I - Não tendo o Tribunal da Relação conhecido do recurso interposto de decisão interlocutória, por entender ser irrecorrível a decisão impugnada, da decisão do Tribunal da Relação não é admissível recurso para o STJ, face ao que disposto vem nos arts. 400.º, n.º 1, al. c) e 432.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.
II - A reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o STJ.
III - São elementos essenciais do crime de associação criminosa previsto no art. 28.º do DL 15/93, de 22-01, o factor organizativo, a estabilidade associativa e a finalidade criminosa, portanto uma aliança com um mínimo de estrutura estável, permanente, com vista à prática de crimes.
IV - Ultrapassando o haxixe apreendido as 10 toneladas, sendo expectável a sua venda por montante superior a 23 milhões de euros, desenvolvendo o arguido no seio da organização um papel de relevo, competindo-lhe capitanear o barco onde o estupefaciente era transportado e recrutar parte da tripulação, é de concluir que o mesmo procurava obter uma avultada compensação remuneratória, sendo correcta a imputação ao mesmo da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c). do DL 15/93, de 22-01.
Acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça:
I. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 99/16..... do Juízo Central Criminal .... (Juiz ..) do Tribunal Judicial da Comarca ...., os arguidos:
AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH foram julgados e, por acórdão proferido a 15 de Novembro de 2019, foi deliberado o seguinte:
“Em face de todo o exposto, o tribunal colectivo decide:
a) Absolver os arguidos AA, BB, CC e DD da prática do crime de associação criminosa, na modalidade de adesão e apoio, p. e p. pelo art.º 28º, nº 2 do mesmo DL nº 15/93, de 22/01;
b) Absolver a arguida EE da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos art.º 21º, nº 1 e 24º, al. c), ambos do DL nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa, e do crime de associação criminosa, na modalidade de adesão e apoio, p. e p. pelo art.º 28º, nº 2 do mesmo DL nº 15/93, de 22/01;
c) Absolver o arguido HH da prática do crime de associação criminosa, na modalidade de adesão e apoio, p. e p. pelo art.º 28º, nº 2 do DL nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa;
d) Absolver a arguida GG da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa;
e) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. nº 15/93, de 22/1, na pena de 10 (dez) anos de prisão;
f) Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. nº 15/93, de 22/1, na pena de 8 (oito) anos de prisão;
g) Condenar o arguido CC pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. nº 15/93, de 22/1, na pena de 9 (nove) anos de prisão;
h) Condenar o arguido DD pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. nº 15/93, de 22/1, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
i) Condenar o arguido FF pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-C anexa, como reincidente nos termos do disposto nos art.ºs 75º e 76º do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;
j) Condenar os arguidos AA, BB, CC, DD e FF no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 U.C., e demais encargos legais, tudo conforme o disposto nos art.º 513º e 514º do C.P.P. e 8º n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais;
k) Declarar perdidos a favor do Estado os documentos apreendidos, nos termos do art.º 35º, n.º 1 do DL nº 15/93, de 22/01;
l) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos, incluindo telemóveis, telefones satélite, computadores e demais objectos digitais, as embarcações J..., K... e N..../AA e as viaturas automóveis de matrículas …..-PG (marca .....) e ….-TJ (marca ....), nos termos do art.º 35º, n.º 1 do DL nº 15/93, de 22/01;
m) Declarar perdidas a favor do Estado a substância e quantias apreendidas, tudo conforme o disposto nos art.ºs 35º, n.º 1 e 2 do D.L. nº 15/93, de 22/1;
n) Ordenar que seja efectuada a comunicação a que alude o art.º 64º, n.º 2 do D.L. nº 15/93, de 22/1”.
Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação .... não só os arguidos AA, CC e FF, como o Ministério Público. E aquele tribunal, por acórdão de 16 de Setembro de 2020, decidiu:
“Rejeitar os recursos interlocutórios interpostos pelo arguido AA;
Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, CC e FF;
Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo MºPº, revogando a decisão recorrida na parte em que absolveu os arguidos BB, AA e CC da prática de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º nº 2 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro;
Condenar os arguidos AA, CC e BB pelo crime de adesão p. e p. pelo referido art.º 28º na pena de cinco anos cada um, e em cúmulo o arguido AA em 11 (onze) anos de prisão, o arguido CC em 10 (dez) anos de prisão e o arguido BB em 9 (nove) anos de prisão”.
Novamente inconformado, o arguido AA recorre para este Supremo Tribunal, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):
«a)
I - Um despacho que decide que irá analisar o Requerimento probatório apresentado pelo Arguido ”… em sede de audiência de julgamento, finda a produção da prova indicada pela acusação”, está claramente a interferir e condicionar o Direito de defesa do Arguido;
II - O Direito consagrado no Artigo 6º, n.º 3, da C.E.D.H., tende a realizar o princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa, concedendo a esta a possibilidade de se organizar de maneira adequada e isso, evidentemente, implica que iniciado o julgamento tenha já total conhecimento das provas que poderá dispor e utilizar em sua defesa.
III - O Arguido, antes de iniciar o julgamento tem o direito e a segurança jurídica que dele deve advir, de saber quais as provas que vai dispor para se defender e contraditar a Acusação.
IV - O despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação ....., não é um despacho de mero expediente, uma vez que influi diretamente nos direitos de defesa do Arguido.
V - Ao deixar de se pronunciar sobre o Recurso apresentado o Tribunal da Relação ..... cometeu a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 425º, n.º 4 e 379º, n.º 1, alínea c) do C.P.P.
VI - São inconstitucionais os artigos 97º, 315º e 374º, todos do Código de Processo Penal e 152º, n.º 3, do Código de Processo Civil quando interpretados com o seguinte conteúdo:
“É de mero expediente, e por isso não está sujeito à fundamentação dos atos decisórios, o despacho que, pronunciando-se sobre o requerimento probatório apresentado pelo arguido com a sua contestação, remete a sua apreciação para julgamento, finda a produção da prova indicada pela acusação.”
Tal interpretação viola os artigos 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2º, 3º, 32º, 203º e 205º, todos da Constituição da República Portuguesa.
Inconstitucionalidade que desde já se invoca.
b)
VII - A Autorização das Autoridades holandesas conforme tradução junta aos autos no decurso da Audiência de Discussão e julgamento refere o seguinte:
“CONFIRMA QUE O NAVIO J.... É DO TIPO VELEIRO REGISTADO NA HOLANDA COM O NUMERO DE REGISTO ....74, E AUTORIZA AS AUTORIDADES COMPETENTES DE PORTUGAL A PARAR, EMBARCAR E EXECUTAR BUSCAS NO NAVIO HOLANDÊS J…... ENQUANTO O MESMO PERMANECER EM ALTO MAR…” (Negrito e itálico Nossos)
VIII - Como resulta dos Tratados Internacionais as águas marítimas dividem-se em:
− Mar Territorial do estado costeiro (12 milhas);
− Zona Contígua (24 milhas);
− Zona Económica Exclusiva (200 milhas)
− Alto Mar.”
IX - No caso sub judice era um facto essencial para apurar se foi ou não respeitada a autorização concedida pelas Autoridades Holandesas e bem assim para apurar se foi violada a Convenção Das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, determinar em que zona do mar a embarcação J….. foi interceptada e desviada para Portugal, nomeadamente, se estávamos perante mar territorial, zona contígua, zona económica Exclusiva de Marrocos, Espanha ou Gibraltar, ou se efectivamente a embarcação se encontrava em Alto Mar.
X - Estamos perante um facto cuja prova era essencial para a condenação dos Arguidos e bem assim para determinação da Lei Penal mais favorável.
XI - Verifica-se, portanto, nos termos do Artigo 410º, n.º 2, alínea a), do C.P.P., uma verdadeira Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
c)
XII - O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação .... padece do vício de contradição insanável da fundamentação;
XIII - O Recorrente invocou como fundamento para o vício de falta de fundamentação do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, o facto de este não se ter pronunciado sobre três testemunhas que foram ouvidas, uma delas o comandante da Corveta ...., II.
XIV - O Tribunal da Relação decidiu que o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre as referidas testemunhas porquanto as mesmas eram inúteis à decisão. Acontece, porém, que posteriormente, é o próprio Tribunal da Relação a demonstrar que os factos foram dados como provados com base nas declarações prestadas por estas mesmas testemunhas, conforme a página 380 do Acórdão recorrido.
XV - Assim, por um lado, para afastar a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª instância, a testemunha não mereceu qualquer exame crítico, porque era irrelevante, por outro lado, para dar como provado o ponto 208 da matéria de facto dada como provada já essa mesma testemunha era essencial…
d)
XVI - O Acórdão do Tribunal da Relação .... padece do vício de erro notório na apreciação da prova plasmado no artigo 410º, n.º 2, alínea c) do C.P.P.
XVII - O Tribunal de 1ª Instância deu como provada os pontos 32, 36, 37, 38, 45, 52, 53, 56, 59, 63, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 80, 82, 87, 90, 95, 97, 98, 104, 108, 109, 111, 112, 164, 175, 200 e 204, com fundamento nas escutas telefónicas.
XVIII - A transcrição de uma escuta telefónica constitui um meio de prova documental. Como tal, apenas prova que numa precisa ocasião certa pessoa proferiu determinada locução, não que o facto a que se refere tenha efetivamente ocorrido.
XIX - Com base nas escutas telefónicas aquilo que o Tribunal pode dar como provado é a concreta conversação transcrita e não as conclusões que se retiraram dessa escuta.
XX - O Tribunal de 1ª instância não se limita a dar como provadas as transcrições e o que decorre das mesmas, mas sim as conclusões que retira das transcrições.
e)
XXI - O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação .... é nulo, nos termos dos artigos 425º, n.º 4, 379º, n.º 1 e 374º do C.P.P, por falta de fundamentação.
XXII - Na página 451, 2º parágrafo, do seu Acórdão refere-se o seguinte:
“Será por isso o recurso julgado totalmente procedente, condenando-se os arguidos, - pelo crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º, n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, aditando-se aos factos que constavam provados, e que a tal respeito foram dados como não provados, - os recorridos AA, CC e BB, condenados pelo crime de adesão p. e p. pelo referido art.º 28º na pena de cinco anos cada um, e em cúmulo o arguido AA em 11 (onze) anos de prisão, o arguido CC em 10 (dez) anos de prisão e o arguido BB em 9 (nove) anos de prisão.”
XXIII - Acontece, porém, que o Tribunal da Relação não identifica qual ou quais os factos em concreto decididos pelo Tribunal de 1ª instância como não provados e que deveriam ter sido declarados como provados;
XXIV - Assim, como não esclarece, a final, qual a matéria de facto que, em concreto, considera provada;
f)
XXV - Analisada a fundamentação do Venerando Tribunal da Relação .... constatamos que o mesmo não se pronunciou sobre todas as relevantes questões colocadas pelo Recorrente, cometendo a nulidade de omissão de pronúncia prevista nos artigos 379º e 425º do C.P.P.
XXVI - O Recorrente colocou, em concreto, à apreciação do Tribunal o Direito a quo, no caso sub judice, lhe fosse aplicada a Lei Penal Holandesa, por ser mais favorável, nos termos dos artigos 2º e 6º do Código Penal.
XXVII - Acontece, porém, que o Tribunal da Relação .... sobre essa matéria nada disse, e esta era uma matéria que devia e podia conhecer.
Mas mais:
XXVIII - O Tribunal da Relação .... pura e simplesmente ignorou a impugnação da Matéria de facto apresentada pelo Recorrente, decidindo como se a mesma não existisse.
XXIX - O Recorrente, no Recurso que apresentou, deu escrupuloso cumprimento ao disposto no Artigo 412º, n.º 3 do C.P.P., especificando:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
XXX - O Tribunal da Relação .... não se pronuncia sobre nenhum dos concretos factos impugnados pelo Recorrente. Não se pronuncia sobre os factos que no entender do Recorrente deveriam ter sido dados como NÃO PROVADOS e ou excluídos da matéria de facto considerada como provada, nem se pronuncia sobre o Recurso apresentado pelo Recorrente na parte em que defendeu que determinados factos deveriam ter sido dados como PROVADOS.
g)
XXXI - Após enunciar os factos que considerou provados e não provados o Tribunal de 1ª instância limitou-se a elencar a prova que se socorreu, sem efetuar qualquer exame crítico da mesma.
XXXII - O tribunal de 1ª instância na descrição e análise que fez da prova, omitiu, inclusive, que foram ouvidas outras testemunhas em julgamento, para além daquelas indicadas na Acusação;
XXXIII - Nos termos em que o Acórdão de 1ª instância se encontra elaborado não é possível à defesa do Arguido proceder a uma verdadeira impugnação da matéria de facto, porquanto, com exceção de alguns artigos em que remete para sessões de escutas telefónicas, e que acima se elencaram, em relação aos restantes não refere de que prova se socorreu para dar os mesmos como provados;
XXXIV - O Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância violou o n.º 2 do Artigo 374º do C.P.P., pelo que, nos termos da alínea a) do n.º1 do Artigo 379º, encontra-se ferido de nulidade.
h)
XXXV - Como acima se referiu o Tribunal de 1ª Instância deveria ter-se pronunciado sobre toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento;
XXXVI - Nos termos do Artigo 6º n.º 2 do Código Penal: “Mesmo que seja aplicável a lei portuguesa, o facto é julgado segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema português, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei portuguesa previr para o facto.”
XXXVII - No caso sub judice considerando que o produto estupefaciente foi apreendido pelas Autoridades Portuguesas, fora de território português, no interior de uma embarcação holandesa, ocupada maioritariamente por cidadãos Holandeses, produto esse carregado em Marrocos, com destino à Líbia, seria a lei da Holanda, porque mais favorável a ser aplicada;
XXXVIII - Tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal da Relação ..., entenderam não se pronunciar em concreto sobre esta matéria, motivo pelo qual se encontram ambos os Acórdãos feridos de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 379º e 425º do C.P.P.
i)
XXXIX - A embarcação J.... foi intercetada em violação da Autorização concedida pelas Autoridades Holandesas em águas sobre o domínio de um Estado Estrangeiro.
XL - O Tribunal de 1ª instância, sobre esta matéria, deu como provado que:
208. No dia 17 de Maio de 2017, pelas 00h30, quando se encontrava a navegar no mar alto (nas coordenadas LATITUDE – …… e LONGITUDE - …….), após ter passado o Estreito de Gibraltar, em direcção ao local onde pretenderia descarregar o estupefaciente, no interior do Mediterrâneo, a embarcação J.... veio a ser interceptada pelas autoridades marítimas portuguesas, designadamente pelo Destacamento de Acções Especiais da Marinha.
XLI - A Embarcação J….. pode ter sido interceptada em águas territoriais de Gibraltar, mar territorial de Marrocos, Espanha ou Gibraltar ou Zona Económica Exclusiva de Marrocos, Espanha ou Gibraltar.
XLII - Sobre a soberania de um Estado sobre a denominada Zona Económica Exclusiva, veja-se igualmente o Parecer do Conselho Consultivo da PGR, parecer n.º P000561981, disponível em www.dgsi.pt:
“1 – O âmbito do “território ou domínios portugueses” para efeitos de n 1 do artigo 53 do Código Penal demarca-se em função do espaço em que se exerce a soberania do Estado Português e da medida em que ela actua;
2 – A lei penal portuguesa é aplicável, em princípio, por força do n.º1 do artigo 53 do Código penal, aos factos que ocorram no mar territorial, na plataforma continental ou na zona económica exclusiva …
…
4 – Os factos que ocorram fora das condições previstas na conclusão anterior não só não se incluem na previsão do n.º 2 do Artigo 53 do Código Penal, como também, tendo lugar em espaço livre de qualquer soberania onde consequentemente não se exerce poder punitivo, não cabem nos nº 3 e 5 do mesmo artigo;”
XLIII - A Zona Económica Exclusiva de um Estado é da competência e soberania desse mesmo Estado, conforme se decidiu no Acórdão do STJ, processo n.º 07P1496, de 05/07/2007, em que foi relator o Conselheiro Carmona da Mota, disponível em www.dgsi.pt:
“…
III – Por outro lado, o local onde a embarcação foi apresada inseria-se e insere-se na chamada ZEE (Zona Económica Exclusiva): “De acordo com as disposições da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, Portugal goza dos direitos soberanos e de jurisdição sobre uma zona económica exclusiva de 200 milhas marítimas contadas desde a linha de base a partir da qula se mede a largura do mar territorial” – Cf. Declaração 3ª de Portugal relativamente à CNUDM, aprovada, por ratificação, pela Resolução 60-B/97, da Assembleia da República.”
XLIV - Não existe nos autos qualquer autorização do Reino de Marrocos, de Espanha ou de Gibraltar a permitir o “assalto” a uma embarcação de bandeira Holandesa nas suas águas;
XLV - Assim, a Marinha de Guerra Portuguesa e a Polícia Judiciária, ao procederem ao assalto de uma embarcação em águas territoriais de um terceiro Estado, sem a autorização deste, transformaram a detenção, busca e apreensão, nulas e/ou num método proibido de prova, nos termos do já referido artigo 126º do C.P.P.
j)
XLVI - Resulta de forma evidente dos presentes autos que a operação que culminou com o assalto à embarcação J….. e a alteração da sua rota para águas Portuguesas foi levada a cabo, e controlada, pela Marinha de Guerra Portuguesa;
XLVII - Quem procedeu à abordagem da embarcação, revista e detenção dos arguidos foi o denominado Destacamento de Ações Especiais dos Fuzileiros, sem a presença de qualquer inspetor da Polícia Judiciária, os quais apenas entraram na embarcação algum tempo depois;
XLVIII - O Destacamento de Ações Especiais, pertencente ao Grupo de Fuzileiros, não tinha competência material para invadir a embarcação, entrar nas respetivas camaratas e deter os arguidos, desviando de seguida a embarcação para o porto de ....;
XLIX - O denominado grupo D.A.E. faz parte do elemento da componente operacional da Marinha, denominado “Unidade de Fuzileiros, previsto no Decreto – Lei n.º 185/2014, de 29 de dezembro. A referida Unidade não é considerada um órgão de Polícia Criminal, ao contrário da Polícia Marítima;
L - Nos termos do artigo 2º, do Decreto lei n.º 248/95, de 21 de Setembro, é à Polícia Marítima que compete garantir e fiscalizar o cumprimento da lei nas áreas de jurisdição do sistema de autoridade marítima, com vista, nomeadamente, a preservar a regularidade das actividades marítimas e a segurança e os direitos dos cidadãos.”
LI - Temos, portanto, que o Órgão de Polícia Criminal com competência para atuar nas atividades marítimas, composto por militares da Armada e agentes militarizados, é a Polícia Marítima e não ao Grupo de Fuzileiros.
LII - O nosso ordenamento jurídico não permite que, no âmbito de um processo crime, se recorra às forças Armadas para levar a cabo ações de investigação criminal;
LIII - Em passagem alguma, a Constituição da República Portuguesa permite que os elementos das forças armadas possam intervir, como O.P.C., que não são, em atos de detenção, revista e buscas de embarcações no âmbito da prática de crimes civis.
LIV - No caso sub judice, quem levou a cabo o mandado de busca e apreensão não foi a Polícia Judiciária mas, apenas e só, o denominado Destacamento de Ações Especiais da Marinha de Guerra Portuguesa, conforme resulta do próprio auto de busca e apreensão de fls. 1505, pelas 00h04 do dia 17/05/2017 a embarcação foi invadida por elementos do denominado grupo D.A.E.;
LV - Motivo pelo qual, o Recorrente considera que a interceção, busca e apreensão levada a cabo pela D.A.E. corresponde a obtenção de provas por métodos manifestamente proibidos, nos termos do artigo 126º do C.P.P.
LVI - No caso sub judice o grupo de operações especiais da Marinha de Guerra Portuguesa, D.A.E., atuou com total autonomia e independência, revelação feita com a contribuição das declarações do inspector da Polícia Judiciária JJ, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 19/03/2019, entre as 14:49:04-15:53:07, conforme depoimento que se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, passagens 00:03:57 a 00:06:00 e 00:21:24 a 00:24:30;
k)
LVII - Os Tribunais Portugueses são incompetentes para julgar os factos em apreciação nos presentes autos;
LVIII - A autorização dada pelas Autoridades Holandesas não deixa quaisquer dúvidas de que a autorização para uma intercepção da embarcação J... apenas se poderia realizar em ALTO MAR;
LIX - Ao contrário do referido pelo Tribunal da Relação...., não resulta, em nenhuma da matéria de facto dada como provada, que as Autoridades Portuguesas tenham informado as Autoridades Holandesas da intercepção efetuada e do concreto local onde a mesma foi levada a cabo.
LX - No caso sub judice, os factos ilícitos não foram praticados em território português, nem a bordo de navio português. Por outro lado, os factos em apreço, não se enquadram em nenhuma das exceções referidas no artigo 5º do C.P.
LXI - A Lei Penal portuguesa é aplicável a factos praticados fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes;
LXII - Segundo a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, são considerado Alto - Mar todas as partes do mar não incluídas no mar territorial e na zona económica exclusiva de um estado costeiro, nem nas águas arquipelágicas de um estado arquipélago.
LXIII - No caso sub judice, conforme foi transmitido ao Tribunal de 1ª Instância pela Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, a embarcação foi interceptada: “… de acordo com os dados da DGRM presume-se que está localizado na Zona Económica Exclusiva Espanhola. Todavia, considerando que o ponto se encontra próximo de Marrocos e de Gibraltar, um esclarecimento mais preciso só poderá ser prestado pelas autoridades, ou pelos países em causa.”
LXIV - A abordagem efetuada à embarcação J... sem autorização do Estado a cuja administração as águas pertencem, configura um verdadeiro ato de pirataria nos termos definidos no artigo 101º da CNUDM.
LXV - Tendo sido violada a autorização concedida pelo Estado da Holanda, fica, igualmente violado o artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, pelo que, não estão igualmente reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 49º do Decreto Lei n.º15/93, de 22 de janeiro.
l)
LXVI - O Mmº JIC, e bem, como guardião das liberdades e garantias dos cidadãos, no Mandado de Busca e Apreensão que emitiu e assinou fez questão de frisar que:
“A presente diligência só pode ser efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade – art” 177°, nº 1 do CPP. –
LXVII - O Tribunal da Relação de Lisboa entende que a busca efetuada à embarcação J… não viola o artigo 177º do C.P.P., porque apesar da embarcação ter sido intercetada, pelas 00:30, os Arguidos terem sido detidos e manietados dentro das suas camaratas, e a embarcação alvo de uma BUSCA, a mesma como foi efetuada pelo grupo de Operações Especiais da Marinha, não está sujeito às Regras do Estado de Direito, isto é não está abrangida pelo mandado de busca…
LXVIII - Para o Venerando Tribunal da Relação ..., para o órgão de Polícia Criminal contornar a autorização concedida pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, poderá e deverá sempre solicitar a intervenção das forças Armadas.
LXIX - Contudo, ao contrário do referido pelo Tribunal da Relação .., na página 384 ultimo parágrafo, aquilo que resultou do julgamento foi que a busca foi imediatamente levada a cabo na madrugada do dia 17/05/2017 e não às 16h30 conforme se fez constar do auto de busca, isto mesmo resultou das declarações prestadas pelo Comandante da Corveta ..., testemunha II, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 20/05/2019, passagens 00:40:46 a 00:42:46;
LXX - A Busca efetuada à embarcação J… violou o artigo 177º, n.º 1 do C.P.P., uma vez que foi efetuada em período temporal contrário ao indicado no respetivo mandado de busca;
LXXI - Assim, toda a prova obtida em consequência dessa diligência de prova é nula ou proibida com as legais consequências. Não tendo o Tribunal da Relação ... assim decidido violou os artigos 126º e 177º do C.P.P.
m)
LXXII - Apurar se determinado ponto vertido na matéria de facto dada como provada consubstancia matéria de facto ou verdadeira matéria conclusiva é questão que, no entendimento do recorrente, pode ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
LXXIII - Os pontos, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30, 43, 48, 58, 60, 61, 62, 64, 75, 79, 106, 110, 132 e 231, considerados matéria de facto dada como provada consubstanciam matéria puramente conclusiva e não verdadeira matéria de facto.
LXXIV - O Tribunal de 1ª Instância refere-se várias vezes ao termo “organização”, o qual é um conceito de direito ou conclusivo que tem que ser enquadrado factualmente;
LXXV - Sobre esta matéria é o próprio Tribunal de 1ª Instância, e bem, a considerar que:
“Da prova produzida (e, até, do próprio texto da acusação/ pronúncia que, a este propósito, se limitou, salvo o devido respeito, a inserir matéria factual genérica e conclusiva) não resultou provada a existência de uma verdadeira associação criminosa e a adesão á mesma dos arguidos (a quem tal ilícito foi imputado).”
LXXVI - O próprio Tribunal de 1ª instância considerou e reconheceu que estamos perante matéria genérica e conclusiva, contudo, nem esse Tribunal nem o Tribunal da Relação ..., retiraram as devidas consequências dessa conclusão, ou seja, que tais pontos não poderiam constar da descrição factual apresentada, pelo simples argumento de que não se tratam de factos.
Deveriam, pois, os referidos pontos constantes da matéria de facto ser retirados daquilo que se considerou “matéria de facto dada como provada”.
LXXIX - Por outro lado, como acima referimos a propósito do Erro Notório na Apreciação da Prova, entende o Recorrente que as escutas telefónicas apenas permitem dar como provadas as concretas conversações realizadas.
LXXX - Acontece, porém, que o Tribunal de 1ª instância, em matéria que o Tribunal da Relação de Lisboa omitiu na sua pronúncia, deu como provadas não as concretas conversações telefónicas, mas sim as conclusões que retirou das mesmas.
LXXXI - O Tribunal de 1ª Instância converteu em factos a interpretação que retira dessas sessões telefónicas, o que nos parece manifestamente ilegal. Assim, os pontos da alegada matéria de facto dada como provada: 32, 36, 37, 38, 45, 52, 53, 56, 59, 63, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 80, 82, 87, 90, 95, 97, 98, 104, 108, 109, 111, 112, 164, 175, 200 e 204, porque não consubstanciam factos mas sim conclusões retiradas de escutas telefónicas, deveriam ser retirados da matéria de facto dada como provada.
n)
LXXXII - Por Acórdão de 16/09/2020, veio o Tribunal da Relação ..., alterar a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, condenando o Recorrente AA pelo crime de adesão p. e p. pelo artigo 28º do D.L. n.º 15/93, na pena de cinco anos de prisão.
LXXXIII - Não pode naturalmente, o Recorrente conformar-se com a referida decisão, porquanto, não ficou demonstrado que o arguido tivesse aderido a qualquer organização.
LXXXIV - Utilizando o critério apresentado pelo professor Figueiredo Dias questiona-se:
Com base nos indícios constantes dos autos poderia o Arguido ser condenado apenas e só por um crime de Associação Criminosa?
É evidente que não.
LXXXV - É, portanto, manifesto que em relação ao Recorrente não se mostra demonstrado que o mesmo cometeu o crime de p. e p. pelo artigo 28º, n.º 2 do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pelo que deveria o Tribunal da Relação de Lisboa ter mantido, quanto a esta matéria a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, ou seja, a sua absolvição.
LXXXVI - Ao condenar o Recorrente pela prática do crime de Adesão a Associação Criminosa o Tribunal da Relação .... violou o artigo 28º, n.º2 do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro.
o)
LXXXVII - No caso sub judice entende a defesa do Recorrente AA que, nos termos do Artigo 6º, n.º 2 do Código Penal Português, deveria ter sido aplicada a Lei Penal Holandesa, por ser mais favorável, nomeadamente, ao nível das penas;
LXXXVIII - Ao crime de tráfico previsto pela conjugação dos artigos 3, corpo e alínea A, e 11, n° 5, da Opiumwet, é aplicável a pena de prisão até 6 anos ou pena de multa da quarta categoria.
LXXXIX - Em conformidade com o disposto no artigo 23° do Código Penal Holandês, a pena de multa a aplicar terá como limite máximo o valor correspondente à categoria de multa prevista para o crime em questão, sendo que existem seis categorias (a quarta categoria, prevista como aplicável pelo artigo 11°, nº 5, da Opiumwet, corresponde ao valor de € 11.250,00 (onze mil, duzentos e cinquenta euros).
XC - Mesmo que se considerasse ser de aplicar ao Recorrente uma pena de prisão, a mesma nunca poderia ultrapassar metade da pena prevista na OPIUMWET, ou seja, os 3 anos.
XCI - Tendo em consideração o disposto pelo artigo 6°, nº 2, do Código Penal, no confronto entre a lei portuguesa e a lei holandesa (lei do território em que o crime foi praticado), surge com evidência que esta última é concretamente mais favorável aos arguidos.
XCII - As penas encontradas no sistema penal holandês devem ser pois as que se aplicarão aos arguidos, sem necessidade de especial conversão no âmbito do sistema português (por serem de natureza idêntica às que a lei portuguesa prevê para o facto). E, em consequência deve o Arguido ser punido no máximo com uma pena de 3 (três) anos de prisão.
XCIII - Ao não aplicar a Lei Holandesa aos Arguidos no caso sub judice o Tribunal da Relação de Lisboa violou os Artigo 6º do Código penal.
p)
XCIV - Foi o Recorrente condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefaciente agravado, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. C) do D.L. n.º 15/93, de 22/1, na pena de 10 (dez) anos de prisão. Acontece, porém, que o Recorrente a ser condenado deveria ser apenas pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artigo 21º, n.º 1 do D. Lei n.º 15/93, de 22/01.
Vejamos
XCV - O Arguido ora Recorrente, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, com a agravação da alínea c) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro: “O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória”.
XCVI - Ora, no caso sub judice aquilo que resulta dos Autos era apenas que o Arguido a troco de um montante não apurado se limitava a transportar uma embarcação de Marrocos para a Líbia onde entregaria o produto estupefaciente a terceiros;
• O Arguido não iria auferir qualquer rendimento com a venda desse produto estupefaciente;
• O produto estupefaciente apreendido não pertencia ao Arguido;
• O Arguido era toxicodependente e todo o dinheiro que auferia gastava-o no consumo;
• O Arguido vivia modestamente, não possuía quaisquer bens nem riqueza.
Não se encontravam, assim verificados os pressupostos para condenação do Arguido pela prática do crime de estupefacientes agravado p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. n.º 15/93, de 22/1.
XCVII - Quando muito, a conduta do Recorrente seria suscetível de integrar a prática do crime de tráfico de produto estupefacientes simples p. e p. pelo Artigo 21º, n.º 1 do D. L. 15/93.
q)
XCVIII - O Recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefaciente agravado, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D. L. n.º 15/93, de 22/1, na pena de 10 (dez) anos de prisão e pela prática de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º, n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, e em cúmulo jurídico na pena de 11 (onze) anos de prisão.
XCIX - A pena aplicada ao Recorrente afigura-se manifestamente excessiva e desproporcional aos factos e, essencialmente, à culpa.
C - Não foram analisados nem ponderados convenientemente, conforme estipula o artigo 71º do Código Penal, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente.
CI - O Recorrente nasceu em 27/01/1966, tendo atualmente 54 (cinquenta e quatro) anos de idade, é primário não tendo averbado no seu registo criminal a prática de qualquer crime, confessou, parcialmente, os factos que lhe eram imputados;
CII - A conduta do Arguido ocorreu num contexto de comprovada, inclusive pelos Senhores Inspetores da Polícia Judiciária, de toxicodependência.
CIII - Pelo que, por tudo o que se encontra exposto, deveria a pena do Recorrente situar-se próximo dos 5 (cinco) anos de prisão.
Termos em que deve o presente Recurso obter provimento, com o que farão V. Exas. a esperada e costumada JUSTIÇA».
Respondeu o Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação ..., pugnando pela improcedência do recurso:
«Quanto à invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto.
Verifica-se que o acórdão recorrido valorou criticamente todos os elementos de prova, indicando com total coerência lógico-jurídica, aqueles cuja relevância interessou à sua convicção. O acórdão recorrido teve o cuidado de fazer referência, ao explicar o seu raciocínio, qual foi a específica e bem individualizada matéria de facto, que considerou provada.
E não é obrigado tal acórdão a fazer uma análise aprofundada de todas as deduções apresentadas pelo recorrente e a proceder a um exame exaustivo e pormenorizado de todos os elementos do processo.
Assim deve considerar-se que o acórdão recorrido demonstrou que considerou todos os factos decisivos para decidir como o fez, caso em que devem considerar-se implicitamente desatendidas as deduções da defesa que, ainda que não expressamente refutadas, sejam logicamente incompatíveis com a decisão adoptada.
Quanto às invocadas contradições insanáveis da fundamentação.
Aqui, uma vez mais, invoca-se a necessidade de a motivação do acórdão recorrido dever constituir uma incindível unidade lógico-jurídica. Esta matéria reporta-se à não audição de 3 testemunhas, cujos depoimentos foram considerados inúteis. Tais testemunhas não tinham directo conhecimento do tema da prova, pelo que sobre este tema não podiam esclarecer com razão de ciência.
Quanto aos erros notórios na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras da experiência comum.
Verifica-se tal erro, quando se dá por provado algo que notoriamente está errado, quando usando-se um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro facto contido no texto da decisão recorrida.
In casu, insurge-se o recorrente com alegado juízos conclusivos que não podiam ser retirados das escutas telefónicas.
Segundo o recorrente «A transcrição de uma escuta telefónica constitui um meio de prova documental. Como tal, apenas prova que numa precisa ocasião certa pessoa proferiu determinada locução, não que o facto a que se refere tenha efectivamente ocorrido» - cfr. al d), XVIII, das conclusões do recurso.
Importa dizer que as escutas telefónicas foram legalmente realizadas, não sendo de resto, a sua validade posta em causa pelo recorrente.
A decisão judicial não é uma mera soma de segmentos autónomos, em que cada uma das provas deve ser apreciada em separado, como se fosse uma decisão singular.
A valoração da prova das escutas telefónicas está coerentemente coincidente e compenetra-se com a dada a todas as outras, resultando a final, num resultado concreto e incindível.
A apreciação e valorização da prova retirada das escutas telefónicas foram manifestamente feitas de acordo com as regras de vida ou de experiência comum, sendo que a motivação do Tribunal está devidamente motivada, através de adequado juízo crítico da prova, valendo aqui, o princípio da livre apreciação da prova, sem a limitação probatória sugerida pelo recorrente.
Quanto às alegadas omissões de pronúncia.
Se o acórdão recorrido considerou provado que os factos atribuídos ao recorrente foram por ele praticados e se correctamente deu parte, na motivação, da existência de provas que nesse sentido levam a uma certeza, não pode exigir-se que tal acórdão se detenha sobre eventuais hipóteses que a defesa propõe como teoricamente capazes de orientar as indagações para pistas alternativas, salvo tratando-se de factos específicos e objectivamente certos, capazes de fazer seriamente vacilar o juízo de responsabilidade que deriva dos elementos probatórios adquiridos, o que não se verifica.
4. Pelo exposto, não enfermando a decisão recorrida qualquer errada aplicação ou interpretação da lei e não contendo a mesma vício ou nulidade de conhecimento oficioso, o recurso interposto deve ser considerado improcedente, devendo ser mantido o decidido, nos seus precisos termos, com o que farão V. Excelências, aliás, como sempre, Justiça».
II. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que de seguida se reproduz:
« (…)
III - Parecer
A - Do fundamento do recurso
O recorrente AA vem invocar uma errónea rejeição dos recursos interlocutórios, e vem impugnar a matéria de facto dada como provada nos pontos 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 36, 37, 38, 40, 43, 45, 48, 52, 53, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 74, 75, 76, 79, 80, 82, 87, 90, 95, 97, 98, 104, 106, 108, 109, 110, 111, 112, 132, 135, 156, 164, 175, 200, 204, 206, 208, 217, 223, 226, 229, e 231, da respectiva fundamentação, face ao disposto no art. 412º, nº 3, do Cod. Proc. Penal, alegando a existência de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, de uma contradição insanável da fundamentação, e de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. a), al. b), e al. c), do Cod. Proc. Penal.
O recorrente AA vem arguir a nulidade do acórdão, por falta de fundamentação, e por omissão de pronúncia, vertida nos arts. 425º, nº 4, e 379º do Cod. Proc. Penal, e vem novamente arguir a nulidade do acórdão de 1ª Instância por falta de fundamentação, e por omissão de pronúncia.
O recorrente AA vem invocar novamente uma situação de invasão de águas territoriais de outro Estado, uma situação de ilegalidade da intervenção da Marinha de Guerra Portuguesa e vem arguir a nulidade da detenção, da busca, e da apreensão realizadas.
O recorrente AA vem questionar a sua condenação pela prática do crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º, nº 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e vem pugnar pela aplicação da lei mais favorável - Lei Holandesa.
O recorrente AA, conclui a sua motivação de recurso alegando não se verificarem os pressupostos para a sua condenação pela prática do crime de estupefacientes agravado p. e p. pelo artº 21º, nº 1, e art. 24º, Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e que lhe deveria ter sido aplicada uma pena próxima dos 5 (cinco) anos de prisão.
B - Do acórdão recorrido
Relativamente às questões de nulidade suscitadas pelo recorrente AA consta da fundamentação do acórdão recorrido, designadamente, o seguinte: “(...) perscrutada a decisão recorrida, verifica-se, que esta explicou, crítica e detalhadamente, os fundamentos probatórios em que estribou a sua convicção, sempre benévola e manifestamente animada do “favor rei”, como é patente em vários trechos, permitindo, sempre, ao recorrente compreender o juízo efectuado, com fundamento nas provas, que enumerou e cujas razões do seu acolhimento explicou, e que o recorrente não põe em causa, limitando-se a uma discordância genérica e nunca concretizada, pelo que até atenta a sua extensão material e natureza substancial (da fundamentação), não se poderá, alguma vez, dizer que o acórdão recorrido incorreu em desrespeito do art.º 374º do Código de Processo Penal, não sendo, por isso, nulo, nos termos do art.º 379º nº 1 alínea a) do mesmo diploma legal (...)”.
E, quanto à falta de averiguação das concretas coordenadas em que a embarcação foi interceptada, e que o recorrente AA alega ter sido em “alto mar”, consta do acórdão recorrido que o mesmo confunde o conceito jurídico de Alto Mar com a expressão corrente de “mar alto” (referida no acórdão quanto ao ponto de intercepção do navio), não se verificando qualquer omissão de pronúncia ou de averiguação, ou de insuficiência da matéria de facto, “(...) porque as coordenadas a que o recorrente se refere foram rigorosamente determinadas e confirmadas, tendo sido discutidas e examinadas com minúcia a partir do momento em que o recorrente as pretendeu pôr em causa, assim como à competência dos tribunais portugueses (...)”, tudo em conformidade com o art.° 3° da Convenção do Direito do Mar, não tendo ficado dúvidas quanto ao local onde ocorreu a referida intercepção, e quanto ao momento da abordagem (cfr. Facto 208 com as cópias do diário de bordo, e com as declarações do então Capitão da Fragata ....).
Ainda, relativamente a esta questão, o acórdão recorrido refere “(...) que o concreto ponto da intercepção está documentado nos mapas de fls. 3645 a 3646 junto ao relatório final da PJ, sendo claro que a embarcação não se encontrava nas 12 milhas náuticas que constituem as águas territoriais do Reino de Marrocos. E também são estas as coordenadas que estavam assinaladas no computador do arguido AA, conforme resultou da análise do seu conteúdo em audiência, por perito informático (...), factos que foram também comprovados pelo depoimento da Testemunha II, capitão de fragata, capitão da Corveta ....., e que acompanhou a abordagem/intercepção feita à embarcação "J…..".
E, ainda quanto a esta questão, o acórdão recorrido refere não restarem quaisquer dúvidas, face à prova produzida, que a embarcação “J…..”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, não se encontrava em águas territoriais de Marrocos, ou de qualquer outro Estado, daí ter julgado improcedentes as alegações de incompetência do tribunal, e da nulidade das detenções, das buscas, e das revistas, suscitadas pelo recorrente AA.
E, o acórdão recorrido examinou, de igual forma, a demais prova produzida, que o recorrente AA alega ser insuficiente e ilegal, tendo esclarecido que a intervenção da Marinha de Guerra foi feita de acordo com as Convenções aplicadas, que as diligências processuais penais foram levadas a cabo por Inspectores da PJ, e não pelos "fuzileiros", não existindo “(...) qualquer assalto à embarcação ou acto de guerra em águas territoriais do Reino de Marrocos, como pretendido pelo recorrente AA (...)”, tendo ocorrido “(...) apenas uma intercepção em águas territoriais portuguesas, a qual é tutelada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 - cfr. art.° 108°, e pela Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 - art.° 17°, ambas ratificadas por Portugal, sendo isso o que está documentado nos autos, designadamente do expediente junto e contemporâneo da intercepção da embarcação pela Marinha de Guerra Portuguesa (...)”, e que a prova obtida através das buscas obedeceu ao formalismo legal do Código de Processo Penal, e nem sequer foi posta em causa, aquando do seu primeiro interrogatório judicial.
E, o acórdão recorrido explicita ter existido uma separação de funções, uma vez que a Marinha actuou na intercepção da embarcação, o que só ela o podia fazer, ao abrigo da legitimidade conferida pelo art.° 17° da Convenção de 1988, e a Polícia Judiciária cumpriu, muitas horas depois, as ordens de busca, não tendo sido cometida qualquer nulidade ou irregularidade.
E, o acórdão recorrido também apreciou a invocada inaplicabilidade da Lei Penal Portuguesa, tendo referido que o Estado Holandês, através da entidade competente, autorizou que as autoridades portuguesas pudessem interceptar a embarcação (conforme o documento original de fls. 2713), tendo estas dado posteriormente conhecimento às autoridades holandesas do resultado da operação, sendo que estas não vieram invocar qualquer violação de tudo aquilo que antes tinham autorizado, não restando dúvidas da competência dos tribunais portugueses, bem como da aplicabilidade da lei portuguesa.
E, o acórdão recorrido também apreciou a invocada nulidade das escutas, tendo feito constar que “(...) tratando-se de informação veiculada pelas autoridades policiais congéneres espanholas (por conseguinte, potencialmente credível) a propósito de actividade delituosa inserida no tráfico de estupefacientes internacional não se vislumbra que fosse exigível (ou sequer possível) a realização de uma qualquer diligência probatória indiciária prévia (designadamente as alvitradas pelo arguido) à realização das intercepções telefónicas (...)”, não estando em causa nenhuma das situações a que alude o art. 126º do Cod. Proc. Penal, ou seja, de proibição de prova, uma vez que as escutas iniciaram-se na sequência de uma comunicação policial estrangeira, e não na sequência de uma vaga ou mera denúncia anónima, como alegado pelo recorrente AA.
E, o acórdão recorrido também apreciou os vícios do art.º 410º, nº 2, do Cod. Proc. Penal suscitados pelo recorrente AA, tendo feito constar que o mesmo omitiu “(...) a extensa prova documental que o tribunal fez constar de cada um dos factos provados, como as transferências de dinheiro, viagens de avião, despesas de hotel, vigilâncias e toda a demais prova expressa, que conjuntamente com as escutas telefónicas, surge referida, como anotação documental, a cada um dos factos provados, dos quais resultaram a demonstração da existência da “organização”, descrita em resultado lógico e unificador da concertação do cometimento dos factos descritos na matéria provada (...)”.
E, relativamente a esta questão, o acórdão recorrido fez constar que tais provas não se cingiram apenas às intercepções telefónicas, que foram certamente relevantes, mas também à demais prova acima indicada e produzida, designadamente o depoimento dos Inspectores da Polícia Judiciária, que acompanharam toda a evolução do processo, e que “(...) de forma credível, isenta e clara confirmaram todas as diligências, vigilâncias, apreensões e outras que levaram a cabo no presente processo (...)”, não deixando quaisquer dúvidas quanto à finalidade do efectivo/conseguido transporte de estupefacientes, evidenciando a circunstância de ter sido também efectuada uma apreensão de haxixe na embarcação “M…..”, que tinha sido capitaneada pelo recorrente AA poucos dias depois da apreensão e detenções no âmbito da embarcação “J……”.
E, o acórdão recorrido fez menção das apreensões efectuadas na residência do recorrente AA, designadamente um cartão Unicâmbio, com o número ....98, com plafond de cem mil euros, vários recibos de transferência de montantes elevados para si, e para a sua mulher, a arguida GG, bilhetes em nome de ambos relativos a uma viagem de 26/08/2016, de ........ para o ......, a uma viagem de ….. para ….. (…), em 12/08, a uma viagem de ...... para ......., em 21/08, a uma viagem de ........ para ….., em 07/11, o canhoto de bilhete de avião relativo a uma viagem de ….. para .........., em 07/11, e canhotos de bilhetes de avião, todos em nome do recorrente, relativos a uma viagem do ........ para .........., em 06/08, a uma viagem de .......... para o ........, em 03/04, a uma viagem de .......... para o ........, em 23/07, a uma viagem do ....... para ….., em 18/11, a uma viagem do ........ para .........., em 09/02, a uma viagem do ........ para .........., em 17/11, a uma viagem do ........ para .........., em 12/02, a uma viagem do ........ para .........., em 19/05, canhotos e bilhetes de avião relativos a uma viagem de ….. para ......., em 16/08, a uma viagem do ........ para ............, em 06/04, a uma viagem de ........ para .........., em 21/08, a uma viagem do ........ para .........., em 11/06, e bilhetes de avião em nome do recorrente e do arguido AA, a uma viagem de .......... para o ........, em 21/09, uma viagem de .......... para o ........, em 19/06, a uma viagem de Lisboa para .........., em 31/08, uma viagem de .......... para o ........, em 14/02/2017, uma viagem de .......... para o ........, em 11/06/2016, um bilhete electrónico em nome do recorrente de uma viagem de Paris para o ........ em 24/03/2017, um Boarding Pass de uma viagem do ........ para .......... em 11/09/2016, um Boarding Pass em nome do arguido AA e do recorrente de uma viagem de …… para ........ em 04/11/2016, e um canhoto de bilhete de avião em nome do arguido AA e do recorrente de uma viagem de ....... para ……., em 18/08, bem como recibos de depósitos em numerário numa conta banco Santander Totta, titulada pelo recorrente, recibos de estadias em hóteis em ........, em ........., na Holanda, numa embarcação em Almeria, de aluguer de uma viatura em Agios Nikolaos, bem como uma folha do “Ministério de Fomento” de Espanha sobre matrículas de embarcações de recreio, bem como o resultado das transcrições das escutas.
E, o acórdão recorrido, face a toda a prova produzida, e a toda a factualidade dada como provada, fez constar que “(...) segundo as já referidas regras da experiência comum, as 10 Toneladas de haxixe apreendidas, seu valor comercial astronómico superior a duas dezenas de milhões de euros, que não está ao alcance da disposição por meras pessoas isoladas, o número de embarcações e seu valor, assim como as sucessivas viagens internacionais marítimas e de avião, despesas de hotéis e outras, efectuadas pelos arguidos e muitos outros comparticipantes, a capacidade económica para dispor de meios, navios próprios, e o próprio modo organizado e planeado de intervenção dos comparticipantes desde o seu recrutamento, ao seu apoio e constante financiamento, como profissionalizado, não deixam dúvidas quanto à existência da organização, contudo, visível, por detrás de todas as provas, acções e factos (...)".
E, o acórdão recorrido fez também constar que “(...) Tal visibilidade resulta de se ter provado que toda a actividade e contactos, pessoais e telefónicos, bem como movimentos financeiros descritos na matéria de facto dada como provada, levada a cabo pelos arguidos e respeitantes aos mesmos, o foi por conta de uma organização composta por vários indivíduos, sedeada na Holanda, na zona ......, que se dedicava ao transporte marítimo de haxixe, em elevada quantidade, que obtinha junto de indivíduos que estavam na posse do estupefaciente, em Marrocos.
Estão provados vários transportes de haxixe, feitos pela organização, em moldes idênticos aos que culminaram com a apreensão feita nos autos, de 10 Toneladas, em embarcações capitaneadas pelo arguido AA.
Resultou igualmente provado que o valor e venda do estupefaciente apreendido excederia os 23.657.844,00 euros (vinte e três milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e quarenta e quatro euros) - facto provado nº 226 (...)”.
E, o acórdão recorrido fez também constar que, recorrendo às regras da lógica e da experiência comum, “(...) a organização, que planeou, investiu e adquiriu esta enorme quantidade de haxixe - no valor de mais de 20 milhões de euros - certamente que se assegurou que as pessoas que faziam parte da tripulação da embarcação e, em especial, capitão da embarcação que realizava o mencionado transporte, estavam ao corrente e que iam colaborar no plano de transportar o haxixe, do modo definido pela organização, pois ao contrário poriam em risco a segurança da operação (...)”.
E, o acórdão recorrido fez também constar ter ficado provado que, pelo menos desde início de 2016 e até … de Maio de 2017, esta organização procedeu a vários transportes de haxixe, com semelhante percurso e de idênticas quantidades (10 Toneladas), de elevado valor monetário, e que, durante um ano e meio, o recorrente AA teve ao seu serviço, como capitão das embarcações "K......", "M....", "N...../AA" e "J…..", a proceder aos referidos transportes marítimos de haxixe, cumprindo/executando os fins prosseguidos pela organização, e que, o facto de alegar que trabalhou duas semanas na pesca, e um ano e meio, como mareante, não demonstra que tivesse desenvolvido uma actividade profissional lícita, designadamente que tenha sido capitão de embarcações não ligadas aos transportes de estupefacientes.
E, o acórdão recorrido fez também constar, face a toda a prova documental e testemunhal produzida, que “(...) Resulta inequívoco que o recorrente AA, bem como os outros arguidos, desempenharam a actividade de transporte, por via marítima, de haxixe, desde a costa de Marrocos, onde era carregado, até à zona da Líbia (local onde seria descarregado), em larga escala (no caso foram apreendidas 10 Toneladas), tendo em vista a obtenção de contrapartidas monetárias avultadas (...)”, competindo ao recorrente AA desempenhar as tarefas de organizar a tripulação, e de preparar a embarcação que ia ser utilizada (conforme vertido nos factos provados números 1, 2, 5, 6, 7, 9, 22, 25, 27, 31,32,33, 34, 38, 39, 40, 41, 42, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 82, 85, 88, 95, 97, 98, 101, 102, 103, 108, 109, 110, 111, 117, 126, 132, 137, 138, 139, 146, 147, 148, 158, 159/162, 163, 164, 170, 174, 175, 178, 183, 184, 185,187 e189), e que o fazia por conta e segundo as orientações da referida organização, sedeada na Holanda.
E, o acórdão recorrido fez também constar que “(...) resulta expressamente dos próprios factos dados como provados que o AA tinha a função de capitão das várias embarcações que fizeram transporte de haxixe ("K....", propriedade do BB "M….", "N…", propriedade do AA e "J…", propriedade do CC), viajando nessas embarcações, com a respectiva tripulação, para junto da costa marroquina, onde procediam ao transbordo dos fardos de haxixe que aí lhes eram entregues por terceiros, os quais transportavam depois até o destino, algures perto da Líbia, onde procediam de novo ao transbordo (...)”, sendo inverosímil, face às regras da experiência comum, afirmar que as 10 (dez) Toneladas de haxixe apreendido tinham um fim lícito, ou seja, iriam ser encaminhadas para a indústria farmacêutica, dados os apertados níveis de controlo e de segurança legalmente exigidos, desde a produção até ao consumidor, exigindo-se que o transporte seja acompanhado da necessária documentação e autorização, que no caso inexistiam.
E, o acórdão recorrido considerou, de uma forma fundada, que o transporte de 10 (dez) Toneladas de haxixe, levado a cabo pelo recorrente AA e demais arguidos, não se enquadrava numa qualquer actividade legal, muito pelo contrário, tal actividade constituiu um crime, e que as regras da experiência de vida só poderão levar a considerar que o haxixe apreendido seria destinado a final à venda directa ou indirecta ao consumidor, actividade com a qual se iriam obter elevadíssimos proventos económicos.
E, o acórdão recorrido considerou também que o Tribunal em 1a Instância “(...) elencou a prova produzida, examinou-a, contrapôs a mesma às versões apresentadas pelos arguidos e explicou porque deu como assente a matéria de facto, fazendo um exame crítico da prova de forma que resultaram completamente perceptíveis os motivos da condenação do recorrente AA (...)” e concluiu pela improcedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, “(...) uma vez que, perscrutada a fundamentada decisão recorrida, se não pode de forma alguma concluir pela existência de erro na apreciação da prova, nem de violação das regras da experiência comum nem sequer da violação dos princípios do direito probatório (...)".
E, o acórdão recorrido também enunciou e apreciou os fundamentos invocados pelo recorrente AA, no sentido de não se encontrarem verificados os pressupostos para a sua condenação pela prática do crime de estupefacientes agravado p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 e art. 24º, al. c) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e no sentido de ser manifestamente excessiva e desproporcional a pena que lhe foi aplicada, face à pouca nocividade para a saúde do produto estupefaciente apreendido, ter 53 anos de idade, ser primário, ter confessado parcialmente os factos que lhe eram imputados, e que a sua conduta ocorreu num contexto de comprovada toxicodependência, e considerou fundadamente terem sido apurados factos que consubstanciam um tráfico internacional de 10 (dez) Toneladas de estupefacientes, num valor superior a vinte e três milhões de euros, e que a sua conduta preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes agravado pelo qual foi condenado, sendo que o facto de ser toxicodependente não justifica por si só a atenuação especial da pena, conforme jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, que citou.
E, o acórdão recorrido também atendeu e apreciou a “(...) confissão parcial e diminuta dos factos, reduzida aos factos que não podia negar face à situação de flagrante delito, ao modo de vida “profissionalizado” do arguido durante tanto tempo, sua liderança na acção como comandante do navio, grave grau de ilicitude dos factos, elevada intensidade do dolo e a sua primariedade, a pena fixada de 10 (dez)anos de prisão é insusceptível de redução dada a sua acentuada humanidade e manifesta benevolência, sob pena de violação das exigências de prevenção geral e especial do crime, que no caso se impõem com especial acuidade (...)”, e concluiu pela improcedência do recurso, no tocante à redução da medida concreta da pena de prisão aplicada ao recorrente AA, face à respectiva moldura penal aplicável, e a todas as circunstâncias em que os factos foram praticados.
C - Apreciação
Consideramos que o recurso interposto pelo recorrente AA não merece provimento, subscrevendo a resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
Assim, começaremos por referir que o recorrente AA vem interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça invocando os mesmos vícios e as mesmas nulidades que invocou nos recursos interlocutórios, e no recurso da decisão final, proferidos em 1ª Instância, e que apresentou para o Tribunal da Relação ....
E, a propósito do conhecimento por este Supremo Tribunal de justiça dos recursos interlocutórios, e da fundamentação das decisões, invocamos o Ac. STJ, de 12/03/2015, in Proc. nº 724/01.5SWLSB.L1, acessível em www.dgsi.pt., em cujo sumário se lê que:
I - O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos (dos tribunais de júri ou colectivo) sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações.
II - A circunstância do recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que o foi o principal.
III - Por isso, é irrecorrível, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do art. 432.º, ambos do CPP, a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objecto do processo.
IV - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou se valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados em audiência.
V - A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada facto se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível.
VI - Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da sua parte final (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista.
VII - Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da 1.ª instância, é suficiente que do acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova, não se descortinam razões para exercer censura sobre o decidido.
VIII - O erro notório na apreciação da prova só ocorre quando se retira de um facto dado como provado, algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, notoriamente violadora das regras da experiência comum e da lógica, que ressalta à vista de qualquer pessoa de formação média, perante a simples leitura da decisão recorrida.
IX - O recorrente impugna a convicção do tribunal, com a valoração feita das provas, mas tal desiderato não se confunde com os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que têm de resultar do texto da decisão recorrida, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos exteriores à decisão.
X - Erro de julgamento sobre valoração das provas só em recurso da matéria de facto pode ser questionado. Sendo que o tribunal competente para a apreciação do facto é exclusivamente o Tribunal da Relação, como resulta do disposto no art. 428.º do CPP. (...)” (sublinhado nosso).
Ora, o acórdão recorrido apreciou devidamente todas as questões invocadas pelo recorrente AA nos recursos que interpôs das decisões interlocutórias, tendo-as totalmente confirmado, entendendo-se não ser já admissível um novo recurso para este Supremo Tribunal, tal como foi decidido no Ac. STJ de 12/03/2015, supra identificado.
O acórdão recorrido também apreciou devidamente os vícios invocados pelo recorrente AA da decisão final proferida em 1ª Instância, designadamente a sua nulidade por falta de fundamentação, por omissão de pronúncia, por se verificar uma situação de invasão de águas territoriais sob domínio de outro Estado, uma situação de ilegalidade da intervenção da Marinha de Guerra Portuguesa, uma situação de inaplicabilidade da Lei Penal
Portuguesa, uma situação de incompetência dos Tribunais Portugueses, uma nulidade da intercepção, da busca, e da apreensão, e uma nulidade das escutas telefónicas, considerando e justificando fundadamente que tais vícios não se verificaram.
O acórdão recorrido também apreciou os vícios invocados pelo recorrente AA da decisão final proferida em 1ª Instância, enunciados no art. 410º, nº 2, do Cod. Proc. Penal, tendo feito constar que, no seguimento de jurisprudência uniforme dos Tribunais, a lei não exige que se reproduzam todos os depoimentos testemunhais quando estes se demonstraram irrelevantes, antes exigindo, que se proceda a um exame lógico e conciso sobre a forma como determinada prova produzida serviu para formar a convicção do tribunal, situação que se verificou.
E, o acórdão recorrido fez também constar que o recorrente AA não cumpriu devidamente o prescrito no art. 412º, nº 3, e nº 4, do Cod. Proc. Penal, que determina que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve especificar: (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e (c) as provas que devem ser renovadas, não, obstante ter procedido a uma análise da prova documental e testemunhal produzida, como acima se referiu.
E, atendendo a que os poderes de apreciação da matéria de facto ficam esgotados após a decisão do recurso pelo Tribunal da Relação, tornando-se esta matéria de facto como definitivamente assente, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do Cod. Proc. Penal, que este Tribunal Superior deva conhecer oficiosamente, não se nos afigura a existência de nenhum desses vícios que deva ser conhecido oficiosamente no âmbito do presente recurso.
Tem sido entendimento jurisprudencial pacífico que os vícios previstos no art. 410º, nº 2, e nº 3, do Cod. Proc. Penal, não podem constituir objecto do recurso de revista, a interpor para este Supremo Tribunal de Justiça, que só poderá conhecer oficiosamente dos mesmos caso se venha a apurar que a decisão recorrida não procedeu a uma correcta aplicação do direito, devido aos vícios existentes ao nível da apreciação da matéria de facto, como já se referiu.
Assim, o recorrente AA, não poderá vir novamente questionar a matéria de facto, pondo novamente em causa a credibilidade que o Tribunal da Relação deu à prova produzida, fundamentando novamente esta sua pretensão com o entendimento de que a prova produzida é insuficiente, e deveria ter sido valorada de forma diferente, uma vez que esta matéria de facto já foi duplamente confirmada, e dada como assente, e não se verifica que tenha havido uma incorrecta aplicação do direito na sua apreciação e valoração.
Refira-se que o recorrente AA, ao invocar a existência dos vícios do art. 410º, nº 2, do Cod. Proc. Penal, pretende afirmar que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação deveria ter extraído da prova produzida uma conclusão diferente daquela extraiu, o que consubstancia uma nova impugnação da matéria de facto, que se encontra excluída do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, como impõe o art. 434º, do citado diploma legal.
Na verdade, não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça reapreciar novamente a prova, de forma a sindicar a valoração que o Tribunal da Relação fez dessa mesma prova, nomeadamente dizendo se a apreciou e valorou de uma forma correcta ou incorrecta, uma vez que este Supremo Tribunal não pode funcionar como uma segunda instância de recurso, sobre a matéria de facto, sob pena de serem violados os arts. 434º e 428º, ambos do Cod. Proc. Penal.
Assim, por força do disposto nos arts. 432°, n° 1, al. b), e 434°, do Cod. Proc. Penal, o Supremo Tribunal de Justiça pode apenas reexaminar a matéria de direito (sem prejuízo, como já se disse, do conhecimento oficioso dos vícios enunciados no nº 2, e nº 3, do art 410°, do Cod. Proc. Penal evidenciados pela decisão recorrida), ou seja, não pode conhecer das questões inerentes ao julgamento sobre a matéria de facto, nem das questões que concernem à própria formulação da decisão de 1ª Instância (como as nulidades e os vícios de procedimento), que já não estão sob apreciação.
Refira-se, também, que o facto de o Tribunal da Relação ter deixado de sindicar o julgamento levado em 1ª Instância sobre toda a matéria de facto dada como assente, não dando cabal cumprimento ao ónus de especificação consignado no art. 412º, nº 3, e nº 4, do Cod. Proc. Penal, não poderá, por si só, consubstanciar uma omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, nos termos dos arts. 379°, n° 1, al. c), 374°, n° 2, e 97°, n° 5, todos do Cod. Proc. Penal.
Passando agora à apreciação da qualificação jurídica da conduta do recorrente AA, temos que o acórdão recorrido condenou-o pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente agravado p. p. pelo art. 21º e art. 24º al. c), ambos do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art. 28º, nº 2, do mesmo diploma legal.
E, relativamente à imputação do crime de tráfico de estupefaciente, temos que este crime enquadra-se na categoria dos crimes de perigo abstracto ou presumido, que “(...) não pressupõem nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a um desses bens jurídicos (...)”, sendo que o perigo presumido “(...) envolve-se na mera comprovação da detenção de uma determinada quantidade de substância tóxica, independentemente da real demonstração do perigo, ou o que dá no mesmo, da intenção de transmiti-la (...)”, não se exigindo “(...) para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo; o crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral) (...)'(sublinhado nosso) - cfr. sumário do Ac. STJ de 15/01/2020, in Proc. nº 23/17.0PEBJA.S1., acessível em www.dgsi.pt.
Desta forma, e enquanto crime de perigo abstracto, a respectiva tutela penal verifica-se desde logo através da punição dos respectivos actos de execução, sem se exigir, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da acção projectada, nem a efectiva lesão do bem jurídico em causa, ou seja, a saúde pública.
Disto isto, entende-se que o acórdão recorrido procedeu a uma correcta qualificação jurídico penal da conduta do recorrente AA, ao condená-lo pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente agravado p. p. pelo art. 21º e art. 24º al. c), ambos do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, sendo que a dimensão da apreensão, por si só, já preenche os elementos típicos objectivos e subjectivos do tipo de crime de tráfico internacional de estupefacientes.
Entende-se igualmente que o acórdão recorrido procedeu a uma correcta qualificação jurídico da conduta do recorrente AA ao condená-lo pela prática de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art. 28º, nº 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Com efeito, o acórdão recorrido atendeu, face à factualidade dada como provada, que o recorrente AA, juntamente com os arguidos BB e CC, “(...) aderiram às finalidades da referida organização destinada ao tráfico de estupefacientes (...)”, sendo que “(...) resulta feita prova inequívoca que a organização, durante um ano e meio, teve o arguido AA, ao seu serviço, como capitão das embarcações “K....”, “M….”, “N.../AA” e “J….”, a proceder aos referidos transportes marítimos de haxixe, cumprindo/executando os fins prosseguidos pela referida organização (...)”.
E, o acórdão recorrido, para além de mencionar as tarefas de todos os arguidos na organização, entendeu, fundadamente, que “(...) tendo em conta os factos que o tribunal deu provados, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, deveria ter concluído também que os arguidos AA, BB e CC aderiram aos propósitos do grupo, fazendo-os seus, tendo a sua actuação sido realizada para concretizar tais fins.
Quanto às funções do arguido AA na actividade de transporte de haxixe levada a cabo pela organização, resultam dos próprios factos dados como provados, sendo lógico concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que a organização decidiu que exerceria as funções de capitão, cumprindo-lhe organizar a tripulação, preparar a embarcação para a viagem, fazer o transporte do haxixe nas embarcações disponibilizadas pela organização e depois as mesmas em locais como a Grécia e Malta onde mais tarde seriam recuperadas, por ele próprio ou por terceiros a mando da organização (...)”.
Assim, o acórdão recorrido procedeu à apreciação global dos factos dados como provados, atendeu à organização, e à logística utilizada, à quantidade de estupefaciente apreendido, e ao respectivo valor de venda, que excederia os € 23.657.844,00 (vinte e três milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e quarenta e quatro euros), ao seu grau de perigosidade caso tivesse sido difundido, bem como à personalidade do recorrente AA, ao seu modo de vida, e às funções desempenhadas dentro da organização, tendo qualificado a sua conduta jurídico-penal de uma forma correcta.
Passando agora à apreciação da medida da pena aplicada ao recorrente AA, que o mesmo alega ser excessiva, pugnando pela sua condenação numa pena próxima dos 5 (cinco) anos de prisão, iremos enunciar os preceitos legais aplicáveis, jurisprudência sobre esta matéria, e o que consta do acórdão recorrido.
Assim, dispõe o art. 40°, n° 1, do Cod. Penal, que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Temos, assim, que as finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) deverão conjugar-se para a prossecução do objectivo comum de protecção de bens jurídicos comunitariamente valiosos, cuja violação constitui crime, através da prevenção de comportamentos danosos.
Desta forma, a escolha do modelo e da medida da pena deverá ter por finalidade a tutela e a protecção de bens jurídicos, e a tutela da confiança das expectativas da comunidade, na validade das normas, e dos correspondentes valores que concretamente foram afectados.
Por seu lado, a escolha da medida da pena também deverá ter por finalidade a reintegração do agente na sociedade, impondo-se a aplicação de uma pena cuja espécie e medida se mostre adequada, e que se revele suficiente para realizar as finalidades da ressocialização do agente, tendo como limite inultrapassável a respectiva medida da culpa.
No caso, o recorrente AA foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 21º e art. 24º al. c), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, ao qual cabe uma pena de prisão de 5 (cinco) a 16 (dezasseis) anos, e pela prática de um crime de adesão a associação criminosa p. p. pelo art.º 28º, nº 2, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, ao qual cabe pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
E, a medida concreta da pena aplicada ao recorrente AA foi de 10 (dez) anos de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art. 21º e art. 24º al. c), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e de 5 (anos) pela prática do crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º nº 2 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro e, em cumulo, foi condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
E, relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, o Ac. STJ de 06/05/2020, in Proc. nº 86/17.9T9VFR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt., diz, no respectivo sumário, que:”(...) XIII - O normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública - pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo - neste sentido o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 6 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992 e no BMJ n.º 411, pág. 56 e ss., o qual versou o princípio da presunção de inocência do arguido e abordou a constitucionalidade do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83 (seguido de perto pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 441/94, de 7 de Junho de 1994, publicado no Diário da República, II Série, n.º 249, de 27 de Outubro de 1994 e no BMJ n.º 438, pág 99 e ss.), que abordou a constitucionalidade da mesma norma e onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia”.
XIV - Segundo João Luís de Moraes Rocha, in “Tráfico de estupefacientes e liberdade condicional”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, Fasc. 1.º, Janeiro-Março 2000, Coimbra Editora, pág. 106, da exegese do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e da Convenção das Nações Unidas de 1988 é possível concluir que a incriminação do tráfico de estupefacientes visa proteger diversos bens jurídicos: saúde pública da população, a estabilidade económica, financeira, cultural e política da sociedade e a segurança e soberania do Estado, não sendo defensável a recondução de todos eles a um só bem jurídico aglutinador.
XV - Para Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, no Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Universidade Católica Editora, Novembro de 2010, pág. 482, “O bem jurídico protegido é uma amálgama de bens jurídicos variados de índole pessoal, tais como a vida, a saúde individual dos consumidores e a saúde pública, a liberdade individual, a estabilidade familiar, a coesão inter-individual das organizações fundacionais da sociedade, e até a economia de Estado afectada pela realização de negócios ilegais, todos recondutíveis à saúde pública”.
XVI - Extrai-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1985, in BMJ, n.º 347, pág. 220 - No crime de tráfico o legislador estabeleceu a punição das condutas aí especificadas porquanto as considerou em si mesmas perigosas, já que, segundo as regras da experiência comum, são aptas a produzir efeitos danosos num número indeterminado de bens jurídicos.
XVII - Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-03-2000, proferido no processo n.º 1201/99, da 3.ª Secção, sumariado em SASTJ, n.º 39, Março de 2000, pág. 58, o tipo legal de tráfico de estupefacientes viola uma pluralidade de bens jurídicos da mais alta importância, entre os quais devem salientar-se a vida humana, a saúde física e psíquica e a própria estabilidade social.
XVIII - De acordo com o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1-03-2001, recurso n.º 4128, in CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 234/7, o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões incriminatórias do tráfico de estupefacientes é a saúde pública em conjugação com a liberdade do cidadão, aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência que a droga gera.
XIX - Para o acórdão de 13-11-2014, proferido no processo n.º 249/11.0PECBR.C1.S1 - 5.ª Secção “Quanto ao bem jurídico, e considerando que o crime protege primariamente o bem jurídico da saúde pública (e em segundo plano protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores), tem sido este classificado como um crime de perigo abstracto, considerando-se que daquelas actividades descritas no tipo há já um perigo de lesão daquele bem jurídico”.
XX - Para o acórdão de 30-10-2019, processo n.º 419/18.0JELSB.L1.S1-3.a Secção “O tráfico de estupefacientes põe em causa pilares essenciais da sociedade entre eles a ordem pública e a segurança dos cidadãos. Concita uma necessidade ingente de combate permanente pela danosidade social que comporta” (...)”
Estamos, assim, perante a prática de um crime cujo bem jurídico protegido é uma amálgama de bens jurídicos variados de índole pessoal, tais como a vida, a saúde individual dos consumidores, e a saúde pública, a liberdade individual, a estabilidade familiar, sendo que, no caso dos autos, estamos também perante a prática de um crime de tráfico internacional, de 10 (dez) Toneladas de estupefacientes, num valor superior a vinte e três milhões de euros, encontrando-se o recorrente AA inserido numa associação criminosa criada para a prossecução desta actividade ilícita.
Ora, a medida concreta da pena a aplicar ao recorrente AA terá de atender designadamente à quantidade de estupefaciente apreendido, e à elevada perigosidade da situação, uma vez que tal produto se destinaria a ser posteriormente transaccionado.
O dolo do recorrente AA foi directo e intenso, pois sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, fazendo desta actividade ilícita o seu modo de vida, tendo reconhecido parte dos factos em audiência de discussão e julgamento mas, tal como refere o acórdão recorrido, esta confissão pouco releva, face às circunstâncias em que o mesmo foi detido pelas autoridades, e também não contribuíu para a descoberta da verdade, no que concerne aos factos objecto do presente processo.
No caso, as necessidades de prevenção geral são bastante elevadas tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão - a saúde pública - que impõe uma resposta punitiva firme, dada a frequência deste fenómeno, e o conhecido alarme social e insegurança que causa, através das consequências, e dos efeitos colaterais que provoca na comunidade a nível de saúde pública.
Ora, o crime praticado pelo recorrente AA configura um ilícito de elevada gravidade, não tendo o mesmo invocado quaisquer circunstâncias que não tivessem sido consideradas no acórdão recorrido, nem se vê sedimentada, como provada, materialidade que possa fundar a mitigação das penas (como é o caso da confissão e o da toxicodependência), invocadas na motivação recursiva.
E, ponderando todos os elementos supra mencionados, e justificando-se uma intervenção firme e correctiva, considera-se que a pena única de 11 (onze) anos de prisão aplicada ao recorrente AA se revela justa, adequada, e equilibrada, não ultrapassa a medida da culpa, e responde às necessidades de prevenção geral e especial, está conforme com a necessidade de tutela dos bens jurídicos violados, e não afronta os princípios da necessidade, da proibição do excesso, e da proporcionalidade das penas, do art. 18º, nº 2, da CRP.
Entende-se que uma diminuição da medida da pena aplicada não alcançaria o efeito positivo de ressocialização que se pretende, sendo que o seu exame, suscitado pela via recursiva, só deverá prevenir e eventualmente emendar a fixação de um determinado quantum que possa revelar-se desproporcionado, por derrogação dos princípios e das regras pertinentes, o que não será o caso dos autos.
Face ao exposto, somos de parecer que o recurso deve improceder, por não se verificarem as alegadas nulidades do acórdão recorrido, e por se entender que as penas parcelares e a pena única aplicadas ao recorrente AA revelam-se justas e adequadas, face às elevadas necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e aos bens jurídicos violados».
Foi cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP. O arguido respondeu, no essencial acentuando aquilo que já havia referido na sua motivação de recurso.
III. São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP.
E são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente:
A) Rejeição de recurso interlocutório – omissão de pronúncia.
B) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artº 412º, nº 1, al. a) do CPP – determinação do local onde foi interceptada a embarcação J…...
C) Contradição insanável da fundamentação – artº 410º, nº 2, al. b) do CPP.
D) Erro notório na apreciação da prova – artº 410º, nº 2, al. c) do CPP.
E) Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação – não indicação, pelo Tribunal da Relação, dos factos em concreto decididos pela 1ª instância como não provados e que deveriam ter sido declarados como provados.
F) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, no que concerne à determinação da lei – portuguesa ou holandesa – mais favorável e no que diz respeito à impugnação da matéria de facto.
G) Nulidade do acórdão da 1ª instância por falta de fundamentação – falta de exame crítico.
H) Nulidade do acórdão da 1ª instância por omissão de pronúncia, no que concerne à determinação da lei – portuguesa ou holandesa – mais favorável.
I) Invasão de águas territoriais sob domínio de outro Estado.
J) A pretensa ilegalidade da intervenção da Marinha portuguesa.
K) Inaplicabilidade da lei penal portuguesa – incompetência dos tribunais portugueses.
L) Nulidade da intercepção, busca e apreensão.
M) Matéria de facto/matéria conclusiva – questão de direito.
N) Condenação pela prática do crime de adesão a associação criminosa.
O) Aplicação da lei penal mais favorável – lei holandesa.
P) O crime imputado.
Q) A medida concreta da pena.
IV. Em 1ª instância, foram considerados provados os seguintes
FACTOS:
1. O arguido AA, desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde inícios de 2016, vinha efectuando transporte marítimo de fardos de haxixe, exercendo a função de … das embarcações utilizadas nessa actividade.
2. O que fazia por conta de uma organização composta por vários indivíduos, sedeada na Holanda, na zona ...., situada no norte desse país, e que se dedicava ao referido transporte marítimo de fardos de haxixe.
3. A organização diligenciava pela obtenção das elevadas quantidades de haxixe junto de indivíduos que estavam na posse desse produto em Marrocos e, depois, pelo transporte do mesmo por via marítima, através de embarcações que fazia deslocar, primeiro, para junto da costa de Marrocos, onde se efectuava o carregamento do estupefaciente, e, depois, desde esse local até à zona da Líbia, no interior do Mediterrâneo, onde o produto era entregue a outros indivíduos que, mais tarde, concretizariam a sua dissimulação/venda no mercado europeu.
4. Tal organização continha elementos na Holanda, mas também, e pelo menos, na Grécia ou em Malta, países onde aportava as embarcações que utilizava para aquele fim e após estas concretizarem a entrega do haxixe.
5. O arguido AA dedicara-se, em tempos, a actividades relacionadas com a pesca, tendo experiência na preparação e condução de embarcações em alto mar.
6. O arguido AA também possuía embarcações que recebia de elementos da organização como contrapartida pelos transportes de estupefacientes efectuados e que estava disposto a ceder à organização, mediante contrapartida económica, para serem utilizadas no transporte do haxixe.
7. Uma forma que a organização tinha para efectuar pagamentos relacionados com os transportes dos produtos estupefacientes era através da entrega das embarcações aos próprios utilizadores, que assim ficavam na sua posse para posterior utilização em novos transportes.
8. O arguido AA vivia com a arguida GG, numa casa sita na Rua ......., nº ...., em ...., onde residia quando não estava na Holanda ou a realizar as aludidas viagens de barco.
9. O arguido AA deslocava-se frequentemente para a Holanda, por via aérea, por vezes acompanhado pela arguida GG, a fim de ali se encontrar com elementos da organização e para combinar com estes, quer as embarcações a utilizar nos referidos transportes e respectiva tripulação, quer as datas em que as viagens se concretizariam.
10. Nessas viagens à Holanda, os arguidos AA e GG recebiam da organização dinheiro respeitante a parte do pagamento devido pela actividade que o primeiro desenvolvia.
11. A organização também remetia dinheiro para os dois arguidos, o que fazia ou através de transferências monetárias via Western Union, ou através de entregas em mão efectuadas por outros indivíduos que se deslocavam a Portugal, para pagamento pela actividade que o AA desenvolvia.
12. Quando o arguido AA estava ausente de Portugal era a indicada arguida GG que recebia o dinheiro que a organização entregava.
13. Quer o arguido AA, quer a arguida GG, não exerceram em Portugal, no período compreendido entre Março de 2016 e Maio de 2017, qualquer actividade profissional lícita da qual pudessem obter proventos necessários à sua subsistência.
Aliás, qualquer desses arguidos não apresenta declarações de rendimentos desde 2001. (Informação da AT de fls. 1363)
14. Os arguidos BB, CC e DD, todos de nacionalidade holandesa, disponibilizaram-se para efectuar ou diligenciar pela concretização dos transportes marítimos de estupefacientes nos moldes a seguir indicados.
15. Para tal, quer o arguido CC, quer o arguido BB, dispunham de embarcações registadas nos seus nomes, que afectavam a tais transportes.
16. A arguida EE era companheira do arguido CC e acompanhava-o nas viagens marítimas. (Apenso 1)
17. O arguido DD é filho do arguido CC e vinha realizando, igualmente, e como a seguir se indicará, viagens marítimas com o indicado propósito, fazendo parte da tripulação das embarcações.
18. Os arguidos AA, BB, CC e DD estavam cientes da actividade de transporte de estupefacientes que abarcaram, tendo aceitado participar na mesma, e com vista a daí tirar proveitos económicos.
19. Nenhum dos indicados arguidos exercia qualquer actividade profissional lícita.
20. Todos os contactos, pessoais e telefónicos, bem como as movimentações a seguir descritas, mantidos pelos arguidos, foram-no no propósito de diligenciar e concretizar os aludidos transportes marítimos de produtos estupefacientes.
21. Também todos os movimentos financeiros a seguir indicados resultaram de pagamentos da organização aos arguidos AA e GG pela actividade que o arguido AA desempenhava.
22. No mês de Março de 2016, o arguido AA comandou uma embarcação denominada K..., com porto de registo em Piraeus, na Grécia, com vista a vir a transportar haxixe, produto que seria recolhido no mar, na zona de Saidia, em Marrocos.
23. A embarcação K.... pertencia, nessa altura, ao arguido BB e estava à disposição da organização para a concretização dos transportes de fardos de haxixe.
24. Porém, após ter aportado em Cartagena, Múrcia (Espanha), por motivos não concretamente apurados, o transporte em causa não se veio a efectivar, tendo o arguido AA conduzido a embarcação em direcção a Portugal.
25. No dia 18 de Março de 2016, o arguido AA deu entrada no porto .... da referida embarcação K..., fazendo ainda parte da tripulação um indivíduo de nacionalidade holandesa, de nome LL, e um outro de nacionalidade portuguesa, de nome MM.
26. Era propósito do arguido AA vir a utilizar tal embarcação em futuros transportes de estupefacientes.
27. Porém, a mesma encontrava-se em más condições de conservação, o que, nessa altura, impediu o arguido de a usar para aquele fim. (Auto de fls. 74; Fotografias de fls. 75-76)
28. No dia 21 de Março de 2016, a organização, através de um tal de NN remeteu ao arguido AA, via Western Union, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros). (Recibo de fls. 1416.)
29. No dia 25 de Março de 2016, a organização, através de uma tal de OO, remeteu à arguida GG, via Western Union, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros).
30. No dia 4 de Abril de 2016, a organização, através de um tal de NN remeteu à arguida GG, via Western Union, a quantia de € 1.000,00 (mil euros). (Recibo de fls. 1443-A e 1443)
31. No dia 14 de Abril de 2016, o arguido AA deslocou-se, com a arguida GG, para Portimão, para resolver uma vistoria ao barco, tendo estado durante o dia seguinte a atestar os depósitos e a tratar da documentação com vista à sua navegabilidade.
32. No dia 16 de Abril de 2016, o arguido AA informou o referido LL, que se encontrava a utilizar um telemóvel holandês (…69), que ia levar o K.... para .... .
Mais disse que ia ter “um trabalho” em breve (referindo-se a um transporte de estupefacientes), que da última vez não fora culpa dele (referindo-se à situação relacionada com a utilização do K...) e que a próxima ia ser “uma boa pescaria”.
Tal indivíduo disse ao arguido que podia vender o barco e ficar com o dinheiro para si. (Sessão 28 do alvo ...., transcrita a fls. 4-10 do Apenso A)
33. No dia 18 de Abril de 2016, o arguido AA esteve a colocar mantimentos na embarcação, tendo saído com a mesma do porto de ...... no dia 21 de Abril de 2016, acompanhado da arguida GG e do já referido MM, e deu entrada no porto de ...., em ...., no dia … de Abril de 2016. (RDE de fls. 121 e Reportagem Fotográfica de fls. 159 e 160)
34. No dia … de Maio de 2016, o arguido AA falou com um indivíduo que estava a utilizar um telemóvel grego (nº …60) e perguntou a este se podia vender o barco, referindo-se ao K..., com os documentos que tinha na sua posse, tendo aquele indivíduo, que respondia pelo nome de “......”, o desaconselhado a isso. (Sessão 339 do alvo ...., transcrita a fls. 19-26 do Apenso A)
35. A embarcação K.... continuou registada em nome do arguido BB, tendo ficado aportada em .... .
36. Nos dias … a … de Maio de 2016, o arguido AA combinou com um indivíduo da organização que estava na Holanda em viagem para ....., tendo remetido ao mesmo o seu nome e a data de nascimento para lhe adquirirem o bilhete de avião. (Sessões 384, 385, 391, 395, 396 e 397 do alvo ........, transcritas a fls. 27-32 do Apenso A)
37. Nos dias seguintes, o arguido AA continuou a contactar com indivíduos da organização, que estavam a utilizar telemóveis holandeses, com vista a agendar a sua viagem até à Holanda. (Sessões 417, 423, 426, 427, 428, 440, 441, 443, 444, 446, 473, 487, 489, 490, 493 e 543 do alvo ........, transcritas a fls. 33-49 do Apenso A)
38. Apenas no dia 2 de Junho de 2016, em conversa telefónica que manteve com um indivíduo da organização que estava a utilizar um telemóvel holandês (nº 31-61…77), e que respondia pelo nome de ....., o arguido AA foi informado do novo transporte que a organização estava a preparar, que seria uma viagem de 10 dias e em que o arguido iria receber € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
O arguido informou o seu interlocutor que o barco K... não tinha seguro, tendo perguntado quando teria de ir e pedido para este informar o “…..”, que estava interessado nesse trabalho. (Sessão 620 do alvo ...., transcrita a fls. 53-81 do Apenso A)
39. Assim, a fim de combinar os preparativos para essa viagem marítima e trazer consigo dinheiro, o arguido AA viajou para .... no dia 11 de Junho de 2016, tendo apenas regressado a Portugal a .. de Julho de 2016. (Sessões 635, 638, 659, 712, 713, 714 e 716 do alvo ...., transcritas a fls. 85-99 do Apenso A)
40. Pelo menos a partir do dia … de Julho de 2016, o arguido AA, com vista a concretizar um transporte de fardos de haxixe, encontrava-se a comandar uma embarcação denominada M...., um veleiro com a matrícula .......48, de bandeira grega e porto de registo Piraeus.
Nessa embarcação encontravam-se instalados os telefones satélite nºs ....28, ....15 e ....84, pelos quais o arguido comunicava com terceiros.
Naquela data, a embarcação estava aportada em Almeria, Espanha, onde permaneceu até ao dia … de Julho de 2016. (Fls. 147 do Apenso II; Factura da marina de fls. 1439; Documentos de fls. 147 a 151)
41. Nessa altura, para além do arguido, fazia parte da tripulação do M...... um indivíduo de nacionalidade holandesa de nome PP.
42. A partir daquela altura, o arguido, sempre a comandar tal embarcação, dirigiu-se para o interior do Mediterrâneo, tendo, no caminho, entrado num porto desportivo de Ibiza (Marina …) no dia … de Julho de 2016, do qual saiu no dia seguinte. (Fls. 153 do Apenso II; Factura da marina de fls. 1440; Sessões 830, 840, 847, 874, 882, 892, 900, 905, 910 e 911 do alvo ........, transcritas a fls. 100-141 do Apenso A)
43. Em local e em momento não concretamente apurado, mas compreendido entre os dias … de Julho de 2016 e … de Agosto de 2016, o arguido AA, com a colaboração de indivíduos de identidade não apurada, veio a receber na indicada embarcação avultada quantidade de fardos de haxixe.
44. O arguido AA chegou com o barco M...... à ilha de Creta (concretamente à localidade ...., situada no sul da ilha) ou no dia 8 ou no dia 9 de Agosto de 2016.
45. Antes de aportar em Creta, o arguido deixou no dia 7 de Agosto de 2016 o estupefaciente que transportava, em quantidade não apurada, numa zona marítima não concretamente determinada, mas situada perto do norte da Líbia, tendo dali subido em direcção a Creta. (Sessões 920, 945, 946 e 956 do alvo ........, transcritas a fls. 142-159 do Apenso A)
46. No dia … de Agosto de 2016, a arguida GG foi ter com o arguido AA a ....., em Creta, onde ambos permaneceram até ao dia 17 de Agosto de 2016. (Bilhete de fls. 1418; Recibos de hotel de fls. 1432 e 1453; Recibo de aluguer de viatura de fls. 1453)
47. Depois de ter deixado a embarcação M...... em Creta, os arguidos AA e GG ficaram em Atenas entre os dias 17 e 20 de Agosto de 2016. (Recibo de hotel de fls. 1432)
48. Os dois arguidos viajaram de avião de ........ para a Holanda no dia … de Agosto de 2016, a fim de o arguido AA ir receber da organização a quantia monetária prometida como contrapartida pelo transporte de droga que acabara de concretizar. (Bilhete de fls. 1422)
49. No dia … de Agosto de 2016, os arguidos AA e GG regressaram a Portugal, provenientes de .... (Bilhete a fls. 1418)
50. No dia … de Setembro de 2016, o arguido AA voltou a viajar de avião do Porto para ....., tendo regressado a Portugal em data não apurada mas antes do dia 22 de Setembro de 2016. (Bilhete de fls. 1427)
51. No dia … de Setembro de 2016, o arguido AA encontrou-se na zona da sua residência em Portugal com dois indivíduos com quem já antes navegara (os já mencionados LL, que estivera com o arguido no barco K......., e PP, que o acompanhava no barco M….... quando este esteve em Almeria), tendo diligenciado pela hospedagem dos mesmos num hotel, após os ter ido buscar ao aeroporto do Porto. (Sessões 1453, 1461, 1465 e 1477 do alvo ...., transcritas a fls. 160-171 do Apenso A)
52. O arguido AA esteve reunido com tais indivíduos, que lhe entregaram quantias monetárias em montante não concretamente apurado, mas pelo menos a quantia de € 10.000, ficando ainda de lhe entregar mais nos dias seguintes, sendo que tais indivíduos estavam igualmente interessados em saber se o arguido podia utilizar a embarcação K........ num novo transporte de estupefacientes, estando dispostos a pagar os arranjos. (Sessão 96 do alvo ........, transcrita a fls. 3-8 do Apenso B; Sessões 929, 937, 938, 939, 946 e 958 do alvo ........, transcritas a fls. 172-178 e 183-186 do Apenso A; Sessões 1482 e 1667 do alvo ........, transcritas a fls. 179-182 e 200-203 do Apenso A)
53. No dia … de Setembro de 2016, o arguido AA contactou um indivíduo que estava a utilizar um telemóvel holandês (…80), a quem indicou que fizera o seu trabalho, referindo-se ao atrás aludido transporte efectuado em Julho/Agosto de 2016, e que devia ser pago de uma só vez e só aí decidiria se queria voltar a trabalhar para essa organização. (Sessões 231, 232, 234, 235, 236, 237, 239, 240, 241, 242, 243, 245, 246, 248 e 249 do alvo ........, transcritas a fls. 9-23 do Apenso B)
54. No dia seguinte, … de Setembro de 2016, o arguido e aquele último indivíduo voltaram a comunicar por telefone, dizendo o arguido, referindo-se ao barco K..... e à sua colocação no porto de ........, que o barco estava bom e que não o queria ali, estando à espera que falassem com ele para decidirem o que fazer com o barco. (Sessões 256, 257, 258, 266, 267, 268, 269, 271, 272, 274, 276, 277 e 278 do alvo ........, transcritas a fls. 24-36 do Apenso B)
55. Os contactos continuaram no dia seguinte, … de Setembro de 2016, tendo o utilizador do telemóvel holandês referido ao arguido AA que fora bom o barco não ter sido vendido porque não era deles, mas sim de uns marroquinos. (Sessões 282, 283 e 288 do alvo ........, transcritas a fls. 37-39 do Apenso B)
56. No dia … de Setembro de 2016, indivíduos pertencentes à organização, entre eles um tratado pelo nome de “……” e um outro tratado pelo nome de “…..”, deslocaram-se a Portugal e encontraram-se com o arguido AA com o propósito de ir verificar o estado da embarcação K...., com vista à sua utilização num transporte de estupefacientes, tendo o arguido os levado até à embarcação. (Sessões 303, 314, 319 e 321 do alvo ........, transcritas a fls. 40-46 do Apenso B; Sessão 1667 do alvo ........, transcrita a fls. 200-203 do Apenso A)
57. Porém, em circunstâncias não apuradas, a embarcação em causa tinha sido despojada do radar, do rádio e de partes do gerador, o que impediu a sua utilização. (Sessões 1589 e 1598 do alvo ........, transcrita a fls. 191-196 do Apenso A)
58. A partir de inícios do mês de Outubro, o arguido AA começou, então, a preparar com elementos da organização nova viagem marítima com o mesmo propósito das anteriores, ou seja, efectuar um transporte de estupefacientes, sendo que iria ser utilizada outra embarcação, com o nome de N......., a qual estava aportada em ..... .
59. Nesse transporte, o arguido AA ia contar com a colaboração do arguido HH, tratado pela alcunha de “HH.”, indivíduo seu conhecido e que faria parte da tripulação, tendo ambos combinado que viajariam juntos de avião, primeiro para a Holanda, onde receberiam dinheiro, e, de seguida, para a Grécia, para irem depois apanhar o barco. (Sessões 1755 e 1756 do alvo ........, transcrita a fls. 210-216 do Apenso A)
60. O arguido HH ficou ciente que ia prestar colaboração ao arguido AA num transporte marítimo de estupefacientes a mando de uma organização sedeada na Holanda, tendo aceitado participar na mesma, e com vista a daí tirar proveitos económicos.
61. Na mesma altura, o arguido AA diligenciou, com o conhecimento de elementos da organização, pela alteração do registo e designação dessa embarcação N….., que passou a ter a denominação de AA.
62. Tal embarcação fora cedida ao arguido pelos elementos da organização como forma de pagamento de parte do montante devido pelo anterior transporte de haxixe.
63. Assim, no dia … de Outubro de 2016, o arguido AA falou por telefone com um outro indivíduo da organização, que tratava pelo nome de “….”, que estava a utilizar um telemóvel holandês, e informou-o que já tinham colocado o novo nome no barco e que a licença estava quase pronta, acrescentando que o barco era bom e tinha as cores da família do arguido, mas que ainda tinha de pagar a licença até ao fim do mês.
Para isso, o arguido precisava de saber se iria haver ou não um novo transporte de estupefacientes, onde esperava angariar mais dinheiro.
O seu interlocutor disse ao arguido que queria que ele fizesse aquele trabalho que a organização então estava a planear. (Sessão 1932 do alvo ........, transcrita a fls. 219-221 do Apenso A)
64. Para concretizar esse novo transporte de estupefacientes, o arguido AA viajou de avião, no dia … de Outubro de 2016, do …… para .........., tendo sido acompanhado pelo arguido HH.
65. No dia … de Outubro de 2016, os arguidos AA e HH viajaram de avião desde .......... para a Ilha……, onde iam apanhar o barco N......./AA. (Sessões 2097, 2099, 2105, 2127 e 2131 do alvo ........, transcritas a fls. 222-236 do Apenso A; Sessões 47, 75, 97, 98, 100, 101, 114 e 120 do alvo ........, transcritas a fls. 3-25 do Apenso C; Documentos de fls. 505 a 508; Recibo de hotel de fls. 1433)
66. Ainda no dia …de Outubro de 2016, o arguido AA remeteu, via Western Union, a quantia de € 1.000,00 (mil euros) para a arguida GG, quantia que lhe fora entregue pela organização como parte do pagamento do transporte que ia efectuar, tendo-lhe enviado, simultaneamente, por SMS, o código para esta proceder ao levantamento de tal quantia. (Sessões 75, 97, 98 e 100 do alvo ........, transcritas a fls. 5-14 do Apenso C)
67. No dia … de Outubro de 2016, o arguido AA, acompanhado dos arguidos HH e DD, encontrava-se a comandar uma outra embarcação, junto da Ilha de Malta, tendo-se dirigido para o local onde estava aportada a embarcação N......., na mesma Ilha. (Recibos de hotel de fls. 1433 e 1434; Sessão 111 do alvo ........, transcrita a fls. 26-43 do Apenso C)
68. Nesse mesmo dia … de Outubro, o arguido AA informou a arguida GG que “o patrão” lhe ia ligar para ela ir buscar dinheiro a ......, que era parte do pagamento acordado com a organização pela realização do transporte em curso, mas, dois dias depois, informou-a que ela só iria buscar € 10.000,00 (dez mil euros). (Sessões 214, 216, 232, 235, 254, 261, 276 e 297 do alvo ......, transcritas a fls. 44-66 do Apenso C; Sessões 259 e 260 do alvo ........, transcritas a fls. 70-74 do Apenso C)
69. O destino da embarcação N....../AA, comandada pelo arguido AA, acompanhado pelos arguidos HH e DD, e que saiu de Malta no dia … de Outubro de 2016, foi, em primeiro lugar, a costa marroquina, onde foi abastecida de produto estupefaciente (haxixe) em quantidades não apuradas, sob orientações do arguido AA, e, depois, a zona da Líbia, onde o estupefaciente em causa foi entregue a terceiros com vista a ser vendido. (Sessão 199 do Alvo ........, transcrita a fls. 3-8 do Apenso H)
70. O carregamento de haxixe para a embarcação junto de Marrocos ocorreu no dia … de Outubro de 2016, altura em que o arguido desligou o funcionamento dos telefones satélite, o que fez de modo a não ser detectado pelas autoridades. (Sessões 297, 308, 311, 323 e 324 do alvo ........, transcritas a fls. 63-69 e 75-86 do Apenso C; Sessão 710 do alvo ........, transcrita a fls. 9-10 do Apenso H)
71. No dia … de Outubro de 2016, o arguido AA, quando a embarcação se encontrava perto da Líbia, onde ia ser descarregado o haxixe, voltou a desligar o funcionamento dos telefones satélite, o que voltou a fazer de modo a não ser detectado pelas autoridades. (Sessão 325 do alvo ........, transcrita a fls. 87-92 do Apenso C)
72. Em momento não concretamente apurado, mas entre aquele dia 27 de Outubro de 2016 e o dia 31 de Outubro de 2016, os arguidos AA, HH e DD lograram descarregar o estupefaciente e entregá-lo a terceiros.
De seguida, voltaram para Creta. (Sessões 391, 392 e 393 do alvo ......, transcritas a fls. 111-120 do Apenso C; Sessão 338 do alvo ....., transcrita a fls. 121-124 do Apenso C)
73. Entre os dias 27 e 30 de Outubro de 2016, a embarcação N.... passou pelas seguintes posições no Mediterrâneo:
! 27/10/2016, 12H20, ….. (rumo ....);
! 28/10/2016, 08H40, …… (rumo ....., velocidade 9 nós);
! 29/10/2016, 17H20, ….. (rumo ..., velocidade 7 nós);
! 30/10/2016, 13H40, ……(rumo ...., velocidade 10 nós).
(Mapa a fls. 3569)
74. No dia … de Novembro de 2016, pelas 22h30, o arguido AA, a usar um dos telefones satélite em uso na embarcação, ligou à arguida GG e informou-a que iria chegar a Creta pelas 00h00 do dia seguinte, dizendo-lhe “tá-se bem…, tá mais um… mais um feito”, por referência à concretização do transporte e entrega do estupefaciente a terceiros.
O arguido mais informou a sua companheira que ainda não sabia se se deslocaria primeiro a ........ ou se vinha primeiro a Portugal. (Sessões 344 e 351 do alvo ...., transcritas a fls. 125-131 do Apenso C)
75. Assim, com a utilização da referida embarcação, o arguido AA logrou, uma vez mais, concretizar um transporte de estupefacientes.
76. A embarcação N...../AA, depois de ter descarregado o estupefaciente, chegou a ....., em Creta, no dia 3 de Novembro de 2016 com os indicados arguidos a bordo. (Sessão 429 do alvo ...., transcrita a fls. 132-134 do Apenso C)
77. A arguida GG deslocou-se de avião no dia 9 de Novembro de 2016 para …, via ….., onde se encontrou com o arguido AA. (Sessões 430, 439, 440, 457, 463 e 484 do alvo ........, transcritas a fls. 135-159 do Apenso C; Sessão 433 do alvo ........, transcrita a fls. 160-163 do Apenso C)
78. Ambos regressaram a Portugal no dia … de Novembro de 2016, tendo viajado juntos de avião, de ........, via ……., para .........., no dia 7 desse mês, e no dia 9 do mesmo mês, de .......... para o .........
79. Os dois arguidos foram a .......... receber dinheiro da organização como forma de pagamento do transporte de estupefacientes que AA acabara de concretizar. (Bilhetes de fls. 1419 e 1528)
80. Nesse dia … de Novembro de 2016, já em Portugal, o arguido AA ligou ao indivíduo da organização tratado pelo nome de “…..” e disse-lhe que lhe tinham tirado o dinheiro da bagagem no aeroporto….., na Holanda, concretamente a quantia de “cem mil euros”. (Sessões 2165 e 2192 do alvo ........, transcritas a fls. 237-249 do Apenso A)
81. No dia … de Novembro de 2016, o arguido AA perguntou ao seu irmão RR se o podia acompanhar no dia seguinte em viagem de avião até à Grécia, pois dali ia levar um barco para local que ainda desconhecia e precisava de reunir uma tripulação, no mínimo de quatro pessoas, tendo frisado que, dessa vez, “não é fazer nenhum trabalho … é só para trazer um barco … não é para fazer nada … não é nenhum risco pa ti, nem há merda nenhuma”.
RR perguntou ao arguido AA se o amigo deste também ia, dizendo o “HH.” (estando a referir-se ao arguido HH), tendo AA dito que sim. (Sessão 2210 do alvo ........, transcrita a fls. 250-253 do Apenso A)
82. No dia … de Novembro de 2016, o arguido AA informou um indivíduo da organização que estava na Holanda que ia viajar para .......... e que depois ia para ...... para casa do “amigo” do seu interlocutor.
Mais lhe disse que ia para a Grécia porque tinha lá um barco seu, frisando que “um dos meus barcos está lá … o tal que eu preciso”, referindo-se ao N...../AA. (Sessão 2258 do alvo ........, transcrita a fls. 254-257 do Apenso A)
83. No dia … de Novembro de 2016, o arguido AA falou com um indivíduo que utilizava um telemóvel grego por causa da situação do navio N...../AA, aportado em ..........., Creta. (Sessões 1437 do alvo ........ e 2315 do alvo ........, transcritas a fls. 271-280 do Apenso A)
84. O arguido AA acabou por viajar de avião apenas no dia … de Novembro de 2016, em direcção a .........., com escala em …...
85. Nessa altura, na Holanda, o arguido AA tratou de registar o navio N.../AA, que passou a ter designação com o seu nome, bem como registo em Vanuatu (conforme certificado número 16-1609, relativo à embarcação AA, com o cal sign ……N3 e IMO …20, registado em 18 de Novembro de 2016). (Fls. 1493 a 1501; Sessões 2347 e 2358 do alvo ........, transcritas a fls. 289-292 do Apenso A; Sessões 618 do alvo ............, transcrita a fls. 3-4 do Apenso D; Sessão 638 do alvo ........, transcrita a fls. 164-175 do Apenso C)
86. Depois, o arguido AA veio a viajar para a Grécia (Ilha de Creta, porto de ...........), onde chegou no dia … de Novembro de 2016, e onde se lhe juntaram o irmão Francisco, o arguido HH, a companheira deste, de nome Vânia, e a arguida GG.
Era propósito do arguido AA mudar a embarcação N....../AA de sítio, transportando-a ou para Portugal ou para Espanha para arranjos.
O arguido pagaria ao irmão e ao arguido HH a quantia de cinco mil euros por o irem ajudar na deslocação da embarcação, fazendo parte da tripulação. (Sessões 789, 793, 839, 848, 850 do alvo ............, transcritas a fls. 5-12 e 16-24 do Apenso D; Sessão 669 do alvo ............, transcrita a fls. 13-15 do Apenso D; Sessões 672, 695, 698, 699, 754 do alvo ........, transcritas a fls. 176-192 do Apenso C, Sessões 2297 e 2315 do alvo ........, transcritas a fls. 261-267 e 274-286 do Apenso A; Sessão 1437 do alvo ........, transcrita a fls.271-273 do Apenso A; Sessão 14 do alvo 87344040, transcrita a fls.14-38 do Apenso H)
87. Entretanto, a arguida GG viajou para ...., onde se encontrava no dia … de Novembro de 2016, e onde recolheu € 30.000,00 (trinta mil euros), que lhe foram entregues por um dos elementos da organização.
No dia … de Dezembro de 2016, a arguida regressou a Creta. (Sessão 920 do alvo ....., transcrita a fls. 34-37 do Apenso D)
88. No início de Dezembro de 2016, e com validade a partir do dia ... de Dezembro de 2016, e por um ano, o arguido AA celebrou com a companhia de seguros Allianz um seguro da embarcação N....../AA. (Fls. 1482 a 1492)
89. Porém, por falta das autorizações marítimas necessárias, o arguido AA não logrou retirar o N....../AA de Creta, tendo regressado a Portugal, de avião, acompanhado dos arguidos GG e HH, no dia .. de Dezembro de 2016. (Sessões 886 e 889 do alvo ............, transcritas a fls. 25-33 do Apenso D; Sessão 3022 do alvo ........, transcrita a fls. 314-317 do Apenso A)
90. No dia …. de Dezembro de 2016, os arguidos AA e GG viajaram juntos para .........., tendo-se encontrado na Holanda com elementos da organização, designadamente com o já referido “QQ.”. (Sessões 2584, 2586 e 2587 do alvo ........, transcritas a fls. 293-295 do Apenso A; “Print Screen” de fls. 723; Bilhete de fls. 1526)
91. RR juntou-se aqueles, tendo, igualmente viajado para ........... (Sessão 1419 do alvo ............, transcrita a fls. 63-68 do Apenso D)
92. Os três regressaram juntos a Portugal no dia … de Dezembro de 2016. (Bilhetes de fls. 1526 e 1527)
93. A acompanhá-los na vinda viajou também o arguido BB, que ficou hospedado no Hotel ........., na ........ (Registo de bilhetes de fls. 770 a 775 e 777 a 779; Bilhete de fls. 1425)
94. No dia … de Dezembro de 2016, os arguidos BB e AA combinaram ir ver juntos o navio K....... (Sessão 2641 do alvo ........, transcrita a fls. 296-297 do Apenso A)
95. No final de Dezembro de 2016, a organização ainda planeou utilizar a embarcação K..., que continuava aportada em ...., para realizar novo transporte de estupefacientes, tendo o arguido AA dito ao irmão RR, no dia 21 de Dezembro de 2016, que estivera a ver o barco e que iria tratar do seguro. (Sessão 1572 do alvo ....., transcrita a fls. 69-71 do Apenso D)
96. No dia … de Dezembro de 2016, o arguido BB regressou à Holanda, tendo sido conduzido ao aeroporto do Porto pelo arguido AA. (Registo de fls. 769 a 779)
97. Sempre em procura de uma embarcação que lhes permitisse, no concreto momento, efectuar novos transportes de estupefacientes, no dia .. de Dezembro de 2016, o arguido AA telefonou ao indivíduo que tratou pelo nome de “SS”, que estava a utilizar um telemóvel com número grego, a quem perguntou pelo estado da embarcação M...... para “trabalhar”, dizendo este último que estava em bom estado.
O arguido quis saber quanto teria de pagar se a quisesse utilizar, tendo o seu interlocutor dito que já estava pago. (Sessão 3022 do alvo ........, transcrita a fls. 314-317 do Apenso A)
98. No dia …de Janeiro de 2017, o indivíduo tratado pelo nome de “QQ.” contactou o arguido AA e este disse-lhe que queria ser ele a “fazer”, porque conhecia o barco, referindo-se ao K..., e o “caminho”, pedindo ao seu interlocutor para o deixar ser ele a fazer.
Tal indivíduo deu luz verde ao arguido para iniciar as reparações necessárias no barco com vista à sua utilização e, ficando este pronto, podia logo começar.
Mais tarde, no dia … de Janeiro de 2017, o arguido AA informou “QQ.” que para o barco sair do porto precisava do arguido BB, que tratou por “TT”, em Portugal por o barco estar em nome dele. (Sessões 3117 e 3314 do alvo ...., transcritas a fls. 318-322 e 343-353 do Apenso A)
99. De facto, tal embarcação, como já se mencionou atrás, estava registada em nome do arguido BB, pelo que se tornou necessário que o mesmo voltasse a viajar para Portugal, pois só ele podia autorizar a saída do navio.
100. Porém, o arguido AA não se entendeu com “QQ.” quanto à utilização do barco K......, tendo combinado, no dia … de Janeiro de 2017, entregar os papéis do barco ao arguido BB. (Sessões 3616, 3647, 3650, 3653, 3654, 3658, 3661, 3663, 3664, 3665, 3666, 3667 e 3668 do alvo ....., transcritas a fls. 359-371 do Apenso A)
101. Ambos reiniciaram conversações a partir do dia … de Janeiro de 2017 com vista à reparação da embarcação. (Sessões 3776, 4012 e 4019 do alvo ....., transcritas a fls. 372-383 do Apenso A)
102. Para esse efeito, o arguido BB voltou a viajar para Portugal e encontrou-se com o arguido AA no dia … de Janeiro de 2017 para ir verificar o estado da embarcação ao porto de pesca de .... (Sessão 4108 do alvo ....., transcrita a fls. 384-385; RDE de fls. 844-845 e reportagem fotográfica de fls. 887 a 889)
103. Nessa altura, arguido AA efectuou um seguro para a embarcação K......, com data de início de … de Janeiro de 2017 e validade até .. de Janeiro de 2018, pelo valor de € 291,99 (duzentos e noventa e um euros e noventa e nove cêntimos). (Cartão a fls. 1529)
104. No dia …. de Janeiro de 2017, o arguido AA voltou a viajar para .... para se encontrar com elementos da organização na Holanda, e uma vez que estava a ser preparado novo transporte de estupefacientes.
O bilhete para a viagem, só de ida, foi tratado pela arguida GG.
O arguido levou consigo telefones-satélite para serem usados na embarcação em causa e permaneceu na Holanda durante alguns dias a fim de planear com os outros elementos da organização as rotas marítimas e as embarcações a usar. (Sessões 4374, 4451, 4452, 4453, 4456, 4462 e 4464 do alvo ......, transcritas a fls. 404-417-A do Apenso A; Sessões 3120, 3150, 3173 e 3246 do alvo ....., transcritas a fls. 83-84, 93-103 e 107-112 do Apenso D; Sessão 2340 do alvo ....., transcrita a fls. 88 do Apenso D; Sessões 259 e 433 do alvo ......, transcritas a fls. 3-12 e 23-35 do Apenso F)
105. No dia … de Fevereiro de 2017, a arguida GG viajou para .......... a fim de se juntar ao arguido AA, tendo permanecido na Holanda até ao dia .. de Fevereiro de 2017, data em que ambos regressaram a Portugal. (Recibo de hotel de fls. 1435;Bilhete de fls. 1424;Auto de fls. 936-937)
106. A partir do mês de Fevereiro de 2017, de acordo com orientações definidas pela organização, os arguidos AA, FF, CC, DD e BB, e de forma concertada entre todos eles, diligenciaram pela concretização de um transporte marítimo de produtos estupefacientes, designadamente haxixe, conforme, de seguida, se descreverá.
107. Os arguidos actuaram com o propósito de, cumprido o transporte dos estupefacientes, com entrega dos mesmos no seu destino, virem a receber elevados proventos monetários.
108. Inicialmente, a organização pensava utilizar a embarcação K... e iria enviar a Portugal o arguido BB, seu proprietário formal, para desbloquear a situação do mesmo, designadamente a nível das necessárias reparações, o que foi dado a conhecer ao arguido AA no dia … de Fevereiro de 2017. (Sessão 1463 do alvo ....., transcrita a fls. 11-19 do Apenso G)
109. Porém, um pouco mais tarde, a organização decidiu abandonar, naquele momento, a hipótese de utilizar o K...... no transporte do estupefaciente, pois decidiu-se a usar uma outra embarcação que estava na Holanda, na qual o arguido AA seria o capitão e prepararia a tripulação, o que foi dado a conhecer ao arguido AA no dia ... de Fevereiro de 2017. (Sessão 1568 do alvo ....., transcrita a fls. 20-23 do Apenso G; Sessão 5039 do alvo ........, transcrita a fls. 420-424 do Apenso A)
110. Nos dias seguintes, o arguido AA manteve contactos com os indivíduos da organização que lhe solicitaram a realização do transporte do estupefaciente e lhe iriam fornecer a embarcação a utilizar, tendo-se reunindo-se com os mesmos após viajar para a Holanda e França.
111. No dia … de Fevereiro de 2017, um elemento da organização, tratado ao telefone pelo nome de “UU”, solicitou ao arguido AA que este viajasse até à Holanda para falarem cara a cara sobre o novo transporte e para lhe entregar dinheiro.
Na mesma altura, esse indivíduo solicitou ao arguido que levasse consigo a documentação da embarcação N..., agora já com o nome AA. (Sessão 1600 do alvo ......, transcrita a fls. 24-27 do Apenso G; Sessão 910 do alvo ....., transcrita a fls. 56-60 do Apenso B)
112. No dia … de Março de 2017, o arguido AA viajou de avião para .... (voo TP 652), após o elemento da organização, que o vinha contactando, lhe ter reservado e enviado o bilhete de viagem e o ter informado que já tinham um barco e quatro cidadãos holandeses para a tripulação e que a compensação para o arguido seria de € 100.000,00 (cem mil euros). (Fls. 1035; Sessão 2055 do alvo ....., transcrita fls. 430-432 do Apenso A; Sessão 1603 do alvo ......, transcrita a fls. 28 do Apenso G; Bilhete de fls. 1527)
113. No mesmo dia … de Março de 2017, o arguido AA remeteu da Holanda a quantia de € 200,00 (duzentos e onze euros), via Western Union, para a arguida GG, ficando de lhe enviar mais dinheiro dentro de um ou dois dias. (Sessão 1500 do alvo ....., transcrita a fls. 196-200 do Apenso C; Recibo a fls. 1414)
114. Assim, para concretizar tal transporte de haxixe veio a ser utilizada uma embarcação denominada de J......, um navio comumente designado como “arrastão de tangões”, com 25 metros, constituído por ponte e castelo de proa no piso superior, messe e casa de máquinas no piso intermédio, e três cabines no piso inferior, de bandeira holandesa, registo nº .....74 e porto de registo ....., na Holanda.
115. Por baixo do castelo de proa existia um compartimento, denominado de “Pico de Vante”, o qual se estendia da proa até à quilha e ao qual se acedia por um alçapão existente no castelo de proa, e que serviria para esconder os fardos de haxixe logo que fossem carregados para a embarcação.
116. Esta embarcação estava registada em nome do arguido CC e encontrava-se, então, em porto holandês.
117. Quando saiu da Holanda a tripulação da embarcação J...... era composta pelos arguidos AA, CC e EE e por mais dois indivíduos, VV, cidadão búlgaro, e WW, cidadão holandês.
118. O propósito da navegação era, primeiro, receber os fardos de haxixe, na costa atlântica de Marrocos, e, depois, entregar tais fardos, num determinado ponto não concretamente apurado, mas situado no interior do Mediterrâneo, perto da Líbia.
119. No seu percurso, após sair da Holanda, a embarcação J...... veio a aportar em França, em duas ocasiões distintas (......... e ......), e em Portugal (.........) numa ocasião.
120. O arguido DD passou a acompanhar a navegação do J...... a partir da paragem da embarcação em ........, França.
121. O arguido BB passou a acompanhar a navegação do J...... a partir da paragem do mesmo em .............
122. O arguido AA, quando o J...... se encontrava parado em França, deslocou-se a Portugal e veio a propor ao arguido FF, seu conhecido, que o acompanhasse na viagem marítima, fazendo parte da tripulação, a troco de dinheiro, o que este aceitou, mesmo sabendo que ia ser realizado um transporte de produtos estupefacientes.
123. Assim, no dia … de Março de 2017, o arguido AA encontrava-se já no mar, a comandar a embarcação J...., com que saíra desde a Holanda. (Sessão 822 do alvo ...., transcrita a fls. 36-39 do Apenso F; Sessão 1650 do alvo ....., transcrita a fls. 243-250 do Apenso C)
124. No dia … de Março de 2017, o arguido AA aportou o J...... em ...... no norte de França, pois a embarcação tinha sido obrigada pelas autoridades marítimas francesas a parar naquele local, situação que veio contrariar os planos iniciais. (Sessões 1579, 1585, 1628, 1636, 1645 e 1648 do alvo ....., transcritas a fls. 209-242 do Apenso C)
125. No dia … de Março de 2017, a embarcação J...... já estava, de novo, no mar. (Sessões 1717 e 1742 do alvo ....., transcritas a fls. 251-264 do Apenso C)
126. Porém, no dia seguinte, … de Março de 2017, verificou-se novo contratempo, uma vez que a embarcação sofreu uma avaria nas bombas do motor, tendo o arguido AA contactado por telefone a arguido GG a solicitar-lhe que lhe encomendasse uma bomba nova. (Sessão 1765 do alvo ....., transcrita a fls.265-271 do Apenso C)
127. Por causa dos problemas no motor, a embarcação J...... acabou por ser rebocada para ........., em França, tendo atracado no porto dessa cidade no dia .. de Março de 2017. (Sessões 1780 e 1813 do alvo ........, transcritas a fls. 272-278 do Apenso C; Sessões 4876, 4924, 4931 e 4969 do alvo ............, transcritas a fls. 130-158 do Apenso D; Fotografias de fls. 1168 a 1172)
128. Nessa altura, chegou a ......... o arguido DD, que se juntou à tripulação da embarcação e entregou ao arguido AA documentos que permitiam a este vender o navio K....... (Sessão 1873 do alvo ........, transcrita a fls. 282-286 do Apenso C)
129. Aproveitando essa paragem do navio em França para reparações, o arguido AA decidiu vir a Portugal. (Sessão 1652 do alvo ............, transcrita a fls. 26-33 do Apenso E; Sessão 1899 do alvo ........, transcrita a fls. 287-293 do Apenso C; Sessão 4969 do alvo ............, transcrita a fls. 143-158 do Apenso D)
130. No dia ... de Março de 2017, o arguido AA regressou a Portugal, viajando de avião desde Paris, tendo aqui aguardado as conclusões dos trabalhos na embarcação J....... (Sessão 2080 do alvo ........, transcrita a fls. 433-435 do Apenso A; Bilhete de fls. 1426; Factura de fls. 1477)
131. No dia …. de Março de 2017, XX, tratado por “XX.”, telefonou da Holanda ao arguido AA para o informar que se dera uma alteração do plano e que não iriam precisar do barco que se encontrava em França.
Iriam deixar que o mesmo fosse reparado, mas iriam viajar já para Creta onde fariam “a cena”. (Sessão 5184 do alvo ..., transcrita a fls. 436-440 do Apenso A)
132. Assim, por causa da avaria na embarcação J......, os indivíduos da organização que estavam a organizar o transporte de droga, com a colaboração do arguido AA, planearam realizar, entretanto, um outro transporte, com a utilização da embarcação N....../AA, que estava aportada em Creta.
133. Porém, essa nova situação não teve desenvolvimentos, tendo os indicados arguidos prosseguido com as diligências para realizar o transporte do estupefaciente com a embarcação J.......
134. A partir daquela altura, ou seja, finais de Março de 2017, o arguido AA e XX estabeleceram vários contactos telefónicos entre si, sendo que este último informava o primeiro dos desenvolvimentos da situação e de quando lhe podia entregar dinheiro. (Sessão 2115 do alvo ...., transcrita a fls. 441-445 do Apenso A; Sessão 5249 do alvo ........, transcrita a fls. 446-449 do Apenso A)
135. No dia ... de Março de 2017, a organização, através de alguém que se identificou como YY, remeteu, via Western Union, para o arguido AA a quantia de € 955,00 (novecentos e cinquenta e cinco euros). (Recibo de fls. 1415-A e 1415)
136. No dia … de Abril de 2017, o XX encontrava-se em ....., a acompanhar as reparações do navio J...., tendo informado o arguido AA que depois dos mecânicos acabarem o trabalho viria ter com ele a Portugal. (Sessão 5393 do alvo ...., transcrita a fls. 450 do Apenso A)
137. No dia … de Abril de 2017, o XX telefonou ao arguido AA queixando-se do estado em que a embarcação se encontrava e dos tripulantes que ainda ali permaneciam, informando-o que necessitava de mais alguns dias antes de vir a Portugal. (Sessão 5429 do alvo ...., transcrita a fls. 451-453 do Apenso A)
138. Enquanto permaneceu em Portugal, o arguido AA procurou aliciar um indivíduo para o acompanhar na viagem em causa, o qual passaria a fazer parte da tripulação.
139. Veio então a contactar um indivíduo de nome ZZ, com a alcunha de “ZZ.”, o qual, inicialmente, se dispôs a participar.
140. Numa conversa telefónica que manteve com este, no dia … de Abril de 2017, pelas 22h31, o arguido AA informou ZZ que o XX se ia deslocar a Portugal, referindo-se a este como “o gerente”. (Sessão 5476 do alvo ...., transcrita a fls. 458-459 do Apenso A)
141. No dia … de Abril de 2017, o XX enviou uma SMS ao arguido AA perguntando-lhe para que cidade deveria voar e este respondeu que o deveria fazer para o ......... (Sessões 5486, 5487, 5524 e 5525 do alvo ....., transcritas a fls. 461-463 e 466-468 do Apenso A)
142. De facto, o XX veio a viajar para o ........ no dia … de Abril de 2017, procedente de .........., tendo sido a arguida GG que o foi buscar ao aeroporto. (Sessão 5577 do alvo ........, transcrita a fls. 469-470 do Apenso A)
143. Nessa ocasião, o XX trouxe consigo dinheiro para entregar ao arguido AA, relacionado com o pagamento da actividade em curso. (Sessões 5610 e 5786 do alvo ........, transcritas a fls. 475-479 e 487-491 do Apenso A)
144. Naquele dia, o arguido AA e XX estiveram juntos na ..... (RDE de fls. 1108 a 1109 e reportagem fotográfica de fls. 1116 a 1118)
145. O XX ficou hospedado no ….. Hotel ...., situado naquela localidade, entre os dias 7 e 12 de Abril de 2017. (Boletins de alojamento de fls. 1160 e 1161)
146. No dia … de Abril de 2017, o arguido AA informou o XX do estado da embarcação K......, sendo que pretendia que este último a fosse ver. (Sessão 5712 do alvo ........, transcrita a fls. 483-486 do Apenso A)
147. Para além do referido ZZ, o arguido AA ainda veio a recrutar outro indivíduo para o acompanhar nessa viagem marítima, de nome AAA, que tratava pela alcunha de “AAA.”, tendo diligenciado pela aquisição de bilhete de avião para os três e uma vez que iam viajar juntos para .........., no dia .. de Abril, pelas ..h.., data em que também o XX regressaria a essa cidade (viajariam todos no voo……).
De seguida, viajariam para França e juntar-se-iam todos aos restantes tripulantes do barco J....... (Sessões 5786, 5850, 5870 e 5906 do alvo ....., transcritas a fls. 487-499 e 507-511 do Apenso A; Documentos de fls. 1163 a 1165)
148. No dia ... de Abril de 2017, o arguido AA ligou para o arguido CC e perguntou-lhe quando é que o J...... estaria pronto, tendo este dito que estava quase, que já o tinham tirado da água.
O arguido CC disse que ia dar o número do DD, referindo-se ao seu filho, o arguido DD, para AA ligar a este, tendo ditado o nº ..........43, e uma vez que o mesmo iria passar a fazer parte da tripulação do J.......
O arguido AA pediu ainda uma série de informações sobre o barco, nomeadamente o certificado do registo da embarcação, a potência do motor e a marca.
O arguido AA disse que não saía de Portugal sem estar tudo pronto. (Sessão 5878 do alvo ....., transcrita a fls. 500-506 do Apenso A)
149. Ainda nesse dia … de Abril, o arguido AA foi informado pelo referido ZZ que este não podia seguir viagem por ter de se apresentar numa junta médica de 15 em 15 dias. (Sessão 5906 do alvo ....., transcrita a fls. 507-511 do Apenso A)
150. Pelas 16h30 do mesmo dia …, o arguido AA pediu ao XX que deixasse dinheiro no hotel que depois a mulher, referindo-se à arguida GG, passava por lá para o recolher. (Sessão 2068 do alvo ...., transcrita a fls. 297 do Apenso C; Sessão 5924 do alvo ...., transcrita a fls. 512-517 do Apenso A)
151. Nessa altura, o arguido AA decidiu não acompanhar o XX na viagem de avião até à Holanda, para onde este último se deslocou no dia … de Abril, porque o barco não estava na Holanda e também ainda não estava pronto para navegar. (Sessões 5932 do alvo ...., transcrita a fls. 518-520 do Apenso A; Reservas de bilhetes de fls. 1163 a 1167)
152. No dia ... de Abril de 2017, o arguido AA contactou o XX e pediu-lhe desculpa por o ter deixado ficar mal e referiu que ia para o barco no domingo e que depois falavam todos olhos nos olhos. (Sessão 6039 do alvo ..., transcrita a fls. 521 do Apenso A)
153. No dia … de Abril de 2017, o XX informou o arguido AA que o barco sairia no sábado ou domingo (correspondendo aos dias .. e .. de Abril), dizendo que ainda era preciso comprar mais material e encher o depósito.
O arguido XX disse ainda ao arguido AA que, se este levasse consigo o maquinista, o “búlgaro”, referindo-se ao já mencionado VV, já não seguia viagem.
Acrescentou que talvez ele próprio fosse também no barco. (Sessão 6141 do alvo ...., transcrita a fls. 529-532 do Apenso A)
154. No dia … de Abril de 2017, o arguido AA falou com o já referido WW que o informou que o barco J...... estava quase pronto e que tencionavam sair segunda ou terça-feira, ou seja, dias … ou … de Abril. (Sessão 2257 do alvo ........, transcrita a fls. 301-302 do Apenso C)
155. Pouco tempo depois, o arguido AA falou com o arguido BB e disse-lhe que precisava da presença dele em Portugal por causa da embarcação K......, a fim de poder apresentar queixa na Polícia pelo furto de uma balsa, ou então que lhe passasse uma procuração para que ele pudesse assumir toda a responsabilidade. (Sessão 6289 do alvo ...., transcrita a fls. 533-537 do Apenso A)
156. Nessa altura, o arguido AA aguardava que elementos da organização lhe indicassem em que data deveria sair, desconhecendo ainda se tinha de ir para o barco ou se tinha de ir, antes, à Holanda. (Sessão 6300 do alvo ..., transcrita a fls. 541-545 do Apenso A)
157. Entretanto, ainda naquele dia … de Abril, o arguido AA falou também com o XX, tendo-lhe este dito que estavam à sua espera. (Sessão 6300 do alvo ...., transcrita a fls. 541-545 do Apenso A)
158. Pouco tempo depois, o XX informou o arguido AA que, afinal, já estava tudo terminado no barco, que estivera a falar com o chefe e podia ir buscá-lo de carro ao Porto, pois conseguia estar lá em 12 horas.
Disse ainda que o barco estava como novo e que gastara 38 mil euros em reparações no mesmo. (Sessão 3112 do alvo ...., transcrita a fls. 546-552 do Apenso A)
159. Nessa altura, o arguido AA acabou por recrutar um outro indivíduo para a tripulação do J......, tratando-se do já referido arguido FF (tratado por FF.” ou “FF.”). (Sessão 6302 do alvo ...., transcrita a fls. 553-555 do Apenso A)
160. Os outros dois possíveis tripulantes, os já referidos ZZ e “AAA.”, acabaram por não fazer parte da tripulação do J.......
161. Ainda naquele dia … de Abril, pelas 15h33, o arguido AA falou por telefone com o arguido FF e este forneceu-lhe o seu nome completo e a data de nascimento.
O arguido AA informou o arguido FF que a duração da viagem seria de cerca de um mês, que tinha de estar preparado para ir no dia seguinte à tarde, ou segunda-feira de manhã, levando roupas de passeio e questionado pelo arguido FF sobre o trabalho que o esperava a bordo, o arguido AA disse que era para se sentar e tirar cafés. (Sessão 6303 do alvo ..., transcrita a fls. 556-560 do Apenso A)
162. Mais tarde, pelas 16h52, o arguido AA ligou novamente ao arguido FF e explicou-lhe o que precisava de levar e o que ia fazer, dizendo-lhe que não ia trabalhar e que iria ganhar seis mil euros por mês, no mínimo. (Sessão 6307 do alvo ...., transcrita a fls. 561-565 do Apenso A)
163. Ao final da tarde desse dia … de Abril, o arguido AA ligou para um indivíduo grego, tratado por “BBB”.
Este indivíduo ficara a tomar conta e a tratar dos arranjos da embarcação N....../AA, que se encontrava em Creta.
O arguido AA tentou justificar a ausência de notícias e contactos referindo que ia falar com “CCC”, para fazer os pagamentos a “BBB” referentes a Janeiro, Fevereiro e Março.
Mais o informou que precisava do barco pronto em 15 dias porque ia buscá-lo com a tripulação dele. (Sessão 6311 do alvo ...., transcrita a fls. 566-570 do Apenso A)
164. Uma vez que a organização tinha entregado esse barco ao arguido AA, era propósito deste, logo que concluísse o transporte de estupefaciente com a embarcação J......, deslocar-se à Grécia (Creta) para daí trazer o N..../AA.
165. No dia … de Abril de 2017, o XX deslocou-se a Portugal num veículo automóvel para recolher os arguidos AA e FF e transportá-los até junto do navio J..., que continuava em ...., França. (Sessões 6327 e 6341 do alvo ....., transcrita a fls. 571-574 do Apenso A)
166. Ao final do dia, os arguidos AA e FF e XX iniciaram a viagem juntos, de carro, para ..., França, tendo entrado neste país pelas 08h00 do dia …de Abril de 2017.
167. Nessa altura, os arguidos CC e EE e ainda WW colocaram bens alimentares no interior da embarcação J......, tendo ainda ali sido colocada uma faixa cor-de-laranja. (Fotografia de fls. 1229)
168. Quando o arguido DD viajou com outros elementos da organização, não identificados, até ........... para se juntar à tripulação do J......, deslocaram-se todos nas viaturas automóveis de matrículas francesas …..-PG (marca .........) e …..-TJ (marca .........).
169. Por motivos não apurados, tais viaturas permaneceram estacionadas junto do porto de ........... após a saída do local da embarcação J...... com aquele arguido a bordo.
170. Assim, a embarcação J...... saiu de ........... no dia 27 de Abril de 2017 com a seguinte tripulação: os arguidos CC, DD, EE, AA e FF e ainda WW.
171. Naquele dia … de Abril de 2017, encontrando-se já a navegar, o arguido AA informou a arguida GG do número de telemóvel do XX e disse-lhe para lhe ligar para este lhe dar o código de uma transferência monetária que iria efectuar para a arguida.
172. Nessa altura, o XX enviou uma SMS à arguida GG dizendo-lhe que no dia seguinte lhe enviaria dinheiro.
(Sessão 2403 do alvo ........, transcrita a fls. 310 do Apenso C)
173. Conforme prometido, no dia seguinte, ... de Abril de 2017, o arguido XX enviou SMS a GG com o código “........814” e o nome “DDD”, referente a uma transferência no montante de € 500,00 (quinhentos euros).
(Sessão 2433 do alvo ........, transcrita a fls. 311 do Apenso C)
174. No dia … de Abril de 2017, a embarcação J...... voltou a ter uma avaria, tendo o arguido AA de a levar para terra, já em Portugal.
175. O arguido AA transmitiu à arguida GG essa situação e esta aconselhou-o a entrar em ....... porque ali ninguém o conhecia, já que a companhia do arguido não era das melhores, acrescentando “é os quilos, é as toneladas”.
(Sessão 2025 do alvo ............, transcrita a fls. 29-37 do Apenso G)
176. Na manhã do dia ... de Abril de 2017, a embarcação J...... encontrava-se a uma milha de ....... com o motor avariado.
(Sessão 2467 do alvo ........, transcrita a fls. 312-314 do Apenso C)
177. A embarcação acabou por ser rebocada para o ........ de ........
(Sessão 6403 do alvo ........, transcrita a fls. 575-578 do Apenso A)
178. Naquele dia … de Abril, o XX informou o arguido AA que ia tentar arranjar bilhete para viajar ainda nesse dia ou no dia seguinte para ir ter com ele e com os restantes tripulantes.
O XX pediu para o AA manter a tripulação no mesmo sítio, para não andarem por ali a falar.
O arguido AA disse ao XX que enviara fotografias da situação ao “chefe”, que queria falar com o “tipo”, porque queria fazer “para vinte e não dez (…) não quero fazer dez, quero fazer vinte”, estando a referir-se à quantidade, em toneladas, de produto estupefaciente a transportar.
O XX pediu a AA dados concretos dos valores que eram precisos para pagar os arranjos e o reboque.
(Sessão 6404 do alvo ........, transcrita a fls. 579-584 do Apenso A)
179. Pelas 14h30 do dia … de Abril de 2017, o barco J...... já se encontrava atracado no porto de ......., tendo o arguido AA saído do mesmo e se dirigido à cidade.
(RDE de fls. 1231 e fotografias de fls. 1270 a 1276)
180. O XX deslocou-se de avião para o...... no dia … de Maio de 2017, tendo sido aguardado no Aeroporto pelos já mencionados MM e WW.
Mais tarde, encontrou-se com o arguido AA.
(Sessões 6424 e 6486 do alvo ........, transcritas a fls. 585-597 do Apenso A; Sessão 1545 do alvo ...., transcrita a fls. 50-52 do Apenso F)
181. Na manhã de dia … de Maio de 2017, o arguido AA combinou encontrar-se com o arguido FF no Café ....., em ......., mas primeiro foi ao encontro do XX, tendo os três estado depois juntos naquele estabelecimento de café.
Durante a tarde, o arguido AA e XX estiveram juntos no estabelecimento comercial “..........” e, de seguida, no barco J.......
Pelas 15h15, XX e os arguidos DD e AA estiveram juntos no café “......”, situado à saída do porto de ........
(Sessões 6556 e 6565 do alvo ...., transcritas a fls. 598-601 do Apenso A; RDE de fls. 1232 e fotografias de fls. 1277-1278)
182. Durante a noite do mesmo dia, os arguidos DD, FF e XX, e ainda WW, estiveram juntos.
(Sessão 6618 do alvo ...., transcrita a fls. 602-606 do Apenso A)
183. No dia … de Maio de 2017, depois da hora de almoço, o arguido AA foi informado que a Marinha ia a bordo do barco tirar fotografias ao motor e disse ao arguido FF, que estava acompanhado do XX, para ninguém ir ao barco enquanto lá estivesse a Marinha.
(Sessão 6684 do alvo ...., transcrita a fls. 607-609 do Apenso A)
184. O arguido AA ia-se mantendo a par dos trabalhos de reparação no J......, mas continuava a tratar da documentação relacionada com a embarcação N....../AA, aportada em Creta.
185. Assim, no dia … de Maio de 2017, pelas 16h11, o arguido AA falou com um funcionário de uma sociedade denominada “Flag Services”, que o informou estar a ligar por causa dos papéis holandeses e que já tinha a documentação toda pronta, estando a referir-se à documentação daquela embarcação.
Tal indivíduo disse ao arguido que lhe ia enviar tudo (referindo-se à documentação necessária à navegação, com licença completa para rádio e comunicações), para a morada da Rua ....., nº …., ......, correspondente à casa do arguido.
O arguido disse ainda que queria uma bandeira média holandesa, ficando o indivíduo de lha arranjar.
(Sessão 6770 do alvo ...., transcrita a fls. 613-616 do Apenso A)
186. Logo de seguida, o mesmo indivíduo enviou ao arguido SMS com a referência para pagamento via Multibanco dos serviços prestados, no valor de € 660,00 (seiscentos e sessenta euros).
(Sessões 6771, 6772 e 6773 do alvo ....., transcritas a fls. 617-622 do Apenso A)
187. No mesmo dia, o arguido AA informou o XX que andava à procura de uma âncora com cerca de 500 quilos, porque só assim podia apresentar o barco J...... à inspecção.
(Sessão 6781 do alvo ...., transcrita a fls. 623-626 do Apenso A)
188. No dia … de Maio de 2017, pelas ..h.., o arguido AA informou o irmão RR que no dia seguinte chegava mais um “preto”, que era “o homem do dinheiro” e tinham de ir buscá-lo ao aeroporto.
(Sessão 6900 do alvo ........, transcrita a fls. 627-632 do Apenso A)
189. No dia … de Maio de 2017, pelas 00h17, à tarde, o arguido AA, com a ajuda do seu irmão RR e de um indivíduo de nome EEE, levou uma âncora para a embarcação J...... e falou com o patrão-mor da capitania, informando-o que este já podia ir fazer a vistoria pois estava tudo pronto.
(Sessões 7065 do alvo .... e 3830 do alvo ...., transcritas a fls. 638-643 do Apenso A;RDE de fls. 1295-1296 e fotografias de fls. 1351-1352)
190. Nesse dia, por desentendimentos com o arguido CC, o referido WW abandonou Portugal, deixando de fazer parte da tripulação do J.......
(Sessão 7054 do alvo ........, transcrita a fls. 633-635 do Apenso A)
191. Também o XX saiu de Portugal nesse dia, tendo viajado de avião para .........., e uma vez que a embarcação estava prestes a partir e a sua presença em Portugal já não era necessária.
(Sessões 7061 do alvo ........, transcrita a fls. 636-637 do Apenso A)
192. No dia … de Maio de 2017, o XX informou o arguido AA que ia passar informação ao arguido BB, com quem ia estar nesse dia, sobre como “trabalhar” com o arguido AA.
Nessa ocasião, o arguido AA disse ao XX que o barco que estava na Grécia, referindo-se ao N.../AA, estava “esclarecido” e XX só tinha de mandar por o nome de AA no barco, que ele já tinha os papéis do barco, que “agora é um barco holandês”.
O arguido AA ainda pediu ao XX que lhe mandasse, via Western Union, € 500,00 (quinhentos euros), que este “devia” à sua mulher, a arguida GG.
O XX informou AA que o arguido BB viria a Portugal no dia seguinte.
(Sessão 7216 do alvo ........, transcrita a fls. 644-650 do Apenso A)
193. O arguido BB veio a Portugal trazer dinheiro e resolver problemas pendentes com a embarcação J...... e a tripulação.
Tal arguido também trouxe consigo documentos relacionados com a embarcação K...... para entregar ao arguido AA.
(Capa vermelha no Apenso 1)
194. O arguido BB chegou ao Aeroporto .... no dia … de Maio de 2017, de manhã, procedente de ....., tendo o arguido AA ido recolhê-lo.
(Bilhete no interior de capa vermelha no Apenso 1)
195. Em momento não concretamente apurado ficou decidido que o arguido BB também faria parte da tripulação do J......, indo acompanhar o carregamento do estupefaciente e transporte do mesmo até ao destino final.
196. Ao final da manhã do dia ... de Maio, o XX e o arguido AA falaram sobre o facto de o primeiro ter de enviar dinheiro para a arguida GG.
O XX confirmou que ia tratar disso e pediu para AA confirmar o nome e a data de nascimento de GG.
O arguido AA informou o XX que saíam nesse dia para o mar.
(Sessão 7286 do alvo ....., transcrita a fls. 656-660 do Apenso A)
197. De facto, o barco J...... veio a sair do porto de ....., para alto mar, em direcção a sul (Marrocos), no dia … de Maio de 2017.
198. Já no mar, o arguido AA falou por telefone com o seu filho, a quem disse que a mãe (referindo-se a GG) já teria dinheiro no dia seguinte e que ele, daqui a uns dias, ia buscar muito dinheiro.
(Sessão 7301 do alvo ....., transcrita a fls. 661-663 do Apenso A)
199. Assim, à saída de ....., a tripulação da embarcação J...... era composta pelos arguidos AA, FF, CC, EE, DD e BB.
200. No dia … de Maio de 2017, o XX disse à arguida GG que lhe ia enviar dinheiro, mas que de momento só podia enviar 500 euros, menos despesas de envio, porque os elementos da organização só lhe tinham dado 1000 euros e só podia receber mais depois de estar com o arguido AA.
Mais disse à arguida GG que, quando o arguido AA terminasse, ele ligava a dizer que estava tudo bem e que depois ia para a Grécia esperar pelo AA.
(Sessão 1969 do alvo ....., transcrita a fls. 53-56 do Apenso F)
201. A arguida GG recebeu então uma SMS com o código ....74 para proceder ao levantamento de € 477,00 (quatrocentos e setenta e sete euros), o que a mesma veio a fazer.
De facto, nesse dia … de Maio foi remetida, através de um tal de YY, via Western Union, a quantia de € 477,00 (quatrocentos e setenta e sete euros) para a arguida.
(Sessão 1970 do alvo ...., transcrita a fls. 57 do Apenso F; Fls. 2649; Recibo de fls. 1444)
202. A meio da tarde daquele dia, o arguido AA contactou a arguida GG através do telefone satélite do barco, com o número ....38, e perguntou por novidades. Esta respondeu que o “primaço”, referindo-se ao XX, enviara 477 euros e reportou-lhe o resto da conversa que tivera com ele.
O arguido AA disse que agora falava directamente “para o patrão”.
AA disse ainda que já estava a passar por ......... e depois já era ele que mandava, não eram “eles”.
(Sessão 2725 do alvo ...., transcrita a fls. 318-323 do Apenso C)
203. Nessa altura, a embarcação J......, com os indicados arguidos a bordo, continuou a descer junto da costa portuguesa, em direcção à costa atlântica marroquina.
(Caderno de capa vermelha junto ao Apenso 1)
204. Na madrugada do dia … de Maio de 2017, pelas 01h50, o arguido AA ligou para a arguida GG e disse-lhe que estava tudo bem mas que no dia seguinte, a essa hora (referindo-se ao momento do carregamento da droga para a embarcação), ia estar melhor.
(Sessão 2752 do alvo ...., transcrita a fls. 324-326 do Apenso C)
205. Em momento não concretamente apurado, mas provavelmente na madrugada do dia … de Maio de 2017, foi efectuado para a embarcação J...... o transbordo de fardos de haxixe, provenientes de Marrocos, em número global de 333, que vieram depois a ser apreendidos.
206. Esse encontro com a embarcação ou embarcações provenientes de Marrocos que levaram até ao J...... o haxixe ocorreu na posição das coordenadas 35º08.67N e 006º39.30W, situada em frente a ......, a 24 milhas náuticas desta localidade.
(Anotação manuscrita que constitui fls. 1514 e mapa de fls. 3653)
207. Os arguidos AA, FF, CC, DD e BB colaboraram, então, na recepção e guarda dos fardos de haxixe no interior da embarcação, dentro do compartimento denominado de “Pico de Vante”.
208. No dia ... de Maio de 2017, pelas ..h.., quando se encontrava a navegar no mar alto (nas coordenadas LATITUDE - ............ e LONGITUDE - ............), após ter passado o Estreito de Gibraltar, em direcção ao local onde pretenderia descarregar o estupefaciente, no interior do Mediterrâneo, a embarcação J...... veio a ser interceptada pelas autoridades marítimas portuguesas, designadamente pelo Destacamento de Acções Especiais da Marinha.
(Mapas a fls. 3645 e 3646)
209. Na embarcação J...... vieram a ser encontrados, no referido compartimento denominado de “Pico de Vante”, um total de 333 fardos com um total de 10.067.168,430 (dez milhões, sessenta e sete mil e cento e sessenta e oito gramas e quarenta e três decigramas) – peso líquido, de canábis (resina), que foram apreendidos aos arguidos que compunham a tripulação.
210. A embarcação J...... foi, igualmente, apreendida.
211. Na embarcação J...... foi ainda encontrado e apreendido o seguinte:
(Auto de busca de fls. 1505 a 1510 e Apenso 1)
211.1. Na ponte:
- Um computador portátil da marca …., modelo ….., com o nº de série …53, pertencente ao arguido CC;
- Um computador portátil da marca …, modelo …, com o nº de série …34, pertencente ao arguido CC;
- Um computador portátil da marca …, modelo…, com o nº de série ….16, pertencente ao arguido CC;
- Um telemóvel da marca…., com o IMEI …87, com um micro cartão SIM, com o nº …23, pertencente ao arguido AA;
- Um telemóvel da marca Samsung, modelo…, com o IMEI …30, com o cartão SIM da operadora…., com o nº …36, pertencente ao arguido AA;
- Um telefone satélite…, com o IMEI …50, com o cartão SIM nº …32;
- Uma pasta amarela com elástico, com os dizeres manuscritos “S…. 2016”, contendo diversa documentação em nome do arguido CC e relativa às embarcações de recreio de aluguer “A…” e “P…”, incluindo uma lista de tripulantes onde consta o nome da arguida EE;
- Um envelope tamanho A5 contendo diversos recibos de alimentação e combustível, pagos em cidades espanholas em Agosto de 2016;
- Um caderno com capa vermelha, com quatro páginas manuscritas e com uma carta de rotas do Atlântico Norte, que se encontra manuscrita. (A primeira página contém indicações manuscritas de rumos;
Da segunda à quarta página manuscrita existem diversas descrições do percurso efectuado na viagem do J......: começa com a indicação de saída a 12/05/2017 de ...., às 19h30; no dia 13/05/2017 consta indicação de .....; no dia 14/05/2017 constam coordenadas em frente a .......; no dia 16/05/2017 está aposta a palavra ......;
A carta contém coordenadas manuscritas: …… (perto da ......), …. e a expressão “to Kreta change course”);
- Oito folhas A4, com a indicação de ...., contendo fotografias e dizeres manuscritos relativos à embarcação J......;
- Dentro de uma mica, sete folhas A4, contendo o nome do arguido CC e com a indicação de DNA;
- Uma folha de tamanho A4, com a indicação ““K…””;
- Um caderno de argolas com elástico, com várias folhas manuscritas na língua holandesa;
- Quatro folhas tamanho A4, com dizeres manuscritos na língua holandesa e números de telefone e de satélite; no verso da 4ª folha encontram-se diversos dizeres manuscritos, destacando-se as seguintes coordenadas assinaladas no topo da folha, escritas a lápis: “…, …” e que correspondem a uma localização em frente a ......, Marrocos, a cerca de 24 milhas náuticas; ainda no verso da 4ª folha encontram-se vários números de telefone satélite manuscritos, nomeadamente “[....51]”, “....00]” e “....71” e ainda números de telemóvel portugueses e um holandês, a saber, “....07” (número de telemóvel do arguido AA), “….95” (número de telemóvel do arguido XX) e “....82” (número de telemóvel utilizado pelos arguidos AA e GG);
- Duas caixas contendo um sistema autorizado da marca NAVIONICS que permite o download de cartas marítimas, um deles para o Mediterrâneo e Mar Negro e o outro para a Europa Central e Oeste;
- Três cartas marítimas, com a indicação de C18, C19 e M20, com o dizer manuscrito “J......”;
- Uma carta marítima, com a indicação de C19, com apontamentos manuscritos;
- Uma folha A4, contendo diversos apontamentos manuscritos, com localizações geográficas e datas e carimbos com o dizer “N....”;
- Uma folha A4, contendo uma fotografia a cores da embarcação “G…”, propriedade do arguido CC;
- Um telemóvel da marca iPhone, com o modelo …., sem cartão SIM, pertencente ao arguido AA;
- Um computador portátil, da marca….., modelo….., com o nº série ….MX, pertencente ao arguido AA;
- Duas antenas G-STAR IV, modelo n.º …S4, que após ligação a um computador, através de satélite, permitem aceder à internet a bordo;
- Uma pen drive da marca…..
211.2. Na cabine ocupada pelos arguidos DD e BB:
- Um telemóvel da marca….., modelo iPhone, com o IMEI …40, pertencente ao arguido DD;
- Um telemóvel da marca …., modelo …., com o ….1A, pertencente ao arguido DD;
- Um telemóvel da marca…., com o IMEI …18, com cartão SIM da operadora …., com o número ....0U, pertencente ao arguido DD;
- Uma chave de um automóvel de marca…., com o número de série …61, pertencente ao arguido DD;
- Um telefone satélite, da marca…, com o IMEI …30, com cartão SIM número ...40, encontrado na zona da cabine utilizada pelo arguido BB;
- Um telefone satélite, da marca Iridium, com o IMEI …10, com cartão SIM número ....13, encontrado na zona da cabine utilizada pelo arguido BB;
- Um telemóvel da marca…., com o IMEI …73, com cartão SIM da operadora …..número ...17, encontrado na zona da cabine utilizada pelo arguido BB;
- Um telemóvel da marca…., encontrado na zona da cabine utilizada pelo arguido BB;
- Um carimbo de cor vermelha, respeitante a “MV NEWGRANGE MASTER PORT VILA”, encontrado na zona da cabine utilizada pelo arguido BB;
- A quantia monetária de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), encontrada na zona da cabine utilizada pelo arguido BB;
-Uma capa plástica de cor vermelha, contendo no seu interior diversos documentos referentes a embarcações, designadamente:
Embarcação K....: o registo ….14 (com referência ao porto de registo Piraeus); um memorando de acordo aprovado pela “The Mediterranean Yacht Brokers Association”, datado de 03/03/2015 entre a referida “G. NIKOLAKOPOULOS AND SAI E.E.”, representada por FFF (tel: ......10/....44) e o broker MERCURE NAVIGATION S.A., …, …, MARSHALL ISLANDS, assinado pelo arguido AA: o valor declarado da venda foi de € 160.000,00, tendo a embarcação sido entregue na “Marina…, Grécia”; tal documento só tem assinaturas e rúbricas do arguido AA; o certificado de seguro do navio com início a 18/01/2017 e fim a 17/01/2018 - número de apólice …94 e em que o tomador é o arguido AA; uma procuração do arguido BB, em representação da sociedade “M… LTD”, a dar poderes ao arguido AA para tratar de todos os assuntos relacionados com o navio; uma acta da compra do navio pela sociedade “M… LTD”, representada pelo arguido BB; Embarcação N....: um relatório de avaliação efectuado à embarcação na Holanda e uma lista da tripulação, datada de 04/11/2016, no Porto de “.....” – Turquia, apresentando como proprietário “M…: A”; ali declararam origem no porto .... – Turquia e saída a 01/11/2016, constando da tripulação o arguido AA, que assina o documento, o arguido HH, o arguido DD (holandês, nascido em .../08/97 e portador do passaporte ....H6), o atrás referido LL e mais quatro indivíduos; Embarcação J....: uma folha manuscrita com indicação dos valores gastos nos arranjos do barco e na aquisição de bens alimentares, entre outros, no valor total de “1.680”, mais “1700” referentes ao “Reboque”, mais “1030” referentes a “Engine” e mais “600”, referentes a “Maquinas”; um recibo emitido por “Tinita – Transportes e Reboques Marítimos, SA”, relativo à quantia de € 1.500,00 de assistência ao barco, valor pago pelo arguido CC; um bilhete de avião em nome do arguido BB de 12/05/2017, relativo ao voo ....., de .......... para o ........; uma declaração manuscrita, com o resumo dos acontecimentos verificados com o navio desde a sua saída em ....., França, até à entrada em .......; um recibo de pagamento de € 41,00, relativo à estadia de “WW” no Hotel ....., datado de 30/04/2017.
211.3. Na cabine ocupada pelos arguidos CC e EE:
- Um telemóvel da marca Samsung, com o IMEI …61, com cartão SIM da operadora Vodafone com o número .....88;
- Um telemóvel da marca …, com o IMEI …35;
- Uma pasta de cartão de cor verde, contendo no seu interior documentos relativos à embarcação J......;
- Uma pasta de cor azul escura, contendo no seu interior documentos relacionados com a embarcação J...... (a única folha solta das micas de plástico é uma lista da tripulação, onde se refere que o porto de origem é “......, France”, com saída a ../03/2017, e destino “......, Spain”, com chegada prevista de “+/- 6 days”; da lista de tripulantes consta o nome de “AA”, “CC”, um linha em branco, “EE” e “WW”; tal lista está assinado pelo arguido AA com data de 14/03/2017.
211.4. Na cabine ocupada pelos arguidos AA e FF:
- Oito papéis manuscritos, designadamente com contactos úteis para quem se encontre a navegar como, por exemplo, o Instituto Oceanográfico Corunha, o Instituto Marítimo Português, a Capitania Douro, INEM, ISN, entre outros; os primeiros dois papéis contém apontamentos de despesas com material de navegação, gestão de pessoal e do próprio barco; um dos pedaços de papel contém manuscritas diversas coordenadas e horas: …., … – 12:00, …, … – 13:00, …, … – 15:00, ….., …. – 16:00, Azores 770 nm Madeira, C. Verde 651 nm, 16:00 (30nm) – ……., ……, 20:00 (61nm) – …., …, 23:00 (85nm) – …, …, 02:00 (112nm) – ….., …., 05:00 (139nm) – ….., …., 07:00 (157nm) – …., …, e 09:00 (175nm) – …., ….);
- Cinco cartões de embarque, três em nome do arguido AA (relativos a voos do ... para ..... em 13/12/2016 e em 05/03/2017) e dois em nome de GG (relativos a voos de .... para o ....... em 09/11/2016 e 16/12/2016)
- Um cartão de suporte de SIM card da operadora Lebara, com o nº .....02-151230;
- Um cartão de suporte de SIM card da operadora …, com o nº .....83;
- Um cartão da Lusitânia Mar Seguros, em nome do arguido AA, respeitante à embarcação K........;
- Um telefone satélite de marca …., modelo …5S, com o IMEI …70, com o cartão SIM com o nº .....10;
- Um SIM card IRIDIUM, com o nº .....99;
- Um adaptador de marca …, contendo um cartão microSD de 8GB;
- Uma pen drive, de marca ..., com a capacidade 8GB;
- Uma pasta de cor roxa, com folhas plásticas contendo diversa documentação da embarcação N…., nomeadamente características, planos de controlo de incêndios e de salvamento, entre outros;
- Um cartão de suporte de SIM card da operadora …, com o nº ....01;
- Um cartão de suporte de SIM card IRIDIUM, com o nº ....25;
- Uma pen wireless, de marca …., com o nº ….AT;
- Duas folhas A4, relativas à embarcação J…...;
- Um Certificado número ….08, relativo à embarcação N….., datado de 18/11/2016; e ainda
- Uma capa de cor azul claro, contendo diversa documentação, designadamente:
- Um recibo de pagamento de seguro da embarcação K...., no total de € 291,99, pelo período de 18/01/2017 a 17/01/2018, em nome do arguido AA;
- “Permanent Certificate of Registry”, emitido pela República de Vanuatu, certificado número …09, relativo à embarcação AA, com cal sign ….N3 e IMO ….20 (a embarcação tinha antes o nome N…. e foi comprada na Holanda em 14 de Outubro de 2016 e registada em 18 de Novembro de 2016);
- “Permanent Certificate of Registry”, emitido pela República de Vanuatu, certificado número …09, relativo à embarcação AA, com cal sign ….N3 e IMO ….20 (a embarcação tinha antes o nome N…. e foi comprada na Holanda em … de Outubro de 2016 e registada em 18 de Novembro de 2016);
- “Minimum Safe Manning Certificate”, emitido pela República de Vanuatu, certificado número …11, relativo à embarcação AA;
- “Ship Radio Station License”, emitido pela República de Vanuatu, relativo à embarcação AA, com data de validade 17/11/2020;
- Registo da embarcação AA, datado de 18/11/2016;
- “Bill of Sale” do N.... entre “Mr. GGG”, com o cartão de identificação ......F8, com escritório em ....., e o arguido AA, pelo valor de € 125,00, datado de 14 de Outubro de 2016; contem agrafado um documento da empresa “LIMDAL ASSIST B.V.”, sita em Parallelweg 124 – 12, 1948 NN Beverwijk – Holanda, confirmando que as assinaturas de GGG e AA no “Bill of Sale” foram efectuadas na sua presença; existe ainda uma terceira folha da República de Vanuatu dando conta do recebimento do “Bill of Sale” no dia … de Novembro de 2016 às 10:45 a.m., e arquivado no “Book CV 36”, “Page 22”;
- Formulário para registo de embarcação da República de Vanuatu (Form A1) do N…...../AA, IMO ……20 e bandeira VANUATU, pertença do arguido AA, datado de 14/11/2016;
- Factura da empresa “Thocomar Shipping de Dakar – Senegal”, emitida em nome de HHH, com o contacto ....98, de 10/02/2016, relativo a “TB NEWGRANGE PORT CALL ON 11 FEB 2016”, num total de € 4.458,54;
- Uma folha do “Ministerio de Fomento” de Espanha sobre matrículas de embarcações de recreio, com a indicação manuscrita “L<24m” (largo = comprimento, menos de 24 metros), onde no verso existem diversos apontamentos manuscritos: «O.N.G. – “Proactiva Open Arms”», «Mediterranio, ao largo Libia», «Ir a ....... [Holanda] falar com BB (....., ali)», «As ..:..h/..:..h -> Falar com o III:», «- Se fala ao patrão para adiantar dinheiro», «- Se vem comigo falar ao KK para que me pague», «- Se vamos trabalhar com o M… se o KK não pagar», «- Porquê que não me disse que falaram ao JJJ para parar de emitir os papéis, ficando eu responsável pelo que acontecesse ao barco», «Para é que vim à Holanda se não há trabalho», «Falar com advogado, porque não houve julgamento», «Perguntar se foi pago pelo IIII (2,000€)», «Saber se os 5 foram a tribunal», «7 dias aki, e tive que pagar a comida, mas e o voo de regresso?», «Pont Police, 1500», «BBB, 3000», «Inspector 2,500 + 4,000», «Voo, Hotel, Comida», «Carro alugado», «Tripulação – voos, Hotel, Alimentação», «21 Dias»;
- Um documento relativo à venda do navio M......, com porto de registo Piraeus, O.N.: 4648, assinado por GGG, em representação de “MOST M.C.P.Y”, no. 23 Prompona Str., Athens, Greece;
- Um documento assinado por GGG, portador do documento de identificação número ....., legal representante da empresa “MOST MCPY”, transferindo a propriedade da embarcação M...., registada com bandeira grega no porto de PIRAEUS, e número oficial 4648 para a empresa “KOURSAROS LTD”, com escritório em 3511 Silverside RD, Suite 105, Wilmington, Delaware, USA, datado de ../06/2016.
212. O arguido AA tinha consigo, que igualmente lhe foi apreendido, uma folha A4, contendo um registo do site “WindGuru” sobre o estado do tempo e do mar para a zona de ....., desde o dia 11/05/2017 até 21/05/2017, com vários manuscritos, nomeadamente três coordenadas: “…..”, “……” e “…..”.
(Auto de apreensão de fls. 1585)
213. O arguido FF tinha consigo, que igualmente lhe foi apreendido, um telemóvel de marca …., com o IMEI …95, com um Cartão SIM da operadora …., referente ao nº ...77.
(Auto de apreensão de fls. 1596)
214. O valor comercial da embarcação J...... foi calculado em € 280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros).
(Fls. 2060 a 2063)
215. No mesmo dia 17/05/2017, na casa dos arguidos AA e GG, sita na Rua ..., nº .., ......, ...., foram encontrados e apreendidos:
- Bilhete de avião emitido em nome de GG, relativo a uma viagem de 26/08/2016 de .... para o ....;
- Bilhete de avião emitido em nome de GG, relativo a uma viagem de ...... para .....(Creta) em 12 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de ........ para .........., em 21 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de ........ para ......., em 7 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de ....... para .........., em 7 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 6 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........., em 3 de Abril;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ......, em 23 de Julho;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para ........., em 18 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ...... para .........., em 9 de Fevereiro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 17 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 12 de Fevereiro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 19 de Maio;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ....... para ......., em 16 de Agosto;
- Canhoto e bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para ............, em 6 de Abril;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ........ para .........., em 21 de Agosto;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 11 de Junho;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ......, em 21 de Setembro;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ......., em 19 de Junho (sem canhoto);
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ....... para .........., em 31 de Agosto;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 14/02/2017;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 09/06/2016;
- Ticket de excesso de bagagem emitido em nome de RR, relativo ao voo de .......... para o ........ em 19/12/2016;
- Bilhete electrónico em nome de AA, relativo à viagem de ..... para o ........ em 24/03/2017;
- Boarding Pass em nome de AA, relativo à viagem do ........ para .......... em 11/09/2016;
- Boarding Pass em nome de AA AA, relativo à viagem de ....... para ........ em 04/11/2016;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ...... para ...., em 18 de Agosto;
- Recibo de depósito em numerário numa conta banco Santander Totta, titulada pelo arguido AA, no montante de € 500,00;
- Recibo do “..... Hotel”, em ...., em nome de GG, relativo a uma estadia para 2 pessoas de 17/08/2016 a 20/08/2016, num total de € 299,30;
- Recibo do “Hotel .....”, em ...., em nome de HH, relativo a uma estadia para 2 pessoas de 18/10/2016 a 19/10/2016, num total de € 150,00;
- Recibo do “Hotel .....”, em ...., em nome de CC, relativo a uma estadia para 01 pessoa de 18/10/2016 a 19/10/2016, num total de € 100,00;
- Recibo do “Hotel .....”, de ...., na Holanda, em nome do arguido AA, relativo a uma estadia para 02 pessoas, datado de ../02/2017, num total de € 90,00;
- Factura de “Puerto Deportivo Aguadulce SA”, em Almeria, relativo à estadia da embarcação MO.... entre os dias 13/07/2016 e 16/07/2016, num total de € 145,14. O recibo está passado em nome de “KOURSAROS LTD, Suite 105, Silverside RD, 3511 Wilmington, Delaware, USA”. No verso tem os seguintes dizeres manuscritos: “Fui buscar comida (22:00h Portugal) Já volto”;
- Factura da “Marina Botafoch – Puerto Deportivo Ibiza”, relativo à estadia da embarcação M….... entre os dias 22/07/2016 e 23/07/2016, num total de € 380,63. O recibo está passado em nome de “KOURSAROS LTD, Suite 105, Silverside RD, 3511 Wilmington, Delaware, USA”;
- Recibo de aluguer de uma viatura em ....., em nome do arguido AA, datado de 12/08/2016, no valor de € 430,00.
(Auto de busca de fls. 1409 a 1412)
216. Ainda naquela data, na casa da mãe do arguido AA, LLL, sita na Rua ...., nº .., na ...., foram encontrados e apreendidos:
- Uma factura da Agência Abreu, emitida em nome de MMM, relativa a uma viagem do arguido AA, de ..... (.....) para o ...., em de ../03/2017.
(Fls. 1466 a 1468)
217. Dias depois da detenção dos referidos arguidos, mais concretamente no dia .. de Maio de 2017, a já mencionada embarcação M...., que o arguido AA comandara no período temporal atrás indicado, e com a qual logrou efectuar um transporte de fardos de haxixe, foi interceptada pelas autoridades espanholas no Mar Mediterrâneo, quando se encontrava a 67 milhas de Almeria (Espanha) e a 35 milhas do Cabo de Três Forcas (Marrocos), altura em que transportava, de forma semelhante ao transporte efectuado com recurso à embarcação J......, um total de 400 fardos com 10.532.975 (dez milhões, quinhentos e trinta e dois mil e novecentas e setenta e cinco) gramas de resina de canabis.
Foram detidos os dois tripulantes, com os nomes NNN e OOO, indivíduos de nacionalidade holandesa, que então se encontravam a utilizar essa embarcação.
(Apenso II)
218. No dia .. de Junho de 2017, procedeu-se à apreensão da embarcação K..., de bandeira grega, registo 4414 e porto de registo Piraeus, que ainda se encontrava atracada no Estaleiro Naval de ....., em .... .
(Auto de busca e apreensão de fls. 2219-2220)
219. O valor comercial da embarcação K... foi calculado em € 20.000,00 (vinte mil euros).
(Fls. 3067 a 3077)
220. Nos dias 29 e 30 de Junho de 2017 procedeu-se à apreensão em ...., França, das mencionadas viaturas automóveis com as matrículas francesas ….-PG (marca ....) e …..-TJ (marca ....), as quais tinham ficado estacionadas junto do porto dessa localidade.
(Apenso I)
221. No dia … de Agosto de 2017 procedeu-se a uma busca na casa do XX, sita em ....., ....., na Holanda, na qual foram apreendidos documentos e quatro equipamentos digitais (um computador portátil de marca….., modelo…, com o nº ….59, um tablet de marca…, com cartão de memória com 32Gb, uma pen de marca Philips, com o nº …5B e uma pen de marca …..).
(Apenso V)
222. Foi determinada nos autos a apreensão da embarcação N..../AA, que se encontra na Grécia, mais concretamente no porto de ...., na Ilha de Creta.
223. Os arguidos AA, CC, FF, DD e BB quiseram participar num transporte de elevada quantidade de haxixe (canábis em resina), produto que recolheram no mar, perto da costa marroquina, e que destinavam à entrega a terceiros, em local não apurado, terceiros esses que, por sua vez, se encarregariam de diligenciar pelo escoamento de tal produto no mercado europeu.
224. Os arguidos assim actuaram com vista a obter, em contrapartida, elevados proventos económicos.
225. Tais arguidos conheciam a natureza estupefaciente daquele produto transportado na embarcação.
226. Com a venda do haxixe apreendido (por referência à quantidade de 10.067.168,430 – dez milhões, sessenta e sete mil e cento e sessenta e oito gramas e quarenta e três decigramas), seriam angariados proventos monetários muito elevados, que ultrapassariam seguramente a quantia de € 23.657.844,00 (vinte e três milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e quarenta e quatro euros).
[Poderá ter-se em conta que, em Portugal, por referência a 2017 ou 2016 (últimos dados disponíveis), o preço médio de cada grama de canabis é de € 2,35 ou de € 2,30 - cfr. quadro na página 21 do Relatório Anual 2017 – Estatística TCD, elaborado pela PJ-UNCTE, in www.pj.pt; ou quadro na página 102 do Relatório Anual 2016, elaborado pelo SICAD, in www.sicad.pt]
227. O arguido FF iria receber quantia não inferior a € 6.000,00 (seis mil euros).
228. Os mencionados arguidos, ao actuarem conforme supra descrito, contribuíram, na parte que lhes competia, para a prática do crime, agindo sempre com a consciência de que o cumprimento das respectivas tarefas era indispensável à prossecução dos objectivos delineados.
229. A arguida GG estava a par de toda a actividade desenvolvida pelo arguido AA, seu companheiro, quer quando estava com este arguido em Portugal, quer quando o acompanhava ou ia ter com o mesmo à Holanda ou à Grécia, quer ainda quando o arguido estava fora e com ele mantinha frequentes contactos telefónicos, nos quais era posta a par da actividade.
Tal arguida também recebia em seu nome quantitativos monetários remetidos por elementos da organização e que estavam relacionados com contrapartidas devidas ao arguido AA pela sua actividade.
230. A embarcação J...... foi utilizada no transporte do haxixe apreendido, sendo que os telemóveis, telefones satélite, computadores e demais objectos digitais apreendidos aos arguidos também foram utilizados na actividade ilícita atrás descrita.
231. Também as embarcações K.... e N.../AA ou destinavam-se a ser utilizadas em transportes de produtos estupefacientes, no caso da primeira, ou tinham sido utilizadas em transportes de produtos estupefacientes, no caso da segunda, a concretizar ou concretizados pelo arguido AA.
232. Igualmente as viaturas automóveis, com as matrículas francesas …..-PG (marca .....) e …...-TJ (marca ....), foram utilizadas no apoio à tripulação da embarcação J...... e, por isso, no transporte de produto estupefaciente que esta veio a concretizar.
233. Os documentos apreendidos, e atrás discriminados, foram utilizados e resultam da prática da descrita actividade ilícita.
234. A quantia monetária apreendida era parte da recompensa prometida ao arguido BB pela actividade realizada com vista à concretização do transporte de haxixe.
235. Os arguidos AA, BB, CC, DD e FF actuaram de forma livre, deliberada e conscientemente, em conjugação de esforços e mediante acordo prévio.
236. O arguido FF foi condenado por acórdão de 14/09/2009, proferido pelo Tribunal Colectivo do ... Juízo Criminal .... no NUIPC 3/09...., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/01 e 75º e 76º do C. Penal, cometido a partir do início de 2009 até à data da sua detenção, ocorrida no dia …/01/2009, na pena de prisão de 5 anos e 6 meses.
O arguido FF esteve preso entre os dias 30/09/2009 e 19/08/2016, data em que foi restituído à liberdade, tendo estado ligado a outro processo entre 11/10/2011 e 01/11/2013.
Mais se provou que:
Das condições pessoais dos arguidos
Arguido AA
O seu processo de desenvolvimento e socialização decorreu na ..., junto do agregado de origem, composto pelos pais e dois irmãos germanos mais novos. O pai era … e a mãe estaria encarregada … relativa à actividade profissional da família.
A dinâmica familiar seria pautada por laços de afectividade e solidariedade entre os seus membros, num contexto relacional estável e estruturado, sendo os progenitores de características conservadoras, descritos como atentos e preocupados com a transmissão de valores e regras pro-sociais aos descendentes. A nível económico o agregado subsistia sem constrangimentos no domínio da satisfação das necessidades básicas, através dos rendimentos provenientes do exercício da actividade profissional do progenitor, que era apoiado na sua profissão por dois dos filhos.
A nível da integração social, a família vivia em casa própria com boas condições de habitabilidade, beneficiando de um contexto sociocultural favorável com afastamento de problemáticas criminais e sociais.
No domínio escolar AA iniciou o seu percurso em idade normal, tendo completado o 8º ano de escolaridade, aos dezasseis anos de idade. Nesta altura abandonou definitivamente a prossecução dos estudos por sua vontade, dando prioridade ao seu processo de autonomização financeira, passando a acompanhar o pai e um irmão na actividade …..
Ao longo do seu percurso profissional foi obtendo formação profissional objectivando especializar-se tendo chegado ao topo da carreira de mestre pescador. Até ao ano de 1999 trabalhou com o pai, tendo optado por desenvolver a sua actividade profissional nos mares ….. através de uma empresa ….. durante um ano. Mais tarde veio a integrar uma empresa ….., tendo permanecido a residir na ….., deslocando-se a Portugal com regularidade no sentido de manter laços com a família, recebendo igualmente visitas dos familiares. Em 2002 tornou a emigrar para a ……, país onde foi trabalhar como … de navios…., tendo obtido o certificado equivalente ….. pilotagem.
Neste país trabalhou sempre acompanhado pelos dois irmãos, situação que contribuía para mitigar as saudades da família. Veio a interromper a actividade …… para trabalhar com ….. boats em ….. nos mares do norte da Europa.
No domínio afectivo encetou uma relação marital em 1996 que se mantém até esta data, considerando-a gratificante, sólida e coesa, situação que foi corroborada pela companheira.
Desta união nasceu um filho que conta dezoito anos de idade e com quem o arguido tem grande proximidade e cumplicidade. Devido ao facto de o casal ser consumidor de drogas e o arguido permanecer por longos períodos ausente, o filho de ambos integrou o agregado dos avós paternos desde os nove anos de idade.
A nível da saúde relatou ter consumido haxixe de forma ocasional e em contexto recreativo durante o cumprimento do serviço militar, tendo posteriormente abandonado aquela adição.
Contudo no seguimento de um grave acidente que o pai e irmão sofreram no mar e no qual quase perderam a vida, AA veio a padecer de….., tendo mesmo abandonado temporariamente as actividades……. Neste contexto de abalo emocional deu início a consumos de cocaína e heroína fumadas. No sentido de se desvincular do consumo daquelas substâncias, aditivas submeteu-se a um tratamento em ....... através do Centro de Saúde da sua área de residência. Apesar do sucesso do referido tratamento, o arguido voltou a recair nos consumos de cocaína no período precedente à prisão.
A nível dos relacionamentos sociais referiu ter alguns amigos ligados a comportamentos aditivos, tendo salientado que na Holanda seria mais fácil o acesso a produtos estupefacientes.
À data da privação de liberdade, a companheira integrava o agregado dos seus pais devido a encontrar-se em tratamento à toxicodependência, o filho permanecia no agregado dos avós paternos e o arguido alternava a sua vida entre Portugal e a Holanda.
Denota sólida vinculação afectiva com a família de origem e constituída, sendo o relacionamento entre os diversos membros pautado por fortes laços de união e interajuda. A dinâmica familiar dos ascendentes e dos sogros aparenta ser funcional e estruturada, demonstrando os familiares grandes preocupação pela actual situação do arguido, pelo que este beneficia de um apoio consistente por parte dos ascendentes, companheira e filho.
AA é considerado pessoa afável e solidária, tendo recebido um louvor por ter resgatado….., em contexto….., nos mares do Atlântico Norte.
No que respeita ao seu futuro profissional, AA está convicto que não terá dificuldades em retomar a actividade profissional.
A nível institucional mantém um comportamento adequado e normativo, sem sanções disciplinares e com vontade de manter uma postura pró-activa no sentido da sua valorização, estando integrado laboralmente. Desenvolve ainda actividades na…, onde lhe foram atribuídas tarefas de responsabilidade. A nível da saúde é seguido nas consultas de psicologia e psiquiatria, estando inserido no programa de metadona. Tem vindo a receber visitas de familiares, suporte que valoriza.
Não tem condenações registadas.
Arguido BB
Nascido no … Holanda, BB é o mais novo de fratria de oito elementos, filhos de um casal de humilde condição socioeconómica e cultural, cuja união se viria a dissolver contava o arguido cerca de sete/oito anos, na sequência de uma dinâmica relacional disruptiva, marcada pela ……. do progenitor (portador de problemática de …) sobre a figura materna e os descendentes.
Após a separação dos pais, ficou juntamente com três irmãos (uma vez que os quatro mais velhos já se tinham autonomizado) entregue aos cuidados da figura materna, a qual assegurou o acompanhamento parental dos descendentes em situação de monoparentalidade, nunca tendo recomposto vida conjugal.
O ambiente familiar junto do agregado materno é descrito como estruturado, harmonioso e sustentado em laços de interajuda, referindo o arguido ter beneficiado no seu seio, de um modelo educativo sustentado na transmissão de normas e regras pró-sociais.
A progenitora falecida em 2012, é recordada pelo próprio de forma positiva, aparentando os vínculos com a mesma terem sido afectivamente gratificantes, não obstante a situação económica humilde da família. A sustentabilidade económica era assegurada com base em apoios sociais (subsídio do Estado), sendo que a progenitora não desempenhava actividade laboral, e ainda com o apoio financeiro regular do progenitor (…… por conta própria), aos filhos.
Em termos escolares, BB refere ter ingressado no sistema de ensino público em idade regular, tendo previamente frequentado o ensino pré-primário. Descreve um trajecto motivado e disciplinarmente enquadrado, tendo concluído o ensino secundário (12º ano) por volta dos dezoito anos. Posteriormente integrou o sistema de ensino profissional, tendo frequentado alguns cursos na área…, …, sistemas…, onde afirma ter obtido certificação.
Em termos profissionais, encetou actividade após a conclusão do ensino secundário, aos dezoito anos, em trabalhos indiferenciados, ocasionalmente desenvolvidos em regime de horário parcial, na manutenção de espaços florestais, de agrícolas, desenvolvidos em simultâneo com a formação profissional supramencionada.
Aos vinte e quatro anos ingressou, de forma estável e estruturada, actividade laboral na montagem de sistemas de refrigeração de aquecimentos centrais no ramo industrial e doméstico, que desenvolveu com vínculo cerca de oito anos. Posteriormente trabalhou em oficinas de mecânica automóvel, afirmando ter assinalado alguma mobilidade em número de postos de trabalho/emprego. Descreve uma trajectória durante aquele período marcada por períodos de desemprego de curta duração, intervalados com períodos de integração laboral.
Desde do final de 2013 que se mantinha desinserido do mercado de trabalho, alegadamente por problemas/constrangimentos no plano da saúde física. Foi submetido a intervenção cirúrgica no final de 2013, a uma …, que promoveu uma incapacidade física no desempenho de actividade laboral estruturada nas áreas onde regista experiência, tendo nesse contexto sido atribuída uma pensão de invalidez (num montante equivalente ao rendimento mínimo no seu pais de origem).
Em termos afectivos, estabeleceu relação estável por volta dos dezoito anos, tendo vivido em união de facto com a ex-companheira até aos trinta e dois anos. Regista outras relações de conjugalidade, tendo vivido em união de facto oito anos com uma segunda companheira e a terceira relação perdurou quatro anos, tendo o casal se separado, por volta dos quarenta e sete anos do arguido.
A última relação foi estabelecida em 2011, tendo vivido em união de facto com a última companheira juntamente com um enteado (de dezasseis anos, nascido de relação anterior da companheira) até à data da prisão, em habitação alugada. A companheira é mãe de mais três filhos, nascidos de outra relação, maiores de idade e a residirem de forma autónoma.
O casal assinalava uma situação económica precária prolongada, sendo que a par da desinserção laboral do arguido, também a companheira não desenvolvia actividade nesse domínio há vários anos, em razão de problemas de saúde (de … há nove anos), beneficiando à semelhança de BB, de uma pensão social de invalidez.
Não obstante o enquadramento económico deficitário do casal, o arguido descreve uma dinâmica intrafamiliar gratificante e harmoniosa, contudo a ligação foi dissolvida por iniciativa da companheira, já no decurso da prisão do arguido, tendo a mesma aparentemente estabelecido relação extraconjugal recente, com novo parceiro.
O arguido descreve consumos esporádicos e de natureza recreativa de haxixe iniciados na adolescência e mantidos até à data da sua prisão. No plano da saúde, para além dos problemas associados à ……. atrás referenciados (que o próprio afirma encontrarem-se clinicamente ultrapassados, não obstante a mobilidade física reduzida que assinala), arguido não apresenta outra condição clínica a relevar.
Em termos de perspectivas futuras, o arguido afirma usufruir de apoio afectivo e funcional junto de uma irmã mais velha (de sessenta anos), referindo beneficiar de acolhimento habitacional junto da família, na morada de residência da mesma. A irmã empregada……, é conhecedora da sua actual situação jurídico-penal, encontra-se disponível em acolhe-lo e apoiá-lo, em meio livre. Afirma o próprio que a familiar tem-lhe ainda assegurado apoio financeiro na prisão, através de transferências bancárias.
Em termos económicos, não obstante o subsídio social de que é beneficiário se encontrar suspensa, o arguido perspectiva manter aquele apoio social em meio livre. Manifesta vontade em se reintegrar de forma estável, em actividade compatível com a sua condição de saúde física.
BB tem revelado uma institucionalização adequada às normas e regras institucionais. Em termos ocupacionais, integra actividade laboral como … desde 23-05-2018 e frequentou curso de português para estrangeiros.
A sua prisão teve como resultado a recente dissolução de relação afectiva com a companheira, sendo que a ruptura é descrita pelo próprio como tendo tido algum impacto na sua estabilidade emocional, verbalizando o próprio pesar e tristeza pela perda afectiva.
Não tem condenações registadas.
Arguido CC
CC é natural .... . É o filho mais velho de uma fratria de quatro irmãos, sendo que é o único sem qualquer deficiência visto que dois dos seus irmãos sofrem de deficiência mental grave e um outro de surdez.
O pai, actualmente com … anos, era proprietário de uma empresa ….. e de instalação de sistemas…... A mãe, que faleceu com … anos, em 2017, trabalhava com o marido. A empresa terá acabado por falir, devido, em parte, às dificuldades de relacionamento entre o casal, o que perturbava o normal funcionamento da mesma. O ambiente familiar era por isso tenso e com episódios disruptivos entre os pais. A situação dos irmãos não ajudava à estabilização dos relacionamentos entre os diversos elementos do agregado, designadamente no casal e entre CC e o seu progenitor.
Relativamente à mãe, recorda-a como sendo ”boa pessoa” não obstante todos os episódios pelos quais passou ao longo da vida. Esta última terá deixado …… após o nascimento dos filhos do arguido por este lhe ter dito que não permitiria que ela tomasse conta, pontualmente, deles se continuasse ….. em demasia.
Ingressou na escola em idade regular. Completou o ensino secundário sem nunca reprovar e iniciou a frequência de um curso superior de …, abandonando ao fim de dois anos por não se identificar com o mesmo.
Decidiu, aos vinte e três anos, partir para o sul de….., onde tinha um amigo, e começou a trabalhar por conta própria através de uma concessão de uma……, tendo ficado quatro ou cinco anos a desenvolver esse tipo de actividades.
Regressou aos Países Baixos, com uma cidadã holandesa, de nome PPP, que conheceu em ….. e com quem acabaria por viver maritalmente durante trinta e quatro anos, tendo nascido deste relacionamento uma filha, QQQ, atualmente com vinte e um anos.
Montou um negócio de compra e venda …… que manteve durante aproximadamente dez anos. Ao casal acabaria por se juntar um terceiro elemento e isso durante vinte e dois anos, RRR progenitora de DD, co-arguido de CC no presente processo. O nascimento destes filhos em 1997, levaram o arguido a procurar trabalho como assalariado numa empresa … “C….” de quatrocentos trabalhadores, na cidade ...., espacializada na lavagem….., trabalhando para particulares e entidades estatais.
O arguido construiu, ao longo de quatro ou cinco anos, um barco de dezoito metros de comprimento que servia de residência ao seu agregado e onde os seus filhos cresceram durante os dois primeiros anos de vida, tendo mudado para uma “casa convencional” por recear algum acidente fatal com as crianças.
CC mudou-se com a família para ...... visto que à época era responsável pela secção da empresa “........”, sucessora da empresa “...”, que trabalhava para a marinha holandesa na limpeza …… nessa cidade. Tinha a gestão de aproximadamente cinquenta pessoas, o que lhe criava grande desgaste físico e psicológico devido ao “KK” e às muitas horas de trabalho.
O arguido apresentava problemas….., ….. e nas ….. por ter ….. à época. Devido ao desgaste, acabou por abandonar a empresa onde estava há quase vinte anos, voltando para o comércio….., actividade que manteve até ser preso preventivamente.
Relativamente ao seu agregado familiar, recorda que eram felizes até surgir uma situação de saúde com a mãe da filha. Os últimos dez anos de convivência foram difíceis devido a alterações hormonais em PPP que lhe terão modificado a personalidade, com humor instável, atitude muito negativa, enquanto a outra companheira, RRR, acabou por sair de casa por não suportar essa situação, não mantendo CC qualquer tipo de relacionamento com esta última.
O seu filho DD foi um adolescente problemático que lhe terá criado muitos problemas desde os seus quinze anos de idade.
Conheceu EE, co-arguida neste processo, quando esta trabalhava num … . Passaram a viver os dois maritalmente numa aldeia ……
O arguido refere que nunca padeceu de qualquer dependência, não obstante ser ….. e em tempos ter sido um grande consumidor…….
À data dos factos residia com a sua companheira EE na cidade de ...... há alguns meses.
CC declara que vivia de forma desafogada, sem dificuldades económicas, por ter efectuado poupanças ao longo dos anos.
Tem recebido unicamente apoio da embaixada do seu país e algum dinheiro transferido regularmente pela filha que se encontra na Holanda. Refere que esta última terá deixado de estudar e começado a trabalhar visto que, por ele se encontrar em prisão preventiva, já não consegue pagar-lhe os estudos …... Não recebeu até à data qualquer visita de familiares ou amigos.
Em meio prisional regista um comportamento isento de ocorrências disciplinares.
Em termos de saúde, o arguido ….. sendo acompanhado pelos serviços clínicos deste estabelecimento prisional, tomando medicação para controlo…..
Não tem condenações registadas.
Arguido DD
Natural ...... (Holanda), DD tem 21 anos de idade, é solteiro e não tem filhos, tem uma irmã consanguínea com 22 anos de idade, uma vez que o progenitor vivia com duas mulheres, tendo tido um filho de cada uma. Entretanto os progenitores separaram-se quando este tinha 14 anos de idade, ficando, desde então, a residir com os avós paternos.
O progenitor era empresário no ramo ….. e a progenitora funcionária nessa mesma empresa, assumindo uma situação económica sustentáveI DD diz ter integrado o sistema de ensino com idade regulamentada, tendo o seu percurso escolar sido caracterizado por dificuldades gerais de adaptação e aprendizagem. Após terminar o equivalente ao 2º ciclo, decidiu integrar um curso técnico-profissional na área ….., com equivalência ao 3º ciclo. Após, concluir este curso, tinha, então, 17 anos de idade, decidiu iniciar o seu percurso laboral, numa ….“.....”, principalmente…, onde se manteve durante dois anos.
Entretanto, a avó ficou gravemente doente e deixou de trabalhar para lhe garantir o seu apoio permanente.
No período que antecedeu a sua prisão o arguido residia com os avós paternos.
Mantém no E.P. uma postura consentânea com as regras e normas vigentes na Instituição, não registando medidas disciplinares.
Continua a beneficiar do apoio da progenitora e da irmã, através de depósitos regulares no seu fundo de uso pessoal e de contactos frequentes com as mesmas, embora a irmã só o tivesse visitado numa ocasião, uma vez que residem na Holanda.
Tem intenção de viver sozinho, referindo que não terá problemas em se estabilizar no seu país natal.
Não tem condenações registadas.
Arguida EE
nasceu na Holanda num agregado de mediana condição económica e social, constituído pelos progenitores e três irmãos mais novos. Descreve uma dinâmica de relacionamento familiar equilibrada, usufruindo de alguma liberdade orientada pelos pais.
Prosseguiu os estudos de forma regular até ao 12º ano de escolaridade. Frequentou o primeiro ano do curso ….. mas desistiu, tendo mais tarde realizado um curso profissional no ramo…….
Concomitantemente com os estudos, foi-se mantendo ocupada a trabalhar, ora em part time ora em full time, ainda enquanto estudava, tendo desenvolvido actividade, sobretudo, em … .
Aos 20 anos saiu de casa para viver com o namorado, uma relação que se revelou efémera, tendo dado lugar ao namoro com CC algum tempo mais tarde, um individuo bastante mais velho, que segundo a arguida se dedicava ao negócio…….
O relacionamento não foi bem aceite pelos pais, tendo a arguida permanecido afastada dos mesmos sem dar noticias do seu paradeiro, durante algum tempo até os voltar a contactar, novamente. Desde então mantinham contacto regular, apesar dos pais não concordarem com a relação.
Vivia com o companheiro no barco do mesmo, maioritariamente na Holanda, embora CC tivesse adquirido casa em Espanha, algum tempo antes de terem sido presos.
À data dos factos EE vivia em união de facto com CC há cerca de quatro anos. Encontrava−se inactiva numa situação de dependência económica e financeira do companheiro, que, segundo a arguida, assumia um papel proeminente na condução da relação das decisões relativas à vida diária.
EE alega que desconhecia os rendimentos do companheiro, provenientes dos negócios ….., admitindo, no entanto, que dispunha de uma vida confortável do ponto de vista económico−financeiro. Diz, ainda, que não tinha autonomia, nem liberdade ou meios para poder tomar decisões sobre a sua própria vida, caracterizando o relacionamento com o companheiro como pouco satisfatório do ponto de vista psicoafectivo e emocional, atribuindo-lhe atitudes de autoritarismo.
Do ponto de vista do reequacionamento do modo de vida futuro, EE projecta regressar à Holanda, a casa dos pais, que a apoiam incondicionalmente, tencionando providenciar trabalho, posteriormente.
No E.P. … frequentou um curso……, através da embaixada do seu país, aparentemente com bons resultados. De resto, revelou um comportamento isento de reparos e boa capacidade de interacção quer com os serviços quer com os pares, revelando capacidade de cumprimento de normas.
Não tem condenações registadas.
Arguido FF
FF cresceu integrado no agregado de origem cuja dinâmica familiar surge como disfuncional na sequência do relacionamento conflituoso dos progenitores que se manteve até à separação.
Do seu processo de desenvolvimento destacam-se outros factores de impacto, nomeadamente o quadro de precariedade vivenciado no seio familiar, que subsistia dos rendimentos provenientes da actividade a que se dedicavam, na venda …, que por sua vez era actividade marcada por forte mobilidade geográfica.
O percurso escolar do arguido foi fortemente condicionado pela constante mobilidade geográfica dos pais, tendo apenas completado o 4º ano de escolaridade. Com a separação dos pais o arguido passou a acompanhar a progenitora na venda ambulante ……
Com 15 anos de idade saiu do agregado materno e deslocou-se para Espanha onde sobreviveu com recurso ao exercício de funções indiferenciadas e sem qualquer vínculo laboral.
Regressou a Portugal por volta dos 20 anos de idade para cumprir o serviço militar. Finda essa obrigação, enveredou pela actividade de marinheiro …, que manteve durante cerca de 12 anos.
Iniciou o consumo de estupefacientes aos 23 anos de idade e efectuou o percurso dos consumos até às denominadas drogas duras.
Após cumprimento de duas penas efectivas, foi colocado em liberdade em Agosto de 2016.
Foi, então, viver para uma pensão na .... . Beneficiou de apoio da D.G.R.S. No período em que se manteve em liberdade e até à sua actual prisão (Maio de 2017), não conseguiu trabalho certo, subsistindo da ajuda dos irmãos.
Em ambiente prisional tem mantido um comportamento adequado.
Foi julgado e condenado:
- No processo n.º 123/95, do Tribunal ......, por acórdão proferido em 19/1/1996, pela prática, em …/3/1995, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 2 (dois) anos;
- No processo n.º 37/96, do Tribunal ...., por acórdão proferido em 11/7/1996, pela prática, em …/11/1995, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em cúmulo com a pena aplicada no processo n.º 123/95, na pena única de 22 (vinte e dois) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 3 (três) anos;
- No processo n.º 129/97, do Tribunal Judicial ..., por acórdão proferido em 28/5/1997, pela prática, em 1996, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 9 (nove) anos de prisão;
- No processo n.º 74/96, do Tribunal Judicial ..., por sentença proferida em 16/10/1997, de um crime de detenção de estupefacientes para consumo, na pena de 40 (quarenta) dias prisão, a qual foi declarada perdoada ao abrigo da Lei da Amnistia 15/94, de 11/5;
- No processo n.º 25/98, do Tribunal Judicial...., por acórdão proferido em 9/10/1998, pela prática, em …/11/1996, de crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena única de 22 (vinte e dois) meses de prisão;
- No processo n.º 58/98, do Tribunal Judicial...., por sentença proferida em 16/12/1999, pela prática, em …/8/1996, de crime de furto de uso de veículo, na pena de 12 (doze) meses de prisão a qual foi declarada perdoada ao abrigo da Lei da Amnistia 15/94, de 11/5;
- No processo n.º 58/98, do Tribunal Judicial...., por acórdão cumulatório proferido em 30/3/2000, englobando as penas aplicadas nesses autos e nos processos 639/77 e 25/98, na pena de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo sido declarado perdoado 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, ao abrigo da Lei da Amnistia 15/94, de 11/5;
- No processo n.º 132/99....., do Tribunal Judicial..... Juízo Criminal, por sentença proferida em 2/10/2000, transitada em julgado em 30/10/2000, pela prática, em …/11/1995, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 22 (vinte e dois) meses de prisão;
- No processo n.º 763/00...., do Tribunal Judicial...., .. Juízo Criminal, por sentença proferida em 1/4/2003, transitada em julgado em 24/4/2003, pela prática, em …/11/1996, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a qual foi substituída por 180 (cento e oitenta) dias de multa;
- No processo n.º 110/01...., do Tribunal Judicial da Comarca..... Juízo Criminal, por acórdão proferido em 4/4/2003, transitado em julgado em 17/2/2004, pela prática, em …/08/1996, de um crime de roubo, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- No processo n.º 110/01...., do Tribunal Judicial da Comarca de ....., .. Juízo Criminal, por acórdão cumulatório proferido em 30/9/2004, transitado em julgado em 19/10/2004, englobando as penas aplicadas nestes autos e nos processos n.º 129/97, 25/98 e 58/98, na pena única de 12 (doze) anos de prisão, a qual foi declarada extinta em 1/11/2013;
- No processo n.º 3/09....., do Tribunal Judicial..... Juízo Criminal, por acórdão proferido em 14/9/2009, transitado em julgado em 14/10/2009, pela prática, em Janeiro de 2008, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual foi declarada extinta em 20/8/2016.
Arguida GG
A arguida é a mais velha de dois irmãos, oriunda de uma família de média condição socioeconómica, os progenitores foram detentores de uma empresa….., de cariz familiar, na freguesia .....,....., que encerrou há mais de vinte anos.
Abandonou o sistema de ensino aos 16 anos de idade, durante a frequência do 9º ano de escolaridade.
Aos 17 anos iniciou o percurso laboral, como vendedora na empresa “......”, nas ...., ......, ocupação que manteve durante poucos meses. Com 18 anos foi vítima de um acidente….., que a obrigou a uma hospitalização de cerca de três meses e a um longo período de recuperação, tendo ficado com …. para o trabalho.
Desde o ano de 2002, contou com várias colocações laborais, de curta duração, como empregada….., e com períodos de desemprego intercalados, tendo registado a última colocação há cerca de quatro anos, como empregada de um armazém…… , na zona industrial ......, em . … .
GG iniciou-se no consumo de drogas com 22/23 anos, juntamente com um amigo, inserindo-se num grupo de pares que a terá influenciado nesse sentido.
Com 27 anos encetou uma relação de namoro com AA, co-arguido no presente processo, e seu companheiro, de cujo relacionamento nasceu um descendente, presentemente com 18 anos.
GG reside há vários anos com o filho, num apartamento tipologia T2, num imóvel propriedade da progenitora, cedido à mesma a título gratuito, na morada constante dos autos, a quem se juntava o companheiro, quando regressava a Portugal, do mar.
Referiu ter retomado o consumo de estupefacientes em 2007, fazia alguns trabalhos esporádicos, mas essencialmente viajava para os países onde AA se encontrava, nomeadamente, Irlanda, Holanda, Marrocos, Grécia, Espanha, Namíbia, etc, deixando o filho entregue aos cuidados da avó paterna, com quem passou a viver a partir dos 16 anos.
GG referiu ter efectuado tentativas de tratamento à sua toxicodependência, mantendo acompanhamento no CRI..., ET...., desde Novembro de 2012, porém, as interrupções que fez durante o tempo que viajou dificultaram a concretização daquele desiderato, chegando a procurar, em alguns dos países supra mencionados, o apoio dos serviços de saúde respectivos.
À altura dos factos constantes da acusação e até o companheiro ser preso, a arguida manteve residência na morada constante dos autos, quando não estava no estrangeiro na companhia de AA, domicílio que ainda actualmente mantém.
Encontrava-se laboralmente inactiva, referindo viver a expensas do companheiro, que beneficiava de uma boa situação económica; desde que aquele foi preso, a arguida passou a viver com o apoio da progenitora, em casa de quem satisfazia as suas necessidades básicas, já que, por falta de pagamento, deixou de ter acesso, no imóvel onde reside, à electricidade, água e gás, situação já em fase de resolução com o apoio da Segurança Social ....; a arguida requereu o RSI (Rendimento Social de Inserção) em Agosto de 2018, tendo passado a usufruir do mesmo em Novembro do mesmo ano.
Encontra-se igualmente inscrita no Centro de Emprego, desde …..Agosto de 2018, como desempregada à procura de novo emprego, porém ainda sem sucesso, até à actualidade, mantendo uma situação de fragilidade económica, debelada com os apoios da progenitora e institucionais.
GG encontra-se em acompanhamento no âmbito do Processo nº 15/17..., da Comarca ...., Secção...., suspenso provisoriamente durante dez meses, indiciada pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, com imposição das injunções de frequentar o programa “Adição. Sem” da DGRSP e prestar 150h de serviço de interesse público; já cumpriu a injunção da prestação de serviço de interesse público, tendo executado as 150h na Associação …..., em ....., com serviços …. e serviço ……
Segundo declaração, datada de 31 de Agosto de 2018, e assinada pela psicóloga do Centro de Respostas Integradas, ...., Equipa de Tratamento …, a arguida mantém acompanhamento naquela Equipa desde Novembro de 2012, encontrando-se à data de … de Agosto 2018 integrada em Programa de Substituição Opiácea por Metadona, efectuando tomas diárias no Centro de Saúde ..., que mantém. GG visita mensalmente o companheiro no EP ....., pretendendo manter o relacionamento afectivo com o mesmo.
Mantém relacionamento com o descendente, actualmente a frequentar um curso profissional…, em ....., que, no final, lhe dará equivalência ao 12º ano de escolaridade.
Na comunidade onde a arguida reside, a sua imagem está há vários anos associada ao consumo de estupefacientes, não sendo, no entanto, estigmatizada, atenta a forma cordial como se relaciona com a vizinhança e a imagem social positiva que a sua família de origem granjeia naquele meio.
Não tem condenações registadas.
Arguida GG
A arguida é a mais velha de dois irmãos, oriunda de uma família de média condição socioeconómica, os progenitores foram detentores de uma empresa na área têxtil, de cariz familiar, na freguesia de ......, ...., que encerrou há mais de vinte anos.
Abandonou o sistema de ensino aos 16 anos de idade, durante a frequência do 9º ano de escolaridade.
Aos 17 anos iniciou o percurso laboral, como vendedora na empresa “......”, nas ...., ...., ocupação que manteve durante poucos meses. Com 18 anos foi vítima de um acidente de viação, que a obrigou a uma hospitalização de cerca de três meses e a um longo período de recuperação, tendo ficado com 30% de incapacidade para o trabalho.
Desde o ano de 2002, contou com várias colocações laborais, de curta duração, como empregada de pizzaria e de café, e com períodos de desemprego intercalados, tendo registado a última colocação há cerca de quatro anos, como empregada de um armazém chinês, na zona industrial da ...., em .... .
GG iniciou-se no consumo de drogas com 22/23 anos, juntamente com um amigo, inserindo-se num grupo de pares que a terá influenciado nesse sentido.
Com 27 anos encetou uma relação de namoro com AA, co-arguido no presente processo, e seu companheiro, de cujo relacionamento nasceu um descendente, presentemente com 18 anos.
GG reside há vários anos com o filho, num apartamento tipologia T2, num imóvel propriedade da progenitora, cedido à mesma a título gratuito, na morada constante dos autos, a quem se juntava o companheiro, quando regressava a Portugal, do mar.
Referiu ter retomado o consumo de estupefacientes em 2007, fazia alguns trabalhos esporádicos, mas essencialmente viajava para os países onde AA se encontrava, nomeadamente, Irlanda, Holanda, Marrocos, Grécia, Espanha, Namíbia, etc, deixando o filho entregue aos cuidados da avó paterna, com quem passou a viver a partir dos 16 anos.
GG referiu ter efectuado tentativas de tratamento à sua toxicodependência, mantendo acompanhamento no CRI, ......., ET de ......, desde Novembro de 2012, porém, as interrupções que fez durante o tempo que viajou dificultaram a concretização daquele desiderato, chegando a procurar, em alguns dos países supra mencionados, o apoio dos serviços de saúde respectivos.
À altura dos factos constantes da acusação e até o companheiro ser preso, a arguida manteve residência na morada constante dos autos, quando não estava no estrangeiro na companhia de AA, domicílio que ainda actualmente mantém.
Encontrava-se laboralmente inactiva, referindo viver a expensas do companheiro, que beneficiava de uma boa situação económica; desde que aquele foi preso, a arguida passou a viver com o apoio da progenitora, em casa de quem satisfazia as suas necessidades básicas, já que, por falta de pagamento, deixou de ter acesso, no imóvel onde reside, à electricidade, água e gás, situação já em fase de resolução com o apoio da Segurança Social de ....; a arguida requereu o RSI (Rendimento Social de Inserção) em Agosto de 2018, tendo passado a usufruir do mesmo em Novembro do mesmo ano.
Encontra-se igualmente inscrita no Centro de Emprego, desde ... de Agosto de 2018, como desempregada à procura de novo emprego, porém ainda sem sucesso, até à actualidade, mantendo uma situação de fragilidade económica, debelada com os apoios da progenitora e institucionais.
GG encontra-se em acompanhamento no âmbito do Processo nº 15/17...., da Comarca do ...., Secção de ......, suspenso provisoriamente durante dez meses, indiciada pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, com imposição das injunções de frequentar o programa “Adição. Sem” da DGRSP e prestar 150h de serviço de interesse público; já cumpriu a injunção da prestação de serviço de interesse público, tendo executado as 150h na Associação de Protecção à Terceira Idade− APTI ...., em ...., com serviços de creche, jardim-de-infância, ATL, Centro de Dia e serviço de apoio domiciliário.
Segundo declaração, datada de ... de Agosto de 2018, e assinada pela psicóloga do Centro de Respostas Integradas, do ...., Equipa de Tratamento de Matosinhos, a arguida mantém acompanhamento naquela Equipa desde Novembro de 2012, encontrando-se à data de .. de Agosto 2018 integrada em Programa de Substituição Opiácea por Metadona, efectuando tomas diárias no Centro de Saúde de ....., que mantém. GG visita mensalmente o companheiro no EP de ......, pretendendo manter o relacionamento afectivo com o mesmo.
Mantém relacionamento com o descendente, actualmente a frequentar um curso profissional de turismo, em ....., que, no final, lhe dará equivalência ao 12º ano de escolaridade.
Na comunidade onde a arguida reside, a sua imagem está há vários anos associada ao consumo de estupefacientes, não sendo, no entanto, estigmatizada, atenta a forma cordial como se relaciona com a vizinhança e a imagem social positiva que a sua família de origem granjeia naquele meio.
Não tem condenações registadas.
Arguido HH
O processo de desenvolvimento psicossocial de HH decorreu com os dois irmãos mais velhos e os pais, agregado com modesta condição socioeconómica e dinâmica funcional e promotora de ambiente securizante e afectuoso.
Na frequência escolar veio a apresentar considerável absentismo e reduzida motivação para a aprendizagem, que abandonou sem completar o 2º ciclo do ensino básico, aos 15 anos começou a inserção laboral como aprendiz…., já adulto mudou para a actividade … e também trabalhou na área…, no Luxemburgo e em Espanha.
Entretanto, aos 13 anos experimentou o consumo de haxixe, que manteve e ampliou a outras substâncias com maior poder aditivo, comportamento que veio a ter efeito perturbador no seu percurso de vida aos vários níveis e contextos de inserção.
Em 1998 HH casou com SSS, conceberam três filhos, com idades actuais de 19, 17 e 14 anos, relacionamento marcado por instabilidade evidenciada nos períodos de separação e reconciliação, devido ao estilo de vida em que privilegiava o convívio com os pares, a frequência de espaços…, o consumo aditivo, em detrimento do convívio familiar, fases em que alternou residência entre o agregado constituído e o dos pais, sempre apoiantes.
Não obstante o suporte e orientação global dos familiares, não aderiu a tratamento à toxicodependência, ainda que tentada mas sem consistência de motivação, nomeadamente pela intervenção da unidade móvel da equipa de rua da Associação “……”, no programa de redução de riscos e minimização de danos, com toma de metadona, mas não manteve a oportunidade.
Em Outubro de 2016, o arguido está referenciado na morada que correspondia à dos pais.
Na fase de ingresso no E.P. foi avaliado em várias valências e por apresentar síndrome de abstinência aderiu a internamento em espaço destinado a reclusos com problemáticas específicas, foi acompanhado nas especialidades de psicologia e psiquiatria, com suporte farmacológico prescrito, e cumpriu com sucesso o programa de desvinculação. Passou ao regime comum mantendo acompanhamento e evidenciou maior equilíbrio e estabilidade emocional que proporcionou colocação em actividade com carácter laboral em 19FEV.2018, conforme solicitara, enquanto se apresentava com respeito ao regulamento interno e adaptado no relacionamento interpessoal.
O arguido continua a beneficiar do apoio presencial dos familiares e filhos, nas visitas regulares.
Foi julgado e condenado:
- No processo n.º 128/07....., do … Juízo do Tribunal Judicial...., por sentença proferida em 30/3/2009, transitada em julgado em 8/5/2009, pela prática, em .../8/2007, de um crime de detenção de estupefacientes para consumo, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €4,5 (quatro euros e cinquenta cêntimos), a qual já se mostra extinta pelo pagamento;
- No processo n.º 58/08...., do .. Juízo Criminal do Tribunal Judicial....., por sentença proferida em 18/11/2009, transitada em julgado em 9/12/2009, pela prática, em .../1/2008, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 15 (quinze) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período, a qual já se mostra extinta;
- No processo n.º 28/11..., do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial....., por acórdão proferido em 18/7/2012, transitado em julgado em 20/9/2012, pela prática, em …/8/2011, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, a qual já se mostra extinta;
- No processo n.º 534/11..., do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial...., por acórdão proferido em 25/6/2013, transitado em julgado em 10/9/2013, pela prática, em …/8/2011, de um crime de receptação, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
- No processo n.º 534/11....., do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial...., por acórdão cumulatório proferido em 23/1/2014, transitado em julgado em 24/2/2014, englobando as penas aplicadas nestes autos e no processo n.º 28/11…., na pena única de 3 (três) anos de prisão, a qual se mostra extinta desde 5/6/2015;
- No processo n.º 21/17....., do Tribunal Judicial ….., Juízo Central Criminal ...., por acórdão proferido em 16/5/2018, transitado em julgado em 15/6/2018, pela prática, em …/10/2017, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão, a qual se encontra a cumprir.
Não se provou que:
- A dada altura, em momento não concretamente apurado, mas pelo menos a partir de inícios de 2016, foi estabelecido, no seio da organização, que, no interesse de todos e visando a prossecução dos fins da mesma, o arguido AA desempenharia as seguintes tarefas:
- organizar a tripulação e preparar a embarcação que ia ser utilizada;
- viajar na embarcação, com a respectiva tripulação, para junto da costa marroquina e ajudara ao transbordo para a mesma dos fardos de haxixe que ali lhe eram entregues por terceiros de identidade desconhecida;
- transportar, na embarcação, tais fardos de haxixe para o interior do Mediterrâneo e até ao destino final, algures perto da Líbia, onde ajudaria ao seu transbordo;
- deixar a embarcação na Grécia ou em Malta, onde a recuperaria mais tarde, ou ele próprio, ou outros elementos da organização.
- O arguido AA aderiu, assim, aos propósitos do grupo, fazendo-os seus.
- Toda a actividade que o mesmo veio a desempenhar, no já indicado período temporal, a seguir descrita, foi-o para concretizar os desígnios daquela organização.
- Todo o dinheiro que o AA e a GG dispunham para pagar as suas despesas era sempre disponibilizado pela organização.
- Os arguidos CC, DD e BB aderiram aos propósitos do grupo fazendo-os seus;
- A arguida EE disponibilizou-se para ajudar naquilo que fosse necessário com vista a lograr atingir os objectivos da organização.
- A arguida EE estava ciente da actividade de transporte de estupefacientes, tendo aceitado participar na mesma, e com vista a daí tirar proveitos económicos.
- Os arguidos CC, BB e DD aderiram aos propósitos e actividades do mencionado grupo, fazendo-os seus;
- O arguido HH aderiu aos propósitos e actividades do mencionado grupo, fazendo-os seus;
- De acordo com o que tinha sido acordado com a mencionada organização, que planeara o transporte em causa, todos os arguidos iriam receber, pela sua participação no transporte em causa, montante compreendido entre € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) e € 100.000,00 (cem mil euros).
- O arguido AA foi elemento preponderante na referida organização criminosa.
- O arguido AA ocupava, mesmo, uma posição de relevo no seio da organização.
- Quis desenvolver, e desenvolveu, uma actividade com o desígnio de levar a cabo o tráfico de estupefacientes de forma permanente e prolongada, com a coordenação, orientação e repartição de tarefas pelos aderentes ao grupo.
- Os arguidos BB, CC, DD e HH actuaram como membros do grupo organizado para o transporte de elevadas quantidades de produto estupefaciente, de âmbito internacional.
- Aderiram ao plano concebido pela cúpula da organização, e coordenado pelo arguido AA, com consciência de que agiam integrados numa estrutura humana, à qual pertenciam, com vista a, actuando de forma conjugada e concertada, lograrem atingir um fim comum.
Da contestação do arguido AA
- Sempre desempenhou actividade profissional lícita em vários países da Europa, efectuando os respectivos descontos, em cada um dos países onde desenvolvia a sua actividade profissional;
- Era através das retribuições auferidas na sua actividade profissional de capitão de embarcações que o arguido fazia face às suas despesas e da sua companheira;
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente, de entre os alegados, todos os que estejam em oposição ou que tenham ficado prejudicados com a matéria de facto dada por assente e não assente.
V. Decidindo:
A) Rejeição de recurso interlocutório – omissão de pronúncia:
Afirma o recorrente que com a sua contestação requereu determinadas diligências probatórias e que sobre tal requerimento recaiu, naturalmente em 1ª instância, um despacho, em 17/12/2018, com o seguinte teor: “(…) b) No que concerne às diligências probatórias requeridas, será tomada posição pelo tribunal colectivo, em sede de audiência de julgamento, finda a produção da prova indicada pela acusação”.
Recorreu desse despacho e o Tribunal da Relação ..... assim decidiu:
“9.1.1 Dos recursos interlocutórios.
Funda o recorrente AA a sua discordância relativa aos despachos 18 e de 21 de Dezembro de 2018, - que relativamente às questões prévias suscitadas pelo arguido AA, presentadas na contestação, relegou a sua apreciação em sede de acórdão, e no que concerne às diligências probatórias requeridas, relegou a tomada posição pelo tribunal colectivo, em sede de audiência de julgamento, finda a produção da prova indicada pela acusação, - na alegação de estarem feridos de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379°, n.° 1, alínea c) do C.P.P.
De acordo com a jurisprudência uniforme e constante dos tribunais superiores, “I – O artigo 379º do Código de Processo Penal aplica-se apenas às sentenças e não aos meros despachos, por maior relevância que tenham.” Verbi Gratia o Ac. do TRL de 8 de Março de 2006.
A decisão do juiz singular que relega a apreciação de questões prévias e do requerimento de diligências probatória para a competência do tribunal colectivo, além de reforçar as garantias de defesa pela intervenção do órgão colegial, não constitui um acto decisório e não belisca qualquer das garantias de defesa na medida em que não implica o indeferimento do requerido, pelo que não pode padecer de qualquer inconstitucionalidade.
Tratando-se de um despacho meramente ordenador, não se encontra sujeito aos regimes das nulidades e dos vícios invocados pelo recorrente, e dos quais (nulidades ou vícios) não pode padecer, desde logo porque os referidos despachos nada decidiram acerca da prova requerida, limitando-se a relegar para momento posterior a decisão, pelo que demonstradamente não violaram nenhum dos direitos de defesa, os quais se mantiveram inalterados e incólumes.
Como bem observado na resposta do MºPº, “a propósito de questão diversa - regime de subida do recurso do despacho que indeferiu diligências de prova requeridas pela defesa em sede de contestação, em que decidiu que o regime de subida é diferido, nos próprios autos, com o recurso que for interposto da decisão que ponha termo à causa - já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, no proc.10148/05, 9ª secção, no sentido de que não se mostram violados os direitos de defesa do arguido, remetendo para a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.°68/00 de 09/02/2000, a qual damos aqui por reproduzida”.
Assim sendo, tal acto é insusceptível de recurso, por ser de mero expediente, termos que ditam a sua não admissão, não estando o tribunal de recurso vinculado pela decisão de primeira instância que o admitiu, sendo tal decisão livremente modificável por este”.
E do teor desta decisão recorre o arguido para este Supremo Tribunal dizendo, em sede conclusiva, que:
«I - Um despacho que decide que irá analisar o Requerimento probatório apresentado pelo Arguido ”… em sede de audiência de julgamento, finda a produção da prova indicada pela acusação.”, está claramente a interferir e condicionar o Direito de defesa do Arguido;
II - O Direito consagrado no Artigo 6º, n.º3, da C.E.D.H., tende a realizar o princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa, concedendo a esta a possibilidade de se organizar de maneira adequada e isso, evidentemente, implica que iniciado o julgamento tenha já total conhecimento das provas que poderá dispor e utilizar em sua defesa.
III - O Arguido, antes de iniciar o julgamento tem o direito e a segurança jurídica que dele deve advir, de saber quais as provas que vai dispor para se defender e contraditar a Acusação.
IV - O despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não é um despacho de mero expediente, uma vez que influi diretamente nos direitos de defesa do Arguido.
V - Ao deixar de se pronunciar sobre o Recurso apresentado o Tribunal da Relação de Lisboa cometeu a nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 425º, n.º4 e 379º, n.º1, alínea c) do C.P.P.
VI - São inconstitucionais os artigos 97º, 315º e 374º, todos do Código de Processo Penal e 152º, n.º3, do Código de Processo Civil quando interpretados com o seguinte conteúdo:
“É de mero expediente, e por isso não está sujeito à fundamentação dos atos decisórios, o despacho que, pronunciando-se sobre o requerimento probatório apresentado pelo arguido com a sua contestação, remete a sua apreciação para julgamento, finda a produção da prova indicada pela acusação.”
Tal interpretação viola os artigos 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2º, 3º, 32º, 203º e 205º, todos da Constituição da República Portuguesa».
Como salienta a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, no seu douto parecer, tem sido entendimento deste Tribunal que “I - O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos (dos tribunais de júri ou colectivo) sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações. II - A circunstância do recurso interlocutório ter subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de ter sido apreciado e julgado na mesma peça processual em que o foi o principal” – Ac. STJ de 12/3/2015, citado naquele parecer.
Como de forma particularmente assertiva se afirma no Ac. STJ de 30/9/2020, Proc. 195/18.7GDMTJ.L1, desta 3ª secção,
“VII. As decisões interlocutórias caem sob a alçada do art. 400, n.º 1, al. c), do CPP, e, como tal, não podem sustentar um recurso para o STJ (cfr. art. 432, n.º 1, al. b), do CPP). E sem qualquer situação em que possa considerar-se haver inconstitucionalidade, já que foi assegurada a reapreciação da questão pelo Tribunal da Relação (art. 32, n.º 1 CRP), não garantindo a CRP um duplo grau de recurso ou terceiro grau de jurisdição (conferindo um certo grau de discricionariedade ao legislador na determinação dessas matérias).
De decisão de índole interlocutória, não é admissível o recurso.
(…)
X. A irrecorribilidade acarreta a impossibilidade do STJ conhecer de qualquer questão suscitada a propósito do segmento do recurso inadmissível, designadamente as inconstitucionalidades suscitadas (…)”.
Também no Ac. STJ de 19/9/2019, Proc. 806/17.1PWLSB.L1.S1, 5ª sec., se abordou a mesma questão, desta forma se concluindo:
«I - No que respeita ao recurso atinente à decisão interlocutória, o arguido suscita ao STJ as mesmas questões de invalidade que havia arguido junto do Tribunal da Relação, alegando, no que lhe pertine, que o acórdão da Relação, recorrido, omitiu pronúncia a tal respeito, por isso que o afirma nulo, por via do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, pedindo que, nessa parcela e em suprimento, se anulem a notificação da acusação ao recorrente e os subsequentes actos processuais.
II - Nesta parcela, o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação não é admissível, em vista do disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. c) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que consentem tão-apenas o conhecimento, pelo STJ, de recursos de decisões interlocutórias da 1.ª instância (que devam subir com o recurso interposto da decisão final) quando se esteja em presença de recursos interpostos directamente para o STJ (dito recurso per saltum), e já não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas relações».
Também no Ac. STJ de 19/6/2019, Proc. 881/16.6JAPRT-A.P1.S1, se concluiu do mesmo modo:
«Verifica-se, assim, sem margem para dúvidas que os recursos interlocutórios versavam exclusivamente decisão de natureza interlocutória e não uma decisão que pusesse fim à causa. Consequentemente, por inadmissibilidade do respectivo recurso, não pode, nem deve, o STJ apreciar qualquer patologia concernente ao mesmo. (v. Ac. deste Supremo e desta Secção de 16-5-08, P 899/08, 3ª))
Inexistindo recurso para o Supremo de tais despachos, decisões interlocutórias, precludidas ficam as questões que os integram por terem sido objecto de decisão pela Relação, e constituírem caso julgado sobre as mesmas.
Óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo» [1].
No acórdão recorrido considerou-se inadmissível o(s) recurso(s) interlocutório(s), razão pela qual dele se não tomou conhecimento. Daí que, como resulta óbvio e dispensa grandes considerações, o não conhecimento do recurso interlocutório por banda do Tribunal da Relação de ....... não se traduz em qualquer nulidade, por omissão de pronúncia, antes é decorrência lógica dessa decisão de não o admitir, por se ter entendido ser irrecorrível a decisão impugnada.
Dessa decisão não é admissível recurso para este Supremo Tribunal, face ao que disposto vem nos artºs 400º, nº 1, al. c) e 432º, nº 1, al. b), ambos do Cod. Proc. Penal: na realidade, como se afirma no Ac. STJ de 5/2/2003, rel. Cons. Flores Ribeiro, www.dgsi.pt., «a rejeição do recurso pela Relação tem como consequência a confirmação da decisão recorrida, pelo que realizada se mostra a ideia de “dupla conforme”». E, como já deixámos claro, não impede tal conclusão o facto de a decisão sobre (a inadmissibilidade d)o recurso interlocutório ter sido tomada na mesma peça processual em que foram conhecidos os recursos principais.
Impõe-se, pois, a rejeição parcial do recurso interposto pelo arguido, nos termos do disposto nos artigos 420.º n.º 1 alínea b) e 414.º n.º 2, do CPP, rejeição a que não obsta a decisão de admissão proferida pelo tribunal a quo, face ao que estatuído vem no nº 3 do artº 414º do CPP.
E assim sendo, as questões dele dependentes, sejam elas de constitucionalidade, processuais ou substantivas, estão situadas fora do “círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo”, razão pela qual delas se não conhecerá.
B) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artº 412º, nº 1, al. a) do CPP – determinação do local onde foi interceptada a embarcação J.......
Na abordagem a esta questão, permita-se-nos que teçamos algumas considerações gerais que, tendo utilidade para a abordagem da mesma, servirão de igual modo para o tratamento de algumas das questões subsequentes.
Estatui-se no artº 434º do CPP que “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”.
Como este Supremo Tribunal vem entendendo, de forma uniforme, actualmente, «quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: - se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, “de facto e de direito”, à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art.º 432.º b). Só que, nesta hipótese, o recurso - agora, puramente, de revista - terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos. E é só aqui - com este âmbito restrito - que o Supremo Tribunal de Justiça pode ter de avaliar da subsistência dos aludidos vícios da matéria de facto, o que significa que está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação» - Ac. STJ de 10/7/2003, rel. Cons. Pereira Madeira, www.dgsi.pt (subl. nosso).
Com efeito, «a partir de 01-01-99, na sequência da reforma do CPP, operada pela Lei 59/98, de 25-08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP. A partir de então, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentam como plausíveis, devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios. A crítica ao julgamento da matéria de facto, a expressão de divergência do recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas, quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo tribunal são, de todo, irrelevantes, pois ressalvada a hipótese de prova vinculada, o STJ não pode considerá-las, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto» - Ac. STJ de 20/10/2011, Proc. 36/06.8GAPSR.S1, 3ª sec. (subl. nosso) [2].
Por fim, e bem recentemente, o STJ revisitou esta questão no seu Ac. de 21/10/2020, Proc. 1551/19.9T9PRT.P1.S1, 3ª sec., mantendo o mesmo entendimento: «II – De acordo com o disposto no artigo 434.º do CPP, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo da possibilidade de este Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios referidos no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código. A discussão relativa à matéria de facto e ao modo como as instâncias decidiram quanto aos factos e sobre a valoração da prova produzida, feita pelo recorrente, está, como este Supremo Tribunal vem afirmando, excluída dos seus poderes de cognição, não podendo, pois, constituir objecto do recurso. V - O recorrente impugna perante o Supremo Tribunal de Justiça a decisão de facto da 2.ª instância, apontando-lhe o erro notório na apreciação da prova, vício contemplado no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP e violação do princípio in dubio pro reo e do princípio da livre apreciação da prova. VI – Ora, o STJ tem os seus poderes de cognição estrita e pontualmente fixados no artigo 434.º do CPP, limitados ao exclusivo reexame da matéria de direito, sendo-lhe defeso intrometer-se no reexame da matéria de facto, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, n.os 2 e 3, do CPP, ou seja, sempre que, além do mais, ocorram os vícios previstos no n.º 2. VII - O recorrente, reeditando os fundamentos que invocou no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação suscita o erro na fixação dos factos provados e dos factos não provados, invocando ao mesmo tempo o vício, enunciado no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, do erro notório na apreciação da prova. Ora, neste segmento do recurso que interpõe perante o STJ, o que o recorrente verdadeiramente pretende é impugnar a matéria de facto dado como assente pelo Tribunal da Relação, não aceitando a mesma e pretendendo a alteração da matéria de facto dada como provada. VIII - Na medida em que a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se rejeitar, por inadmissível, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, todos do CPP».
Posto isto:
O recorrente reedita nas conclusões VII a XI o pretenso vício do acórdão da 1ª instância (agora, aparentemente, imputado ao acórdão da Relação ...) de insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada, por – na sua óptica - não se ter apurado “se foi ou não respeitada a autorização concedida pelas Autoridades Holandesas e bem assim para apurar se foi violada a Convenção Das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, determinar em que zona do mar a embarcação J...... foi interceptada e desviada para Portugal, nomeadamente, se estávamos perante mar territorial, zona contígua, zona económica Exclusiva de Marrocos, Espanha ou Gibraltar, ou se efectivamente a embarcação se encontrava em Alto Mar”.
Essa questão foi tratada no acórdão da 1ª instância, onde se concluiu que «no decurso da audiência de julgamento, o tribunal colectivo procedeu à realização das diligências (requeridas) necessárias à comprovação da localização da embarcação “J...” aquando da abordagem. E, desde logo, cumpre consignar, que, efectivamente, ficaram dissipadas todas e quaisquer dúvidas quanto à conformidade com a realidade das coordenadas insertas na acusação, referentes ao momento da abordagem da embarcação “J....”. (…) Acresce, sequencialmente, a evidência de que a embarcação, ao contrário do propalado pelo arguido AA, não se encontrava, seguramente, em águas territoriais marroquinas ou em águas territoriais de um qualquer outro Estado (cf. fls. 6257). E, assim sendo, e feita a subsunção deste recorte fáctico (navio holandês abordado pelas autoridades portuguesas em águas internacionais) à pertinente legislação aplicável - art.º 2º da Parte II, Secção 1º e 27º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97, de 3 de Abril, rectificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67-A/97, de 14/10 – impõe-se a conclusão que não competia ao Estado de Marrocos ou a qualquer outro Estado Costeiro tomar qualquer medida de intervenção e/ou dar autorização para intervenção a bordo da embarcação “J....”».
A Relação, em apreciação do recurso interposto pelo arguido AA, abordou essa questão e decidiu-a: «Alega o recorrente que o tribunal não indagou as concretas coordenadas em que a embarcação foi interceptada, no seu dizer em “alto mar”, pelas autoridades nacionais, e que tal constitui os vícios de omissão de pronúncia e de insuficiência para a matéria de facto. O recorrente pretende ignorar e confundir o conceito jurídico de Alto Mar com a expressão corrente de “mar alto” referida no acórdão quanto ao ponto de intercepção do navio. Por outro lado não se verifica qualquer omissão de pronúncia ou de averiguação, ou de insuficiência da matéria de facto, porque as coordenadas a que o recorrente se refere foram rigorosamente determinadas e confirmadas, tendo sido discutidas e examinadas com minúcia a partir do momento em que o recorrente as pretendeu pôr em causa, assim como à competência dos tribunais portugueses. Conforme o art.° 3° da Convenção do Direito do Mar, o mar territorial não pode ultrapassar as 12 milhas náuticas, sendo que a posição de coordenadas indicadas nos autos onde se procedeu à intercepção da embarcação se situam para além das 12 milhas náuticas de qualquer dos dois países limítrofes, Espanha ou Marrocos. As coordenadas apuradas não deixam dúvidas quanto ao local onde ocorreu a intercepção do navio, no “mar alto”, e não no “Alto Mar”. Em sede de julgamento foram desfeitas quaisquer dúvidas que pudessem existir quanto às coordenadas em que ocorreu a intercepção, dadas como provadas no acórdão - Facto 208 - com a junção aos autos das cópias do diário de bordo e pelas declarações do então Capitão da Fragata ....., quanto ao momento da abordagem. O concreto ponto da intercepção está documentado nos mapas de fls. 3645 a 3646 junto ao relatório final da PJ, sendo claro que a embarcação não se encontrava nas 12 milhas náuticas que constituem as águas territoriais do Reino de Marrocos. E também são estas as coordenadas que estavam assinaladas no computador do arguido AA, conforme resultou da análise do seu conteúdo em audiência, por perito informático. A testemunha II, capitão-de-fragata, capitão da Corveta ...., que acompanhou a abordagem/intercepção feita à embarcação "J....", a propósito da questão prévia da alegada invasão de águas territoriais de outro Estado, a fls.6541 dos autos, no acórdão, é expressamente mencionada a inquirição desta testemunha como tendo sido quem apresentou os documentos juntos aos autos a fls.6228/6249 (cópias do diário de bordo) e de fls.6257 (cópia da carta náutica), com particular relevância para dar como provadas as coordenadas referentes ao momento da abordagem, uma vez que tais documentos, confirmados pela testemunha, estão até em consonância com as inseridas no sistema de navegação inserido no computador do arguido AA.
Face à prova produzida, não restam dúvidas de que a embarcação “J......”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, não se encontrava em águas territoriais de Marrocos ou de qualquer outro Estado, pelo que improcedem as alegações de incompetência do tribunal, nulidade das detenções, buscas e revistas e nulidade do processo, bem como de insuficiência da prova, invocadas pelo recorrente AA (Facto 208)».
A questão que o recorrente pretende reeditar foi já objecto de dupla apreciação, sendo certo que, como deixámos exposto, a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos (erro-julgamento) seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, razão pela qual se impõe rejeitar, por inadmissível, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, todos do CPP.
Uma última palavra, nesta matéria, para dizer que podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º, nº 2 do CPP (e, em concreto, do previsto na al. a) desse dispositivo), se concluir que por força da existência do mesmo não pode chegar a uma correcta solução de direito, não vemos que, no caso presente, tal vício se verifique.
Importa, desde logo, deixar claro que a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a matéria de facto dada como provada: ali, o que se critica é o facto de o tribunal não ter investigado e apreciado todos os factos que podia e devia, carecendo a decisão de direito de suporte fáctico bastante; aqui, censura-se o facto de o tribunal ter dado como provados factos sem prova suficiente.
Sobre a questão da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, escrevem Simas Santos e Leal-Henriques (em anotação ao artº 410º do CPP):
“A al. a) do nº 2 refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”.
Por seu turno Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 340, adianta:
“Para se verificar esse fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito”.
E tem sido este, aliás e desde sempre, o entendimento jurisprudencial dominante.
Com efeito, o STJ, no seu Ac. de 16/04/98, relatado pelo Cons. Hugo Lopes (www.dgsi.pt) decidiu que “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é um vício que se nos depara quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal recorrido deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique”.
Do mesmo modo, escreve-se no Ac. STJ de 29/2/96, relatado pelo Cons. Sousa Guedes (www.dgsi.pt) que “a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artº 410º, nº 2, al. a) do CPP de 1987, só existe quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo deixa de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que a matéria de facto apurada não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação”.
Ou, mais recentemente, no Ac. STJ de 6/2/2019, Proc. 1074/15.5PAOLH.E1.S1, 3ª sec.: «O vício previsto pela al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se concluir faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Este vício não se confunde com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova (art. 127.° do CPP), subtraída aos poderes de cognição do STJ. Também não se pode confundir este vício com o eventual erro de qualificação jurídica dos factos. Isto é, quando o Tribunal entende que aqueles factos não são integradores do crime que vem imputado. Só estamos perante o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal, podendo, não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto».
E assim enquadrado este vício, não vemos que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
C) Contradição insanável da fundamentação – artº 410º, nº 2, al. b) do CPP.
O vício da contradição insanável da fundamentação ocorre quando se detectam “oposições factuais ou a existência de factos contraditórios na factualidade apurada” – Ac. STJ de 19/9/2007, www.dgsi.pt -, isto é, “quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas ainda que com recorrência ao contexto da decisão no seu todo ou às regras de experiência comum” – Ac. STJ de 22/2/2007, www.dgsi.pt (ou, se preferirmos, “quando a sentença se encontra estruturada em factos ou motivos logicamente inconciliáveis, ou seja, do texto da decisão constam posições antagónicas que mutuamente se excluem, não podendo coexistir na mesma perspectiva lógica da decisão, tanto na coordenação dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos da solução de direito” – Ac. RP de 8/6/2011, www.dgsi.pt).
Relembrando as considerações gerais tecidas em apreciação da questão anterior, não é admissível um recurso interposto de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, na parte em que se peticiona a reapreciação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, por erro de julgamento (erro na apreciação da prova), quer no quadro dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício).
Afirma o recorrente (conclusões XII a XV) que invocou como fundamento para o vício de falta de fundamentação do acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª instância, “o facto de este não se ter pronunciado sobre três testemunhas que foram ouvidas, uma delas o comandante da Corveta ..., II”; o Tribunal da Relação decidiu que o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre as referidas testemunhas porquanto as mesmas eram inúteis à decisão; porém, é o próprio Tribunal da Relação quem, posteriormente, vem demonstrar que “os factos foram dados como provados com base nas declarações prestadas por estas mesmas testemunhas, conforme a página 380 do Acórdão recorrido”. “Assim, por um lado, para afastar a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª instância, a testemunha não mereceu qualquer exame crítico, porque era irrelevante, por outro lado, para dar como provado o ponto 208 da matéria de facto dada como provada já essa mesma testemunha era essencial…”.
Assente que a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos, seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, impõe-se rejeitar, por inadmissível, também nesta parte, o recurso interposto pelo arguido, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º, todos do CPP, sem prejuízo de este Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º, nº 2 do CPP (e, em concreto, do previsto na al. b) desse dispositivo), se concluir que por força da existência do mesmo não pode chegar a uma correcta solução de direito.
Como se refere no Ac. STJ de 23/9/2020, Proc. 6/18.3PEBJA.S1, 3ª sec., “verifica-se contradição insanável – a que não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum – da fundamentação, quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão. Conforme se lê no acórdão deste Supremo Tribunal de 12-03-2015, proferido no processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1 - 3.ª Secção: «O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito». (…) Apenas estamos perante uma contradição insanável entre os factos e a decisão quando no texto da decisão as posições sejam antagónicas ou inconciliáveis e não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, o que não é presente caso”.
Escreveu-se no acórdão recorrido:
«Ora de acordo com a jurisprudência uniforme dos tribunais:
“A lei não exige que se reproduzam as centenas de depoimentos testemunhais quando estes se demonstraram irrelevantes, inúteis ou até dilatórios, como infelizmente parece suceder em processos já por si morosos e com grande número de intervenientes, mas apenas exige que de forma breve e concisa, o tribunal indique aqueles de que extraiu as conclusões conducentes às suas conclusões, podendo em recurso ser sindicado o exame efectuado pelo tribunal, relativamente ao exercício racional lógico assente em tais provas nada impedindo o seu reexame.
Assim, o tribunal só tem que examinar, breve e concisamente, as “provas que servirem para formar a sua convicção” e não quaisquer outras.” Verbi gratia o Ac. do TRL de 24 de Julho de 2008.
Ora, perscrutada a decisão recorrida, verifica-se, que esta explicou, crítica e detalhadamente, os fundamentos probatórios em que estribou a sua convicção, sempre benévola e manifestamente animada do “favor rei”, como é patente em vários trechos, permitindo, sempre, ao recorrente compreender o juízo efectuado, com fundamento nas provas, que enumerou e cujas razões do seu acolhimento explicou, e que o recorrente não põe em causa, limitando-se a uma discordância genérica e nunca concretizada, pelo que até atenta a sua extensão material e natureza substancial (da fundamentação), não se poderá, alguma vez, dizer que o acórdão recorrido incorreu em desrespeito do art.º 374º do Código de Processo Penal, não sendo, por isso, nulo, nos termos do art.º 379º nº 1 alínea a) do mesmo diploma legal».
E a pag. 380 do mesmo acórdão, escreveu-se: “As coordenadas apuradas não deixam dúvidas quanto ao local onde ocorreu a intercepção do navio, no “mar alto”, e não no “Alto Mar”. Em sede de julgamento foram desfeitas quaisquer dúvidas que pudessem existir quanto às coordenadas em que ocorreu a intercepção, dadas como provadas no acórdão - Facto 208 - com a junção aos autos das cópias do diário de bordo e pelas declarações do então Capitão da Fragata ......, quanto ao momento da abordagem.(…). A testemunha II, capitão-de-fragata, capitão da Corveta ....., que acompanhou a abordagem/intercepção feita à embarcação "J....", a propósito da questão prévia da alegada invasão de águas territoriais de outro Estado, a fls.6541 dos autos, no acórdão, é expressamente mencionada a inquirição desta testemunha como tendo sido quem apresentou os documentos juntos aos autos a fls.6228/6249 (cópias do diário de bordo) e de fls.6257 (cópia da carta náutica), com particular relevância para dar como provadas as coordenadas referentes ao momento da abordagem, uma vez que tais documentos, confirmados pela testemunha, estão até em consonância com as inseridas no sistema de navegação inserido no computador do arguido AA”.
Não se descortina, no texto da decisão recorrida (ainda que conjugada com as regras da experiência comum) qualquer contradição insanável da fundamentação.
No primeiro excerto reproduzido, o tribunal recorrido limita-se a afirmar aquilo que é evidente e resulta da jurisprudência uniforme dos nossos tribunais superiores; a referência, no segundo excerto, ao depoimento da testemunha II não constitui qualquer inovação da Relação e não conflitua nem contradiz a afirmação anterior. Trata-se, como é claro, de algo que já constava da decisão da 1ª instância, em apreciação às “questões prévias” e, particularmente, quanto às exactas coordenadas em que terá ocorrido a intercepção da embarcação pilotada pelo recorrente: “Na verdade, para além das cópias do diário de bordo juntas aos autos pelo, então, Capitão da Fragata ...., com a abertura, em audiência de julgamento, do computador do arguido AA, confirmou-se que, também, do sistema de navegação naquele inserido, resultavam (correspondendo ao momento da abordagem) as mesmas coordenadas (ou, se não exactamente, pelo menos, sem qualquer significante diferença)”.
D) Erro notório na apreciação da prova – artº 410º, nº 2, al. c) do CPP.
A este propósito, o recorrente afirma (conclusões XVI a XX) que o acórdão do Tribunal da Relação .... padece do vício de erro notório na apreciação da prova plasmado no artigo 410º, n.º 2, alínea c) do C.P.P. porque o tribunal de 1ª instância deu como provados determinados factos com fundamento nas escutas telefónicas, quando a transcrição de uma escuta telefónica constitui um meio de prova documental e, como tal, apenas prova que numa precisa ocasião certa pessoa proferiu determinada locução, não que o facto a que se refere tenha efetivamente ocorrido. “O Tribunal de 1ª instância não se limita a dar como provadas as transcrições e o que decorre das mesmas, mas sim as conclusões que retira das transcrições”.
Também nesta parte, o recurso há-de ser parcialmente rejeitado: assente que a reapreciação da matéria de facto, seja em termos amplos, seja no âmbito dos vícios do artigo 410.º do CPP (erro-vício), não pode servir de fundamento ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, é essa a solução que se impõe, sem prejuízo de este Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios elencados no artº 410º, nº 2 do CPP (e, em concreto, do previsto na al. c) desse dispositivo), se concluir que por força da existência do mesmo não pode chegar a uma correcta solução de direito.
Ora, o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt.
Para que o mesmo releve como fundamento do recurso, impõe o nº 2 do artº 410º do CPP que tal vício “resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”.
Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos. É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339 (no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 [4] (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).
De forma particularmente clara se expressou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo” (subl. nosso).
Lida e relida a decisão recorrida (que, recorde-se, é a proferida pelo Tribunal da Relação ....) nela não se descortina qualquer erro evidente, ostensivo, impeditivo de uma correcta decisão da causa.
E) Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação – não indicação, pelo Tribunal da Relação, dos factos em concreto decididos pela 1ª instância como não provados e que deveriam ter sido declarados como provados.
Entende o recorrente (conclusões XXI a XXIV) que o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, porquanto – para a sua condenação como autor de um crime de adesão/apoio a associação criminosa - não identifica qual ou quais os factos em concreto decididos pelo Tribunal de 1ª instância como não provados e que deveriam ter sido declarados como provados, assim como não esclarece, a final, qual a matéria de facto que, em concreto, considera provada.
O tribunal a quo, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelo MºPº, revogou a decisão da 1ª instância na parte em que absolveu o arguido AA, entre outros, da prática de um crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º nº 2 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, e condenou-o, pela prática desse crime, na pena de 5 anos de prisão.
A 1ª instância havia dado como não provado que:
“- A dada altura, em momento não concretamente apurado, mas pelo menos a partir de inícios de 2016, foi estabelecido, no seio da organização, que, no interesse de todos e visando a prossecução dos fins da mesma, o arguido AA desempenharia as seguintes tarefas:
- organizar a tripulação e preparar a embarcação que ia ser utilizada;
- viajar na embarcação, com a respectiva tripulação, para junto da costa marroquina e ajudara ao transbordo para a mesma dos fardos de haxixe que ali lhe eram entregues por terceiros de identidade desconhecida;
- transportar, na embarcação, tais fardos de haxixe para o interior do Mediterrâneo e até ao destino final, algures perto da Líbia, onde ajudaria ao seu transbordo;
- deixar a embarcação na Grécia ou em Malta, onde a recuperaria mais tarde, ou ele próprio, ou outros elementos da organização.
- O arguido AA aderiu, assim, aos propósitos do grupo, fazendo-os seus.
- Toda a actividade que o mesmo veio a desempenhar, no já indicado período temporal, a seguir descrita, foi-o para concretizar os desígnios daquela organização.
- Todo o dinheiro que o AA e a GG dispunham para pagar as suas despesas era sempre disponibilizado pela organização”.
No acórdão recorrido, em abordagem ao recurso interposto pelo Ministério Público, escreveu-se:
“O MºPº não impugna directamente a matéria de facto, limitando-se à sua impugnação alargada, circunscrita ao texto da decisão recorrida, aos vícios do art.º 410º do CPP, aliás, tal como os arguidos fizeram.
Damos aqui por reproduzida a apreciação já efectuada sobre organização “por detrás dos factos”, como igualmente quanto às condições pessoais e económicas dos arguidos e sobre a sua impossibilidade de serem detentores, por conta própria, de tão exorbitante negócio, atentos os valores necessariamente investidos, assim como a necessária componente económica de suporte das embarcações, viagens e tantas mais despesas apuradas”.
E, depois da transcrição de um excerto de um acórdão proferido pelo mesmo colectivo de juízes, acrescenta-se:
“Mutatis mutandis, para o caso concreto, afigura-se-nos claro que, face à factualidade provada quanto a cada um dos arguidos, AA, BB e CC, embora nos termos da impugnação efectuada se não possa alterar a matéria de facto, quanto aos concretos montantes que os mesmos receberiam, em resultado das suas acções, os mesmos aderiram às finalidades da referida organização destinada ao tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 28º. Nº 2 do DL nº 15/92, de 22 de Janeiro, punível com prisão de 5 a 15 anos.
Pois, com efeito, resulta feita prova inequívoca que a organização, durante um ano e meio, teve o arguido AA, ao seu serviço, como capitão das embarcações “K....”, “M….”, “N…./AA” e “J….”, a proceder aos referidos transportes marítimos de haxixe, cumprindo/executando os fins prosseguidos pela referida organização”.
E, mais adiante:
“Em suma, tendo em conta os factos que o tribunal deu (como) provados, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, deveria ter concluído também que os arguidos AA, BB e CC aderiram aos propósitos do grupo, fazendo-os seus, tendo a sua actuação sido realizada para concretizar tais fins.
Quanto às funções do arguido AA na actividade de transporte de haxixe levada a cabo pela organização, resultam dos próprios factos dados como provados, sendo lógico concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que a organização decidiu que exerceria as funções de capitão, cumprindo-lhe organizar a tripulação, preparar a embarcação para a viagem, fazer o transporte do haxixe nas embarcações disponibilizadas pela organização e depois as mesmas em locais como a Grécia e Malta onde mais tarde seriam recuperadas, por ele próprio ou por terceiros a mando da organização” (subl. nosso).
Estão aqui, pois, identificados os factos que a Relação entendeu que não deveriam integrar o rol dos factos não apurados, antes deveriam ter sido considerados provados.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação.
F) Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, no que concerne à determinação da lei – portuguesa ou holandesa – mais favorável e no que diz respeito à impugnação da matéria de facto.
Entende o recorrente (conclusões XXV a XXX) que colocou, em concreto, à apreciação do tribunal a quo a aplicabilidade da lei penal holandesa, por ser a mais favorável, sendo que sobre tal matéria o mesmo tribunal nada disse. De outro lado, ignorou a impugnação da matéria de facto por si apresentada, decidindo como se a mesma não existisse.
No que concerne à aplicabilidade, ou não, da lei penal holandesa, o tribunal a quo emitiu pronúncia, como resulta claro da leitura da decisão recorrida:
«9.2.4. Quanto à inaplicabilidade da lei penal portuguesa.
Vale aqui quanto ficou exposto supra quanto à determinação das coordenadas onde ocorreu a intercepção do navio.
No que diz respeito à inaplicabilidade da lei penal portuguesa, também o recorrente não tem qualquer razão, porque o Estado Holandês, através da entidade competente, autorizou que as autoridades portuguesas pudessem interceptar o navio, conforme o documento original a fls. 2713.
E como bem observado pelo MºPº na resposta ao recurso do recorrente AA, em entendimento que acolhemos, “tendo as autoridades portuguesas dado conhecimento, como é habitual em situações idênticas, às autoridades holandesas do resultado da operação, estas não vieram manifestar qualquer violação do por si antes autorizado. Acresce que tal documento não tinha de ser traduzido para língua portuguesa, pois o mesmo não seria indicado como meio de prova (como não o foi), e, tratando-se apenas de um requisito de procedimento (para fazer intervir a lei portuguesa - art.° 49, al. b) do CPP) [3] o seu teor foi percepcionado por quem tinha que o percepcionar naquele concreto momento processual - a PJ, o MP e o Mm° JIC”.
Assim sendo não restam dúvidas da competência dos tribunais portugueses como da aplicabilidade da lei portuguesa».
E quanto à determinação das coordenadas onde ocorreu a intercepção do navio, consta do mesmo acórdão:
«O recorrente pretende ignorar e confundir o conceito jurídico de Alto Mar com a expressão corrente de “mar alto” referida no acórdão quanto ao ponto de intercepção do navio.
Por outro lado não se verifica qualquer omissão de pronúncia ou de averiguação, ou de insuficiência da matéria de facto, porque as coordenadas a que o recorrente se refere foram rigorosamente determinadas e confirmadas, tendo sido discutidas e examinadas com minúcia a partir do momento em que o recorrente as pretendeu pôr em causa, assim como à competência dos tribunais portugueses.
Conforme o art.° 3° da Convenção do Direito do Mar, o mar territorial não pode ultrapassar as 12 milhas náuticas, sendo que a posição de coordenadas indicadas nos autos onde se procedeu à intercepção da embarcação se situam para além das 12 milhas náuticas de qualquer dos dois países limítrofes, Espanha ou Marrocos.
As coordenadas apuradas não deixam dúvidas quanto ao local onde ocorreu a intercepção do navio, no “mar alto”, e não no “Alto Mar”.
Em sede de julgamento foram desfeitas quaisquer dúvidas que pudessem existir quanto às coordenadas em que ocorreu a intercepção, dadas como provadas no acórdão - Facto 208 - com a junção aos autos das cópias do diário de bordo e pelas declarações do então Capitão da Fragata ...., quanto ao momento da abordagem.
O concreto ponto da intercepção está documentado nos mapas de fls. 3645 a 3646 junto ao relatório final da PJ, sendo claro que a embarcação não se encontrava nas 12 milhas náuticas que constituem as águas territoriais do Reino de Marrocos. E também são estas as coordenadas que estavam assinaladas no computador do arguido AA, conforme resultou da análise do seu conteúdo em audiência, por perito informático.
A testemunha II, capitão-de-fragata, capitão da Corveta ...., que acompanhou a abordagem/intercepção feita à embarcação "J....", a propósito da questão prévia da alegada invasão de águas territoriais de outro Estado, a fls.6541 dos autos, no acórdão, é expressamente mencionada a inquirição desta testemunha como tendo sido quem apresentou os documentos juntos aos autos a fls.6228/6249 (cópias do diário de bordo) e de fls.6257 (cópia da carta náutica), com particular relevância para dar como provadas as coordenadas referentes ao momento da abordagem, uma vez que tais documentos, confirmados pela testemunha, estão até em consonância com as inseridas no sistema de navegação inserido no computador do arguido AA.
Face à prova produzida, não restam dúvidas de que a embarcação “J...”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, não se encontrava em águas territoriais de Marrocos ou de qualquer outro Estado, pelo que improcedem as alegações de incompetência do tribunal, nulidade das detenções, buscas e revistas e nulidade do processo, bem como de insuficiência da prova, invocadas pelo recorrente AA (Facto 208)» (subl. nosso).
E na mesma peça se pode ler:
“A questão da aplicação da lei holandesa encontra-se já respondida supra quanto à competência dos tribunais portugueses e a aplicabilidade da nossa lei nacional, pelo que nunca lhe poderia ser aplicada pena de multa ou pena de prisão não superior a 3 anos”.
Que o tribunal a quo se pronunciou pela inaplicabilidade da lei penal holandesa resulta claro de tudo quanto exposto fica.
E daí, pois, que nesta matéria se não registe qualquer omissão de pronúncia.
No que diz respeito à impugnação da matéria de facto, assim se decidiu no acórdão recorrido:
“O recorrente AA enuncia a sua contestação à decisão recorrida alegando a errada apreciação da prova da qual teria resultado a matéria de facto assente provada, assentando a sua alegação na sua pessoal interpretação da prova e na negação dos factos.
O recurso assim interposto implica que na apreciação do recurso a mesma se encontra delimitada aos termos e texto da decisão recorrida.
A primeira alegação prende-se com um conjunto de factos que se prendem com as conclusões LVII a LXII que assim rezam:
“LVII O Tribunal a quo não se limita a dar como provadas as transcrições e o que decorre das mesmas. O Tribunal a quo dá como provadas conclusões que retira das transcrições!!
LVIII 1. O arguido AA, desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde inícios de 2016, vinha efectuando transporte marítimo de fardos de haxixe, exercendo a função de capitão das embarcações utilizadas nessa actividade. Não existe uma única prova, nem o Tribunal a quo apresenta um único argumento ou elemento que permitisse dar como provado este facto, pelo que em face da total ausência de prova deveria este facto ter sido dado como não provado.
LIX 2. O que fazia por conta de uma organização composta por vários indivíduos, sedeada na Holanda, na zona de ...., situada no norte desse país, e que se dedicava ao referido transporte marítimo de fardos de haxixe.
3. A organização diligenciava pela obtenção das elevadas quantidades de haxixe junto de indivíduos que estavam na posse desse produto em Marrocos e, depois, pelo transporte do mesmo por via marítima, através de embarcações que fazia deslocar, primeiro, para junto da costa de Marrocos, onde se efectuava o carregamento do estupefaciente, e, depois, desde esse local até à zona da Líbia, no interior do Mediterrâneo, onde o produto era entregue a outros indivíduos que, mais tarde, concretizariam a sua dissimulação/venda no mercado europeu.
4. Tal organização continha elementos na Holanda, mas também, e pelo menos, na Grécia ou em Malta, países onde aportava as embarcações que utilizava para aquele fim e após estas concretizarem a entrega do haxixe.
O Tribunal a quo refere-se várias vezes ao termo “organização”. Acontece, porém, que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não resultaram provados quaisquer factos que permitissem dar como provada a existência de uma qualquer “organização”; Sendo certo que, no nosso modesto entendimento o termo “organização” é um conceito de direito ou conclusivo. Sobre esta matéria é o próprio Tribunal a quo, e bem, a considerar que: “Da prova produzida (e, até, do próprio texto da acusação/ pronúncia que, a este propósito, se limitou, salvo o devido respeito, a inserir matéria factual genérica e conclusiva) não resultou provada a existência de uma verdadeira associação criminosa e a adesão á mesma dos arguidos (a quem tal ilícito foi imputado).” Por outro lado, o Tribunal a quo não apresenta qualquer prova dos referidos factos, pelo que, deveriam os mesmos ter sido dados como não provados.
LX 6. O arguido AA também possuía embarcações que recebia de elementos da organização como contrapartida pelos transportes de estupefacientes efectuados e que estava disposto a ceder à organização, mediante contrapartida económica, para serem utilizadas no transporte do haxixe.
7. Uma forma que a organização tinha para efectuar pagamentos relacionados com os transportes dos produtos estupefacientes era através da entrega das embarcações aos próprios utilizadores, que assim ficavam na sua posse para posterior utilização em novos transportes.
Não existe qualquer prova destes factos, nem aliás o Tribunal a quo a refere, pelo que, deveriam os mesmos ter sido dados como não provados.
LXI 9. O arguido AA deslocava-se frequentemente para a Holanda, por via aérea, por vezes acompanhado pela arguida GG, a fim de ali se encontrar com elementos da organização e para combinar com estes, quer as embarcações a utilizar nos referidos transportes e respectiva tripulação, quer as datas em que as viagens se concretizariam.
10. Nessas viagens à Holanda, os arguidos AA e GG recebiam da organização dinheiro respeitante a parte do pagamento devido pela actividade que o primeiro desenvolvia.
11. A organização também remetia dinheiro para os dois arguidos, o que fazia ou através de transferências monetárias via Western Union, ou através de entregas em mão efectuadas por outros indivíduos que se deslocavam a Portugal, para pagamento pela actividade que o AA desenvolvia.
12. Quando o arguido AA estava ausente de Portugal era a indicada arguida GG que recebia o dinheiro que a organização entregava.
Os pontos “9 a 12” da matéria de facto dada como provada, correspondem a verdadeira matéria conclusiva.
De facto, para se poder concluir aquilo que consta dos pontos “9 a 12” era necessário apurar quando é que o Arguido se deslocou para a Holanda? Com quem se encontrou? com quem conversou e qual o conteúdo dessas conversas. Quando e quais as quantias que receberam, quando e como?
Por outro lado, quanto à alegada “Organização” como acima tivemos oportunidade de referir nenhuma prova existe que permita concluir da sua existência e em que moldes. Para além disso, o Tribunal a quo não refere uma única prova de que se tenha socorrido para dar como provadas as referidas “conclusões”, pelo que, por não configurarem matéria de facto, por um lado, e por o Tribunal a quo, não especificar uma única prova, por outro, que permita dar como provados os referidos factos, devem os mesmos ser dados como não provados.
(…)
22. No mês de Março de 2016, o arguido AA comandou uma embarcação denominada K...., com porto de registo em ...., na Grécia.
Foi o próprio Arguido que assumiu que efectivamente conduziu esta embarcação e explicou os contornos em que o fez. Não existe qualquer prova, nem o Tribunal a apresenta no seu Acórdão donde se pudesse dar como provado que a condução da referida embarcação tinha como objectivo: “…transportar haxixe, produto que seria recolhido no mar, na zona de Saidia, em Marrocos. Assim, como não foi apresentada qualquer prova que contrariasse as declarações prestadas pelo Arguido.
LXV 23. A embarcação K.... pertencia, nessa altura, ao arguido BB e estava à disposição da organização para a concretização dos transportes de fardos de haxixe. Sem prejuízo do conceito a que já acima fizemos referência sobre o termo “organização”, o Tribunal a quo não apresenta qualquer prova de que a embarcação K....: “estava à disposição da organização para a concretização dos transportes de fardos de haxixe.”
Pelo que, deveria este facto ser dado como não provado.”
Ora, sucede que o recorrente omite a extensa prova documental que o tribunal fez constar de cada um dos factos provados, como as transferências de dinheiro, viagens de avião, despesas de hotel, vigilâncias e toda a demais prova expressa, que conjuntamente com as escutas telefónicas, surge referida, como anotação documental, a cada um dos factos provados, dos quais resultaram a demonstração da existência da “organização”, descrita em resultado lógico e unificador da concertação do cometimento dos factos descritos na matéria provada.
A prova não se cinge apenas às intercepções telefónicas, que foram certamente relevantes, mas também a toda a muita prova documental que serviu para fundamentar as muitas viagens de avião, as transferências de dinheiros, as estadias em vários portos e despesas de hotéis, o pagamento dos mantimentos e das avarias, os percursos seguidos, o local de intercepção do navio pelas autoridades portuguesas, prova esta que foi conjugada com as testemunhas, Inspectores da Polícia Judiciária, que acompanharam de perto toda a evolução do processo, testemunhas que de forma credível, isenta e clara confirmaram todas as diligências, vigilâncias, apreensões e outras que levaram a cabo no presente processo.
Quanto aos factos provados que dizem respeito ao conteúdo das escutas telefónicas, os mesmos são fiéis a esse conteúdo, contrariamente ao que alega o recorrente AA, e em alguns pontos da matéria provada, os factos descritos contêm, também, as transcrições constantes dos autos, as quais vêm expressamente mencionados nos respectivos factos dados como provados.
Como afirmado na fundamentação da decisão recorrida:
“Todavia, a prova reunida - intercepções telefónicas, vigilâncias policiais e documentação - designadamente, a anotada especificamente em cada fragmento factual, (negrito nosso,) não nos deixaram quaisquer dúvidas quanto à finalidade das mesmas e inclusive, nalgumas, quanto ao efectivo/conseguido transporte de estupefaciente.
É que aquele suporte probatório, detalhado, acompanhante e vigilante das movimentações e dos acordos/acertos, avanços/recuos, não obstante não terem sido efectuadas apreensões de estupefaciente, conjugado com as regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade e dos princípios da lógica conduzem-nos, sem hesitações, à evidência de que, também, nas anteriores viagens o propósito (e às vezes atingido) era o de proceder ao transporte de estupefaciente.
Por último, de assinalar, ainda com interesse, face ao evidente relevo probatório consolidatório, a circunstância de poucos dias depois da apreensão e detenções no âmbito da embarcação “J….” ter sido, também, efectuada uma apreensão de haxixe na embarcação “M....”, a qual havia sido, anteriormente, capitaneada pelo arguido AA.”
A propósito da extensa documentação apreendida ao recorrente, (a qual também revela o rigoroso controle organizado das receitas e despesas da actividade “profissional” desenvolvida pelo recorrente no âmbito da organização,) veja-se a título de mero exemplo:
“No mesmo dia 17/05/2017, na casa dos arguidos AA e GG, sita na Rua ....., nº ....., ....., foram encontrados e apreendidos:
- Um cartão Unicâmbio, com o número .....98, válido de 10/15 até 10/18, com plafond de cem mil euros;
- Recibo de transferência datado de em 05/03/2017, no montante de € 211,00, via Western Union, do arguido AA para a arguida GG;
- Recibo de transferência datado de 29/03/2017, no montante de € 955,00, via Western Union, de YY para o arguido AA;
- Recibo de transferência datado de 21/03/2016, no montante de € 2000,00, via Western Union, de NN para o arguido AA;
- Recibo de transferência datado de 04/04/2016, no montante de € 1000,00, via Western Union, de NN para a arguida GG;
- Recibo de transferência datado de 15/05/2017, no montante de € 477,00, via Western Union/Unicambio, de YY para a arguida GG;
- Recibo de carregamento de cartão pré-pago, via Unicâmbio, datado de em ../03/2016, no montante de € 61,28, através do nº de cliente: ........90 - GG;
- Recibo de compra de libras esterlinas, via Unicâmbio, datado de em ../03/2016, no montante de € 61,28;
- Cartão com os dizeres manuscritos “….74 ....” e “….81 ...;
- Bilhete de avião emitido em nome de GG, relativo a uma viagem de 26/08/2016 de ..... para o ........;
- Bilhete de avião emitido em nome de GG, relativo a uma viagem de ..... para .....(Creta) em 12 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de ..... para ...., em 21 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de .... para ..., em 7 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de …. para ...., em 7 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 6 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 3 de Abril;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 23 de Julho;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para ....., em 18 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 9 de Fevereiro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 17 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 12 de Fevereiro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 19 de Maio;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ..... para ......., em 16 de Agosto;
- Canhoto e bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para ............, em 6 de Abril;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ........ para .........., em 21 de Agosto;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 11 de Junho;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 21 de Setembro;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 19 de Junho (sem canhoto);
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ...... para .........., em 31 de Agosto;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 14/02/2017;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 09/06/2016;
- Ticket de excesso de bagagem emitido em nome de RR, relativo ao voo de .......... para o ........ em 19/12/2016;
- Bilhete electrónico em nome de AA, relativo à viagem de ...... para o ........ em 24/03/2017;
- Boarding Pass em nome de AA, relativo à viagem do ........ para .......... em 11 /09/2016;
- Boarding Pass em nome de AA, relativo à viagem de ...... para ........ em 04/11/2016;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ....... para ....., em 18 de Agosto;
- Recibo de depósito em numerário numa conta banco Santander Totta, titulada pelo arguido AA, no montante de € 500,00;
- Recibo do “.....Hotel”, em ....., em nome de GG, relativo a uma estadia para 2 pessoas de 17/08/2016 a 20/08/2016, num total de € 299,30;
- Recibo do “Hotel ......”, em ....., em nome de HH, relativo a uma estadia para 2 pessoas de 18/10/2016 a 19 /10/2016, num total de € 150,00;
- Recibo do “Hotel ......”, em ...., em nome de CC, relativo a uma estadia para 01 pessoa de 18/10/2016 a 19/10/2016, num total de € 100,00;
- Recibo do “Hotel .....”, de ....., na Holanda, em nome do arguido AA, relativo a uma estadia para 02 pessoas, datado de 04/02/2017, num total de € 90,00;
- Factura de “Puerto Deportivo .....”, em ...., relativo à estadia da embarcação M..... entre os dias 13/07/2016 e 16/07/2016, num total de € 145,14. O recibo está passado em nome de “KOURSAROS LTD, Suite 105, Silverside RD, 3511 Wilmington, Delaware, USA”. No verso tem os seguintes dizeres manuscritos: “Fui buscar comida (22:00h Portugal) Já volto”;
- Factura da “..... – Puerto Deportivo .....”, relativo à estadia da embarcação M.... entre os dias 22/07/2016 e 23/07/2016, num total de € 380,63. O recibo está passado em nome de “KOURSAROS LTD, Suite 105, Silverside RD, 3511 Wilmington, Delaware, USA”;
- Recibo de aluguer de uma viatura em ....., em nome do arguido AA, datado de 12/08/2016, no valor de € 430,00. (Auto de busca de fls. 1409 a 1412).”
Ou ainda:
“- Uma folha do “Ministerio de Fomento” de Espanha sobre matrículas de embarcações de recreio, com a indicação manuscrita “L<24m” (largo = comprimento, menos de 24 metros), onde no verso existem diversos apontamentos manuscritos:
«O.N.G. – “Proactiva Open Arms”», «Mediterranio, ao largo Libia», «Ir a Groningen [Holanda] falar com BB (....., ali)», «As 14:00h/15:00h -> Falar com o III:»,
«- Se fala ao patrão para adiantar dinheiro»,
«- Se vem comigo falar ao KK para que me pague»,
«- Se vamos trabalhar com o Mónica se o KK não pagar»,
«- Porquê que não me disse que falaram ao JJJ para parar de emitir os papéis, ficando eu responsável pelo que acontecesse ao barco»,
«Para é que vim à Holanda se não há trabalho»,
«Falar com advogado, porque não houve julgamento», «Perguntar se foi pago pelo III (2,000€)»,
«Saber se os 5 foram a tribunal»,
«7 dias aki, e tive que pagar a comida, mas e o voo de regresso?»,
«Pont Police, 1500»,
«BBB, 3000»,
«Inspector 2,500 + 4,000»,
«Voo, Hotel, Comida»,
«Carro alugado»,
«Tripulação – voos, Hotel, Alimentação», «21 Dias»;
- Um documento relativo à venda do navio M…, com porto de registo ...., O.N.: 4648, assinado por GGG, em representação de “MOST M.C.P.Y”, no. 23 Prompona Str., Athens, Greece;
- Um documento assinado por GGG, portador do documento de identificação número ...., legal representante da empresa “MOST MCPY”, transferindo a propriedade da embarcação M...., registada com bandeira grega no porto de PIRAEUS, e número oficial 4648 para a empresa “KOURSAROS LTD”, com escritório em 3511 Silverside RD, Suite 105, Wilmington, Delaware, USA, datado de 28/06/2016.”
A estes factos acrescem, segundo as já referidas regras da experiência comum, as 10 toneladas de haxixe apreendidas, seu valor comercial astronómico superior a duas dezenas de milhões de euros, que não está ao alcance da disposição por meras pessoas isoladas, o número de embarcações e seu valor, assim como as sucessivas viagens internacionais marítimas e de avião, despesas de hotéis e outras, efectuadas pelos arguidos e muitos outros comparticipantes, a capacidade económica para dispor de meios, navios próprios, e o próprio modo organizado e planeado de intervenção dos comparticipantes desde o seu recrutamento, ao seu apoio e constante financiamento, como profissionalizado,, não deixam dúvidas quanto à existência da organização, contudo, visível, por detrás de todas as provas, acções e factos.
Tal visibilidade resulta de se ter provado que toda a actividade e contactos, pessoais e telefónicos, bem como movimentos financeiros descritos na matéria de facto dada como provada, levada a cabo pelos arguidos e respeitantes aos mesmos, o foi por conta de uma organização composta por vários indivíduos, sedeada na Holanda, na zona ....., que se dedicava ao transporte marítimo de haxixe, em elevada quantidade, que obtinha junto de indivíduos que estavam na posse do estupefaciente, em Marrocos.
Estão provados vários transportes de haxixe, feitos pela organização, em moldes idênticos aos que culminaram com a apreensão feita nos autos, de 10 toneladas, em embarcações capitaneadas pelo arguido AA.
Resultou igualmente provado que o valor de venda do estupefaciente apreendido excederia os 23.657.844,00 euros (vinte e três milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e quarenta e quatro euros) - facto provado nº 226.
Tal como as regras da lógica e da experiência comum ditam, a organização, que planeou, investiu e adquiriu esta enorme quantidade de haxixe - no valor de mais de 20 milhões de euros – certamente que se assegurou que as pessoas que faziam parte da tripulação da embarcação e, em especial, capitão da embarcação que realizava o mencionado transporte, estavam ao corrente e que iam colaborar no plano de transportar o haxixe, do modo definido pela organização, pois ao contrário poriam em risco a segurança da operação.
Tal como afirmado no Ac. do TRL de 11 de Fevereiro de 2020, subscrito pelos signatários do presente acórdão:
“Numa típica acção de “Cartel”, nunca se confiaria o transporte de tão valiosa quantidade de cocaína a pessoas “externas” à associação, num “outsourcing” - que poderia permitir o roubo do produto por um “Cartel” rival.”
Resultou igualmente provado que, pelo menos desde início de 2016 e até .. de Maio de 2017, a mencionada organização procedeu a vários transportes de haxixe, com semelhante percurso e de idênticas quantidades (10 toneladas), elevadas e de elevado valor monetário.
Foi feita prova que a organização, durante um ano e meio, teve o arguido AA, ao seu serviço, como capitão das embarcações "K....", "M….", "N...../AA" e "J.....", a proceder aos referidos transportes marítimos de haxixe, cumprindo/executando os fins prosseguidos pela referida organização.
O recorrente AA quanto ao facto provado relativo ao facto de nenhum dos arguidos ter actividade lícita alega erro de julgamento porque (embora não conste do texto da decisão recorrida), teria trabalhado duas semanas na pesca e que fez prova de ter exercido, durante o período reportado nos factos, actividade profissional lícita, designadamente que tenha sido capitão de embarcações não ligadas aos transportes de estupefacientes descritos nos autos.
Tais factos não resultam da matéria apurada, nem do texto recorrido, pelo que tais considerandos não são demonstrativos de qualquer erro na apreciação da prova.
O facto de ter trabalhado duas semanas na pesca e um ano e meio, como mareante, por conta da organização no tráfico de haxixe, ainda que o recorrente apresentasse uma declaração de rendimentos como embarcado, não permitem concluir que durante tal período de tempo exercia uma actividade lícita.
Também os factos alegados pelo recorrente AA, quanto ao estado da embarcação Kymoyhoi, condições de navegabilidade e ao envio de dinheiro para a sua mulher por NN e OO, as viagens à Holanda, o recorrente olvidou que, por um lado os seus considerandos não resultam da matéria apurada nem do texto recorrido, pelo que tais considerandos não só não são demonstrativos de qualquer erro na apreciação da prova, como nem podem ser considerados na apreciação da matéria de facto nos termos do art.º 410º do CPP.
Por outro lado todas as restantes apreciações da prova efectuadas pelo recorrente, na sua perspectiva pessoal, pretendem restringir a apreciação da prova à mera transcrição das escutas telefónicas olvidando toda o restante acervo probatório considerado na apreciação do tribunal após detalhado e minucioso exame crítico da prova.
Resulta inequívoco que o recorrente AA, bem como os outros arguidos, desempenharam a actividade de transporte, por via marítima, de haxixe, desde a costa de Marrocos, onde era carregado, até à zona da Líbia (local onde seria descarregado), em larga escala (no caso foram apreendidas 10 Toneladas), tendo em vista a obtenção de contrapartidas monetárias avultadas.
Resulta de todo o suporte probatório dos autos, que levou o tribunal recorrido a dar todos estes factos como provados, que era o AA que desempenhava as tarefas de organizar a tripulação e preparar a embarcação que ia ser utilizada (conforme vertido nos factos provados números 1, 2, 5, 6, 7, 9, 22, 25, 27, 31, 32,33, 34, 38, 39, 40, 41, 42, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 82, 85, 88, 95, 97, 98, 101, 102, 103, 108, 109, 110, 111, 117, 126, 132, 137, 138, 139, 146, 147, 148, 158, 159/162, 163, 164, 170, 174, 175, 178, 183, 184, 185,187 e189) e que o fazia por conta e segundo as orientações da referida organização sedeada na Holanda.
Também resulta expressamente dos próprios factos dados como provados que o AA tinha a função de capitão das várias embarcações que fizeram transporte de haxixe ("K....", propriedade do BB "M….", "N….", propriedade do AA e "J….", propriedade do CC) , viajando nessas embarcações, com a respectiva tripulação, para junto da costa marroquina, onde procediam ao transbordo dos fardos de haxixe que aí lhes eram entregues por terceiros, os quais transportavam depois até o destino, algures perto da Líbia, onde procediam de novo ao transbordo.
Quanto aos factos respeitantes ao elemento subjectivo, o qual decorre directamente dos factos dados como provados e ao que tem por base o valor do estupefaciente, com referência ao preço médio por grama de cannabis, bem como as regras de experiência comum.
A alegação feita pelo recorrente AA, de que se desconhece e que o próprio desconhecia o destino que ia ser dado ao haxixe apreendido, como se era para a indústria farmacêutica ou outro, é inverosímil e atenta contra as regras da experiência comum, pois as dez Toneladas de haxixe apreendido, não podiam ter nem tinham quaisquer fins lícitos, e não seriam seguramente encaminhados para a indústria farmacêutica, na qual são legalmente exigidos apertados níveis de controlo e de segurança, desde a produção até ao consumidor, tendo de ser acompanhados de documentação e autorizações necessárias, que no caso inexistiam.
O transporte de 10 Toneladas de haxixe levado a cabo pelos arguidos não se enquadra em qualquer actividade legal, pelo contrário, constitui crime e ditam as regras da experiência de vida que seria destinado a final à venda directa ou indirecta ao consumidor, actividade com a qual se obtêm elevadíssimos proventos económicos.
O tribunal, assim, concluiu de acordo com a lógica e experiência comum, bem como em conformidade com os dados disponíveis nos relatórios oficiais, quanto ao valor do haxixe apreendido.
Sucede que não é verdade, conforme alegado pelo recorrente AA (assim como os restantes arguidos recorrentes, aos quais adiante faremos alusão,), que o tribunal não tenha fundamentado os factos dados como provados na prova produzida, o que resulta claramente da fundamentação, na qual se faz uma apreciação da prova e se contrapõe a mesma à falta de credibilidade das versões apresentadas pelos arguidos que prestaram declarações, entre eles o recorrente AA.
O tribunal elencou a prova produzida, examinou-a, contrapôs a mesma às versões apresentadas pelos arguidos e explicou porque deu como assente a matéria de facto, fazendo um exame crítico da prova de forma que resultaram completamente perceptíveis os motivos da condenação do recorrente AA.
Em suma, os considerandos vertidos nas conclusões do recurso não têm sequer a virtualidade de poder por em crise o exame de prova efectuado na sentença recorrida.
Verifica-se que em relação aos factos, a decisão do tribunal recorrido, que beneficiou da imediação, não merece qualquer censura, sendo de assinalar, como decidido na jurisprudência dos tribunais superiores que “quando da atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação ou oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras de experiência comum”. Neste sentido verbi gratia o Acórdão do TR de Coimbra, de 6 de Março de 2002, in Col.ª Jur.ª, ano XXVII, Tomo II, pág. 44.
Assim, “ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório (…) verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. Assim, só em caso de existência de provas, para se decidir em determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas incluindo as regras da experiência comum ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão de primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do art.º 431º do CPP”, cfr. Ac. desta 5ª Secção do TR de Lisboa, sendo relator o (hoje) Conselheiro Vasques Dinis, de 22 de Novembro de 2005, no processo nº 3717/05.5.
Por outro lado, e conforme há muito entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o recurso em matéria de facto previsto no nosso sistema processual, não se destina à obtenção de um segundo julgamento sobre tal matéria, mas antes está concebido, tão só, como um remédio jurídico destinado a corrigir eventual ilegalidade cometida, e no caso concreto ora em apreciação, do exame de todas as provas disponíveis não se verifica, nem se vislumbra, que o tribunal haja violado as regras de experiência comum ou da lógica, em que se funda a livre apreciação da prova, nem que haja violado qualquer das normas do direito probatório, o que recorrente também não invoca, tendo limitado a sua impugnação da matéria assente, na sua pessoalíssima e diversa interpretação da prova, exclusivamente fundada na negação dos factos assentes por indiciados na decisão recorrida, pelo que a interpretação da prova efectuada pelo recorrente, nos termos expostos, não tem sequer a virtualidade de abalar o julgamento da matéria de facto efectuada em primeira instância, como declarado pelo Tribunal Constitucional, no processo nº 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, onde se afirma que:
“A impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão”.
Também no mesmo sentido, e como corolário dos entendimentos jurisprudenciais referidos, se afirmou no Acórdão de 15 de Maio de 2005, do TR de Évora, no qual é relator o Senhor Desembargador Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt, que:
“A impugnação da matéria de facto não se basta com a pretensão de se dar como provada a versão pretendida pelo recorrente, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.
A impugnação da matéria de facto, além de se dever estruturar nos termos definidos pelo art.º 412º nºs 3 e 4 do CPP, terá de ser equacionada com a livre convicção do tribunal a quo, face ao princípio da livre apreciação da prova.
De outra forma, ficaria prejudicada a livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a sentença recorrida e prejudicada ficava a função da motivação da sua convicção e, por conseguinte a natureza do recurso como remédio jurídico e a independência do tribunal a quo na sua livre convicção”.
Teremos assim de acordo com a jurisprudência no mesmo citada, descrita supra, de decidir pela improcedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, uma vez que, perscrutada a fundamentada decisão recorrida, se não pode de forma alguma concluir pela existência de erro na apreciação da prova, nem de violação das regras da experiência comum nem sequer da violação dos princípios do direito probatório.
Assim, não só a prova se encontra devidamente analisada como a matéria de facto não merece reparo ou censura».
É por demais evidente, face ao excerto da decisão recorrida transcrito, que não tem qualquer adesão à realidade a afirmação, feita pelo recorrente, de que o tribunal a quo “ignorou a impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente, decidindo como se a mesma não existisse”.
E daí, portanto, que também nesta parte se não verifique qualquer nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia.
G) Nulidade do acórdão da 1ª instância por falta de fundamentação – falta de exame crítico.
H) Nulidade do acórdão da 1ª instância por omissão de pronúncia, no que concerne à determinação da lei – portuguesa ou holandesa – mais favorável.
Relativamente a estas duas questões, assim concluiu o recorrente (conclusões XXXI a XXXVIII):
«Após enunciar os factos que considerou provados e não provados o Tribunal de 1ª instância limitou-se a elencar a prova que se socorreu, sem efetuar qualquer exame crítico da mesma.
O tribunal de 1ª instância na descrição e análise que fez da prova, omitiu, inclusive, que foram ouvidas outras testemunhas em julgamento, para além daquelas indicadas na Acusação;
Nos termos em que o Acórdão de 1ª instância se encontra elaborado não é possível à defesa do Arguido proceder a uma verdadeira impugnação da matéria de facto, porquanto, com exceção de alguns artigos em que remete para sessões de escutas telefónicas, e que acima se elencaram, em relação aos restantes não refere de que prova se socorreu para dar os mesmos como provados;
O Acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância violou o n.º 2 do Artigo 374º do C.P.P., pelo que, nos termos da alínea a) do n.º 1 do Artigo 379º, encontra-se ferido de nulidade.
Como acima se referiu o Tribunal de 1ª Instância deveria ter-se pronunciado sobre toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento;
Nos termos do Artigo 6º n.º 2 do Código Penal: “Mesmo que seja aplicável a lei portuguesa, o facto é julgado segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema português, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei portuguesa previr para o facto.”
No caso sub judice considerando que o produto estupefaciente foi apreendido pelas Autoridades Portuguesas, fora de território português, no interior de uma embarcação holandesa, ocupada maioritariamente por cidadãos Holandeses, produto esse carregado em Marrocos, com destino à Líbia, seria a lei da Holanda, porque mais favorável a ser aplicada;
Tanto o Tribunal de 1ª instância como o Tribunal da Relação de Lisboa, entenderam não se pronunciar em concreto sobre esta matéria, motivo pelo qual se encontram ambos os Acórdãos feridos de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 379º e 425º do C.P.P».
Da leitura das conclusões transcritas resulta claro que o recorrente pretende recorrer, nesta parte, de uma decisão proferida não pelo tribunal a quo, antes pelo tribunal de 1ª instância.
Ora, como é claro e resulta do estatuído no artº 432º do CPP, “o STJ apenas tem competência para sindicar a decisão da 1.ª instância no caso de recurso per saltum. No sistema de recursos delineado pelo ordenamento jurídico português em caso de recurso para a Relação é este tribunal que tem competência para reapreciar a sentença/acórdão proferido pelo tribunal da 1.ª instância. Interposto recurso para o STJ, a sua competência cinge-se à apreciação do acórdão proferido pelo Relação. É o que resulta dos arts. 427 e 428, do CPP. Isto significa que o objeto do recurso, delimitado pelas conclusões, apenas se pode reportar às questões (que admitam recurso) relacionadas com o acórdão da Relação. É este o acórdão recorrido. Em relação à sentença/acórdão da 1.ª Instância já tiveram os recorrentes a oportunidade de recorrer de vícios que entendiam padecer. E sobre as mesmas já foi proferido um acórdão da Relação” – Ac. STJ de 30/9/2020, Proc. 195/18.7GDMTJ.L1, 3ª sec..
O recurso, nesta parte – porque inadmissível – será por isso rejeitado.
I) Invasão de águas territoriais sob domínio de outro Estado.
J) A pretensa ilegalidade da intervenção da Marinha portuguesa.
K) Inaplicabilidade da lei penal portuguesa – incompetência dos tribunais portugueses.
L) Nulidade da intercepção, busca e apreensão.
Estas 4 questões serão analisadas em bloco, porquanto partem do mesmo pressuposto de facto e merecem decisão uniforme.
Entende o recorrente – conclusões XXXIX a XLV – que a embarcação J.... foi intercetada em violação da autorização concedida pelas autoridades holandesas em águas sobre o domínio de um Estado Estrangeiro; que o tribunal de 1ª instância, sobre esta matéria, deu como provado - ponto 208 – que a embarcação foi interceptada pelas autoridades marítimas portuguesas quando se encontrava a navegar nas coordenadas LATITUDE – … e LONGITUDE - …; que tal embarcação “pode ter sido interceptada em águas territoriais de Gibraltar, mar territorial de Marrocos, Espanha ou Gibraltar ou Zona Económica Exclusiva de Marrocos, Espanha ou Gibraltar”; que a Zona Económica Exclusiva de um Estado é da competência e soberania desse mesmo Estado; que “não existe nos autos qualquer autorização do Reino de Marrocos, de Espanha ou de Gibraltar a permitir o “assalto” a uma embarcação de bandeira Holandesa nas suas águas”; e que, assim, a Marinha de Guerra Portuguesa e a Polícia Judiciária, “ao procederem ao assalto de uma embarcação em águas territoriais de um terceiro Estado, sem a autorização deste, transformaram a detenção, busca e apreensão, nulas e/ou num método proibido de prova, nos termos do já referido artigo 126º do C.P.P.”.
Depois, considera – conclusões XLVI a LVI – que “quem procedeu à abordagem da embarcação, revista e detenção dos arguidos foi o denominado Destacamento de Ações Especiais dos Fuzileiros, sem a presença de qualquer inspetor da Polícia Judiciária, os quais apenas entraram na embarcação algum tempo depois”; que tal Departamento não tinha competência material para invadir a embarcação, entrar nas respetivas camaratas e deter os arguidos, desviando de seguida a embarcação para o ..... de .....; que o mesmo faz parte da Unidade de Fuzileiros, que “não é considerada um órgão de Polícia Criminal, ao contrário da Polícia Marítima”; que “é à Polícia Marítima que compete garantir e fiscalizar o cumprimento da lei nas áreas de jurisdição do sistema de autoridade marítima”; e que assim, “a interceção, busca e apreensão levada a cabo pela D.A.E. corresponde a obtenção de provas por métodos manifestamente proibidos, nos termos do artigo 126º do C.P.P”.
Mais adiante – conclusões LVII a LXV – afirma que “os Tribunais Portugueses são incompetentes para julgar os factos em apreciação nos presentes autos”; que a autorização dada pelas autoridades holandesas não deixa quaisquer dúvidas de que a autorização para uma intercepção da embarcação J... apenas se poderia realizar em ALTO MAR; que “ao contrário do referido pelo Tribunal da Relação …., não resulta, em nenhuma da matéria de facto dada como provada, que as Autoridades Portuguesas tenham informado as Autoridades Holandesas da intercepção efetuada e do concreto local onde a mesma foi levada a cabo”; que os factos dos autos “não foram praticados em território português, nem a bordo de navio português. Por outro lado, os factos em apreço, não se enquadram em nenhuma das exceções referidas no artigo 5º do C.P.”; que a “Lei Penal portuguesa é aplicável a factos praticados fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes” e, segundo a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar, é considerado Alto - Mar “todas as partes do mar não incluídas no mar territorial e na zona económica exclusiva de um estado costeiro, nem nas águas arquipelágicas de um estado arquipélago”; que o local onde a embarcação J…. foi interceptada: “… de acordo com os dados da DGRM presume-se que está localizado na Zona Económica Exclusiva Espanhola. Todavia, considerando que o ponto se encontra próximo de Marrocos e de Gibraltar, um esclarecimento mais preciso só poderá ser prestado pelas autoridades, ou pelos países em causa” ; que “a abordagem efetuada à embarcação J.... sem autorização do Estado a cuja administração as águas pertencem, configura um verdadeiro ato de pirataria nos termos definidos no artigo 101º da CNUDM”; que “tendo sido violada a autorização concedida pelo Estado da Holanda, fica, igualmente violado o artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, pelo que, não estão igualmente reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 49º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro”.
E, por fim – conclusões LXVI a LXXI – que “o Mmº JIC (…) no Mandado de Busca e Apreensão que emitiu e assinou fez questão de frisar que” a diligência só poderia ser efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade – artº 177°, nº 1 do CPP; que o tribunal a quo entendeu “que a busca efetuada à embarcação J... não viola o artigo 177º do C.P.P., porque apesar da embarcação ter sido intercetada, pelas 00:30, os Arguidos terem sido detidos e manietados dentro das suas camaratas, e a embarcação alvo de uma BUSCA, a mesma como foi efetuada pelo grupo de Operações Especiais da Marinha, não está sujeito às Regras do Estado de Direito, isto é não está abrangida pelo mandado de busca…”; que para o tribunal a quo, “para o órgão de Polícia Criminal contornar a autorização concedida pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal, poderá e deverá sempre solicitar a intervenção das forças Armadas”; que, contrariamente ao referido pelo tribunal a quo, “na página 384 ultimo parágrafo, aquilo que resultou do julgamento foi que a busca foi imediatamente levada a cabo na madrugada do dia ../05/2017 e não às ..h.. conforme se fez constar do auto de busca, isto mesmo resultou das declarações prestadas pelo Comandante da Corveta ..., testemunha II, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia …/05/2019, passagens 00:40:46 a 00:42:46;”; que “a Busca efetuada à embarcação J….. violou o artigo 177º, n.º 1 do C.P.P., uma vez que foi efetuada em período temporal contrário ao indicado no respetivo mandado de busca”; e que, assim, “toda a prova obtida em consequência dessa diligência de prova é nula ou proibida com as legais consequências”;
Posto isto:
As questões ora em discussão foram objecto de decisão no acórdão da 1ª instância e aí tratadas, com outras, a título de questões prévias.
Desta forma:
«DAS QUESTÕES PRÉVIAS
I – DA (alegada) INVASÃO DE ÁGUAS TERRITORIAIS DE OUTRO ESTADO
O arguido AA, na contestação apresentada, invocou, em suma, que:
- No dia … de Maio de 2017, pelas 00h30, quando se encontrava a navegar no mar alto (nas coordenadas LATITUDE – …… e LONGITUDE – ……..), após ter passado o Estreito de Gibraltar, em direcção ao local onde pretenderia descarregar o estupefaciente, no interior do Mediterrâneo, a embarcação J.... veio a ser interceptada pelas autoridades marítimas portuguesas, designadamente pelo Destacamento de Acções Especiais da marinha;
- O “assalto” à embarcação denominada “J...” de bandeira Holandesa não ocorreu em águas territoriais Portuguesas;
- Nem na denominada Zona Económica Exclusiva (De acordo com as disposições da Convenção das nações unidas sobre o Direito do Mar, Portugal goza de direitos soberanos e de jurisdição sobre uma zona económica exclusiva de 200 milhas marítimas contadas desde a linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial), cfr. Declaração 3ª de Portugal relativamente à CNUDM, aprovada, por ratificação, pela resolução 60-B/97, da Assembleia da República;
- Nem ocorreu em mar alto (nas coordenadas LATITUDE – ….. e LONGITUDE – ……);
- Com efeito, o “assalto” à embarcação denominada J.... ocorreu em águas territoriais do Reino de Marrocos;
- O assalto à embarcação J.... ocorreu em águas territoriais do Reino de Marrocos, sobre as quais Portugal não devia nem poderia ter intervindo, violando claramente a C.N.U.D.M.
- A única certeza que existe é que a embarcação foi “assaltada” no mar mediterrâneo junto à costa do Reino de Marrocos;
- Trata-se de uma jurisdição específica, na qual não cabe, salvo no caso de existirem convenções bilaterais em contrário, a possibilidade de abordagem, no domínio do tráfico de drogas, ao invés do que sucede nos termos em que se encontra previsto no art.º 27º antes citado.”
- A liberdade do alto mar está prevista no art.º 87º da Convenção antes citada.
É certo que no art.º 108º, sob a epígrafe “Tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas”, se prevê o seguinte:
“1 - Todos os Estados devem cooperar para a repressão do tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas praticado por navios no alto mar com violação das convenções internacionais.
2 - Todo o Estado que tenha motivos sérios para acreditar que um navio arvorando a sua bandeira se dedica ao tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas poderá solicitar a cooperação de outros Estados para pôr fim a tal tráfico”.
No entanto, a verdade é que a aludida Convenção no art.º 110º referindo-se ao direito de visita estipula que:
Salvo nos casos em que os actos de ingerência são baseados em poderes conferidos por tratados, um navio de guerra que encontre no alto mar um navio estrangeiro que não goze de completa imunidade de conformidade com os artigos 95º e 96º não terá o direito de visita, a menos que exista motivo razoável para suspeitar que:
a) O navio se dedica à pirataria;
b) O navio se dedica ao tráfico de escravos;
c) O navio é utilizado para efectuar transmissões não autorizadas e o Estado de bandeira do navio de guerra tem jurisdição nos termos do art.º 109º;
- Ou seja, no alto mar, com excepção dos casos de tráfico de escravos, pirataria e da situação referida em c) vale a jurisdição do Estado do pavilhão da embarcação, não estando previsto, sequer, o direito de visita nos casos de suspeita de tráfico de estupefacientes.
- Neste caso - isto é quando o crime é cometido fora do mar territorial nacional e na ausência de convenções bilaterais em contrário - apenas será lícita a intervenção das autoridades nacionais, pela forma antes referida, a bordo de tais embarcações e a aplicação da lei penal portuguesa, desde que Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no art.º 17º da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas de 1988 – cfr. art.º 49º do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
- Assim, a intervenção a bordo do navio estrangeiro está dependente de autorização do Estado do pavilhão após integral cumprimento do disposto no citado art.º 17º, n.ºs 4 a 11, da aludida Convenção ou do que resultar de outra qualquer convenção bilateral que no caso concreto, eventualmente, tenha sido celebrada entre ambos os Estados.
- Daí que, predominando a vontade do Estado do pavilhão, sem a sua autorização, e na ausência de convenções bilaterais em contrário, nenhuma medida poderá ser adoptada contra o navio.
- Não existe nos autos qualquer autorização do Reino de Marrocos a permitir o “assalto” a uma embarcação de bandeira Holandesa nas suas águas;
- Ao proceder ao assalto de uma embarcação em águas territoriais de um terceiro Estado, sem a autorização deste, a apreensão efectuada é manifestamente ilegal, configurando, igualmente um método proibido de prova.
O Ministério Público, na fase de julgamento, a fls. 5468, remeteu para a posição já anteriormente sufragada em sede de instrução (cf. fls. 5210/5243).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
Conforme resulta dos autos (e ficou consignado, em detalhe, no relatório do presente acórdão), no decurso da audiência de julgamento, o tribunal colectivo procedeu à realização das diligências (requeridas) necessárias à comprovação da localização da embarcação “J....” aquando da abordagem.
E, desde logo, cumpre consignar, que, efectivamente, ficaram dissipadas todas e quaisquer dúvidas quanto à conformidade com a realidade das coordenadas insertas na acusação, referentes ao momento da abordagem da embarcação “J...”.
Na verdade, para além das cópias do diário de bordo juntas aos autos pelo, então, Capitão da Fragata ...., com a abertura, em audiência de julgamento, do computador do arguido AA, confirmou-se que, também, do sistema de navegação naquele inserido, resultavam (correspondendo ao momento da abordagem) as mesmas coordenadas (ou, se não exactamente, pelo menos, sem qualquer significante diferença).
Acresce, sequencialmente, a evidência de que a embarcação, ao contrário do propalado pelo arguido AA, não se encontrava, seguramente, em águas territoriais marroquinas ou em águas territoriais de um qualquer outro Estado (cf. fls. 6257).
E, assim sendo, e feita a subsunção deste recorte fáctico (navio holandês abordado pelas autoridades portuguesas em águas internacionais) à pertinente legislação aplicável - art.º 2º da Parte II, Secção 1º e 27º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97, de 3 de Abril, rectificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67-A/97, de 14/10 – impõe-se a conclusão que não competia ao Estado de Marrocos ou a qualquer outro Estado Costeiro tomar qualquer medida de intervenção e/ou dar autorização para intervenção a bordo da embarcação “J...”.
Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, se julga improcedente a excepção invocada.
II – DA (ALEGADA) PRETERIÇÃO/VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
A fls. 6259/6261, veio o arguido BB invocar, em síntese, que:
- Analisado o documento (traduzido) respeitante à autorização concedida pelas autoridades Holandesas para abordagem da embarcação “J....”, verifica-se, do ponto 6, que para permitir que o Reino da Holanda pudesse decidir se exercia a sua jurisdição preferencial, o Estado Português devia transmitir sem demora um resumo das provas encontradas por quaisquer infracções detectadas em resultado das medidas;
- Compulsados os autos, não foi encontrada qualquer comunicação;
- Não tendo sido dada a possibilidade ao Reino da Holanda para exercer o seu direito de preferência de jurisdição, o presente julgamento efectuado por tribunais portugueses configura uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119º, al. e) do C.P.P.
A fls. 6274/6276, o arguido AA veio sufragar o requerimento apresentado pelo arguido BB.
O Ministério Público pronunciou-se, a fls. 6287, em suma, nos seguintes termos:
Em primeiro lugar, resulta inequívoco que o Estado Holandês, através da entidade competente, autorizou as autoridades portuguesas a interceptarem a embarcação “J......”. E resulta, também, indubitável, que as autoridades portuguesas deram conhecimento às autoridades holandesas do resultado da operação, como resulta da comunicação de fls. 2231/2236, de 9 de Junho de 2017, da qual consta um resumo dos factos e do resultado da operação levada a cabo, sendo até solicitado às autoridades holandesas que efectuassem várias diligências necessárias no âmbito da cooperação judiciária entre países membros da União Europeia, o que estes fizeram.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
Ao contrário do alegado pelos arguidos, e tal como refere o Ministério Público, decorre, cristalinamente, de fls. 2230/2251 que foi efectuada a comunicação/transmissão às autoridades Holandesas, no dia 9 de Junho de 2017 (com a súmula dos factos e das apreensões) tendo sido, inclusive, solicitado àquelas (autoridades) que efectuassem diligências necessárias no âmbito da cooperação judiciária entre países membros da União Europeia, o que foi efectuado.
Na verdade, o que não resulta dos autos, é que, na sequência daquela comunicação/transmissão, tenha havido qualquer reacção por banda das autoridades Holandesas com vista ao exercício do direito de preferência.
E, por conseguinte, necessariamente, ter-se-á que concluir que, simplesmente, não foi accionado (pelas autoridades Holandesas) tal direito.
Destarte, sem outros considerandos, julga-se improcedente a nulidade invocada.
III – DA INTERVENÇÃO DO D.A.E. (MARINHA PORTUGUESA)
O arguido AA, na contestação apresentada, invocou, em suma, que:
- Em momento algum foi autorizada a intervenção dos Fuzileiros na detenção dos arguidos e desvio da embarcação denominada J....;
- Não consta dos autos que o Ministério Público tivesse solicitado a intervenção dos Fuzileiros para “assaltar” a embarcação denominada J.... e deter os arguidos;
- Assim, como não consta dos autos que a referida intervenção tivesse sido autorizada pela Marinha Portuguesa;
- Pelas 00:04 do dia … de Maio de 2017, quando os arguidos se encontravam a descansar nas suas camaratas são surpreendidos por diversos indivíduos, fortemente armados, os quais invadem o navio, respectivas camaratas, agridem os arguidos e procedem à detenção dos mesmos, ato contínuo procedem a uma busca à embarcação;
- Posteriormente, assumem o controle da embarcação e alteram a rota da mesma desviando-a para Portugal;
- Assim, o assalto à embarcação denominada J..., de bandeira Holandesa, que levou à detenção dos arguidos e à consequente apreensão do produto estupefaciente configura um método proibido de prova nos termos do artigo 126º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), c) e n.º3 do C.P.P.
- Por outro lado, quem procedeu à abordagem da embarcação, revista e detenção dos arguidos foi o denominado Destacamento de Ações Especiais dos Fuzileiros, sem a presença de qualquer inspector da Polícia Judiciária;
- O Destacamento de Ações Especiais, pertencente ao Grupo de Fuzileiros, não tinha competência material para invadir a embarcação, entrar nas respectivas camaratas e deter os arguidos, desviando de seguida a embarcação para o ..... de .....;
- O referido Destacamento é composto por elementos que pertencem à Marinha Portuguesa cuja lei orgânica foi aprovada pelo Decreto – lei n.º 185/2014, de 29 de Dezembro.
- O denominado grupo D.A.E. faz parte do elemento da componente operacional da Marinha, denominado “Unidade de Fuzileiros, previsto no Decreto – Lei n.º 185/2014, de 29 de Dezembro;
- A referida Unidade não é considerada um órgão de Polícia Criminal, ao contrário da Polícia Marítima;
- O órgão de polícia Criminal com competência para actuar nas actividades marítimas, composto por militares da Armada e agentes militarizados, é a Polícia Marítima;
- No caso sub judice o grupo denominado “Destacamento de Ações Especiais”, não tem, como acima se referiu, competências de órgão de polícia criminal;
- Sendo certo que, o nosso ordenamento jurídico não permite que, no âmbito de um processo-crime, se recorra às forças Armadas para levar a cabo acções de investigação criminal;
- Estipula o artigo 272º da Constituição da República Portuguesa.
“1. A polícia tem por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.”
- Temos, portanto, que está consagrado constitucionalmente que é aos Órgãos de Polícia Criminal a quem compete a prevenção e investigação dos crimes sempre sob alçada do Ministério Público;
- Por seu lado estipula o artigo 275º da C.R.P. que:
“1. Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República.
3. As forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei.
5. Incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte.
6. As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de protecção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação.”
- Em momento algum, a Constituição da República Portuguesa permite que os elementos das forças armadas possam intervir, como O.P.C., que não são, em actos de detenção, revista e buscas de embarcações no âmbito da prática de crimes civis.
- O Senhor JIC no seu mandado de Busca e apreensão é claro ao conceder poderes para levar a efeito o cumprimento do referido mandado única e exclusivamente à Polícia Judiciária;
- Sendo certo que, a Polícia Judiciária não tem competência para requerer a intervenção das forças armadas no âmbito de diligências relacionadas com investigação criminal;
- Nem as forças Armadas têm, competência, como acima se referiu, para procederem à detenção de pessoas pela prática de crimes ou para procederem ao cumprimento de mandados de busca e revista;
- Acontece, porém, que, no caso sub judice, de facto, quem levou a cabo o mandado de busca e apreensão não foi a Polícia Judiciária, mas apenas e só o denominado Destacamento de Ações Especiais da Marinha de Guerra Portuguesa;
- Com efeito, conforme resulta do próprio auto de busca e apreensão de fls. 1505, pelas ..h.. do dia ../05/2017 a embarcação foi invadida por elementos do denominado grupo D.A.E.;
- Os elementos do referido grupo entraram nas camaratas onde se encontravam os arguidos, efectuaram revista às mesmas manietaram os arguidos e detiveram-nos;
- Posteriormente, após detectarem a presença de produto estupefaciente, assumiram o controlo da embarcação e conduziram-na até ao porto Naval ....;
- Pelo que, também, por este motivo estamos perante a obtenção de provas por métodos manifestamente proibidos, nos termos do artigo 126º do C.P.P.
- Termos em que devem as detenções dos arguidos, bem como a busca e revistas efectuadas no dia .../05/2017 ser declaradas nulas, o que desde já se requer.
O Ministério Público, na fase de julgamento, a fls. 5468, remeteu para a posição já anteriormente sufragada em sede de instrução (cf. fls. 5210/5243).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
Como decorre dos autos (fls. 1256 e seguintes):
- Foi solicitado às autoridades holandesas, no âmbito do art.º 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1998, aprovada para ratificação pela Assembleia da república em 20 de Junho de 1991 (resolução n.º 29/91, publicada no DR – 1ª Série – A, de 06/09/1991), que as autoridades portuguesas adoptassem as medidas adequadas em relação à embarcação “J...”;
- Tal autorização foi concedida;
- Foram solicitados e emitidos mandados de busca à referida embarcação, a executar pela P.J.;
- A abordagem ao navio foi efectuada, a pedido da P.J., com a colaboração da Marinha Portuguesa – D.A.E.
Os artigos 16.º a 19.º LSI indicam as competências que o SGSSI possui, neles não sendo referida a cooperação ou utilização das Forças Armadas, sendo que a única alusão concreta em relação à participação das Forças Armadas no Sistema de Segurança Interna, encontra-se expressa no artigo 35.º da LSI, que refere que as Forças Armadas colaboram em matéria de segurança interna nos termos da Constituição e da lei, competindo ao SGSSI e ao CEMGFA assegurarem entre si a articulação operacional.
Apesar de a CRP não prever, as Forças Armadas são utilizadas constantemente na Segurança Interna. (…).
Quanto à Lei-quadro da Política Criminal (Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio), analogamente à lei penal e processual penal e à Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC, Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto), esta não prevê a participação das Forças Armadas na prevenção da criminalidade, investigação criminal, acção penal e execução de penas e medidas de segurança. (…) os princípios regentes da intervenção das Forças Armadas na Segurança Interna são: o da cooperação; o da indispensabilidade da intervenção das Forças Armadas; o da proporcionalidade da intervenção e da cooperação das Forças Armadas e o da subsidiariedade da intervenção das Forças Armadas. Todos têm em comum que o ente cooperador são as Forças Armadas e o ente cooperado são as Forças de Segurança. O princípio da cooperação implica dois pontos cruciais: o primeiro prende-se com a ideia de que a atribuição da Segurança Interna é originária da polícia e que esta assume a responsabilidade jurídica de toda a acção; e outro diz respeito ao comando ou direcção da acção, que é do cooperado e não do cooperador, ou seja, as Forças Armadas cooperam sob o comando ou direcção do dominus originário da atribuição e da competência – PSP, GNR, PJ, SEF, (etc.). O princípio da cooperação significa que o órgão ou serviço cooperador, embora mantendo a sua autonomia táctica, dentro dos princípios da proporcionalidade do uso da força, se subordina às ordens do órgão ou serviço cooperado que continua a ser o titular pleno e originário da atribuição e da competência. (…) não há razão para misturar e confundir os papéis, sendo que quem colabora deve colocar as suas capacidades à disposição das entidades às quais vai prestar colaboração. Fora do estado de sítio, o reforço Forças de Segurança pelas Forças Armadas só pode ser desenvolvido dentro de um quadro de excepcionalidade e de indispensabilidade para o cumprimento de determinada missão policial, seja ela de repressão criminal ou de reposição da paz pública ou de manutenção da ordem e tranquilidade públicas, em quadros de alteração grave das mesmas. A intervenção das Forças Armadas na Segurança Interna em tempo de paz pública – excluímos os cenários de estado de sítio e de estado de emergência – só pode ser admitida segundo o prisma da subsidiariedade e a solicitação da polícia necessitada do apoio que deve ser solidário”.
Com efeito, a abordagem ao navio (entrada, inspecção e adopção de medidas adequadas em relação às pessoas e carga, preparatórias e conducentes à execução em segurança da busca ordenada e às subsequentes detenções) em primeira linha, por parte da Marinha Portuguesa, foi efectuada a coberto do art.º 17º da já citada Convenção das Nações Unidas e, sem margem para dúvidas, no âmbito, apenas, da cooperação devida à P.J.
Ademais, decorre claramente dos autos (cf. fls. 1503 e seguintes), que a busca (propriamente dita) à embarcação “J...” e as detenções foram efectuadas (somente) pela Polícia Judiciária.
Nestes termos, julga-se, também, improcedente a arguida nulidade.
IV – DOS MANDADOS DE BUSCA
O arguido AA, na contestação apresentada, invocou, em suma, que:
- No Mandado de Busca e Apreensão que emitiu e assinou o J.I.C. fez questão de frisar que:
“A presente diligência só pode ser efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade - Art.º 177°, nº 1 do CPP.
- Acontece, porém, que no caso sub judice o referido mandado foi violado de forma gritante;
- “As buscas são meios de obtenção da prova levadas a cabo em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, quando houver indícios de que nesses locais se esconde o arguido, ou outra pessoa que deva ser detida, ou que neles se encontram quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo em curso.” Francisco Marcolino de Jesus, in Os Meios de Obtenção da Prova em Processo Penal, 2011, Almedina, pág. 180.
- O “assalto” à embarcação J... foi efectuada pelas 00h04 do dia 17/05/2017, nos termos do auto de busca de fls.1505, elaborado pela P.J. “…pelos elementos do Destacamento de Ações Especiais”.
- Temos, portanto que a Busca efectuada à embarcação J.... violou o artigo 177º, n.º 1 do C.P.P., uma vez que foi efectuada em período temporal contrário ao indicado no respectivo mandado de busca.
O Ministério Público, na fase de julgamento, a fls. 5468, remeteu para a posição já anteriormente sufragada em sede de instrução (cf. fls. 5210/5243).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
Em primeiro lugar, e na esteira do já expendido a propósito da anterior questão, urge esclarecer que a abordagem ao navio (entrada, inspecção e adopção de medidas adequadas em relação às pessoas e carga, preparatórias e conducentes à execução em segurança da busca ordenada e às subsequentes detenções) em primeira linha, por parte da Marinha Portuguesa, foi iniciada, efectivamente, tal como consta da própria acusação/pronúncia, depois das 00h30 do dia 17 de Maio de 2017.
Todavia, como resulta de fls. 1503 e seguintes, a busca (propriamente dita e efectuada pela Polícia Judiciária) só se iniciou pelas 16h30 do mesmo dia … de Maio de 2017, pelo que não ocorreu qualquer violação dos mandados de busca.
Acresce que, e independentemente de tal asserção, afigura-se-nos que, “in casu”, o que, verdadeiramente e originariamente, se verifica é uma (mera) desconformidade entre o despacho que determinou a realização da busca e os mandados emitidos.
É que, claramente, o despacho que autorizou a busca requerida deferiu, na sua integralidade, o promovido pelo Ministério Público, incluindo a possibilidade da realização da mesma no período nocturno.
Na verdade, a acrescer ao, aqui irrefutável, argumento literal - decorre do próprio texto do despacho judicial uma total adesão à argumentação adiantada pelo Ministério Público, em momento algum se limita o horário de realização da busca e a remissão para o art.º 177º do C.P.P. foi feita sem indicação do/ número/s - a complexidade, morosidade e perigosidade da busca a realizar reclamariam, sempre, a possibilidade da sua realização em período nocturno.
Numa situação em tudo idêntica, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/2/2016, proferido no processo n.º 235/14.9JELSB, in www.dgsi.pt., consignou-se o seguinte «Argumentam os arguidos C e D com a nulidade da busca efectuada ao veleiro, porquanto o mandado judicial para a realizar permitia que a mesma ocorresse entre as 7h e as 21h, tendo a mesma sido realizada às 23h15m, violando-se o disposto nos artigos 126º e 177º, ambos do Código de Processo Penal. Argúem os arguidos e o parecer junto, igualmente, com a circunstância de o despacho judicial não autorizar a busca entre as 21 e as 7 horas, aliás, de ter sido expresso na proibição de realização da busca no horário nocturno. (…) Só no mandado judicial (fls. 47) vem a aparecer a expressão “A presente diligência só pode ser efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade – artigo 177º, nº 1 do C.P.P.”.
Isto é, a essência da decisão judicial foi deferir a promoção do Ministério Público de requerer a busca nos moldes promovidos – incluindo o período nocturno – em lado algum dela constando qualquer limitação horária ou restrição ao conteúdo do nº 1 do artigo 177º do C.P.P. A decisão judicial que é expressa na indicação dos números aplicáveis de vários artigos – 174º, nº. 2 e 3, 178º, n. 1 e 269º, nº. 1, al. c) – é clara na remissão para a totalidade do artigo 177º, incluindo, portanto, o nº 2 do preceito. Nada nele restringe o horário da busca. Assim, há uma evidente desconformidade – contradição flagrante – entre a decisão judicial e o teor dos mandados de busca. Aquela permitindo – deferindo – uma busca sem limitação horária, estes limitando a busca ao período diurno. Naturalmente que não interessa saber, porquanto não é possível, a razão de tal desconformidade (não espantaria que fosse o costume, o documento-tipo constante de um programa informático feito sem controlo judicial e que é useiro e vezeiro em coisas que tais, o que não invalida que esteja judicialmente subscrito), mas demonstrando que, neste como em outros casos, a modernidade informática não controlada pode ser figadal inimiga do processo. Dela haverá que extrair as devidas consequências. A primeira consequência é a existência de uma violação de um mandado judicial com um determinado teor restritivo a que as forças policiais não atenderam. Outra é a constatação de que a busca foi efectuada de acordo com o teor do despacho judicial. Assim a nulidade existente diz respeito ao teor do mandado e concretiza-se num mero violar de uma regra de cumprimento do mandado, invocável no acto e sanável se não arguida nesses termos. Trata-se de um mero lapso do tribunal de instrução que emitiu e assinou uns mandados em contradição com o que o próprio ordenou. Mas não se pode afirmar que ocorre nulidade, insanável, de produção de prova, valoração de prova proibida e efeito à distância dela resultante pois que a coberto de um válido despacho judicial que a permite. Improcedente, pois, o invocado».
Face a todo o exposto e merecendo-nos, também, integral concordância o aduzido no citado aresto, julga-se, outrossim, improcedente a nulidade invocada.
V - DA (ALEGADA) INAPLICABILIDADE DA LEI PENAL PORTUGUESA – INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
O arguido AA, na contestação apresentada, invocou, em suma, que:
- A Lei Penal Portuguesa não pode ser aplicada aos factos em apreciação nos presentes autos para julgar o presente processo;
- Estipula o artigo 4º que:
“Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados:
a) Em território português, seja qual for a nacionalidade do agente; ou
b) A bordo de navios ou aeronaves portuguesas.”
- Ora, no caso sub judice os factos ilícitos não foram praticados em território português, nem a bordo de navio português;
- Por outro lado, o caso sub judice não se enquadra em nenhuma das excepções referidas no artigo 5º do C.P.
- Estabelece o artigo 49º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro: “Para efeitos do presente diploma, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional:
a) Quando praticados por estrangeiros, desde que o agente se encontre em Portugal e não seja extraditado;
b) Quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988”
- Temos, portanto, que a Lei Penal portuguesa é ainda aplicável a factos praticados fora do território nacional quando praticados a bordo de navio contra o qual tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico Ilícito de Estupefacientes.
- No caso, a autorização foi concedida mediante uma série de condições, nomeadamente, ser efectuada “on the high seas”, ou seja, a abordagem apenas poderia ser efectuada em Alto Mar;
- A zona onde a embarcação circulava e onde foi “assaltada” toda ela é considerada mar territorial ou zona económica exclusiva;
- Assim, não restam quaisquer dúvidas que o assalto à embarcação J... é ilegal e viola o artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas;
- As Autoridades Holandesas foram claras ao autorizar a abordagem à embarcação J...... apenas e só quando a mesma se encontrasse em Alto Mar;
- Nos termos do Direito Internacional e da Convenção acima referida a abordagem efectuada à embarcação J..., sem autorização do Estado a cuja administração as águas pertencem, configura um verdadeiro acto de pirataria nos termos definidos no artigo 101º da CNUDM.
- A Marinha Portuguesa invadiu águas territoriais, nomeadamente, do Reino de Marrocos sem que estivesse autorizada por este Estado para aí navegar;
- E “assaltou” um navio de Bandeira Holandesa, em condições para as quais não tinha autorização.
- Quer a Detenção dos arguidos, quer a apreensão da embarcação, quer ainda a respectiva busca, em violação da autorização concedida pela HOLANDA, são manifestamente ilegais padecendo de manifesta nulidade;
- Tendo sido violada a autorização concedida pelo Estado da Holanda, fica, igualmente, violado o artigo 17º da Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, pelo que, não estão igualmente reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 49º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
O Ministério Público, na fase de julgamento, a fls. 5468, remeteu para a posição já anteriormente sufragada em sede de instrução (cf. fls. 5210/5243).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
Dispõe o art.º 49º, al. b) da Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que a lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional “quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no art.º 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes de 1988”.
Na situação em apreço, como decorre do já anteriormente explanado, a propósito de outras questões prévias/nulidades suscitadas e já apreciadas, que nos escusamos aqui de repetir, Portugal foi autorizado a tomar as medidas previstas no art.º 17º da Convenção das Nações Unidas e foram observadas todas as formalidades legais inerentes/subsequentes, pelo que, manifestamente, inexiste qualquer incompetência dos tribunais portugueses e/ou inaplicabilidade da lei penal portuguesa.
Face ao exposto, julga-se improcedente a excepção suscitada».
Como seria expectável, este conjunto de questões integrava os fundamentos do recurso interposto por este arguido para o Tribunal da Relação de ....... que, no acórdão recorrido, lhes deu resposta, pela forma seguinte:
«(…) O recorrente pretende ignorar e confundir o conceito jurídico de Alto Mar com a expressão corrente de “mar alto” referida no acórdão quanto ao ponto de intercepção do navio.
Por outro lado, não se verifica qualquer omissão de pronúncia ou de averiguação, ou de insuficiência da matéria de facto, porque as coordenadas a que o recorrente se refere foram rigorosamente determinadas e confirmadas, tendo sido discutidas e examinadas com minúcia a partir do momento em que o recorrente as pretendeu pôr em causa, assim como à competência dos tribunais portugueses.
Conforme o art.° 3° da Convenção do Direito do Mar, o mar territorial não pode ultrapassar as 12 milhas náuticas, sendo que a posição de coordenadas indicadas nos autos onde se procedeu à intercepção da embarcação se situam para além das 12 milhas náuticas de qualquer dos dois países limítrofes, Espanha ou Marrocos.
As coordenadas apuradas não deixam dúvidas quanto ao local onde ocorreu a intercepção do navio, no “mar alto”, e não no “Alto Mar”.
Em sede de julgamento foram desfeitas quaisquer dúvidas que pudessem existir quanto às coordenadas em que ocorreu a intercepção, dadas como provadas no acórdão - Facto 208 - com a junção aos autos das cópias do diário de bordo e pelas declarações do então Capitão da Fragata ...., quanto ao momento da abordagem.
O concreto ponto da intercepção está documentado nos mapas de fls. 3645 a 3646 junto ao relatório final da PJ, sendo claro que a embarcação não se encontrava nas 12 milhas náuticas que constituem as águas territoriais do Reino de Marrocos. E também são estas as coordenadas que estavam assinaladas no computador do arguido AA, conforme resultou da análise do seu conteúdo em audiência, por perito informático.
A testemunha II, capitão-de-fragata, capitão da Corveta ....., que acompanhou a abordagem/intercepção feita à embarcação "J...", a propósito da questão prévia da alegada invasão de águas territoriais de outro Estado, a fls.6541 dos autos, no acórdão, é expressamente mencionada a inquirição desta testemunha como tendo sido quem apresentou os documentos juntos aos autos a fls.6228/6249 (cópias do diário de bordo) e de fls.6257 (cópia da carta náutica), com particular relevância para dar como provadas as coordenadas referentes ao momento da abordagem, uma vez que tais documentos, confirmados pela testemunha, estão até em consonância com as inseridas no sistema de navegação inserido no computador do arguido AA.
Face à prova produzida, não restam dúvidas de que a embarcação “J...”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, não se encontrava em águas territoriais de Marrocos ou de qualquer outro Estado, pelo que improcedem as alegações de incompetência do tribunal, nulidade das detenções, buscas e revistas e nulidade do processo, bem como de insuficiência da prova, invocadas pelo recorrente AA (Facto 208).
(…)
Quanto à legalidade da intercepção pela Marinha, da legalidade da busca e da legalidade das provas obtidas na embarcação, e a alegada nulidade das detenções, buscas e apreensões.
Como também documentado nos autos, a intervenção da Marinha de Guerra foi feita de acordo com o teor das citadas Convenções, com autorização do país do pavilhão da embarcação, sendo que as diligências processuais penais foram levadas a cabo pelos inspectores da PJ e não pelos "fuzileiros", como refere o arguido.
Pelo que também não existiu qualquer assalto à embarcação ou acto de guerra em águas territoriais do Reino de Marrocos, como pretendido pelo recorrente AA.
Ocorreu apenas uma intercepção em águas territoriais portuguesas, a qual é tutelada pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 - cfr. art.° 108°, e pela Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 - art.° 17°, ambas ratificadas por Portugal, sendo isso o que está documentado nos autos, designadamente do expediente junto e contemporâneo da intercepção da embarcação pela Marinha de Guerra Portuguesa.
Quando as autoridades entraram no navio e se procedeu à sua inspecção e se adoptaram medidas adequadas em relação às pessoas e à carga encontrada a bordo, tal actuação foi cumprida pela Marinha, nos termos do art.° 17° da Convenção das Nações Unidas de 1988, enquanto a busca à embarcação, em cumprimento dos mandados judicias emitidos nos autos, foi efectuada, pela PJ, conforme confirmado pelos Inspectores intervenientes, pelo que não se verificou, assim, qualquer ilegalidade relacionada com as provas obtidas no interior da embarcação.
No que concerne à nulidade das detenções, buscas e apreensões, também não assiste razão ao arguido quanto ao ali referido pelo mesmo.
Resulta claro do texto da decisão recorrida que um facto foi a intercepção pelas competentes autoridades marítimas Marinha de Guerra, ao abrigo dos atrás indicados normativos daquelas duas Convenções, que começou depois das 00h30 do dia 17 de Maio de 2017, como descrito na matéria provada, e outro facto foi o cumprimento do mandado de busca para a embarcação, que começou muitas horas depois, - pelas 16h30 do dia 17 de Maio de 2017, tendo sido interrompidas pelas 19h30 do mesmo dia, "face ao instável estado climatérico e do mar" -, quando a embarcação já fora direccionada para a costa portuguesa sob controlo da Marinha e existiam condições logísticas, aferidas exclusivamente pela Marinha, para que os Inspectores da PJ pudessem entrar na embarcação para cumprir os mandados.
Conforme descrito no auto de busca e apreensão, que nem sequer foi posto em causa no decurso dos primeiros interrogatórios judiciais de arguidos detidos, na sequência dos quais se validaram as buscas e detenções, é que as buscas processuais em cumprimento das regras do Código de Processo Penal, se iniciaram pelas 16h30 do dia 17 de Maio de 2017, tendo sido interrompidas pelas 19h30 do mesmo dia, "face ao instável estado climatérico e do mar", só sendo reiniciadas no dia 18 de Maio de 2017, a partir das 08h00, já com a embarcação acostada no Porto Naval de ...., para onde foi conduzida.
Não existiu, assim, no cumprimento dos mandados de busca, qualquer violação da entidade competente para os cumprir, nem quanto ao período temporal ali indicado quanto à realização das buscas ou violação de qualquer preceito atinente à lei processual penal.
Ora, contrariamente ao alegado pelo recorrente AA, resulta claro que a Marinha não actuou como órgão de polícia criminal, não tendo praticado actos regulados pelo Código de Processo Penal, os quais foram exclusivamente praticados pela Polícia Judiciária.
O recorrente não atentou no facto de ter havido uma separação de funções, tendo a Marinha actuado na intercepção do navio, o que só ela o podia fazer nessa parte, ao abrigo da legitimidade conferida pelo art.° 17° da Convenção de 1988, e a Judiciária cumpriu muitas horas depois e nas horas supra referidas, na sua parte, as ordens de busca, dentro pelo que, também nesta parte, não foi cometida qualquer nulidade ou irregularidade.
9.2.4. Quanto à inaplicabilidade da lei penal portuguesa.
Vale aqui quanto ficou exposto supra quanto à determinação das coordenadas onde ocorreu a intercepção do navio.
No que diz respeito à inaplicabilidade da lei penal portuguesa, também o recorrente não tem qualquer razão, porque o Estado Holandês, através da entidade competente, autorizou que as autoridades portuguesas pudessem interceptar o navio, conforme o documento original a fls. 2713.
E como bem observado pelo MºPº na resposta ao recurso do recorrente AA, em entendimento que acolhemos, “tendo as autoridades portuguesas dado conhecimento, como é habitual em situações idênticas, às autoridades holandesas do resultado da operação, estas não vieram manifestar qualquer violação do por si antes autorizado.
Acresce que tal documento não tinha de ser traduzido para língua portuguesa, pois o mesmo não seria indicado como meio de prova (como não o foi), e, tratando-se apenas de um requisito de procedimento (para fazer intervir a lei portuguesa - art.° 49, al. b) do CPP) o seu teor foi percepcionado por quem tinha que o percepcionar naquele concreto momento processual - a PJ, o MP e o Mm° JIC”
Assim sendo não restam dúvidas da competência dos tribunais portugueses como da aplicabilidade da lei portuguesa».
Aqui chegados:
Como é evidente e dispensa grandes considerações, as questões supra elencadas foram devidamente apreciadas por dois tribunais, de forma essencialmente homogénea, porquanto já haviam integrado as conclusões do recurso interposto ao acórdão da 1ª instância pelo arguido AA, para o Tribunal da Relação .... (conclusões XXXI a XLVII).
Refere-se no Ac. STJ de 15/3/2012, Proc. 236/07.3GEALR.E1.S1, 3ª sec., em entendimento que partilhamos, que:
“(…) II - Como se disse no Ac. do STJ de 07-11-2007, Proc. n.º 3990/07 - 3.ª, “Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: é que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o Tribunal da Relação –, que decidiu o recurso interposto e não o acórdão proferido na 1.ª instância.
III - Não aduzindo o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o STJ.
IV - Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação – e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões –, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito – e sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, nos termos do art. 434.º, ambos do CPP – perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio jurídico, é expediente legal para eventual correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma, e, sem prejuízo de, se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação” (subl.nosso).
O tribunal a quo confirmou a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância quanto às questões ora em apreciação, com argumentação no essencial coincidente:
- de um lado, porque a embarcação “J...”, aquando da abordagem da Marinha de Guerra Portuguesa, “não se encontrava em águas territoriais de Marrocos ou de qualquer outro Estado”, razão pela qual não competia ao Estado de Marrocos ou a qualquer outro Estado Costeiro tomar qualquer medida de intervenção e/ou dar autorização para intervenção a bordo dessa embarcação;
- de outro, porque a intervenção da Marinha de Guerra foi feita de acordo com o teor das Convenções internacionais referidas na decisão, com autorização do País do pavilhão da embarcação, «sendo que as diligências processuais penais foram levadas a cabo pelos inspectores da PJ e não pelos "fuzileiros"»;
- ainda porque a Marinha se limitou a aceder à embarcação, inspeccioná-la e tomar as medidas adequadas em relação às pessoas e à carga encontrada a bordo, “nos termos do art.° 17° da Convenção das Nações Unidas de 1988” [4], enquanto a busca à embarcação, em cumprimento dos mandados judicias emitidos nos autos, foi efectuada pela PJ;
- também (e agora quanto ao período do dia em que foram efectuadas as buscas) porque a intercepção da embarcação começou depois das 00h30 do dia … de Maio de 2017, mas o cumprimento do mandado de busca para a embarcação «começou muitas horas depois, - pelas 16h30 do dia … de Maio de 2017, tendo sido interrompidas pelas 19h30 do mesmo dia» e reiniciadas pelas 08h00 do dia seguinte;
- ainda (agora quanto à alegada inaplicabilidade da lei portuguesa) porque «o Estado Holandês, através da entidade competente, autorizou que as autoridades portuguesas pudessem interceptar o navio” e “tendo as autoridades portuguesas dado conhecimento, como é habitual em situações idênticas, às autoridades holandesas do resultado da operação, estas não vieram manifestar qualquer violação do por si antes autorizado” [5].
E, assim postas as coisas, não se justifica qualquer acrescento argumentativo àquilo que referido ficou no acórdão recorrido (que, saliente-se, acolheu a fundamentação constante do acórdão de 1ª instância).
Não desenvolvendo o recorrente argumento novo no recurso interposto do acórdão da Relação [6] e concordando nós com a fundamentação constante do mesmo, resta concluir pela improcedência do recurso, no que a estas questões diz respeito.
M) Matéria de facto/matéria conclusiva – questão de direito.
Afirma o recorrente – conclusões LXXII a LXXXI – que “os pontos, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30, 43, 48, 58, 60, 61, 62, 64, 75, 79, 106, 110, 132 e 231, considerados matéria de facto dada como provada consubstanciam matéria puramente conclusiva e não verdadeira matéria de facto”; que o «Tribunal de 1ª Instância refere-se várias vezes ao termo “organização”, o qual é um conceito de direito ou conclusivo que tem que ser enquadrado factualmente»; que «deveriam, pois, os referidos pontos constantes da matéria de facto ser retirados daquilo que se considerou “matéria de facto dada como provada”»; que “as escutas telefónicas apenas permitem dar como provadas as concretas conversações realizadas; que, contudo, “o Tribunal de 1ª instância, em matéria que o Tribunal da Relação .... omitiu na sua pronúncia, deu como provadas não as concretas conversações telefónicas, mas sim as conclusões que retirou das mesmas”; que o “Tribunal de 1ª Instância converteu em factos a interpretação que retira dessas sessões telefónicas, o que nos parece manifestamente ilegal. Assim, os pontos da alegada matéria de facto dada como provada: 32, 36, 37, 38, 45, 52, 53, 56, 59, 63, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 80, 82, 87, 90, 95, 97, 98, 104, 108, 109, 111, 112, 164, 175, 200 e 204, porque não consubstanciam factos mas sim conclusões retiradas de escutas telefónicas, deveriam ser retirados da matéria de facto dada como provada”.
Mais uma vez, o recurso é, nesta parte, interposto do acórdão proferido na 1ª instância e não do acórdão do Tribunal da Relação.
E até por esse motivo, a pretensão em causa não pode ser acolhida.
Verdadeiramente, o recorrente pretende repristinar a impugnação da matéria de facto, parecendo olvidar que, como se decidiu no Ac. deste STJ de 24/2/2010, Proc. 151/99.2PBCLD.L1.S1, 3ª sec., «o ciclo da impugnação da matéria de facto fechou-se no recurso interposto para a Relação com a prolação do acórdão respectivo, entidade essa competente para conhecer da matéria de facto em sede de recurso, nos termos do art. 428.° do CPP (...). A decisão recorrida é o acórdão da Relação e não mais a sentença da l.ª instância. Decidido/confirmado pela Relação o substracto fáctico (...), e não sendo mais possível o recurso no segmento da matéria de facto (porque reapreciado já, em segunda e derradeira instância, cumprido, pois, o constitucionalmente previsto duplo grau de jurisdição em matéria de facto), transitou em julgado».
É certo que o recorrente invoca, nesta matéria, uma pretensa omissão de pronúncia da Relação ....
Mas sem qualquer razão, como facilmente se constata da leitura da decisão recorrida:
«(…) sucede que o recorrente omite a extensa prova documental que o tribunal fez constar de cada um dos factos provados, como as transferências de dinheiro, viagens de avião, despesas de hotel, vigilâncias e toda a demais prova expressa, que conjuntamente com as escutas telefónicas, surge referida, como anotação documental, a cada um dos factos provados, dos quais resultaram a demonstração da existência da “organização”, descrita em resultado lógico e unificador da concertação do cometimento dos factos descritos na matéria provada.
A prova não se cinge apenas às intercepções telefónicas, que foram certamente relevantes, mas também a toda a muita prova documental que serviu para fundamentar as muitas viagens de avião, as transferências de dinheiros, as estadias em vários portos e despesas de hotéis, o pagamento dos mantimentos e das avarias, os percursos seguidos, o local de intercepção do navio pelas autoridades portuguesas, prova esta que foi conjugada com as testemunhas, Inspectores da Polícia Judiciária, que acompanharam de perto toda a evolução do processo, testemunhas que de forma credível, isenta e clara confirmaram todas as diligências, vigilâncias, apreensões e outras que levaram a cabo no presente processo.
Quanto aos factos provados que dizem respeito ao conteúdo das escutas telefónicas, os mesmos são fiéis a esse conteúdo, contrariamente ao que alega o recorrente AA, e em alguns pontos da matéria provada, os factos descritos contêm, também, as transcrições constantes dos autos, as quais vêm expressamente mencionados nos respectivos factos dados como provados.
Como afirmado na fundamentação da decisão recorrida:
“Todavia, a prova reunida - intercepções telefónicas, vigilâncias policiais e documentação - designadamente, a anotada especificamente em cada fragmento factual, não nos deixaram quaisquer dúvidas quanto à finalidade das mesmas e inclusive, nalgumas, quanto ao efectivo/conseguido transporte de estupefaciente.
É que aquele suporte probatório, detalhado, acompanhante e vigilante das movimentações e dos acordos/acertos, avanços/recuos, não obstante não terem sido efectuadas apreensões de estupefaciente, conjugado com as regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade e dos princípios da lógica conduzem-nos, sem hesitações, à evidência de que, também, nas anteriores viagens o propósito (e às vezes atingido) era o de proceder ao transporte de estupefaciente.
Por último, de assinalar, ainda com interesse, face ao evidente relevo probatório consolidatório, a circunstância de poucos dias depois da apreensão e detenções no âmbito da embarcação “J...” ter sido, também, efectuada uma apreensão de haxixe na embarcação “M....”, a qual havia sido, anteriormente, capitaneada pelo arguido AA.”
A propósito da extensa documentação apreendida ao recorrente, (a qual também revela o rigoroso controle organizado das receitas e despesas da actividade “profissional” desenvolvida pelo recorrente no âmbito da organização,) veja-se a título de mero exemplo:
“No mesmo dia 17/05/2017, na casa dos arguidos AA e GG, sita na Rua ....., nº .., ....., ....., foram encontrados e apreendidos:
- Um cartão Unicâmbio, com o número ….98, válido de 10/15 até 10/18, com plafond de cem mil euros;
- Recibo de transferência datado de em 05/03/2017, no montante de € 211,00, via Western Union, do arguido AA para a arguida GG;
- Recibo de transferência datado de 29/03/2017, no montante de € 955,00, via Western Union, de YY para o arguido AA;
- Recibo de transferência datado de 21/03/2016, no montante de € 2000,00, via Western Union, de NN para o arguido AA;
- Recibo de transferência datado de 04/04/2016, no montante de € 1000,00, via
Western Union, de NN para a arguida GG;
- Recibo de transferência datado de 13/05/2017, no montante de € 477,00, via Western Union/Unicambio, de YY para a arguida GG;
- Recibo de carregamento de cartão pré-pago, via Unicâmbio, datado de em ../03/2016, no montante de € 61,28, através do nº de cliente: ....90 - GG;
- Recibo de compra de libras esterlinas, via Unicâmbio, datado de em 15/03/2016, no montante de € 61,28;
- Cartão com os dizeres manuscritos “…74 ....” e “…81….. KK”;
- Bilhete de avião emitido em nome de GG, relativo a uma viagem de 26/08/2016 de ....... para o ........;
- Bilhete de avião emitido em nome de GG, relativo a uma viagem de .... para ...... (…..) em 12 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de ........ para .........., em 21 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de ........ para ......, em 7 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de GG, relativo a uma viagem de Istambul para .........., em 7 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 6 de Agosto;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 3 de Abril;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 23 de Julho;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para ......, em 18 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 9 de Fevereiro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 17 de Novembro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 12 de Fevereiro;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 19 de Maio;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de Roma para ......., em 16 de Agosto;
- Canhoto e bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para ............, em 6 de Abril;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ........ para .........., em 21 de Agosto;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem do ........ para .........., em 11 de Junho;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 21 de Setembro;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 15 de Junho (sem canhoto);
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ...... para .........., em 31 de Agosto;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 14/02/2017;
- Bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de .......... para o ........, em 09/06/2016;
- Ticket de excesso de bagagem emitido em nome de RR, relativo ao voo de .......... para o ........ em 19/12/2016;
- Bilhete electrónico em nome de AA, relativo à viagem de ...... para o ........ em 24/03/2017;
- Boarding Pass em nome de AA, relativo à viagem do ........ para .......... em 11/09/2016;
- Boarding Pass em nome de AA AA, relativo à viagem de ...... para ........ em 04/11/2016;
- Canhoto de bilhete de avião em nome de AA, relativo a uma viagem de ....... para ....., em 18 de Agosto;
- Recibo de depósito em numerário numa conta banco Santander Totta, titulada pelo arguido AA, no montante de € 500,00;
- Recibo do “..... Hotel”, em ...., em nome de GG, relativo a uma estadia para 2 pessoas de 17/08/2016 a 20/08/2016, num total de € 299,30;
- Recibo do “Hotel ......”, em ......, em nome de HH, relativo a uma estadia para 2 pessoas de 18/10/2016 a 19/10/2016, num total de € 150,00;
- Recibo do “Hotel .....”, em ......, em nome de CC, relativo a uma estadia para 01 pessoa de 18/10/2016 a 19/10/2016, num total de € 100,00;
- Recibo do “Hotel ....”, de ......, na ....., em nome do arguido AA, relativo a uma estadia para 02 pessoas, datado de 04/02/2017, num total de € 90,00;
- Factura de “Puerto Deportivo .....”, em Almeria, relativo à estadia da embarcação M.... entre os dias 13/07/2016 e 16/07/2016, num total de € 145,14. O recibo está passado em nome de “KOURSAROS LTD, Suite 105, Silverside RD, 3511 Wilmington, Delaware, USA”. No verso tem os seguintes dizeres manuscritos: “Fui buscar comida (22:00h Portugal) Já volto”;
- Factura da “..... – Puerto Deportivo …”, relativo à estadia da embarcação M... entre os dias 22/07/2016 e 23/07/2016, num total de € 380,63. O recibo está passado em nome de “KOURSAROS LTD, Suite 105, Silverside RD, 3511 Wilmington, Delaware, USA”;
- Recibo de aluguer de uma viatura ...., em nome do arguido AA, datado de 12/08/2016, no valor de € 430,00. (Auto de busca de fls. 1409 a 1412).”
Ou ainda:
“- Uma folha do “Ministerio de Fomento” de Espanha sobre matrículas de embarcações de recreio, com a indicação manuscrita “L<24m” (largo = comprimento, menos de 24 metros), onde no verso existem diversos apontamentos manuscritos:
«O.N.G. – “Proactiva Open Arms”», «Mediterranio, ao largo Libia», «Ir a ...... [Holanda] falar com BB (......, ali)», «As 14:00h/15:00h -> Falar com o III:»,
«- Se fala ao patrão para adiantar dinheiro»,
«- Se vem comigo falar ao KK para que me pague»,
«- Se vamos trabalhar com o Mónica se o KK não pagar»,
«- Porquê que não me disse que falaram ao JJJ para parar de emitir os papéis, ficando eu responsável pelo que acontecesse ao barco»,
«Para é que vim à Holanda se não há trabalho»,
«Falar com advogado, porque não houve julgamento», «Perguntar se foi pago pelo III (2,000€)»,
«Saber se os 5 foram a tribunal»,
«7 dias aki, e tive que pagar a comida, mas e o voo de regresso?»,
«Pont Police, 1500»,
«BBB, 3000»,
«Inspector 2,500 + 4,000»,
«Voo, Hotel, Comida»,
«Carro alugado»,
«Tripulação – voos, Hotel, Alimentação», «21 Dias»;
- Um documento relativo à venda do navio M..., com porto de registo ...., O.N.: 4648, assinado por GGG, em representação de “MOST M.C.P.Y”, no. 23 Prompona Str., Athens, Greece;
- Um documento assinado por GGG, portador do documento de identificação número ...., legal representante da empresa “MOST MCPY”, transferindo a propriedade da embarcação M...., registada com bandeira grega no porto de ...., e número oficial 4648 para a empresa “KOURSAROS LTD”, com escritório em 3511 Silverside RD, Suite 105, Wilmington, Delaware, USA, datado de 28/06/2016.”
A estes factos acrescem, segundo as já referidas regras da experiência comum, as 10 Toneladas de haxixe apreendidas, seu valor comercial astronómico superior a duas dezenas de milhões de euros, que não está ao alcance da disposição por meras pessoas isoladas, o número de embarcações e seu valor, assim como as sucessivas viagens internacionais marítimas e de avião, despesas de hotéis e outras, efectuadas pelos arguidos e muitos outros comparticipantes, a capacidade económica para dispor de meios, navios próprios, e o próprio modo organizado e planeado de intervenção dos comparticipantes desde o seu recrutamento, ao seu apoio e constante financiamento, como profissionalizado,, não deixam dúvidas quanto à existência da organização, contudo, visível, por detrás de todas as provas, acções e factos.
Tal visibilidade resulta de se ter provado que toda a actividade e contactos, pessoais e telefónicos, bem como movimentos financeiros descritos na matéria de facto dada como provada, levada a cabo pelos arguidos e respeitantes aos mesmos, o foi por conta de uma organização composta por vários indivíduos, sedeada na Holanda, na zona de ...., que se dedicava ao transporte marítimo de haxixe, em elevada quantidade, que obtinha junto de indivíduos que estavam na posse do estupefaciente, em Marrocos.
Estão provados vários transportes de haxixe, feitos pela organização, em moldes idênticos aos que culminaram com a apreensão feita nos autos, de 10 Toneladas, em embarcações capitaneadas pelo arguido AA.
Resultou igualmente provado que o valor de venda do estupefaciente apreendido excederia os 23.657.844,00 euros (vinte e três milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e quarenta e quatro euros) - facto provado nº 226.
Tal como as regras da lógica e da experiência comum ditam, a organização, que planeou, investiu e adquiriu esta enorme quantidade de haxixe - no valor de mais de 20 milhões de euros – certamente que se assegurou que as pessoas que faziam parte da tripulação da embarcação e, em especial, capitão da embarcação que realizava o mencionado transporte, estavam ao corrente e que iam colaborar no plano de transportar o haxixe, do modo definido pela organização, pois ao contrário poriam em risco a segurança da operação.
Tal como afirmado no Ac. do TRL de 11 de Fevereiro de 2020, subscrito pelos signatários do presente acórdão:
“Numa típica acção de “Cartel”, nunca se confiaria o transporte de tão valiosa quantidade de cocaína a pessoas “externas” à associação, num “outsourcing” - que poderia permitir o roubo do produto por um “Cartel” rival.”
Resultou igualmente provado que, pelo menos desde início de 2016 e até 23 de Maio de 2017, a mencionada organização procedeu a vários transportes de haxixe, com semelhante percurso e de idênticas quantidades (10 Toneladas), elevadas e de elevado valor monetário.
Foi feita prova que a organização, durante um ano e meio, teve o arguido AA, ao seu serviço, como capitão das embarcações "K….", "M.....", "N..../AA" e "J....", a proceder aos referidos transportes marítimos de haxixe, cumprindo/executando os fins prosseguidos pela referida organização.
O recorrente AA quanto ao facto provado relativo ao facto de nenhum dos arguidos ter actividade lícita alega erro de julgamento porque (embora não conste do texto da decisão recorrida), teria trabalhado duas semanas na pesca e que fez prova de ter exercido, durante o período reportado nos factos, actividade profissional lícita, designadamente que tenha sido capitão de embarcações não ligadas aos transportes de estupefacientes descritos nos autos.
Tais factos não resultam da matéria apurada, nem do texto recorrido, pelo que tais considerandos não são demonstrativos de qualquer erro na apreciação da prova.
O facto de ter trabalhado duas semanas na pesca e um ano e meio, como mareante, por conta da organização no tráfico de haxixe, ainda que o recorrente apresentasse uma declaração de rendimentos como embarcado, não permitem concluir que durante tal período de tempo exercia uma actividade lícita.
Também os factos alegados pelo recorrente AA, quanto ao estado da embarcação K.... condições de navegabilidade e ao envio de dinheiro para a sua mulher por NN e OO, as viagens à Holanda, o recorrente olvidou que, por um lado os seus considerandos não resultam da matéria apurada nem do texto recorrido, pelo que tais considerandos não só não são demonstrativos de qualquer erro na apreciação da prova, como nem podem ser considerados na apreciação da matéria de facto nos termos do art.º 410º do CPP.
Por outro lado todas as restantes apreciações da prova efectuadas pelo recorrente, na sua perspectiva pessoal, pretendem restringir a apreciação da prova à mera transcrição das escutas telefónicas olvidando toda o restante acervo probatório considerado na apreciação do tribunal após detalhado e minucioso exame crítico da prova.
Resulta inequívoco que o recorrente AA, bem como os outros arguidos, desempenharam a actividade de transporte, por via marítima, de haxixe, desde a costa de Marrocos, onde era carregado, até à zona da Líbia (local onde seria descarregado), em larga escala (no caso foram apreendidas 10 Toneladas), tendo em vista a obtenção de contrapartidas monetárias avultadas.
Resulta de todo o suporte probatório dos autos, que levou o tribunal recorrido a dar todos estes factos como provados, que era o AA que desempenhava as tarefas de organizar a tripulação e preparar a embarcação que ia ser utilizada (conforme vertido nos factos provados números 1, 2, 5, 6, 7, 9, 22, 25, 27, 31, 32,33, 34, 38, 39, 40, 41, 42, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 82, 85, 88, 95, 97, 98, 101, 102, 103, 108, 109, 110, 111, 117, 126, 132, 137, 138, 139, 146, 147, 148, 158, 159/162, 163, 164, 170, 174, 175, 178, 183, 184, 185,187 e189) e que o fazia por conta e segundo as orientações da referida organização sedeada na Holanda.
Também resulta expressamente dos próprios factos dados como provados que o AA tinha a função de capitão das várias embarcações que fizeram transporte de haxixe ("K....", propriedade do BB "M....", "N...", propriedade do AA e "J...", propriedade do CC) , viajando nessas embarcações, com a respectiva tripulação, para junto da costa marroquina, onde procediam ao transbordo dos fardos de haxixe que aí lhes eram entregues por terceiros, os quais transportavam depois até o destino, algures perto da Líbia, onde procediam de novo ao transbordo.
Quanto aos factos respeitantes ao elemento subjectivo, o qual decorre directamente dos factos dados como provados e ao que tem por base o valor do estupefaciente, com referência ao preço médio por grama de cannabis, bem como as regras de experiência comum.
A alegação feita pelo recorrente AA, de que se desconhece e que o próprio desconhecia o destino que ia ser dado ao haxixe apreendido, como se era para a indústria farmacêutica ou outro, é inverosímil e atenta contra as regras da experiência comum, pois as dez Toneladas de haxixe apreendido, não podiam ter nem tinham quaisquer fins lícitos, e não seriam seguramente encaminhados para a indústria farmacêutica, na qual são legalmente exigidos apertados níveis de controlo e de segurança, desde a produção até ao consumidor, tendo de ser acompanhados de documentação e autorizações necessárias, que no caso inexistiam.
O transporte de 10 Toneladas de haxixe levado a cabo pelos arguidos não se enquadra em qualquer actividade legal, pelo contrário, constitui crime e ditam as regras da experiência de vida que seria destinado a final à venda directa ou indirecta ao consumidor, actividade com a qual se obtêm elevadíssimos proventos económicos.
O tribunal, assim, concluiu de acordo com a lógica e experiência comum, bem como em conformidade com os dados disponíveis nos relatórios oficiais, quanto ao valor do haxixe apreendido.
Sucede que não é verdade, conforme alegado pelo recorrente AA (assim como os restantes arguidos recorrentes, aos quais adiante faremos alusão,), que o tribunal não tenha fundamentado os factos dados como provados na prova produzida, o que resulta claramente da fundamentação, na qual se faz uma apreciação da prova e se contrapõe a mesma à falta de credibilidade das versões apresentadas pelos arguidos que prestaram declarações, entre eles o recorrente AA.
O tribunal elencou a prova produzida, examinou-a, contrapôs a mesma às versões apresentadas pelos arguidos e explicou porque deu como assente a matéria de facto, fazendo um exame crítico da prova de forma que resultaram completamente perceptíveis os motivos da condenação do recorrente AA.
Em suma, os considerandos vertidos nas conclusões do recurso não têm sequer a virtualidade de poder por em crise o exame de prova efectuado na sentença recorrida.
Verifica-se que em relação aos factos, a decisão do tribunal recorrido, que beneficiou da imediação, não merece qualquer censura, sendo de assinalar, como decidido na jurisprudência dos tribunais superiores que “quando da atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação ou oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras de experiência comum”. Neste sentido verbi gratia o Acórdão do TR de Coimbra, de 6 de Março de 2002, in Col.ª Jur.ª, ano XXVII, Tomo II, pág. 44.
Assim, “ao tribunal superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório (…) verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. Assim, só em caso de existência de provas, para se decidir em determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas incluindo as regras da experiência comum ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão de primeira instância, esta pode ser modificada, nos termos do art.º 431º do CPP”, cfr. Ac. desta 5ª Secção do TR de Lisboa, sendo relator o (hoje) Conselheiro Vasques Dinis, de 22 de Novembro de 2005, no processo nº 3717/05.5.
Por outro lado, e conforme há muito entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, o recurso em matéria de facto previsto no nosso sistema processual, não se destina à obtenção de um segundo julgamento sobre tal matéria, mas antes está concebido, tão só, como um remédio jurídico destinado a corrigir eventual ilegalidade cometida, e no caso concreto ora em apreciação, do exame de todas as provas disponíveis não se verifica, nem se vislumbra, que o tribunal haja violado as regras de experiência comum ou da lógica, em que se funda a livre apreciação da prova, nem que haja violado qualquer das normas do direito probatório, o que recorrente também não invoca, tendo limitado a sua impugnação da matéria assente, na sua pessoalíssima e diversa interpretação da prova, exclusivamente fundada na negação dos factos assentes por indiciados na decisão recorrida, pelo que a interpretação da prova efectuada pelo recorrente, nos termos expostos, não tem sequer a virtualidade de abalar o julgamento da matéria de facto efectuada em primeira instância, como declarado pelo Tribunal Constitucional, no processo nº 198/04, publicado in DR II Série, de 2 de Junho de 2004, onde se afirma que:
“A impugnação da decisão em matéria de facto terá de assentar na violação dos factos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma seria a inversão dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela de quem espera a decisão”.
Também no mesmo sentido, e como corolário dos entendimentos jurisprudenciais referidos, se afirmou no Acórdão de 15 de Maio de 2005, do TR de Évora, no qual é relator o Senhor Desembargador Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt, que:
“A impugnação da matéria de facto não se basta com a pretensão de se dar como provada a versão pretendida pelo recorrente, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.
A impugnação da matéria de facto, além de se dever estruturar nos termos definidos pelo art.º 412º nºs 3 e 4 do CPP, terá de ser equacionada com a livre convicção do tribunal a quo, face ao princípio da livre apreciação da prova.
De outra forma, ficaria prejudicada a livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a sentença recorrida e prejudicada ficava a função da motivação da sua convicção e, por conseguinte a natureza do recurso como remédio jurídico e a independência do tribunal a quo na sua livre convicção”.
Teremos assim de acordo com a jurisprudência no mesmo citada, descrita supra, de decidir pela improcedência do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, uma vez que, perscrutada a fundamentada decisão recorrida, se não pode de forma alguma concluir pela existência de erro na apreciação da prova, nem de violação das regras da experiência comum nem sequer da violação dos princípios do direito probatório.
Assim, não só a prova se encontra devidamente analisada como a matéria de facto não merece reparo ou censura».
Por outras palavras: esta concreta questão (saber se determinados factos – como tal incluídos no factualismo apurado – se tratavam, afinal, de conclusões) foi suscitada pelo recorrente no recurso que interpôs do acórdão da 1ª instância para o Tribunal da Relação … . E este, no acórdão agora recorrido, deu-lhes resposta em termos que não merecem qualquer reparo a este Supremo Tribunal, que não vê necessidade de lhes aditar qualquer outra argumentação.
Assim, relembrando o entendimento – que partilhamos – expresso no Ac. STJ de 15/3/2012, Proc. 236/07.3GEALR.E1.S1, 3ª sec., que acima citámos – e posto que o único fundamento novo ora invocado pelo recorrente consiste numa alegada (mas, como demonstrado, não verificada) omissão de pronúncia da Relação sobre esta questão, resta concluir pela improcedência do recurso, também nesta parte.
N) Condenação pela prática do crime de adesão a associação criminosa.
Na procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, o tribunal a quo condenou o ora recorrente na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de adesão a associação criminosa, p.p. pelo artº 28º, nº 2 do DL 15/93, de 22/1.
Afirma o recorrente – conclusões LXXXII a LXXXVI - que “não ficou demonstrado que o arguido tivesse aderido a qualquer organização”; “pelo que deveria o Tribunal da Relação .... ter mantido, quanto a esta matéria a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, ou seja, a sua absolvição”.
A este propósito, assim se decidiu no acórdão recorrido:
«O MºPº pede a condenação dos arguidos AA, BB e CC pela prática de adesão a associação criminosa, pelo qual vinham acusados por terem aderido aos propósitos da organização, fazendo-os seus.
O MºPº inconformado alega que “para afastar a existência do crime de adesão a associação criminosa, p. e p. pelo art.º 28.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 15 de Janeiro, pelo qual os arguidos vinham pronunciados, o tribunal recorrido conclui que os factos apurados são insuficientes para demonstrar a existência de uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses de cada um dos membros que a integram, e de uma estrutura organizativa minimamente hierarquizada e estável, tendo os arguidos agido segundo os seus próprios interesses e não segundo um interesse superior da organização que os ultrapasse.
Conclui, por isso, o tribunal que os factos apurados somente integram uma situação de comparticipação criminosa, de conjugação de esforços e de vontades com vista à prossecução de um fim comum – o transporte e desembarque de droga visando a obtenção de proventos económicos.
Sem prejuízo de poder ser considerado que, como é obvio, os arguidos agiram todos também no seu próprio interesse, de serem pagos pela actividade ilícita e criminosa que desenvolveram, resulta claro dos factos dados como provados, que os mesmos não são uma mera conjugação de vontades e de esforços dos aqui arguidos nestes autos, mas antes uma preparada, complexa, organizada e delineada actuação que contou não só com a adesão e colaboração dos arguidos, mas para a qual foi necessário e imprescindível o plano, suporte económico/logístico e acompanhamento da organização sedeada na Holanda (que o tribunal dá como provada), que tinha como objectivo a obtenção de elevadas quantidades de haxixe junto de indivíduos em Marrocos, o seu carregamento nas embarcações tripuladas pelos arguidos na costa de Marrocos e o transporte por via marítima, até zona da Líbia, onde o produto era descarregado e entregue a outros indivíduos (que o tribunal dá como provado).
Apesar do tribunal dar como não provado que os arguidos AA, BB e CC tenham aderido aos propósitos da mencionada organização, fazendo-os seus, os factos dados como provados, na sua globalidade e extensão, tendo em conta as regras da lógica e da experiência de vida, deveriam ter levado o tribunal a concluir no sentido de tais factos resultarem provados.”
O MºPº não impugna directamente a matéria de facto, limitando-se à sua impugnação alargada, circunscrita ao texto da decisão recorrida, aos vícios do art.º 410º do CPP, aliás, tal como os arguidos fizeram.
Damos aqui por reproduzida a apreciação já efectuada sobre organização “por detrás dos factos”, como igualmente quanto às condições pessoais e económicas dos arguidos e sobre a sua impossibilidade de serem detentores, por conta própria, de tão exorbitante negócio, atentos os valores necessariamente investidos, assim como a necessária componente económica de suporte das embarcações, viagens e tantas mais despesas apuradas.
Como afirmámos no Ac do TRL de 11 de Fevereiro de 2019:
“Como não considerar que três homens de profissões simples, sendo um chefe de mesa e os outros dois marinheiros, sendo dois residentes na Croácia e outro em Maiorca (Baleares, Espanha), actuaram no âmbito de uma organização mais ampla, quando se têm por certo os seguintes factos reconhecidos em parte no despacho de pronúncia:
Transportaram desde o Caribe até à Europa (Açores) por barco, que foi objecto de transformações (esconderijos), cerca de Tonelada e meia de cocaína em elevado grau de pureza (84%), cujo valor ascende a dezenas de milhões de euros.
Sendo um dos arguidos proprietário do barco desde 2013, não podia desconhecer o facto indiciado de que o mesmo foi objecto de modificações que consistiram em reconfigurar algumas partes, que ficam por debaixo do soalho do veleiro, por forma a aí poderem acondicionar, dissimuladamente, como o fizeram, grandes quantidades de cocaína em pó, para assim poderem fazer o seu transporte, tal como reconhecido no despacho de pronúncia.
O veleiro "Oggi", tripulado pelos três arguidos e comandado pelo arguido Mirko Adamovic, partiu de Grenada, nas Caraíbas, no dia 17 de Maio de 2018.
Entre os dias 27 de Maio e 2 de Junho de 2018, navegou pela América do Sul, nomeadamente pelo norte da República Cooperativa da Guiana, Suriname, Guiana Francesa e nordeste do Brasil, tendo por destino de navegação o arquipélago dos Açores.
E, tal como reconhecido no despacho de pronúncia, “Os aludidos pontos de navegação eram desconhecidos dos arguidos à partida de Caraíbas, e foram-lhes sendo transmitidos, via rádio, ao longo da viagem, por outros elementos e cuja identidade não se logrou apurar.”
A apurada navegação em barco intencionalmente transformado, sendo orientada à distância por outros, em actividade de tráfico internacional de estupefacientes, o valor económico do produto transportado, como o seu elevadíssimo grau de pureza, a sofisticação de meios e elevadas capacidades de organização evidenciadas, não permitem a conclusão alcançada na decisão recorrida de não verificação de um interesse superior que, de certa forma, ultrapassasse os meros intentos pessoais dos arguidos, e que conduzissem também à conclusão de inexistência de indícios de adesão a associação criminosa, como o demonstra exuberantemente também o facto de serem orientados quanto às coordenadas de navegação, numa típica acção de “Cartel”, que nunca confiaria o transporte de tão valiosa quantidade de cocaína a pessoas “externas” à associação, num “outsourcing” - que poderia permitir o roubo do produto por um “Cartel” rival, - a qualquer pessoa que não fizesse parte integrante da associação criminosa e que no final não recebessem parte do produto da venda resultante de tal operação, como é consabido pelas regras da experiência comum, - daí o controlo e orientação de coordenadas à distância, como também a possível presença nas imediações ainda que a algumas milhas marítimas de outra embarcação com a função de vigilância do trânsito marítimo e das autoridade e de possível escolta contra qualquer “Cartel” concorrente, como normal em tais circunstâncias.
Não se trata de uma mera situação de comparticipação ou de actuação em bando, pois de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, verbi gratia o Ac. de 7 de Janeiro de 2004, que assim reza:
“A noção de “bando”, figura de pluralidade, de concertação e também de organização, situa-se, no plano da construção, entre as dimensões da comparticipação, em relação à qual se apresenta como um “plus” diferenciador, e a organização de nível e relevo que integre já o conceito, tipicamente relevante, de associação criminosa.
A diferença qualitativa há-de situar-se essencialmente na dimensão organizativa e na predeterminação dos fins; só esta dimensão acrescenta ao «acordo ou juntamente com outros» um quid material de distinção. A actuação em “bando”, ou como membro de “bando”, significa necessariamente a existência de um sentimento de comunhão de fins, de pertença a uma pluralidade inorgânica diversa das individualidades, de especificidade de fins e objectivos determinados, diversos da simples conjugação ou soma de vontades individuais agregadas.
Na jurisprudência do STJ a noção de “bando” visa todas as situações de pluralidade de agentes, actuando de forma voluntária, concertada e de colaboração mútua, com um princípio de estruturação de funções (estruturação incipiente), que, embora mais graves do que a mera comparticipação, não podem ser ainda consideradas associações criminosas, por não existir uma organização suficientemente caracterizada, com níveis e hierarquias e com uma relativa diversidade e especialização de funções de cada um dos membros ou aderentes.
Considera-se necessário que “a actuação, em concreto, seja levada a efeito, ao menos por dois elementos”.
“Hão-de, assim, ser relevantes a existência de um grupo de pessoas, o sentimento e a vontade de pertença, uma estruturação organizatória mínima na direcção e na divisão de tarefas, a permanência no tempo e a predeterminação de finalidades, a actuação conforme plano previamente elaborado e em conjugação de esforços, o conhecimento por todos da actividade de cada um, e a divisão entre elementos do grupo dos proventos obtidos com a actividade”. (final de citação.)
Não deve escapar à apreciação do julgador o facto de os agentes do crime de tráfico internacional de estupefacientes, navegarem, como já foi visto também em submarinos (e, também, com número reduzido ao mínimo de tripulantes) ou veleiros (como in casu, de igualmente três), de elevado valor económico, especialmente transformados com o único propósito de ocultarem a actividade de transporte de elevadíssimas quantidades de droga, em elevadíssimo grau de pureza, como também in casu, no valor calculado entre 36 e 45 milhões de euros, e que se destinava à venda da qual resultaria quantia não inferior a 215.889.857 € (duzentos e quinze milhões oitocentos e oitenta mil e oitocentos e cinquenta e sete euros), – valor superior a vários Jackpots do Euromilhões, - lucro esse que seria distribuída por todos os elementos da associação, o que só pode ser levado a cabo por associações criminosas com sólida estrutura permanente, (como o revela também a orientação de coordenadas de navegação à distância, via rádio,) e com muito astronómica capacidade económica, e nunca por vulgares cidadãos de modesta, média ou até elevada capacidade económica pessoal, que não estivessem submetidos à vontade e desígnios da associação criminosa e que por todos repartiria os lucros da operação.”
Mutatis mutandis, para o caso concreto, afigura-se-nos claro que, face à factualidade provada quanto a cada um dos arguidos, AA, BB e CC, embora nos termos da impugnação efectuada se não possa alterar a matéria de facto, quanto aos concretos montantes que os mesmos receberiam, em resultado das suas acções, os mesmos aderiram às finalidades da referida organização destinada ao tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 28º, nº 2 do DL nº 15/92, de 22 de Janeiro, punível com prisão de 5 a 15 anos.
Pois, com efeito, resulta feita prova inequívoca que a organização, durante um ano e meio, teve o arguido AA, ao seu serviço, como capitão das embarcações “K....”, “M....”, “N..../AA” e “J....”, a proceder aos referidos transportes marítimos de haxixe, cumprindo/executando os fins prosseguidos pela referida organização.
Igualmente se verifica, quanto aos arguidos BB e CC, a adesão à associação criminosa.
O arguido CC não só era o proprietário da embarcação “K....” que estava ao serviço da organização para os referidos transportes de haxixe, como o arguido Marcus era o proprietário da embarcação “J....”, tendo ambos feito parte da tripulação da “J....”, e participado na actividade de transporte de haxixe que vem descrita nos autos, no tocante à embarcação “J...”.
O arguido BB veio várias vezes a Portugal, por conta da organização para ajudar a resolver problemas relacionados com a embarcação “K....”, trazer dinheiro e os telefones satélites e fazer parte da tripulação do “J....” (Factos Provados 93/96, 98,99,100,102,103,108,155,192,193,194, 195).
Em suma, tendo em conta os factos que o tribunal deu provados, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, deveria ter concluído também que os arguidos AA, BB e CC aderiram aos propósitos do grupo, fazendo-os seus, tendo a sua actuação sido realizada para concretizar tais fins.
Quanto às funções do arguido AA na actividade de transporte de haxixe levada a cabo pela organização, resultam dos próprios factos dados como provados, sendo lógico concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que a organização decidiu que exerceria as funções de capitão, cumprindo-lhe organizar a tripulação, preparar a embarcação para a viagem, fazer o transporte do haxixe nas embarcações disponibilizadas pela organização e depois as mesmas em locais como a Grécia e Malta onde mais tarde seriam recuperadas, por ele próprio ou por terceiros a mando da organização.
Valem aqui os considerandos já exarados supra quanto à questão da cumplicidade, agora suscitada pelo recorrente BB, no sentido da improcedência das questões a tal respeito suscitadas pelo mesmo.
Será por isso o recurso julgado totalmente procedente, condenando-se os arguidos, - pelo crime de adesão a associação criminosa p. e p. pelo art.º 28º nº 2 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, aditando-se aos factos que constavam provados, e que a tal respeito foram dados como não provados, - os recorridos AA, CC e BB condenados pelo crime de adesão p. e p. pelo referido art.º 28º na pena de cinco anos cada um, e em cúmulo o arguido AA em 11 (onze) anos de prisão, o arguido CC em 10 (dez) anos de prisão e o arguido BB em 9 (nove) anos de prisão».
Estatui-se no artº 28º do DL 15/93, de 22/1:
“1 – Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21º e 22º é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos.
2 – Quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
(…)”.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem, desde há muito, vindo a afirmar que são elementos essenciais do crime de associação criminosa o factor organizativo, a estabilidade associativa e a finalidade criminosa, portanto uma aliança com um mínimo de estrutura estável, permanente, com vista à prática de crimes. Não é elemento típico deste crime «a existência de qualquer tipo de chefia ou comando, tal como não o é a forma de distribuição dos proventos. O que verdadeiramente releva nesta sorte de ilícito é o acordo de vontades para o cometimento de crimes de tráfico e outras actividades ilícitas previsto no referido artº 21º e/ou de precursores do seguinte artº 22º e uma certa estabilidade ou permanência”» - Ac. STJ de 5/2/98, CJ ASTJ, ano VI, t. 1, 192 e segs., particularmente, 196.
«I - O artigo 28 dos Decretos-Lei 430/83, de 13 de Dezembro, e 15/93, de 20 de Janeiro, referente a associação criminosa, apresenta-se, em confronto com o artigo 287 do C. Penal de 1982, numa relação de especialidade. II - São elementos essenciais do crime de associação criminosa o acordo de vontades de duas ou mais pessoas para a consecução de fins criminosos determinados, e uma certa estabilidade ou permanência, ou, ao menos, o propósito de ter esta estabilidade, criando-se, através do encontro de vontades, uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros. III - A associação criminosa distingue-se da comparticipação por nesta existir apenas um acordo conjectural para a prática de um crime concreto» - Ac. STJ de 4/5/95, relatado pelo Cons. Ferreira Rocha, www.dgsi.pt [7].
Alguma jurisprudência prescinde, contudo, daquela “realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros”. Assim e por exemplo, decidiu-se neste Supremo Tribunal – Ac. de 1/6/1994, relatado pelo Cons. Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt., - que «para a existência do crime de associação criminosa, para o tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 28º do Decreto-Lei 15/93, basta que os agentes tenham agido concertadamente, visando o tráfico de droga, com repartição de funções e que a sua ligação e concertação tenham sido prolongadas e não meramente ocasionais».
De forma particularmente explícita, refere-se no Ac. STJ de 18/10/1995, relatado pelo Cons. Castro Ribeiro, www.dgsi.pt., que «III - Enquanto no crime de associações criminosas do artigo 287 do C.P. de 1982 ou 299 do actual, são traves mestras o fim abstracto de cometer crimes, a estabilidade organizativa e uma ideia de permanência ou de duração que traduza o propósito dos agentes de "fazerem vida" da actividade criminal, no crime de associações de delinquentes (actualmente designado de associações criminosas), previsto nos artigos 28 do Decreto-Lei 430/83 e 15/93, não se exige uma estrutura organizativa do grupo ou associação tão estável ou perene, por isso que se podem formar apenas para a concertada prática de um dos crimes de tráfico de estupefacientes, não havendo que falar aí, propriamente, numa "actividade" destinada à prática de crimes. IV - Aliás, dadas as diferenças dos textos legais, não é possível, para determinação do alcance do artigo 28 referido, o intérprete socorrer-se sem mais dos conceitos doutrinários já elaborados para o crime de associação criminosa do artigo 287 do C.P.» (subl. nosso).
Certo é que, no caso dos autos, provado se mostra que:
- O recorrente, desde pelo menos inícios de 2016, vinha efectuando transporte marítimo de fardos de haxixe, exercendo a função de capitão das embarcações utilizadas nessa actividade, por conta de uma organização composta por vários indivíduos, sedeada na Holanda, na zona ...., situada no norte desse país, e que se dedicava ao referido transporte marítimo de fardos de haxixe;
- A organização diligenciava pela obtenção das elevadas quantidades de haxixe junto de indivíduos que estavam na posse desse produto em Marrocos e, depois, pelo transporte do mesmo por via marítima, através de embarcações que fazia deslocar, primeiro, para junto da costa de Marrocos, onde se efectuava o carregamento do estupefaciente, e, depois, desde esse local até à zona da Líbia, no interior do Mediterrâneo, onde o produto era entregue a outros indivíduos que, mais tarde, concretizariam a sua dissimulação/venda no mercado europeu;
- Tal organização continha elementos na Holanda, mas também, e pelo menos, na Grécia ou em Malta, países onde aportava as embarcações que utilizava para aquele fim e após estas concretizarem a entrega do haxixe;
- O recorrente, que tinha experiência na preparação e condução de embarcações em alto mar, também possuía embarcações que recebia de elementos da organização como contrapartida pelos transportes de estupefacientes efectuados e que estava disposto a ceder à organização, mediante contrapartida económica, para serem utilizadas no transporte do haxixe;
- Uma forma que a organização tinha para efectuar pagamentos relacionados com os transportes dos produtos estupefacientes era através da entrega das embarcações aos próprios utilizadores, que assim ficavam na sua posse para posterior utilização em novos transportes;
- O arguido deslocava-se frequentemente para a Holanda, por via aérea, a fim de ali se encontrar com elementos da organização e para combinar com estes, quer as embarcações a utilizar nos referidos transportes e respectiva tripulação, quer as datas em que as viagens se concretizariam e, ainda, para aí receber da organização dinheiro respeitante a parte do pagamento devido pela actividade que o primeiro desenvolvia;
- A organização também remetia dinheiro para o arguido através de transferências monetárias via Western Union, ou através de entregas em mão efectuadas por outros indivíduos que se deslocavam a Portugal;
- O arguido/recorrente estava cientes da actividade de transporte de estupefacientes, tendo aceitado participar na mesma, e com vista a daí tirar proveitos económicos;
- Todos os contactos, pessoais e telefónicos, bem como as movimentações mantidas pelos arguidos, foram-no no propósito de diligenciar e concretizar os aludidos transportes marítimos de produtos estupefacientes;
- No mês de Março de 2016, o arguido AA comandou uma embarcação denominada K..., com vista a vir a transportar haxixe, embarcação pertencente a um co-arguido e que estava à disposição da organização para a concretização dos transportes de fardos de haxixe;
- No dia … de Junho de 2016, em conversa telefónica que manteve com um indivíduo da organização que respondia pelo nome ...., o arguido foi informado do novo transporte que a organização estava a preparar, que seria uma viagem de 10 dias e em que o arguido iria receber € 75.000,00;
- Pelo menos a partir do dia … de Julho de 2016, o arguido, com vista a concretizar um transporte de fardos de haxixe, encontrava-se a comandar uma embarcação denominada M..., um veleiro com a matrícula …..48, de bandeira grega e porto de registo .....;
- Em local e em momento não concretamente apurado, mas compreendido entre os dias … de Julho de 2016 e … de Agosto de 2016, o arguido, com a colaboração de indivíduos de identidade não apurada, veio a receber na indicada embarcação avultada quantidade de fardos de haxixe que deixou, nesse dia, numa zona marítima não concretamente determinada, mas situada perto do norte da Líbia;
- Dias depois da detenção dos referidos arguidos, mais concretamente no dia … de Maio de 2017, a já mencionada embarcação M...., que o arguido AA comandara no período temporal atrás indicado, e com a qual logrou efectuar um transporte de fardos de haxixe, foi interceptada pelas autoridades espanholas no Mar Mediterrâneo, quando se encontrava a 67 milhas de Almeria (Espanha) e a 35 milhas do Cabo de Três Forcas (Marrocos), altura em que transportava, de forma semelhante ao transporte efectuado com recurso à embarcação J..., um total de 400 fardos com 10.532.975 (dez milhões, quinhentos e trinta e dois mil e novecentas e setenta e cinco) gramas de resina de canábis (ponto 217 da matéria de facto).
- A partir de inícios do mês de Outubro de 2016, o arguido começou a preparar com elementos da organização nova viagem marítima com o mesmo propósito das anteriores, ou seja, efectuar um transporte de estupefacientes, sendo que iria ser utilizada outra embarcação, com o nome de N..., a qual estava aportada em ....;
- Na mesma altura, o arguido diligenciou, com o conhecimento de elementos da organização, pela alteração do registo e designação dessa embarcação N..., que passou a ter a denominação de AA;
- Essa embarcação fora cedida ao arguido pelos elementos da organização como forma de pagamento de parte do montante devido pelo anterior transporte de haxixe;
- No dia … de Outubro de 2016, o arguido/recorrente, acompanhado de outros co-arguidos, encontrava-se a comandar uma outra embarcação, junto da Ilha de Malta, tendo-se dirigido para o local onde estava aportada a embarcação N..., na mesma Ilha;
- O destino da embarcação N..../AA, comandada pelo arguido e que saiu de Malta no dia ... de Outubro de 2016, foi, em primeiro lugar, a costa marroquina, onde foi abastecida de produto estupefaciente (haxixe) em quantidades não apuradas, sob orientações do arguido e, depois, a zona da Líbia, onde o estupefaciente em causa foi entregue a terceiros com vista a ser vendido.
Tudo isto, naturalmente, para além da operação que culminou na intercepção da embarcação J...., no dia … de Maio de 2017.
Perante este quadro assim desenhado, parece-nos clara a existência de uma organização que, embora sedeada na Holanda, era composta por vários indivíduos não só aí localizados como, também, em Malta e na Grécia, organização destinada ao tráfico ilícito de estupefacientes, nomeadamente ao transporte de haxixe de Marrocos para a zona da Líbia, onde era entregue a quem providenciava pela sua dissimulação e posterior venda.
Essa organização tinha carácter estável e duradouro (apurado ficou que existiu, pelo menos, durante 14 meses) e operava de uma forma organizada e controlada, sendo os contactos que elementos dessa organização estabeleciam com o arguido recorrente, ou os pagamentos efectuados a este, em nome e por conta da mesma organização.
Não estamos, por isso, perante uma mera comparticipação, perante uma reunião de vontades individuais para a prática de um determinado crime de tráfico de estupefacientes.
E que o arguido ora recorrente prestou colaboração a essa organização é algo que resulta claro do factualismo apurado. Em rigor, aliás, nem se trata de uma colaboração diminuta, despida de relevância significativa. Bem pelo contrário: era o arguido quem capitaneava algumas das embarcações utilizadas nas operações de transporte de fardos de haxixe, assumindo assim a sua colaboração bastante relevo.
E porque assim é, preenchida se mostra a previsão legal do artº 28º, nº 2 do DL 15/93, de 22/1, razão pela qual também nesta parte improcederá o recurso.
O) Aplicação da lei penal mais favorável – lei holandesa.
Sustenta o recorrente – conclusões LXXXVII a XCIII – que, nos termos do artº 6º, nº 2 do CP, “deveria ter sido aplicada a Lei Penal Holandesa, por ser mais favorável, nomeadamente, ao nível das penas”; que “no confronto entre a lei portuguesa e a lei holandesa (lei do território em que o crime foi praticado), surge com evidência que esta última é concretamente mais favorável aos arguidos”; que, em consequência, “deve o Arguido ser punido no máximo com uma pena de 3 (três) anos de prisão”.
Trata-se, como é evidente e dispensa grandes considerações, de questão cuja decisão se relaciona com a resposta dada a questões anteriores.
Também esta questão foi suscitada no recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância – aliás em termos idênticos aos agora formulados – tendo merecido, do tribunal a quo, estas breves linhas:
“A questão da aplicação da lei holandesa encontra-se já respondida supra quanto à competência dos tribunais portugueses e a aplicabilidade da nossa lei nacional, pelo que nunca lhe poderia ser aplicada pena de multa ou pena de prisão não superior a 3 anos”.
Nos termos do disposto no artº 49º, al. b) do DL 15/93, de 22/1, “para efeitos do presente diploma, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: (…) b) quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988”.
Resulta de fls. 1256 e seguintes dos autos que foi solicitado às autoridades holandesas, no âmbito do art.º 17º da referida Convenção, que as autoridades portuguesas adoptassem as medidas adequadas em relação à embarcação “J......” e que tal autorização foi concedida, não se evidenciando que tal autorização tenha sido concedida sob qualquer condição.
Como consta do acórdão recorrido (e resulta, aliás, de fls. 2231 e segs.), “tendo as autoridades portuguesas dado conhecimento, como é habitual em situações idênticas, às autoridades holandesas do resultado da operação, estas não vieram manifestar qualquer violação do por si antes autorizado”.
Que a lei penal portuguesa é aplicável na situação dos autos resulta, por isso, claro.
Nos termos do disposto no artº 6º, nº 2 do Cod. Penal, “embora seja aplicável a lei portuguesa, nos termos do número anterior, o facto é julgado segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente. A pena aplicável é convertida naquela que lhe corresponder no sistema português, ou, não havendo correspondência directa, naquela que a lei portuguesa previr para o facto”.
Como já por diversas vezes referido, o crime foi cometido (entendendo-se como tal o momento em que o navio J..., capitaneado pelo arguido ora recorrente, foi interceptado pela Marinha portuguesa), nas coordenadas LATITUDE - … e LONGITUDE - …).
Esse local, como resulta claro da carta náutica que constitui fls. 6257 dos autos, não se encontra incluído nas águas territoriais de qualquer Estado costeiro.
Muito menos integra o território holandês. E daí que, desde logo, se não descortine fundamento para a aplicação do artº 6º, nº 2 do Cod. Penal: o crime de tráfico de estupefacientes não foi cometido na Holanda, como o não foi em Marrocos, como o não foi – sejamos claros – em Portugal (ou em águas territoriais portuguesas, como, por manifesto lapso, se refere em determinado ponto do acórdão recorrido), sendo que a aplicabilidade da lei penal portuguesa resulta do artº 49º, al. b) do DL 15/93, de 22/1.
E, por essa razão, também nesta parte improcede o recurso.
P) O crime imputado.
Entende o recorrente – conclusões XCIV a XCVII - que “o que resulta dos Autos era apenas que o Arguido a troco de um montante não apurado se limitava a transportar uma embarcação de Marrocos para a Líbia onde entregaria o produto estupefaciente a terceiros; O Arguido não iria auferir qualquer rendimento com a venda desse produto estupefaciente; O produto estupefaciente apreendido não pertencia ao Arguido; O Arguido era toxicodependente e todo o dinheiro que auferia gastava-o no consumo; O Arguido vivia modestamente, não possuía quaisquer bens nem riqueza”; que, assim, se não mostram verificados os pressupostos para a sua condenação pela prática do crime de estupefacientes agravado p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. n.º 15/93, de 22/1, e que, quando muito, a sua conduta “seria suscetível de integrar a prática do crime de tráfico de produto estupefacientes simples p. e p. pelo Artigo 21º, n.º 1 do D. L. 15/93”.
O arguido AA foi, em 1ª instância, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, al c) do DL 15/93, de 22/1.
Estatui-se no artº 21º, nº 1 do diploma legal referido que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Tal pena, por força do artº 24º, al. c) do mesmo diploma, é aumentada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se “O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória”.
A este propósito, assim se decidiu no acórdão recorrido:
«Também não procede o argumento do recorrente AA, de que deveria ser condenado pela prática do crime de tráfico do art.º 21º e não pelo crime agravado pelo qual foi condenado, atendendo a que, no dizer do mesmo recorrente, não resultou feita prova do montante que iria auferir com a actividade, que o produto não lhe pertencia e que era toxicodependente.
Os factos são os incontornavelmente apurados de tráfico internacional de dez Toneladas de estupefacientes, num valor superior a vinte e três milhões de euros, tratando-se da maior apreensão, de haxixe, jamais feita pelas autoridades nacionais, sendo irrelevante que para tal se tivesse apurado o montante concreto do pagamento que o recorrente iria receber, já que o mesmo nunca seria insignificante, que o tribunal colectivo subsumiu à previsão do art.ºs 21º, n.º 1 e 24º, al. c) do D.L. nº 15/93, de 22/1, com os seguintes fundamentos:
“Muito embora não se tenha apurado, em concreto, a compensação monetária que cada um dos arguidos AA, CC, BB e DD ia receber pela participação no transporte do estupefaciente que veio a ser apreendido na embarcação J..., a factualidade dada como provada quanto aos mesmos (e que nos escusamos aqui de reproduzir) preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes e aponta, inequivocamente, para uma dimensão excepcional, envolvendo “ordens de valoração económica próprias dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição” como se tem defendido na jurisprudência acima citada.
Termos em que se conclui, sem necessidade de outros considerandos, pela condenação dos arguidos AA, CC, BB E DD pela prática, em co-autoria, do crime de tráfico de estupefacientes agravado, nos termos que lhes foi imputado.”
Face à dimensão da apreensão por si só, e até desprezando outros factos provados quanto à actividade desenvolvida pelo recorrente no seio da organização, cumpre concordar com o pleno acerto da decisão recorrida, quanto à verificação dos elementos típicos objectivos e subjectivos do tipo de crime de tráfico internacional de estupefacientes pelo qual foi muito justamente condenado.
O facto de o arguido e mulher serem toxicodependentes não justifica por si só a atenuação especial da pena, pois de acordo com a jurisprudência uniforme do STJ:
“Ser o agente toxicodependente não constitui circunstância mitigadora de culpa. Não há nisso nada também que diminua consideravelmente a ilicitude mas, pelo contrário, há uma certa culpa na formação da personalidade, por quanto não se é toxicodependente de um momento para o outro, tendo de obedecer a um "iter", umas vezes mais rápido, outras vezes mais longo, de degradação da personalidade.”
Ou ainda o Ac do STJ de 4 de Julho de 2013:
“O STJ entende que a toxicodependência não isenta nem atenua acentuadamente, por regra, a responsabilidade criminal do agente, o que não invalida que se reconheça que a pressão que a satisfação do vício exerce sobre ele possa enfraquecer os mecanismos de auto-controlo, com o inerente reflexo no grau de culpa.
Mas se pode aceitar-se essa mitigação da culpa, ainda que ligeira, o modo de vida do arguido ─ o de procurar os meios financeiros necessários à aquisição de drogas na prática de crimes ─ constitui factor criminológico que demanda acrescidas exigências de prevenção geral e especial de socialização”».
Ora, como bem se refere no Ac. STJ de 28/11/2018, Proc. 36/16.0PEPDL.L1.S1 (onde, aliás, se elencam vários acórdãos concordantes, deste Supremo Tribunal), “inicialmente, a jurisprudência do STJ começou pelo preenchimento do conceito de avultada compensação económica (art. 24.º, al. c), do DL 15/93) com o recurso à noção de valor consideravelmente elevado constante do art. 202.º do CP, posição logo alterada no Ac. de 4-10-2001, CJACSTJ, IX, T. III, pág. 181, onde se defendeu que a avultada compensação remuneratória não se submetia às regras do art. 202.º, do CP. A jurisprudência deste STJ, de há alguns anos a esta parte, tem-se pronunciado, quase unanimemente, no sentido do conceito de avultada compensação remuneratória dever ser preenchido através da ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, nomeadamente da qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, do volume de vendas, da duração da actividade, do seu nível de organização e de logística, do grau de inserção do agente na rede clandestina, factores que, valorados globalmente, são susceptíveis de fornecerem uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. De acordo com a alínea em causa [al. c)] não é necessário que o agente obtenha efectivamente um elevado lucro; basta que o tenha tentado obter”.
Ou, como se diz no Ac. STJ de 11/12/2014, Proc. 33/06.3JAPTM.E2.S1, “não se faz mister quantificar valores exactos, tomando a relação preço – lucro, ou encargo – rendimento auferido, de resto impossível de calcular neste tipo de negócio ilícito, mas, como se diz no Acórdão de 04/12/2008, proferido no Proc. n.º 3456/08, da 3.ª Secção, de efectuar uma «ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente. Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada” [8].
Ou ainda, como se acentua no Ac. STJ de 07/11/2012, proferido no processo nº 72/07.7JACBR.C1.S1:
“A verificação da agravação não pode ficar dependente, contudo, de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da actividade.
O carácter ‘avultado’ da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente.
Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas a consumidores e intermediários, a duração da actividade, o nível de organização dessa actividade e da sua logística, as quantias de dinheiro encontrado na posse do agente, são factores que, valorados globalmente, à luz das regras da experiência comum, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração efectivamente obtida ou procurada pelo agente com a sua acção.
‘Avultada’ será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no ‘vulgar’ tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assume uma dimensão acrescida, claramente acima da ‘média’, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo”.
Posto isto:
Consta da matéria de facto provada, com relevo nesta matéria, o seguinte:
«223. Os arguidos AA, CC, FF, DD e BB quiseram participar num transporte de elevada quantidade de haxixe (canábis em resina), produto que recolheram no mar, perto da costa marroquina, e que destinavam à entrega a terceiros, em local não apurado, terceiros esses que, por sua vez, se encarregariam de diligenciar pelo escoamento de tal produto no mercado europeu.
224. Os arguidos assim actuaram com vista a obter, em contrapartida, elevados proventos económicos.
225. Tais arguidos conheciam a natureza estupefaciente daquele produto transportado na embarcação.
226. Com a venda do haxixe apreendido (por referência à quantidade de 10.067.168,430 – dez milhões, sessenta e sete mil e cento e sessenta e oito gramas e quarenta e três decigramas), seriam angariados proventos monetários muito elevados, que ultrapassariam seguramente a quantia de € 23.657.844,00 (vinte e três milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil e oitocentos e quarenta e quatro euros).
[Poderá ter-se em conta que, em Portugal, por referência a 2017 ou 2016 (últimos dados disponíveis), o preço médio de cada grama de canabis é de € 2,35 ou de € 2,30 - cfr. quadro na página 21 do Relatório Anual 2017 – Estatística TCD, elaborado pela PJ-UNCTE, in www.pj.pt; ou quadro na página 102 do Relatório Anual 2016, elaborado pelo SICAD, in www.sicad.pt]».
O papel do arguido no seio da organização com que colaborava era de relevo, como acima já tivemos oportunidade de referir: era ele quem capitaneava o barco onde era transportado o haxixe (como já o fizera anteriormente e com a mesma finalidade, ao comando de outras embarcações) e tinha sido ele, também, quem engajara um dos elementos da tripulação do J.... (ponto 159 da matéria de facto).
A ponderação global de todos estes elementos de facto leva à conclusão necessária de que o arguido AA procurava, com a sua participação nesta operação de transporte de droga, obter uma avultada compensação remuneratória.
E daí que acertada se mostre a imputação ao arguido do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, al. c) do DL 15/93, de 22/1.
Q) A medida concreta da pena.
Entende o recorrente – conclusões XCVIII a CIII – que “a pena aplicada ao Recorrente afigura-se manifestamente excessiva e desproporcional aos factos e, essencialmente, à culpa”, que “não foram analisados nem ponderados convenientemente, conforme estipula o artigo 71º do Código Penal, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente”; que “tendo atualmente 54 (cinquenta e quatro) anos de idade, é primário não tendo averbado no seu registo criminal a prática de qualquer crime, confessou, parcialmente, os factos que lhe eram imputados;” e que a sua conduta ocorreu num contexto de comprovada toxicodependência. Pede, assim, a fixação de uma pena situada próximo dos 5 (cinco) anos de prisão.
No que concerne ao crime p.p. pelo artº 28º, nº 2 do DL 15/93, de 22/1, por cuja autoria o arguido foi condenado, nada há a dizer: numa pena abstractamente aplicável de 5 a 15 anos de prisão, o arguido foi condenado no mínimo legalmente admissível, razão pela qual não se pode equacionar a sua redução.
No que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º, al. c) do DL15/93, de 22/1, o arguido foi condenado na pena de 10 anos de prisão.
A pena abstractamente aplicável tem como mínimo 5 anos e como máximo 15 anos de prisão.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artºs 40º, nºs 1 e 2 do Cod. Penal.
No que concerne à determinação da medida da pena, estatui-se no artº 71º do Cod. Penal que a mesma é feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente (nº 2) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências (al. a)), a intensidade do dolo ou da negligência (al. b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c)), as condições pessoais do arguido (al. d)), a sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, quando a mesma deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f)).
Como refere Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, III, 130, “a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento, aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena. (…) Mas para além da função repressiva, medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas – de protecção de bens jurídicos – e de reintegração do agente na sociedade”.
O arguido agiu com dolo directo, daí que intenso.
Apesar de ser haxixe a droga transportada, é muito elevada a quantidade da mesma (mais de 10 Toneladas).
Como já se assinalou, o arguido/recorrente tinha uma posição de relevo no âmbito da operação de transporte de estupefaciente em questão: mantinha contactos directos e frequentes com vários elementos da organização, capitaneava as embarcações, recrutava elementos para a tripulação, tendo já efectuado outras viagens com os mesmos propósitos.
São de todos conhecidas as consequências nefastas do tráfico ilícito de produtos estupefacientes: a droga é responsável directa ou indirecta por grande parte da criminalidade verificada no nosso País e está na origem da destruição de muitas famílias e do sofrimento de inúmeras pessoas.
São significativas as necessidades de prevenção geral, traduzidas na necessidade de manter a confiança da sociedade nos bens jurídico-penais violados; como algum significado atinge, in casu, as exigências de prevenção especial.
De outro lado, o arguido é primário e confessou parcialmente os factos apurados.
Simas Santos e Leal-Henriques, “Noções Elementares de Direito Penal”, 2ª ed., 169, escrevem:
“(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”.
E como explica Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral”, Publicações Universidade Católica, 87, na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral. Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à medida da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais (…). Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores juridíco-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial”.
E, como explica Anabela Miranda Rodrigues, “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, Coimbra Editora, 571, «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida da pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica».
Assim colocados os termos da questão, estamos em crer que a pena concreta encontrada na 1ª instância e confirmada na Relação, situada no meio da moldura penal abstractamente aplicável – 10 anos de prisão – se mostra justa, adequada e proporcional sendo, por isso, de manter.
Em cúmulo jurídico dessa pena com a de 5 anos de prisão aplicada ao arguido pela prática do crime p.p. pelo artº 28º, nº 2 do DL 15/93, de 22/1, o arguido foi condenado na pena única de 11 anos de prisão.
Dispõe-se no artº 77º, nº 1 do Cod. Penal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Como se refere no Ac. STJ de de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção, “I - A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente- exigências de prevenção especial de socialização”.
A pena aplicável – como resulta do nº 2 do mesmo preceito - tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (no caso, 10 anos de prisão) e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (no caso, 15 anos de prisão).
O arguido foi condenado na pena única de 11 anos de prisão, situada no primeiro quinto da pena abstractamente aplicável.
Se por algo peca a pena única encontrada no acórdão recorrido não será, seguramente, por excesso.
Daí que, afigurando-se-nos justa e proporcional a pena única encontrada, não vejamos razão para divergir da decisão recorrida, razão pela qual também aqui improcederá a pretensão do recorrente.
VI. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes deste Tribunal em rejeitar parcialmente o recurso, no que respeita ao recurso de decisão interlocutória (ponto V, al, A)), à invocação dos vícios da sentença a que alude o artº 410º, nº 2 do CPP (ponto V, als. B), C) e D)) e às nulidades imputadas ao acórdão da 1ª instância (ponto V, als. G) e H)), negando-lhe provimento no restante e confirmando, por isso, o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente (artº 513º, nº 1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) UC´s. Pagará o recorrente uma importância correspondente a 4 UC’s – artº 420º, nº 3 do CPP - em razão da rejeição parcial do recurso.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021 (processado e revisto pelo relator – artº 94º, nº 2 do CPP)
Sénio Alves (Juiz relator)
Atesto o voto de conformidade da Exmª Srª Juíza Conselheira Maria da Conceição Simão Gomes – artº 15º do DL 10-A/2020, de 13/3.
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[1] Ainda no mesmo sentido, cfr. Ac. STJ de 11/12/2014, Proc. 33/06.3JAPTM.E2.S1.
[2] No mesmo sentido, cfr. Ac. STJ de 11/2/2012, Proc. 951/07.1GBMTJ-E1.S2: «Desta forma, como se referiu no acórdão do STJ de 24-02-2010, Proc. n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1, “o ciclo da impugnação da matéria de facto fechou-se no recurso interposto para a Relação com a prolação do acórdão respectivo, entidade essa competente para conhecer da matéria de facto em sede de recurso, nos termos do art. 428.° do CPP (...). A decisão recorrida é o acórdão da Relação e não mais a sentença da l.ª instância. Decidido/confirmado pela Relação o substracto fáctico (...), e não sendo mais possível o recurso no segmento da matéria de facto (porque reapreciado já, em segunda e derradeira instância, cumprido, pois, o constitucionalmente previsto duplo grau de jurisdição em matéria de facto), transitou em julgado” (…). No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, porém, o recurso terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito. É, assim, inadmissível a invocação pelo interessado de vícios da decisão previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, sem que isso obste a que o STJ deles conheça oficiosamente, se o traçado quadro fáctico no concreto caso assim o impuser, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios».
[3] A referência ao CPP resulta de mero lapso material, cremos, pretendendo referir-se o DL 15/93, de 22/1.
[4] Nos termos previstos no artº 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e
Substâncias Psicotrópicas, “(…) 3 - A Parte que tenha motivos razoáveis para suspeitar que um navio no uso da liberdade de navegação de acordo com o direito internacional e que arvore o pavilhão ou tenha matrícula de uma outra Parte é utilizado para o tráfico ilícito, pode notificar desse facto o Estado do pavilhão e solicitar a confirmação da matrícula; se esta for confirmada, pode solicitar ao Estado do pavilhão autorização para adoptar as medidas adequadas em relação a esse navio.
4 - De acordo com o n.º 3 ou com os tratados em vigor entre as Partes ou com qualquer outro acordo ou protocolo por elas celebrado, o Estado do pavilhão pode autorizar o Estado requerente a, inter alia:
a) Ter acesso ao navio;
b) Inspeccionar o navio;
c) Se se descobrirem provas de envolvimento no tráfico ilícito, adoptar medidas adequadas em relação ao navio, às pessoas e à carga que se encontrem a bordo”.
E, nos termos do nº 10 do mesmo dispositivo, “As medidas adoptadas nos termos do n.º 4 do presente artigo só são aplicáveis por navios de guerra ou aeronaves militares ou quaisquer outros navios ou aeronaves devidamente assinalados e indentificáveis como navios ou aeronaves ao serviço de um governo e autorizados para esse fim” (subl. nosso).
[5] E assim sendo, nos termos do disposto no artº 49º, al. b) do DL 15/93, de 22/1, “para efeitos do presente diploma, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: (…) b) Quando praticados a bordo de navio contra o qual Portugal tenha sido autorizado a tomar as medidas previstas no artigo 17º da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988”.
[6] O único “argumento novo” – se assim o podemos classificar – traduz-se na afirmação de que “ao contrário do referido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não resulta, em nenhuma da matéria de facto dada como provada, que as Autoridades Portuguesas tenham informado as Autoridades Holandesas da intercepção efetuada e do concreto local onde a mesma foi levada a cabo”.
Mas não é isso que afirma a Relação de Lisboa. O que se diz no acórdão recorrido é que «como bem observado pelo MºPº na resposta ao recurso do recorrente AA, em entendimento que acolhemos, “tendo as autoridades portuguesas dado conhecimento, como é habitual em situações idênticas, às autoridades holandesas do resultado da operação, estas não vieram manifestar qualquer violação do por si antes autorizado”».
E essa afirmação é exacta, conforme se depreende de fls. 2231 a 2236, intitulado “Transmissão de informações relativas a infracções penais – Às competentes autoridades judiciárias do Reino dos Países Baixos).
[7] No mesmo sentido, cfr. Ac. STJ de 8/1/1998, relatado pelo Cons. Costa Pereira, www.dgsi.pt.
[8] No mesmo sentido: “Para o preenchimento do conceito legal "avultada compensação remuneratória", não é absolutamente necessário conhecer o valor mais ou menos exacto do montante pecuniário de tal compensação; como seus elementos concretizadores deverão considerar-se a quantidade e qualidade da droga e a relação entre ela e o agente - tudo em conexão com a notoriedade, com o conhecimento geral, do valor da droga no mercado, especialmente na venda a consumidores - para além, obviamente, da diferença entre o preço da compra e o da venda” – Ac. STJ de 12/7/2000, rel. Virgílio Oliveira, www.dgsi.pt.
Ainda no mesmo sentido, Ac. STJ de 15/10/1997, CJ ASTJ ano V, T. III, 194: “Para que se verifique o crime agravado de tráfico de estupefacientes do artº 24º, al. c) do DL 15/93, de 22/1 tem de resultar dos factos provados que o arguido ‘obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória’, recorrendo a índices reveladores como sejam o período de tempo da actividade, as quantidades vendidas, os preços e os montantes pecuniários envolvidos”.