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ASSOCIAÇÃO SINDICAL
INTERESSES COLECTIVOS
LEGITIMIDADE
Sumário
I - A expressão “interesses colectivos” do nº 1 do art. 5º do CPT, “assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular”. II - O interesse colectivo “não elimina, nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela por entidade distinta”. III - A aludida norma deve ser interpretada de forma ampla, e não restritiva, por força do imperativo constitucional do art. 56º, nº 1, da Constituição. IV - A associação sindical representativa de trabalhadores da C…, tem legitimidade directa, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 5º do CPT para formular os seguintes pedidos: a) declarar-se ilegal a atuação da Ré no que respeita à falta de cumprimento da cláusula 70º do AE em vigor; b) condenar a Ré a proceder à mudança automática dos títulos de “Rede Geral C…” dos seus trabalhadores no ativo, reformados, filhos e cônjuges, para uma assinatura “C1…”, com os mesmos direitos que os emitidos para o público.
Texto Integral
Processo n.º 366/20.6T8PRT.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B… – Associação Sindical de Trabalhadores B…, com sede na Rua…, nº …, …, Matosinhos, patrocinada por mandatário judicial, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra a C…, S.A., com sede na Av. …, …., …, Porto.
Formula os seguintes pedidos:
a) declarar-se ilegal a atuação da Ré no que respeita à falta de cumprimento da cláusula 70º do AE em vigor;
b) condenar a Ré a proceder à mudança automática dos títulos de “Rede Geral C…” dos seus trabalhadores no ativo, reformados, filhos e cônjuges, para uma assinatura “C1…”, com os mesmos direitos que os emitidos para o público;
c) condenar a Ré a reembolsar os prejuízos sofridos pelos associados da Autora, na falta de mudança automática, desde 1 de abril de 2019, mediante apresentação de documento comprovativo dessa despesa.
Alega, em síntese: a partir de 1 de abril de 2019, entrou em vigor o novo tarifário para os transportes públicos na área metropolitana …, os passes da “Rede Geral” deixaram de existir para o público em geral e transitaram automaticamente para o “C1…”; Os trabalhadores da R., quer no ativo, reformados, cônjuges e filhos, nos termos do Acordo de Empresa em vigor, na cláusula 70ª podem beneficiar das mesmas regalias e direitos de transportes que os emitidos para o público; Apesar das solicitações da Autora, a Ré não atualizou, nem mudou automaticamente o título de transporte dos seus trabalhadores, cônjuges, filhos e reformados para a assinatura “C1…”.
Citada a ré, procedeu-se a audiência das partes, resultando infrutífera a tentativa de conciliação.
A ré veio contestar invocando a ilegitimidade da autora, alegando que o Acordo de empresa abrange trabalhadores da ré filiados noutros sindicatos, o que torna necessária a intervenção dos demais, e, impugnando, alega que continua a facultar os referidos títulos nos transportes que gere, mas não pode fazê-lo nos outros.
A autora respondeu à matéria da excepção, pugnando pela improcedência da mesma.
A ré respondeu alegando ser inadmissível o articulado da autora.
Foi proferido o seguinte despacho: “Porquanto se entende poder verificar-se ineptidão e ilegitimidade quanto ao 3º pedido deduzido e a fim de evitar decisões surpresa, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem, em dez dias.”
As partes nada requereram.
Foi fixado à acção o valor de € 30.000,01.
Foi proferido despacho saneador/sentença, no qual se decidiu a final: “julgo parte ilegítima a Autora e consequentemente, absolvo a Ré da instância, nos termos do disposto nos arts. 576º, nº 2 e 577º, al. e), ambos do Código de Processo Civil.”
Inconformada interpôs a autora o presente recurso de apelação, concluindo:
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A ré não apresentou alegações.
O Ilustre Magistrado Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer pugnando pela procedência do recurso, parecer a que as partes, devidamente notificadas, não responderam
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas
A única questões em discussão e colocada pela recorrente, consiste em determinar da legitimidade, ou ilegitimidade da mesma relativamente aos dois primeiros pedidos formulados na petição inicial.
II. Factos provados
Importa considerar a matéria constante do relatório.
III. O Direito
Consta da decisão sob recurso:
“Conforme resulta do nº 1 do art. 5º do Código do Processo do Trabalho, as associações sindicais são parte legítima como autoras nas ações relativas a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representam.
Ora, conforme refere o D. Acórdão da Relação do Porto de 22 de setembro de 2014, in www.dgsi.pt (…)
A Autora alega que representa vários trabalhadores seus associados que exercem a sua atividade profissional de motoristas de transportes públicos por conta da Ré, sendo certo que esta, a partir de 1 de abril de 2019, não atualizou nem mudou automaticamente o título de transporte dos seus trabalhadores – no ativo ou reformados – seus cônjuges e filhos, dando origem a prejuízos.
Assim sendo, e face ao que ficou dito a propósito do interesse coletivo, bem como ao pedido da Autora, facilmente se conclui que a sua pretensão não respeita a interesses coletivos, de todo o universo dos seus representados, mas apenas aos interesses dos seus filiados. E, salvo melhor entendimento, dos pedidos formulados pela Autora desde logo se retira que a presente ação não é relativa a direitos respeitantes aos interesses coletivos que representa, uma vez que a Autora pede a condenação da Ré a reembolsar os prejuízos sofridos pelos seus associados, com a falta de mudança automática, desde 1 de abril de 2019, mediante apresentação de documento comprovativo dessa despesa.
Ou seja, não estamos perante, como no citado Acórdão se refere, “(...) qualquer interesse coletivo, um interesse que assuma uma dimensão qualitativa nova mas antes perante uma mera agregação de interesses individuais que não adquire perante eles, um certo grau de abstração e autonomia”
Afastada está pois, a legitimidade da Autora que é conferida pelo nº 1, do art. 5º do Código do Processo do Trabalho.
(...)
… não identificou os trabalhadores seus associados nem alegou a autorização dos mesmos; … Por outro lado, não podemos presumir a autorização dos trabalhadores, uma vez que para tal, a Autora, pelo menos, devia ter alegado que efetuou as comunicações escritas a que alude o nº 3, do art. 5º, do Código do Processo do Trabalho e aqueles nada declararam em contrário.
(…)
Ora, uma vez que não ficou demonstrada a autorização dos seus associados e demais trabalhadores da Ré, para que a Autora exercesse o direito de ação em representação e substituição daqueles (que não se encontram identificados), entendemos que também aqui, não goza a Autora de legitimidade para instaurar a presente ação, nos termos do nº 2, do art. 5º do Código do Processo do Trabalho.”
Insurge-se a recorrente, alegando:
“A Recorrente intervém e representa na presente acção todos os seus filiados e trabalhadores da Ré, na defesa de direitos e interesses colectivos daqueles e a causa de pedir assenta numa alegada violação da Recorrida da norma 70ª do Acordo de Empresa em vigor.
(...)
Entende a Autora que a Ré ao não cumprir com o estipulado nos “Transportes” consagrado na cláusula 70ª do A.E. aos seus trabalhadores no activo filhos e cônjuges, é uma violação e desrespeito para com estes trabalhadores em relação ao público em geral, saindo prejudicados nos seus direitos.
Esclareça-se e para que dúvidas não restem o primeiro pedido formulado pela Recorrente, no caso sub judice, é que se declare ilegal a actuação da R., no que respeita à falta de cumprimento da cláusula 70ª do Acordo de Empresa em vigor (negrito nosso) e que obviamente se aplica a todos os trabalhadores da Recorrida e associados da Recorrente.
E porque se trata a Recorrente de uma associação sindical estamos perante a legitimidade do artigo 5º nº 1 do Código de Processo Trabalho., sendo as associações sindicais parte legitima nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
(...)
No caso concreto, e contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o que está em causa não é um interesse individual de algum ou alguns filiados da Recorrente, mas sim uma actuação abusiva da Ré, desconforme às normas gerais previstas no Acordo de Empresa – ou seja, ver considerada ilegal a actuação da R. no que diz respeito ao não cumprimento de uma cláusula do Acordo de Empresa em vigor.
Esta actuação tem implicações negativas para o universo dos seus trabalhadores, por isso mesmo pretende a Autora obter uma decisão única e uniforme que abranja todos os trabalhadores e que regule definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao primeiro pedido formulado na presente lide.
(...)
A Autora quanto ao terceiro pedido, pois parece ter sido o único pedido a ser reputado na Sentença de que se recorre, até aceita que este pedido c)- Condenar a Ré a reembolsar os prejuízos sofridos pelos associados da A., na falta da mudança automática desde 01 abril de 2019, mediante a apresentação de documento comprovativo dessa despesa”, seja relativo a uma mera agregação de interesses individuais e daí a sua ilegitimidade.
Não pode, é nunca aceitar a Recorrente que os dois primeiros pedidos não configurem uma acção relativa a direitos respeitantes a interesses colectivos, dado que a pluralidade de interessados partilha do mesmo e único interesse - ver declarada ilegal a actuação da Ré na falta de cumprimento da cláusula 70a do Acordo de Empresa, a partir de 01 Abril de 2019.”
Acrescenta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto: “Considerando que a prossecução dos fins que são constitucionalmente cometidos aos sindicatos, tendo os mesmos competência própria para a defesa dos interesses individuais dos trabalhadores que representem, a legitimidade que lhes é reconhecida pelo art. 5º do CPT é a legitimidade para, em juízo, defenderem direitos e interesses colectivos legalmente protegidos dos trabalhadores que representem, mesmo que tal direito ou interesse legalmente protegido pertença apenas a algum ou alguns dos seus representados. É o que decorre daquele normativo constitucional que reconhece às associações sindicais a competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, sem restringir tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores.”
Mais sustentando: “Naquele Ac. nº 75/85, o Tribunal Constitucional diz que “quando a Constituição, no nº 1 do seu artigo 57º [actual 56º], reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, ...”. Por seu turno, o Ac. nº 160/99, perfilhando a mesma orientação, segundo a qual os sindicatos carecem de legitimidade activa para fazer valer o direito à tutela jurisdicional da defesa colectiva de interesses individuais dos trabalhadores que representam, independentemente de poderes expressos de representação e de prova de filiação dos trabalhadores directamente lesados. Ora, a norma do art. 5º do CPT tem de ser interpretada em articulação com o disposto no art. 56º, nº 1 da CRP, que lhe dá execução quanto à legitimidade processual das associações sindicais, quando se apresentem a defender interesses de representados seus.”
Nos termos do art. 5º, nº 1, do CPT, as associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
Prescreve, por seu turno o art. 56º, nº 1, da Constituição, que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.
A questão que aqui se coloca consiste em determinar o significado da expressão “interesses colectivos”, e saber se os pedidos a) e b) formulados na acção pela recorrente se integram em tal conceito.
No dizer de Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, 2006, págs. 1251-1252, “Admite-se uma legitimidade para a defesa de interesses difusos, permitindo-se a intervenção em juízo dessas associações, não para a salvaguarda dos seus próprios interesses, mas em defesa de interesses colectivos da classe profissional que representam.”
Acrescenta António Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 14ª edição, 2009, págs. 732-733, “As associações sindicais, podem intervir, como partes legítimas, nas acções respeitantes à anulação e interpretação de cláusulas das convenções colectivas em que sejam outorgantes (art. 5º CPT). Para além disso, dispõem de legitimidade para a autoria em «acções respeitantes aos interesses colectivos que representam».”
Não se pronunciam, porém, sobre a concretização do conceito aqui em causa.
Refere-se a propósito no acórdão do STJ de 14 de Outubro de 2020, processo 1210/18.0T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, citando João Reis, em A legitimidade do sindicato no processo ̶ Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea ̶ Almedina, pág. 385: “A doutrina tem, no seu ardor classificador, recorrido ao critério da qualidade do sujeito. De acordo com este critério, podemos dizer, grosso modo, que o interesse será individual se respeitar a um trabalhador em particular e coletivo se for próprio ou incindível de um determinado grupo. Embora seja importante, sem dúvida, atender ao número de trabalhadores a quem o interesse respeita, o critério quantitativo não tem merecido os favores da doutrina. É verdade que é difícil falar em interesse coletivo quando apenas um trabalhador está envolvido num conflito. Teoricamente a hipótese pode não estar excluída, mas, a existir, tem certamente um relevo prático desprezível. O critério do número de trabalhadores tem sido criticado, essencialmente, porque nem todos os conflitos em que participam vários trabalhadores envolvem necessariamente um interesse coletivo. Pode tratar-se de uma simples soma de interesses individuais. Ora, o interesse coletivo tem de assumir uma dimensão qualitativa nova, que não se reconduz a uma mera agregação ou justaposição de interesses individuais. É uma síntese formada pelo entrelaçamento de interesses individuais. É destes interesses que ele brota, não podendo deixar de fincar neles as suas raízes, mas adquire, perante eles, um certo grau de abstração e autonomia.”
A tendência, na sequência, aliás, da jurisprudência do Tribunal Constitucional, vem sendo no sentido de alargar o âmbito de intervenção das associações sindicais na defesa dos chamados interesses colectivos. Para além dos acórdão do Tribunal Constitucional nº 75/85, de 6 de Maio de 1085, processo 85/84, e nº 160/99, de 10 de Março de 1999, processo 197/98, ambos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt, ainda o acórdão do mesmo Tribunal nº 118/97, de 19 de Fevereiro de 1997, processo 31/94, publicado no DR, I Série-A, de 24 de Abril de 1997.
Com particular relevância para a questão em análise considerou-se no acórdão STJ de 22 de Abril de 2015, processo 729/13.3TTVNG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt:
Constatamos assim que a evolução da lei foi no sentido dum alargamento do reconhecimento da legitimidade dos organismos sindicais e de empregadores, pois enquanto o CPT/81 a condicionava à defesa dos interesses colectivos cuja tutela lhes era atribuída por lei, o regime actual confere-lhes legitimidade processual desde que as acções se refiram a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam, deixando de exigir que tal tutela lhes fosse atribuída por lei.
Assim, a formulação actual é considerada mais próxima do conteúdo e sentido do princípio da liberdade sindical constitucionalmente consagrado, e da natureza do direito ao exercício da actividade sindical enquanto direito fundamental (artigo 55º), conforme advoga João Reis [A legitimidade do sindicato no processo, algumas notas, Estudos de Direito do Trabalho em homenagem ao Prof. Manuel Afonso Olea, pág. 380].
(...) sempre que a lei faça uma indicação concreta das pessoas legitimadas para defender um determinado interesse jurídico, essa indicação não pode deixar de ser tomada em conta.
É o que acontece com o nº 1 do artigo 5º do CPT, donde resulta uma legitimidade das associações sindicais para instaurar acções desde que ocorra a verificação cumulativa de dois requisitos: a) Que se trate de acções respeitantes à defesa de interesses colectivos; b) Que essa defesa se inscreva no âmbito da representação do sindicato A.
Assim, a natureza do interesse em causa no processo é fundamental para aferir da legitimidade do A, pois aquele normativo exige que se trate de acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
Das dificuldades na delimitação deste conceito nos dá conta João Reis [Ibidem, 385 e seguintes], acabando por aceitar a posição da jurisprudência deste Supremo Tribunal que havia sido seguida nos acórdãos de 24/2/99, BMJ 484/237, e de 11/6/87, BMJ 368/464, onde se entendeu que o conceito de interesse colectivo assenta numa pluralidade de interessados, ou seja, na existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, devendo por isso tratar-se de interesses individuais iguais, ou pelo menos de igual sentido.
O interesse colectivo surge assim não como uma mera soma de interesses individuais, mas como o conjunto de uma pluralidade de interesses idênticos, ou de igual sentido, cujos titulares estão reunidos por uma organização, ainda que precária, que permita ou facilite a sua prossecução.
Por outro lado, diz-se ainda no acórdão de 24/2/99 que “[N]aturalmente que a existência de um interesse colectivo não elimina nem ofusca os interesses (individuais) de cada um dos interessados. Mas confere-lhes mais força, uma maior importância, que em muitos casos, poderá justificar a sua tutela por uma entidade distinta.” [Também no acórdão deste Supremo Tribunal de 6/6/2007, recurso nº 4608/07, desta 4ª Secção (Laura Leonardo), se adere a este conceito, e citando-se Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho, Anotado,pg 37 (corresponde à pgª 41 da 2ª edição de 2002), escreveu-se: “O conceito de interesse colectivo assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular”. O interesse colectivo “não elimina, nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela por entidade distinta”]
No caso presente, embora seja certo que cada um dos trabalhadores da R, filiados no A, tenha o seu interesse individual em que sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, à retribuição prevista no nº 7 da cláusula 74º do CCT aplicável, dado que poderão beneficiar da devolução dos valores que foram retirados àquela remuneração, estamos também perante um interesse colectivo, dado que esta pluralidade de trabalhadores partilha do mesmo interesse – o de ver considerada ilegal a actuação da R a partir de Agosto de 2012.
Por outro lado, também quanto ao segundo pedido tal acontece.
Efectivamente, pedindo o A que a R seja condenada a inserir o valor pago a título de diuturnidades no cálculo do valor mensal respeitante à retribuição prevista no nº 7, da cláusula 74ª do CCT do sector, com o consequente pagamento a cada uma dos seus trabalhadores seus filiados das diferenças daí decorrentes, estamos também perante uma acção relativa a direitos respeitantes a interesses colectivos, dado que a pluralidade de trabalhadores da R filiados no A participa no mesmo interesse – que o valor das diuturnidades seja incluído na retribuição prevista no nº 7, da cláusula 74ª daquele CCT.
Além disso, também ocorre o segundo requisito acima referido, pois a defesa deste interesse colectivo insere-se no âmbito da representação do A.
Na verdade, e conforme dispõe o nº 1 do artigo 56º da CRP, compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam, competindo-lhe ainda exercer o direito de contratação colectiva que é garantido nos termos da lei (nº 3).
Aquele primeiro princípio encontrava já plena expressão no artigo 4º do DL nº 215-B/75 de 30 de Abril, diploma que tendo definido as bases gerais do ordenamento jurídico das associações sindicais lhes atribuía a incumbência de defender e promover a defesa dos direitos e interesses sócio-profissionais dos trabalhadores que representam.
Esta vocação mantém-se face ao disposto no nº 1 do artigo 440º do Código do Trabalho, pois os trabalhadores têm direito a constituir associações sindicais para defesa dos seus interesses sócio-profissionais, podendo aquelas iniciar e intervir em processos judiciais, conforme proclama o nº 1, alínea d) do seu artigo 443º.
Donde concluirmos também pela verificação do segundo requisito de que depende a atribuição de legitimidade ao A para a presente causa, pois quer o primeiro quer o segundo pedidos inserem-se no âmbito dos interesses colectivos cuja defesa cabe na sua representação.
Assim sendo, e ao abrigo do nº 1 do artigo 5º do CPT, temos de considerar que o A tem legitimidade para esta acção, procedendo portanto o recurso.”
No mesmo sentido o acórdão do STJ de 6 de Junho de 2007, processo 06S4608, ainda acessível em www.dgsi.pt, no qual se refere: “O conceito de interesse colectivo assenta na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular”. O interesse colectivo “não elimina, nem ofusca os interesses de cada um dos interessados, conferindo-lhe antes, uma maior força que, pela sua importância, justifica a respectiva tutela por entidade distinta” (Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho, Anotado,pg 37).”
Veja-se ainda o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 24 de Fevereiro de 1999, processo 98S005, igualmente em www.dgsi.pt, no qual se acrescenta: “Naturalmente que a existência de um "interesse colectivo" não elimina nem ofusca os interesses (individuais) de cada um dos interessados. Mas confere-lhes uma maior força, uma maior importância, que em muitos casos, poderá justificar a sua tutela por uma entidade distinta. Nesta perspectiva, se bem que cada um dos trabalhadores representados pelo Autor, nos presentes autos, tenha o seu interesse (individual) em ver aplicar-se-lhe o referido Acordo de Empresa, que lhe proporcionaria melhores proventos, de diversa ordem, não se podem oferecer dúvidas de que se está perante um "interesse colectivo", dado que essa pluralidade de trabalhadores (...) se encontram "irmanados no mesmo interesse", o de ver reconhecida a aplicação de um Acordo de Empresa, manifestamente mais favorável que os aplicados pela Ré, ora Recorrente.”
Refere-se ainda no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de Maio de 2013, processo 09709/13, acessível em www.dgsi.pt. “o sindicato como parte processual a se, como especial “representante” dos direitos/interesses dos trabalhadores (associados ou não) de certo setor de atividade (cf. assim G. CANOTILHO/MOREIRA, CRP Anot., 4ª ed., coment. ao art. 56º), e não como mandatário ou legal representante. Por outras palavras: as associações sindicais, de acordo com o art. 56º CRP, “representam”, ou melhor, defendem por “direito próprio” os direitos e interesses, individuais ou coletivos, dos trabalhadores, não sendo meras representantes ou mandatárias dos trabalhadores. ”
Este é também o entendimento seguido no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do porto de 22 de Setembro de 2014, processo 729/13.3TTVNG.P1, acessível em www.dgsi.pt, invocado como fundamento para a decisão sob recurso.
Aplicando estes princípios ao caso dos autos importa considerar o seguinte:
A associação sindical autora formula nos presentes autos os seguintes pedidos:
a) declarar-se ilegal a atuação da Ré no que respeita à falta de cumprimento da cláusula 70ª do AE em vigor;
b) condenar a Ré a proceder à mudança automática dos títulos de “Rede Geral C…” dos seus trabalhadores no ativo, reformados, filhos e cônjuges, para uma assinatura “C1…”, com os mesmos direitos que os emitidos para o público;
c) condenar a Ré a reembolsar os prejuízos sofridos pelos associados da Autora, na falta de mudança automática, desde 1 de abril de 2019, mediante apresentação de documento comprovativo dessa despesa.
A recorrente aceita a decisão de ilegitimidade activa relativamente ao pedido da alínea c), pelo que nessa medida a decisão transitou em julgado, importando apenas aferir se a recorrente tem legitimidade para formular os pedidos das alíneas a) e b).
Ora, quanto ao pedido da alínea a), por se traduzir na apreciação do cumprimento de uma cláusula do Acordo de Empresa em vigor, celebrado entre a autora e a ré, não existirão dúvidas de que a recorrente pode, por si só, intentar acção com esse fundamento contra a ré.
Quanto ao pedido da alínea b), entende-se que a mesma se insere no conceito mais amplo de interesse colectivo supra analisado, uma vez que a pretensão extravasa a mera soma dos interesses individuais dos vários associados, sem prejuízo de serem estes que essencialmente se pretende acautelar. De facto, ainda que se possa argumentar que nem todos os trabalhadores tenham interesse na atribuição do título de transporte em causa, em termos abstractos todos têm o mesmo interesse, que é desde logo alegadamente assegurado pelo Acordo de Empresa.
Assim, importa concluir com o acórdão do STJ de 3 de Março de 2016, processo 3704/12.1TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt, que “Não oferece, dúvida de que estamos perante a defesa de um interesse que é comum a todos os associados do A., já que beneficiários da [atribuição dos títulos de transporte previstos no Acordo de Empresa] invocado, em que o autor foi outorgante. Estão em causa interesses de um grupo indeterminado, mas determinável de indivíduos – os associados do A. Estes interesses não se reduzem ao somatório dos interesses individuais, que é a hipótese comtemplada no nº 2, al. c) do art. 5º do CPT (...). Estamos, por conseguinte, perante um inquestionável interesse coletivo, na definição que atrás deixámos exarada e, daí, a legitimidade conferida ao A. pelo art. 5º, nº 1 do CPT, (...).”
Face ao referido, procede a apelação.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que julgou a associação sindical recorrente parte ilegítima para formular contra a ré os pedidos formulados sob as alíneas a) e b), decisão que se substitui pela presente julgando a recorrente para legítima para os mesmos pedidos, nessa medida devendo prosseguir os autos até decisão final.
Quanto ao restante, declaração da ilegitimidade da recorrente para o pedido formulado sob a al. c), mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrida.
Porto, 22 de Fevereiro de 2021
Rui Penha - relator
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes