RECURSO DE APELAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONCLUSÕES
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
ALEGAÇÕES REPETIDAS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
QUESTÃO RELEVANTE
Sumário


I. O não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo.
II. Se a Relação considerar que as alegações estavam viciadas por “falta de conclusões”, em lugar da rejeição imediata do recurso que é cominada pelo artigo 639º, nº 3, do CPC, cumpre ao relator proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento nos termos previstos no referido do CPC.
III. A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º nº 2, alª b), do CPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do artigo 639º nº 3 do CPC.
IV - Mesmo com conclusões que são repetições da maioria das alegações, sendo possível a triagem do que verdadeiramente interessa, como foi feito no acórdão recorrido na sua página 32, é de rejeitar o convite a que se refere o nº 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil, devendo a Relação colocar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO 

AA intentou acção de processo comum contra BB pedindo que a posição jurídica (como comprador) adveniente do contrato promessa de compra e venda celebrado em 10 de Maio de 2011 com o aludido réu e que tem por objecto a metade do prédio misto sito na Quinta …. ou Quinta …. na freguesia …, concelho ….., seja transferido para a sua titularidade.

Alegou, em síntese, que em 10 de Maio de 2011 celebrou com o réu um contrato promessa de compra e venda que tem por objecto a metade do prédio misto sito na Quinta …. ou Quinta …. na freguesia ….., concelho …., acima descrito, pelo preço de € 100.000,00, tendo o réu recebido, a título de sinal, a quantia de € 99.900,00.

Mais alegou, que as partes acordaram que a escritura seria outorgada em dia, hora e Cartório Notarial que o segundo outorgante (o aqui autor) viesse a designar, devendo avisar o primeiro outorgante (o ora réu) com pelo menos 8 dias de antecedência. Por outro lado, alegou que designou dia para a outorga da escritura com a antecedência devida e comunicou essa marcação ao réu, que veio, porém, a faltar à mesma.

O réu veio arguir a nulidade da sua citação, que foi julgada improcedente por despacho de fls. 273 a 276.

No mesmo despacho foram considerados confessados os factos alegados pelo autor, nos termos do artigo 567º nº 1 do Código de Processo Civil.

Com data de 21.02.2020 e ao abrigo do preceituado no artigo 567º nº 3 do

CPC, foi proferida sentença que julgou totalmente procedente a acção.

O réu apelou e a Relação, por acórdão de 09.11.2020, maioritariamente, decidiu em rejeitar, por falta de conclusões, o recurso principal interposto pelo réu, mais declarando, ainda, em consequência, caduco o recurso subordinado e inútil o conhecimento da ampliação (subsidiária) do objecto do recurso.

Teve lugar um voto de vencido com a seguinte redacção: “Voto vencida no pressuposto de que as conclusões que consubstanciam reprodução “ipsis verbis” do corpo alegatório justificarão em última análise o convite ao aperfeiçoamento das mesmas – artigo 639º, nº 3 do CPC – sem prejuízo da censura substancial que a actuação em causa efectivamente merece. Assim, proferia despacho a convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões”.

Não se conformando com tal acórdão, o réu recorreu de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A) Através do seu acórdão datado de 09/11/2020, do qual aqui se recorre, o tribunal a quo decidiu em rejeitar o recurso de apelação apresentado pelo recorrente em 23/03/2020, por entender que as conclusões do referido recurso eram uma reprodução ipsis verbis de tudo o que se encontrava vertido no corpo das alegações, situação esta que, no entender do referido tribunal, equivale a uma situação de falta de apresentação das conclusões, o que tem como consequência o indeferimento do recurso, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC.

B) Não se conformando com a referida decisão, não resta alternativa ao R. e recorrente que não seja apresentar o presente recurso de revista.

C) A expressão ipsis verbis é utilizada para transmitir algo “com as mesmas palavras”, “exactamente”, “literalmente” ou “textualmente”, o que significa que o tribunal a quo, na sua decisão, entendeu que as conclusões do recorrente são exactamente iguais às suas alegações, o que não se verifica. Ora,

D) Tendo em consideração que entre as alegações e as conclusões dos Recorrentes existe uma diferença de 13 (treze) páginas (apesar de o espaçamento, o tipo e o tamanho de letra serem exatamente o mesmo), entre as alegações e as conclusões existe uma diferença de 41 (quarenta e um) parágrafos e não se verifica, nas conclusões, a transcrição dos acórdãos reproduzidos nas alegações, nunca poderá ter existido uma transcrição ipsis verbis, no verdadeiro e literal sentido desta expressão, das alegações nas conclusões. Por este motivo,

E) A fundamentação do tribunal a quo não corresponde à verdade, pelo que, deverá o acórdão recorrido ser revogado, substituindo-se por outro acórdão que conheça efectivamente do mérito do recurso de apelação apresentado pelo recorrente. No entanto,

F) Mesmo que se entenda que efectivamente existiu uma transcrição ipsis verbis das alegações nas conclusões (o que se repudia por não corresponder à verdade), é necessário ter presente que o n.º 3 do artigo 639.º do CPC é transparente, ao estabelecer, impor a obrigatoriedade do relator convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das suas conclusões. Na verdade,

G) O tribunal a quo foi bastante infeliz ao referir que, devido ao facto de o recurso de apelação ser destituído de conclusões (por supostamente serem uma transcrição integral das alegações), não lhe é possível conhecer do objecto do recurso quando, algumas páginas antes, o referido tribunal enuncia taxativamente quais as questões que o recorrente pretende que sejam apreciadas, nomeadamente: a “Nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto”, a Ausência de contestação – revelia operante – consequências”, o “Depósito do preço – extemporaneidade – consequências” e o “Cumprimento das obrigações tributárias (IMTI e Imposto de selo) – não cumprimento – consequências”. Mais,

H) Ao entender que existiu uma transcrição ipsis verbis das alegações nas conclusões, o tribunal a quo foi também bastante infeliz em rejeitar de imediato o recurso de apelação sem ter feito, como deveria, uso do n.º 3 do artigo 639.º do CPC. Na verdade,

I) A posição de que o recorrente deveria ter sido notificado para aperfeiçoar as suas conclusões no prazo de 5 (cinco) dias é assumida expressamente pela Meritíssima Juíza Desembargadora Dra CC no seu voto de vencido. Mais,

J) A jurisprudência de voz praticamente unânime do Supremo Tribunal de Justiça entende que a transcrição ipsis verbis das alegações nas conclusões nunca poderá ser considerada como uma situação de falta de conclusões, não podendo, por isso, existir uma rejeição imediata do recurso com fundamento na alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC, tendo de existir, em substituição à referida rejeição, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do CPC. Aliás,

K) O próprio tribunal a quo assume de forma clara, expressa e inequívoca que a posição do Supremo Tribunal de Justiça (posição esta que o recorrente adopta) é contrária à sua, acabando, por ignorar, por completo, a corrente jurisprudencial do nosso mais Alto Tribunal. Mais,

L) Retirar do n.º 3 do artigo 639.º do CPC a interpretação de que a transcrição ipsis verbis das alegações nas conclusões equivale à falta de apresentação destas últimas, é juridicamente torcida e vai muito para além da letra e espírito da lei, nomeadamente quando a alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do CPC também é clara ao estabelecer que o recurso apenas é indeferido quando não tenha conclusões. Ora,

M) No recurso de apelação apresentado, é possível verificar que as conclusões foram enunciadas e encontram-se visivelmente separadas do corpo das alegações. Além disto,

N) O próprio tribunal a quo, no acórdão recorrido, faz referência ao acórdão do STJ de 06/12/2012, para fundamentar a sua decisão de rejeição do recurso sem convite ao aperfeiçoamento quando, do referido acórdão do STJ resulta que, sempre que as conclusões se mostrem complexas ou prolixas, o relator deve convidar o recorrente a aperfeiçoar as mesmas e, caso o recorrente não aproveite esse convite, aí sim, não poderá o tribunal realizar outro convite no sentido de o recorrente aperfeiçoar as conclusões. Além disto,

O) Todos os Acórdãos do STJ datados de 09/07/2015 a que o tribunal a quo se refere no acórdão recorrido por transcrição do acórdão do Tribunal da Relação … de 08/03/2018, são também contrários à posição por si assumida, sendo que os mesmos vão de encontro à posição que o aqui recorrente assume, isto é, que deve existir sempre um convite ao aperfeiçoamento das conclusões quando estas sejam uma transcrição ipsis verbis das alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º CPC, convite este que não aconteceu. Assim,

P) Ao não ter sido realizado o referido convite ao recorrente, o tribunal a quo violou, de forma clara, o previsto no n.º 3 do artigo 639.º CPC, assim como não teve em consideração a jurisprudência mais recente e unânime do Supremo Tribunal de Justiça. Além disto,

Q) A posição do tribunal a quo é igualmente uma violação grosseira do princípio da cooperação, expressamente previsto no artigo 7.º do CPC, uma vez que o referido tribunal nada mais fez do que, de forma infundada, atrasar a justa composição do litígio.

R) Ao entender (sem o serem) que as conclusões do recurso de apelação datado de 23/03/2020 são uma reprodução ipsis verbis das alegações, dúvidas não existem que não pode existir outra decisão que não seja a de determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação ….. para que, em substituição da sua decisão datada de 09/11/2020, seja proferido despacho a convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões do seu recurso de apelação, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do CPC.

Termina, pedindo que:

a) seja dado provimento ao presente recurso de revista, revogando o acórdão do tribunal a quo datado de 09/11/2020, substituindo-se por outro acórdão que conheça do mérito do recurso de apelação apresentado em 23/03/2020; ou caso assim não se entenda,

b) se determine a baixa dos presentes autos ao tribunal a quo para que, em substituição da decisão recorrida, seja proferido despacho a convidar o recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, aperfeiçoar as conclusões do seu recurso de apelação, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º do CPC, seguindo-se, no mais, os trâmites normais.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Os factos relevantes são os que constam do relatório antecedente.


B) Fundamentação de direito 

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consistem em saber se o tribunal a quo deve dar oportunidade ao recorrente de sintetizar as conclusões apresentadas, ou se as conclusões, apesar de, no entender do acórdão recorrido, reproduzirem integralmente o vertido no corpo das alegações, ainda que com meras alterações pontuais, existem, delas se podendo retirar quais as pretensões da recorrente.


Cumpre decidir.

De acordo com o disposto no nº 1 do artº 639 do CPC, as conclusões do recurso devem ser apresentadas “de forma sintética”.

Esta expressão, que apela à síntese dos fundamentos da impugnação, foi introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, numa mera explicitação de algo que, segundo Lopes do Rego, sempre decorreria da própria “natureza das coisas”[1].

Já na versão do Código de 1939, se prescrevia que o recorrente “concluirá pela indicação resumida dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação” da decisão impugnada.

Neste contexto, o ónus de concluir deve ser cumprido através da “enunciação de proposições que sintetizem, com precisão e concisão, os fundamentos do recurso. Por outras palavras: não valem como conclusões arrazoados longos e confusos, em que se não discriminem com facilidade as questões postas e os fundamentos invocados[2].

No mesmo sentido se pronunciou Rodrigues Bastos, nos seguintes termos:

Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente”[3].

A elaboração das conclusões do recurso convoca o recorrente a ser claro e preciso quanto às suas razões e fundamentos, permitindo assim ao recorrido responder adequadamente e facilitando, também, ao tribunal ad quem, a delimitação do objecto do recurso.

Por isso, para além de ser um instrumento de disciplina, constitui, igualmente, uma forma célere de apreensão do objecto do recurso, potenciando uma eficaz administração da justiça.

A formulação legal - concluir de forma sintética – deve ser interpretada, todavia, de forma flexível, deixando a aplicação da cominação somente para aqueles casos em que é manifesto e objectivo o desrespeito pelas conclusões sintéticas.

Expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão[4].

 O que importa, essencialmente, é que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso. Os fundamentos dos recursos devem ser claros e concretos, pois aos tribunais não incumbe perscrutar a intenção das partes, mas sim apreciar as questões que são submetidas ao seu exame.

A exigência de formulação de conclusões prende-se com a necessidade de delimitar o objecto do recurso, fixando, com precisão, quais as questões a decidir, de modo a que a sua apreciação se revista de maior segurança. Carecem, em consequência, de ser elaboradas sob a forma de proposições claras e sintéticas, que condensem o exposto na motivação do recurso.

A função das conclusões consiste em apontar, sob enumeração, as concretas questões que o recorrente entende que determinam uma solução diferente daquela a que chegou o tribunal recorrido, de forma a garantir que o tribunal de recurso entenda, com clareza e precisão, quais os efectivos fundamentos da discordância.

Sendo esta a finalidade das conclusões, naturalmente que por elas passa o cumprimento, quer do dever de lealdade processual para com os demais sujeitos processuais, quer do dever de colaboração com o tribunal de recurso. Não sendo função dos tribunais de recurso descortinar todos e quaisquer fundamentos pelos quais as decisões recorridas possam ser revogadas, é exigível às partes, que desencadeiam a actuação recursiva, apontar os precisos fundamentos pelos quais entendem devida essa revogação, o que aliás funciona como garantia de que o tribunal de recurso apreenderá e apreciará todos e cada um desses fundamentos.

A exigência de conclusões não é uma mera formalidade, sem sentido, mas o corolário de uma necessidade de precisão da fundamentação do recurso, tanto mais premente quanto mais ampla é a faculdade de recorrer - não sendo desejável que o tribunal de recurso se veja na continência de reapreciar, contra a vontade da parte, para além da intenção subjacente ao recurso, só porque ela é duvidosa ou não está suficientemente determinada, face à redacção da peça recursiva.

Reconhecida a necessidade de produzir conclusões, cabe perguntar em que termos é cabido considerar que elas existem ou satisfazem as necessidades de concisão que a norma lhes atribui.

António Geraldes refere que “as conclusões serão complexas, quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados[5].

E o mesmo autor escreveu que “são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objecto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas. Aquilo que a experiência permite confirmar e que facilmente se comprova através da leitura de relatórios de acórdãos publicados é que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso. Em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os tribunais superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade, avançar para a decisão, fazendo nesta a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Por tais motivos persistem as situações irregulares. Agindo deste modo, os tribunais superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal.

Contudo, se a forma não se deve confundir com a substância, também não pode, de todo, ser-lhe indiferente. Por outro lado, a falta de cumprimento daquele ónus torna mais difícil a execução da tarefa, correndo-se o risco de algumas questões serem desconsideradas. Por outro, a apresentação de alegações atabalhoadas acaba por constituir, muitas vezes, um sinal claro de falta de fundamento do recurso”.

Porém, entendemos que o não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo.

Assim, concordamos com o mesmo autor, quando refere que a complexidade a que se refere o artigo 639º nº 3 “também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação” (…). “A opção (claramente errada) de reproduzir no segmento das conclusões o teor da motivação não corresponde, apesar disso, a uma situação de “falta de conclusões”. Mais se ajusta a tal situação considerar que as conclusões são prolixas, dirigindo ao recorrente despacho de convite ao aperfeiçoamento, sem embargo da aplicação de alguma sanção sustentada na violação clara de um ónus processual”. A prolação do despacho de aperfeiçoamento constitui, para este efeito, um efectivo dever e não uma mera faculdade discricionariamente accionada pelo relator[6].

Feitas estas considerações, importa agora saber, perante as alegações produzidas em sede de apelação, se é mais conveniente mandar sintetizar as conclusões ou efectuar a triagem do que verdadeiramente interessa – Cfr conclusões D e J da revista.

No caso sub judice, expurgando as conclusões formuladas pelo recorrente no recurso de apelação do que nelas traduz mera argumentação ou se revela inócuo para a decisão a proferir, podemos concluir que está em causa, no âmbito do recurso de apelação, apenas o conhecimento das seguintes questões, que se apresentam de fácil compreensão e que foram bem delimitadas no acórdão recorrido (Cfr Vol. II, fls 450 e pág. 32 do acórdão recorrido e conclusão G) da revista):

a) Rejeição do recurso por ausência de conclusões;

b) Nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto;

c) Ausência de contestação revelia operante consequências;

d) Depósito do preço extemporaneidade consequências;

e) Cumprimento das obrigações tributárias (IMTI e Imposto de selo) não cumprimento consequências.

O não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo.

Se a Relação considerar que as alegações estavam viciadas por “falta de conclusões”, em lugar da rejeição imediata do recurso que é cominada pelo artigo 639º, nº 3, do CPC, cumpre ao relator proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento nos termos previstos no referido do CPC.

A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º nº 2, alª b), do CPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do artigo 639º nº 3 do CPC.

Mesmo com conclusões que são repetições da maioria das alegações, sendo possível a triagem do que verdadeiramente interessa, como foi feito no acórdão recorrido na sua página 32, é de rejeitar o convite a que se refere o nº 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil, devendo a Relação colocar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal.

O caso não merece maiores considerações e procedem as conclusões da revista.

SUMÁRIO

(i). O não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo.

(ii). Se a Relação considerar que as alegações estavam viciadas por “falta de conclusões”, em lugar da rejeição imediata do recurso que é cominada pelo artigo 639º, nº 3, do CPC, cumpre ao relator proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento nos termos previstos no referido do CPC.

(iii). A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641º nº 2, alª b), do CPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do artigo 639º nº 3 do CPC.

(iv) - Mesmo com conclusões que são repetições da maioria das alegações, sendo possível a triagem do que verdadeiramente interessa, como foi feito no acórdão recorrido na sua página 32, é de rejeitar o convite a que se refere o nº 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil, devendo a Relação colocar os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspectos de natureza formal.


III - DECISÃO

Atento o exposto, concede-se provimento à revista, revogando-se o acórdão recorrido, a fim de proceder em conformidade com a triagem das questões que taxativamente enunciou na página 32, conhecendo assim do mérito do recurso de apelação.

Custas da revista pela parte vencida a final.


Lisboa, 18.02.2021


Ilídio Sacarrão Martins (Relator) - Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade.

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

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[1] Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, pág. 581.
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 361.
[3] Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, pág. 299.
[4]  Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª edição, págs. 147/148.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, Almedina, pág. 155.
[6] Autor e ob cit, pág. 157 e 159.