I. O recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível quando se verifiquem, cumulativamente, os requisitos previstos no art. 678.º, n.º 1, do CPC.
II. A indignidade é uma forma de incapacidade sucessória passiva (i.e., ilegitimidade sucessória passiva), revestida de natureza sancionatória.
III. Pode verificar-se a reabilitação do indigno.
IV. Estão em causa crimes ou ilícitos especialmente graves, objeto de especial censurabilidade social.
V. A declaração de indignidade em relação à sucessão do autor da sucessão estende-se à sucessão do seu cônjuge e familiares mais próximos, não sendo necessárias várias declarações de indignidade: relativamente à sucessão da vítima e relativamente à sucessão de cada um dos familiares da vítima que se encontrem no âmbito de proteção do regime da indignidade.
VI. O sentido atribuído à norma do art. 2034.º, al. a), do CC, de que a declaração judicial de indignidade do autor de homicídio doloso relativamente ao autor da sucessão se alastra à sucessão do cônjuge da vítima não viola os direitos de defesa e ao contraditório (arts. 13.º, 20.º e 32.ª da CRP) do indigno.
I - Relatório
1. AA interpôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, ainda em vida de sua mãe, contra BB, CC, DD, EE, FF e GG, pedindo que seja declarado o abuso do poder de representação constante da procuração outorgada em 2011 nos termos dos arts. 268.º e 269.º do CC e declarados os valores reais dos imóveis, que seja declarada a nulidade do contrato de partilha, devendo ser restituídos os bens acima descritos ao acervo da massa da herança e a parte referente ao património da mãe (meação) do Autor e segundo Réu CC, ou seja, ao património de onde saíram, por estes terem sido indevidamente integrados pelo segundo Réu CC, na sua totalidade, na herança do seu pai e consequentemente deverá ser declarado que a adjudicação que o segundo Réu CC fez dos bens constantes da partilha por parte de sua mãe se consubstanciou numa doação nula por falta de autorização e como tal são também nulas as doações efetuadas aos Réus EE e FF, o usufruto concedido à Ré DD e a venda realizada à Ré GG, ser ordenado o cancelamento das inscrições prediais a favor dos Réus EE, FF, DD e GG, bem como quaisquer outras inscrições feitas posteriormente àquelas e que sejam os Réus condenados a pagar ao Autor uma indemnização das quantias que se vierem a liquidar correspondente aos gastos suportados pelo Autor com a presente acção.
2. Para tanto alegou, em síntese, que o seu irmão, aqui Réu CC, munido de uma procuração, procedeu à partilha dos bens por óbito do seu pai. O Autor foi declarado indigno, pelo que não teve qualquer intervenção na partilha. Todavia, a escritura de partilhas consubstancia uma verdadeira doação e não uma partilha, tendo o Réu agido com abuso de representação. Invocou também que, conforme o art. 2102.º, n.º 2, al. c), do CC, no caso de o cônjuge herdeiro ser incapaz – como se verifica no caso dos autos -, o inventário deve ser obrigatório.
3. Regularmente citados, os Réus contestaram.
4. Os Réus BB, CC, FF, EE e DD contestaram impugnando parte dos factos alegados pelo Autor.
5. A Ré GG contestou arguindo a exceção de ilegitimidade ativa, com fundamento na indignidade do Autor, ora Recorrente, nos termos do art. 2034.º, al. a), do CC, e defendeu-se ainda impugnando parcialmente os factos alegados pelo Autor.
6. Foi concedido ao Autor prazo para o exercício do contraditório quanto à matéria de exceção invocada.
7. Notificado, o Autor pronunciou-se sobre a matéria de exceção, exercendo o contraditório.
8. Foi dispensada a realização de audiência prévia (cfr. folhas 217 e 218 dos autos).
9. Por entender que os autos possuíam os elementos fácticos necessários à decisão, decidiu-se proceder à sua prolação.
10. O Tribunal de 1.ª Instância decidiu o seguinte:
“No caso aqui em apreço o Autor foi declarado indigno em virtude de ter praticado, em autoria material e, por tal condenado, um crime de homicídio doloso contra o autor da sucessão, isto é, contra o seu pai HH. A sua indignidade foi declarada por decisão judicial confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …...
Em nosso entender esta declaração de indignidade é extensível à herança deixada pela sua mãe, aqui Ré BB, entretanto falecida na pendência da presente ação.
Na verdade, e conforme dispõe a alínea a) do referido artigo 2034º o Autor foi condenado por ter praticado um crime de homicídio doloso contra o seu pai, à data cônjuge da Ré BB, entretanto falecida na pendência da presente ação. Por força deste normativo e sendo a Ré cônjuge de HH, a declaração de indignidade também abrange a herança deixada por óbito da aqui Ré BB.
Repare-se que se assim não fosse o Autor, por força do óbito da sua mãe, aqui Ré BB, falecida na pendência da presente ação, acabaria por herdar bens que constituíam o acervo hereditário do seu pai e para o qual foi considerado indigno. Na verdade, o acervo hereditário da falecida Ré é constituído pela sua meação e por metade do acervo hereditário do seu falecido marido HH. Esta metade do acervo hereditário do seu falecido marido passou a integrar o acervo hereditário da falecida BB.
Caso a declaração de indignidade do Autor não se tenha por extensível à sua mãe, cônjuge de HH, o Autor acabaria por herdar, ainda que indirectamente, bens do seu pai (que haviam integrado o acervo hereditário da sua mãe) e do qual foi declarado indigno como sucessor. Nestes termos, é entendimento deste Tribunal que o Autor, por força do disposto na alínea a) do artigo 2034º do Código Civil, ao ser declarado indigno, como foi, carece de legitimidade activa para intentar a presente acção.
Pelo exposto, julgo procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Autor invocada pela Ré GG e consequentemente declaro o Autor parte ilegítima na presente ação, absolvendo os Réus da presente instância (artigos 278º, nº 1, al. d), 576º, nº 1 e 2, 577º, al. e) e 578º, todos do Código de Processo Civil).”
11. Não conformado, o Autor interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões:
“Refere a M. Juiza do Tribunal da 1ª instancia: “O Autor foi declarado indigno em virtude de ter praticado, em autoria material e, por tal condenado, um crime de homicídio doloso contra o autor da sucessão, isto é, contra o seu pai HH.
A sua indignidade foi declarada por decisão judicial confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …...
Em nosso entender esta declaração de indignidade é extensível à herança deixada pela sua mãe, aqui Ré BB, entretanto falecida na pendência da presente ação. “
1. Carece de razão a M Juíza do Tribunal a quo quando entende que o recorrente é parte ilegítima na presente ação, por ter sido considerado indigno quanto à herança de sua mãe.
2. Na verdade, é indigno quanto à herança de seu pai, por incapacidade sucessória, tornando inexistente a vocação sucessória, art.º 2032º nº 1 do CC.
3. Todavia, quanto a sua mãe este, ora recorrente sucede-lhe por direito próprio, não por aquela ser cônjuge de seu pai, pois tal não se questiona, mas por ser sua mãe, sucessão por direito próprio.
4. Este é um direito de sucessão quanto àquela, quer a mãe tenha sido cônjuge de seu pai e se divorciasse, ou mesmo que não tenha tido essa qualidade de cônjuge. O recorrente herda por direito próprio de ser filho de sua Mãe!
5. Exemplificativamente se o autor da sucessão, em relação ao qual o recorrente é indigno, vivesse em união de facto com a mãe do indigno, a quem tinha em testamento, deixado todo o seu acervo, não seria por força da alínea a) do art.º 2034 do CC, que o indigno do autor da sucessão, não deixaria de ter capacidade sucessória em relação à companheira do autor da sucessão.
6. As circunstâncias enunciadas na alínea a) do art.º 2034 do CC constituem causa de incapacidade sucessória por motivo de indignidade .
7. No caso do recorrente, este incorreu numa dessas causas, infelizmente, (não sendo altura para nos debruçarmos sobre tal drama).
8. As causas de indignidade enunciadas no art.º 2034 do CC, são taxativas.
9. A Indignidade do recorrente, quanto à herança de seu pai, foi declarada em 27 de outubro de 2014, por sentença transitada em julgado.
10. Quanto a sua mãe, tal não aconteceu!
11. A declaração de indignidade não opera automaticamente.
12. Um sucessível não se torna indigno de suceder, apenas porque se verificam factos, que se enquadram nas causas da indignidade, pois que a indignidade tem de ser judicialmente declarada, ex vi art.º 2036 do CC e seus efeitos art.º 2037 nº 1 do mesmo diploma.
13. O entendimento que a ação de declaração de indignidade, só tem de ser proposta, quando a pessoa que incorreu numa causa de indignidade, esteja na posse dos bens da herança, caiu por terra com a publicação da lei 86/14, que veio dissipar quaisquer duvidas que existissem.
14. É a própria lei a conferir legitimidade ao MP para intentar a ação de declaração de indignidade, quando não existem outros herdeiros, art.º 2036 nº2 CC.
15. A declaração de indignidade tem de ser declarada por sentença penal ou em ação autónoma, como refere art.º 69-A do CP e 2036 do CC e nunca mediante defesa por exceção no âmbito de uma ação cível.
16. Inexiste qualquer ação de declaração judicial de indignidade, quanto ao recorrente, e relativamente à herança da mãe: não houve nem em sentença penal nem em sentença autónoma , únicos meios de efectivar a declaração judicial de indignidade, nos termos do art.º 2036º.
17. Mesmo tendo vivido vários anos mesmo depois de se ter tornado conhecida a causa de indignidade em que incorrera o filho, BB não intentou ação destinada a privar o recorrente da capacidade de vir a ser o seu herdeiro.
18. Não tem razão o Tribunal ao considerar a declaração de indignidade do recorrente respeitante à herança de HH, extensível à herança deixada por sua mãe.
19. De acordo com o Parecer ora junto:
Do preceito não resulta, nem pode resultar, que a declaração de indignidade de uma pessoa que praticou um crime de homicídio doloso relativamente à herança deixada por óbito da vítima , abarca a herança de todas as restantes pessoas mencionadas na mesma alínea, cônjuge descendente, ascendente adotante, adoptado da vítima. Por outro lado, isso significaria prescindir da declaração especifica de indignidade em ação autónoma ou penal, ao arrepio do disposto no artigo 2036 do CC. Por outro lado o alcance que se pretende atribuir à declaração de indignidade colide frontalmente com o que se prevê no art.º 2043º do C.C De acordo com o artº 2039 do CC dá-se representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. O artº 2043º estabelece que os descendentes representam o seu ascendente, mesmo que “sejam incapazes em relação a ele”.
20. Isto é, a pessoa que fôr declarada indigna relativamente à herança deixada por óbito do pai, tem capacidade para suceder, por direito de representação, à herança deixada pelos seus avós e bisavós, ainda que estes sejam ascendentes da vítima do crime de homicídio doloso praticado pelo beneficiário do direito de representação. Em suma, a alínea a) do art.º 2034 do CC não permite que se considere a declaração de indignidade de uma pessoa respeitante à herança de determinada pessoa “extensível” à herança de outra pessoa, vg, cônjuge ou ascendente da vítima do crime em questão ( sublinhado nosso)
21. Carece de razão a M Juíza quando refere que não pode ser herdeiro de sua mãe, porque, “. acabaria por herdar bens que constituíam o acervo hereditário do seu pai e para o qual foi considerado indigno”.
“Acabaria por herdar ainda que indirectamente bens do pai”.
22. A mãe do recorrente, também foi chamada à herança de HH, que aceitou por documento que titula a partilha desta herança, em que interveio o recorrido CC, em nome próprio e na qualidade de procurador de sua mãe.
23. O património da mãe do recorrente, antes da partilha, era constituído por bens herdados de seus pais, (avós do recorrente), mais concretamente os bens …. e bens adquiridos com o fruto do seu trabalho.
24. Os avós maternos do recorrente eram pessoas abastadas.
25. A mãe do recorrente sempre trabalhou nos …., desde jovem como……, ali auferindo um vencimento de USD 4.000.00 mensais.
26. Quando se reformou e regressou a Portugal, a sua reforma era no valor de USD 2.300,00 mensais, comprovativo que protesta juntar, e que é do conhecimento dos recorridos.
27. Reforma essa, que enquanto viveu com o recorrente nunca gastou, porquanto, foi sempre este que suportou os gastos Uma pequena parte dos bens poderiam fazer parte do património do pai.
28. Refere a M. Juiza a quo: “Acabaria por herdar ainda que indirectmente bens do pai”
29. No caso dos autos, quando foi feita a partilha extinguiu-se a herança de HH, ingressando os bens desta herança nos termos do art.º 2119 do CC no património de BB e CC.
30. Como refere o ilustre Prof Jorge Pinheiro a fls 12 do seu Parecer: “Assim que foi efetuada a mencionada partilha, não se pode falar de bens pertencentes à herança ou acervo hereditário de HH, virem a ser adquiridos pelo consulente no caso de se admitir que este suceda à mãe”. O património da mãe do consulente é juridicamente distinto do património correspondente à herança do pai. E o valor que o consulente adquire enquanto herdeiro da mãe não lhe permite recuperar o valor perdido por não suceder ao pai…”
31. O Tribunal da primeira instância alargou o alcance punitivo da declaração de indignidade do recorrente de 37,5%, que é o que iria receber do património total, para 0%, à margem do teor da lei e da sentença que declarou a indignidade do mesmo quanto à herança do pai.
32. A incapacidade por indignidade assume caracter relativo, natureza de sanção punitiva e cariz excecional, pelo que não é concebível, afastamento de sucessão de pessoa, que tenha incorrido em causa de indignidade relativamente à sucessão não mencionada na declaração judicial de indignidade, in Parecer.
33. O recorrente foi declarado indigno quanto à herança de seu pai, mantendo a capacidade sucessória , quanto à de sua mãe, pelo que mal andou o tribunal da 1ª instância ao julgar procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do recorrente, por violação do preceituado nos art.º 2034 alínea a) e art.º 2036º ambos do CC e 69-A do CP.
34. O Tribunal da 1ª instância ao interpretar e aplicar a norma da alínea a) do art.º 2034 do CC, no sentido que a condenação por um crime de homicídio doloso, é automática para o recorrente se declarar indigno, quanto ao autor da sucessão e seu cônjuge…, fez errada interpretação e aplicação da norma.
35. O entendimento que o tribunal deveria ter retirado da norma, é que esta norma, significa uma mera causa, para se declarar a incapacidade sucessória, por motivo de indignidade, somente!
36. Esta interpretação da norma é violadora dos direitos e garantias de defesa, ao não permitir defesa e contraditório quanto à declaração de indignidade, violando os princípios constitucionais ínsitos nos art.º 13, 20, 32 da CRP
37. Mais se argui a inconstitucionalidade das normas constante das alíneas a) e c) do art.º 2036º do CC, com o sentido com que foi interpretada e aplicada pelo tribunal a quo, ao entender que a mera declaração de indignidade por parte do pai era extensível à mãe.
38. Os efeitos da declaração de indignidade relativamente à herança do pai não são atingidos quanto à herança da mãe por si só.
39. As duas heranças são juridicamente distintas!
40. Por isso mal andou o Tribunal a quo ao entender como entendeu, que a declaração de indignidade em relação ao pai, era extensível à mãe. Aliás, está bem expresso, na sentença de declaração de indignidade, de 27 de outubro de 2014, que esta só opera em relação ao pai, nada mais.
41.O entendimento que o Tribunal deveria ter tido é o que está plasmado na motivação e no Parecer que ora se junta. Esta interpretação das normas está ferida de inconstitucionalidade material por violação dos princípios ínsitos nos art.º 13º, 20º e 32º da CRP.
42. O art.º 2036º e 2043º conjugados com o art.º 2034 alínea a) todos do CC, não permitem que a declaração de indignidade de uma pessoa que praticou um crime de homicídio doloso, relativamente à herança deixada por óbito da vítima, abranja a herança de outras pessoas mencionadas na referida alínea a) do art.º 2034 do CC.
43. A participação na sucessão da mãe, não lhe permite obter o mesmo valor patrimonial, que receberia se não fosse declarado indigno por parte do pai, ou seja, assim do património recebe 37,50% e seu irmão, 62,50%!
44. Consequentemente, deve o recorrente ser considerado, parte legitima na presente ação, devendo ser considerada caducada, a procuração outorgada pela mãe, ao recorrido irmão em fevereiro de 2011, atendendo a que sua mãe foi declarada interdita a partir do primeiro trimestre de 2012.
45. Procedeu à partilha por óbito de seu pai e à partilha de sua mãe em vida desta, por documento de 14 de julho de 2015 e aditamento
46. O recorrente era nesta altura potencial herdeiro de sua mãe, sendo que a venda/doação que a mesma fez ao seu irmão ora recorrido (utilizando aquele a procuração), sem autorização do recorrente é nula nos termos do art.º 2029 do CC
47. A sua mãe nunca o deserdou, nem intentou qualquer ação destinada a priva-lo da capacidade de vir a ser seu herdeiro, para poder afastá-lo de ser potencial herdeiro, e prescindir da sua anuência para poder vender/doar ao outro filho, ora recorrido o seu património, nos termos do art.º 877 do CC.
48. Quanto a vendas que sua mãe fizesse a seu irmão estas tinham de ser autorizadas por o ora recorrente sob pena de nulidade, ex vi art.º 877 do CC, o que não ocorreu, ou seja o seu consentimento.
49. O preceituado no artigo 877.º do Código Civil estipula a proibição de os pais venderem a filhos sem autorização dos demais filhos.
50. O seu irmão, recorrido, ao ter prescindindo do pagamento de tornas na qualidade de representante de sua mãe a si próprio, o que sua mãe, recorrida, fez, foi dar-lhe quer a parte que recebeu na partilha, quer o seu quinhão hereditário.
51. Tal proibição tem subjacente a presunção júris et jure de que tais vendas seriam simuladas e, portanto, anuláveis, cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 165.
52. O que é uma doação encapotada ou encoberta, que também no caso concreto é nula por falta de autorização do outro filho, ora recorrente, porque, beneficiando de capacidade sucessória.
53. Quis o recorrido CC, quando procedeu à partilha por óbito de seu pai e em vida de sua mãe em 2015, frustrar as expectativas do recorrente, irmão, e dispor da quota legítima de sua mãe unicamente para si, o que leva a crer que com estes negócios, ficarão frustrados os direitos sucessórios do recorrente. como herdeiro de sua mãe, como de facto aconteceu.
54. Concluindo assim, que ao abdicar do pagamento de tornas, a progenitora está a doar ao recorrido CC a sua quota legítima e ao abdicar do pagamento do restante património que não foi objeto de partilha, está a doar ao recorrido CC esse mesmo património.
55. O art.º 2029.º do Código Civil admite a partilha em vida, dispondo esse preceito que "não é havido por sucessório o contrato pelo qual alguém faz doação entre vivos, com ou sem reserva de usufruto, de todos os seus bens ou parte deles a algum ou alguns dos presumidos herdeiros legitimários, com o consentimento dos outros, e os donatários pagam ou se obrigam a pagar a estes o valor das partes que proporcionalmente lhes tocariam nos bens doados". (sublinhado nosso)
56. O que não foi o caso dos autos, pelo que a escritura de partilha padece de nulidade, por violação dos preceitos legais acima referidos.
57. O artigo 2102.º, n.º 2,alínea c) do CC, refere que se o cônjuge do herdeiro propriamente dito for incapaz, o inventário será obrigatório se o cônjuge comungar no quinhão hereditário.
58. No caso concreto a mãe do recorrente e recorrido, estava interdita desde primeiro trimestre de 2012, pelo que nos termos do art.º 2102 nº 2 alínea c) do CC o inventário deveria ser obrigatório, o que não sucedeu.
59. A presente sentença deverá ser revogada e substituída por outra que considere o recorrente parte legitima, porquanto o mesmo tem capacidade sucessória quanto à herança de sua mãe, devendo, consequentemente serem anulados todos os actos praticados pelo recorrido CC, declarando-se a partilha feita (em 14 de julho de 2015 e respetivo aditamento), por óbito de seu pai, nula e consequentemente o mesmo efeito quanto à de sua mãe.
60. Consequentemente deverá ser declarada a nulidade e ineficácia das doações aos recorridos filhos do irmão do recorrente EE e FF, o usufruto à recorrida mãe dos filhos do recorrido CC e a venda realizada à recorrida GG;
61. E serem devolvidos ao património de onde saíram, os bens que fazem parte da meação de sua mãe e quota da herança.
62. Ser ordenado o cancelamento das inscrições prediais a favor dos recorridos, nos imóveis supra mencionados, bem como quaisquer outras inscrições feitas posteriormente àquelas e com as mesmas correspondentes.
Junta-se: DUC comprovativo do pagamento e Parecer Jurídico
JUSTIÇA.”
12. O Autor/Recorrente juntou parecer jurídico.
13. O 2.º Réu CC apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões:
“1ª – O recorrente, foi declarado indigno, em virtude de ter praticado o crime de homicídio doloso, contra o autor da herança, seu pai;
2ª – A indignidade do recorrente, foi declarada por sentença, confirmada por Acórdão proferido pelo tribunal da Relação ….;
3ª – A douta decisão proferida pelo douto tribunal “a quo”, ora colocada em crise, a qual considerou a indignidade declarada ao recorrente, relativamente á herança de seu pai, extensível á herança de sua Mãe, entretanto falecida na pendência da ação, não merece, qualquer censura, devendo manter-se, nos precisos termos em que foi proferida;
4ª – A escritura de partilhas por óbito, junta aos autos, não padece de qualquer nulidade, quer quanto á forma legal e conteúdo;
5ª - E escritura de partilhas por óbito, não nos diz quais os bens que foram partilhados, por óbito de HH e consequentemente, quais os bens a partilhar entre o cônjuge sobrevivo e o descendente, o recorrido, dado que o recorrente se encontrava declarado indigno, carece, assim, de capacidade sucessória, quanto aos bens que faziam parte da herança de seu Pai;
6ª - Logo, não sabemos, quais os bens, que ficariam fora da referida partilha, para se saber a parte em concreto da herança, do cônjuge sobrevivo, a partilhar;
7ª – Não tendo sido feita a partilha por óbito de HH e estando a herança indivisa á data da escritura de partilhas, o recorrente não tinha legitimidade ativa, para interpor a ação, que intentou, nos termos e forma como o fez, dado, que estava declarado indigno, face á herança do Pai, que ainda não estava partilhada;
8ª – A interpretação extensiva, feita pelo douto tribunal “a quo”, tem cobertura legal , pois é permitida, nos termos do disposto no artº 11º, do C. Civil;
9ª – Caso V. EXªS. assim não o entendam, que a declaração de indignidade, face á herança do Pai do recorrente e recorrido, é extensiva á herança da Mãe, na sua totalidade, como o douto tribunal decidiu, deve, pelo menos ser extensiva á herança do falecido, que entra na esfera jurídica patrimonial do cônjuge sobrevivo, pois caso assim, não se decida, o recorrente, fica beneficiado, dado que a herança devido á indignidade, é partilha, apenas, pelo cônjuge sobrevivo e pelo recorrido e não, também pelo recorrente;
10ª – O que implica, que o recorrente, apesar de ter sido declarado indigno e por tal facto, carecer de capacidade sucessória, em relação á herança a partilhar por óbito do Pai, vai beneficiar, em pelo menos, mais 47.770,77 €, dado que o valor de metade da herança é de 286.624,58 € e a dividir por três herdeiros corresponderia a cada um , (95.541,526 €)e a dividir por dois herdeiros como aconteceu, cabia a cada um dos herdeiros, 143.312,29 €;
11ª – o Cônjuge sobrevivo, não fez qualquer venda, dos bens ao herdeiro, recorrido;
12ª – O facto do Cônjuge sobrevivo, receber as tornas e prescindir de seguida, das mesmas, trata-se de uma doação, conforme o disposto no artº 940º, do C. Civil;
13ª – Tratando-se de uma doação, feita em vida da proprietária e possuidora, dos bens, não é preciso o consentimento do recorrente na qualidade de herdeiro, para que o facto e efeitos jurídicos, pretendidos com a doação, se verifiquem;
14ª – O Recorrente, por causa da doação, feita pela Srª sua Mãe, não deixa de ser herdeiro, nem vê os seus direitos fundamentais violados, como alega, dado, que caso V.EXªS., venham a decidir, que a indignidade do recorrente, face á herança deixada por óbito de seu Pai, não é extensível há herança deixada por óbito da Mãe, depois de retirado o valor da herança, recebido como herdeira de seu marido, para que a indignidade produza os seus efeitos, falta de capacidade sucessório do recorrente, face á herança do pai, a partilhar, a lei, nomeadamente o artº 2104, estipula, que recorrido para entrar na sucessão da Mãe, tem de a restituir á massa da herança, logo o recorrente, vai herdar;
15ª - E o artº 2168º, do C. Civil,, que tem por epigrafe, Liberalidades inoficiosas, permite que as referidas liberalidades, que foi o que fez a Mãe do recorrente e recorrido em vida, quando recebeu e prescindiu do valor das tornas, sejam reduzidas, devendo tal redução ser pedidas no prazo de dois anos, para se evitar a caducidade do direito, conforme o disposto no artº 2178º, do C. Civil, o que o recorrente não fez e deveria ter feito, pois era esta a ação a intentar, obtendo assim o efeito pretendido, ou seja, restituição do valor das tornas ou mesmo dos bens, caso existissem, á massa da herança, por óbito de sua Mãe.
16ª – A sentença recorrida, não merce qualquer censura, devendo manter-se nos precisos termos em que foi proferida.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. EXªS. deve o recurso apresentado pelo Recorrente/Apelante, ser julgado improcedente, por não provado e consequentemente, manter-se a sentença nos precisos termos em que foi proferida, fazendo-se assim justiça”.
II – Questões a decidir
Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:
- se, nos termos do art. 2034.º, al. a), do CC, a declaração judicial de indignidade decorrente da condenação por homicídio doloso do autor da sucessão – Pai do Autor - acarreta a perda de capacidade sucessória do Autor apenas perante o autor da sucessão ou também perante o seu cônjuge – Mãe do Autor, que faleceu na pendência da presente ação, a 6 de agosto de 2018.
- se o Autor, através da ação que intentou, e tendo em conta o modo como a propôs e os pedidos feitos, tem legitimidade para pedir a declaração de nulidade e/ou de ineficácia da escritura de partilhas, celebrada pelo 2.º Réu CC, em vida de sua Mãe, em seu nome e em representação de sua Mãe, usando a procuração que para o efeito lhe foi por ela outorgada.
III – Fundamentação
A) De Facto
Foram considerados como provados os seguintes factos:
“II.1. Dos elementos constantes dos autos resultaram provados com relevância para a decisão sobre a excepção de ilegitimidade activa, por acordo e por documento (cfr. documentos juntos a folhas 13 verso a 18, 21 a 25, 43 verso a 45, 145 vero a 148 e 188 a 216 verso dos autos), os seguintes factos:
A - O Autor é filho de HH e de BB e irmão do Réu CC.
B – No dia … de Outubro de 2010 faleceu HH, progenitor do Autor e do Réu CC, sem deixar testamento.
C – Por acórdão transitado em julgado no dia de 07 de Maio de 2015, nos autos que correram termos sob o n.º 564/14……, no Juízo Central Cível …., J….. – foi julgado improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, Autor na presente acção, e declarada a incapacidade sucessória do aqui Autor por indignidade relativamente à herança deixada por óbito de seu pai HH.
D – Do Acórdão a que alude a alínea C), consta:
“12. Em 27.10.2014, foi proferida a seguinte sentença (fls. 95):
(…)
Regularmente citado, o R. não contestou, pelo que, segundo o preceituado nos art.º 567º/1 do C.P.C., se consideram confessados os factos articulados pelo A..
Os factos reconhecidos por falta de contestação e o disposto nos art.s 2034º e 2037º do C.C. determinam a procedência da acção. Efectivamente, o R. foi condenado pelo crime de homicídio perpetrado na pessoa de seu pai, conforme certidão junta aos autos de fls. 11 a 70. Ora, nos termos do aludido art.º 2034º carecem de capacidade, por motivo de indignidade, o condenado como autor de homicídio doloso contra o autor da sucessão ou contra, assinaladamente, o seu ascendente. Conforme prevê o art.º 2037º, declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má fé dos respectivos bens.
(…).”.
E – Em virtude do constante da alínea C) são herdeiros do falecido HH o aqui Réu e a Ré BB, entretanto falecida no dia 06 de Agosto de 2018, na pendência da presente acção.
F – Do documento junto a folhas 13 verso a 16 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:
“Partilha por óbito
CC, natural …., concelho ….., e mulher DD, (…), outorgando CC por si e na qualidade de procurador, com suficiência de poderes para o ato, de BB, viúva, (…), doravante designados como outorgantes;
Declara o outorgante CC:
Que, como consta da escritura de habilitação de herdeiros lavrada em trinta de Novembro de dois mil e dez, de folhas quinze a folhas quinze verso, do livro de notas 59-A, do Cartório Notarial … a cargo da Notária II, no dia vinte e seis de Outubro de dois mil e dez, na freguesia …, concelho …., faleceu, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, HH, (…) no estado de casado com BB sob o regime da comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos; tendo-lhe sucedido como seus únicos herdeiros o cônjuge sobrevivo, a oportuna e melhor identificada BB, e seus filhos CC, o ora outorgante, e AA, que também usou AAA, solteiro, maior, (…) e actualmente a cumprir pena de prisão efectiva, no Estabelecimento Prisional …, na qual foi condenado pela prática do crime de homicídio doloso contra o autor da herança HH, no âmbito dos autos que correram termos pela ……ª Vara Criminal de …… sob o nº 704/10…...
Que, assim são eles os únicos herdeiros que ficaram por óbito do referido HH, não havendo outras pessoas que segundo a Lei lhes prefiram ou que com eles possam concorrer na aludida sucessão.
Que, por sentença proferida em 27 de Outubro de 2014, em sede dos autos que correram os seus termos pela Comarca … …. – Inst. Central – …ª Secção Cível – J…. – sob o nº 564/14…., foi declarada a incapacidade sucessória por indignidade do herdeiro legitimário AA, que também usou AAA, tendo da aludida sentença sido interposto recurso de apelação, distribuído para a …. secção do Tribunal da Relação …. sob o nº 564/14….., o qual foi julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, por acórdão proferido em 20 de Abril de 2015 e transitado em julgado em 07 de Maio do ano em curso; ficando, deste modo, o referido AA, que também usou AAA privado de receber a herança aberta por óbito de seu pai HH, atento o legalmente estatuído no artigo 2037º do Código Civil, com os efeitos daí advenientes.
Que, o ora outorgante CC fazendo-o por si e na sua dita qualidade, vêm pelo presente título, proceder à partilha dos bens da referida herança aberta por óbito do referido HH, e, que são os seguintes:
(…)
Bens Imóveis:
(…)
Que o valor global dos bens a partilhar é de quinhentos e setenta e três mil duzentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos, competindo à representada do primeiro outorgante bens no valor de quatrocentos e vinte e nove mil novecentos e trinta e seis euros e oitenta e sete cêntimos, para preenchimento do seu quinhão.
Que, fazendo-o por si e na qualidade em que outorga, procede à referida partilha, adjudicando a si próprio todos os bens imóveis relacionados como verbas um a quinze, pelo que leva a mais bens no valor de quatrocentos e vinte e nove mil novecentos e trinta e seis euros e oitenta e sete cêntimos, tornas que terá que dar á sua representada BB, mas das quais esta prescinde, ficando, assim preenchido o quinhão do ora outorgante CC e a meação e o quinhão da representada deste, dando-se por concluída a partilha.
Declaram, ainda, a outorgante DD que presta a seu referido marido, o necessário consentimento conjugal á inteira validade da partilha sub judice, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1682º do Código Civil.
…., aos 02 de Julho de 2015
(…)”.
G – Do documento junto a folhas 145 verso a 148 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:
“Partilha Por óbito (adicional)
CC, (…), outorgando CC por si e na qualidade de procurador, com suficiência de poderes para o ato, de BB, natural da freguesia e concelho ….., (…), doravante designados por outorgantes;
Declara o outorgante CC, fazendo-o por si:
Que por documento autenticado de partilha por óbito, lavrado em 02 de Julho último, (…) o primeiro outorgante, por si e na qualidade em que outorga, e devidamente autorizado pela sua referida cônjuge, a ora outorgante DD, atento o disposto na alínea a) do nº 1, do artigo 1682º A do Código Civil, veio proceder à partilha dos bens imóveis (oportuna e melhor discriminados no aludido documento particular autenticado de partilha por óbito, datado de 02 de Julho do ano em curso), deixados na herança indivisa aberta por óbito de seu pai HH, partilha efectuada nos termos e moldes exarados no referido documento particular autenticado de partilha por óbito, o qual veio, à posteriori, a ser objeto de ratificação e aditamento, lavrado em documento particular autenticado com o mesmo nome (retificação e aditamento a documento particular autenticado de partilha por óbito), em 09 de Outubro último, e do qual consta o correspondente averbamento de retificação.
Que na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu referido pai HH, outorgou no dia 30 de Novembro de 2010, uma escritura de habilitação de herdeiros, lavrada de folhas 15 a folhas 15v, do livro de notas para escrituras diversas nº 59-A, do Cartório Notarial …. a cargo da Notária II, na qual declarou que ao falecido, HH, sucederam como seus únicos herdeiros o cônjuge sobrevivo BB, e seus filhos CC, o ora outorgante, e AA, que também usou AAA, (…).
Que, por sentença proferida em 27 de Outubro de 2014, em sede dos autos que correram os seus termos pela Comarca de …..…. – Instrução Central – ……ª Secção Cível – J…. sob o nº 564/14…., foi declarada a incapacidade sucessória por indignidade do herdeiro legitimário AA, que também usou AAA, tendo da aludida sentença sido interposto recurso de apelação, distribuído para a …. secção do Tribunal da Relação … sob o nº 564/14……, o qual foi julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida por acórdão proferido em 20 de Abril de 2015 e transitado em julgado em 07 de Maio do corrente ano; ficado deste modo, o referido herdeiro privado de receber a herança aberta por óbito de seu pai, o já mencionado HH, atento o legalmente estatuído no artigo 2037º, com os efeitos daí advenientes.
Que, no âmbito do antecedente explanado, no pretérito dia 07 de Outubro, veio declarar, em aditamento à escritura de habilitação de herdeiros ulteriormente outorgada em 30 de Novembro de 2010, mediante escritura própria com o mesmo título, exarada de folhas 87 a 87 v do livro de notas 84-A, (…), e na qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito de seu pai HH, que os únicos herdeiros do aludido de cujus são o cônjuge sobrevivo, a já referida BB, e ele CC, uma vez que o herdeiro AA, que também usou AAA, nos termos do artigo 2034º do Código Civil foi declarado indigno e sucessoriamente incapaz relativamente à herança de seu pai HH, por sentença proferida em 27 de Outubro de 2014, em sede de autos que correram os seus termos pela Comarca … – … – Instrução Central – … secção Cível – J… – sob o nº 564/14…., da qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação …., julgado o mesmo improcedente, mantendo-se a sentença proferida, por acórdão proferido em 20 de Abril de 2015 e transitado em julgado em 07 de Maio do corrente ano.
Que declarou, ainda, que na aludida escritura de aditamento á escritura de habilitação de herdeiros, que AA, que também usou AAA, nos termos do artigo 2034º do Código Civil foi declarado indigno e sucessoriamente incapaz relativa á herança de seu pai HH, por sentença proferida em 27 de Outubro de 2014, em sede dos autos que correram os seus termos pela Comarca de .. – .. – Instrução Central – …ª secção Cível – J… – sob o nº 564/14…., da qual foi interposto recurso para o Tribunal da Relação …., julgado o mesmo improcedente, mantendo-se a sentença proferida, por acórdão proferido em 20 de Abril de 2015 e transitado em julgado em 07 de Maio do corrente ano, e que o aludido herdeiro AA, que também usou AAA não tem descendentes, não operando, in casu, o direito de representação estribado no nº 2 do artigo 2037º do Código Civil.
Que, pelo presente título, fazendo-o por si e na qualidade em que outorga, vem proceder á partilha (adicional) dos bens que seguidamente se descriminam, os quais não foram incluídos e objeto da aludida partilha feita em 02 de Julho último, a saber:
Um: 4/7 avos indivisos do prédio rústico sito em ….., (…);
Dois: Prédio Rústico sito em ….. (…);
Três: Prédio Rústico sito em …… (…);
Quatro: Prédio Rústico sito em …… (…);
Cinco: Prédio Rústico sito em ….. (…);
Seis: Prédio Rústico sito em ….. (…);
Sete: Fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao primeiro andar, destinada a habitação, com arrumos e páteo, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …., freguesia e concelho ….., (…), e a aquisição registada a favor do autor da herança e da representada do outorgante CC pela apresentação mil trezentos e setenta e oito de dezanove de Novembro de dois mil e quinze.
Que o valor global dos bens a partilhar é de 40.880,53€ (quarenta mil oitocentos e oitenta euros e cinquenta e três cêntimos), competindo à representada do primeiro outorgante bens no valor de 30.660,40€, para preenchimento da sua meação e quinhão hereditário, e ao ora primeiro outorgante bens no valor de 10.220,13€, para preenchimento do seu quinhão.
Que o ora outorgante CC, por si e na qualidade em que outorga, procede á referida partilha, adjudicando a si próprio os bens relacionados nas verbas um a sete do presente título, pelo que leva a mais bens no valor de 30.660,40€, tornas que terá de dar à sua representada, mas que esta já recebeu, ficando, assim, preenchido o quinhão do ora outorgante e a meação e o quinhão da representada deste, dando-se por concluída a presente partilha.
A outorgante DD, presta, por força do presente título, o necessário consentimento conjugal ao seu referido cônjuge, o ora outorgante CC, á inteira validade dos actos sub judice. …., aos 03 de Dezembro de 2015
(…)”.
H - Do documento junto a folhas 16 verso a 18 verso dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:
“Procuração
No dia onze de Fevereiro de dois mil e onze, no Cartório Notarial …, sito na Rua ….., perante mim, Licenciada JJ, a Notária do referido Cartório, compareceu como outorgante:
BB, viúva, natural da freguesia e concelho….., residente na Rua …., em …, NIF …...
Verifiquei a entidade da outorgante pela exibição do seu cartão do cidadão (…).
E por ela foi dito:
Que pelo presente instrumento constitui seu procurador o seu filho CC, casado, natural de (…), a quem concede os poderes necessários para, com os de substabelecer:
Exercer os mais amplos poderes de administração civil e de gestão, nos termos e condições que entender, de todos os bens, móveis e imóveis, sitos em Portugal ou no estrangeiro;
Comprar, vender, permutar, assim como aceitar em doação quaisquer bens, móveis ou imóveis, ou as suas partes indivisas, bem como quinhões de quaisquer heranças, pelo preço e demais condições que tiver por convenientes, outorgando e assinando os respectivos actos e contratos, qualquer que seja a forma da respectiva titulação, e praticando todos os demais actos que se mostrem necessários para as mesmas finalidades, bem como, com a mesma amplitude de poderes, celebrar contratos-promessa de compra e venda ou outros, quer em Portugal, quer no estrangeiro;
Dar e tomar de arrendamento prédios rústicos ou urbanos ou suas fracções autónomas, pelo prazos e com as rendas e demais condições que entender convenientes, alterar, prorrogar, resolver, denunciar ou rescindir os respectivos contratos, praticando, para tal, todos os actos que se mostrem necessários ou convenientes, quer em Portugal, quer no estrangeiro;
Aceitar ou repudiar heranças ou legados, proceder a partilha amigável, outorgando e assinando os respectivos actos ou contratos, qualquer que seja a forma da respectiva titulação, requerer inventários, intervir e decidir nos actos e diligências realizadas no respectivo âmbito, incluindo conferências de interessados e licitações, receber ou pagar tornas, receber dinheiro, papeis de crédito, títulos, unidade de participação e demais bens mobiliários e imobiliários que integram o quinhão dela, outorgante, liquidar as contas de rendimentos, dar e aceitar quitações e praticar tudo o demais que se mostre necessário para a partilha dos bens;
Assinar, expedir e receber correspondência, bem como documentos, valores ou quaisquer bens remetidos por via postal, designadamente quando enviados sob registo;
Abrir, movimentar e encerrar contas, de qualquer natureza, quer em Portugal, quer no estrangeiro, de que a outorgante seja titular, em bancos, associações mutualistas, ou outras instituições de crédito, movimentando-as por qualquer meio, tanto a crédito como a débito, podendo proceder a depósitos ou levantamentos, tanto de capital como de juros, assinar, emitir e endossar cheques, ordenar a realização de transferências ou débitos directos, bem como pagar e receber quaisquer quantias a título de comissões, taxas de serviços ou qualquer outro, requerer extractos, cheques e cartões de débito;
Aceder a qualquer cofre bancário, em qualquer banco, associação mutualista, ou instituição bancária, podendo solicitar qualquer informação, levantar qualquer documentação, ou outro qualquer objecto;
Adquirir, alienar, onerar, subscrever e resgatar acções, obrigações ou qualquer outra espécie de títulos mobiliários ou unidades de participação em fundos de investimento de qualquer natureza, receber os respectivos dividendos, juros ou outros rendimentos;
Celebrar, alterar e fazer cessar, por qualquer forma, contratos de seguro, de quaisquer ramos, Vida ou não Vida, incluindo aplicações financeiras, com ou sem a intervenção de mediador, nos termos e condições que tiver por convenientes, pagar os respectivos prémios, participar sinistros e receber quaisquer quantias que, nos termos dos mesmos contratos ou em consequência da sua cessação, sejam, a qualquer título, devidas a ela outorgante, incluindo as referentes a indemnizações, estornos, ou resgates, bem como realizar junto das respectivas seguradoras ou outras entidades todas e quaisquer diligências que se mostrem necessárias aos indicados fins;
Pagar e receber, passando recibo e dando quitação, rendas, preços ou quaisquer outras quantias, valores ou rendimentos, certos ou eventuais, vencidos ou vincendos, seja qual for a sua proveniência;
Praticar quaisquer actos, prestar declarações ou apresentar reclamações, manifestos ou requerimentos, requerer alvarás ou licenças junto de quaisquer repartições e serviços públicos ou administrativos, designadamente Câmaras Municipais, Serviços Municipalizados ou outros, realizando e promovendo todas as diligências que se mostrem necessárias à sequência dos respectivos processos, nomeadamente requerer todo e qualquer documento necessário para a recuperação de qualquer imóvel, sito em Portugal, quer no estrangeiro;
Junto de Conservatórias do Registo Predial ou Automóvel, requerer quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos, requerer certidões ou prestar declarações complementares, requerer rectificações, apresentar reclamações ou interpor recursos de quaisquer actos ou decisões;
Junto dos serviços da Administração Fiscal, incluindo os Serviços de Finanças, pagar quaisquer contribuições, impostos ou taxas reclamando dos excessivos ou indevidos, apresentar quaisquer declarações e manifestos de natureza fiscal, requerer alterações e cancelamentos, proceder à autoliquidação de quaisquer impostos, bem como requerer avaliações fiscais ou alterações matriciais, apresentar reclamações ou interpor recursos de quaisquer actos ou decisões, incluindo da aplicação de quaisquer sanções, receber títulos de anulação e quaisquer importâncias;
Assinar, alterar e rescindir, com as respectivas entidades, contratos referentes ao fornecimento de energia eléctrica, água, gás, telefone ou qualquer outro serviço, bem como pagar ou receber quaisquer quantias decorrentes da celebração e execução desses contratos;
Proceder à inscrição dela, outorgante, em instituições ou serviços de segurança ou de acção social de qualquer natureza, públicos ou privados, bem como à alteração das condições de inscrição e ao respectivo cancelamento, por qualquer motivo ou circunstância, solicitar informações e consultar dados de qualquer espécie, nos mesmos termos em que ela, outorgante, o poderia fazer, pagar contribuições e quotizações às mesmas entidades e receber subsídios, comparticipações, reembolsos, pensões ou prestações de qualquer natureza, realizando todas as diligências que se mostrem necessárias aos indicados fins;
Representar a outorgante junto de qualquer tribunal, intentando e fazendo seguir quaisquer acções judiciais, recursos em tribunais administrativos e fiscais ou quaisquer outros, bem como deduzindo contestação, reconvenção, oposição, embargos ou qualquer outra forma de intervenção processual, recebendo notificações apresentando requerimentos ou quaisquer outras peças processuais, intervindo em tentativas de conciliação, audiências preliminares ou quaisquer outras diligências, reclamando e recorrendo de quaisquer actos, ou respondendo a recursos e reclamações, podendo confessar, transigir ou desistir, tanto da instância como do pedido;
Representá-la perante todo e qualquer organismo ou repartição do estado, ou instituto público, bem como representá-la em qualquer organismo privado, incluindo Hospitais, e aí podendo requerer, solicitar, alegar ou agir conforme entender por mais conveniente para os interesses da outorgante, quer em Portugal, quer no estrangeiro.
Que expressamente autoriza o procurador a praticar negócio consigo mesmo no uso da procuração.
Assim o disse e outorgou.
Esta procuração foi lida à outorgante e à mesma explicado o seu conteúdo, que não assina por não o poder fazer.
A Notária
(…)”.
I – AAA intentou acção especial de interdição de sua mãe, BB, que correu termos sob o nº 496/11…., no Juízo Central …. – J…., Comarca …….
J – No âmbito dos autos a que alude a alínea I) no dia 14 de Janeiro de 2019 foi proferida decisão onde consta:
“(…)
3.
Fundamentação
Foram provados os seguintes factos com interesse para decisão:
a)
A Requerida sofreu da doença de Alzheimer.
b)
Esta doença, juntamente com outras do foro neurológico, foi provocando gradualmente perda de memória, apatia e indiferença para o mundo que a rodeia.
c)
Tendo a requerida perdido a noção do tempo e do espaço.
d)
Deixando de conseguir assinar o seu nome.
e)
E de cuidar da sua higiene pessoal.
f)
E de conhecer o valor do dinheiro.
g)
O que aconteceu de forma definitiva, incapacitante, permanente e irreversível no 1º trimestre de 2012, podendo ter ocorrido entre 05.02.2011 e Abril de 2012.
(…)
4.
Decisão
Destarte, o tribunal decide declarar a interdição da requerida BB e situar a data desta incapacidade no 1º trimestre de 2012.
(…)”., tudo conforme certidão junta a folhas 188 e 203 verso a 205 dos autos, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
L – Da decisão a que alude a alínea J) foi interposto recurso pelo aqui Autor, tendo o Tribunal da Relação …, por Acórdão datado de 26 de Setembro de 2019, julgado improcedente a apelação e confirmado a decisão recorrida, tudo conforme certidão junta a folhas 188 a 203, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
M – Do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….. a que alude a alínea L) consta:
“(…)
I – Relatório
Apelante/Autor: AA (…)
(…)
III.3.4. Pela leitura do processo, como decorre do relatório supra, resulta, linearmente, que o Tribunal se pronunciou sobre as questões trazidas no requerimento inicial seja a se existia e desde quando existia a incapacidade da interditada, desde logo e ainda em vida da mesma pela interdição provisória e por último com a declaração definitiva da interdição por incapacidade por demência fixando a data dessa incapacidade (art.ºs 904, 901), sendo que na decisão 2016 que decretou a interdição provisória da interdicenda entretanto falecida, nomeou-se o Director do Lar (que foi ajuramentado conforme resulta dos autos, muito embora exista um requerimento nos autos que será da sua autoria a recusar-se ao cargo que não foi objecto de decisão mas que não cabe aqui aferir), que acolhe a requerida actualmente como tutor e para compor o Conselho de Familia CC e AAA (que não foi objecto de recurso tanto quanto se sabe).
III.3.5. Sustenta o Autor que requereu a interdição de sua mãe sendo que no mês de Fevereiro de 2011 ou seja em 1/2/2011 fosse declarado que já não tinha condições de interpretar um documento com uma procuração com poderes especiais irrevogável e com poderes para depois da morte.
(…)
III.4.7. Resulta dos autos abundantemente que a falecida interditada padecia de doença de Alzheimer desde há vários anos, o que se questiona é a partir de que data as consequências referidas em b), c), d), e), f) se instalaram de modo incapacitante, na interditada, em consequência da doença e de forma definitiva, permanente e irreversível; o tribunal, lê-se da motivação, fundamentou a sua convicção, fundamentadamente, no relatório de fls. 646 que no essencial confirma o anterior que “…não aprece existir dúvidas de que a requerida apenas ficou numa situação que justifica a sua interdição no 1.º trimestre de 2012, uma vez que não se consegue apurar uma data mais precisa, sendo que se admite que possa ter ocorrido entre 5 de Fevereiro de 2011 e Abril de 2012, presumindo-se que manteve até aquele momento, apesar da doença de que já padecia a sua capacidade de gerir a sua pessoa e bens até essa data…”; discorda o Autor, e sua tese traz os referidos depoimentos do médico que observou a interditada em 2010 e os outros elementos documentais. Dos depoimentos do referido psicólogo clinico que acompanhou a interditada até Dezembro de 2010 não é possível concluir-se que a interditada, quando foi observada em 2010 pelo mesmo clinico, padecia de forma permanente e irreversível da incapacidade traduzida nas alíneas a) a f) dos factos provados, não obstante ser medicamente reconhecida a irreversibilidade da doença. Como é que surge a data de Abril de 2012 como sendo da permanência e definitividade da incapacidade da interditada? Há um relatório médico datado de 6/6/2014, que o interveniente juntou aos 18/3/2016, aquando do interrogatório da falecida interditada, subscrito por LL, assistente graduada de medicina geral e familiar que o Autor, não obstante notificado para tanto não impugnou, do qual resulta que segue a doente em consulta desde 2008 sempre acompanhada do filho CC do qual resulta, entre o mais que a interditada apresentava “…um quadro clinico com perda de memória recente, com alterações de linguagem, com diminuição verbal, dificuldade em reconhecer o filho CC (poropagnosia) e perda de capacidade de funções executivas … sintomas de depressão, comportamento psicótico com alucinações visuais, períodos de grande apatia, com outros de desinibição com episódios de agressão verbal e incontinência urinária. Embora a patologia neurológica e degenerativa progressiva tivesse inicio em 2005, o seu agravamento co uma deterioriação definitiva e incapacitante, permanente e irreversível ocorreu a partir de Abril de 2012…”; os relatórios, o preliminar, adenda a esse e o último, definitivo, de 23/6/2017 de fls. 645 e ss. este, de natureza confessadamente documental tendo em atenção documentos médicos entretanto juntos, considerando os anteriores, os senhores peritos referem que não tendo havido nunca dúvidas sobre a incapacidade actual, já a havia em relação à data de inicio da incapacidade e, respondendo aos quesitos formulados dizem entre o mais que “… de acordo com elementos clínicos disponíveis não é possível afirmar que no mês de Fevereiro interditada estaria incapaz de decidir sobre a disposição do seu património, ou de assinar procurações naquela data. De acordo com o exame pericial a incapacidade terá surgido entre 5 de Fevereiro de 2011 e Abril de 20132 … o diagnóstico (da doença de Alzheimer não é suficiente para, por si só, poder afirmar que estaria impedida de tomar decisões sobre a alienação do património … existem vários estádios, fases ou graus desta doença . a incapacidade de tomar decisões ê medida em função do nível cognitivo e repercussão funcional do mesmo e não do diagnóstico etiológico ... do padrão bioquímico ou mesmo da estrutura imagiológica. A possível capacidade funcional e poder/competência de decisão de alguns doentes com Doença de Alzheimer é aliás posição insuspeita da Alzheimer Association dos EUA importando, em termos médico-legais o respeito pela autonomia da pessoa … valorando … as declarações/informações datadas de 31/1/201 e 04/02/2011, não podemos deixar de concluir a sua não incapacidade total naquelas datas … de acordo com os documentos fornecidos-sendo certo que sempre seria preferível observar registos directos e não relatórios/declarações/informações posteriores - ainda não estaria incapacitadas nas datas de 31/1/2011 e 04/02/2011 (cfr informação de dois diferentes especialistas em neurologia) e já estaria com “deterioração definitiva incapacitante, perante e irreversível”, após Abril de 2012 (relatório da médica de família) … o relatório de 29/1/2004 conclui pela simples presença de “Defeito Cognitivo Ligeiro” (fls. 579 e o de 07/04/2005 sustenta que ainda que existindo uma doença de Alzheimer provável, o estádio seria ligeiro “A doente mantém ainda o desempenho de muitas actividades de vida diária (fls 572) … “ …cientificamente e como enfatizado pela senhora perita, não existe uma única segura ou certa evolução do chamado défice cognitivo ligeiro, porquanto é sabido que, se por um lado nem todos os que sofrem deste quadro desenvolverão síndromes demenciais, por outro a taxa de progressão para a Doença de Alzheimer, existe rondará os 6.5% ao ano podendo ser superior. Também e ainda que admitindo, como se admite, que se trata de uma Perturbação Neurocognitiva por Demência de Alzheimer, existe toda uma evolução entre a manutenção de alguma e até relativa capacidade funcional e uma total incapacidade, como aquela em que estaria quando foi pericialmente observada em 2013. Uma vez declarada a Doença d’Alzheimer a literatura aponta para uma esperança de vida entre 3 a 12 anos, com uma média que pelo menos classicamente era tida como mais elevada para mulheres do que para homens. De entre as evoluções hipotizadas pela senhora Perita Dr.ª MM, considera-se em particular a evolução que ela apelidou de A ou seja aquela que fixa médico-legalmente o inicio da incapacidade entre 5/2/2011 e Abril de 2012.”
III.4.8. Os elementos documentais que os senhores peritos levaram em consideração constam do ponto 2 do relatório, págs. 2 e ss:
Petição inicial da acção;
Certidão negativa da citação datada de 18/9/2012;
Consulta de Oftalmologia pelo Dr. NN, datada de 21/10/2010 que refere a doença e a dificuldade em interpretar o que vê;
Declaração Médica do Neurologias Dr. OO datada de 31/1/2011 que atesta entre o mais que à data da consulta “… as patologias referidas não afectam as suas capacidades de compreensão, nem da realidade e situações do quotidiano, tendo poder de decisão de forma consciente …”.
Informação de Neurologia da Dr.ª PP datada de 4/2/2011 que a fls. 465 refere “… embora mantenha as faculdades mentais, sofre de um estado depressivo que a torna dependente em determinados assuntos, embora tenha poder de decisão …”.
Relatório do Dr QQ médico de Medicina Interna datado de 30/6/2011 que a fls. 463 entre o mais refere “… apresenta alterações de memória particularmente recente, mas respondeu adequadamente ao questionário clinico simples …”; relatório do mesmo médico de 18/11/2011 que a fls. 464 entre o mais refere que “… existe um agravamento da memória…”
Informação Neurológica da Dr.ª PP datada de 21/12/2011 que a fls. 465 entre o mais refere “… tratamento na consulta de psiquiatria e neurologia crónica e relativamente estabilizada pela medicação …”
Relatório da alta do internamento para estabilização e esclarecimento do quadro clínico neuropsiquiátrico datado de 7/11/2013 que a fls. 534v.º entre o mais refere “… internado a 4/11/2013 com alta a 7/11/2013 … à entrada a doentes estava com mioclonias mantidas ao longo das horas de avaliação … discurso desorganizado e quadro alucinatório visual (doente com amaraurose à data e diminuição da acuidade visual à esquerda …”.
Relatório médico de Medicina Geral e Familiar datado de 6/6/2014 da Dr.ª LL que a fls. 544-545 entre o mais refere ... embora a patologia neurológica degenerativa progressiva tivesse tido inicio em 2005, o seu agravamento com uma deterioração definitiva incapacitante permanente e irreversível ocorreu a partir de Abril de 2012…”.
Relatório Pericial Psiquiátrico preliminar de 4/11/2013 que, entre o mais a fls. 286 -290, entre o mais refere “… estamos em crer que a deterioração definitiva incapacitante, permanente e irreversível terá ocorrido a partir de 2010-2011 … “
Relatório Pericial Psiquiátrico (adenda) de 29/3/2016 que a fls. 5556-557 dos autos, entre os mais refere: “….. De facto é muito pouco provável que uma situação de natureza lentamente progressiva pudesse ter um agravamento súbito e tão marcado no espaço de um ano, isto é em 2011 há vários relatórios que atestam a capacidade de decisão mas em Abril de 2012 é considerada permanentemente incapacitada se consideramos a evolução .A 8cfr anexo fls. 558) podemos afirmar que a data do início da incapacidade absoluta permanente e irreversível terá sido no 1.º trimestre de 2012, se considerarmos a evolução B anexo de fls. 559 seria possível que a examinanda não estivesse em 2013 e em 2016 numa fase de demência grave e determinante da incapacidade absoluta permanente e irreversível.
Relatório de Avaliação Neuropsicológica de 29/1/2004 da Clínica da Memória onde entre o mais e a fls. 570 dos autos consta: “ … as alterações referidas são no momento compatíveis com o diagnóstico de Defeito Cognitivo Ligeiro”
Relatório de Avaliação Neuropsicológica de 7/4/2005 da Clínica da Memória, onde entre o mais e a fls 572 dos autos consta: “ … Existe um agravamento em algumas funções nervosas superiores … quadro compatível com diagnóstico de demência com gravidade ligeira … a doente mantém, ainda o desempenho e muitas actividades da vida diária …poderá colocar-se a hipótese Doença de Alzheimer provável embora este diagnóstico necessite de confirmação clinica pelo médico assistente …”
Relatório de Avaliação Neuropsicológica de 16/4/2007 da Clínica da Memória, onde, entre o mais e a fls. 573v-574 se refere “… em comparação com a observação anterior a doente apresenta ligeiro declínio da concentração da atenção mais lentificada e co alguma dispersão, embora com memória imediata repetição e dígitos revele ligeira melhoria …marcada sintomatologia do tipo depressivo muito superior à revelada na observação anterior.”
Informação Clínica traduzida e Certificada emitida pela Universitätsklinikum datada de 10/1/2007, onde, entre o mais, consta: “ … Resultados neuropsicológicos 97.11.2006 em comparação com os resultados obtidos em 2001, memória e evocação na tradução não médica memorização e lembrança imediata e de longo prazo parecem ter piorado e há evidências de um progressivo problema no que toca à capacidade do orientação e de compreensão na tradução não médica percepção de instruções mais complexas. No geral a severidade dos défices cognitivos na tradução não médica referida como das debilidades cognitivas é classificada entre média a moderada … as avaliações são coincidentes com a demência do tipo Alzheimer. Estre diagnóstico é reforçado pelo perfil neuroquímico de demência com o degrada do ratio AB e AB42 e com o respectivo total pau proteico e phospho tau-proteico elevados’’
III.4.9. Ao invés do sustentado pelo Autor, o exame pericial ponderou toda a informação e avaliação médica e clínica dos autos constante e concluiu por um intervalo de tempo que já se mencionou e não ousou mais porque mais não era possível; trata-se de um juízo técnico, fundamentado que não merce censura a este Tribunal superior, por isso se mantém a decisão de facto.
III.4. 10. Verdade que a decisão recorrida, não obstante aquele intervalo de tempo cujo termo a quo se situa no dia 5/2/2011 veio a situar a data da incapacidade no 1º trimestre de 2012 ou seja entre os meses de Janeiro e Março de 2012, quando a própria matéria de facto refere que ela pode ter ocorrido entre 5/2/2011 e Abril de 2012. A referência a Abril de 2012 surge no mencionado relatório médico de Medicina Geral e Familiar datado de 6/6/2014 da Dr.ª LL que situa o início da incapacidade definitiva e permanente a partir de Abril de 2012 e não no primeiro trimestre de 2012 que vai de Janeiro a Março de 2012. Mas trata-se apenas de um dos elementos e prova, isto é de uma afirmação proferida pela médica de família que acompanhava a doente, sem que se evidencie a fonte dessa conclusão. Sabe-se e o próprio relatório pericial disso nos dá conta que a examinada apresentava (aquando do exame) um quadro de Demência de etiologia provavelmente degenerativa do tipo Alzheimer (CID-10:1000, OMS, 1992), quadro este que é arrastado crónico, lentamente progressivo, doença que tem habitualmente 3 estádios: uma primeiro fase pré clínica sem sintomas e sem incapacitação, suspeitada por alterações neuropatológicas detectadas por exames, nomeadamente os chamados bio marcadores que podem mesmo começar a objectivar-se 10 a 20 anos antes de qualquer manifestação clínica ou de declaração da doença, o que é compatível com o que no caso concreto se evidenciou na Alemanha e com os estudos laboratoriais, o segundo estádio de défice cognitivo ligeiro, já com sintomas manifestados pelo próprio e pelos cuidadores sendo até quantificáveis por instrumentos neuropsicológicos vulgo testes mas que não são incapacitantes no dia-a-dia permitindo a realização das actividades da vida diária, o que no caso concreto, também pode ter acontecido sendo quantificadas alterações compatíveis com esse défice em 2004, sendo que em 2005 é já admitida a hipótese do diagnóstico da doença e o 3.º estádio o da fase da demência propriamente dita em que as actividades da vida diária estão decisivamente comprometidas, sendo a taxa de conversão do défice cognitivo ligeiro tipo amnésico para a demência pela doença em cerca de 6,5% ao anos ou ligeiramente superior, não sendo seguro concluir-se pela incapacidade, pelo menos inicialmente, como referido pela Associação de Alzheimer norte americana que aconselha mesmo a que aquando do diagnóstico médico já com Alzheimer declarado sejam feitas disposições testamentárias e de vontade para no futuro serem respeitadas, ou seja o diagnóstico clínico de Alzheimer não pode ser visto nas fases iniciais como sinónimo de incompetência ou de incapacidade para o exercício de direitos cíveis. O relatório pericial inicial situava a incapacidade permanente e irreversível a partir de 2010/2011 (cfr fls. 289) e explicitava a razão e o relatório final situa o início da incapacidade entre 5 de Fevereiro de 2011 e Abril de 2012 como sendo a evolução mais consentânea, mas na adenda de 20/3/2016 a senhora perita MM explicitava a fls. 5/6 do seu relatório (págs. 566/567) que “ … se não consideramos os relatórios de 2011, podemos afirmar que a situação totalmente incapacitante perante e irreversível teria ocorrido entre o primeiro trimestre de 2011 e o 1.º trimestre de 2012 … motivo pelo qual se fixaria a data do inicio da mesma com algum grau de certeza no 1.º trimestre de 2012 …”. Donde o critério de decisão da sentença recorrida tem o seu sustentáculo científico que o último relatório efectivamente não arreda, nenhum erro ocorrendo, pois que o Tribunal se limitou, sem que nenhum erro ou obstáculo constitucional ocorra a apreciar livremente as provas como o consente o disposto no art.º 607/5.
IV - DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
(…)”, tudo conforme certidão junta a folhas 188 a 203, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
N – Do documento junto a folhas 21 a 22 verso dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:
“Doação
Entre,
CC (…), doravante designado como primeiro outorgante;
E,
EE, (…) e FF (…), doravante designados como segundos outorgantes;
É celebrado o presente título de doação, nos termos e moldes infra exarados:
O primeiro outorgante doa, por conta da quota disponível dos seus bens, e, portanto, com dispensa de colação, aos segundos outorgantes, seus únicos filhos, em comum e partes iguais, os seguintes bens imóveis:
(…)
Os segundos outorgantes declaram, por força do presente título, aceitar a presente doação nos termos exarados.
(…)
…, aos 20 de Outubro de 2016
(…)”.
O – Do documento junto a folhas 23 a 25 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:
“Procº. 5539/….
Título de Compra e Venda
A1. Data do ato – dois de fevereiro de dois mil e dezasseis
A2. Local – Conservatória do Registo Predial ……
A3. Oficial público, RR, na qualidade de Adjunta de Conservador, em substituição legal.
B. Identificação dos Intervenientes
B1. Primeiro – Parte Vendedora
CC, NIF …., titular do bilhete de identidade número
(…).
B2. Segundo – Parte Compradora
GG, (…) casada sob o regime da comunhão geral com SS (…).
B3. Terceiro – Outros Intervenientes
-- autorizante – DD (…).
C. Verificação da Identidade dos Intervenientes
A identidade dos intervenientes foi verificada por exibição dos respectivos documentos de identificação.
D. Identificação dos Prédios
D1. Elementos Descritivos dos Prédios
1º Prédio:
Natureza: urbano, composto de casa de rés-do-chão e 1º andar.
Destino: habitação.
Situação: Terreiro…, União das freguesias …., concelho …...
Inscrição matricial: artigo urbano …;
Valor patrimonial tributável: 25.740,00 euros.
Valor declarado: 25.900,00 euros.
D2. Situação Registral
Prédio descrito sob o número …, da freguesia …., da Conservatória do Registo Predial ..…, sobre o qual incide:
Registo de aquisição a favor do vendedor pela apresentação número …, de dezasseis de julho de dois mil e quinze.
2º Prédio:
Natureza: urbano, fração autónoma designada pela letra “B”, primeiro andar, com arrumos e pátio.
Destino: habitação.
Situação: Rua …, união das freguesias ……, concelho…...
Inscrição matricial: artigo urbano ….;
Valor patrimonial tributável: 19.450,00 euros.
Valor declarado: 19.600,00 euros.
Outros:
Estava anteriormente inscrito sob o artigo ….. da freguesia….. (extinta).
Prédio descrito sob o número …., da freguesia…., da Conservatória do Registo Predial….., sobre o qual incide:
Registo de aquisição a favor do vendedor pela apresentação número …, de seis de dezembro de dois mil e quinze.
Este prédio encontrava-se duplicado com a descrição número …, aberta em dezanove de novembro de dois mil e quinze, na Conservatória….., e que por inexistência física de verbetes reais nesta Conservatória não se logrou alcançar com certeza e rigor efectivos sobre a sua registabilidade.
De facto, a descrição número …. e …., fração B, que agora se pretende transmitir, foi extratada para o sistema informático SIRP, e provém da descrição em livro número …., a folhas cinquenta e três, a folhas cinquenta e duas, aberta nesta Conservatória antes do ano de mil novecentos e oito, e donde constam todas as inscrições que incidem agora sobre a citada descrição número …. ….
Esta duplicação foi descoberta aquando da preparação do presente título, e como tal foi instaurado por esta Conservatória o respectivo processo, pela apresentação número …., do dia um do corrente mês, no qual resultou a inutilização da descrição …..
E. Compra e Venda
E.1. O primeiro vende ao segundo, os imóveis atrás identificados, pelo preço global e quarenta e cinco mil e quinhentos euros, que já recebeu, atribuindo a cada um respectivamente o valor referido de vinte e cinco mil e novecentos euros e dezanove mil e seiscentos euros.
A parte vendedora declara que os imóveis são vendidos livres de ónus ou encargos.
E.2. Outras Cláusulas
a) as partes declaram que não houve intervenção de mediador imobiliário no negócio;
b) a interveniente mencionada em terceiro, presta o consentimento à venda, que tem por objeto um bem próprio do seu cônjuge;
E.3. Aceitação
A partes declaram aceitar o negócio, nos termos exarados.
(…).”
P – Do documento junto a folhas 43 verso a 45 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta:
“Doação
Entre,
EE, (…) e FF (…) ambos residentes na Rua da ….., em ….., doravante designados como primeiros outorgantes e/ou doadores
E
DD, (…), doravante designada por segunda outorgante e/ou donatária;
É celebrado o presente título de doação, nos termos e moldes infra exarados:
Os primeiros outorgantes doam, por conta da quota disponível de seus bens, e, portanto, com dispensa de colação, à segunda outorgante, mãe de ambos, o usufruto dos seguintes bens imóveis:
(…)
A segunda outorgante declara, por força do presente título, aceitar a presente doação nos termos exarados.
Sobre os imóveis sub judice não incidem, á presente data, quaisquer ónus ou
encargos.
(…)
……, aos 07 de Dezembro de 2016
(…)”.
B) De Direito
(In)admissibilidade do recurso
1. O recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível quando se verifiquem, cumulativamente, os requisitos previstos no art. 678.º, n.º 1, do CPC.
2. Segundo o art. 678.º, n.º 1, al. a), o valor da causa deve ser superior à alçada da Relação. Encontra-se, pois, observado este requisito, porquanto o valor da presente ação foi fixado em valor superior a 30.000,01 € (429.936,87 €).
3. De acordo com o art. 678.º, n.º 1, al. b), o valor da sucumbência deve ser superior a metade da alçada da Relação. Também este pressuposto se encontra preenchido, porquanto a pretensão do Autor soçobrou na totalidade e, por isso, o valor da sucumbência excede metade da alçada da Relação.
4. Nos termos do art. 678.º, n.º 1, al. c), é necessário que as partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito. Este requisito é também respeitado, na medida em que as única questão em apreço são de direito:
- se, nos termos do art. 2034.º, al. a), do CC, a declaração judicial de indignidade decorrente da condenação por homicídio doloso do autor da sucessão acarreta a perda de capacidade sucessória do indigno apenas perante o autor da sucessão ou também perante o seu cônjuge;
- se o indigno tem legitimidade para pedir a declaração de nulidade e/ou de ineficácia da escritura de partilhas, celebrada por seu irmão, em vida de sua Mãe, em seu nome e em representação de sua Mãe, usando a procuração que para o efeito lhe foi por esta outorgada.
5. Por último, o art. 678.º, n.º 1, al. d), pressupõe que as partes não impugnem, no recurso da decisão prevista no art. 644.º, n.º 1, quaisquer decisões interlocutórias. Também este requisito se verifica.
6. Deste modo, considera-se admissível o presente recurso per saltum.
Questão de saber se, nos termos do art. 2034.º, al. a), do CC, a declaração judicial de indignidade decorrente da condenação por homicídio doloso do autor da sucessão acarreta a perda de capacidade sucessória do indigno apenas perante o autor da sucessão ou também perante o seu cônjuge
1. A 26 de outubro de 2010, faleceu HH, Pai do Autor/Recorrente.
2. Sobreviveram-lhe o seu cônjuge, BB, consigo casada sob o regime de comunhão geral de bens, e os dois filhos comuns do casal, AAA e CC.
3. Por sentença de 27 de outubro de 2014, foi declarada a incapacidade sucessória passiva de AAA. O recurso dela interposto para o Tribunal da Relação …. foi julgado improcedente, por acórdão de 20 de Abril de 2015 e transitado em julgado em 7 de maio do mesmo ano.
4. A declaração judicial de indignidade fundou-se na condenação de AAA como autor do crime de homicídio doloso contra o autor da sucessão - HH, Pai do Autor/Recorrente.
5. A 2 de julho de 2015, a herança deixada por morte de HH, Pai do Autor/Recorrente, foi partilhada entre BB, Mãe do Autor/Recorrente, e CC, irmão do Autor/Recorrente, tendo este participado neste ato em nome próprio e enquanto procurador da Mãe.
6. A 6 de agosto falece, intestada, BB.
7. Em 2020, nos presentes autos, foi julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa de AAA.
8. O art. 2034.º do CC indica os atos ilícitos que geram a indignidade para suceder a determinada pessoa.
9. A indignidade, consubstancia-se no repúdio da lei pelos atos dotados de particular gravidade cometidos por alguém contra o autor da herança, o seu cônjuge ou familiares mais próximos. É uma forma de incapacidade sucessória passiva (i.e., ilegitimidade sucessória passiva), revestida de natureza sancionatória.
10. A indignidade pode ser aplicada, na falta de deserdação, na esfera de ação das causas comuns à deserdação, uma vez que cabem no âmbito de aplicação do art. 2034.º todas as atuações graves dos sucessíveis, principalmente legitimários. No domínio das causas comuns, a ausência de deserdação não pode significar uma reabilitação tácita, reabilitação só alcançável nos termos do art. 2038.º do CC.
11. Efetivamente, o herdeiro legitimário tem uma expectativa jurídico-sucessória particularmente protegida, considerada como um verdadeiro direito a vir a ser herdeiro. E só tem o direito a vir a ser herdeiro porque a lei pressupõe uma ligação pessoal particularmente forte entre o autor da sucessão e o herdeiro legitimário, que justifica que seja este a ocupar a posição jurídico-patrimonial que era ocupada pelo de cujus. O herdeiro legitimário é, entre nós, o herdeiro por excelência. Por conseguinte, se a lei lhe confere mais proteção do que a outros, compreende-se que também se lhe exija mais.
12. A lei é mais rigorosa na deserdação do que na indignidade. O instituto da indignidade aplica-se a todas as formas de sucessão, em concomitância com a deserdação. É uma causa geral de incapacidade sucessória: o art. 2034.º encontra-se sistematicamente inserido num capítulo comum às várias modalidades de sucessão.
13. Resultado da indignidade é que o efeito designativo se mantém, surgindo apenas um facto que tem por consequência impedir a vocação ou resolver a vocação entretanto já efetuada. Os efeitos da indignidade apenas se sentem após a abertura da sucessão.
14. O art. 2037.º, n.º 1, do CC estabelece os efeitos da indignidade, “(…) a devolução ao indigno é havida como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má fé dos respectivos bens” (arts. 1271.º, 1273.º, n.º 1 e 1275.º, n.º 2, do CC).
15. Uma vez que a incapacidade sucessória por motivo de indignidade implica que a devolução seja considerada como inexistente, os seus efeitos retrotraem ao momento da vocação ou chamamento (sem que se pretenda optar por alguma das posições na querela sobre a distinção entre vocação e devolução). De acordo com o art. 2032.º, n.º 1, do CC, a capacidade sucessória é requisito da vocação.
16. Deste modo, o principal efeito da incapacidade sucessória por motivo de indignidade consiste em eliminar a eventual vocação sucessória do indigno, que resulta dos arts. 67.º e 2032.º, n.º 1, in fine, do CC. Parece que o legislador terá pretendido estabelecer, no art. 2037.º, n.º 1, do CC, a eficácia retroativa da declaração de indignidade, tornando claro que o herdeiro que será chamado no lugar do indigno deverá sê-lo a partir do momento da abertura da sucessão, recebendo esse direito no estado em que se encontrava, nesse momento, na “esfera jurídica” do autor da sucessão.
17. De resto, sendo certo que o art. 2034.º não estabelece uma tipologia meramente exemplificativa, admite-se a analogia, se essa tipologia for considerada como delimitativa (i.e., apenas se permitindo a construção de novas figuras no caso de estas serem análogas a algum dos tipos normativamente previstos). A segurança jurídica não implica o afastamento da exigência fundamental do tratamento igual de casos semelhantes, que está na base da analogia, desde que esta só possa funcionar a partir dos modelos dados pela lei – desde que se lance mão apenas da analogia legis[1].
18. De acordo com o art. 2038.º, n.º 1, do CC, pode dar-se a reabilitação do indigno, nas situações em que as causas de indignidade são anteriores à abertura da sucessão, por declaração expressa do autor da sucessão, exarada em testamento ou escritura pública. Coloca-se assim no livre arbítrio do autor da sucessão a possibilidade de afastar as consequências dos atos praticados contra a sua pessoa ou pessoas próximas. O n.º 2 do mesmo preceito regula, por seu turno, as situações em que, não existindo embora declaração expressa de reabilitação, o de cujus quis contemplar o indigno em testamento. Se for expressa, a reabilitação vale para todas as modalidades de sucessão, voluntária e legal e, se for tácita, vale para a sucessão testamentária e dentro dos limites da disposição. Parece, pois, que, nos termos do art. 2038.º, n.º 2, o indigno pode suceder somente nos limites da “disposição testamentária”, mas não sucede “a título de sucessão legal ou contratual”.
19. A reabilitação traduz-se, assim, num perdão do autor da sucessão, que permite ao indigno readquirir a sua capacidade sucessória passiva.
20. O autor da sucessão pode reabilitar o indigno mesmo depois de a indignidade ter sido judicialmente declarada.
21. O indigno readquire, em ambas as hipóteses previstas no art. 2038.º do CC, a capacidade sucessória relativamente ao autor da sucessão. Existe, pois, a possibilidade de reabilitação nas situações de indignidade, independentemente de esta ter sido judicialmente declarada. Tanto a reabilitação expressa como a tácita pressupõem o conhecimento prévio, por parte do autor da sucessão, da indignidade, independentemente da existência de sentença condenatória, se for o caso.
22. Em suma, mediante o instituto da indignidade, a lei sanciona alguns atos de especial gravidade praticados pelo herdeiro contra o autor da sucessão, o seu cônjuge ou os seus familiares mais próximos. Está em causa uma sanção civil, dotada de finalidade punitiva, aplicável independentemente da vontade da vítima, atendendo à reprovabilidade objetiva dos atos praticados. A lei não tolera a transmissão a favor do sucessor nas situações em que o autor da sucessão, ou o seu cônjuge, tenha sido vítima de um atentado à vida cometido pelo sucessível – como sucedeu no caso dos autos.
23. Estão em causa crimes ou ilícitos especialmente graves, objeto de especial censurabilidade social. Reconhecer, nestes casos, aos autores dos crimes, o direito a suceder constituiria uma violação das conceções ético-jurídicas dominantes na comunidade social. Na verdade, não se trata de uma presunção daquela que seria a vontade do de cujus - de excluir um determinado sucessível em virtude de uma conduta sua particularmente censurável -, cuidando-se antes da repugnância que a sucessão do sujeito que pratica tais atos gera na consciência jurídico-social. Trata-se de uma consequência do facto de ter deixado de ser digno de ocupar a posição de herdeiro.
24. A incapacidade sucessória fundada em homicídio doloso - a forma mais ignominiosa de atentado contra a vida - do autor da sucessão ou do seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado, não constitui mero efeito da prática do crime, sendo antes consequência autónoma, no plano civil, da condenação. Atendendo à gravidade dos seus efeitos, a lei exigiu a certeza da prática de tal crime, traduzida no requisito da existência de condenação, transitada em julgado.
25. Não está em causa, no caso em apreço, a querela doutrinal e jurisprudencial sobre a automaticidade – ou não - da indignidade aquando da existência de sentença condenatória pela prática de homicídio doloso contra determinado sucessível. Enquanto alguns autores entendem que o afastamento da sucessão baseado na indignidade, havendo sentença condenatória, dispensa qualquer ação no sentido da declaração de indignidade (nec capere, nec retinere potest), com ressalva dos casos em que o indigno tenha na sua posse bens da herança, outros sustentam que a produção dos efeitos decorrentes da indignidade fica dependente de uma ação com essa finalidade (potest capere, sed non potest retinere).
26. De qualquer modo, a declaração de indignidade em relação à sucessão do autor da sucessão opera ope legis, e não officio judici, em relação à sucessão do seu cônjuge e familiares mais próximos. Alastra-se à sucessão destes familiares. Não são necessárias várias declarações de indignidade, em ação penal ou cível: i.e., relativamente à sucessão da vítima e relativamente à sucessão de cada um dos familiares da vítima que se encontrem no âmbito de proteção do regime da indignidade. De acordo com o preceito do art. 2034.º, al. a), do CC, a declaração de indignidade relativamente à herança da vítima de crime ou ilícito nele previstos estende-se à herança do cônjuge, ascendente ou descendente, adotante ou adotado. É o que resulta da interpretação declarativa desse preceito: elege-se, pois, o sentido que o texto direta e claramente comporta e que corresponde ao pensamento legislativo. Por conseguinte, o Autor/Recorrente é indigno relativamente à sucessão de sua Mãe, assim como também o seria, na situação hipotética por si referida, relativamente à sucessão de seu filho, se o tivesse e este falecesse antes de si.
27. Tratando-se de indigno que deveria ser chamado a título de herdeiro legal, lança-se mão do direito de representação para saber quem será chamado em seu lugar (art. 2037.º, n.º 2, do CC). O recurso ao direito de representação como que se traduz na ficção da pré-morte do indigno. O direito de representação é uma das manifestações da vocação indireta, pressupondo-se que o chamado direto não pode assumir a sua posição e, por isso, no seu lugar é chamada outra pessoa. Note-se, porém, que a transmissão dos direitos e deveres, nestes casos, ocorre diretamente entre o de cujus e o chamado indireto. Enquanto a doutrina tradicional afirmava que no direito de representação se ficcionava que o representado sucedia efectivamente ao autor da sucessão, a doutrina moderna aceita-o como uma substituição de facto.
28. Por seu turno, a pessoa que for declarada indigna relativamente à herança deixada por morte do pai não tem capacidade para suceder, por direito de representação, à herança deixada pelos seus avós e bisavós, sendo estes ascendentes da vítima do crime de homicídio doloso – ou de outro crime ou ilícito previstos no art. 2034.º - praticado pelo beneficiário do direito de representação.
29. Não se desconhece, por outro lado, que o regime da indignidade foi objeto de modificações em 2014, introduzidas pela Lei n.º 32/2014, de 30 de dezembro. No entanto, essas alterações não afetaram as próprias causas da indignidade[2]. Foi aditado o art. 69.º-A (“A sentença que condenar por crime de homicídio praticado contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado, tal como previsto no artigo 2034º do Código Civil, pode, desde logo, declarar a indignidade sucessória do condenado, sem prejuízo do disposto no artigo 2036.º do Código Civil”) ao Código Penal, que confere ao juiz da ação penal, que condene o indigno pelos crimes praticados, a faculdade de também declarar a indignidade nos mesmos autos em que é julgado o crime de homicídio. O art. 2036.º, n.º 1, do CC, não sofreu qualquer alteração. Conforme o n.º 2, “caso o único herdeiro seja o sucessor afetado pela indignidade, incumbe ao Ministério Público intentar a ação prevista no número anterior”. Por seu turno, segundo o n.º 3, “caso a indignidade sucessória não tenha sido declarada na sentença penal, a condenação a que se refere a alínea a) do artigo 2034.º é obrigatoriamente comunicada ao Ministério Público para efeitos do disposto no número anterior”. Afigura-se igualmente discutível que estas alterações legislativas tenham posto termo à contenda respeitante ao funcionamento automático – ou não – da indignidade.
30. O 2.º Réu CC, que aceitou a sucessão, tornou-se um verdadeiro sucessor: os bens que detiver, detém-nos com título (o de herdeiro) e não sem título. O que adquiriu, adquiriu definitivamente: é irrelevante que tenha ou não em seu poder a totalidade dos bens da herança. O indigno não lhe pode exigir a entrega desses bens.
31. O Autor/Recorrente AAA é indigno, havendo a sua indignidade sido declarada a 27 de outubro de 2014 relativamente à sucessão de seu Pai - HH -, por decisão transitada em julgado. Na medida em que a declaração de indignidade relativamente à herança de seu Pai - HH – se expande, alastra, estende ou opera, ope legis, a sua indignidade relativamente à herança de sua Mãe - BB –, sem necessidade de declaração judicial específica de indignidade relativamente à última, o Autor/Recorrente é também parte ilegítima na presente ação.
32. De resto, a Mãe - BB – do Autor/Recorrente AAA, podendo tê-lo reabilitado, ao abrigo do art. 2038.º do CC, não o fez. Não o perdoou, portanto.
33. Naturalmente que a solução poderia ser diferente se os seus progenitores houvessem vivido em união de facto ou se o seu casamento tivesse sido dissolvido por divórcio antes do homicídio.
(In)constitucionalidades
1. Alega o Autor/Recorrente AAA que “esta interpretação da norma (do art. 2034.ª, al. a), do CC) é violadora dos direitos e garantias de defesa, ao não permitir defesa e contraditório quanto à declaração de indignidade, violando os princípios constitucionais ínsitos nos art.º 13, 20 ,32 da CRP”, e que “a inconstitucionalidade das normas constante das alíneas a) e c) do art.º 2036º do CC, com o sentido com que foi interpretada e aplicada pelo tribunal a quo, ao entender que a mera declaração de indignidade por parte do pai era extensível à mãe”.
2. Não se entende a razão de tal afirmação. Desde logo, o sentido atribuído, pelo Tribunal de 1.ª Instância - assim como pelo Supremo Tribunal de Justiça - à norma do art. 2034.º, al. a), do CC, de que a declaração judicial de indignidade do autor de homicídio doloso relativamente ao autor da sucessão acarreta automaticamente a sua indignidade relativamente à sucessão do cônjuge, descendente, ascendente, adotante ou adotado da vítima, não viola o princípio da igual dignidade social de todas as pessoas, independentemente da sua inserção económica, social, cultural e política (art. 13.º, n.º 1, 1.ª parte, da CRP), nem o princípio da igualdade na aplicação do direito (art. 13.º, n.º 1, 2.ª parte, da CRP). Não viola outrossim o princípio da igual posição em matéria de direitos e deveres. A interpretação feita do art. 2034.º do CC não lhe retira a característica da generalidade. Também não infringe a proibição do arbítrio, na medida em que se encontra devidamente fundamentada, de acordo com critérios de valor objetivos.
3. Note-se que se trata de uma norma que foi não objeto de qualquer alteração na reforma do CC de 1977, implicada pela CRP de 1976. O legislador, no exercício da sua liberdade de conformação legislativa, já em 1966 estabeleceu essa mesma solução.
4. Da interpretação em causa do art. 2034.º, al. a), do CC, não resultam para o Autor/Recorrente desvantagens ilegítimas.
5. Respeita-se a igualdade de acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da CRP) – a igualdade de oportunidades de recurso aos tribunais -, a igualdade dos cidadãos perante os tribunais – a igualdade de armas no processo e a igualdade na posição de sujeito processual - e a igualdade da aplicação do direito aos cidadãos através dos tribunais – vinculação jurídico-material do juiz ao princípio da igualdade[3]. O mesmo se diga a propósito do direito à informação e à consulta jurídica, ao patrocínio judiciário (art. 20.º, n.º 2, da CRP), a uma decisão em prazo razoável e a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP). O Autor/Recorrente não tem capacidade sucessória passiva relativamente à herança de sua Mãe por razões justificadas por lei.
6. O processo equitativo encontra-se ainda densificado no art. 32.º da CRP, preceito este respeitante ao processo penal. Na doutrina e na jurisprudência como direitos e princípios relacionados com o direito a uma processo equitativo referem-se e o
direito à igualdade de armas, o direito de defesa e ao contraditório, direito a prazos razoáveis de ação ou recurso, direito à fundamentação das decisões, direito à decisão em prazo razoável, direito ao conhecimento dos dados processuais, direito à prova, direito a um processo orientado para a justiça material.
7. Importam, nesta sede, sobretudo, a igualdade de armas e o princípio do contraditório. A igualdade de armas baseia-se na paridade de condições em que os sujeitos se devem encontrar quando recorrem à justiça, no equilíbrio dos meios processuais disponíveis e na existência de direitos processuais idênticos, sempre que a posição no processo seja equiparável.
8. O princípio do contraditório – enquanto garantia do processo equitativo -, também entendido como direito de defesa, consiste no direito das partes, em processo e antes de ser proferida uma decisão pelo juiz, de esgrimirem as suas razões e de se defenderem[4]. Não se compreende a invocação da inconstitucionalidade da interpretação feita dos arts. 2034.º, al. a), e 2036.º, als. a) e c), do CC, por violação dos “princípios constitucionais ínsitos nos art.º 13, 20 ,32 da CRP”. O sentido atribuído a essas normas não impede - nem tão pouco impediu in casu o Autor/Recorrente – o sucessível indigno de exercer os direitos de defesa e ao contraditório (amplo) (art. 20.º, n.os 1 e 4, da CRP). O princípio do contraditório, consagrado no art. 3.º, n.º 3, do CPC, encontra-se intimamente conexo com o princípio da igualdade, visando assegurar que a cada uma das partes seja dada a possibilidade quer de contestar e controlar a atividade da outra parte, quer de se pronunciar sobre a questão a decidir. O Autor/Recorrente participou ativamente na discussão dos possíveis fundamentos jurídicos da decisão. Exerceu, pois, o seu direito de influenciar o desenvolvimento do processo e a decisão final. Por último, ainda que se interpretasse a norma do art. 2034.º, al. a), do CC, no sentido de pressupor a necessidade de várias declarações de indignidade – tantas quantas os familiares do autor da sucessão incluídos no âmbito de proteção do regime da indignidade - , sempre seria declarada a indignidade relativamente à sucessão do cônjuge da vítima, independentemente da conduta processual que o autor de homicídio doloso contra o autor da sucessão pudesse assumir ao abrigo dos direitos de defesa e ao contraditório.
Em suma,
- nos termos do art. 2034.º, al. a), do CC, a declaração judicial de indignidade fundada na condenação por homicídio doloso do autor da sucessão acarreta a perda de capacidade sucessória passiva do indigno perante o cônjuge do autor da sucessão;
- o indigno não tem, por isso, legitimidade para pedir a declaração de nulidade e/ou de ineficácia da escritura de partilhas, celebrada por seu irmão, em vida de sua Mãe, em seu nome e em representação de sua Mãe, usando a procuração que para o efeito lhe foi por esta outorgada.
IV – Decisão
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto por AA, confirmando-se a sentença.
Custas pelo Autor/Recorrente.
Lisboa, 23 de fevereiro de 2021.
Sumário: 1. O recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça é admissível quando se verifiquem, cumulativamente, os requisitos previstos no art. 678.º, n.º 1, do CPC. 2. A indignidade é uma forma de incapacidade sucessória passiva (i.e., ilegitimidade sucessória passiva), revestida de natureza sancionatória. 3. Pode verificar-se a reabilitação do indigno. 4. Estão em causa crimes ou ilícitos especialmente graves, objeto de especial censurabilidade social. 5. A declaração de indignidade em relação à sucessão do autor da sucessão estende-se à sucessão do seu cônjuge e familiares mais próximos, não sendo necessárias várias declarações de indignidade: relativamente à sucessão da vítima e relativamente à sucessão de cada um dos familiares da vítima que se encontrem no âmbito de proteção do regime da indignidade. 6. O sentido atribuído à norma do art. 2034.º, al. a), do CC, de que a declaração judicial de indignidade do autor de homicídio doloso relativamente ao autor da sucessão se alastra à sucessão do cônjuge da vítima não viola os direitos de defesa e ao contraditório (arts. 13.º, 20.º e 32.ª da CRP) do indigno.
Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).
Maria João Vaz Tomé (relatora)
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[1] Cf. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, p.293.
[2] Todavia, de acordo com a Exposição de Motivos do Projecto de Lei nº 632/XII/3ª, p.1, o objectivo seria “melhorar as condições de efectividade da declaração de indignidade sucessória contra os condenados pelo crime de homicídio por violência doméstica”.
[3] Cf. J.J. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p.130.
[4] “Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz -se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de ‘deduzir as suas razões (de facto e de direito)’, de ‘oferecer as suas provas’, de ‘controlar as provas do adversário’ e de ‘discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras” – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 675/2018 (proc. n.º 726/18), de 18 de dezembro de 2018.
Está em causa a “garantia de participação efetiva das partes em todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” – cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra, Gestlegal, 2017, p. 127.