CONTRATO DE CONSULTORIA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
Sumário

I - O contrato de consultoria é aquele pelo qual o consultor se compromete, sem constrangimento de subordinação, a prestar um trabalho intelectual de aconselhamento, com carácter pessoal, por si ou através dos seus colaboradores, e sendo profissional terá como contrapartida uma retribuição, tendo um âmbito de aplicação muito amplo (v.g. definição de modelos de gestão, realização de negócios ou estratégias de investimento), assentando numa relação de confiança, podendo ter um carácter esporádico ou continuado.
II - O contrato de consultoria estrutura-se essencialmente através de uma obrigação de meios, não sendo pelo facto de a retribuição ter uma componente fixa e uma componente adicional, em função dos resultados obtidos, que transforma esse contrato numa obrigação de resultados.
III - A designada “aquisição alavancada” ou “aquisição financiada por dívida” (…), corresponde a um expediente de compra de participações por um terceiro (“sociedade veículo”), que é suportado mediante um financiamento exterior, o qual é garantido pelos activos da empresa destinatária (“sociedade alvo”), acabando esta por ficar responsável pela liquidação da dívida contraída por quem investe.
IV - Nos contratos de consultoria de negócio, no qual foi estabelecido uma cláusula de success fee (“taxa de sucesso”) para efeito de retribuição e atendendo que tal contrato consiste essencialmente na prestação de um trabalho intelectual de aconselhamento, o que releva é se o resultado obtido se insere na estratégia de orientação negocial que foi sugerida e implementada e não tanto “o volume, a expressão quantitativa dos serviços prestados”.

Texto Integral

Recurso n.º 45388/19.5YIPRT.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes;
Adjuntos; António Paulo Vasconcelos, Filipe Caroço

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No processo n.º 45388/19.5YIPRT do Juízo Central Cível do Porto, J7, da Comarca do Porto, em que são:
Recorrente/Ré (R): B…, Lda.
Recorrida/Autora (A): C…, Lda.

foi proferida sentença em 31/ago./2020 cuja parte decisória foi a seguinte:
“Por todo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condena-se a ré B…, Lda a pagar à autora C…, Ldª a quantia de €59.040,00 (cinquenta e nove mil e quarenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transacções comerciais, contados desde 2.04.2019 até integral pagamento; absolvendo-a do restante pedido.
Julga-se improcedente o pedido de condenação da ré como litigante de má-fé. Custas pela autora e pela ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).”
1.1 A A. apresentou em 08/mai./2019 uma injunção contra a R., invocando que é uma sociedade que se dedica à consultadoria e assessoria financeira, tendo em 09/nov./2017 celebrado com a demandada um contrato de prestação de serviços de consultadoria financeira, mediante a realização pela primeira de um estudo prévio de viabilidade económica e financeira, bem como de acompanhamento do processo de obtenção de financiamento, obrigando-se a segunda a efetuar o pagamento dos honorários, a seguir discriminados: €3.500,00 + IVA – pela elaboração do estudo prévio de viabilidade económica e financeira; € 4% sobre o montante de financiamento a angariar, isto é, €48.000,00 + IVA – pelos serviços de acompanhamento do processo de obtenção do financiamento. Mais alegou que apenas foram pagos € 3.500,00, pugnando pelo pagamento da quantia de €59.132,25, acrescida dos juros de mora vencidos, que nesta data se quantificam em €408,26, e ainda dos juros de mora vincendos, contados desde esta data até efetivo e integral pagamento, acrescido do valor de € 150,00, correspondente a honorários do mandatário devidos pela instauração da presente injunção.
1.2. A R. deduziu oposição em 06/jun./2019, excepcionando a sua ilegitimidade passiva, porquanto o referenciado contrato foi celebrado entre a demandante e a sociedade D…, Lda., não tendo pago qualquer quantia, porquanto tal foi efetuado por esta última sociedade, apenas sabendo do sucedido porque uma dos seus gerentes, mais precisamente E…, é igualmente gerente desta terceira sociedade, impugnando a versão correspondente da A.. Mais sustentou que não houve qualquer financiamento, tendo a D…, Lda. desistido do processo em 11/jan./2019.
1.3. A A. veio em 26/set./2019 apresentar resposta, dando essencialmente conta da troca de e-mails entre aquela e a R. a propósito dos serviços prestados pela primeira à segunda, suscitando ainda que esta última litiga de má-fé.
1.4. A R. em 10/out./2019 e quanto aos documentos anteriormente juntos pela A. sustenta que “No que diz respeito aos documentos juntos pela Autora sob os números 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61 e 62 a Ré impugna-os expressamente e para todos os devidos efeitos legais no teor e sentido que a Autora lhes pretendem atribuir”, considerando que não litiga de má-fé.
1.5. Por despacho-saneador proferido em 04/nov./2019 foi julgado improcedente a excepção da ilegitimidade passiva, prosseguindo os autos.
2. A R. insurgiu-se contra aquela sentença, tendo em 13/out./2020 interposto recurso, pugnando pela revogação da sentença e a sua substituição por outra que a absolva do pedido ou, caso assim não se entenda que a A. tem direito a uma remuneração, a ser aferida por juízos de equidade, acrescidos de mora, apresentando as seguintes conclusões:
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3. A A. contra-alegou em 16/nov./2020, pugnando pela manutenção da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
1. Na decisão recorrida não foi cometida qualquer violação de lei, nulidade, nem nenhum erro na apreciação da matéria de facto e aplicação da matéria de direito que imponha uma solução diversa daquela que foi decidida na aludida sentença, competindo, assim, a este tribunal “ad quem” usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de confirmação.
2. Só se poderá falar em nulidade da sentença pelo facto de os fundamentos estarem em oposição com a decisão – nulidade invocada pela recorrente – isto é, só se verifica a nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, se os fundamentos (de facto ou de direito) apontarem num certo caminho e a decisão final vier a tomar um sentido completamente contrário.
3. A questão de saber se existe ou não erro de julgamento – argumento em que a recorrente se baseia para fundamentar a existência de nulidade - nada tem a ver com a nulidade prevista na referida alínea c), a qual, no caso concreto, não se verifica, pois, na sentença recorrida, o tribunal “a quo” descreveu e enunciou claramente os factos provados, enunciou também o direito aplicável e, em seguida decidiu de acordo com aqueles factos e aquele direito, pelo que, sendo certo que, o simples facto de a recorrente não concordar com decisão do tribunal não significa que esta decisão esteja ferida de algum vício, dúvidas não existem de que a sentença não é nula e, consequentemente que tal alegação deve ser julgada totalmente improcedente.
4. Um dos princípios basilares, senão mesmo o fundamental, quanto à prova, é o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, nos termos do qual, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
5. É também sabido que tal princípio não equivale, todavia, a prova arbitrária, razão pela qual, a convicção do Juiz não pode ser puramente subjetiva, emocional e, portanto, emotiva, pelo que, nos termos do n.º 4 do preceito legal supra referido, a fundamentação da sentença deve conter uma exposição dos factos que o Juiz julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações
tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando ainda o Juiz em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.
6. Embora o princípio da livre apreciação da prova constitua um limite à discricionariedade do Juiz, a decisão do tribunal acaba sempre por ser uma convicção pessoal do Julgador, na medida em que, além dos elementos cognitivos, na sentença também intervêm elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais, pelo que, se a decisão do Juiz, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência comum, tal decisão deverá ser considerada inatacável, uma vez que, a mesma foi proferida segundo um critério legal, isto é, o julgamento segundo a sua livre convicção.
7. Não se verificou qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, tendo o Tribunal proferido uma decisão devidamente fundamentada, optando pela solução mais plausível segundo as regras da experiência comum e a própria lógica.
8. Da leitura da sentença recorrida resulta que o Tribunal construiu a sua convicção perante as provas constantes dos autos e as produzidas na audiência de julgamento, dando como credíveis umas e como não credíveis outras, explicando de forma fundamentada a sua opção.
9. As divergências apontadas à sentença recorrida são claramente pessoais e subjetivas, carecidas de qualquer relevância jurídica e, como tal, inconsequentes, pois, reitera-se, o que efetivamente releva é a convicção que o Tribunal forma perante as provas produzidas, como ocorreu no caso concreto, e não a convicção pessoal da recorrente, nomeadamente quando apenas seleciona a prova que lhe interessa à defesa do seu ponto de vista.
10. Na apreciação da prova destes autos, não existe qualquer erro, nem qualquer desconformidade entre a decisão e a prova produzida ou entre aquela e as regras da experiência média.
11. Da análise da prova documental constante dos autos e da prova produzida em audiência de julgamento, não existem dúvidas quanto às partes contratantes, sendo claro e inequívoco que o Sr. E… atuou sempre na qualidade de sócio-gerente da recorrente, e não como representante legal da D…, pelo que, terá de se concluir que não assiste qualquer razão à recorrente quanto à pretendida alteração da decisão quanto à matéria dos pontos 4, 5, 6, 11, 12, 20, 21, 25, 27 e 28, devendo, por isso, a mesma manter-se inalterada.
12. A testemunha F…, antiga colaboradora da sociedade recorrida, que participou diretamente no projeto em causa, não teve dúvidas em afirmar que quem contratou os serviços da recorrida foi a sociedade B…, esclarecendo ainda que, a empresa que estava a organizar a operação era a recorrente e que a D… apenas surgiu como uma sociedade “veículo”, de forma a concretizar o projeto que estava em curso para a sociedade B…, referindo também que aquela nunca poderia pedir nenhum financiamento porque não tinha qualquer património, atividade ou faturação relevante.
13. A testemunha G…, explicou detalhadamente que a sociedade aqui recorrida foi contactada pela recorrente para desenvolver uma operação de aquisição de quotas, para que esta sociedade fosse apenas dominada pelo seu sócio-gerente E…, esclarecendo ainda que, uma vez que o Sr. E… não tinha capacidade económica para adquirir as quotas da B… detidas pela sociedade H…, a solução pensada para alcançar o efeito pretendido pela recorrente foi um I…, explicando ainda que, na prática, esta operação consiste em criar uma sociedade veículo, que não tem qualquer tipo de função que não seja a de adquirir as quotas em causa, sociedade essa que é financiada por um crédito contraído pela sociedade “mãe” (neste caso a sociedade recorrente), e que, após esta última conseguir obter o referido financiamento, se extingue por fusão, permanecendo na Ordem Jurídica apenas a referida sociedade “mãe”, neste caso a recorrente, versão essa que é absolutamente coincidente com a prova documental constante do processo, mormente, do dossier constante de fls. 60 e seguintes dos autos, onde se encontra detalhadamente explicado tal projeto de financiamento.
14. A mesma testemunha, esclareceu ainda que só após ter apresentado a opção do LBO é que surge pela primeira vez a referência à sociedade D…, que até à data era absolutamente desconhecida pela recorrida, depoimento esse absolutamente coincidente com a prova documental constante do processo, concretamente dos documentos de fls. 51, pois, previamente a esse documento não há qualquer referência a essa sociedade.
15. A testemunha Dr. G… foi também perentório em afirmar que a recorrida enviou a proposta comercial aos dois representantes legais da recorrente, a qual, foi validada por ambos; que no contrato constava tanto o nome do Sr. E… como o do Sr. J… e, naturalmente, que a primeira fatura foi enviada para a B…, uma vez que, esta era a única cliente da recorrida.
16. A testemunha K…, quando foi questionada sobre quem, no seu entendimento, pela leitura do documento de fls. 60 e seguintes, era a cliente da recorrida, não teve dúvidas em confirmar que era a sociedade aqui recorrente.
17. A versão trazida aos autos pela recorrida é a única que tem coincidência com os depoimentos das testemunhas acima referidas, bem como, com a vasta prova documental contante dos autos, pois, se efetivamente os serviços da A. tivessem sido contratados pela D…, dúvidas não existem de que, apesar de a B… ter a mesma sede daquela imobiliária, no e-mail constante de fls. 42 e 43 ao invés de ter escrito “sugeria a fim de ficarem a conhecer a B… se deslocarem cá às nossas instalações” o Sr. E… teria certamente escrito: “conhecer a D…”.
18. Da análise do e-mail constante de fls. de 43v., enviado pela recorrida ao Sr. E…, na sequência da reunião realizada entre as partes em 12 de outubro de 2017, consta como assunto “Projeto B…”, e ainda que o Dr. L…, naquela mensagem, solicitou o envio do contacto do Dr. J…, o qual, conforme resulta dos autos não tem qualquer ligação à sociedade D…, sendo, na verdade, gerente da recorrente, o que é bem revelador de que a cliente da recorrida era a ora recorrente, e não a referida imobiliária, pois, embora na aludida mensagem não tenha sido feita menção expressa à qualidade de gerente do Dr. J…, a única conclusão obvia que se pode retirar de tal e-mail é que, quando escreveu, no mesmo, que pretendia obter o contacto do Sr. J…, o Dr. L… fê-lo porque aquele era gerente da sua cliente, aliás, nem se consegue vislumbrar qualquer outro motivo para tal solicitação, pois, se efetivamente tivesse sido a D… quem contratou os serviços da C…, dúvidas não existem de que se encontrava desvirtuado de qualquer sentido lógico o pedido efetuado pelo Dr. L… no e-mail aqui em causa.
19. No documento de fls. 60 e seguintes, encontra-se expressamente escrito o seguinte: “O presente documento tem como objetivo fornecer aos sócios da sociedade B…, Lda.,… um dossier que permita clarificar a montagem da operação de financiamento com vista à aquisição de 55% do capital social da B… por parte do seu sócio gerente no primeiro semestre de 2018, Sr. E….”(…) “Este documento deve ser considerado como o ponto de partida de uma operação a designar pela B…”, onde é feita referência à D… como sociedade veículo da operação pretendida.
20. No documento referido na conclusão anterior consta ainda que, na respetiva capa, se encontra escrito:
“Operação de Aquisição de Capital Social – I…”, “B…, Lda.”, e que o mesmo se encontra datado de 18 de janeiro de 2018 (embora, por lapso, se tenha feito menção ao ano de 2017), e que, no capitulo 4, a recorrida fez uma análise exaustiva da sociedade aqui recorrente, tendo feito referências quanto aos aspetos relevantes da sua constituição, modelo de negócio, clientela e fornecedores, dedicando o capítulo 5 de tal documento à informação financeira.
21. A testemunha M…, afirmou perentoriamente que teve intervenção na elaboração do documento de fls. 60, esclarecendo que o mesmo foi elaborado em 2018, e não em janeiro de 2017; a testemunha J…, admitiu expressamente que a recorrida elaborou o Dossier, referindo que o mesmo se destinava a ser apresentado às instituições bancárias; e a testemunha K…, funcionária do banco N…, também não teve dúvidas em confirmar que o documento de fls. 60 e seguintes lhe foi apresentado como sendo o dossier de suporte ao financiamento da recorrente, pelo que, constando também do documento de fls. 83 e 83v uma menção quanto à reunião realizada no dia 18 de janeiro de 2018 e ao dossier em causa, dúvidas não existem de que, contrariamente ao que alega a recorrente, o aludido documento foi elaborado para servir de suporte à operação de financiamento que a recorrente pretendia realizar, isto é, que o dossier em causa foi elaborado para a B…, e não para qualquer outra sociedade, por um lado, e que a recorrida entregou tal documento à recorrente, pois, de acordo com as regras
da experiência não é minimamente credível que uma empresa tenha perdido horas de trabalho para elaborar um documento com tal dimensão e, depois, tenha guardado o mesmo “numa gaveta”.
22. Através da análise da certidão permanente da B… é possível constatar que a identificada imobiliária só adquiriu as aludidas quotas em 22 de dezembro de 2017, isto é, cerca de 3 meses após a primeira reunião realizada entre as partes, depois da assinatura do contrato, e, após a recorrida ter realizado o estudo prévio.
23. Do documento de fls. 59 e 59v, resulta que em janeiro de 2018, o Sr. E… informou a recorrida que as quotas da recorrente detidas pela sociedade H… tinham sido adquiridas pela D…, o que, vem confirmar com segurança que a cessão de quotas só se concretizou em dezembro de 2017, pois, caso contrário, isto é, se efetivamente a imobiliária já fosse detentora das quotas em setembro de 2017, e, consequentemente, se o projeto fosse para essa sociedade, dúvidas não existem de que essa informação teria de estar na posse da recorrida antes de janeiro de 2018, facto esse que foi confirmado pela testemunha J….
24. Resulta também do depoimento da testemunha da recorrente M…, que no momento em que a recorrida apresentou o estudo económico, a recorrente ainda não tinha pago o preço devido pela suposta cessão de quotas, o que contraria em abono da verdade o depoimento do representante legal da recorrente transcrito nas suas alegações, na parte em que refere que, na data em que contactou a recorrida, a D… já tinha pago uma tranche do preço devido pela aquisição das quotas à sociedade H… (localização sessão de 06.07.2020, ficheiro áudio: 2020706100840, minuto: 00:05:18.0),
25. No documento de fls. 145 e 145v, no campo “from” está inscrito o e-mail …@C....com, pertencente ao representante legal da recorrida, Dr. L…; no campo “to” está inscrito o e-mail E...@B....pt, pertencente ao Senhor E…, gerente da recorrente; no campo Cc encontra-se inscrito o e-mail J…@....pt, pertencente ao Dr. J…, que na data era gerente da recorrente; no assunto dessa mensagem eletrónica refere-se “Projeto B…”; e no corpo do e-mail encontra-se escrito “Exmos. Senhores E… e J…” e “Tornou-se claro a necessidade de existência de um dossier que suporte o projeto no sentido de
aferir, não só por parte da B… mas igualmente por parte da entidade bancária, da viabilidade da operação nos moldes e pressupostos que nos foram transmitidos. Espero que o teor da nossa proposta seja claro, no entanto e caso subsista alguma dúvida por favor não hesitem em contactar-nos”, pelo que, dúvidas não existem de que, a única conclusão obvia é que o aludido e-mail foi enviado para o Senhor E… e Dr. J… porque estes eram os legais representantes da cliente da C…, pois, se efetivamente os serviços tivessem sido contratados pela D…, conforme pretende demonstrar a recorrente, é manifesto que a recorrida nunca teria enviado o identificado e-mail para um terceiro, isto é, para uma pessoa que nada tinha a ver com a sua alegada cliente!!
26. Até ao momento em que o Sr. E… solicitou que a fatura fosse emitida a favor da D…, inexiste qualquer referência a esta sociedade, o que por si só permite contrariar em absoluto a tese da recorrente, sendo certo que, de acordo com as regras da experiência, é evidente que a recorrida aceitou emitir as faturas referentes aos serviços prestados a favor desta daquela sociedade para manter um bom relacionamento com a sua cliente, isto é, com a B…, o que, aliás, foi expressamente referido pela testemunha G….
27. Se, de facto, tivesse sido a sociedade D… quem contratou os serviços da recorrida, dúvidas não existem de que, no e-mail constante de fls. 51 dos autos o Sr. E…, sócio gerente da recorrente, não teria obviamente necessidade de solicitar que a fatura fosse emitida a favor da D…, sendo ainda certo que, muito menos teria necessidade de informar a prestadora de serviços que a sede desta sociedade era a mesma da sociedade aqui recorrente, nem tampouco qual era o seu número de identificação fiscal, pois, se efetivamente a versão trazida aos autos pela recorrente tivesse algum ponto de verdade (que não tem), isto é, se efetivamente a D… tivesse recorrido aos serviços da recorrida para obter um financiamento para conseguir liquidar o valor da aquisição das quotas da recorrente, e se correspondesse à verdade que esta última sociedade era uma mera garante do cumprimento desse financiamento (versão essa absolutamente absurda atento o facto da D… não ter qualquer atividade e, consequentemente capacidade económica para liquidar qualquer ou débito, dúvidas não existem de que, obrigatoriamente, no dia 10 de novembro de 2017, isto é, após a C…. ter delineado o projeto, ter elaborado a proposta e ter assinado o contrato, a sociedade A. teria de ter na sua posse documentos referentes à D…, pois, só assim poderia concluir que a mesma não tinha capacidade para se financiar.
28. Da análise do documento de fls. 49 e 50 resulta que a recorrida enviou a minuta do contrato para os dois gerentes da recorrente acima identificados, pois, se efetivamente no e-mail de fls. 49 a recorrida não tivesse, por lapso, anexado o contrato, é manifesto que, no e-mail de resposta datado de dia 30 de outubro de 2017, às 12h51, no qual consta em Cc o e-mail da testemunha J…, o gerente da recorrente E… teria, certamente, alertado o Dr. L… para tal lapso, o que não fez, limitando-se a sugerir que a reunião proposta para o dia 6 de novembro, decorresse nas instalações da B…, pelo que, uma vez que, o depoimento do Dr. J…, na parte em que alega que não recebeu qualquer contrato, não tem qualquer sustentação na prova documental junta ao processo, concretamente, nos documentos acima identificados, dúvidas não existem de que andou bem o tribunal “a quo” em desconsiderar tal depoimento.
29. Não merece igualmente qualquer acolhimento a tese da recorrente, segundo a qual, o contrato em causa não foi carimbado porque a D… não tinha carimbo, na medida em que, se assim fosse, nada obstava que o contrato se encontrasse preenchido com os dados desta sociedade no campo expressamente destinado para o efeito, como maliciosamente a recorrente fez no documento que juntou aos autos com a sua oposição à injunção, sendo certo que, atentas as regras da experiência, dúvidas não existem de que o representante legal da recorrente omitiu deliberadamente a identificação da sociedade outorgante do contrato porque pretendia (como efetivamente veio a fazer) furtar-se ao cumprimento das suas obrigações, isto é, abster-se do pagamento do preço estabelecido no contrato de prestação de serviços, bem sabendo que a sociedade veículo D… não detinha qualquer património suscetível de responder pela dívida!
30. Também não assiste qualquer razão à recorrente quanto à pretendida alteração da decisão relativa à matéria constante do ponto 31 dos factos provados, devendo, por isso, tal ponto manter-se inalterado.
31. A testemunha G… foi claro e esclarecedor ao referir que, embora o contacto inicial com a O… não tenha sido realizado pela recorrida, (o que sucede frequentemente neste tipo de processos, pois, havendo um banco com quem os clientes habitualmente trabalham, são estes que, por regra, encetam os contactos iniciais, já que, havendo um histórico e uma relação prévia é mais fácil obter financiamento), a recorrente lhe pediu para estar presente em duas reuniões com a mencionada instituição bancária, por estarem a acompanhar todo o processo.
32. A referida testemunha, esclareceu ainda que, apesar de o representante legal da recorrente lhe ter pedido para se apresentar, naquela reunião, como um funcionário da B…, o mesmo não se limitou a assistir à reunião, participando ativamente na mesma.
33. No seu depoimento, E…, após confessar que a recorrida acompanhou o processo junto de várias instituições bancárias, embora tenha, a todo o custo, tentado criar a convicção de que a recorrida esteve presente nas reuniões realizadas nas instalações da O… por sua iniciativa, por mera amabilidade (o que é absurdo face às regras da experiência e contrário à prova documental sobre a qual a seguir nos pronunciaremos), confirmou que a C…. esteve presente nas reuniões realizadas nas instalações daquele Banco.
34. É absolutamente irrelevante para estes autos, concretamente, para determinar a intervenção da recorrida junto da O…, que tenha sido a recorrente a iniciar os contactos com a mencionada instituição de crédito, ou ainda que os e-mails trocados com a mesma não tenham sido diretamente remetidos pela recorrida, pois, de acordo com o contrato outorgado entre as partes, esta obrigou-se apenas a acompanhar o processo de obtenção do financiamento, o que comprovadamente fez, pois, da prova acima identificada, e dos documentos constantes dos autos resulta que a recorrida, ao longo de vários meses, apoiou a recorrente junto da O…, apresentando o projeto por si delineado, estudando soluções alternativas, negociando condições para a recorrente enviar ao Banco, pelo que, dúvidas não existem de que, efetivamente, a recorrida cumpriu a obrigação a que estava adstrita.
35. O legal representante da recorrente, confirmou ainda que enviou a carta que a recorrida lhe remeteu carta para a O…, em papel timbrado da B…, pelo que, atento o exposto, deverá manter-se inalterado o decidido quanto ao ponto 31 dos factos provados.
36. Tendo ficado absolutamente demonstrado – quer através da vasta prova documental identificada no capítulo anterior desta resposta, quer do depoimento das testemunhas G… e F… - que o contrato de prestação de serviços em causa nos presentes autos foi, efetivamente, celebrado entre a recorrida e a recorrente, e não entre aquela e a sociedade D…, é evidente que o tribunal “a quo” decidiu acertadamente quando concluiu pela legitimidade substantiva da R., não merecendo, por isso, a decisão recorrida qualquer censura.
37. Tendo ficado igualmente demonstrado que a recorrente contratou a recorrida para proceder à elaboração de um estudo prévio de viabilidade económica e financeira, e para acompanhar o processo de obtenção do financiamento por si pretendido, dúvidas não existem de que aquela estava obrigada a cumprir o contrato e que, portanto, tem legitimidade substantiva, dado que é titular da relação material controvertida.
38. O tribunal “a quo” decidiu também com acerto, quando concluiu que o facto de o contrato de prestação de serviços não se encontrar assinado, pelo menos, por dois gerentes da recorrente, não tinha a virtualidade de afastar a primeira conclusão, pelo que, damos aqui por integralmente reproduzida a sentença, cumprindo apenas referir que, não foi feita qualquer prova nos autos de que a recorrida tivesse conhecimento, na data da assinatura do contrato, que a recorrente se vinculava com a assinatura de dois gerentes.
39. Além disso, além de o Dr. J… ter acompanhado sempre todo o processo, considerando-se por isso, que ratificou o contrato, o certo é que, a recorrida cumpriu a totalidade das suas obrigações contratuais, numa relação de durou mais de um ano, pelo que, a invocação da falta de poderes teria sempre de ser considerado um abuso de direito, na vertente venire contra factum próprio.
40. Constando da cláusula 1 do contrato de prestação se serviços aqui em causa que “o promotor contrata por este meio a AAA-CF como consultou financeiros para as Operações, de acordo com as seguintes condições: 1 – A AAA-CF, de acordo com os temas e condições do presente documento, prestará todos os serviços necessários (os “Serviços”) normalmente incluídos nas referidas funções, incluindo: (i) Elaboração de estudo de viabilidade económica – financeira e acompanhamento de processo de financiamento (ii) empregar os nossos melhores esforços de forma a obtermos compromissos de financiamento satisfatórios; e (iii) prestar qualquer outro tipo
de apoio ao Promotor que seja necessário, ou tenha conexão com qualquer um dos serviços anteriores, desde que presente na carta de compromisso”, é possível concluir que a recorrida se obrigou a prestar serviços à recorrente de assessoria financeira, quer elaborando um estudo de viabilidade económico-financeiro, quer procedendo ao acompanhamento do processo de financiamento.
41. Do aludido contrato, resulta ainda que o pagamento dos serviços da recorrida comportava uma parte fixa, a liquidar com a elaboração do estudo de viabilidade, e uma parte variável, necessariamente relativa aos serviços de acompanhamento do processo de financiamento, a liquidar de acordo com o anexo I, pelo que, atenta a matéria dada como provada, sobre a qual já aqui nos pronunciamos, é manifesto que a recorrida prestou, no processo de financiamento, para o fim visado, a assessoria técnica a que se vinculou no contrato de prestação de serviços em causa, e que a prestação desses serviços não foi indiferente para a obtenção do valor do financiamento.
42. Atenta a matéria dada como provada nos presentes autos, o tribunal “a quo” não podia ter aplicado outra solução de Direito ao caso concreto que não fosse a constante na sentença recorrida, pelo que, no nosso entendimento, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo, por isso, manter-se inalterada.
43. A sentença recorrida não violou qualquer das normas indicadas pela recorrente, nomeadamente, o disposto nos artigos 342.º n.º 1, 405.º, 595.º, 767.º, 804.º, 805.º n.º 2 a), 806.º, 1154, 1157.º e 1156.º do Código Civil, os artigos 192.º, 252.º, 259.º, 260.º, n.º 1 e 4.º e 261.º do Código das Sociedades Comerciais, o artigo 102.º n.º 3 do Código Comercial, e, por isso, deve ser totalmente mantida.
4. Admitido o recurso por despacho proferido em 19/nov./2020, foi o mesmo remetido a esta Relação onde foi autuado em 04/jan./2021, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. Não existem questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do recurso.
6. O objeto do recurso incide na retificação de lapsos de identificação na sentença (a), a nulidade da sentença por existência da apontada contradição entre a prova e a fundamentação (b), o reexame da matéria de facto (c) o contrato de consultoria e a legitimidade substantiva da R (d), a vinculação da sociedade através dos seus gerentes (e) e a remuneração a título de success fee (f)
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1.1. A sentença recorrida: factos e motivação
“A. Factos Provados
Tendo em consideração o acordo das partes, os documentos juntos aos autos, a prova produzida em audiência final e o disposto no art.º 5º, do NCPC, o tribunal considera provados os seguintes factos, com interesse à boa decisão da causa:
1. A autora é uma sociedade que se dedica com escopo lucrativo, à prestação de serviços de apoio e promoção ao investimento, consultoria e assessoria financeira, estratégia de gestão, administrativa, comercial, marketing, avaliação de empresas, projetos de investimento, fusões e aquisições; estudos económico-financeiros, planos de negócios, estudos de angariação de financiamento e investimento, finanças empresariais, reestruturação de empresas, intermediação de compra e venda de empresas e negócios.
2. A ré é uma sociedade que tem por objecto social a separação, tratamento, reciclagem e gestão de lixos e resíduos, tais como materiais em madeira, pedra, areia, cimento, ferro, betão, alumínio, plástico, vidro, borracha, óleos e outros; comercialização dos lixos ou resíduos recolhidos depois de tratados, separados ou reciclados; serviços de limpezas gerais, comércio de produtos de limpeza e de produtos para tratamento de resíduos; aluguer de contentores para depósito de resíduos e serviço de transporte de resíduos industriais; transporte nacional e internacional por conta de outrem; comércio, importação e exportação de equipamentos para gestão de resíduos; indústria de construção civil e empreitada de obras públicas; comércio, importação e exportação de casas pré-fabricadas, conforme documento de fls. 59 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. No dia 27.09.2017, a funcionária da autora P…, remeteu um e-mail para o sócio-gerente da ré E… (endereço eletrónico E…@B….pt), através do qual, fez uma breve apresentação da sociedade autora e dos serviços por si prestados, e questionou se o mesmo tinha interesse em agendar uma reunião, com vista à apresentação dos apoios disponíveis ao nível do financiamento ou de outra área onde desenvolvem a sua atividade, conforme documento de fls. 41 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Na sequência dessa mensagem eletrónica, e após uma breve troca de e-mails, no dia 29.09.2017, o sócio-gerente da ré E…, através do endereço eletrónico supra referido, além de confirmar o interesse no agendamento de uma reunião, a qual se realizou no dia 12.10.2017, propôs que a mesma tivesse lugar nas instalações da sociedade B…, a fim de a autora ficar a conhecer a empresa, conforme documento de fls. 42 a 43 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Na mencionada reunião, o sócio gerente da ré transmitiu à autora que pretendia que fosse montada uma operação de financiamento para liquidação da aquisição das quotas da ré detidas pela sociedade H….
6. No dia seguinte, o representante da autora, L… remeteu um e-mail para o mencionado E…, com o assunto “Projeto B…”, através do qual, lhe solicitou o contacto do outro gerente da ré J…, de forma a poder proceder à elaboração da proposta comercial e, caso fosse do interesse da ré, dar início ao processo financeiro denominado I… (…) apresentado na reunião realizada no dia anterior, conforme documento de fls. 43v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Em resposta, o mencionado E…, forneceu ao representante da autora L… o endereço de e-mail do gerente da ré J…, colocando-o inclusive em “CC”, isto é, dando-lhe conhecimento do mesmo, conforme documento de fls. 44 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Nessa sequência, no dia 16.10.2017, em nome da autora, o referido L…, enviou para os dois gerentes da ré – E… e J… - o email com o teor do documento de fls. 145 e 145v, ao qual, anexou a proposta negocial cuja cópia consta de fls. 45 a 48v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Posteriormente, e após prévia negociação, em 30.10.2019, o sócio-gerente da ré E…, através do e-mail E…@B….pt, e dando conhecimento do teor do e-mail a J…@J….pt, transmitiu à autora, que adjudicavam a proposta apresentada, e, solicitou o envio da factura intercalar do valor correspondente a 50% dos honorários fixos e o respetivo IBAN para efetuar o pagamento do aludido montante, conforme documento de fls. 49 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Em resposta ao mencionado e-mail, o representante da autora L…, remeteu para os dois indicados gerentes da ré a minuta do contrato relativo à prestação de serviços acordados, e agendou com os mesmos uma reunião, a qual, por proposta do gerente da ré E…, decorreu, no dia 6.11.2017, nas instalações da ré, conforme documento de fls. 49v a 50 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Previamente à realização da referida reunião, a autora enviou à ré a factura n.º 2017./.., com data de vencimento em 02.11.2017, no montante de €2.152,50, emitida a favor da ré B…, Lda., conforme documento de fls. 50v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Em 10.11.2017, o sócio-gerente da ré E…, enviou um e-mail para o representante da autora L…, do qual deu conhecimento a Q… e ao gerente J…, através do qual lhe solicitou que a factura referente aos 50% dos honorários fixos fosse emitida à sociedade D…, Lda, conforme documento de fls. 51 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
13. E anexou a cópia do contrato de prestação de serviços por si assinado, conforme documento de fls. 51v a 55 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
14. No aludido contrato, a autora obrigou-se, por um lado, a proceder à elaboração de um estudo prévio de viabilidade económica e financeira, e, por outro lado, a acompanhar o processo de obtenção do financiamento e, a ré, por sua vez, obrigou-se a efetuar o pagamento dos seguintes montantes, a título de honorários: - €3.500,00 + IVA – pela elaboração do estudo prévio de viabilidade económica e financeira e, a título de su[c]cess fee, 4% sobre o montante de financiamento a angariar.
15. Mais consta do aludido contrato que o pagamento da quantia devida a título de su[c]cess fee seria paga no momento do recebimento da primeira tranche do financiamento pelo promotor do projecto de financiamento.
16. Na sequência do e-mail de 10.11.2017, em 15.11.2017, de acordo com o solicitado, a autora remeteu para a ré a nota de crédito n.º 2017…, datada de 15.11.2017, a favor da ré B…, Lda., bem como, a factura 2017…, datada de 15.11.2019, no valor de € 2.152,50, em nome da D…, Lda, conforme documentos de fls. 55 a 57 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17. Após a assinatura do referido contrato, entre a autora e a ré foram sendo trocados vários e-mails, através dos quais, por um lado, foram solicitadas várias informações referentes à sociedade aqui ré, e, por outro lado, foram-lhe transmitidas e organizados os elementos de demonstração de resultados previsionais, bem como o mapa de responsabilidades de crédito extraído do Banco de Portugal.
18. Em janeiro de 2018, o sócio-gerente da ré E…, informou a autora que as quotas da B… detidas pela sociedade H… tinham sido adquiridas pela sociedade D…, Lda., a qual, era detida pelo mencionado E…, pela sua mulher, e pelos seus dois filhos S… e T….
19. No mencionado e-mail, o sócio-gerente da ré E…, informou também o representante da autora L… que continuava a ser sócio gerente da B… e que o mencionado J… e o U… mantinham a qualidade de gerentes e que a sociedade se obrigava com a assinatura de dois gerentes, juntando para o efeito a certidão permanente da ré, conforme documentos de fls. 59 a 59v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
20. Posteriormente, no dia 18.01.2018, durante uma reunião previamente agendada para o efeito, a autora entregou à ré o “Dossier” que elaborou com o objetivo fornecer aos sócios da ré, bem como, às entidades financiadoras da operação a apresentar, informações que permitiam clarificar a montagem da operação de financiamento.
21. Na aludida operação de financiamento a sociedade D…, Lda sempre constituiu apenas um mero “veículo” para a B… se financiar, sendo que a mesma não dispõe de qualquer património, nem desenvolve qualquer actividade.
22. O gerente da ré E… é também gerente da sociedade D…, Lda.
23. A ré e a sociedade D…, Lda têm a sua sede no mesmo local.
24. Durante a reunião mencionada em 20., o sócio-gerente da ré E… solicitou ao representante legal da autora que a última factura referente aos honorários fixos também fosse emitida em nome da D…, Lda.
25. No dia seguinte, em 19.01.2018, a autora enviou para o sócio-gerente da ré E…, a factura n.º 2018…, no montante de €2.152,50, emitida em nome da referida sociedade D…, Lda, informando também a ré que a partir desse momento, daria início à fase seguinte, isto é, à apresentação, negociação e acompanhamento do processo com vista à obtenção do capital junto das instituições bancárias, conforme documentos de fls. 83 e 83v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
26. A partir desse momento, a autora iniciou a apresentação do projeto junto de vários bancos, acompanhando todo o processo com vista à obtenção do financiamento pretendido.
27. Ao longo desta fase, a autora e a ré foram partilhando informações e elementos referentes à ré (nomeadamente, relatório de contas de 2016 e 2017, o balanço, a certificação legal de contas, entre outras), bem como informações quanto ao estado do processo de financiamento.
28. O sócio-gerente da ré E…, foi fornecendo à autora várias informações sobre a ré, que eram essenciais para a mesma se poder financiar.
29. Nomeadamente, durante as negociações que estava a levar a cabo com o V…, o representante legal da autora questionou o sócio-gerente da ré sobre quais as garantias reais que podiam ser concedidas à aludida entidade bancária, conforme documento de fls. 102 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
30. Em resposta a esta questão, no dia 19.06.2018, a ré enviou à autora o alvará de utilização n.º 223/2014, emitido em nome da aqui ré, e as cadernetas prediais dos prédios com os artigos 319, 317, 254, 1167, 327, 323 e 615, de que a ré é proprietária, conforme documentos de fls. 102 a 109 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
31. A autora acompanhou ainda o processo de obtenção de financiamento, concretamente no que diz respeito ao processo junto da O…, nomeadamente, tendo estado presente em reuniões e procedendo à elaboração da minuta de fls. 115 a ser enviada ao referido banco.
32. Em Janeiro de 2019, a ré obteve o financiamento junto da O…, tendo o mesmo ascendido a €1.200.000,00, tendo o valor de €900.000,00 sido utilizado na aquisição de capital da ré pela D…, Lda.
33. Na sequência, a autora emitiu e remeteu à ré a fatura n.º 2019…, emitida e vencida em 02.04.2019, no valor de €59.132,25, conforme documento de fls. 19v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
34. Por carta datada de 9.04.2019, a ré procedeu à devolução à autora da aludida factura, conforme documentos de fls. 19 a 20v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
35. Por carta datada de 11.01.2019, a sociedade D…, Lda informou a autora que desistia do contrato celebrado em 9.11.2017, conforme documento de fls. 157 a 159 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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B. Factos Não Provados:
Não resultou provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente, o montante despendido pela autora na execução dos serviços acordados e que a autora despendeu a quantia de €150,00 em honorários de advogado com a instauração da injunção.
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C. Motivação do Tribunal:
O Tribunal formou a sua convicção com base na livre apreciação de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e junta aos autos, analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência e critérios de normalidade e razoabilidade nos termos que a seguir se expõem.
Assim, e para além dos factos que estão assentes por documento autêntico e acordo das partes, nos termos do art.º 574º, nº 2, do NCPC [cfr. pontos 1., 2, 19. (parte final), 22., 23. e 32. a 35. do elenco dos factos provados) teve ainda o tribunal em consideração a demais prova produzida, nomeadamente, o depoimento de parte do legal representante da ré, as declarações de parte do legal representante da autora e os depoimentos das testemunhas, tudo devidamente concatenado com a vasta e esclarecedora prova documental oferecida nos presentes autos.
No que respeita às partes contratantes, a prova produzida revelou-se absolutamente clara e inequívoca, tendo tido o tribunal em especial consideração desde logo as declarações de parte do legal representante da autora, G…, o qual descreveu com riqueza de pormenores e forma assertiva, consistente e sobretudo sustentada na prova documental oferecida pelas partes, bem como no depoimento da testemunha F…, à data colaboradora da autora, e que participou directamente no projecto em causa.
Por sua vez, o depoimento de parte do legal representante da ré, o qual insistiu em afirmar que negociou e assinou o contrato discutido nos autos em representação da sociedade D…, Lda, não nos mereceu credibilidade, por notoriamente defensivo e incongruente.
Veja-se que este admitiu expressamente que solicitou os serviços da autora com vista a obter financiamento para a liquidação da aquisição do capital social que a sociedade H…, Lda detinha na ré, porquanto pretendia passar a controlar sozinho a sociedade ré. Mais aceitou que assinou e devolveu à autora um dos duplicados do contrato sem ter incluído no mesmo qualquer referência à sociedade H…, Lda, bem como que, muito embora a aquisição de tal capital social tenha sido realizado por esta sociedade, esta nunca teve ter qualquer património, actividade ou facturação relevante.
Isto aliado ao facto da sociedade D…, Lda ser totalmente detida pelo referido legal representante da ré e seus familiares, leva-nos a concluir com segurança que a sua intervenção na tal aquisição do capital social foi meramente formal, tendo servido apenas como sociedade veículo em tal operação, conforme aliás consta da proposta sugerida pela autora para a montagem da operação de financiamento.
Aliás, o objectivo da contratação da autora encontra-se impressivamente descrito logo no início do dito documento e constante dos autos de fls. 60 e seguintes, onde se pode ler o seguinte: “O presente documento tem como objectivo fornecer aos sócios da sociedade B…, Lda … um dossier que permita clarificar a montagem da operação de financiamento com vista à aquisição de 55% do capital social da B… por parte do seu sócio gerente no primeiro semestre de 2018, Sr. E….” (o sublinhado é nosso). E continua “Este documento deve ser considerado como o ponto de partida de uma operação a designar pela B…, …” (novamente, o sublinhado é nosso).
Aliás, se assim não fosse, ou seja, se tivesse ficado claro entre as partes que o negócio estava a ser concretizado entre a autora e a sociedade D…, Lda, como o legal representante da ré e as testemunhas J… e W… quiseram fazer crer, não teria aquele tido necessidade de solicitar que a facturação fosse realizada em nome da aludida sociedade veículo, pelo menos nos termos em que o fez. Com efeito, só após ter recebido a primeira factura emitida pela autora dirigida à ré, é que o legal representante da ré indica e comunica à autora a denominação, nº fiscal e morada da dita sociedade D…, Lda, através do email datado de 10.11.2017 (cfr. fls. 51 dos presentes autos).
Deste modo, o depoimento da testemunha J…, o qual à data dos factos ainda era gerente da ré, também não nos mereceu suficiente credibilidade, tendo o mesmo procurado enfatizar a circunstância de não ter assinado o contrato, isto apesar de confessamente ter acompanhado de perto todo o processo.
Como é evidente, e não obstante com objectivos e finalidades distintas, todos os gerentes da ré tinham interesse na obtenção do financiamento, tendo ficado demonstrado à saciedade que se socorrerem da sociedade D…, Lda para concretizar o negócio apenas para contornar os obstáculos legais relativos à aquisição pela ré de capitais próprios, tanto mais que teria que ser sempre a ré a suportar os custos e riscos inerentes a qualquer operação financeira que viesse a ser concretizada.
Por fim, basta uma leitura breve da prova documental junta aos autos, nomeadamente, do teor da correspondência electrónica trocada entre os representantes das partes para reforçarmos tal convicção, sendo por absolutamente indiscutível que o interlocutor da autora era a ré, sendo avassaladora e praticamente inexistente a referência à dita sociedade D…, Lda. Ou seja, da análise de tais documentos redundou igualmente confirmada a versão da autora quanto às partes contratantes.
Quanto às obrigações contratuais assumidas pelas partes tivemos essencialmente em consideração os documentos a ela atinente suficientemente ilustrativos da realidade que visavam demonstrar, nomeadamente, o teor do contrato e respectivo anexo junto a fls. 51v a 55 dos presentes autos, o qual em nada foi posto em causa pela restante prova produzida.
A supra mencionada prova documental veio ainda suportar e conferir credibilidade às declarações de parte do legal representante da autora, quanto aos serviços efectivamente prestados pela autora, sendo ainda de trazer à colação a confissão do legal representante da autora exarada em acta da audiência final (cfr. assentada de fls. 160v dos autos).
Na verdade, e no que a esta factualidade concerne, os depoimentos prestados só divergiram, ainda que não substancialmente, quanto à intervenção da autora junto da O…, entidade bancária que acabou por aprovar a operação de financiamento pretendida pela ré e directamente a esta. A presença da autora junto desta entidade teve necessariamente de ser mais discreta e indirecta, pois, conforme atestado pela testemunha X…, funcionário da O… que tratou da aprovação do dito financiamento, o qual explicou que os contactos estabelecidos pela referida entidade bancária são sempre com o cliente, permitindo que este seja assessorado ou acompanhado nesses contactos por quem bem entender.
Quer o legal representante da ré, quer as testemunhas M… (contabilista da ré) e X… confirmaram ainda a presença do legal representante da autora pelo menos na primeira reunião realizada nas instalações da O…, sitas em Braga e que a proposta da autora foi aí apresentada e discutida, acabando por ser apresentada outra solução pela referida entidade bancária.
Não será despiciendo acrescentar que o legal representante da ré confirmou ainda espontaneamente a intervenção da autora na elaboração da minuta enviada à O… conforme documentado a fls. 114v a 115v dos presentes autos.
Relativamente ao valor do financiamento obtido tivemos em consideração, mais uma vez, a confissão do legal representante da ré exarada em acta da audiência final – cfr. assentada de fls. 160v dos presentes autos.
No que à matéria de facto não provada concerne, importa dizer que a prova produzida não foi suficiente para dar tal factualidade como certa, ou seja, não foi produzida prova testemunhal ou documental que a sustentasse, tanto mais que o legal representante da autora apenas aludiu a tal factualidade de forma genérica, sem ter concretizado quaisquer valores despendidos pela autora na execução dos serviços prestados à ré.
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2. Fundamentos do recurso
a) Retificação de lapsos de identificação na sentença
O Código Civil na regulamentação dos negócios jurídicos (capítulo I) e mais precisamente no que concerne à declaração negocial em geral, consagra no seu artigo 249.º que “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”. Por sua vez e no que concerne aos actos jurídicos (capítulo II), estabelece no seu artigo 295.º que “Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente”. E no âmbito dos actos jurídicos podemos e devemos considerar aí compreendido os actos judiciais, como sucede com as sentenças.
No seguimento deste programa normativo, o Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, NCPC) veio estabelecer no seu artigo 146.º, n.º 1 que “É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada”. Mais acrescentou no n.º 2 que “Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”. Adiante no artigo 614.º, explicita no seu n.º 1 que “Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”. No subsequente n.º 2 estabelece-se que “Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.” – sendo nosso o negrito. Por último no n.º 3 consagra-se que “Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo”.
Como se pode constatar deste bloco legal, tanto o enunciado das distintas disposições legais, como o seu âmbito normativo, permitem a retificação de imprecisões em geral ou lapsos manifestos, o que sucede desde que essa correção mantenha a integralidade fundamentadora e decisória (v.g. o artigo 614.º, n.º 2 NCPC). Por outro lado, essa correção deve ser primacialmente realizada perante ou pelo tribunal onde ocorreram tais erros. E compreende-se que assim seja, porquanto é o tribunal que se encontra em melhor posição para a verificação dessas desconformidades e de que as mesmas são ligeiras.
No caso em apreço a recorrente pretende a correção da identificação das testemunhas referenciadas por J… ou J1… e de W…, referenciadas nos itens 6, 7 e 8 dos factos provados, assim como a menção de que G… prestou declarações como testemunha e não como representante legal da A.. No entanto, trata-se de uma “afirmação apodítica”, sem que precise a fonte dessa desconformidade. Mas se atentarmos nas actas das audiências de julgamento, podemos constatar que na acta de 06/jul./2020 consta a identificação de J…, estando referenciado que G…, Diretor executivo da A., prestou depoimento como testemunha. Por sua vez, na acta de 09/jul./2020 surge identificada W….
Nesta conformidade, passará a constar estas últimas identificações, em vez das anteriormente mencionadas.
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b) Nulidade da sentença por contradição entre a prova e a fundamentação
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC) enumera no seu artigo 615.º n.º 1 as causas de nulidade da sentença, que são as seguintes: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
A recorrente não aponta nenhum destes vícios, mas essencialmente o que se encontra provado no item 31, o que é assinalado na correspondente motivação probatória, por um lado, e o que se encontra na minuta de fls. 115, por outro lado (conclusões 5.ª e 6.ª do seu recurso). E a propósito tece ainda considerações sobre o papel dos representantes da A. na reunião ocorrida na Y…. Na evidência de existir essa divergência ou contradição, estamos perante um erro de julgamento da matéria de facto e não perante um vício de nulidade da sentença. Nesta conformidade, improcede este fundamento de recurso.
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c) Reexame da matéria de facto
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun. - NCPC) estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: (i) indicar os factos impugnados; (ii) a prova de que se pretende fazer valer; (iii) identificar o vício do julgamento de facto, o qual se encontra expresso na motivação probatória. Nesta última vertente assume particular relevância afastar a prova ou o sentido conferido pelo tribunal recorrido, demonstrando que o julgamento dos factos foi errado, devendo o mesmo ser substituído por outros juízos, alicerçados pela prova indicada pelo recorrente.
Assim, tal reexame passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia, possibilitando-se o seu conhecimento pela Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Acs. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b) NCPC), alargando estes para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada). Mas em ambas as situações, sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se for de conhecimento oficioso (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt).
Por sua vez, estipula-se no artigo 607.º, n.º 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. A estes últimos condicionantes legais de prova, seja os de natureza substantiva elencados no Código Civil, seja adjetiva enunciados na mesma lei do processo civil (410.º - 422.º; 444.º - 446.º; 463.º; 446.º, 489.º, 490.º, 516.º NCPC), com destaque para a prova ilícita (417.º, n.º 3 NCPC), acrescem e têm primazia aqueles outros condicionantes resultantes dos direitos humanos e constitucionais, os quais têm desde logo expressão no princípio a um processo justo e equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE). Nesta conformidade, podemos assentar que o regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, tanto versa sobre os meios de prova, que correspondem aos elementos que servem para formar a convicção judicial dos factos submetidos a julgamento, como sobre os meios de obtenção de prova, que são os instrumentos legais para recolha de prova. Tal regime acaba por comprimir o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou valoração de prova. Por tudo isto, o princípio da livre apreciação das provas é constitucional e legalmente vinculado, não tendo carácter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador. O mesmo está desde logo sujeito aos princípios estruturantes do processo justo e equitativo (a) – como seja o da legalidade das provas –, como ainda condicionado pelos critérios legais que disciplinam a sua instrução (b), estando, por isso, submetido às regras da experiência e da lógica comum (i), e nalguns casos expressamente previstos (v.g. 364.º exigência legal de documentos escrito) subtraído a esse juízo de livre convicção (ii), sendo imprescindível que esse julgamento de factos, incluindo a sua análise crítica, seja motivado (c).
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O cerne da impugnação da matéria de facto suscitado para reexame nesta Relação, está contido na sua conclusão 7, que passamos a transcrever, sendo nosso o negrito:
“Os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados os factos constantes da sentença, sob a epígrafe factos provados, número 4 na parte em que deu como provado “sócio-gerente da ré”, 5.º nas partes em que deu como provado “sócio gerente da ré” e “para liquidação da aquisição das quotas da ré detidas pela sociedade H…”, 6.º na parte em que deu como provado “contacto do outro gerente da ré J…” e “interesse da ré”, 8.º na parte em que deu como provado “gerentes da ré – E… e J…”, 9.º nas partes em que deu como provado “30.10.2019” e “sócio-gerente da ré”, 10.º, na parte em que deu como provado “remeteu para os dois indicados gerentes da ré a minuta do contrato relativo à prestação de serviços acordados, e agendou com os mesmos uma reunião, a qual, por proposta do gerente da ré E…, decorreu, no dia 6.11.2017, nas instalações da ré”, 12.º nas partes em que deu como provado “sócio-gerente da ré” e “fosse emitida”, 14.º na parte em que deu como provado “a ré”, 17.º na parte em que deu como provado “autora e a ré”, 18.º na parte em que deu como provado “sócio-gerente da ré”, 19.º na parte em que deu como provado “sócio-gerente da ré” e “J2…”, 20.º, 21.º, 25.º nas partes em que deu como provado “sóciogerente da ré” e “também a ré”, 27.º na parte em que deu como provado “autora e ré”, 28.º nas partes em que deu como provado “sócio-gerente da ré” e “que eram essenciais para a mesma se poder financiar”, 31.º nas partes em que deu como provado “reuniões” e “a ser enviada ao referido banco”, com referência aos temas de prova constantes das alíneas a), b), c) e d) no despacho saneador e, ao tê-los dados como provados nesses termos, atenta a prova documental, testemunhal e declarações de parte do legal representante da ré produzida em audiência e discussão e julgamento impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, como veremos infra.”
A sustentação desta impugnação é depois especificada ao longo das suas conclusões 8.ª a 75.ª, precisando os concretos meios de prova nas conclusões 11.ª, 15.ª, 20.ª, 24.ª, 27.ª, 32.ª, 37.ª, 42.ª, 44.ª, 47.ª, 57.ª, 66.ª, 71.ª, tendo tido o cuidado esforçado, que é sempre de enaltecer, de transcrever os depoimentos em causa, com destaque para as declarações de parte do seu representante legal E… e das testemunhas aí assinaladas, desconsiderando o endereço eletrónico utilizado por aquele (E…@B….pt), assim como por J… (J…@....pt), sendo ambos na ocasião gerentes da R..
O cerne do reexame da matéria de facto incide na qualidade em que o referido E… participou nas negociações com a A., se em representação da A. B…, Lda. se em representação da sociedade D…, Lda., sabido que o primeiro é gerente destas duas sociedades. Temos de reconhecer, após a audição de tais depoimentos, que existem duas versões distintas: uma no sentido de que foi em representação da sociedade D…, Lda., donde destacamos as declarações de parte de E…; outra no sentido de que foi em representação da A. B…, Lda., como sucedeu com o testemunho de G…, Diretor executivo da A.. Também temos de reconhecer que existe uma desconformidade na assinatura da Carta de compromisso de 09/nov./2017, porquanto a que foi junta pela R. surge a assinatura do referido E…, logo seguido de D…, Lda., que passamos a reproduzir.

[I]________________
Assinatura: E….
Entidade: D…, Lda.
Morada: Rua…, …, …. - … Braga
NIPC: ………
Mas no mesmo documento, desta vez junto pela Recorrida e A. aparece apenas a assinatura de E…, sem referência a qualquer identidade, como se pode constatar:

Pelo Promotor
[I]______________
Assinatura: E….
Entidade:
Morada:
NIPC:

Perante aquela desconformidade de versões dos assinalados depoimentos e mesmo destes documentos, a Relação sustenta a sua convicção probatória na prova documental respeitante à identificação surgida nos emails trocados entre E…@B….pt e G1…@C….com, referenciados como documentos n.º 21 (10/jan./2018), 24 (16/fev./2018), 27 (06/mar./2018), 28 (30/mar./2018), 29 (06/abr./2018), 30 (17/abr./2018), 31 (17/abr./2018), 32 (30/abr./2018), 33 (09/mai./2018), 34 (14/mai./2018), 35 (19/jun./2018), 36 (19/jun./2018), 45 (28/ago./2018), 46 (04/set./2018), 47 (21/ago./2018), 48 (30/jul./2018), 49 (03/ago./2018), 50 (08/out./2018), 51 (08/out./2018), 52 (10/out./2018), 53 (10/out./2018), 54 (11/out./2018), 55 (12/out./2018), 56 (14/out./2018), 57 (22/out./2018), 58 (22/out./2018), 59 (22/out./2018), 60 (05/nov./2018), 61 (05/nov./2018), 62 (02/jan./2019). Assim como entre W…, funcionária da R. (W…@B….pt), e L…, funcionário da A. (L1…@C…e.com), referenciado como documento n.º 23 (22/dez./2017), ou com o já mencionado G…, como sucedeu com o documento n.º 26 (02/mar./2018), ambos com conhecimento a E…@B….pt.
Esta prova documental, que tem um vínculo objetivo, permite concluir que a intervenção do referido E…, foi sempre em representação da sociedade B… e a mesma não foi apenas uma única vez, mas ao longo de mais de um ano e quase todos os meses, com excepção de julho e dezembro de 2018. Daí que não se possa dizer que é uma mera coincidência ou que esse “e-mail sempre foi utilizado pelo senhor E… para tudo, inclusive pela sociedade D…, Lda. que não tem e-mail,” (conclusão 10.ª). E não tem endereço eletrónico porquanto a D…, Lda. é uma “sociedade ad-hoc” ou “sociedade veículo”, no âmbito da estratégia financeira que foi delineado na sequência da Carta de Compromisso de 09/nov./2017 e no estudo de gestão financeira realizado pela A., que tem o seu desenho de investimento nuclear mediante a designada “aquisição alavancada” ou “aquisição financiada por dívida” (I… - …). Aliás, a “similitude” de procedimento com J…, na ocasião gerente da R., que utiliza um e-mail da sociedade …, acaba por ser contraproducente para a sua versão, porquanto é sintomático que este estava a par dos acontecimentos que envolviam a R. B…, porquanto o mesmo nada tem que ver com a D…, Lda.. Nesta conformidade, resta concluir que a impugnação da matéria de facto suscitada pela Recorrente não tem o mínimo de sustentabilidade, improcedendo este fundamento de recurso.
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d) O contrato de consultoria e a legitimidade substantiva da R.
O Código Civil estabelece no seu artigo 1154.º uma noção de contrato de prestação de serviços, considerando como tal “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. As modalidades legalmente previstas do contrato de prestação de serviços estão enunciadas no subsequente artigo 1155.º, aí não constando a consultadoria financeira. No entanto, esta enumeração não é taxativa, mas apenas exemplificativa, podendo as partes no âmbito da liberdade contratual fixar o conteúdo do seu negócio, tal como permite o artigo 405.º do Código Civil, ao estipular no seu n.º 1 que “Dentro dos limites da lei, as partes tem a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”, acrescentando o n.º 2 que “As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.”. E tratando-se de um contrato de prestação de serviços atípico, preceitua-se no artigo 1156.º do Código Civil que “As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente”.
Na ausência de uma noção legal e não contendo o nosso Código Civil uma regulação semelhante, por exemplo, ao previsto no Codice Civile Italiano, podemos encontrar aí uma referência interpretativa, atenta a influência que o segundo diploma teve na elaboração do primeiro – o esercizio delle professioni intellettuali e de prestazione d’opera intellettuale está disciplinado nos artigos 2229.º a 2238.º deste último diploma. Deste modo, partindo da noção do contrato de prestação de serviços e precisando os seus contornos com este auxílio de direito comparado, podemos considerar o contrato de consultoria aquele pelo qual o consultor se compromete, sem constrangimento de subordinação, a prestar um trabalho intelectual de aconselhamento, com carácter pessoal, por si ou através dos seus colaboradores, e sendo profissional terá como contrapartida uma retribuição. O contrato de consultoria tem um âmbito de aplicação muito amplo, podendo ser dirigido, entre outros fins, para a definição de modelos de gestão, realização de negócios ou estratégias de investimento. O mesmo assenta numa relação de confiança e pode ter um carácter esporádico ou continuado. O contrato de consultoria estrutura-se essencialmente através de uma obrigação de meios, não sendo pelo facto de a retribuição ter uma componente fixa e uma componente adicional, em função dos resultados obtidos, que transforma esse contrato numa obrigação de resultados – em sentido semelhante veja-se o acórdão da Corte di Cassazione 22/05/2015 (n. 10681), acessível em www…..it/, respeitante a um contrato de consultoria de negócios () estando em causa o aumento de faturação de uma empresa. E isto porque na obrigação de meios é suficiente a diligência na execução do programa contratual, utilizando os meios e a qualificação necessária para o efeito, enquanto na obrigação de resultado é necessário a produção do resultado esperado. E a remuneração adicional em função dos resultados insere-se antes numa modalidade de remuneração por incentivos ou mediante certa estratégia.
Por sua vez, a jurisprudência tem sempre distinguido entre a legitimidade processual, que corresponde a um pressuposto processual, da legitimidade substantiva, que diz respeito ao mérito da causa, considerado como um “complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade” dos sujeitos da relação jurídica material – neste sentido o Ac. do STJ de 18/out./2018 (Cons. Bernardo Domingues, acessível em www.dgsi.pt).
Tendo a R. solicitado e contratado os serviços de consultoria à A., a mesma é um dos sujeitos desse negócio, tendo a devida legitimidade substantiva, improcedendo este fundamento de recurso.
e) A vinculação da sociedade através dos seus gerentes
A representação de uma sociedade pode ser realizada de modo orgânico, pelos seus órgãos, como decorre do Código das Sociedades Comerciais (Decreto-Lei n.º 262/86, de 02/set., DR I, n.º 201, sucessivamente alterado – CSC), seja nas sociedades por quotas (260.º e 261.º CSC), seja nas sociedades anónimas (408.º e 409.º CSC nas) ou então de modo inorgânico, pelos seus representantes, legais ou voluntários. A propósito será de referir que os poderes de representação de uma sociedade não se confundem com os poderes de administração.
No âmbito da representação orgânica será ainda de convocar a Diretiva do Conselho CEE n.º 68/151, de 09/mar./1968 (JO n.º L 65 de 14/03/1968, p. 8 e ss., na sua versão consolidada), tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e terceiros, são exigidas aos Estados-Membros. Esta através do seu artigo 9.º, n.º 1, estipula que “A sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social, a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos. Todavia, os Estados-membros podem prever que a sociedade não fica vinculada, quando aqueles actos ultrapassem os limites do objecto social, se ela provar que o terceiro sabia, ou não o podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto ultrapassava esse objecto; a simples publicação dos estatutos não constitui, para este efeito, prova bastante”.
Mas no caso da representação inorgânica e no âmbito das sociedades por quotas, haverá que atender ao artigo 252.º, n.º 6 do CSC, segundo o qual “O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa” – tratando-se de sociedades anónimas, regula-se no artigo 391.º, n.º 7 que “O disposto no número anterior não exclui a faculdade de a sociedade, por intermédio dos administradores que a representam, nomear mandatários ou procuradores para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa”. Por sua vez, de acordo com o artigo 115.º, n.º 3 do Código de Trabalho (Lei n.º 7/2009, de 12/fev., DR I, n.º 30, sucessivamente alterado), “Quando a natureza da actividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial”.
Mais acresce, de acordo com o artigo 800.º, n.º 1 do Código Civil, que “O devedor é responsável perante o credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados pelo próprio devedor.”. E o cumprimento da obrigação, deve ser entendido de modo lato, abrangendo qualquer acto negocial. Nesta conformidade, o relevante, na perspetiva da contraparte, é que esse representante voluntário aparente ter legitimidade para actuar como “procurador geral” da outra parte – neste sentido Ac. TRP de 03/jul./2012 (Des. Rui Vouga). Em suma, a sociedade ao conferir poderes de representação aos seus colaboradores e sempre que estes aparentem ter legitimidade para atuar em nome dessa sociedade, ainda que ultrapassando os poderes estatutários ou de representação conferidos, assume societariamente os actos desse seus representantes, vinculando-se através dos mesmos perante terceiros, salvo se estes têm pleno conhecimento ou então não ignoram esse excesso de representação.
Será ainda de referir que o Código Civil ao regular as modalidades da declaração, preceitua no artigo 217.º, n.º 1 que “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”. Por sua vez, no n.º 2 enuncia que “O caráter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração de deduz”.
Ora dos itens 8, 9 e 10 dos factos provados, resulta que no dia 16/out./2017, L…, em nome da autora, enviou para os dois gerentes da ré – E… e J… - o email com o teor do documento de fls. 145 e 145v, ao qual, anexou a proposta negocial cuja cópia consta de fls. 45 a 48v e cujo teor se deu por integralmente reproduzido. Posteriormente, e após prévia negociação, em 30.10.2019, o sócio-gerente da ré E…, através do e-mail E…@B….pt, e dando conhecimento do teor do e-mail a J…@....pt, transmitiu à autora, que adjudicavam a proposta apresentada, e, solicitou o envio da factura intercalar do valor correspondente a 50% dos honorários fixos e o respetivo IBAN para efetuar o pagamento do aludido montante, conforme documento de fls. 49 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Em resposta ao mencionado e-mail, o representante da autora L…, remeteu para os dois indicados gerentes da ré a minuta do contrato relativo à prestação de serviços acordados, e agendou com os mesmos uma reunião, a qual, por proposta do gerente da ré E…, decorreu, no dia 6.11.2017, nas instalações da ré, conforme documento de fls. 49v a 50 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Desta factualidade, resulta que a R. B… Lda., expressamente através de E… e implicitamente por E…, ambos seus gerentes, vinculou-se contratualmente com a A. C…, Lda., no termos da referenciada proposta contratual. Daí que improceda este fundamento recursivo.
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f) A remuneração a título de success fee
Na regulamentação da retribuição dos contratos de prestação atípicos, devemos desde logo atender ao disposto no artigo 1158.º ex vi artigo 1156.º, ambos do Código Civil, estipulando aquele que “Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade” – sendo nosso o negrito. Assim, tendo as partes contratualizado os critérios remuneratórios será este o preferencialmente seguido.
Mais será de referir que a compreensão contemporânea da retribuição é essencialmente estratégica, tendo uma componente fixa ou funcional, a qual visa compensar o serviço prestado de acordo com o ofício desempenhado, e uma componente variável, que pode ser em função dos resultados (Trevor J., “Exploring the strategic potencial of pay: are we expecting too much?”, Working Paper Series, 2/2009, Cambridge University, Judge Business School, 2009). Deste modo, a retribuição estratégica, ao possibilitar uma combinação equilibrada das componentes fixa e variável, mas alinha os mesmos com os proveitos obtidos pela empresa. E o que se entende por empresa?
O Código Comercial (Carta de Lei de 28/jun./1888, DG I, n.º 203, de 06/set./1888, sucessivamente alterado) foi iniciático no indicar uma noção legal de empresa, consagrando no seu artigo 230.º que “Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas, que se propuserem:” expondo-se de seguida um conjunto de actividades de transformação, fornecimento, agenciamento, exploração, edição, construção ou transporte. Mais recentemente, o Código de Intervenção e Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/mar., DR I-A, n.º 66, sucessivamente alterado), expressa no seu artigo 5.º que “considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica”. Desde modo, podemos considerar que a empresa corresponde a uma unidade orgânica económico-social, que é legalmente reconhecida, tendo como sua finalidade a persecução de uma atividade económica de produção de bens ou fornecimento de serviços. A mesma tem por isso uma personalidade jurídica e judiciária distinta dos seus titulares ou dirigentes societários.
Retomando o contrato de consultoria aqui em apreço, podemos constatar que as partes outorgantes estabeleceram para efeitos de retribuição o que consta nos itens 14.º e 15.º dos factos provados, que foi o seguinte:
14. No aludido contrato, a autora obrigou-se, por um lado, a proceder à elaboração de um estudo prévio de viabilidade económica e financeira, e, por outro lado, a acompanhar o processo de obtenção do financiamento e, a ré, por sua vez, obrigou-se a efetuar o pagamento dos seguintes montantes, a título de honorários: - €3.500,00 + IVA – pela elaboração do estudo prévio de viabilidade económica e financeira e, a título de su[c]cess fee, 4% sobre o montante de financiamento a angariar.
15. Mais consta do aludido contrato que o pagamento da quantia devida a título de su[c]cess fee seria paga no momento do recebimento da primeira tranche do financiamento pelo promotor do projecto de financiamento.
Como se podem reconhecer e a título de remuneração foi estabelecido uma parte fixa (€3.500,00 + IVA) e uma parte variável a título de success fee (4 % sobre o montante de financiamento a angariar). O STJ através do acórdão de 13/mar./2008 (Cons. Santos Bernardino) já teve a oportunidade de considerar que “1. A su[c]cess fee, clausulada num contrato de prestação de serviços, é uma taxa de performance, de sucesso por um desempenho, uma comissão variável indexada à taxa de sucesso de uma operação”, pelo que “2. Não releva, pois, para a atribuição da respectiva remuneração, o volume, a expressão quantitativa dos serviços prestados, mas sim o resultado alcançado”. Como a sua designação indica a success fee ou “taxa de sucesso” é uma cláusula de condição para efeitos de retribuição – de acordo com o artigo 270.º do Código Civil “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”. Deste modo, estabelecendo-se para efeitos remuneratórios uma cláusula de success fee (“taxa de sucesso”) para efeitos retributivos à verificação de um certo resultado positivo, apenas será devida essa componente remuneratória se o resultado do evento esperado for positivo, caso contrário não haverá esse pagamento. Assim e nos contratos de consultoria de negócio, no qual foi estabelecido uma cláusula de success fee (“taxa de sucesso”) para efeito de retribuição e atendendo que tal contrato consiste essencialmente na prestação de um trabalho intelectual de aconselhamento, o que releva é se o resultado obtido se insere na estratégia de orientação negocial que foi sugerida e implementada e não tanto “o volume, a expressão quantitativa dos serviços prestados”, como foi entendido pelo STJ.
No caso em apreço estava em causa a transmissão de uma empresa, que pode realizar-se de um modo direto, em que o objeto do negócio incide imediatamente nos seus activos (v.g. trespasse; locação de estabelecimento comercial), daí designar-se como uma “oferta de activos” (asset deals), ou então de um modo indireto, mediante o qual o objeto do negócio recai primacialmente na transação das suas participações sociais, através da vulgarmente designada “partilha de ofertas” (share deals)[1].
Mediante a modalidade de “partilha de ofertas” (share deals) obtém-se imediatamente uma posição do capital social e, de modo mediato, o controlo ou possibilidade de influenciar a governação da empresa, sem que se seja o titular da correspondente sociedade (v.g. compra e venda de participações sociais; reorganização societárias, mediante fusão, cisão, transformação). Nesta última modalidade integram-se a designada “aquisição alavancada” ou “aquisição financiada por dívida” (I…), as quais correspondem a um expediente de compra de participações por um terceiro (“sociedade veículo” ou “sociedade ad-hoc”), de modo a obter uma posição societária dominante (“sociedade alvo”), realizando-se através um financiamento exterior garantido pelos activos da empresa destinatária, acabando esta por ficar responsável pela liquidação da dívida contraída pelo investidor. As “aquisições alavancadas” são, por isso e essencialmente, uma estratégia negocial de transferência da posição societária, com a finalidade de obter-se uma posição de dominação na empresa, mas através do incremento do seu endividamento, pelo que uma velha empresa (Z…) passa a ser uma nova empresa (AB…), sem deixar vestígios aparentes para o exterior[2].
Estas “aquisições alavancadas” podem assumir distintos desenhos jurídicos, designadamente em função dos sujeitos, e comportar diferenciadas variáveis, mormente quanto aos endividamentos. Assim e em tomando como referência os sujeitos, podemos ter a compra pelos próprios administradores ou gerentes, conhecidas como “aquisição pelos gestores internos” (management buyout – MBO) ou mesmo por outros que não pertençam aos quadros da empresa, as designadas “aquisição por gestores externos” (management buyin – MBI) – estas surgem usualmente como uma “transação hostil” –, podendo existir um compromisso e uma intersecção entre gestores externos e internos (buyin management buyout – BIMBO). Essa transação poderá ainda surgir através dos próprios trabalhadores, sendo, por isso, uma “aquisição pelos empregados” (employee buyout – EBO) ou então por investidores ligados entre si por relações familiares, apelidando-se de “aquisição por familiares” (family buyout – FBO). Mas também poderá ser através de um parceiro negocial liderado por instituições, mormente de crédito ou financeiras, passando a denominar-se como “aquisição institucional” (institutional buy-out – IBO). No que concerne ao grau de endividamento, podemos ter entre uma “dívida sénior” (senior debt), abrangendo cerca de 50% a 60% do financiamento, e uma “dívida subordinada” ou “dívida mezzanine” (subordinated debt; mezzanine debt), atenta a variação do financiamento, em que cerca de 30% advém de fundos de pensões, seguros, etc.. Isto significa que não existe uma unicidade, mas antes uma multiplicidade de “aquisições alavancadas” (I…).
No âmbito do contrato de consultoria de negócio celebrado entre a A. e a R., aquela delineou uma estratégia negocial assente na “aquisição alavancada” ou “aquisição financiada por dívida” (I…). Deste modo, na concretização do negócio de participação negocial o resultado esperado deveria inserir-se na estratégia delineada, ainda que possa assumir distintas variantes. O relevante para efeitos do contrato de prestação de serviços e com reflexos na remuneração, atenta a cláusula success fee (“taxa de êxito”) que foi estabelecida, é que o modelo negocial perseguido e que viesse a ser concretizado, estivesse abrangido pelo padrão da “aquisição alavancada” ou “aquisição financiada por dívida” (I…). E foi isso que sucedeu como resulta provado nos itens 31 e 32, que passamos a transcrever:
31. A autora acompanhou ainda o processo de obtenção de financiamento, concretamente no que diz respeito ao processo junto da O…, nomeadamente, tendo estado presente em reuniões e procedendo à elaboração da minuta de fls. 115 a ser enviada ao referido banco.
32. Em Janeiro de 2019, a ré obteve o financiamento junto da O…, tendo o mesmo ascendido a € 1.200.000,00, tendo o valor de € 900.000,00 sido utilizado na aquisição de capital da ré pela D…, Lda.
Nesta conformidade, improcede este último fundamento de recurso, não havendo qualquer censura a fazer à sentença recorrida.
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Na improcedência do recurso as suas custas ficam a cargo da recorrente – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
...........................................................
...........................................................
...........................................................
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pela R. B…, Lda. e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas deste recurso a cargo da recorrente.

Notifique.

Porto, 25 de fevereiro de 2021
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço
__________________
[1] A propósito Antunes, José Engrácia “A empresa como objecto de negócios - "Asset Deals" versus "Share Deals"”, Revista da Ordem dos Advogados, Vol. 2/3, n.º 68, 2008, pp. 715-793 e “A transmissão da empresa e seu regime jurídico”, Revista da Faculdade de Direito - UFPR, Curitiba, n.º 48, 2008, pp. 39-85; Silva, Mariana Duarte, “Assistência financeira – No âmbito das sociedades comerciais”, Revista do Direitos das Sociedades, Ano II (2010), n.º 1/2, pp. 145-236; Câmara, Paulo; Bastos, Miguel Brito, “O direito da aquisição de empresas: uma introdução”, in Câmara, Paulo (Coord.), Aquisição de empresas, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pp. 13-64.
[2] Veja-se ainda a propósito na literatura nacional Leite, Inês Pinto, “Da proibição de assistência financeira: O caso particular dos Leveraged Buy-Outs”, Revista do Direito das Sociedades, Ano 3, Vol. 5, 2011, pp. 129-179; na literatura internacional apenas destacamos e sobre as implicações do LBO, Dunleavy, Patrick S., “Leveraged Buyout, Management Buyout, and Going Private Corporate Control Transactions: Insider Trading or Efficient Market Economics?”, Fordham Urban Law Journal, Vol. 14, N. 3, 1986, pp. 685-722; Garfinkel, Michelle R., “The Causes and Consequences of Leveraged Buyouts”, Federal Reserve Bank of St. Louis Review, set./oct., 1989, pp. 23-34; Fox, Isaac; Marcus, Alfred, “The causes and consequences of Leveraged Management Buyouts”, Academie of Management Review, Vol. 17, N. 1, 1992, pp. 63-85; Oesterle, Dale A.; Norberg, Jon R., “Management Buyouts: Creating or Appropriating Shareholder Wealth?”, Vanderbilt Law Review, Vol. 41, N. 2, 1988, pp. 207-260; Kaplan, Steven N.; Strömberg, Per, “Leveraged Buyouts and Private Equity”, Journal of Economics Perpectives, Vol. 23, N. 1, 2009, pp. 121-146; Jenkinson, Tim; Sousa, Miguel, “What determines the exit decision for leveraged buyouts?”, Journal of Banking & Finance, n.º 59, 2015, pp. 349-408; Davis, Steven J. et al, “The Economic Effects of Private Equity Buyouts”, Harvard Business School, working paper 20-046, 2019; Na jurisprudência o Ac. TRL de 17/abr./2018 (Des. Isabel Fonseca, em www.dgsi.pt)