RESPONSABILIDADE PARENTAL
CONFERÊNCIA
LEIS EXCEPCIONAIS COVID-19
Sumário

I - As regras excepcionais sobre as condições de realização de diligências processuais que exijam a intervenção das partes, através de teleconferência, videochamada ou equivalente, constantes do art. 6º-A, nº 3 da Lei nº Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (na redacção Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio) prevalecem sobre outras, designadamente as constantes do RJPTC, conforme expressamente consta do respectivo art. 9º.
II - A falta de consubstanciação e demonstração quanto à impossibilidade de participação numa conferência de pais através de videoconferência multiponto, por um progenitor que a ela faltou, justifica a respectiva condenação em multa.

Texto Integral

PROC. Nº. 203/20.1 T80BR-B

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro

REL. N.º 598
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1. – RELATÓRIO
No âmbito de um processo de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, em que é requerente B… e requerido C…, pais de D…, foi determinada a realização de uma conferência de pais, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 42º n.º 6 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) .
Mais se determinou que a mesma se realizaria por videoconferência multiponto, nos termos do disposto no art.º 6º-A nº 3 al. a) da Lei n." 1-A/2020 de 16/03, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 16/2020, de 29/05, atentas as condições inadequadas para a realização da diligência noutros termos, nas instalações do próprio tribunal.
Referindo a indisponibilidade de meios tecnológicos para a participação da audiência nesses termos, o requerido e o seu Il. Mandatário anunciaram que nela não poderiam intervir.
Subsequentemente, o tribunal proferiu despacho salientando que a realização da audiência nos termos determinados não estava dependente, nem do consenso das partes, nem de juízos de oportunidade, bem como que os meios técnicos necessários eram de fácil obtenção, não carecendo de ser próprios.
Na data prevista, realizou-se a audiência, à qual faltou o requerido, de resto tal como o seu Il. Mandatário. Perante tal ausência, o tribunal condenou o requerido na multa de 2 UCs, sem prejuízo da tempestiva justificação da falta.
É desta condenação que o requerido vem interpor recurso, que termina formulando as seguintes conclusões:
a) A douta decisão de condenação em multa, por o Requerido ter faltado à Videoconferência Multiponto Webex, é nula porque viola claramente o disposto nos arts. 6º-A-3-b) da Lei n.º 1-A/2020, 20.°-1 da Constituição e 35.°-4 do RGPTC. Com efeito,
b) O Requerido e o seu Mandatário comunicaram previamente ao Tribunal que não dispunham de condições técnico-informáticas para a participação nesse tipo de Conferência de Pais, mais requerendo que ela tivesse a forma presencial com todas as regras de segurança definidas pela DGS.
c) O carácter pessoal e reservado do processo de responsabilidades parentais não permite recorrer aos meios técnicos de pessoas ou entidades outras, nem o acesso ao direito e aos tribunais podem exigir que as pessoas modestas adquiram os seus próprios meios técnico-informáticos.
d) O RGPTC, para a conferência de pais, apenas comina com multa a falta de "comparência pessoal" ou a falta à "teleconferência a partir da secretaria (judicial) da área da sua residência".
Apesar de o não afirmar, pretende, obviamente, a revogação da decisão recorrida.
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O MºPº ofereceu resposta ao recurso, pronunciando-se pela justeza da decisão recorrida e pela sua confirmação.
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e com efeito suspensivo, não sem antes a Sra. Juiz a quo ter rejeitado a verificação de qualquer nulidade na decisão em crise.
Cumpre decidi-lo.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC.
Assim, do recurso interposto, cumpre decidir da existência de fundamento para a aplicação da multa, por falta à audiência em que deveria intervir por meios electrónicos e uso do sistema Webex, bem como da eventual constitucionalidade do seu fundamento, em face do disposto no art. 20º, nº 1 do CRP.
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A matéria a considerar é aquela que resulta do relatório antecedente, na qual sobressaem quer o prévio contacto do requerido e do seu Il Mandatário, anunciando que não dispunham de condições técnico-informáticas para a participação na Conferência de Pais por Videoconferência Multiponto Webex e requerendo novo agendamento para a Conferência de Pais mas na forma presencial, quer o subsequente despacho, emitido na véspera da data designada para a audiência, onde o tribunal decidiu:
“Em face do disposto no art." 6º - A nº 3 al, a) da Lei n.º l-A/2020 de 19/03, alterada pela Lei n." 16/2020 de 29/05, a realização de diligências como a agendada nos presentes autos, por meios técnicos à distância, deixou de estar dependente de consenso entre as partes e de critérios de oportunidade, antes os impondo, em regra.
Foi a forma que o legislador encontrou para permitir a realização de diligências judiciais e, simultaneamente, salvaguardar a vida e a saúde de todos os intervenientes processuais.
Acresce que os meios técnicos necessários são de fácil obtenção e não necessitam de pertencer aos próprios, tanto mais que já não vigora a obrigatoriedade e dever geral de confinamento.
Além disso, a sala de maiores dimensões existente no Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro mede 4,50x5,15m, não permitindo assim o cumprimento mínimo das regras definidas pela Direcção-Geral de Saúde com o número de intervenientes em causa em simultâneo (7 pessoas).
Assim sendo, a diligência será realizada por videoconferência multiponto conforme já determinado, não estando na disponibilidade dos intervenientes optarem para estar ou não presencialmente no tribunal.
Notifique.”
Em qualquer caso, importa ter presente que o que está em causa não é a regularidade da realização da audiência nos termos em que teve lugar, mas apenas a condenação do requerido em multa, por nela não ter participado por qualquer meio de acesso à vídeo conferência multiponto aprazada.
Por outro lado, importa ter presente que, no despacho de 15/10/2020, em que foi determinada a realização dessa diligência, foi determinada a convocatória dos intervenientes, em termos que também não são postos em causa pelo recorrente. Ou seja, não está em questão a obrigação da sua comparência (ou intervenção) na referida audiência.
Apenas está em causa a validade da justificação pré-anunciada para tal ausência ou, o mesmo é dizer-se, no caso, a conclusão pela não obrigatoriedade de intervenção em função dos específicos termos definidos para a realização da conferência.
A este respeito, o nº 4 do art. 35º do RJPTC dispõe: “ Os pais são obrigados a comparecer pessoalmente sob pena de multa, (…) sem prejuízo de serem ouvidos por teleconferência a partir do núcleo de secretaria da área da sua residência.”
Embora a decisão recorrida o não especifique, torna-se claro que esse é o fundamento legal para a condenação decretada, complementado pelo disposto no art. 27º do Regulamento das Custas Processuais, cujos nºs 1 e 4 prescrevem os termos da fixação do respectivo montante.
Para além disso, segundo a decisão recorrida, a obrigação do requerido resulta ainda do disposto no art.º 6º-A nº 3 al. a) da Lei n.º 1-A/2020 de 16/03, na redacção da Lei n.º 16/2020 de 29/05.
Dispõe o citado nº 3 do art. 6º-A:
“3 - Nas demais diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer outros actos processuais e procedimentais realiza-se:
a) Através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; ou
b) Presencialmente, quando não puderem ser feitas nos termos da alínea anterior, e com a observância do limite máximo de pessoas e demais regras de segurança, higiene e sanitárias definidas pela DGS.”
A natureza excepcional desta norma, no que respeita aos termos da participação dos sujeitos processuais nos actos em que devam estar presentes, sempre imporia a sua prevalência sobre a disposição, já de si especial, do nº 4 do art. 35º do RJPTC, designadamente quando aí se estabelece a hipótese de os pais serem ouvidos por teleconferência a partir do núcleo de secretaria da área da sua residência, como alternativa à obrigação de comparência pessoal nas conferências para que sejam convocados, no âmbito de procedimentos respeitantes à regulação do exercício de responsabilidades parentais. No entanto, essa mesma prevalência é expressamente afirmada no art. 9º, nº 1 da Lei nº 1-A/2020 de 16/03, em termos que não sofreram alterações na sua redacção original.
Não pode, por isso, aceitar-se o argumento da apelante, sustentado na aplicação pura e simples da regra do nº 4 do art. 35º do RJPTC, para excluir a legitimidade da sua condenação.
Deverá, pois aferir-se da obrigatoriedade de intervenção do requerido, ora apelante, na conferência de pais designada pelo tribunal, através do sistema de videoconferência multiponto Webex, em execução das instruções técnicas cuja transmissão não foi questionada.
E essa obrigatoriedade resulta clara perante a norma da al. a) do nº 3 do art. 6º-A supra citada que, independentemente de qualquer anuência das partes e seus mandatários, estabelece a regra de que tal diligência deve ter lugar através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente. Só a impossibilidade de realização da conferência por esse meio poderia legitimar a sua realização por outra forma, ainda que essa fosse a vontade dos intervenientes.
Porém, foi precisamente essa a circunstância invocada pelo requerido e seu Il. Mandatário, como fundamento para a não intervenção, através da ferramenta tecnológica indicada, na conferência de pais em causa: como alegam, “comunicaram previamente ao Tribunal que não dispunham de condições técnico-informáticas” para o efeito, bem como que “O carácter pessoal e reservado do processo de responsabilidades parentais não permite recorrer aos meios técnicos de pessoas ou entidades outras”.
Cumpre discutir, então, se estes fundamentos podem ter-se por relevantes para sustentar a conclusão pela impossibilidade de realização da conferência nos termos definidos pelo tribunal.
A resposta só pode ser negativa. Com efeito, mal se compreende que o Il. Advogado não disponha de um computador com acesso à internet, a partir do qual teria podido assegurar a sua presença/participação na referida conferência. Em qualquer caso, relevante é, aqui, a participação do requerido, pois foi a ele que foi aplicada a multa que agora vem impugnada.
O requerido, porém, apto a contactar o tribunal e o seu próprio Advogado por email, apto a enviar mensagens por telemóvel, como resulta do doc. nº 2 junto com o requerimento de 30/9/2020, revelando clara desenvoltura na utilização de emails, através de uma conta própria, de gmail, (cfr. doc. nº 1, dos documentos juntos pelo requerido, com as suas alegações de 21/9/2020), incluindo para o envio de fotografias (cfr. doc. nº 11), de forma alguma surge indiciado como pessoa com dificuldades e sem meios para poder utilizar ferramentas tecnológicas para comunicação, designadamente a plataforma Webex, tal como lhe foi instruído. Nessa medida, só pode presumir-se e, por tanto, ter por adquirido que com facilidade conseguiria aceder a meios que habilitassem a sua própria intervenção na conferência, pois que para isso bastava o uso de qualquer dispositivo com acesso a internet, câmara e microfone, tal como na notificação dirigida lhe foi explicado: um computador, um telemóvel, um tablet, entre outros.
Acresce que, contrariamente ao referido, a matéria em causa, referente a uma alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor, apesar de ter natureza pessoal, não compreende uma factologia – ao que ressuma dos autos e nada de concreto indicia o contrário – que exija qualquer caracter de reserva que o inibisse de utilizar meios de qualquer entidade ou de terceiro, para assegurar a sua intervenção na conferência, se tal fosse necessário, o que de forma alguma surge demonstrado.
Nestas circunstâncias, a simples declaração sobre indisponibilidade de meios informáticos que permitissem a sua participação, através da plataforma Webex, na conferência de pais, desprovida de qualquer explicação ou tentativa de comprovação, aparece simplesmente como um manifesto de discordância perante a solução designada pelo tribunal, que nem sequer era uma opção que pudesse evitar; como uma declaração de opção pela realização da diligência com a presença física dos intervenientes, que não tem fundamento legal; e isso ainda para mais porquanto integrada por um elemento menos credível, que afecta a credibilidade da informação no seu todo, qual seja o de o seu Il. Mandatário também não dispor de meios que permitissem a sua própria participação na diligência. Note-se, a este propósito, que a utilização da plataforma Webex pelas mais diversas entidades, a par de outras soluções informáticas, já se tinha tornado necessária e já se mostrava em uso, com maior ou menor qualidade ou eficácia (o que aqui não está em causa) desde há meses, ao tempo da realização desta diligência, que teve lugar a 28/10/2020.
Nestes termos, a ausência do requerido da conferência que teve lugar na referida data, sem qualquer fundamento que não uma simples prévia não consubstanciada e não demonstrada declaração da indisponibilidade de meios informáticos que pudesse utilizar para ali participar, só pode ter-se por injustificada. E, nessa medida, justamente sancionada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Por outro lado, nem se compreende a que propósito vem citada a norma do art. 20º da CRP, em conjugação com a alegação de que a todos deve ser garantido o acesso ao direito e aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Como se viu, a actuação do tribunal pretendeu garantir precisamente isso, ou seja, a participação, no caso obrigatória, do requerido numa conferência que, respeitando ao interesse do menor seu filho, respeitava também aos seus próprios interesses. E de modo algum se indicia que a sua falta a essa conferência tenha sido motivada por carência económica ou sequer pela indisponibilidade de meios que a tal o habilitassem, como supra se concluiu.
Inexiste, por todo o exposto, qualquer fundamento para a revogação da decisão em crise, restando afirmar que apesar de o apelante a qualificar como nula, de nenhuma nulidade padecia, nem nenhuma lhe foi apontada. Com efeito, a infracção de normas legais que o apelante invocava, caso tivesse ocorrido – o que, como vimos não aconteceu – apenas importaria a respectiva revogação e não a sua nulidade, sob qualquer pretexto. Tal pretensão, porém, não pode proceder.
Resta, pois, simplesmente concluir pela improcedência do recurso, na confirmação integral da decisão recorrida.
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Sumariando:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação, na confirmação integral da douta decisão recorrida.
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Custas pelo apelante.

Porto, 23/2/2021
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro