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CEDÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO
DIRIGENTE SINDICAL
ACTIVIDADE SINDICAL
CRÉDITO DE HORAS
FALTAS
Sumário
I - A cedência de interesse público prevista pelos artigos 58º, nº 2, da LVCR e 241º, nº 3, da LTFP origina um novo vínculo jurídico transitório estabelecido com a entidade concessionária (coexistente com o vínculo originário) e, tendo em conta o efeito suspensivo, a sujeição ao regime jurídico-laboral aplicável à entidade concessionária, configurando assim um vínculo laboral de Direito privado, regulado pelo Código do Trabalho. II - As faltas dadas por dirigente sindical acrescem ao crédito de horas, podendo assim ser dadas por este trabalhador quando aquele crédito já tenha sido esgotado, e consideram-se justificadas, desde que sejam motivadas por um acto necessário e inadiável ligado ao exercício das funções de representação, contando nesse caso como tempo de serviço efectivo, excepto para efeitos remuneratórios (art. 409º nº 1 e 2, do Código do Trabalho). III - No âmbito do direito civil laboral, a atribuição de crédito de horas, prevista no art. 468º, nº 7, do Código do Trabalho, só é admissível em relação aos dirigentes sindicais que trabalhem na mesma empresa, e desde que se cumpra os limites previstos nos nº 1 e 2 do mesmo preceito.. IV - Não pode beneficiar do crédito de horas de outros dirigentes da mesma associal sindical para efeitos remuneratórios, o dirigente, funcionário municipal, que se encontra a vinculado a uma empresa privada, em regime de cedência de interesse público, sendo aqueles outros são funcionários de autarquias locais. V - Este entendimento não é inconstitucional, uma vez que é lícito ao legislador ordinário compatibilizar as pretensões em conflito, estabelecendo uma solução compromissória: a entidade patronal não pode pôr termo ao contrato de trabalho invocando a ausência de serviço do trabalhador, quando este dê faltas por causa da sua actividade de dirigente sindical, não podendo verificar se se justificam tais ausências; o trabalhador não tem o direito de exigir remuneração pelos períodos de ausência justificada ao serviço da organização sindical que dirige e que excedam um crédito máximo de dias atribuído pela lei.
Texto Integral
Processo n.º 2948/19.0T8PRT.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, residente na Rua…, nº .., …, patrocinado por mandatário judicial, intentou perante o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, “acção administrativa especial”, contra Águas C…, S.A., com sede na Rua…, nº …, ….
Formula os seguintes pedidos:
a) ser declarado nulo o ato praticado pela R., tácito ou expresso, que determinou o não pagamento ao A. das remunerações que lhe são devidas desde Junho de 2013, inclusive, em diante, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa;
b) ser a R. condenada a pagar ao A. as remunerações que lhe são devidas desde Junho de 2013, inclusive, em diante, com os eventuais acréscimos devidos, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa.
Alega, em síntese: O A. é funcionário da Câmara Municipal C… desde 1986; Embora se encontre a exercer funções de Assistente Operacional na R., desde 30/10/2001, em regime de cedência de interesse público; O A. é também dirigente sindical do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e afins, desde 27/02/1998; A sociedade R. é a concessionária responsável pela exploração do Sistema Municipal de Abastecimento de Água e Drenagem e Tratamento de Águas Residuais do concelho C…; A Ré sem dar qualquer explicação formal, deixou de lhe pagar as remunerações que lhe são devidas; o último recibo de vencimento emitido pela Ré que contempla a totalidade das remunerações que são devidas ao A. corresponde ao mês de maio de 2013; entenderá a R. que o A. não pode usar o crédito de horas que lhe assiste como dirigente sindical.
Citada a ré, veio contestar invocando a excepção de incompetência material do Tribunal Administrativo e Fiscal, por se aplicarem as regras de direito laboral privado à relação entre a ré e o autor, invocando ainda a impropriedade do meio processual, em virtude de não ter praticado qualquer acto administrativo, bem como a caducidade do direito.
Mais alega, em síntese: O Autor integra o mapa de pessoal da Ré em regime de requisição à data de outorga do Contrato de Concessão e atualmente em regime de cedência de interesse público; É certo que é dirigente sindical do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional; A concessão teve o seu início de funcionamento em janeiro de 2002, tendo o Autor as funções de leitor-cobrador, atualmente com a categoria de assistente operacional; desde 2005, o Autor, tem o contrato de trabalho suspenso, sendo funcionário efetivo do STAL; Na sequência do procedimento que existia com a concedente – Câmara Municipal C…, Serviços Municipalizados de Água e Saneamento C…, as retribuições do Autor durante as ausências justificadas pelo exercício de atividade sindical que excedesse os créditos de horas, seriam adiantadas pela entidade empregadora e reembolsadas pelo STAL por acertos de contas trimestrais; A Ré sempre pagou e continua a pagar os créditos de horas que são conferidos legalmente ao Autor, na qualidade de dirigente sindical, sendo que esse pagamento comporta todas as rubricas salariais como tempo de serviço efetivo; A Ré suspendeu no processamento salarial de junho de 2013, o adiantamento de pagamento da retribuição, por falta de cumprimento dos reembolsos que o STAL vinha efetuando; O regime excecional da cumulação de créditos de horas foi estabelecido para os serviços de administração pública, não sendo de aplicar a entidades comerciais privadas excluídas do setor de emprego público.
O autor respondeu à matéria da excepção, pugnando pela improcedência das excepções invocadas.
Foi proferida decisão, em sede de recurso, julgando o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto materialmente incompetente para conhecer os pedidos formulados, tendo sido remetidos os autos para o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 1, passando os autos a seguir a forma de acção declarativa de condenação, com processo comum.
Realizou-se audiência preliminar, na qual se tentou infrutífera tentativa de conciliação.
Foi proferido despacho saneador, que transitou em julgado, fixada a matéria de facto assente e a controvertida.
O autor veio requerer a ampliação do pedido, alegando ser a ampliação “consequência direta dos elementos probatórios fornecidos pela R. nos autos que demonstram que a conduta relapsa dela, R., não cessou em 2015”, solicitando que passem os pedidos a ser os seguintes: a) ser declarado nulo o ato praticado pela R., tácito ou expresso, que determinou o não pagamento ao A. das remunerações que lhe são devidas desde Junho de 2013, inclusive, em diante, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa; b) ser a R. condenada a pagar ao A. as remunerações que lhe são devidas desde Junho de 2013, inclusive, em diante, com os eventuais acréscimos devidos, até a R. cessar a conduta ilegal relapsa.
A ré respondeu alegando que “reitera o teor dos articulados que constitui contestação do pedido original”.
Foi admitida a ampliação e ampliada a matéria de facto assente.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal prestada em audiência.
Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada, decidindo-se a final: “julgo a presente ação totalmente improcedente e consequentemente, absolvo a Ré do pedido.”
Inconformado interpôs o autor o presente recurso de apelação, concluindo:
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A ré não apresentou alegações.
Foi determinada a baixa dos autos para fixação do valor, o qual foi fixado à em € 30.000,01.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer pugnando pela não admissão do recurso, e pela improcedência do mesmo, parecer a que o autor veio responder dele divergindo.
Foi indeferida, por despacho do relator, a rejeição do recurso, por falta alegações, invocada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas
A única questões em discussão e colocada pela recorrente, consiste em determinar se é devido o pagamento das suas retribuições por inteiro, quando exerce a sua actividade em exclusivo no sindicato do qual é dirigente.
II. Factos provados
Em primeira instância foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
A. O Autor é funcionário da Câmara Municipal C… desde 1986.
B. Passou a trabalhar para os Serviços Municipalizados de Electricidade, Água e Saneamento C… desde o dia 1 de Outubro de 1986.
C. Integra o mapa de pessoal da Ré Águas C…, S.A. em regime de requisição à data de outorga do Contrato de Concessão e atualmente em regime de cedência de interesse público.
D. O Autor é dirigente sindical do S.T.A.L. – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional.
E. O Autor tem a categoria profissional de assistente operacional.
F. A Ré pagou-lhe a totalidade da remuneração até ao mês de Maio de 2013, e a partir dessa data passou a pagar-lhe apenas o correspondente ao crédito de quatro dias por mês de exercício por parte do Autor de funções de dirigente sindical.
G. Nos meses de Julho de 2013 a Janeiro de 2018, a Ré ordenou o processamento e pagamento ao Autor da remuneração mensal de €97,95.
H. Nesse período a remuneração base total ascendia a €734,62.
I. Nos meses de Fevereiro de 2018 a Agosto de 2018, a Ré ordenou o processamento e pagamento ao Autor da remuneração mensal de €101,60.
J. Nesse período a remuneração base total ascendia a €762,08.
K. Nos meses de Janeiro de 2019 até Maio de 2019, a Ré ordenou o processamento e pagamento ao Autor da remuneração mensal de €101,60.
L. Nesse período a remuneração base total ascendia a €762,08.
M. O Autor a partir do início de 2005 deixou de prestar qualquer tipo de atividade profissional para a Ré, passando desde essa data a exercer em exclusivo as funções de dirigente sindical.
N. Na sequência do procedimento que antes existia com a concedente – Câmara Municipal C…, Serviços Municipalizados de Água e Saneamento C…, as retribuições do Autor durante as ausências justificadas pelo exercício de atividade sindical que excedessem os créditos de horas, eram adiantadas pela entidade empregadora e depois reembolsadas pelo STAL por acertos de contas normalmente trimestrais.
O. Em Janeiro de 2013, o STAL ainda não tinha procedido aos reembolsos, referentes ao ano de 2012, no montante de €9.871,76.
P. A Ré enviou ao STAL uma carta datada de 10 de Janeiro de 2013, na qual reclamava o pagamento com a maior brevidade possível da quantia de €9.871,76.
Q. No dia 15 de Fevereiro de 2013 a Ré enviou uma carta ao STAL a comunicar que ia proceder à suspensão do pagamento salarial do Autor.
R. O STAL no dia 20 de fevereiro de 2013 enviou um “FAX” à Ré no qual referia que o Autor estava abrangido pelos créditos de tempo e possibilidade de acumulação dos créditos cedidos por outros dirigentes, não havendo assim lugar ao acerto de contas pretendido pela “Águas C…, S.A.” e que manifestava a disponibilidade de expressar o seu ponto de vista, numa reunião com essa empresa.
S. No mês de Março de 2013 existiu uma reunião entre a Ré e o STAL, na qual esteve presente o Autor, na qual foi discutida a continuação dos pagamentos dos vencimentos deste, por parte da Ré, tendo no decurso da mesma, o STAL procedido ao pagamento, através da entrega de um cheque, no valor titulado de €2.723,09, considerando pelos motivos expostos no “FAX” enviado em 20 de fevereiro de 2013 que a restante quantia não tinha de ser reembolsada.
T. A Ré recebeu essa quantia, mas insistiu que o restante montante também tinha de ser reembolsado.
U. Motivo que a levou a suspender o processamento salarial do Autor e a passar a pagar-lhe a remuneração referente ao crédito de quatro dias mensais.
III. O Direito
Consta da decisão sob recurso:
“Por douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, proferido neste processo, já transitado em julgado, foi considerado que a cedência de interesse público, prevista pelo artigo 58º nº 2 da Lei no 12-A/2008 de 27 de fevereiro (LVCR) e também pelo artigo 241º nº 3 da lei nº 35/2014 de 20 de junho (LTFP) originou para o Autor um novo vínculo jurídico transitório estabelecido com a entidade concessionária “Águas C…, S.A.” que acarreta que um litígio como aquele que está em causa nos autos, referente à remuneração do trabalho, se encontra no domínio da relação privada jus-laboral, sendo assim a causa do foro comum laboral.
Em concordância com o douto Acórdão proferido é, pois, à luz do que se encontra estipulado no Código do Trabalho que será subsumido o enquadramento jurídico dos factos. Como se sabe, as associações sindicais, nomeadamente os sindicatos, são estruturas representativas de trabalhadores – artigo 404º alínea a), 440º nº 4 e 442º nº 1 al. a), todos do Código do Trabalho.
(...)
No caso em apreço, como bem refere a Ré o regime excecional da cumulação de crédito de horas pretendido pelo Autor, foi estabelecido apenas para os serviços de administração pública, não sendo de aplicar a entidades comerciais privadas excluídas do setor de emprego público.
Efetivamente uma empresa como a “Águas C…, S.A.” não faz parte da administração direta ou indireta do estado, nem da administração regional ou autárquica, nem é uma outra pessoa coletiva pública, pelo que não lhe é aplicável o disposto no artigo 250º nº 9 do Regulamento, publicado no anexo II da Lei 59/2008 de 11 de setembro, que previa “a possibilidade de a direcção da associação sindical atribuir créditos de horas a outros membros da mesma, ainda que pertencentes a serviços diferentes, e independentemente de estes se integrarem na administração directa ou indirecta do Estado, na administração regional, na administração autárquica ou noutra pessoa colectiva pública, desde que, em cada ano civil, não ultrapasse o montante global do crédito de horas atribuído nos termos dos nº 1 a 3 e comunique tal facto à Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público e ao órgão ou serviço em que exercem funções com a antecedência mínima de 15 dias”, nem também no artigo 345º nº 11 da Lei nº 35/14 de 20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), com redação similar.
Temos deste modo, e não se colocando sequer a questão de saber se a Ré, suspenso que se encontra o contrato de trabalho do Autor, face ao disposto no nº 8 do artigo 468º do Código do Trabalho, está ainda assim obrigada a pagar o vencimento correspondente aos quatro dias de trabalho por mês, dado o Autor se encontrar a exercer em exclusivo funções sindicais desde o início de 2005, o certo é que nunca está obrigada a pagar-lhe a totalidade do seu vencimento, por tal não se encontrar previsto quer no Código do Trabalho, quer em algum IRCT que lhe fosse aplicável.
O facto de ter adiantado os vencimentos do Autor, não significa que tivesse ficado na obrigação legal de continuar a ter tal conduta, pois que a mesma pressupunha a devolução de tais quantias (com exceção do referente a 4 dias de trabalho) por parte do STAL, o que este deixou de fazer.”
Insurge-se o recorrente alegando: “no despacho saneador o Senhor Juiz a quo entendeu não ser necessário para a resolução do litígio fazer prova no sentido de saber se o STAL, que não é parte, tinha comunicado à Recorrida a atribuição de créditos de horas de outros membros da associação sindical, quais os exatos créditos de horas eventualmente usados e qual a repercussão que os mesmos tiveram na remuneração do Recorrente. Por conseguinte, a questão que o Senhor Juiz a quo acabou por “resolver” na sentença ora em crise não foi aquela que suportou a prova produzida nos autos, seja documental, seja testemunhal. Como resulta da matéria controvertida, o objeto do litígio a resolver nos autos era unicamente saber se é lícita a recusa da Recorrida de proceder pagamento das remunerações do Recorrente, atento o alegado pela Recorrida no artigo 53º da contestação.”
Mais acrescenta o recorrente: “independentemente da transferência para a Recorrida, a verdade é que o Recorrente continua a ser funcionário de uma autarquia local ao serviço da Recorrida, sendo esta, Recorrida, obrigada a garantir ao Recorrente todos os direitos, retribuições e regalias que o mesmo disporia se estivesse a prestar serviço para a autarquia – cfr. Cláusula 22ª, nº 1, do Contrato de Concessão. E, nessa medida, um dos direitos que assiste ao Recorrente é exercer livremente funções de dirigente sindical do STAL. Ora, estas funções de dirigente sindical que o Recorrente exerce junto dos trabalhadores da Recorrida não podem ser diferentes das que o Recorrente exerce junto dos funcionários da autarquia em que mantém o vínculo de origem. Se assim fosse, a Recorrida não estaria a garantir ao Recorrente todos os direitos que o mesmo tem como funcionário de origem da autarquia. Mais, Senhores Desembargadores, se fosse assim a Recorrida teria encontrado aqui uma forma de limitar o exercício das funções dos dirigentes sindicais junto dos trabalhadores, alguns deles também oriundos da autarquia, como sucede com o Recorrente, que ficariam prejudicados na defesa dos seus direitos laborais por estarem, agora, ao serviço da Recorrida, quando comparados com os funcionários da autarquia. (…) É que o Recorrente é dirigente sindical de todos os trabalhadores da direção regional do STAL, sejam eles funcionários da autarquia ou da Recorrida e, nesta, dos que são oriundos da autarquia como de quaisquer outros. Nesse sentido, o direito de exercer a atividade sindical na empresa, que assiste genericamente ao Recorrente, desde logo, nos termos do disposto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, será forçosamente o mesmo, seja a empresa a autarquia local ou a Recorrida. Ora, a possibilidade de o Recorrente beneficiar da atribuição de créditos de horas por indicação da associação sindical, provenientes de outros membros da mesma, prevista expressamente no nº 11 do artigo 345º da LGTFP, não pode ser ao mesmo tempo admitida e negada.”
Concluindo o recorrente: “conforme dispõe o artigo 55º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa, os representantes eleitos dos trabalhadores gozam de proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções. Ora, conforme foi supra referido, sendo o Recorrente dirigente sindical eleito pelos associados do STAL (em que se incluem trabalhadores da autarquia local e da Recorrida – alguns oriundos da autarquia), defender, como se defende na sentença ora em crise, a existência de duas liberdades sindicais para o Recorrente, uma para a defesa dos direitos dos trabalhadores da autarquia local e outra para a defesa dos direitos dos trabalhadores ao serviço da Recorrida (mesmo que sejam oriundos da autarquia local e mantenham o vínculo de origem) coloca ao dispor da Recorrida uma ferramenta que lhe permite, se assim entender (como passou a entender desde Junho de 2013 e não entendia antes), limitar a atividade sindical do Recorrente e do STAL, em clara violação ao disposto no artigo 55º, nº 6, da CRP.”
Analisando cada uma das três diversas questões suscitadas pelo recorrente:
1. Se a sentença conheceu de questão que não foi objecto de discussão:
O recorrente não invocou qualquer nulidade da sentença expressamente, nem se descortina efectivamente qualquer nulidade.
Conforme o acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2017, processo 2200/10.6TVLSB.P1.S1, sumariado em www.stj.pt, “I - As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art. 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. IV - É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. V - Não padece de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão reclamado que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da recorrente/reclamante.”
Consta do art. 53º da contestação: “A Ré suspendeu no processamento salarial de junho de 2013, o adiantamento de pagamento da retribuição, por falta de cumprimento dos reembolsos que o STAL vinha efetuando”.
Porém, contrariamente ao alegado, o objecto do processo não se resume a esta questão. Efectivamente o recorrente alegou no art. 34º da sua petição inicial: “Também para os meses subsequentes (de Junho de 2013 a Novembro de 2014) foi comunicado à R., nos termos legais, a cedência de créditos entre dirigentes do STAL, para o exercício, por parte do A., das suas funções sindicais, conforme Docs. nº 5 a 22, que se protestam juntar e aqui se dão por integralmente reproduzidos”.
Ou seja, a questão da falta de pagamento das remunerações ao recorrente, questão que constitui o objecto do recurso, passa por duas questões: a falta de reembolso por parte do STAL à recorrida, invocado por esta, mas que de facto se traduz na invocação da não obrigação do pagamento da remuneração, uma vez que ela só foi paga enquanto o STAL a reembolsava à recorrida, por acordo entre ambas; e a invocação pelo recorrente do cedência a seu favor do crédito de horas que outros dirigentes do STAL terão feito, como forma de responsabilizar a recorrida pelo pagamento do seu salário por inteiro.
Assim, esta última questão teria que ser abordada na sentença, a menos que se entendesse estar prejudicada pela decisão de alguma outra (art. 608º, nº 2, do CPC).
Se o recorrente entendia que se impunha no saneador abordar como tema de prova a questão da cedência do crédito de horas a seu favor, de forma diferente do que foi ali referido, então deveria ter suscitado a questão, seja na altura, seja antes de encerramento da discussão da matéria de facto.
A não ser assim, apenas restará eventualmente o recurso ao disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, se este colectivo o entender pertinente.
2. Se a recorrida está obrigada ao pagamento da retribuição integral do recorrente, por este “beneficiar da atribuição de créditos de horas por indicação da associação sindical, provenientes de outros membros da mesma”:
Antes de mais, importa analisar a natureza do vínculo do recorrente com a recorrida.
Conforme salientado na sentença sob recurso, a questão foi objecto do acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 28 de Setembro de 2018, proferido nestes autos a propósito da questão da competência material do Tribunal (tendo então o processo o nº 00028/15.6BEPRT-A, e estando publicado em www.dgsi.pt), ali se tendo decidido que:
“(...) que obscura razão levaria o legislador a instituir no artigo 241º/3 da LGTFP, como regra geral, que “A cedência de interesse público determina para o trabalhador em funções públicas a suspensão do respetivo vínculo”, se não fosse para dar espaço operativo ao novo vínculo transitório estabelecido com o empregador privado cessionário?
Afinal é essa instauração de um novo veículo, que fica coexistindo com o originário, que ocorre sempre nas situações de cedência de interesse público e similares (incluindo a requisição) e é isso que resulta inequivocamente da LGTFP: «Artigo 242.º Regime jurídico da cedência de interesse público 1 - O trabalhador cedido fica sujeito ao regime jurídico aplicável ao empregador cessionário e ao disposto no presente artigo, salvo quando não tenha havido suspensão do vínculo, caso em que a situação é regulada pelo regime jurídico de origem, incluindo em matéria de remuneração.»
Solução que, independentemente de minudências terminológicas irrelevantes, já resultava no domínio da LVCR, cfr. artigo 58º.
Não se reputa válida a argumentação da sentença ancorada na classificação da cedência por interesse público como uma “vicissitude modificativa” da relação pública de emprego. Obviamente a LGTFP, como logo no seu artigo 1º, nº1, se dispõe “regula o vínculo de trabalho em funções públicas” e, portanto, é natural que encare e sistematize as matérias de que trata da perspectiva desse vínculo. Certamente não seria expectável que a LGTFP, metendo foice em seara alheia, regulasse expressis verbis e centrasse o seu labor dogmático na perspectiva da relação laboral de direito privado. E, por outro lado, essa “vicissitude modificativa” realmente ocorre, porque a relação jurídica de origem vê amputado parte do seu conteúdo, que passa para a relação jurídica de destino
Trata-se por outro lado de uma interpretação completamente arredada da teleologia legal, independentemente da sua hipotética validade lógico-formal. Distantes das leis da lógica formal, as leis do Direito não se contentam em ser asserções formalmente válidas, querem transformar o mundo e, para tanto, projectam desígnios. E o desígnio da Lei é exactamente aquele que foi descrito, ou seja, a subsistência harmoniosa de duas relações jurídicas de natureza diversa, ou, se nos quiséssemos encarniçar numa visão monista (que não é o caso) uma relação triangular híbrida, com um trabalhador, duas entidades empregadoras e duas dimensões profissionais estanques, uma de direito público e outra de direito privado.
Concorda-se portanto com o douto parecer jurídico do Professor Pedro Madeira de Brito, junto pela Recorrente, quando refere nas suas conclusões: «7º. Quer no regime jurídico da LVCR, quer no regime da LTFP, sempre as relações jurídicas entre o trabalhador cedido e o cedente e entre o mesmo trabalhador e o cessionário correspondiam a duas situações jurídico-funcionais separadas, pormenorizando já a LVCR, no respetivo artigo 58º, nº5, que se tratavam de duas relações jurídicas de emprego totalmente distintas; 8º. Assim, a cedência de interesse público prevista pelos artigos 58º, nº2, da LVCR e 241º, nº3, da LTFP originou um novo vínculo jurídico transitório estabelecido com a entidade concessionária Águas C..., S. A., (coexistente com o vínculo originário) e, tendo em conta o efeito suspensivo, a sujeição ao regime jurídico-laboral aplicável à entidade concessionária, configurando assim um vínculo laboral de Direito privado, regulado pelo Código do Trabalho, de acordo com o disposto nos artigos 58º, nº3, da LVCR e 242º, nº1, da LTFP.»
Naturalmente, tratando-se de duas relações jurídicas distintas, nada impede que apenas uma delas tenha natureza de relação jurídico-administrativa e que apenas os litígios que a tomem por objecto sejam pertinentes à jurisdição administrativa.
Note-se que, apesar de “suspensa”, a relação de origem continua activa, designadamente no que se refere aos aspectos ligados à carreira, antiguidade, aposentação, certos aspectos de índole disciplinar, mormente quando possam colidir com a própria manutenção desse vínculo (v. g. penas expulsivas), etc., e todos os litígios que surjam nesse domínio serão obviamente pertinentes à jurisdição administrativa.
Em contrapartida no domínio da relação privada jus-laboral, não suspensa, jogam-se os potenciais litígios inerentes à prestação de trabalho, no caso na sociedade Águas C..., S.A., designadamente os que contendam com o conteúdo funcional, horário e local de trabalho, faltas, férias e muitos outros, tipicamente, os litígios referentes à remuneração do trabalho, como aquele que está em causa nestes autos.”
Este entendimento, que vincula ambas as partes, não merece qualquer censura, pelo que se tem a relação aqui em causa entre recorrente e recorrida como uma relação de direito privado, sujeita, por isso, às normas do Código do Trabalho de 2009.
Ora, sendo assim, conclui-se na sentença recorrida, não ter aqui aplicação “o disposto no artigo 250º nº 9 do Regulamento, publicado no anexo II da Lei 59/2008 de 11 de setembro, que previa “a possibilidade de a direcção da associação sindical atribuir créditos de horas a outros membros da mesma, ainda que pertencentes a serviços diferentes, e independentemente de estes se integrarem na administração directa ou indirecta do Estado, na administração regional, na administração autárquica ou noutra pessoa colectiva pública, desde que, em cada ano civil, não ultrapasse o montante global do crédito de horas atribuído nos termos dos nº 1 a 3 e comunique tal facto à Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público e ao órgão ou serviço em que exercem funções com a antecedência mínima de 15 dias”, nem também no artigo 345º nº 11 da Lei nº 35/14 de 20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), com redação similar”.
Conforme refere a recorrida na sua contestação, a maioria da jurisprudência já vinha entendendo que o exercício a tempo integral das funções sindicais por membro da direcção da associação sindical, implica a suspensão do contrato de trabalho – neste sentido o acórdão do STJ de 22 de Outubro de 1996, processo 004383, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Setembro de 2004, processo 2602/2002-4, de 20 de Março de 2002, processo 006614, de 22 de Janeiro de 1997, processo 0004064, e de 27 de Junho de 1990, processo 0064264, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Veja-se ainda Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, 2006, pág. 833, e Luís Menezes Leitão, em Direito do Trabalho, 3ª edição, 2012, pág. 490. Já no acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de Janeiro de 1983, processo 0000232, no qual se decidiu que “Se tais faltas se prolongarem por um largo período de tempo, verificar-se-á a interrupção (e não suspensão) das relações de trabalho, sem reflexo nestas, salvo no que respeita à retribuição”.
Este entendimento veio a ter consagração legal no nº 8 do art. 468º do Código do Trabalho, nos termos do qual quando as faltas justificadas se prolongarem efectiva ou previsivelmente para além de um mês, aplica-se o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador, sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, que preveja funções sindicais a tempo inteiro ou outras situações específicas, relativamente ao direito à retribuição de trabalhador.
Porém, invoca o recorrente que “continua a ser funcionário de uma autarquia local ao serviço da Recorrida, sendo esta, Recorrida, obrigada a garantir ao Recorrente todos os direitos, retribuições e regalias que o mesmo disporia se estivesse a prestar serviço para a autarquia – cfr. Cláusula 22ª, nº 1, do Contrato de Concessão”.
E, de facto, a possibilidade de um dirigente sindical poder estar a tempo integral ao serviço do sindicato, recebendo por inteiro a retribuição respectiva, através da cedência por outros dirigentes sindicais do seu crédito de horas foi reconhecida e aceite pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Setembro de 2010, processo 0335/10, acessível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta: “I - À luz do DL nº 84/99, de 19/3, os dirigentes sindicais dispunham de um «crédito de quatro dias renumerados por mês para o exercício das suas funções». II - Esses créditos podiam, por ano civil, ser cedidos a um outro membro dos corpos gerentes da mesma associação, ainda que pertencente a serviço diferente, estando tais cessões sujeitas a um procedimento culminado por despacho de um membro do Governo. III - Sendo assim, nada impedia que um dirigente sindical, cessionário legítimo dos créditos suficientes para, somados ao crédito próprio, abrangerem todos os dias de trabalho por mês, deixasse de comparecer no seu serviço, auferindo todavia o vencimento por inteiro.”
Certo é, contudo que se perfilha a conclusão plasmada na sentença de que não pode o recorrente, no caso concreto, beneficiar da atribuição de créditos de horas de outros membros da direcção da associação sindical.
Efectivamente, no âmbito do direito civil laboral, a atribuição de crédito de horas, prevista no art. 468º, nº 7, do Código do Trabalho, só é admissível em relação aos dirigentes sindicais que trabalhem na mesma empresa, e desde que se cumpra os limites previstos nos nº 1 e 2 do mesmo preceito. Nem se compreenderia outro entendimento, uma vez que se iria onerar a empresa que emprega o dirigente sindical beneficiário, que assim teria que suportar o pagamento da remuneração total de dirigente sindical em funções em exclusividade, ou quase, para obstar à suspensão do contrato de trabalho, em benefício das empresas onde trabalhem os dirigentes sindicais que cedem o seu crédito de horas.
E o mesmo raciocínio vale para o recorrente, para além obviamente do argumento maior da não aplicação ao mesmo dos aludidos preceitos do art. 345º nº 11 da Lei nº 35/14 de 20 de Junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). De facto, o preceito resulta da circunstância de o pagamento do vencimento dos dirigentes sindicais provir todo da mesma entidade, o Estado, através do Orçamento de Estado. Daí que se imponha a comunicação à Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, supomos que também para eventual transferência de verbas entre os diversos organismos abrangidos.
Ora este mecanismo não está previsto, nem se afigura possível entre empresas privadas, ou, como no caso, entre estas e o Estado. Não é, portanto, exigível que se a recorrida tenha que suportar o pagamento do crédito de horas de trabalhadores que prestam serviço em várias autarquias do norte do país, ou juntas de freguesia, como resulta dos documentos de fls. 37, 48, 59. 71, 82, 93, 106, 121, 134, 146, 154, 158, 171, 183, 196, 206 e 221, do processo administrativo.
Assim, ainda que se possa admitir que “as faltas dadas por trabalhador dirigente sindical, no mesmo a tempo inteiro, são de considerar justificadas, mas, no que toca à remuneração, gozam apenas da protecção mínima facultada pelo nº 2 do artº 22 da LS, ou seja, a remuneração equivalente a quatro dias por mês, sendo nula a cláusula de um CCT que garanta uma retribuição superior”, no dizer do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Dezembro de 2000, processo 0019004, acessível em www.dgsi.pt. Também Maria do Rosário Palma Ramalho, em Tratado de Direito do Trabalho, Parte III, Situações Laborais Colectivas, 2012, pág. 79, refere que: “Estas faltas acrescem ao crédito de horas, podendo assim ser dadas por estes trabalhadores quando aquele crédito já tenha sido esgotado, e consideram-se justificadas, desde que sejam motivadas por um acto necessário e inadiável ligado ao exercício das funções de representação, contando nesse caso como tempo de serviço efectivo, excepto para efeitos remuneratórios (art. 409º nº 1 e 2).”
Daí que o pagamento do tempo para além do correspondente ao crédito de horas do autor, fosse apenas adiantado pela recorrida, até ter cessado tal pagamento, sendo posteriormente, reembolsada pelo sindicato. Este procedimento consubstanciava, no fundo, um reconhecimento de que a recorrida não tinha que suportar o pagamento da aludida diferença, pelo que, cessando o STAL tais reembolsos, a recorrida deixou de fazer os adiantamentos em questão.
Conforme refere Jorge Leite, Crédito para desempenho de funções – um crédito mal amado?, em Questões Laborais, nº 42, Vinte Anos de Questões Laborais, 2014, pág. 23, “o crédito constitui, sem dúvida, salvo acordo em contrário, um limite à remuneração das ausências, mas não constitui um limite às ausências, como, aliás, o mostra, em termos inequívocos, o nº 1 do citado artigo”.
Face ao exposto, não deve proceder a apelação.
3. Entende, porém, o recorrente que o entendimento exposto na sentença, e que se sufragou nos termos apontados, é inconstitucional, porquanto “coloca ao dispor da Recorrida uma ferramenta que lhe permite, se assim entender (como passou a entender desde Junho de 2013 e não entendia antes), limitar a atividade sindical do Recorrente e do STAL, em clara violação ao disposto no artigo 55º, nº 6, da CRP.”
Nos termos do referido precito da Constituição, a lei assegura protecção adequada aos representantes eleitos dos trabalhadores contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.
Ainda no âmbito da Lei Sindical (Lei nº (Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril), decidiu o Tribunal Constitucional em acórdão de 20 de Novembro de 1996, nº 1172/96, processo 451/95, acessível em www.tribunalconstitucional.pt:
“(...) o ora recorrente aceita que não sofre de inconstitucionalidade a norma do nº 1 do art. 22º da Lei Sindical na parte em que dispõe não ser devida remuneração pelas faltas justificadas dadas pelo dirigente sindical, para além do crédito de horas legal e remunerado previsto no nº 2 do mesmo artigo (sobre o regime legal dessas faltas, veja-se Jorge Leite, Ausência do Trabalho no Desempenho de Funções Sindicais, in Revista do Ministério Público, nº 32, págs. 85 e segs.). Considera, porém, através de uma interpretação a contrario sensu do nº 1 do art. 22º, que a imposição legal de que as faltas justificadas contem “para todos os efeitos” implica que devam ser pagas a esses dirigentes sindicais as gratificações do tipo das previstas nos autos, sob pena de inconstitucionalidade.
Como se viu, o Supremo Tribunal de Justiça – seguindo o parecer jurídico junto aos autos – afastou tal interpretação a contrario sensu. E considerou que a mesma não violava o nº 6 do art. 55º da Constituição, nomeadamente por argumento a fortiori, a partir do disposto na parte final do nº 1 do citado art. 22º.
Considera-se que o nº 6 do art. 55º da Constituição não impõe uma parificação total dos trabalhadores que exercem funções de direcção em associações sindicais, relativamente aos outros trabalhadores da mesma empresa, quando estejam em causa diferentes períodos de efectiva prestação de trabalho e no que toca à percepção da retribuição ou a atribuições patrimoniais que pressupõem a prestação de trabalho efectivo. A Constituição apenas impõe ao legislador que estabeleça regras de protecção quanto a esses trabalhadores, de forma a que não sejam impedidos ou constrangidos relativamente ao desempenho de tais funções (o legislador considerou serem medidas idóneas para assegurar tal protecção a solução de considerar justificadas as faltas ao serviço, sem qualquer limite temporal, implicando que o trabalhador não seja afectado na sua antiguidade, por exemplo; bem como a de impedir a mudança de local de trabalho, sem o consentimento do visado).
Não se vê, assim, que a norma seja inconstitucional quando interpretada no sentido de que o absentismo (lícito) do trabalhador por causa do exercício de funções sindicais afasta a obrigação de a entidade patronal pagar as remunerações referentes às ausências para além do crédito de horas e, muito menos, a de a obrigação de atribuir prestações não devidas destinadas a estimular a assiduidade e a produtividade do trabalhador. De facto, seria desproporcionado pôr a cargo da entidade patronal o pagamento das retribuições e gratificações, sem quaisquer limites, não obstante a ausência do trabalhador, que é dirigente sindical, para assegurar as suas tarefas e funções sindicais.
O legislador ordinário procurou compatibilizar as pretensões em conflito, estabelecendo uma solução compromissória: a entidade patronal não pode pôr termo ao contrato de trabalho invocando a ausência de serviço do trabalhador, quando este dê faltas por causa da sua actividade de dirigente sindical, não podendo verificar se se justificam tais ausências; o trabalhador não tem o direito de exigir remuneração pelos períodos de ausência justificada ao serviço da organização sindical que dirige e que excedam um crédito máximo de dias atribuído pela lei. A suspensão do contrato de trabalho durante as ausências justificadas não tutela a estabilidade de emprego, em si mesma, mas traduz a protecção da liberdade sindical enquanto direito fundamental do trabalhador.
A interpretação perfilhada no acórdão recorrido no sentido de que é lícito à entidade patronal excluir de concessão de determinadas gratificações (prémio de assiduidade; participação nos lucros) os dirigentes sindicais que hajam dado faltas justificadas, por causa do exercício de funções sindicais, para além do crédito legal de horas para essa tarefa, não viola, pois, o nº 6 do art. 55º da Constituição, sendo evidente que o dirigente sindical que se sacrifica pela respectiva associação sindical há-de estar consciente de que, ultrapassado o crédito de dias atribuído por lei, perde o direito à remuneração a que está obrigada a entidade patronal e, por maioria de razão, às atribuições patrimoniais não devidas que esta última confere aos trabalhadores com elevado grau de assiduidade e, presumivelmente, com maior produtividade. Não pode, assim, falar-se de qualquer retaliação ou abuso do poder da entidade empregadora face aos trabalhadores que se expõem, apresentando reivindicações e denunciando a violação dos direitos dos trabalhadores da empresa. Não existe, pois, violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade nem, claro, do nº 6 do art. 55º da Constituição.”
Face ao referido, não é inconstitucional a interpretação das normas legais em causa no sentido exposto, improcedendo a apelação.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Porto, 22 de Fevereiro de 2021
Rui Penha - relator
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes