acórdão da conferência (e do despacho para o qual remete) segundo a qual os Rtes., pese embora a pendência da apelação autónoma, não estavam impedidos de recorrerem para o STJ do acórdão de 06/02/2020 e que, não o tendo feito no prazo legal, perderam o direito ao recurso, podendo mais tarde - e no caso de procedência daquela - interporem novo recurso da sentença "e depois recurso do acórdão que decidir esse recurso”, tendo acrescentado, para além de outros argumentos, ser “incorreta tal interpretação porquanto o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (a todos os factos fixados), não os podendo alterar (salvo no caso excecional previsto na parte final do n° 3 do art.º 674° do C.P.C.), conforme resulta dos nºs 1 e 2 do art.º 682° do C.P.C. e que, "não estando ainda os factos fixados definitivamente por estarem dependentes do desfecho que venha a ter a referida apelação autónoma, é evidente que os recorrentes têm estado legitimamente confiantes e convictos da inviabilidade, inoportunidade e inutilidade de recorrerem do acórdão de 06/02/2020 porque, caso o fizessem, o STJ não poderia conhecer da revista e proferir decisão final de direito, sendo seguro que nesta situação seria ordenada a baixa do processo à Relação”.

3. Entretanto os Rtes. foram notificados, por ofício expedido via citius em 19-11-2020, de decisão singular proferida pelo Exmº Sr. Desembargador Relator da 1ª Secção do TR…. ao abrigo do art.º 656 do CPC, que julgou improcedente a apelação autónoma (interposta pelos Rtes.) sobre o despacho de 1ª instância que lhes rejeitara a admissão dos documentos, decisão esta que não transitou ainda em julgado e vai ser objeto de reclamação para a conferência. Porém, caso se mantenha essa decisão singular, o recurso de revista retido reveste-se ainda de maior importância e urgência, dado que os ora Reclamantes entendem que não perderam o direito ao recurso do Acórdão da Relação (2ª Secção) sobre o mérito da ação e da reconvenção, a interpor após ser proferida decisão da conferência sobre a apelação autónoma da decisão interlocutória.

Da admissibilidade do recurso

4. O despacho reclamado considera que o acórdão da conferência de que se pretende revista “não põe termo ao processo” e por isso “não cabe dentro da previsão do artº 671.1 do CPC, nem pode caber, por natureza, na previsão do art. 673/-a do CPC, nem existe qualquer norma que o ponha a coberto do art. 673/ -b do CPC.”

5. Não é assim, conforme os Rtes. alegaram nos pontos 6 e 7 das suas alegações de revista que aqui dão por reproduzidas e passam a sintetizar:

O acórdão da conferência efetivamente põe termo ao processo visto que considera o anterior Acórdão da Relação já transitado em julgado e, portanto, insuscetivel de recurso (apesar da pendência da apelação autónoma interlocutória).

Nesta situação aplica-se a exceção prevista na alínea b) do artº 673 do C.P.C. que admite a revista quando da decisão seja sempre admissível recurso ordinário para o STJ (como é caso, devido ao valor da causa) nos termos do n° 1 do artº 629 do mesmo código.

E quanto ao proémio do artº 673 do CPC, conjugado com a sua alínea b), não pode deixar de se considerar que é de admitir a sua aplicação analógica (ou talvez melhor, extensiva) também às decisões proferidas pela Relação após a decisão final, em conformidade com o previsto para as apelações autónomas de 1ª instância no artº 644°, n° 2, alínea g) do CPC, não havendo qualquer razão lógica ou sistemática que permita vedar o direito à revista destas decisões.

O Exmº Senhor Conselheiro Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 353 a 355, 5ª edição) pronuncia-se no sentido da admissibilidade da revista ao abrigo do n° 1 do art.º  671 do CPC, defendendo que este preceito não pode ser interpretado literalmente e dizendo nomeadamente: “Entendo que na interpretação do preceito deve ser posto o acento tónico no “termo do processo” (total ou parcial) sendo de admitir recurso de revista do acórdão da Relação que determine esse efeito designadamente a partir da confirmação ou da verificação primária de circunstâncias reveladoras da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide, da deserção do recurso de apelação interposto de sentença ou da sua rejeição por inverificação dos respetivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais (...)”. E mais adiante, citando o acórdão deste STJ de 28-01-2016 1006/12 in www.dsi.pt que ele mesmo relatou: “2. Esta alteração (no regime de recursos) não teve como objetivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o Acórdão da Relação, incidindo sobre decisão de 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjetiva.” A revista que se pretende seja recebida incide precisamente sobre situação em tudo similar à concebida pelo Il. Conselheiro na medida em que o Acórdão recorrido põe termo ao processo por considerar ser já irrecorrível o Acórdão de 06/02/20 (salvo na hipótese de procedência da apelação autónoma pendente), e por isso será também admissível à luz do art.º 671°, nº 1 do CPC.

6. Por outro lado e ao contrário do que é dito na decisão reclamada, a presente revista seria sempre admissível ao abrigo do n° 2, alínea a) do art.º 671°, quando conjugada com a alínea d) do n° 2 do art.º 629 em virtude do acórdão ora recorrido estar em oposição com outro proferido pelo mesmo Tribunal da Relação (e já transitado) sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação (sem que exista AUJ). Neste sentido, v. também Consº Abrantes Geraldes op. Cit., 5ª ed. Pag. 375, 15.

Efetivamente o mesmo Desembargador Relator do acórdão recorrido foi igualmente Relator de um outro Acórdão desta Relação … (Ac. TR… de 07/11/2019 no processo 2877/11.5TBPDL-F, em embargos de execução, cuja certidão judicial ora se junta e que fora protestado juntar nas alegações) em que se decidiu precisamente em sentido contrário ao do acórdão recorrido, rejeitando a possibilidade de trânsito em julgado de decisão que esteja dependente de outra que possa vir a arrastar a sua anulação.

Diversamente do que diz o despacho reclamado não interessa nada a diferente natureza dos processos em que as decisões opostas foram proferidas; o que interessa é que se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito, sobre a integração da lacuna legal por falta de norma expressa no sentido de saber se se suspende, ou não, o prazo do recurso de revista para o STJ da decisão de mérito quando ainda está pendente a decisão sobre apelação autónoma sobre uma decisão interlocutória que se prende com a estabilização da matéria de facto. Nesse processo estava em causa (em suma) o alegado trânsito em julgado de decisão que julgara extinta por pagamento uma execução estando ainda pendente um recurso sobre o despacho de rejeição liminar de embargos do executado. E diz assim o Sumário deste outro Acórdão: “(...) 111- Uma decisão que esteja dependente de outro ato, pode vir a ser anulada por arrastamento, devido à nulidade de outro ato anterior e, por isso, não transita em julgado enquanto existir essa possibilidade.” Se a questão não fosse importante o Sr. Desembargador não a teria trazido ao sumário.

É exatamente o mesmo que sucede com o acórdão sobre a sentença de mérito de 1ª instância proferido pela Relação em 06/02/20: estando ainda pendente à data da sua prolação, uma apelação autónoma cuja procedência poderia determinar a sua confirmação ou anulação, tal acórdão não pode transitar em julgado enquanto não houver decisão sobre a apelação autónoma que é suscetível de alterar a matéria de facto. Ou seja, é a mesma a questão fundamental de direito em discussão: saber se transita, ou não, em julgado, um acórdão proferido pela Relação sobre a sentença de mérito de 1 a instância enquanto ainda está por decidir na mesma Relação uma apelação autónoma sobre a não admissão de determinado meio de prova, sendo certo que o recurso a interpor desse primeiro acórdão é de revista para o STJ, o qual pressupõe que esteja definitivamente fixada toda a matéria de facto. No acórdão cuja revista os Reclamantes pretendem que seja recebida decidiu-se que transita; no acórdão em oposição, decidiu-se que não transita, nisto consistindo a oposição de decisões. Donde a revista deve ser recebida seja nos termos da al. b) do art.º 673, n° 1 do arte 629 e nº 2 al. g) do arte 644 do CPC, seja por ser sempre admissível recurso ao abrigo do n° 2, alínea a) do art.º 671º, quando conjugado com a alínea d) do n° 2 do art.º 629 do CPC.

Nestes termos e nos mais de direito, requerem de Vossas Excelências que admitam a presente reclamação, revoguem o despacho que não admitiu o recurso de revista oportunamente interposto e consequentemente o admitam, ordenado a sua subida.”

9. Este Tribunal ad quem proferiu decisão singular, em cujo dispositivo consignou: “Pelo exposto, concluo pela inadmissibilidade da revista, nos termos do disposto no art.º 671º n.º 4 do Código de Processo Civil, na interpretação acabada de consignar, decidindo manter o dispositivo do despacho reclamado.”

10. Notificados os litigantes da proferida e aludida decisão singular, os Reclamantes/CC e DD, mostraram o seu inconformismo, tendo reclamado para a Conferência, nos termos do disposto nos artigos 652.º, n.º 3 ex vi art.º 643.º n.º 4, ambos do Código de Processo Civil, aduzindo, para o efeito, argumentação que, no essencial, está reproduzida no requerimento da reclamação, oportunamente apresentada.

11. Foram dispensados os vistos.

12. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO

Cotejada a argumentação aduzida pelos Reclamantes/CC e DD, ao impetrarem que seja proferido acórdão que revogue a decisão singular reclamada e se admita o recurso de revista, este Tribunal ad quem não retira da respetiva argumentação, virtualidade bastante que infirme a decisão singular, entretanto proferida.

Cremos que se distingue, com clareza, da decisão singular proferida que manteve o despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista interposto, concluindo pela inadmissibilidade da revista, argumentação bastante para que se sustente a bondade de tal decisão, permitindo-nos, a propósito, respigar o que então foi consignado:

1. A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, todavia, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

A lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

2. Com utilidade, sustentam os Reclamantes/CC e outro que o despacho reclamado, contrariamente ao defendido  no acórdão da conferência de que se pretende revista, põe termo ao processo, visto que considera o anterior acórdão da Relação já transitado em julgado, e, portanto, insuscetível de recurso (apesar da pendência da apelação autónoma interlocutória), daí que, nesta situação se aplica a exceção prevista na alínea b) do art.º 673º do Código de Processo Civil que admite a revista quando da decisão seja sempre admissível recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça (como é caso, devido ao valor da causa), nos termos do n.º 1 do art.º 629º do Código de Processo Civil, sendo que, quanto ao proémio do art.º 673º do Código de Processo Civil, conjugado com a sua alínea b), não pode deixar de se considerar que é de admitir a sua aplicação analógica (ou talvez melhor, extensiva) também às decisões proferidas pela Relação após a decisão final, em conformidade com o previsto, para as apelações autónomas de 1ª Instância, no art.º 644° n° 2 alínea g) do Código de Processo Civil, não havendo qualquer razão lógica ou sistemática que permita vedar o direito à revista destas decisões.

Ademais, esgrimem os Reclamantes/CC e outro que ao contrário do que é dito na decisão reclamada, a revista seria sempre admissível ao abrigo do n.º 2 alínea a) do art.º 671°, quando conjugada com a alínea d) do n.º 2 do art.º 629, em virtude do acórdão, ora recorrido, estar em oposição com outro proferido pelo mesmo Tribunal da Relação, e já transitado em julgado, sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, sem que exista Acórdão de Uniformização de Jurisprudência.

Concluem, assim, pela revogação do despacho que não admitiu o recurso de revista, oportunamente interposto, e, consequentemente, o admita, ordenando a sua subida.

3. A facticidade relevante para apreciar a presente reclamação, consta do precedente relatório.

4. É pacífica a legitimidade dos Recorrentes, aqui Reclamantes/CC e outro, concebendo-se, outrossim, a tempestividade da revista interposta, encontrando-se a dissensão em saber se a decisão é recorrível.

5. Estando em causa, como está, a admissibilidade da revista, cujo objeto contende, aliás, referenciado pelos Reclamantes/CC e outro, com um acórdão proferido posteriormente ao acórdão prolatado nos autos, datado de 6 de Fevereiro de 2020, que recaiu sobre o requerimento apresentado que pretendia que os presentes autos aguardassem, na Relação …., a decisão de um recurso interlocutório pendente desde data anterior ao recurso decidido neste processo, outrossim, que o acórdão final que conheceu do mérito da causa, seja complementado e eventualmente retificado com o acórdão que venha a recair sobre a aludida apelação autónoma, interposta da decisão interlocutória que rejeitou a admissão de meios de prova, importa reconhecer que os acórdãos proferidos pela Relação podem encerrar decisões que são material ou processualmente finais, a par daqueloutros que apreciam decisões que, não tendo recaído sobre a relação controvertida, recai unicamente sobre a relação processual.

6. Assim, e para o que aqui interessa (conhecimento da admissibilidade da revista), impõe-se distinguir, por um lado, se o acórdão de que se recorre de revista, conheceu do mérito da causa ou teve por objeto questão processual que absolveu da instância os réus, enquanto decisão formalmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil, por outro lado, se o acórdão sob escrutínio apreciou decisão interlocutória da Instância, necessariamente não decidida nos termos finais a que se refere o mencionado art.º 671º n.º 1 do Código Processo Civil, e, dentro desta decisão interlocutória da Instância, precisar se está em causa a ponderação de uma intercorrência processual conhecida em 1ª Instância, ou se apreciou decisão interlocutória da própria Relação, anotando-se que no primeiro caso, a Relação conheceu de uma questão que já fora julgada pela 1ª Instância, enquanto que no segundo caso conheceu de uma questão nova naquele processo, o que, de resto, a Doutrina e a Jurisprudência apelidam de decisão interlocutória velha e decisão interlocutória nova, respetivamente. 

7. Revertendo ao caso sub iudice, e como já adiantamos, o acórdão recorrido decidiu indeferir o requerimento apresentado pelos Recorrentes/Réus/CC e outro que pretendiam que os presentes autos aguardassem, na Relação …, a decisão de uma apelação autónoma, pendente desde data anterior à apelação conhecida neste processo, outrossim, que o acórdão final que conheceu do mérito da causa seja complementado e eventualmente retificado com o acórdão que venha a recair sobre a aludida apelação autónoma interposta da decisão interlocutória que rejeitou a admissão de meios de prova, daí que, ao abordarmos o caso trazido a Juízo, distinguimos estar em causa um acórdão que não recaiu sobre a relação controvertida ou pôs termo ao processo, tendo recaído sobre decisão interlocutória com efeito circunscrito à relação processual, proferida após a decisão final (acórdão de 6 de Fevereiro de 2020 que conheceu da apelação final), sendo, por isso, relevante, e sem reservas o afirmamos, convocar as regras adjetivas civis decorrentes dos artºs. 671º e 673º, ambos do Código de Processo Civil.

O acórdão sob escrutínio encerra, pois, decisão que não recai sobre a relação controvertida (se assim fosse consubstanciaria uma decisão materialmente final), tem por objeto questão processual (mas sem que tenha absolvido da instância os réus, pois, de outro modo seria decisão formalmente final equiparada à decisão materialmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil), sendo que a Relação a conheceu enquanto questão nova.

8. No que respeita às decisões interlocutórias novas que ao caso trazido a Juízo interessa, notámos que já o anterior Código de Processo Civil acolhia uma genérica revista diferida e acessória nos termos do art.º 721º n.º 2 do anterior Código de Processo Civil (apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do n.º 1 do art.º 721º do anterior Código de Processo Civil), sendo que, em todo o caso, podia ser apresentada, de imediato, revista dos acórdãos proferidos sobre incompetência relativa da Relação ou cuja impugnação com o recurso de revista fosse absolutamente inútil e nos demais caso expressamente previstos na lei. De qualquer modo, se não houvesse ou não fosse admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1 art.º 721º do anterior Código de Processo Civil, aqueles acórdãos poderiam ser impugnados, caso tivessem interesse para o recorrente, independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o transito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito, ao abrigo do n.º 4 do art.º 721º do anterior Código de Processo Civil.

A reforma da lei adjetiva civil - Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho - manteve a solução enunciada no anterior Código de Processo Civil, conforme resulta dos artºs. 673º e 671º n.º 4, ambos do Código de Processo Civil, encerrando um regime idêntico ao estabelecido para a apelação de decisões interlocutórias da 1ª Instância, ao abrigo do art.º 644º do Código de Processo Civil, neste sentido, Rui Pinto, in, Notas ao Código de Processo Civil, volume II, 2º Edição, anotações aos artºs. 671º e 673º, ambos do Código de Processo Civil.

Como decorre do enunciado enquadramento jurídico, estando em causa acórdão proferido na pendência do processo na Relação, emerge dos artºs. 673º e 671º n.º 4 do Código de Processo Civil um distinto regime de recorribilidade, que, de resto, é também defendido por Abrantes Geraldes em anotação ao art.º 671º do Código de Processo Civil, in, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Livraria Almedina, páginas 407 e 408 “Tratando-se, em regra, de acórdãos que se limitam a apreciar ex novo questões de natureza adjetiva, sem que deles resulte algum dos efeitos típicos previstos no art.º 671º n.º 1, a sua impugnação obedece ao seguinte regime esquemático:

a) Em princípio, a impugnação é diferida para a revista interposta ao abrigo do n.º 1 do art.º 671º. n.º 1, a não ser que tal determine a absoluta inutilidade do que porventura venha a ser decidido ou que exista norma que permita a impugnação, casos em que é admissível recurso autónomo (art.º 673).

b) Se acaso o acórdão da Relação proferido nos termos do n.º 1 não admitir recurso (…) ou, sendo admitido, a parte vencida optar pela não interposição de recurso, a impugnação do acórdão interlocutório da Relação é diferida para depois do trânsito em julgado do acórdão sobre a decisão final (n.º 4 do art.º 671º) ficando a sua apreciação naturalmente condicionada pela verificação de um interesse objetivo, de modo semelhante ao que, para a apelação, está previsto no n.º 4 do art. 644º”.

Outrossim, na obra citada, a fls. 450, em anotação ao art.º 673º do Código de Processo Civil, sustenta Abrantes Geraldes: “Ao preceito subjaz a ideia de limitar a possibilidade de interposição de recursos de revista intercalares, consagrando-se, como regra geral, o diferimento da impugnação dos acórdãos interlocutórios para o recurso do acórdão final ou para recurso autónomo a interpor depois do trânsito em julgado deste. Assim, a regra aplicável aos acórdãos proferidos na pendência do recurso na Relação é a da sua irrecorribilidade autónoma (sendo que relativamente aos acórdãos cujo objeto sejam decisões interlocutórias da 1ª instância, a regra, constante do n.º 2 do art. 671º é a da irrecorribilidade).

(…) Não havendo ou não sendo admissível recurso do acórdão da Relação a que possa acoplar-se a impugnação dos acórdãos intercalares, a parte interessada pode interpor recurso autónomo, no prazo de 15 dias, depois de aquele transitar em julgado (n.º 4 do art. 671º).

Também em relação à impugnação superveniente dos acórdãos intercalares se exige a verificação de um efetivo interesse na anulação ou na revogação da decisão do tribunal a quo (art. 671º, n.º 4), exigência que deve ser interpretada objetivamente, de modo a afastar o confronto do Supremo com meros academismos ou com pretensões cuja resolução não determina qualquer benefício direto e efetivo.”

9. Sublinhamos, pois, que o acórdão sob escrutínio encerra decisão que não recai sobre a relação controvertida (se assim fosse consubstanciaria uma decisão materialmente final), tem por objeto questão processual (mas sem que tenha absolvido da instância os réus, pois, de outro modo seria decisão formalmente final equiparada à decisão materialmente final para efeitos do n.º 1 do art.º 671º do Código de Processo Civil) que a Relação conheceu enquanto questão nova neste processo, a par de que não houve recurso do acórdão final da Relação a que possa acoplar-se, pelo que, se impõe afirmar prima facie que a acessoridade da impugnação da decisão interlocutória dita que a mesma não pode ser impugnada em revista.

Todavia, do destino da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação, por ausência de recurso da decisão final, continuam a ser ressalvados, ao abrigo do n.º 4 do art.º 671º do Código de Processo Civil, os acórdãos que tenham interesse para o recorrente independentemente da decisão final.

Textua o art.º 671º do Código de Processo Civil:

“4 - Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito.”

10. Interiorizado o enquadramento jurídico que vimos de discretear, e cotejada a situação trazida a Juízo, enunciada e qualificada, importa saber se a articulada impugnação do acórdão interlocutório, encerra, objetivamente, um direto e efetivo interesse dos recorrentes na anulação ou na revogação da decisão do Tribunal a quo, preenchendo, neste sentido, a excecionalidade á regra geral da não admissão de revista de decisão interlocutória da Relação, dada a ausência de recurso da decisão final.

11. A resposta a esta questão será também negativa.

12. Na verdade, mesmo concebendo que a pendência da apelação autónoma e sua eventual procedência pode repercutir-se na sentença proferida em 1ª Instância (poder-se-á equacionar que a eventual procedência da apelação autónoma pode implicar a anulação, por arrastamento, da sentença e do acórdão final que recaiu sobre a sentença), reconhecemos, sem reservas, que a reclamada anulação ou revogação da decisão do Tribunal a quo (que indeferiu o pedido formulado após o acórdão final, para que os presentes autos, aguardem na Relação, o conhecimento da apelação autónoma, e que o acórdão final que conheceu do mérito da causa seja complementado e eventualmente retificado com o acórdão que venha a recair sobre a apelação autónoma), não determina qualquer benefício direto e efetivo para os recorrentes, porquanto, em substância, os impugnantes limitam-se a replicar, por meios inidóneos (ou seja, nestes autos em que foi proferido o acórdão final, decorrente da interposta apelação), e sem qualquer préstimo, um pedido, cujo conhecimento importa, apenas e exclusivamente, à apelação autónoma, sendo o Tribunal que conhece da mesma, ou seja, da apelação autónoma, aquele que apreciará do seu efeito/repercussão no que foi decidido na sentença proferida em 1ª Instância, entretanto reponderada no acórdão final.

Ou seja, do conhecimento da impugnação superveniente do acórdão intercalar proferido não decorre, objetivamente, qualquer benefício direto e efetivo para os recorrentes, não tendo estes qualquer interesse relevante na sua anulação ou na revogação, na medida em que não será o Tribunal a quo, que conheceu da apelação, proferindo acórdão final, aquele que circunscreverá os efeitos decorrentes do conhecimento da apelação autónoma, sendo, por isso, apodítico afirmar que nenhum interesse se colhe para os recorrentes que o Supremo Tribunal de Justiça conheça, em revista, do acórdão intercalar que indeferiu o pedido formulado nos presentes autos.

Uma vez transitado o acórdão final que conheceu do mérito da causa, impõe-se que os autos baixem à 1ª Instância, aí aguardando as repercussões determinadas pelo Tribunal que conheça da apelação autónoma.

A acessoridade da impugnação da decisão interlocutória dita, assim, e necessariamente, que a mesma não pode ser impugnada em revista.

13. Tudo visto, concluímos que o objeto do interposto recurso de revista não encerra a excecionalidade estabelecida no n.º 4 do art.º 671º do Código de Processo Civil, pelo que, não reunindo a revista interposta as condições de admissibilidade, não se pode conhecer do respetivo objeto.”

A decisão singular encerra um discurso inteligível, importando, outrossim, o reconhecimento e acolhimento do respetivo enquadramento jurídico, ao declarar a não admissibilidade da revista, sendo despiciendo qualquer reforço argumentativo para sustentar a solução alcançada, devendo manter-se, por isso, a decisão singular, ora reclamada.


III - DECISÃO

Decidindo, em Conferência, os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Acordam em julgar improcedente o reclamado pedido de revogação da decisão singular, que não admitiu o recurso, mantendo-a na íntegra.

2. Custas pelos Reclamantes/CC e DD.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Fevereiro de 2021  


Oliveira Abreu (relator))

Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no presente acórdão, atesto o respetivo voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos, Ilídio Sacarrão Martins e Nuno Pinto Oliveira.