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ACIDENTE DE TRABALHO
CTT
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Sumário
Em caso de acidente de trabalho, ocorrido durante a vigência da primeira redação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, de que sejam vítimas os trabalhadores dos CTT inscritos na CGA, a competência jurisdicional para conhecer da ação correspondente pertence aos tribunais administrativos. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Apelante: J… (autor/sinistrado).
Apelados: CTT – Correios de Portugal, SA, Companhia de Seguros …, SA e Caixa Geral de Aposentações (réus).
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Setúbal, J1.
1. No tribunal recorrido foi proferida a decisão seguinte:
“J…, notificado da decisão da Caixa Geral de Aposentações de 13/12/2019 veio intentar contra CTT – Correios de Portugal, SA, Companhia de Seguros …, SA e Caixa Geral de Aposentações, ação declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho, pedindo que reconhecido o nexo causal e confirmada a existência de uma situação de acidente de trabalho, seja a ré condenada no pagamento do valor resultante do exame de junta médica, bem como, a responsabilização dos intervenientes H… e I… pelos CTT e CGA respetivamente pelo arrastamento da situação.
Para tanto, alegou, em síntese, que trabalhando para a 1.ª R. como carteiro desde 02/05/1991, em 16/10/2001 foi vítima de acidente de trabalho, participado enquanto tal à Caixa Geral de Aposentações, no âmbito do qual sofreu diversas recidivas, a última das quais determinou a atribuição pela Caixa Geral de Aposentações de uma IPP de 10%.
Apreciando e decidindo:
O Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro que aprovou o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, na sua versão originária, em vigor à data dos eventos alegadamente sofridos pelo autor, aplicava-se aos funcionários, agentes e outros trabalhadores que sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações e exerçam funções na administração central, local e regional, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos e ainda nos serviços e organismos que estejam na dependência orgânica e funcional da Presidência da República e da Assembleia da República. Ao pessoal dos serviços referidos, vinculado por contrato individual de trabalho, com ou sem termo, e enquadrado no regime geral de segurança social, aplicava-se o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, aplicável igualmente ao pessoal contratado em regime de prestação de serviços (cfr. art. 2.º, n.º 1 a 3 do referido diploma).
A partir de 2008 o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, passou a ser aplicado apenas a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado; aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes; e aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos (cfr. art. 2.º, n.º 1 a 3 do referido diploma). Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos n.ºs 1 a 3 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro passou a ser aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.
É certo que já na versão originária o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, excluía do seu âmbito de aplicação, os trabalhadores dos C.T.T – Correios de Portugal, SA, que em maio de 1992 perdera o estatuto de empresa pública, convertendo-se em pessoa coletiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
Como é sabido, anteriormente ao Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de Maio, os CTT – Correios de Portugal, S.A. eram uma pessoa coletiva de Direito Público, tendo este diploma assegurado a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública então denominada “Correios e Telecomunicações de Portugal” (cfr. art.º 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de maio).
Tendo o sinistrado integrado os quadros permanentes da entidade empregadora em 2 de maio de 1991, ou seja, antes da transformação desta em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, e da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de maio, reunia ao tempo os requisitos de que a Lei fazia depender a possibilidade de inscrição de um trabalhador na CGA (cfr. art.º 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 498/72, na redação do Decreto-Lei n.º 191-A/79, de 25 de junho).
Ou seja, na data de admissão do sinistrado os trabalhadores da entidade responsável tinham um estatuto de direito público privativo, próximo daquele que é reconhecido ao funcionalismo público, no que tange ao domínio previdencial, sendo-lhes então aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 38.523, de 23 de novembro de 1951, que se manteve por força do art.º 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de maio.
Usando uma locução mais abrangente – “servidores civis do Estado” o legislador de 1951 apenas excluía da cobertura especial do diploma então institucionalizado os servidores que não fossem subscritores da Caixa Geral de Aposentações, a quem era aplicável a legislação sobre acidentes de trabalho (cfr. § único do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 38.523, de 23 de novembro de 1951, diploma que definia a responsabilidade do Estado por acidentes dos seus servidores)
Prescrevia-se então no art.º 30.º desse Decreto-Lei n.º 38.523 que os tribunais do trabalho não dariam andamento a processo emergente de acidente de trabalho contra o Estado e seus organismos ou contra os corpos administrativos sem que previamente a Caixa Geral de Aposentações informasse se os sinistrados eram ou não seus subscritores. E, bem assim, que na hipótese afirmativa, os processos seriam mandados arquivar, sem dependência de qualquer outra formalidade (v.g. Acórdão da Relação de Lisboa, de 12 de Junho de 1985, in C.J., Ano X, Tomo III, pp. 218-219 e a noção lata de “servidores do Estado” dilucidada no Parecer da PGR publicado no DR, II Série, de 13.12.1985).
A qualidade do trabalhador pressuposta na admissão como subscritor da Caixa Geral de Aposentações é que era, a final, a matriz determinante da competência dos Tribunais do Trabalho para dirimir os conflitos emergentes de acidentes de trabalho.
Após a entrada em vigor a 01/01/2009, das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, ao Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, a entidade empregadora do A. passou de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos a sociedade anónima de capitais maioritariamente privados (cfr. Decreto-Lei n° 129/2013, de 6 de setembro), sendo nosso entendimento que, a partir de então, os acidentes sofridos pelos trabalhadores ao seu serviço deixaram de caber no âmbito de aplicação subjetiva deste diploma.
No caso em apreço, estando em causa o agravamento de um evento ocorrido em 12 de outubro de 2001, cujo processo de avaliação decorreu na Caixa Geral de Aposentações, por força da salvaguarda do art.º 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de maio, não pode deixar de entender-se que o sinistrado, enquanto subscritor da Caixa Geral de Aposentações, estava abrangido pelo âmbito de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e consequentemente que são competentes para conhecer do presente litígio os Tribunais Administrativos e Fiscais.
A incompetência em razão da matéria constitui uma exceção dilatória, não suprível, de conhecimento oficioso, que importa a absolvição do réu da instância, nos termos dos art.ºs 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 546.º, n.º 2, 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT.
Pelo exposto, julgo verificada a exceção dilatória de incompetência material dos Juízos do trabalho e, consequentemente, absolvo as rés da instância.
Sem custas por o sinistrado delas estar isento.
2. Inconformado, veio o autor interpor recurso de apelação, que motivou com as conclusões seguintes:
I. A Sentença padece de nulidade, o acidente deu-se em 25 de maio de 2017, mas independentemente disso, a qualificação deste tipo de ocorrência, ainda que seja acidente de serviço, o seu regime passou a ser o do acidente de trabalho, desde acórdão de 11 de janeiro de 2017.
II. Nos termos e para os efeitos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código do Processo de Trabalho, é nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”, o juiz aprecia erradamente a data da ocorrência dos factos.
III. As nulidades são supridas oficiosamente pelo tribunal, vindo por este modo requerer-se a sua retificação nos termos do art.º 614.º n.º 2 do CPC ex vi art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, o que se faz e requer nos termos da lei.
IV. O trabalhador em causa não é, nem nunca foi um servidor do estado e toda a legislação invocada padece por desenquadrada e desatualizada, não existindo qualquer incompetência em razão da matéria.
V. Toda a questão se resume no nosso entender e ao contrário do entendimento do douto tribunal a quo, a uma questão interpretativa, resolvida segundo o entendimento do Tribunal Conflitos do Supremo Tribunal de Justiça, na sua decisão de 11 de janeiro de 2017, disponível em www.dgsi.pt, segundo a qual e de acordo com a decisão no proc. 016/16, de 11-01-2017, do tribunal de CONFLITOS, cujo relator foi ANTÓNIO BENTO SÃO PEDRO, cujos descritores, são ACIDENTE DE TRABALHO; TRABALHADOR DOS CTT, e no mesmo se diz, que, “são competentes os tribunais judiciais para a tramitação processual relativa à reparação dos danos emergentes de um acidente sofrido por um trabalhador dos CTT, SA, numa ocasião em que já estava em vigor o Dec. Lei 503/99, de 20/11, com a redação introduzida pela Lei 59/2008, de 11/9, uma vez que o sinistrado, não se incluía no universo dos trabalhadores por ela abrangidos pois:
(i) não exercia funções públicas;
(ii) não prestava serviço na administração direta ou indireta do Estado;
(iii) nem exercia funções nos serviços das administrações regionais, autárquicas, ou
em qualquer das entidades referidas no n.º 2 do art. 2º do Dec. Lei 503/99, de 20/11, na redacção da Lei 59/2008, de 11/9.”
VI. Em conclusão inexiste qualquer incompetência em razão da matéria que constitua uma exceção dilatória, não suprível, do conhecimento oficioso, que importe a absolvição do réu da instância, nos termos dos art.ºs 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea a), 546.º, n.º 2, 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, pois estamos perante um trabalhador dos CTT e não um funcionário do estado e o acidente em questão deu-se em 25 de maio de 2017, sendo jurisprudência uniforme dos tribunais que o pleito deve ser dirimidos nos tribunais do trabalho.
VII. Pelo exposto, julguem por não verificada a exceção dilatória de incompetência material dos Juízos do trabalho e, consequentemente, devolvam a instância do trabalho de Setúbal para persecução dos autos.
Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o Douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve o recurso interposto pelo autor ser julgado procedente e em consequência deve a decisão recorrida ser anulada e em consequência revogada, devendo prosseguir os autos nos seus termos no tribunal de trabalho de Setúbal no Juiz 1, nesta ação emergente de acidente de trabalho ocorrido em 25 de maio de 2017, considerando-se devidas prestações e juros desde o vencimento de cada uma das prestações em dívida, por no entender do autor lhe serem devidas não apenas as prestações em falta, mas também, os juros legais moratórios desde o vencimento de cada uma das prestações e ainda em dívida.
3. O réu CCT respondeu e concluiu que:
1. Carecem de qualquer fundamento e de apoio legal as alegações apresentadas pelo autor, devendo ser a final considerado totalmente improcedente o recurso apresentado.
Questão prévia-Caso Julgado
2. Apesar do autor invocar no artigo 3.º da sua PI que “ … tratando-se de um acidente de trabalho e não um acidente de serviço, deverá o mesmo dar entrada no Tribunal de Trabalho de Setúbal e não no Tribunal Administrativo de Almada”, e nesse seguimento nas suas alegações de recurso invocar “nulidades” quanto à “errada qualificação do acidente de trabalho (serviço) ocorrida em 2001…”, sempre diremos que só por lapso poderá ter expendido tal fundamentação, porquanto interpôs já a competente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal, onde foram apreciadas todas as questões relacionadas com o acidente ocorrido no dia 12 de outubro de 2001, assim como do acidente ocorrido em 14 de outubro de 2008, pelo que estamos perante questões já submetidas à apreciação do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada- Unidade Orgânica 1, sob o número 834/16.4BEALM, com acórdão proferido a 21 de novembro de 2019, consequentemente, decisão já transitada em julgado (cfr. Doc.1).
3. O autor amplamente conhecedor do Tribunal competente, apresentou em 30 de agosto de 2016, a respetiva ação para a apreciação das questões relativas ao acidente de 12 de outubro de 2001, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, onde foram julgadas e decididas, questões essas que agora submeteu de novo à apreciação do Tribunal de Trabalho, cuja apreciação deve ser rejeitada.
4. Ainda que V.Exas assim não entendam, o que só por mero dever de raciocínio se concebe, estando em causa acidente ocorrido em 12 de outubro de 2001, sendo o autor subscritor da Caixa Geral de Aposentações, a apreciação de questões decorrentes do mesmo, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de novembro, consequentemente competente para conhecer do litígio, como já conheceu, será o Tribunal Administrativo e Fiscal, termos em que devem V. Exas confirmar a decisão de absolvição das rés, verificada que está a exceção dilatória de incompetência material dos juízos de Trabalho, para apreciação das questões decorrentes do acidente ocorrido em 12 de outubro de 2001.
5. O Autor vem invocar uma alegada nulidade da sentença porquanto diz não se tratar de acidente ocorrido em 2001, nem duma recidiva daquele, mas sim dum novo acidente ocorrido em 25 de maio de 2017.
6. Não obstante o alegado, não existe qualquer base probatória ou legal para a arguida nulidade, apresentando-se totalmente contraditória com o que o próprio recorrente alega, inexistindo qualquer participação de acidente ocorrido a 25 de maio de 2017, facto que consequentemente terá de levar à total improcedência do recurso apresentado.
7. Sem necessidade de outras considerações, a ré CTT, adere na sua integra aos fundamentos constantes da douta sentença recorrida os quais dá por reproduzidos para todos os efeitos legais, no sentido da verificada exceção dilatória de incompetência material dos juízos de trabalho com a consequente absolvição das rés da instância.
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser declarado totalmente improcedente o recurso apresentado por não provados os seus fundamentos, mantendo-se a exceção dilatória de incompetência material dos Juízos de trabalho verificada, e a respetiva absolvição da ré CTT da instância.
4. A réCGA respondeu e concluiu que:
Vem a Caixa Geral de Aposentações aderir à posição do recorrente no presente recurso de apelação, porquanto a CGA igualmente defende que os presentes autos deverão prosseguir os seus termos no Tribunal de Trabalho de Setúbal, na ação emergente de acidente de trabalho ocorrido em 25 de maio de 2017, porquanto esse acidente enquadra-se no disposto no artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.
Assim sendo, a Caixa Geral de Aposentações não é a entidade responsável pela reparação daquele acidente, mas a seguradora para a qual os CTT devem ou deveriam ter transferido a responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
5. A ré seguradora veio aderir à resposta apresentada pelo réu CTT.
6. Ministério Público, junto desta Relação, emitiu parecer no sentido de ser confirmada a decisão recorrida.
Notificado, não foi apresentada resposta.
7. Dispensados os vistos com o acordo dos Ex.mos senhores juízes desembargadores adjuntos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.
8. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Questões a decidir:
1. Apurar se a decisão recorrida é nula.
2. A competência do tribunal.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Os factosa considerar são os que resultam do relatório.
Resulta ainda dos autos, alegação do autor na petição inicial, que o A. foi admitido para prestar serviço por conta e sob a autoridade do R. CTT, pelo menos desde 2 de maio de 1991 e está inscrito na Caixa Geral de Aposentações.
B) APRECIAÇÃO
B1) A nulidade da decisão recorrida
O apelante conclui que “a sentença padece de nulidade, o acidente deu-se em 25 de maio de 2017, mas independentemente disso, a qualificação deste tipo de ocorrência, ainda que seja acidente de serviço, o seu regime passou a ser o do acidente de trabalho, desde acórdão de 11 de janeiro de 2017. Nos termos e para os efeitos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º, n.º 2, alínea a), do Código do Processo de Trabalho, é nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”, o juiz aprecia erradamente a data da ocorrência dos factos”.
O apelante entende que a decisão é nula em virtude de ter considerado que se está perante um incidente de revisão de pensão e não perante a apreciação de um acidente de trabalho ocorrido 25.05.2017. Qualifica a questão como sendo de excesso de pronúncia quanto à revisão de incapacidade e omissão de pronúncia quanto ao acidente de trabalho de 25.05.2017.
Analisada a petição inicial, constata-se que o autor refere aí acidentes de trabalho em 2001 e 2008 e recidivas sucessivas, mas não alega aí a existência de qualquer acidente de trabalho em 25.05.2017, ou em outra data diferente das datas dos acidentes referidos.
Alega que: “após queixas junto à CGA, conseguiu após solicitar uma junta médica que se vem a realizar no dia 25 de maio de 2017, ver a sua situação uma vez mais avaliada no dia 13 de dezembro de 2019”.
Tendo em conta o alegado pelo autor, o tribunal, para decidir a questão da competência material, teve em conta os acidentes referidos na petição inicial e não um acidente de trabalho ocorrido em 25.05.2017, por não ter sido sequer alegado.
Só agora nas alegações de recurso o autor vem referir a existência de um acidente de trabalho em maio de 2017.
Em face do exposto, é fácil concluir que o tribunal pronunciou-se com base nos factos alegados pelo autor, pelo que não ocorre a nulidade da decisão recorrida.
B2) A competência material do tribunal do trabalho
O autor foi admitido ao serviço do R. CTT em 02.05.1991 e está inscrito na CGA.
Nessa data estava em vigor o Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de novembro de 1951, o qual prescrevia no art.º 1.º:
A situação dos servidores civis do Estado subscritores da Caixa Geral de Aposentações que forem vítimas de acidentes em serviço regula-se pelas disposições do presente Decreto-Lei e ainda pelas normas legais em vigor, na parte por ele não contrariadas, relativas a aposentação extraordinária.
§ único. Aos servidores do Estado que não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações ser-lhes-á aplicada a legislação sobre acidentes de trabalho
O autor é subscritor da CGA, pelo que na data da admissão ao serviço do R. CTT estava abrangido pelo regime jurídico plasmado no diploma legal acabado de citar para efeitos de reparação de acidentes de serviço.
A questão ganha controvérsia com a publicação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, discutindo-se qual passaria a ser o regime jurídico aplicável, donde decorria a atribuição da competência para conhecer do acidente de trabalho/serviço.
Conforme alegado pelo autor na petição inicial, os acidentes de trabalho em discussão ocorreram em 2001 e 2008.
Nessas datas estava em vigor o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, na sua versão original.
Este diploma legal prescreve no art.º 2.º que:
1. O disposto no presente diploma é aplicável aos funcionários, agentes e outros trabalhadores que sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações e exerçam funções na administração central, local e regional, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos e ainda nos serviços e organismos que estejam na dependência orgânica e funcional da Presidência da República e da Assembleia da República.
2. Ao pessoal dos serviços referidos no número anterior, vinculado por contrato individual de trabalho, com ou sem termo, e enquadrado no regime geral de segurança social, aplica-se o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.
Por sua vez, o art.º 56.º n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal, prescreve que o presente diploma aplica-se aos acidentes em serviço que ocorram após a respetiva entrada em vigor.
Os acidentes de trabalho alegados pelo autor ocorreram em data posterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, pelo que, à primeira vista, poderia pensar-se que seria este o regime jurídico aplicável.
Contudo, em 1992, ocorreu uma alteração do estatuto do R. CTT, através do Decreto-Lei n.º 87/92, de 14.05, o qual prescreveu que a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT), criada pelo Decreto-Lei n.º 49368, de 10 de novembro de 1969, é transformada pelo presente diploma em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, SA, abreviadamente designada por CTT, SA.
O art.º 9.º deste último diploma legal prescreve:
1. Os trabalhadores e pensionistas da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal mantêm perante os CTT, SA, todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública.
2. Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal vigentes nesta data continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior.
Estas últimas normas legais vieram colocar a questão da interpretação quanto ao alcance da remissão, nomeadamente se tal remissão abrangia o regime jurídico relativo aos acidentes de trabalho.
Esta questão foi apreciada pelo Tribunal de Conflitos, nos termos seguintes[1]: “…Todavia, continua o acórdão, “a solução não é tão simples assim”, porque devemos ter em conta que, nos termos do art.º 9.º n.º 2 do DL 87/1992, de 14/5, foi assegurada a manutenção de regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública, entre os quais se encontrava o Dec. Lei 38.353, de 23/11/1951, segundo o qual os acidentes sofridos pelos então trabalhadores dos B………., ficavam sujeitos ao regime jurídico dos acidentes em serviço no âmbito da Administração Pública (na altura o DL 38.253 e depois o DL 503/99).
Este entendimento deve ser acolhido, mas apenas durante a vigência do Dec. Lei 38.253 e da primeira redação do Dec. Lei 503/99”.
Lendo o acórdão do Tribunal de Conflitos, resulta do mesmo que o regime jurídico previsto na primeira redação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, aplica-se aos acidentes de serviço do pessoal dos CTT inscritos na CGA e ocorridos durante a sua vigência.
Só após a alteração do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, pela Lei n.º 59/2008, de 11.09, é que deixou de ser aplicável este diploma legal aos acidentes de serviço dos trabalhadores dos CTT inscritos na CGA, ocorridos após a sua entrada em vigor. Tudo conforme é explicado no acórdão do Tribunal de Conflitos citado: “O Dec. Lei 38 523, de 23/11 foi revogado pelo Dec. Lei 503/99, de 20 de novembro (art.º 57.º, n.º 1, al. a), o qual na sua redação original, manteve o mesmo critério quanto ao seu âmbito de aplicação, ou seja: o referido regime jurídico (acidentes de serviço) era aplicável aos “subscritores da Caixa Geral de Aposentações”; ao demais pessoal, vinculado por contrato de trabalho, era aplicável o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais – n.º 2 do referido Dec. lei 503/99, de 20 de novembro. Contudo, o âmbito de aplicação deste regime não se manteve assim até hoje. Com a entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29/12, deixou de haver inscrições na Caixa Geral de Aposentações, face ao disposto no seu art.º 2º: (…) (…) A partir de 1 de janeiro de 2006 a CGA deixou de ter novos subscritores e, portanto, esse elemento de conexão (ser subscritor da CGA) deixou de ser determinante para definir o âmbito de aplicação do Dec. Lei 503/99, como é evidente. A sujeição ao regime de acidentes de serviço dos trabalhadores que exercem funções públicas tinha, portanto, que ser delimitado com outro critério. Daí que, o n.º 2 do referido Dec. Lei 503/99, de 20 de novembro viesse a ser alterado através da Lei 59/2008, de 11/9, deixando o referido critério (isto é, ser ou não ser subscritor da Caixa Geral de Aposentações) de ser determinante para definir o âmbito de aplicação do regime jurídico dos acidentes em serviço. O critério passou a ser o definido no art.º 2.º n.º 1, do mesmo diploma legal, segundo o qual: “(…) 1. O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exerçam funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado. 2. O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio ao Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respetivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes. 3. O disposto no presente decreto-lei é ainda aplicável aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do governo quer dos titulares dos órgãos referidos nos números anteriores. (…)” Ou seja, o critério deixou de ser o da qualidade de subscritor para a Caixa Geral de Aposentações e passou a ser um critério que depende da natureza jurídica do vínculo estabelecido entre o “trabalhador” e da natureza do organismo público. Com efeito, como explicita o n.º 4 do mesmo preceito legal, aos trabalhadores que exerçam funções públicas em “entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho”.
Na vigência da primeira redação do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, aplicava-se aos trabalhadores dos CTT o regime jurídico dos acidentes de serviço aí previsto, por força da inscrição na CGA.
A partir da alteração introduzida pela Lei n.º 59/2008, de 11.09, deixou de se fazer referência à inscrição na CGA e o critério passou a ser apenas o da natureza do vínculo jus laboral em concreto.
Os acidentes referidos pelo autor ocorreram em 2001 e em 2008, em data anterior à alteração do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, pela Lei n.º 59/2008, de 11.09.
Nos termos do art.º 56.º n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, o presente diploma aplica-se aos acidentes em serviço que ocorram após a respetiva entrada em vigor. Esta norma transitória não foi alterada até à atualidade, pelo que se aplica o regime jurídico plasmado no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, até à alteração operada pela Lei n.º 59/2008, de 11.09, a todos os acidentes ocorridos antes da entrada em vigor desta alteração.
Resulta do exposto, que aos acidentes de trabalhos alegados pelo autor aplica-se o regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20.11, na sua primeira versão, sendo a competência deferida às autoridades aí mencionadas, Caixa Geral de Aposentações e Tribunais Administrativos, em caso de impugnação judicial.
A conclusão do apelante estaria correta se o acidente tivesse ocorrido em 25.05.2017, mas que não corresponde ao alegado, como já acima referimos.
O R. CTT invoca a existência de caso julgado. O tribunal só pode conhecer desta exceção se for competente.
Concluímos que o tribunal do trabalho é incompetente em razão da matéria para a presente ação, pelo que fica prejudicado o seu conhecimento.
Termos em que a apelação improcede e se confirma a decisão recorrida.
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo autor, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Notifique, esclarecendo que os prazos não estão suspensos, em virtude de se tratar de um processo urgente.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 25 de março de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
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[1] Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 11.05.2016, processo n.º 016/16, www.dgsi.pt/jcon, onde são citados outros acórdãos do mesmo tribunal e com a mesma jurisprudência.