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NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
IRREGULARIDADE
Sumário
A falta de notificação ao advogado do denunciante com faculdade de se constituir assistente do despacho de arquivamento e da acusação integra uma irregularidade que afecta a validade de todo os actos processuais posteriores.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª)
DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I
1. B……. apresentou queixa contra C……, D…….. e E……. imputando-lhes factos susceptíveis de integrarem o crime de ofensa à integridade física.
2. No final do inquérito, o Ministério Público, em peça única, de 19/05/2004, determinou o arquivamento do inquérito quanto ao arguido C……. e deduziu acusação contra D……. e E….. .
3. Em 16/06/2005, o denunciante B……. requereu a sua constituição como assistente.
4. Em 20/06/2005, o mesmo B……. veio dizer que o despacho de acusação/arquivamento não foi notificado à sua mandatária, a qual só soube dele, quando o denunciante a informou da data já designada para julgamento, em 16/06/2005, data em que consultou o processo.
Pediu, na sequência, a declaração da nulidade ou da irregularidade do processado, a partir da dedução do despacho de acusação/arquivamento, para que seja ordenada essa notificação, dando-se possibilidade ao denunciante de exercer os seus direitos, mormente requerer a abertura da instrução ou deduzir pedido cível.
5. Por despachos proferidos já em audiência de julgamento, de 24/06/2005, foi o denunciante admitido a intervir, nos autos, na qualidade de assistente, e foi indeferida a sua arguição de nulidade/irregularidade do processado, por falta de notificação do despacho de acusação/arquivamento à sua mandatária.
6. Inconformado, o assistente veio interpor recurso desse despacho de indeferição da arguição de nulidade/irregularidade do processado.
Rematou a sua motivação com a formulação das seguintes conclusões:
«1.º O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls., que indeferiu a arguição da nulidade e/ou irregularidade da não notificação à sua mandatária do douto despacho de acusação/arquivamento de fls. 58 e ss.
«2.º A mandatária do recorrente, subscritora do presente, não foi notificada do douto despacho de acusação/arquivamento, de fls. 58 e ss., como se vai explanar.
«3.º Consta dos autos, a fls. 63, que a mandatária do recorrente, ora subscritora deste, foi notificada da douta acusação/arquivamento por via postal registada, facto que não corresponde à verdade.
«4.º A fls. 111, como consta da douta decisão ora sob censura, há a informação do Sr. Funcionário do Tribunal que, afinal, a notificação à mandatária, não foi efectuada por correio registado, mas sim por correio simples.
«5.º Perante esta informação entendeu o Tribunal a quo que a mandatária do recorrente, ora subscritora, foi notificada da acusação/arquivamento, referindo ainda que a mesma não carreou prova para sustentar o alegado, como seja, a falta de notificação da efectiva falta de registo (sic).
«6.º Não consta do processo em causa, nem em qualquer livro de Registos do Tribunal a quo, com o devido respeito, qualquer comprovativo de que, efectivamente, a mandatária tivesse sido notificada da douta acusação/arquivamento de fls. 58 e ss., quer por via postal registada quer por via postal simples, ou por qualquer outra forma de notificação legal.
«7.º A informação em que o Meritíssimo Juiz baseou a sua douta decisão, informação de fls. 111 do Ilustre Funcionário, que a notificação foi efectuada por correio postal simples, carece de fundamento factual e legal, por não ter existido.
«8.º Preceitua o artigo 113.º do CPP, no capítulo das regras gerais sobre notificações, sem nunca perdermos de vista as regras sobre notificações em processos pendentes a que alude o artigo 253.º e ss. do CPC, com plena aplicabilidade ao processo penal por força do preceituado no artigo 4.º do CPP, no seu n.º 10 (ou seja, artigo 113.º, n.º 10) – “As notificações ao advogado (...) quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos do n.º 1, a), b) e c), ou por telecópia”.
«9.º O n.º 1, a), do mesmo artigo 113.º refere que a notificação pode ser pessoal ao notificando (advogado) e ou no lugar em que este for encontrado – forma de notificação que, como é dos autos, não foi usada para notificar a mandatária, subscritora deste, do douto despacho de fls. 58 e ss.;
«10.º O n.º 1, b), do mesmo artigo contempla a via postal registada, a qual pode ser por meio de carta ou aviso registados – como também é dos autos não foi esta a via seguida relativamente à notificação da douta acusação/arquivamento de fls. 58 e ss.;
«10.º [Repete-se a numeração] O n.º 1, c), refere a via postal simples, a qual pode ser por meio de carta ou aviso – também esta notificação por via postal simples tem formalidades especiais, que não foram observadas, pois, refere o n.º 3 do artigo 113.º invocado que, quando a notificação for efectuada por via postal simples, o Sr. Funcionário Judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada.
«11.º E o distribuidor do Serviço Postal deposita a carta na caixa do correio do notificando (advogado), lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao Tribunal remetente considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo Sr. Distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar no acto de notificação.
«12.º Dos autos não consta que o Sr. Funcionário tivesse expedido tal carta.
«13.º Como igualmente não consta dos autos qualquer informação, declaração do Sr. Distribuidor Postal comprovativa de que tenha depositado a carta na caixa do correio da pessoa a notificar, neste caso, a subscritora deste, mandatária do recorrente.
«14.º Em suma, dos autos não consta, nem podia constar, como supra exposto, que a mandatária do recorrente tivesse sido notificada da dedução da acusação/arquivamento de fls. 58 e ss.
«15.º Entendemos, ainda, que sempre seria aqui de aplicar o preceituado no artigo 253.º e ss. do CPC, que tem na letra da lei, em que as notificações às partes em processos pendentes são feitas nas pessoas dos seus mandatários judiciais, sendo que, a formalidade exigida é a via postal registada (artigo 254.º do mesmo diploma legal) dirigida para o seu escritório, ou para domicílio escolhido, podendo também ser notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do Tribunal.
«16.º Nenhuma das notificações foi efectuada, pelo que, entendemos estar perante uma nulidade e/ou irregularidade, na medida em que o Tribunal não possibilitou ao recorrente que, confiado na expectativa de haver constituído mandatário, os seus direitos estarem acautelados, não lhe possibilitou, porém, a possibilidade do exercício dos seus direitos, mormente, a possibilidade de poder requerer a abertura da instrução, se assim o entendesse, e formulação do pedido cível.
«17.º Esta atitude do Tribunal enquadra-se, no nosso modesto entender, salvo o devido respeito, no plasmado no artigo 118.º e 120.º, n.º 2, b) e d), do CPP, entre outros, ou, quando assim não se entenda, no preceituado no artigo 123.º do mesmo Código, que torna inválido o acto, bem como os que dele dependerem e aquelas que puderem afectar, o que foi arguido.
«18.º Vivendo nós num Estado de Direito Democrático e Social, é legítimo esperar que o processo penal tenha por fim a realização da Justiça, por meios processuais admissíveis e por forma a assegurar a paz jurídica dos cidadãos.
«19.º Em obediência a este princípio de garantia constitucional, que se quer sintonizado com os princípios da Segurança e da Certeza Jurídicas, com vista à pacificação dos povos, entendemos que o Tribunal a quo, dúvida que se lhe assacasse, o que não é verdade, como explanado foi, deveria ter ordenado a notificação da advogada do recorrente, para exercício e protecção dos direitos e deveres que lhe foram confiados pelo mandato de fls. 21, de que resultaria a concretização da protecção estadual enquanto órgão administrador da Justiça, o que, ao não ter sido feito, se nos afigura, além do mais, uma sonegação desse acesso ao Direito e à Justiça de garantia constitucional (artigo 20.º), entre outros, da CRP e seus basilares princípios.
«20.º Violou, assim, o Meritíssimo Juiz a quo os preceitos constantes nos artigos 4.º, 113.º, 118.º, 120.º e 123.º do CPP e seus basilares princípios, 253.º do CPC e seus basilares princípios, 20.º da CRP e seus basilares princípios.»
7. Admitido o recurso, não foi apresentada resposta.
8. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi de parecer de que ocorreu irregularidade processual, com as consequências previstas no artigo 123.º do CPP.
9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP], não houve resposta.
10. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II
Cumpre decidir.
1. Para além dos elementos já recenseados, resultam dos autos ainda os seguintes:
O denunciante, tendo a faculdade de se constituir assistente, constituiu mandatária a Sr.ª Dr.ª F……., em 8/07/2003, juntando a respectiva procuração aos autos, na mesma data.
Decorre dos autos que o despacho de arquivamento e a acusação foram notificados ao denunciante, por via postal simples com prova de depósito, expedida em 19/05/2004.
E também dos autos consta que a notificação da sua mandatária foi efectuada por via postal registada. No entanto, depois de ser alegada a falta dessa notificação, veio a ser prestada uma informação, nos autos de que, afinal, a notificação tinha sido efectuada apenas por correio postal simples e junta cópia da relação da correspondência enviada em 19/05/2004, da qual resulta ter sido enviada uma carta, nessa data, à Sr.ª Dr.ª F……, com referência ao inquérito em causa.
No entanto, os autos não demonstram que tenham sido observadas as formalidades previstas no n.º 3 do artigo 113.º do CPP.
2. O despacho de arquivamento do inquérito é comunicado ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º, bem como ao respectivo defensor ou advogado, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 277.º, sendo esta norma correspondentemente aplicável à acusação, conforme o n.º 5 do artigo 283.º, ambos do CPP.
Conforme dispõe o n.º 4 do artigo 277.º do CPP, a comunicação é efectuada:
- por notificação mediante contacto pessoal ou via postal registada ao assistente e ao arguido e, em determinado condicionalismo, por via postal simples [alínea a)];
- por editais, se o arguido não tiver defensor nomeado ou advogado constituído e não for possível a sua notificação mediante contacto pessoal, via postal registada ou simples [alínea b)];
- por notificação mediante via postal simples ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido civil [alínea c)];
- por notificação mediante via postal simples sempre que o inquérito não correr contra pessoa determinada [alínea d)].
As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos do n.º 1, alíneas a), b) e c), do artigo 113.º do CPP, ou por telecópia (n.º 10 do artigo 113.º).
Da conjugação do disposto no n.º 4 do artigo 277.º, n.º 5 do artigo 283.º e 113.º, n.º 10, todos do CPP, não há duvidas de que a notificação do despacho de arquivamento e da acusação ao advogado do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, pode ser feita, nomeadamente, por via postal simples.
No entanto, a notificação por via postal simples está sujeita às formalidades previstas no n.º 3 do artigo 113.º do CPP – o funcionário lavra cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa do correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
Como já dissemos os autos não demonstram que tenham sido observados tais procedimentos, relativamente à notificação da advogada do denunciante, como é natural, visto que o que se documentou foi, afinal, uma inexistente, notificação por via postal registada.
E o que é certo é que a cópia da relação da correspondência enviada em 19/05/2004, da qual resulta ter sido enviada uma carta, nessa data, à Sr.ª Dr.ª F……, com referência ao inquérito em causa, não comprova uma notificação por via postal simples que tenha observado os procedimentos requeridos por lei.
Tem, portanto, forçosamente, de se concluir que não se comprova que o despacho de arquivamento e a acusação tenham sido notificados à mandatária do denunciante com a faculdade de se constituir assistente.
3. Mesmo que se aceite que o denunciante não tinha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do artigo 75.º do CPP, a sua qualidade de denunciante com a faculdade de se constituir assistente obrigava a que o despacho de arquivamento e a acusação fossem notificados, a ele e ao respectivo advogado.
Contando-se o prazo para a prática de qualquer acto processual subsequente a partir da data da notificação efectuada em último lugar (n.º 9, parte final, do artigo 113.º do CPP), seria a partir da notificação efectuada em último lugar, que o denunciante, com a faculdade de se constituir assistente poderia requerer a sua constituição como assistente e a instrução relativamente ao despacho de arquivamento (cfr. artigo 287.º do CPP).
Também seria com o cumprimento da obrigação legal de notificação da acusação ao denunciante e ao seu advogado que este poderia “controlar” o andamento do processo por forma a poder deduzir atempadamente o pedido cível (o lesado, ainda que não tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil e, portanto, não seja notificado para o deduzir, pode deduzir pedido até 10 dias depois de ao arguido ser notificado o despacho de acusação – artigo 77.º, n.º 3, do CPP).
4. A falta de notificação ao advogado do denunciante com a faculdade de se constituir assistente do despacho de arquivamento e da acusação não integra, a nosso ver, uma nulidade.
A lei não determina que a omissão dessa notificação constitua nulidade (cfr. princípio da taxatividade das nulidades contido no artigo 118.º do CPP), nem essa omissão é de molde a consubstanciar as nulidades relativas das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP. Não conforma a da alínea b) porque, então, o denunciante não tinha nem a posição de assistente nem a de parte civil. Não conforma a da alínea d) porque essa omissão não releva para a descoberta da verdade.
Mas essa inobservância das disposições do processo constitui uma irregularidade (artigo 118.º, n.º 2, do CPP) e, tendo reflexos no exercício de direitos por parte do denunciante com a faculdade de se constituir assistente (direito a requerer a abertura da instrução e, eventual, direito a deduzir pedido de indemnização civil), afecta a validade de todos os actos processuais posteriores (artigo 123.º, n.º 1, do CPP).
5. Devendo reconhecer-se que foi tempestivamente arguida.
Com efeito, a primeira intervenção do denunciante no processo, depois de ter ocorrido a omissão da notificação, deu-se em 16/06/2005, quando requereu a sua constituição como assistente.
Arguiu a irregularidade em 20/06/2005. Como o dia 19 foi Domingo, o terceiro dia útil seguinte à intervenção do denunciante no processo transferiu-se para segunda-feira, dia 20/06.
III
Termos em que:
- se julga verificada e tempestivamente arguida a irregularidade da falta de notificação do despacho de arquivamento e da acusação ao advogado do denunciante com a faculdade de se constituir assistente, a qual afecta a validade de todos os termos do processo a partir do despacho de arquivamento e da acusação;
- declara-se, em consequência, a invalidade de todos os termos do processo a partir da omissão dessa notificação;
- determina-se que seja efectuada a notificação omitida, seguindo-se os regulares termos do processo em função do que venha a ser requerido, na sequência dessa notificação ou, nada sendo requerido, do que é imposto pela dedução da acusação.
Porto, 31 de Maio de 2006
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira