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IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Sumário
I- É entendimento reiterado na jurisprudência que a exigência legal a que respeita a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC impõe ao recorrente a indicação dos concretos meios probatórios que evidenciam o erro de julgamento e assim impõem uma decisão diversa para cada um dos factos impugnados. II- A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes a reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação. Não se bastando como tal com uma enunciação em bloco ou por temas dos meios probatórios sem descriminação dos mesmos por referência a cada um dos factos impugnados. III- Tal como ao tribunal é imposta uma análise crítica da prova produzida como forma de tornar as suas decisões claras e sindicáveis nomeadamente em segunda instância, também aos recorrentes que imputam erro de julgamento na decisão de facto é exigido um juízo crítico sobre essa mesma prova, especificando os meios probatórios que impunham decisão diversa.
Texto Integral
Processo nº. 16/19.3T8PRD.P1 3ª Secção Cível Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Jz. Local Cível de Paredes Apelantes / B… e outra Apelada//”C…, S.A.”
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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I- Relatório B… e “D…, Lda.”, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra "C…, S.A.”, peticionando pela procedência da ação que seja determinada: a) a inexistência de qualquer direito da R. em reclamar dos AA. o pagamento da fatura n.º ……….., de 01 de Agosto de 2018, no valor de € 11.462,32 (onze mil quatrocentos e sessenta e dois euro e trinta e dois cêntimos); b) a inexistência de qualquer direito da R. de suspender ou interromper o fornecimento de energia elétrica.”
Para tanto e em suma invocaram:
- não ter procedido a qualquer intervenção na instalação elétrica identificada em 1º e 2º da p.i. e assim não ter efetuado qualquer utilização irregular de energia elétrica nas instalações da 2ª A., ao contrário do que a R. imputou ao A. (titular do contrato de fornecimento de energia);
- imputação subsequente a vistoria que a R. alega ter efetuado ao contador entretanto substituído, impedindo os AA. de verificar e reclamar junto da entidade supervisora de tais factos.
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Devidamente citada a R., contestou e deduziu reconvenção peticionando a condenação dos AA. ao pagamento dos consumos não registados em consequência da manipulação do contador e de que beneficiaram, a final tendo concluído: “a) Deve a ação ser julgada não provada e improcedente e, em consequência, deve a Ré ser absolvida do pedido; b) Deve a Reconvenção ser julgada provada e procedente e, em consequência, devem os Autores ser condenados a pagar à Ré, solidariamente, a quantia de € 11.462,32 (onze mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e trinta e dois cêntimos).”
Replicaram os AA., em suma concluindo pela improcedência da reconvenção e no mais como na p.i..
Agendada audiência prévia, foi posteriormente proferido despacho saneador e admitida a reconvenção deduzida.
O objeto do litígio foi identificado e elencados os temas da prova.
Agendada e realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se a final: “julga-se a ação improcedente por não provada e, por consequência, absolvo a Ré “C…, S.A.” da totalidade do pedido. Julgo o pedido reconvencional procedente, por provado, condenando, por consequência, solidariamente os autores B… e “D…, LDª.” a pagarem à Ré “C…, S.A.” o valor peticionado de € 11.462,32 (onze mil, quatrocentos e sessenta e dois euros e trinta e dois).”
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Do assim decidido, interpuseram os AA. recurso de apelação oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES ……………………………… ……………………………… ………………………………
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Apresentou a R./ reconvinte contra-alegações tendo em suma pugnado pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo tanto em sede de facto como de direito.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTUALIDADE PROVADA. (O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade) “Estava já assente que: 1). O Autor B… contratou com a Ré o serviço de fornecimento de energia elétrica, por meio do contrato referenciado com o número ………, é utilizador do local de consumo com o número nº ……., correspondente à instalação sita na …, nº .., em Paredes, com o código de ponto de entrega PT ………………. 2). No local objeto de fornecimento de energia elétrica está sediada a instalação fabril da “A. D…, Ldª.”, que se dedica ao comércio de tecidos, estofos, artigos de confeção e decoração por grosso e a retalho. 3). A Ré exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão, distinta e independente da atividade de comercialização de energia elétrica, que é prosseguida pelos comercializadores legalmente constituídos e que operam quer no mercado livre, quer no mercado regulado. 4). A Ré é ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho de Paredes e nessa qualidade de Operador de Rede a Ré abastece de energia elétrica a instalação de consumo do Autor B… que corresponde ao local de consumo número …….. 5). O fornecimento de energia elétrica é feito em regime de baixa tensão normal, sendo que à data dos factos a potência contratada era de 17,25 KVA. 6). A atividade de distribuição de energia elétrica continuou a ser assegurada pelo “distribuidor”, que na designação mais moderna é chamado de “operador da rede”. 7). A Ré não celebra contratos de fornecimento de energia elétrica nem emite faturas, resultando claramente das faturas juntas pelos Autores que as mesmas foram emitidas pelo comercializador em mercado regulado “C1…”. 8). O contador (equipamento considerado de utilidade pública) é propriedade da Ré, todavia, o Autor B… é seu fiel depositário e sobre este recaía o dever de administrar o bem com diligência e zelo. 9). Com efeito, em 26.06.2000, para este local de consumo, o Autor celebrou um contrato de fornecimento de energia elétrica com um dos comercializadores que operam no mercado, in casu, com a sociedade “C1…, S.A.”, o qual permanece atualmente em vigor. 10). A Ré − na qualidade de Operador de Rede − que tem a competência para verificar a existência do procedimento fraudulento e para apurar o período temporal, a potência e a energia que lhe possam estar associados. Com relevo dos documentos e da produção de discussão da causa resultaram os seguintes factos: 11). A Ré enviou uma equipa técnica à instalação do Autor B…, com vista a substituir o equipamento existente no local de consumo por um equipamento de última geração, denominado E…. 12). Este equipamento encontra-se no exterior, mas sem acesso pela via pública, tendo sido facultado o acesso ao equipamento por quem na altura se encontrava no interior da instalação dos Autores. 13). Para tanto, a Ré gerou a respetiva ordem de serviço, com o número ………… (documento 02) (número …………), no âmbito de uma campanha de modernização de contadores, cujo objetivo era substituir o equipamento existente no local de consumo por um equipamento de última geração, denominado E…, tendo enviado uma equipa ao local em 25-09-2017. 14). Uma vez no local, em 25.09.2017, os técnicos da Ré anunciaram a sua presença e iniciaram a intervenção, na presença do utilizador da instalação que acompanhou a realização dos trabalhos. 15). Nesta circunstância, os técnicos verificaram no local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia elétrica que o contador havia sido manipulado: a fase 1 apresentava um shunt entre o condutor de entrada e saída na placa de bornes, o que tinha como consequência a ausência de registo de consumos nesta fase e a fase 3 apresentava inversão das ligações entre os condutores de entrada e saída na placa de bornes, o que tinha como consequência uma redução de cerca de 1/3 do total de consumos registados nesta fase. 16). Em ato contínuo tais factos foram registados no auto de vistoria e as suas evidências registadas em fotografia. 17). O auto de vistoria, junto com a notificação, datado de 25 de Setembro de 2017, não se encontra assinado pelos Autores ou por qualquer terceiro. 18). Os técnicos que compunham a equipa técnica da Ré executaram a ordem de serviço em causa nos presentes autos, preencheram o auto de vistoria onde fizeram constar que verificaram a desselagem da tampa de bornes, ou seja, a falta de selo. 19). Consta do auto de vistoria o número identificativo do contador, incluindo no registo fotográfico capturado aquando da execução dos trabalhos, a identificação dos técnicos que integravam a equipa, assim como a zona intervencionada. 20). A anomalia não foi corrigida. 21). O utilizador da instalação não permitiu corrigir as ligações, nem efetuar a substituição do equipamento e, em consequência, os técnicos da Ré abandonaram o local, sem que tivessem logrado aceder ao DCP – Dispositivo de Controlo de Potência e verificar se o equipamento estava regulado à potência contratada e, em consequência, os técnicos da Ré abandonaram o local, deixando cópia do auto de vistoria. 22). Posteriormente, foram feitas várias tentativas para instalação da E…, designadamente a 13.11.2017 e 28.11.2017, tendo em ambas as situações havido recusa por parte do utilizador da instalação 23). Só em 28.03.2018, os técnicos da Ré lograram substituir o equipamento de contagem, ou seja, o contador, instalando a E…, após várias solicitações da própria Réu, a que o Autor B… acedeu (tudo conforme detalhe da ordem de serviço número …………, junta como documento 02). 24). No pretérito dia 17.04.2018, o Autor B… rececionou a comunicação junta como Doc. 3, por meio do qual a Ré pede o pagamento do montante de € 11.462,32 (onze mil quatrocentos e sessenta e dois euros e trinta e dois cêntimos), por utilização irregular de energia elétrica. 25). O Autor B…, através da sua Ilustre mandatária, pediu informação quanto à data limite de pagamento do valor apresentado pela Ré, tendo sido remetida resposta e enviada fatura para o efeito. 26). Tratando-se o locado de uma confeção, com vários trabalhadores, em permanente laboração, a Ré reconhece que uma intervenção na instalação elétrica haveria de importar o corte na energia, por razões de seguranças dos técnicos e de salvaguarda dos equipamentos. 27). Os trabalhos que foram executados no dia 25.09.2017 não implicaram a interrupção do fornecimento de energia elétrica. 28). A Ré nunca teve intenção de proceder ao corte de energia elétrica. 29). Da verificação do histórico de leituras da instalação (documento 05), constata-se um decréscimo dos consumos a partir de outubro de 2012 (conforme a análise que se junta como documento 06). 30). Após a vistoria de 27.09.2017, os consumos aumentaram, conforme melhor resulta da análise que se junta como documento 06. 31). O contador foi substituído em 27 de Março de 2018. 32). No cálculo da indemnização a Ré considerou um período de 3 anos (ou 36 meses), obtido por referência à data da vistoria e compreendido entre 27.09.2014 e 25.09.2017. 33). A Ré considerou os consumos reais registados no período posterior à substituição do contador, durante o qual o equipamento estava devidamente instalado e a efetuar a medição correta e integral dos consumos, obtendo um total de 68.948 kWh. 34). No desenvolvimento da sua atividade, os Autores consumiram energia elétrica que não foi registada pelo equipamento de medida por força de manipulação que o mesmo promoveu e aproveitou. 35). A “A. D…, Ldª.” sempre pagou, integralmente, as faturas que lhe foram apresentadas e correspondentes ao fornecimento de energia elétrica.”
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E julgou não provada a seguinte factualidade: “Factos Não Provados: Da petição inicial: 6 (conclusivo), 7, 8, 9; 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 21, 25, 26, 27, 31, 34 a 49, 53, 54, 55.
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Da réplica: 15, 20 e os demais 21 e seguintes resposta prejudicada.
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Da contestação: 5 e 86.” III- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta serem questões a apreciar: A) Erro e omissão na decisão de facto.
Em causa
. os pontos 13, 14, 15, 16, 19, 21 e 27 dos factos provados que os recorrentes pugnam sejam julgados como não provados – vide conclusão VI;
. os pontos 29 e 34 dos factos provados que os recorrentes igualmente pugnam sejam julgados como não provados – vide conclusão XIV;
. o alegado em 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 18, 25, 26, 31, 36, 37, 38, 43, 44, 46, 47, 48, 53, e 54 da P.I. e 15, 20, 21 e 22 da réplica julgado não provado[1] e que os recorrentes pugnam deverá ser julgado provado – vide conclusão XVII;
- ainda aditado à decisão de facto
. o constante da conclusão XVIII “que as equipas técnicas contratadas pela Recorrida devem, antes de poder “atuar no terreno” e proceder a intervenções, ter formação específica, fazer exame e serem aprovadas para trabalhar”;
. o constante da conclusão XIX “que aquando da substituição do contador no local dos autos, a “anomalia” já se encontrava corrigida, conforme com os trâmites e material usado e fornecido da Recorrida, do que não há qualquer registo;
. o constante da conclusão XX “que o período de maior volume de trabalho e laboração da Recorrente D…, Lda. se situa no segundo semestre do ano civil, a partir de Setembro até Janeiro, momento em que os clubes de futebol encomendam os equipamentos para a época correspondente”. - Como questão prévia apreciação da observância dos ónus de impugnação que sobre os recorrentes recaem, em especial o previsto no artigo 640º nº 1 al. b) do CPC. B) erro na aplicação do direito.
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Conhecendo. A) Cumpre em primeiro lugar apreciar o erro de julgamento imputado à decisão de facto. E nesta sede se os recorrentes observaram os ónus de impugnação que sobre si recaem.
Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos: i-Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC): “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida[2]; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ónus do mesmo apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que destas conclusões é exigível no mínimo que das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas [fazendo uma resenha alargada desta temática vide Ac. TRG de 07/04/2016, nº de processo 4247/10.3TJVNF.G1; in www.dgsi.pt/jtrg; ainda Acs. STJ de 01/10/2015, nº de processo 824/11.3TTLRS.L1.S1; de 29/10/2015 nº de processo 233/09.4TBVNC.G1.S1; de 06/12/2016 nº de processo 437/11.0TBBGC.G1.S1; e de 27/09/2018 nº de processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”, todos in www.dgsi.pt ].
Tratamento diverso merece o vício imputado à decisão de facto com base em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida, que quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar quando dos autos não constem todos os elementos necessários, a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto nos termos do artigo 662º nº 2 al. c) do CPC.
Estes últimos vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no artigo 640º nº 1 do CPC “os quais só condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados”.
Requisitos impugnativos de admissibilidade da impugnação da decisão de facto com base em erro de julgamento que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso”.[3] ii- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.
Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai portanto o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.
Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.os 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in ob. cit., em anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo 607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).
Por fim de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide artigo 607º nº 4 do CPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram.
Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos artigos 414º do CPC e 346º do C.C.. iii- Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. do TRG de 12/07/2016, nº de processo 59/12.8TBPCR.G1; e de 11/07/2017 nº de processo 5527/16.0T8GMR.G1 ambos in www.dgsi.pt/jtrg]. iv- Pelos mesmos motivos, temos igualmente de concluir que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [vide, entre outros, Ac. TRC de 14/01/14, nº de processo 154/12.3TBMGR.C1; Ac. TRP de 16/10/2017, nº de processo 379/16.2T8PVZ.P1; Ac. TRG de 08/11/2018 nº de processo 212/16.5T8PTL.G1; Ac. TRP de 10/02/2020, nº de processo 22441/16.1T8PRT-A.P1, todos in www.dgsi.pt].
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Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, é possível extrair das conclusões de recurso quais os pontos da decisão de facto sobre os quais recai a crítica dos recorrentes, imputando erro de julgamento. Ou ainda omissão de factos considerados relevantes.
Igualmente se extrai das conclusões de recurso qual a redação que pugnam seja sobre os mesmos introduzida.
A observância do requisito impugnatório previsto na al. b) do nº 1 do artigo 640º (antes já mencionado), demanda uma análise mais pormenorizada.
Nos termos desta alínea, recai ainda sobre os recorrentes o ónus de especificar “b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”
Analisado o corpo alegatório evidencia o mesmo e em primeiro lugar o recurso por parte dos recorrentes à técnica de impugnação da factualidade julgada provada ou não provada em bloco ou por temas.
Assim seccionaram a sua impugnação dos factos provados em dois blocos, um primeiro integrando os factos provados 13 a 16, 19, 21 e 27 e um segundo relativo aos factos provados 29 e 34. Seguido de um terceiro bloco para os factos não provados e finalmente e em quarto lugar pugnaram pelo aditamento aos factos provados de nova factualidade.
E numa primeira abordagem por referência a toda a factualidade provada e não provada e impugnada ou “omitida”, alegaram de forma genérica sem qualquer concretização ponto a ponto e assim se especificar por referência a cada um quais os meios de prova que impõem decisão diversa, o seguinte “Quanto à matéria de facto, que ora se impugna, discordam os Recorrentes da factualidade vertida na fundamentação dada como provada e não provada. No entender dos Recorrentes, face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, depoimentos e toda a documentação carreada nos autos, foram considerados como provados factos que não o deveriam ter sido, não foram considerados provados outros que se assim se impunham e, ainda, deveriam figurar nos provados factos que aí não constam. A razão da discordância do Recorrente baseia-se, fundamentalmente, na apreciação que a Meritíssimo Juiz a quo fez do conjunto da prova produzida e examinada em sede de audiência de discussão e julgamento, que não foi devidamente atendida, especialmente: • Declarações de parte do Recorrente B…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h47m33s, das 09h45m24s às 10h22m11s, de 13 de Janeiro de 2020, • Depoimentos de: o F…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h23m15s, das 14h32m49s às 14h56m04s, de 27 de Novembro de 2019, o G…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h21m43s, das 14h57m04s às 15h18m48s, de 27 de Novembro de 2019, o H…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h23m03s, das 15h19m47s às 15h42m51s, de 27 de Novembro de 2019, o I…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h50m11s, das 15h44m01s às 16h34m13s, de 27 de Novembro de 2019, o J…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h31m39s, das 14h20m51s às 14h52m31s, de 17 de Dezembro de 2019, o K…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h26m28s, das 14h53m19s às 15h19m48s, de 17 de Dezembro de 2019 e o L…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 01h03m34s, das 15h20m49s às 16h24m24s, de 17 de Dezembro de 2019 e • Documentação, entre outros: o Fatura referente ao local de consumo da empresa Recorrente reportada ao período de faturação compreendido entre 26 de Janeiro a 23 de Fevereiro de 2018, o Carta remetida pela Recorrida ao Recorrente B…, datada de 4 de Abril de 2018, com a observação manuscrita de recebida em 13 de Abril de 2018, o Fatura do consumo de energia fornecida entre 24 de Março e 24 de Abril de 2018, o Auto de vistoria ao local de instalação, com fotografias anexas e o Quadro contendo as leituras efetuadas entre 27 de Março de 2018 e 12 de Abril de 2018, onde se constatam as variações nos consumos – acréscimos de decréscimos Declarações, depoimentos e documentos que, conjugados e coordenados, seriam suficientes para se poder concluir de maneira diversa quanto aos factos considerados provados e, consequentemente, Concluir-se pela inexistência do direito da Recorrida em reclamar dos Recorrentes o pagamento de quaisquer valores e, Absolver-se, na totalidade, os Recorrentes do pedido reconvencional formulado pela Recorrida.”
Após uma primeira e genérica crítica da decisão proferida atenta a prova que alegam foi produzida, nos termos supra reproduzidos, prosseguem os recorrentes a crítica à decisão recorrida, desta feita alegando que “Existem factos dados como provados para os quais não existiu qualquer produção da prova, impondo-se que, para a demostração de tal inexistência probatória, seja ouvida toda a produção de prova testemunhal, com especial relevo (…)”
Reproduzindo em seguida e de novo exatamente os mesmos elementos probatórios e nos mesmos termos que acima já deixámos reproduzidos.
Concluindo perante o alegado que deverão ser dados como não provados os pontos 13 a 16, 19, 21, 27, 29 e 34 dos factos provados.
Para o efeito pugnando pela reapreciação de “toda a prova gravada e documentação constante dos autos.”[4]
Deste segmento é de realçar que para além da repetida referência genérica e em bloco à prova produzida, os recorrentes afirmam inicialmente que nenhuma prova foi sobre os factos a que se referem produzida qualquer prova, mas resulta do que invocam que esta inexistência de prova é afirmada no sentido de que a prova produzida não permite concluir no sentido seguido pelo tribunal a quo e não que ocorreu total ausência de prova/instrução sobre estes mesmos factos o que seria coisa diversa.
Assente que a afirmação respeita a um diverso entendimento sobre a apreciação da prova produzida, importa prosseguir na apreciação da observância do ónus de impugnação em apreciação.
No subsequente segmento alegatório seccionam os recorrentes a impugnação da factualidade provada em dois blocos:
- um primeiro quanto aos factos provados 13 a 16, 19, 21 e 27 e
- segundo quando aos factos provados 29 e 34.
No primeiro segmento - factos provados 13 a 16, 19, 21 e 27 - alegam [por referência a todos os factos deste que justificam tratar em conjunto por a “fundamentação para serem considerados como não provados” ser comum]: “Não poderá considerar-se que a Recorrida, mediante ordem de serviço, enviou equipa ao local dos autos em 25 de Setembro de 2017. Essa data específica não consta em qualquer ordem ou documentação emitida pela Recorrida, e recebida pela equipa técnica, e constante dos autos, Para além do que, a documentação da Recorrida constante dos autos é interna desta e, portanto, elaborada por si e sem qualquer intervenção dos Recorrentes, Não podendo, por si só, suportar tal facto. O documento que refere tal data é o auto de vistoria que não se concede ter ocorrido, como se verá infra. As fotos que o acompanham, não estão datadas nem assinadas, não se conseguindo asseverar, por isso, a data em que terão sido captadas. A hora constante no auto de vistoria corresponde a hora de pausa dos trabalhadores dos Recorrentes e, conforme resulta da prova produzida em audiência, ninguém se apercebeu da entrada ou presença de técnicos e, muito menos, de qualquer intervenção em contador do local, Não se anunciaram, Nem, tão pouco, procederam a qualquer intervenção na presença do utilizador da instalação, Não podendo, por isso, ter constatado ter havido manipulação no contador dos autos. Neste sentido, os depoimentos de • F…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h23m15s, das 14h32m49s às 14h56m04s, de 27 de Novembro de 2019, entre o mais, 05m30s a 07m46s, 08m09s a 10m50s e 11m42s a 12m17s, • G…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h21m43s, das 14h57m04s às 15h18m48s, de 27 de Novembro de 2019, entre o mais, 03m22s a 04m56s, 05m03s a 06m23s, 06m25s a 08m15s e 11m17s a 11m24s e • H…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h23m03s, das 15h19m47s às 15h42m51s, de 27 de Novembro de 2019, entre o mais, 11m24s a 13m30s e 22m29s a 22m33s, Depoimentos que, na fundamentação de facto, foram considerados credíveis, espontâneos e coerentes, E que vão no sentido das declarações do Recorrente B…, gravadas em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h47m33s, das 09h45m24s às 10h22m11s, de 13 de Janeiro de 2020, entre o mais, 05m12s a 08m11s, 09m20s a 10m57s, 14m06s a 15m33s, 18m00s a 21m03s e 26m13s a 26m59s. ACRESCE QUE, O auto de vistoria, que não se concede, não constitui prova bastante e fundamentada da manipulação do contador que servia o local dos autos, Especialmente e desde logo, por, conforme decorre da prova produzida, contemplar inúmeros “lapsos”, aos quais não foi dada a devida importância e que, agora, não deixarão de ser valorados. De facto, nas palavras das testemunhas da Recorrida, constituem lapsos nesse auto de vistoria: • A inscrição de “sim” em “cliente ausente”; • A inscrição de “sim” em “anomalia corrigida”; • A não inscrição de nome ou seu representante que acompanhou os trabalhos; • O auto não se encontra assinado e não existe qualquer menção no quadro “cliente não assinou” como causa justificativa (recusa, menor, outro), Atendendo aos depoimentos de • I…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h50m11s, das 15h44m01s às 16h34m13s, de 27 de Novembro de 2019, entre o mais, 44m53s a 47m44s e 47m46s a 50m04s, • J…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h31m39s, das 14h20m51s às 14h52m31s, de 17 de Dezembro de 2019, entre o mais, 09m00s a 14m39s e 24m55s a 28m00s, • K…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h26m28s, das 14h53m19s às 15h19m48s, de 17 de Dezembro de 2019, entre o mais, 03m36s a 03m48s, 07m42s a 10m26s e 15m48s a 17m00s e • L…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 01h03m34s, das 15h20m49s às 16h24m24s, de 17 de Dezembro de 2019, entre o mais, 46m24s a 48m15s Para além de ainda constar em “prova documental” que as fotografias são datadas, o que não corresponde, também, à verdade, Lapsos que não se podem aceitar na prestação de um serviço de fornecimento de energia elétrica que se deve pautar e cumprir regras estritas, no sentido de acautelar e assegurar a proteção do consumidor com quem contrata. Daí que as equipas que procedem a essas intervenções, em regime de outsorcing, tenham formação ministrada pela Recorrida e outras e só após a mesma, é que poderão realizar as mesmas, Consoante o referido por essas testemunhas da Recorrida, • I…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h50m11s, das 15h44m01s às 16h34m13s, de 27 de Novembro de 2019, entre o mais, 37m05s a 41m51s • J…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h31m39s, das 14h20m51s às 14h52m31s, de 17 de Dezembro de 2019, entre o mais, 24m55s a 28m00s e • K…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h26m28s, das 14h53m19s às 15h19m48s, de 17 de Dezembro de 2019, entre o mais, 03m36s a 03m48s e 15m48s a 17m00s. ACRESCE AINDA QUE, A considerar-se, por mera hipótese académica, ter existido essa vistoria, que não se concede, seria deixada uma cópia do auto correspondente, o que não sucedeu. Cabia à Recorrida o ónus dessa prova, Pois tratando-se de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocados pelos Recorrentes, sempre teria a Recorrida que o provar – art. 342º Código Civil (C.C.), o que não ocorreu, Pelo que não se poderá entender terem os Recorrentes recebido cópia do auto de vistoria, Auto de vistoria de que o Recorrente B… somente teve conhecimento aquando da receção da comunicação que constitui o documento n.º 3 – ponto 24 dos factos provados. ASSIM, Deverão os pontos 13, 14, 15, 16, 19, 21 e 27, atendendo ao expandido supra, passar a figurar dos factos dados como não provados.”.
A transcrição de todo este corpo alegatório visou afastar quaisquer dúvidas sobre o modo genérico e não individualizado como os recorrentes formularam a sua análise da decisão do tribunal recorrido.
Sobre os depoimentos testemunhais e declarações de parte que identificaram de forma genérica não formulando qualquer concreto juízo crítico por referência a cada um dos factos questionados.
O mesmo caminho seguiram quanto ao segundo segmento, no que respeita aos factos provados 29 e 34.
Neste campo alegaram: “Analisando os consumos, não se poderá concluir que os Recorrentes terão consumido energia elétrica que não foi registada pelo equipamento de medida por força de manipulação que promoveram e aproveitaram pois, Resulta da prova produzida em sede de audiência que a Recorrida “D…, Lda.” passou por períodos de dificuldades económicas e financeiras, Durante os quais o número de trabalhadores era reduzido e se fazia a gestão das máquinas a trabalhar, havendo alturas em que estas se ligavam uma ou duas vezes por semana, Atento o depoimento de • F…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h23m15s, das 14h32m49s às 14h56m04s, de 27 de Novembro de 2019, entre o mais, 19m05s a 20m10s e 20m19s a 22m25s e • H…, gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 00h23m03s, das 15h19m47s às 15h42m51s, de 27 de Novembro de 2019, entre o mais, 05m29s a 11m20s e 16m07s a 20m44 O que, necessariamente, conduziria a baixos consumos de energia elétrica, Pelo que não poderá ser esse o argumento a suportar a manipulação do equipamento dos autos e consequente aproveitamento por parte das Recorrentes. Aliás, a testemunha da Recorrida L…, cujo depoimento se encontra gravado em CD no Programa “Habilus Media Studio”, com a duração de 01h03m34s, das 15h20m49s às 16h24m24s, de 17 de Dezembro de 2019, equaciona e admite isso mesmo, que é possível relacionar o consumo com o maior número de encomendas pois, numa empresa, há períodos de dificuldade e em 2012, 2013 e 2014, podem haver consumos mais baixos (28m38s a 30m49s).”
Também aqui expressam os recorrentes o seu desacordo quanto ao juízo formulado de forma genérica e não individualizada.
Sem relacionar de forma especificada os depoimentos que tão pouco concretizam com os factos que impugnam.
Embora tenham alegado ser possível que a variação de consumo ocorra em função do maior número de encomendas que uma empresa possa produzir, facto é que não invocaram os concretos meios probatórios que infirmam o juízo formulado pelo tribunal a quo quando em causa está o decréscimo de consumos evidenciados na análise dos docs. 5 e 6 – facto provado 29; e o consumo de energia elétrica não registada por força da manipulação do equipamento, esta apurada nos termos referidos em 15 dos fp.
Note-se que um – em abstrato - alegado período de dificuldades económicas e financeiras com redução de laboração, sem especificação de datas e volume dessa mesma redução [tão pouco alegados nos seus articulados] não é crítica válida ao julgamento formulado pelo tribunal a quo.
Aos recorrentes impor-se-ia alegar os meios probatórios concretos que evidenciam o erro de julgamento do tribunal a quo para cada um dos factos impugnados.
O que pelo acima exposto não fizeram.
A técnica de impugnação da factualidade julgada provada ou não provada em bloco ou por temas é ainda mais notória no que aos factos não provados respeita.
Aqui os recorrentes limitaram-se a alegar “Atendendo à argumentação apresentada para os factos constantes dos pontos 13, 14, 15, 16, 19, 21, 27, 29 e 34 dos provados passarem a não provados, que se reitera, Necessariamente, os constantes da fundamentação de facto como não provados, descritos por remissão às peças processuais das partes, por se identificarem e sustentarem essa argumentação, deverão ser considerados como provados,”
Após o que elencaram os factos alegados em 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 18, 25, 26, 31, 36, 37, 38, 43, 44, 46, 47, 48, 53, e 54 da P.I. e 15, 20, 21 e 22 da réplica julgados não provados.
É claramente ausente de fundamentação a impugnação assim deduzida.
Tanto mais quando os factos em questão não são exatamente e apenas a versão contrária dos factos provados convocados pelos recorrentes.
E quando em concreto os recorrentes não apontam para cada facto os meios probatórios que impõem decisão diversa.
Como tão pouco o haviam já feito para os factos provados que mencionaram, nos termos acima analisados.
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É entendimento reiterado na jurisprudência que a exigência legal a que respeita a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC impõe ao recorrente a indicação dos concretos meios probatórios que evidenciam o erro de julgamento e assim impõem uma decisão diversa para cada um dos factos impugnados.
A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes a reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.
Não se bastando como tal com uma enunciação em bloco ou por temas dos meios probatórios sem descriminação dos mesmos por referência a cada um dos factos impugnados.
Assim foi decidido nos seguintes Acórdãos do nosso tribunal superior[5]: «- como se refere no ac. do STJ de 19.02.2015[6]: “(…) II- A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação. III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado. IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013). V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objeto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respetivo conhecimento.”.
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- no acórdão do STJ de 20-12-2017 (relator: Ribeiro Cardoso), conclui-se que: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.
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- no ac. do STJ 1.3.2018 (relator: Júlio Gomes): “Não pode ser suficiente para o cumprimento do disposto no art. 640.º, n.º 1 do CPC a transcrição de múltiplos depoimentos de testemunhas e a genérica afirmação de que foi feita pela sentença recorrida “uma errónea aplicação da matéria de facto e de direito”, já que de afirmações tão genéricas não resulta com qualquer grau de segurança quais os concretos pontos da matéria de facto que são impugnados, nem muito menos quais os meios de prova que em relação a cada um deles deveriam levar a decisão diversa”.
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- no ac. do STJ 11.4.2018 (relator: Chambel Mourisco): “I. A exigência, imposta pelo artigo 640.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto que pretendia impugnar, limitando-se a transcrever as declarações, a mencionar documentos, tomando como referência determinados tópicos que elencou”.
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- no acórdão do STJ de 05.09.2018 (relator: Gonçalves Rocha), conclui-se que: “I. A alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.»
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- no Ac. do STJ de 27.9.2018 (relator: Sousa Lameira) conclui-se que: “I - Como decorre do art. 640.º do CPC o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso. II - Também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados. III - Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respetivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto”.
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- no ac. do STJ de 20.2.2019 (relator: Chambel Mourisco) refere-se que: “I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos”.´
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- ac. do STJ de 3.11.2020 (relatora Maria João Tomé): “I - De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, a rejeição da impugnação da matéria de facto pela Relação, com fundamento em incumprimento do ónus do art. 640.º do CPC, pode, se tal rejeição for injustificada, configurar uma violação da lei processual que, por ser imputada ao Tribunal da Relação, descaracteriza a dupla conforme entre as decisões das instâncias enquanto obstáculo à admissibilidade da revista. II - Para efeitos do disposto nos arts. 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, de acordo com a abundante jurisprudência do STJ, importa distinguir, de um lado, entre as exigências da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art. 640.º, n.º 1, al. b)) e da indicação da decisão a proferir (art. 640.º, n.º 1, al. c)) - que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto - e, de outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art. 640.º, n.º 2, al. a)) - que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação. Enquanto a inobservância das primeiras (art. 640.º, n.º 1, als. a), b) e c)) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, o incumprimento ou o cumprimento deficiente da segunda (art. 640.º, n.º 2, al. a)) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte. III - Na apreciação da (in)observância dos ónus previstos no art. 640.º do CPC, há que levar em devida linha de conta que a impugnação da matéria de facto não se destina a reiterar um julgamento na sua totalidade, mas antes a corrigir determinados aspetos que o recorrente entenda não terem merecido um tratamento adequado por parte do tribunal a quo. IV - O que cabe impugnar é a decisão da matéria de facto e não meros quesitos formulados aquando da elaboração da base instrutória (na altura existente), dado que estes não se consubstanciam em qualquer decisão, de um lado e, de outro, uma impugnação genérica, por rubricas/temas, equivale a que nenhum concreto/especificado ponto de facto acabe por ser impugnado nas conclusões do recurso de apelação. V - Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que o recorrente tenha de propor ou indicar o sentido correto da resposta, que na sua perspetiva, se impõe seja dada a tais pontos de facto impugnados - especificando quais dos factos impugnados considera não provados na totalidade ou provados parcialmente, restritiva ou explicativamente, explicitando-o claramente. VI - Perante uma convicção do julgador de facto baseada em múltiplos elementos probatórios documentais, os recorrentes não podem fundar a sua impugnação numa afirmação genérica, não concretizada e desrespeitadora do ónus de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. VII - No caso sub judice, afigura-se totalmente irrelevante considerar que os recorrentes observaram o ónus secundário previsto no art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC, quando o incumprimento dos ónus primários estabelecidos no n.º 1 do mesmo preceito conduz inexoravelmente à rejeição do pedido de impugnação da decisão de facto”.
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- no ac. do STJ 10.11.2020 (relatora: Graça Amaral): I - As meras afirmações conclusivas constantes da decisão fáctica não podem ser objeto de impugnação em sede de recurso sobre a matéria de facto II – A natureza da exigência legal prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada), que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objetivo, impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pelo que não se compadece com a enunciação de vários elementos probatórios em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa. III - A prolação de despacho de aperfeiçoamento nas situações de incumprimento dos ónus processuais previstos no n.º1 do artigo 640.º do CPC, a cargo do recorrente não assume cabimento legal, uma vez que o preceito mostra-se claro ao determinar a rejeição da impugnação (sob pena de rejeição) perante o não cumprimento dos mesmos. IV – Na avaliação do cumprimento do ónus processual previsto na alínea c) do n.º1 do artigo 640.º do CPC, importa ter presente se o Recorrente destacou, de forma suficientemente percetível para o tribunal de recurso e para a contraparte, o juízo probatório que visa obter com a impugnação dos pontos fácticos impugnados, pelo que não constitui questão inultrapassável, que justifique a rejeição do recurso, a imperfeição formal resultante da ausência de uma referência explícita à decisão fáctica a proferir”. Concretiza-se no texto do Acórdão o seguinte: “(…) Na verdade, embora os Recorrentes no corpo das alegações tenham indicado vários elementos probatórios fizeram-no em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa, que de modo algum satisfaz a exigência legal ínsita na referida alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC, que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objetivo. E se é certo que, ao invés da exigência legal prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (a qual deve constar das conclusões do recurso), a indicação especificada dos concretos meios de prova que imponham decisão diversa possui a sua sede própria no corpo das alegações, cabe sublinhar que a sua natureza (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada) impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pois que a lei obriga à especificação desses concretos meios probatórios em função dos pontos factuais impugnados. Ora, nas alegações da apelação, os Recorrentes omitiram, relativamente aos factos objeto da sua censura, qualquer indicação especificada do(s) meio(s) probatório(s) que deveria levar a um juízo probatório em sentido diverso do decidido na sentença. Aliás, decorre do posicionamento dos Recorrentes (quer na apelação, quer agora em sede de revista) que a sua pretensão em termos de erro de julgamento da matéria de facto visa uma avaliação global da prova produzida porquanto procederam à indicação (no corpo das alegações) de vários depoimentos produzidos em audiência de julgamento que reputaram de relevantes (identificando o registo e transcrevendo excertos dos depoimentos), bem como de elementos documentais, fazendo-o, conforme afirmam, em função de um enquadramento por sectores temáticos que indicaram e justificaram em termos que ilustram a falta de conexão entre os meios probatórios e os factos impugnados concretamente indicados (…)”»
Tendo em conta o entendimento por nós expresso, conforme à reiterada corrente jurisprudencial vinda de citar, quanto ao ónus de impugnação que sobre os recorrentes recaía de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos factos impugnados no confronto com o modo como os recorrentes organizaram a sua impugnação de forma genérica e em bloco nos termos supra já analisados, é de concluir que os mesmos não respeitaram tal ónus com a consequente rejeição da reapreciação da decisão de facto com base neste fundamento.
Acresce que e sem prejuízo do acima exposto e julgado, sobre os recorrentes recaía o ónus de efetuar uma análise crítica sobre a prova produzida, só assim justificando o seu desacordo quanto à valoração da prova formulada pelo tribunal a quo e evidenciando o erro de julgamento que ao mesmo imputam.
Tanto mais quando e como é o caso o tribunal a quo justificou de forma extensa, pormenorizada e coerente a valoração da prova, efetuando da mesma uma análise crítica global e circunstanciada. Dando nota das razões por que deu credibilidade ou não às declarações de parte e depoimentos das testemunhas ouvidas, de forma conjugada com a prova documental também aos autos oferecida.
Tal como ao tribunal é imposta uma análise crítica da prova produzida como forma de tornar as suas decisões claras e sindicáveis nomeadamente em segunda instância, também aos recorrentes que imputam erro de julgamento na decisão de facto é exigido um juízo critico sobre essa mesma prova, especificando os meios probatórios que impunham decisão diversa[7].
Os recorrentes, pela forma como alegaram e que acima já deixámos enunciado, tão pouco formularam um juízo crítico circunstanciado e concreto sobre a prova produzida e valoração da mesma por parte do tribunal a quo que permita concluir violar a mesma as regras da lógica ou da experiência. Limitaram-se a invocar de forma genérica e global depoimentos testemunhais ou documentos, sem efetuar qualquer análise crítica justificativa de uma decisão diversa da seguida pelo tribunal recorrido.
Esta análise crítica da prova produzida é uma exigência que tem vindo a ser reconhecida quer pela doutrina quer pela jurisprudência[8].
E nessa medida tão pouco cumpriram os recorrentes o ónus de justificar por que os meios probatórios que em abstrato e de forma genérica invocaram impunham decisão diversa, como também o exige a al. b) do nº 1 do artigo 640º do CPC. A justificar também por esta via a rejeição da reapreciação da decisão de facto no que aos factos provados e não provados respeita.
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Resta por último pronunciarmo-nos sobre a factualidade que os recorrentes pretendiam ver aditada.
Esta factualidade, sem que a anterior alvo de crítica seja reapreciada nos termos supra já decididos revela-se para o mérito da questão inócua.
Porquanto a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo, temos em face do exposto de concluir pela rejeição da reapreciação dos factos indicados pelos recorrentes. Em suma, rejeita-se na totalidade a reapreciação da decisão de facto.
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Do direito.
A improcedência da ação e procedência do pedido reconvencional fundou-se na demonstrada manipulação do contador com a consequência de ausência de registos de consumos (vide fp 15) de que os AA. beneficiaram (vide 34 fp).
Bem como no apurado decréscimo de consumos a partir de outubro de 2012 que só aumentaram após a vistoria de 27/09/2017 (vide fps 29 e 30). Tendo o cálculo dos valores seguido os critérios apurados em 32 e 33 dos fp.
Os AA. por via da alteração pretendida da decisão de facto visavam demonstrar a inexistência da apurada manipulação e a si imputada (vide 34 fp), com o consequente inexistente prejuízo para a R..
Ainda a não ocorrência da vistoria efetuada e conhecimento da mesma (vide fps 14 a 21).
O imputado erro da subsunção jurídica estava na totalidade dependente da pelos recorrentes pugnada alteração da decisão de facto.
Nenhuma alteração tendo sido introduzida na decisão de facto, resta concluir pela improcedência da pretendida alteração em sede de direito. Consequentemente nenhuma censura merece a decisão sob recurso.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Porto, 2021-03-08
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
______________ [1] Em causa a seguinte factualidade alegada: Na PI “7. Os AA. nunca procederam a qualquer intervenção na instalação elétrica, impugnando e repudiando as imputações decorrentes do auto de vistoria. 8. O A. desconhece as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que tal verificação ocorreu, ou se ocorreu. 9. Apenas no momento da notificação do 0olpvistoria tomou o A. conhecimento da alegada diligência a que o auto se reporta, 11. Os AA. nunca tiveram conhecimento, nunca deram o seu consentimento, nem estiveram presentes na alegada diligência. 13. A fotografia junta não apresenta qualquer elemento identificativo que o permita relacionar com o local de fornecimento em causa. 14. O local onde se encontra o contador, pese embora se encontre dentro da propriedade do A. B…, é acessível ao qualquer pessoa durante o período de laboração da sociedade A., sendo ponto de passagem de acesso às instalações da sociedade A., por clientes, fornecedores, trabalhadores e terceiros. 15. Os AA. desconhecem a realização da diligência reportada, a qual, a ter ocorrido, foi realizada sem o consentimento e conhecimento prévio ou posterior de qualquer dos AA., 16. Que, repita-se, apenas tomou conhecimento de tal diligência volvidos 7 (sete) meses após tal data. 18. Os “vistos” colocados no auto de vistoria apresentam sérias contraditoriedades entre si e colocam em causa a procedência das consequências que dele se pretende retirar 25. Muito se estranha que ninguém se tenha apercebido da presença dos técnicos... 26. Que os técnicos não tenham interpelado fosse quem fosse para acompanhar a diligência.... 31. Não existe qualquer fundamentação quanto ao valor devido ser o de 11.462,32€ e não outro 36. Os AA. nunca procederam a qualquer intervenção na instalação elétrica, repudiando as imputações decorrentes do auto de vistoria. 37. Sendo certo que o referido auto e a forma como a R. conduziu todo o processo faz inquinar os efeitos que a mesma dela pretende retirar, porquanto não assegura aos AA. as garantias e a possibilidade de reação que lhe são legalmente reconhecidas, designadamente, de entre outros erros procedimentais graves, 38. A verificação da ocorrência na presença dos AA. ou de terceira pessoa, em cumprimento do artigo 15o da Secção IV do Guia de Medição de Leitura e disponibilização de dados, emitido pela ERSE; 43. Não se afigura mais possível, coartando os aqui AA. dos garantísticos meios de reação ao que decorre do auto de vistoria cuja identidade dos seus autores tão pouco se decifra. 44. Em manifesta e crassa violação do direito de informação a que se encontrava a R. legalmente adstrita 46. A impossibilidade de, em devido tempo, conceder aos AA. os meios de reação e garantísticos contra as imputações de que estão a ser alvos, 47. As incoerências que resultam do próprio auto de vistoria, 48. A manifesta inexistência de fundamentação quanto ao apuramento do montante peticionado 53. Por outro lado, em razão do manifesto incumprimento do procedimento administrativo a que se encontrava a R. legalmente adstrita e que inviabiliza os meios de defesa e de garantia do A., enquanto consumidor. 54. Os AA. não cometeram qualquer prática fraudulenta na medição do consumo de energia elétrica fornecida pela R.” Na réplica “15. Optando a R. por ocultar dos AA. tal comunicado até momento posterior à substituição do contador, por forma a impossibilitar os AA. de fazer prova cabal do regular estado da instalação elétrica, 20. Os AA. desconhecem a existência de uma situação de utilização irregular; 21. Os AA. desconhecem a realização de qualquer vistoria; 22. A R. levou ao conhecimento dos AA. a alegada irregularidade sete meses depois da data que invoca ter realizado a vistoria e em momento em que a confirmação ou verificação de tal irregularidade, a ter existido – o que se rejeita - é já impossível.” [2] Realce nosso. [3] Cfr. Ac. STJ de 22/03/2018, nº de processo 290/12.6TCFUN.L1.S1, in www.dgsi.pt [4] Realce nosso. [5] Citados no Ac. desta Relação proferido em 08/02/2021 no processo 9977/20.9T8PRT.P1 no qual a aqui relatora e 1ª adjunta intervieram como adjuntas e que trata exatamente a mesma questão. [6] (nota 4 da decisão em reprodução) – “(relator: Maria dos Prazeres Beleza); in dgsi.pt.” [7] Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 595 (citada também no Ac. TRP de 08/02/2021 acima referido) afirma “tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas) … também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos…”. [8] Cfr. Ana Luísa Geraldes in ob. cit. p. 592 e Acs. do STJ de 22.10.2015 nº de processo 212/06.3TBSBG.C2.S1; Ac. do STJ de 2.12.2013 nº de processo 34/11.0TBPNI.L1.S1; Ac. do STJ de 15.09.2011, nº de processo 455/07.2TBCCH.E1.S1 todos in www.dgsi.pt. (igualmente citados no Ac. TRP acima citado).