I – A arguição de nulidades destina-se apenas a sanar vícios de ordem formal que eventualmente inquinem a decisão, não podendo servir para as partes manifestarem discordâncias e pugnarem pela alteração do sentido decisório a seu favor.
II - Só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da nulidade da sentença prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do CPC.
III – A nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, ou conheça de questões que não faziam parte do objeto do recurso.
1. Julgado o recurso de revista, os autores/recorridos vieram arguir nulidades do acórdão proferido por este Supremo Tribunal, ao abrigo do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, sustentando que o mesmo padece de falta de fundamentação, que foi violado o art. 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que “julgou de forma errada”, que reapreciou uma decisão que não comporta revista e que foi cometido excesso de pronúncia, por ter desrespeitado matéria de facto dada como assente em anteriores decisões.
2. A parte contrária respondeu, pugnando pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
3. Adianta-se desde já que a reclamação apresentada carece de total fundamento, afigurando-se-nos que os reclamantes não têm presente que a arguição de nulidades se destina apenas a sanar vícios de ordem formal que eventualmente inquinem a decisão, não podendo servir para as partes manifestarem discordâncias e pugnarem pela alteração do sentido decisório a seu favor, como parece resultar do requerimento apresentado pelos reclamantes.
Vejamos, pois.
4. A sentença deverá ser fundamentada através da exposição dos factos relevantes e das razões de direito em que se funda a decisão, como resulta dos arts. 205.º, n.º 1, da CRP, 154.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC).
Por sua vez, como se estabelece no art. 615.º n.º 1, al. b), do CPC, aqui aplicável por força da remissão dos arts. 685º e 666º, do mesmo Código, a sentença é nula quando não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
É, no entanto, entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade.
Como refere Teixeira de Sousa[1], “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.
No mesmo sentido se pronuncia Lebre de Freitas[2], dizendo que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
Ora, analisando, agora, o acórdão sob reclamação, verifica-se que o mesmo contém a discriminação dos factos considerados provados, bem como a correspondente subsunção jurídica.
Não se verifica, portanto, qualquer omissão em sede de fundamentação, tendo sido respeitados os princípios constitucionais relevantes, mormente os ínsitos nos arts. 18º, 20º e 205º, da CRP, bem como o estatuído no art. 154º, nº 1, do CPC, sendo certo que as questões de (in)constitucionalidade devem ser suscitadas junto do Tribunal Constitucional, verificados que estejam os respetivos requisitos.
Estão, porém, a esquecer que a revista foi admitida ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 671º, nº 3 e 629º, nº 2, al. a), ambos do CPC, por ter sido invocado como fundamento específico da sua admissibilidade a violação do caso julgado.
Preceitua o art. 608º, nº 2, do CPC que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Por conseguinte, a nulidade em causa, representado a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, ou conheça de questões que não faziam parte do objeto do recurso.
Ora, a «questão» fundamental de direito a discutir no âmbito da revista consistia em saber se a decisão recorrida ofendia o caso julgado/autoridade do caso julgado e, a ser assim, se devia ser reduzida a quantia exequenda.
Essa problemática - que constituía objeto da revista – foi apreciada e fundamentada à luz dos normativos que se consideraram aplicáveis ao caso, concluindo-se pela procedência do invocado fundamento da revista, o que confrontou este Supremo Tribunal com a questão de saber se podia/devia ser reduzida, e em que termos, a sanção pecuniária compulsória fixada.
Improcedem, assim, por tudo o exposto, as nulidades invocadas.
5. Nestes termos, acorda-se em indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.
Lisboa, 18.2.2021
Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado
1º Adjunto: Oliveira Abreu
2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins
Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade.
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[1] In Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221.
[2] In Código de Processo Civil Anotado, pág. 297.