I - Os Tribunais do Trabalho funcionam, no âmbito da sua competência em matéria de contra-ordenações laborais e de segurança social, como instância de recurso, reapreciam a decisão da autoridade administrativa, quer de facto, quer de direito. Por seu turno, o Tribunal da Relação funciona neste âmbito essencialmente como instância de revista, e, consequentemente, em termos limitados, quer quanto às decisões judiciais que admitem recurso, quer quanto ao âmbito e efeitos do recurso, razão pela qual, em regra, apenas conhece da matéria de direito
II- A contra-ordenação muito grave prevista e punida nos termos do art.º 25° n.° 1, alínea b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08, ou seja a não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente fiscalizador, verifica-se com a não apresentação de qualquer uma destas folhas, já que esta não apresentação no acto da fiscalização é o único facto constitutivo do tipo legal.
III - O motorista que não exerce condução todos os dias deve trazer consigo documento que contenha a causa objectiva que justifique a não apresentação das folhas de registo do tacógrafo, relativamente aos dias em que não conduz, para que possa apresentá-la ao agente fiscalizador, sempre que tal se revele necessário.
Vera Sottomayor
Defende a recorrente que em função da factualidade provada deveria ter sido absolvida da imputada infracção, por não estarem demonstrados os elementos do ilícito imputado, já que o motorista/condutor ao seu serviço justificou a falta do registo em dois dos 28 dias que antecederam a fiscalização, com o facto de ter estado nesses dias a auxiliar na condução e carga um outro trabalhador e noutro veículo da empresa.
Vejamos:
A recorrente foi condenada por o seu motorista não ter apresentado todos os registos relativos aos 28 dias anteriores à fiscalização, já que em relação a esse período não exibiu os registos dos dias 15 e 22 de Maio, infringindo assim o p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08 (regime sancionatório por violação das regras sobre tempos de condução, pausas e períodos de repouso de condutores rodoviários), o qual sob a epígrafe de “Apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização” prescreve o seguinte:
“1 — Constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
(…)
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;”
Prescreve o art.º 13º da citada Lei 27/2010, que:
“1 - A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2- A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3- O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.
4 – (…)”
Por seu turno, importa ainda atentar no prescrito no artigo 36.º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, respeitante à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, no qual se estabelece o seguinte:
“1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.”
Por fim, ainda de acordo com a alínea a) do n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, alterado pelo referido Regulamento (CE) n.º 561/2006:
“a) Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:
i) as folhas de registo da semana em curso e as utilizadas pelo condutor nos 15 dias anteriores; o
ii) cartão de condutor, se o possuir; e
iii) qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento (CE) n.º 561/2006.
No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iii) abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores.”
Da alínea b) do citado preceito resulta o seguinte:
“Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com aparelho de controlo em conformidade com o anexo 1B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:
i) Cartão de condutor de que for titular;
ii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006 e
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea anterior, no caso de ter conduzido um veículo equipado com um aparelho de controlo com anexo I.
No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos na subalínea ii) devem abranger o dia em curso e os 28 dias anteriores.”
E a alínea c) do citado n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho estabelece ainda o seguinte:
“Os agentes autorizados para o efeito podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor, ou na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16”. (sublinhado nosso).
Os normativos acima transcritos impõe ao motorista/condutor a apresentação, no acto de fiscalização dos registos referentes aos 28 dias que antecedem o dia da fiscalização, sejam estes folhas ou dados visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo (tacógrafo), seja pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise se qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, designadamente através da declaração prevista na decisão da Comissão de 14 de Dezembro de 2009, que altera a Decisão 2007/230/CE respeitante a um formulário relativo às disposições em matéria social no domínio das atividades de transporte rodoviário (2009/959/UE).
O legislador não pretendeu, apenas, assegurar a existência dos registos em questão, mas sim e também a sua imediata apresentação ou justificação documentada da sua falta, às autoridades competentes quando tal lhes seja solicitado no controlo em estrada, a fim de permitir àquelas autoridades percepcionar os tempos de trabalho e não trabalho, pausas e períodos de repouso dos trabalhadores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias nos últimos 28 dias e isto, quer o motorista tenha, ou não, exercido a condução nesse período que antecedeu o dia da fiscalização.
É o que sem margem para dúvida decorre da letra da lei, ao referir-se no art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” (sublinhado nosso), da obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos dias precedentes a que se reporta esse art. 15º, nº 7, do facto dos agentes poderem verificar o cumprimento do Regulamento, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição (sublinhado nosso) e do facto de o controlo dever ser feito em estrada (por contraposição ao controlo nas instalações da empresa).
A lei prevê assim o momento da apresentação de tal documentação comprovativa quer da condução, quer da justificação do incumprimento de qualquer disposição (designadamente da impossibilidade de apresentação da totalidade dos 28 discos anteriores ao do dia da fiscalização) – no acto da fiscalização -, razão pela qual tais documentos tem de estar na posse do condutor por forma a poderem ser apresentados às autoridades que procedem à fiscalização na estrada.
Os registos efectuados no tacógrafo são a 1ª fonte de informação em caso de controlo de estrada e a ausência de tais registos apenas se pode justificar quando, por razões objectivas, não tenha sido possível realizar tais registos no tacógrafo, devendo ser emitida a declaração que confirme tais razões.
Em suma, para que o agente encarregado da fiscalização possa analisar e verificar do cumprimento do citado Regulamento tem o condutor necessariamente ter consigo ou os registos dos 28 dias anteriores ao da fiscalização ou documento comprovativo que permita justificar o facto de não possuir um ou mais destes registos.
Acresce dizer que tem sido entendimento dominante da jurisprudência, e uniformemente seguido por este Tribunal da Relação de Guimarães que a contra-ordenação muito grave prevista e punida nos termos do art.º 25° n.°1, alínea b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08, ou seja a não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente fiscalizadora, verifica-se com a não apresentação de qualquer uma destas folhas, já que esta não apresentação é o único facto constitutivo do tipo legal, configurando causa de exclusão da ilicitude a apresentação das declarações ou de qualquer outro documento ou comprovativo justificativo do incumprimento.
Este entendimento de forma unânime tem sido sufragado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente nos seguintes arestos: Proc. n.º 1550/14.7T8VCT, Ac. de 6/10/2016 (não publicado); Proc. n.º 1154/15.7T8BCL.G1, Ac. de 20/10/2016 (relatora Alda Martins), Procs. n.º 2169/17.6T8VNF, n.º 2401/17.6T8VNF e n.º 4016/17.0T8VNF, respectivamente, em 19/10/2017, em 16/11/2017 e em 05/04/2018 (relatora Vera Sottomayor); Proc.º n.º 2160/19.8T8VNF.G1 de 24/10/2019 (relatora Leonor Barroso), todos consultáveis em www.dgsi.pt, passando a transcrever o sumário do que se fez constar a este propósito, neste último acórdão.
“I. Mostra-se verificada a prática da contraordenação p. e p. no art. 15º, 7, b), do Regulamento (CEE) nº 3821/81 de 20/12, na redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 do PE e do Conselho, e 25º, 1, al. b) da Lei 27/2010, de 30/08, caso o condutor não apresente ao agente fiscalizador as folhas de registo (tacógrafo) do dia em curso e dos 28 dias anteriores ou, na sua falta, outros registos ou documentos que justifiquem tal omissão.
II.A contra-ordenação em causa mostra-se consumada no acto de fiscalização, ou seja, no momento da omissão de apresentação dos registos, sendo indiferente ao preenchimento do tipo contra-ordenacional a prova tardia de que o condutor estaria a fazer outros trabalhos que não de condução, sob pena de esvaziamento da acção inspectiva.”
Assim, para que o tipo de ilícito contra-ordenacional se mostre preenchido basta a mera falta de apresentação, no momento da fiscalização, das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores, ou de outros registos que justifiquem a omissão e isto foi constado pelo agente autuante no acto de fiscalização e notificado ao infractor.
Mas vejamos:
Da factualidade provada resulta o seguinte:
- O motorista que prestava serviço por conta da arguida no dia 29/05/2019, no momento da fiscalização ocorrida nesse dia, não se fazia acompanhar da totalidade dos discos de registo respeitantes aos 28 dias anteriores, não tendo exibido registos dos dias 15 e 22 de maio de 2019 nem tendo apresentado qualquer outro documento;
- Nos dias 15 e 22 de maio, o condutor efetuou trabalhos diversos da condução (outros trabalhos) mas não efetuou qualquer registo manual numa folha de registo, através de impresso ou utilizando as possibilidades de introdução manual de dados no aparelho de controlo.
Daqui resulta inequívoco que o motorista nos dias em que não exibiu registos, nem apresentou qualquer documento justificativo da sua falta, foram precisamente os dias em que efectuou outros trabalhos por conta da arguida/recorrente, mas não procedeu ao seu registo em folha de registo, nem introduziu manualmente tais dados no aparelho de controlo, não permitindo assim que o agente fiscalizador se inteirasse de tais factos.
Em face do acima exposto apenas podemos concluir que o motorista aquando da fiscalização não apresentou todos os registos que estava obrigado a exibir ao agente fiscalizador e tal revela-se de suficiente para que se mostre consumada a prática da infracção, impedindo assim que o agente fiscalizador verificasse o cumprimento dos tempos de trabalho e de repouso deste trabalhador.
Por outro lado, a arguida não logrou provar qualquer facto que afastasse a ilicitude da sua conduta, designadamente facultando ao condutor para que ele pudesse exibir um documento comprovativo que permitisse justificar o incumprimento, como seja a declaração de actividade ou de outro documento que o substitua.
Assim, não tendo o motorista consigo a totalidade dos registos correspondentes ao trabalho realizado nos últimos 28 dias, designadamente por o ter efectuado outros trabalhos diversos da condução, que não registou mostra-se verificada a imputada infracção.
Como refere o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão proferido em 1/10/2015, Proc. n.º 77/15.4T8STC.E1, que pode ser consultado em www.dgsi.pt,
“Da interpretação conjugada dos referidos normativos legais, resulta, pois, em síntese, que quando solicitado por agente encarregado de fiscalização, o condutor de veículo de transporte rodoviário pesado de mercadorias deve apresentar o cartão de condutor de que for titular, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo que a não apresentação de tais elementos constitui contra-ordenação muito grave.
Naturalmente que a fiscalização poderá ser efectuada através da análise das folhas ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição.
Note-se que, tratando-se, por exemplo, de um condutor inserido em escalas de serviço, deve ser portador de um extracto da escala de serviço e de uma cópia do horário de serviço, devendo incluir o período mínimo que abranja os 28 dias anteriores (cfr. artigo 16.º do Regulamento 561/2006).”
Resumindo, o motorista que não exerce condução todos os dias deve trazer consigo documento que contenha a causa objectiva que justifique a ausência das folhas de registo do tacógrafo, relativamente aos dias em que não conduz, para que possa apresentá-la ao agente fiscalizador, sempre que tal se revele necessário, pois só por esta via, se pode concluir que foram apresentadas ou não, ao agente fiscalizador todas as folhas referentes a período temporal em questão.
Neste sentido ver entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2011, Proc. 68/11.4TTVCT.P1, relatora Paula Leal de Carvalho; Acórdão da Relação Évora de 20/04/2017, Proc.º n.º 957/16.0T8STR.E1 relator Moisés Silva e de 8/11/2017, Proc.1523/15.2T8BJA.E1, relatora Paula Paço; Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/03/2016, Proc. 196/15.7T8BRR.L1.4, relator José Eduardo Sapateiro, de 19/04/2017, Proc. 14013/16.7T8LSB.L1, relatora Maria José Costa Pinto, de 11/09/2019, Proc. n.º 337/19.5T8LSB.L1-4 relatora Francisca Mendes.
Por fim, acresce dizer que arguida só não seria responsável pela prática da infracção se tivesse provado que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse ter exibido os discos do tacógrafo utilizados nos 28 dias anteriores ou a declaração com a causa justificativa objetiva da falta dos referidos registos.
A arguida não provou que cumpriu este seu dever, pelo que é responsável pela prática da contra ordenação e pelo pagamento da coima em que foi condenada.
Improcede o recurso sendo de confirmar a decisão recorrida.
Decisão
Por todo o exposto e nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da arguida/recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão.