RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PENA SUSPENSA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA PENA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONSTITUCIONALIDADE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INADMISSIBILIDADE
Sumário


I - Não é aplicável em recurso da matéria penal a norma contida no art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, porquanto não existe, a esse propósito, qualquer lacuna no regime de recursos previsto no CPP, a exigir a intervenção subsidiária daquela norma.
II - Não é inconstitucional a interpretação conjugada dos arts 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, nº 1, al. e) do CPP, no sentido de que não é admissível recurso de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que condena o arguido em pena de prisão, efectiva na sua execução, inferior a 5 anos, quando o mesmo havia sido condenado, em 1ª instância, em pena de prisão, suspensa na sua execução.
III - Nos termos do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.
IV - Para este efeito, este Supremo Tribunal vem entendendo uniformemente que a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.
V - Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, os vícios elencados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, as nulidades da decisão (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspectos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça:




 I.


    1. No âmbito do Proc. n.º 7447/08…., Processo Comum (Tribunal Colectivo), que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – Juiz …., foi proferido acórdão no qual os arguidos:

     a) AA, com os demais sinais dos autos, foi absolvido da prática de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao contrato de opção celebrado entre o “BPP” e o “BPI”), mas condenado:

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto aos produtos de Retorno Absoluto com garantia), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às sociedades offshore), na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro  quanto às equity option entre o “BPP” e o “Banco Santander”), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às operações entre a estratégias e a conta n.º .....82), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao CDS Lehman Brothers), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p., até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1, als. b) e c) desse preceito legal, e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal, e actualmente pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1 als. d) e e) desse preceito legal e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal (quanto à certificação legal pelo ROC dos relatórios e contas), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

 - em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período, com sujeição ao pagamento da quantia de €400.000,00 (quatrocentos mil euros), a entregar à associação Crescer, sita no Bairro Quinta da Cabrinha, 3 – E/F, Lisboa, no prazo de seis meses, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, devendo fazer prova desse pagamento nos autos (art. 51.º, n.º 1, al. c), do CPenal)

     b) o arguido BB, com os demais sinais dos autos, foi absolvido da prática de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao contrato de opção celebrado entre o “BPP” e o “BPI”)», mas condenado:

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto aos produtos de Retorno Absoluto com garantia), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às sociedades offshore), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às equity option entre o “BPP” e o “Banco Santander”), na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às operações entre a estratégias e a conta n.º …..82), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao CDS Lehman Brothers), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p., até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1, als. b) e c) desse preceito legal, e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal, e actualmente pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1 als. d) e e) desse preceito legal e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal (quanto à certificação legal pelo ROC dos relatórios e contas), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

 - em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição ao pagamento da quantia de €25.000,00 (vinte cinco mil euros), a entregar ao Centro de Apoio Social dos Anjos, em Lisboa (conhecido como a sopa dos pobres), no prazo de seis meses, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, devendo fazer prova desse pagamento nos autos (art. 51.º, n.º 1, al. c), do CPenal);

     c) o arguido CC, com os demais sinais dos autos, foi condenado:

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro(quanto aos produtos de Retorno Absoluto com garantia), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às sociedades offshore), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às equity option entre o “BPP” e o “Banco Santander”), na pena de 1 (um) ano de prisão;

            - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao CDS Lehman Brothers), na pena de 1 (um) ano de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao contrato de opção entre o “BPP” e o “BPI”), na pena de 1 (um) ano de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p., até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1, als. b) e c) desse preceito legal, e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal, e actualmente pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1 als. d) e e) desse preceito legal e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal (quanto à certificação legal pelo ROC dos relatórios e contas), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

            - em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição ao pagamento da quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a entregar à associação “Cais”, sita na Rua do Vale Formoso de Cima, em Lisboa, no prazo de seis meses, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, devendo fazer prova desse pagamento nos autos (art. 51.º, n.º 1, al. c), do CPenal);

    d) o arguido DD, com os demais sinais dos autos, foi condenado:

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €15,00 (quinze euros), o que perfaz a quantia de €5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros);

    e) o arguido EE, com os demais sinais dos autos, foi condenado:

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao CDS Lehman Brothers), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual período.

   2. Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação ….. quer o Ministério Público, quer os arguidos BB, EE e AA (o arguido CC aderiu ao recurso apresentado pelo arguido AA), sustentando:

- o Ministério Público, a revisão da dosimetria das penas aplicadas aos arguidos AA, BB e CC, bem como a necessidade do cumprimento de penas efectivas;

 - o arguido BB, sustentando a violação do princípio ne bis in idem (porquanto já havia sido julgado e condenado, por sentença transitada em julgado, no processo contra-ordenacional n.º 45/..., alegadamente pelos factos que justificaram a condenação ditada pelo Juízo Central Criminal ..), a modificação da matéria de facto e a sua absolvição da prática dos crimes de falsidade informática relativos aos “produtos de retorno absoluto com garantia”, às “operações entre as estratégias e a conta n.º …..82”, ao CDS Lehman Brothers e do crime de falsificação de documento relativo à “certificação legal, pelo ROC, dos relatórios e contas”; subsidiariamente, sustentou que a factualidade que determinou a sua condenação pela prática de seis crimes de falsidade informática configura a prática de um único crime; bem assim, a redução da pena parcelar aplicada pela prática do crime de falsidade informática relativa ao “Leaving Seagull e ao MB Float”;

 - o arguido EE, pedindo a modificação da matéria de facto e a sua absolvição quanto ao crime relativo ao “Leaving Seagull” e a atenuação especial da pena, no que concerne ao crime relativo ao “Lehman Brothers”;

 - o arguido AA, sustentando igualmente a violação do princípio “ne bis in idem”, a existência, no acórdão recorrido, dos vícios a que alude o artº 410º do CPP, a necessidade de modificação da matéria de facto, a violação do disposto nos artºs 133º, nº 1, al. a), 140º, nº 3, 125º, 126º, 127º e 344º, todos do C.P.P., a existência de uma única resolução criminosa, a errada interpretação do disposto no artigo 70º do C.P., considerando adequada a pena de multa; a excessividade das penas parcelares e única e a redução do montante a entregar como condição de suspensão da execução da pena.

    E o Tribunal da Relação ….. negou provimento aos recursos interpostos pelos arguidos, mas julgou parcialmente provido o recurso interposto pelo Ministério Público, revogando a decisão do tribunal de 1ª instância, no que tange aos arguidos AA e BB, nos seguintes termos:

   condenando o arguido AA:

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto aos produtos de Retorno Absoluto com garantia), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às sociedades offshore), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro  quanto às equity option entre o “BPP” e o “Banco Santander”), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

            - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às operações entre a estratégias e a conta n.º ....82), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao CDS Lehman Brothers), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p., até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1, als. b) e c) desse preceito legal, e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal, e actualmente pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1 als. d) e e) desse preceito legal e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal (quanto à certificação legal pelo ROC dos relatórios e contas), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

 - em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 5 (cinco) anos e 8 ( oito) meses de prisão; e

   condenando o arguido BB:

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto aos produtos de Retorno Absoluto com garantia), na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto,e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às sociedades offshore), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro  quanto às equity option entre o “BPP” e o “Banco Santander”), na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às operações entre a estratégias e a conta n.º …82), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao CDS Lehman Brothers), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p., até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1, als. b) e c) desse preceito legal, e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal, e actualmente pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1 als. d) e e) desse preceito legal e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal (quanto à certificação legal pelo ROC dos relatórios e contas), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

- em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 4 (quatro) anos e 8 ( oito) meses de prisão efectiva.


   3. Mais uma vez inconformados, recorreram os arguidos BB e AA para este Supremo Tribunal.


   A) O arguido BB extrai, da sua motivação, as seguintes conclusões:

“1. Com o presente recurso, o arguido pretende impugnar o Acórdão do Tribunal da Relação ……, proferido no dia 09.07.2020, na parte em que (i) decidiu do conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público do Tribunal de 1.ª Instância, assim ofendendo o caso julgado e o princípio ne bis in idem, e, nessa sequência, (ii) decidiu agravar a pena única conjunta de prisão aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância.


  - I –


    Da Violação do Caso Julgado e do Princípio Ne bis in Idem

      § 1. Da Recorribilidade do Acórdão

2. A impugnação do Acórdão recorrido com base na ofensa ao caso julgado e na concomitante violação do princípio ne bis in idem deve ser admitida com fundamento no disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do art. 4.º do CPP.

3. Admissibilidade que vem sendo afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com a ideia de que “o legislador pretendeu garantir que, quando à luz das regras gerais de recorribilidade o recurso não fosse possível, mesmo assim seria de admitir face à invocação da violação de caso julgado. Transpondo para a disciplina processual penal esta mesma ideia, dir-se-á que é exatamente quando a irrecorribilidade se impuser por força do disposto no art. 400.º, nº 1 do CPP, que cobra razão de ser a aplicação subsidiária do art. 629.º, nº 2, al. a), do CPC” (Acórdão do STJ de 12/09/2013, Relator Souto de Moura, proc. n.º 29/07.8 GEIDN.C1.S1; já antes, nesta direcção, Acs. do STJ  11/07/1991, proc. n.º 40900, e de 18/02/1981, in: BMJ, n.º 304, p. 314).

4. Uma outra razão que milita em favor da admissibilidade do presente recurso, com fundamento na ofensa do caso julgado, é a necessidade de assegurar o duplo grau de jurisdição, impondo-se por isso a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de violação do direito fundamental ao recurso  assegurada pelo art. 32.º/1 da CRP.

5. Tal argumento – relativo ao duplo grau de jurisdição – é sufragado mesmo por aqueles que rejeitam a aplicação subsidiária, sem mais, da norma do processo civil ao âmbito do processo penal, ressalvando, não obstante, que a violação do caso julgado só constitui fundamento autónomo de recurso em processo penal quando a recorribilidade for indispensável para garantir o duplo grau de jurisdição.

6. Compulsada a decisão recorrida percebe-se que o Tribunal a quo procedeu, ele próprio, a um julgamento da causa, na sequência de impulso do titular da acção penal, assim dando continuidade ao duplo processamento que vem fazendo curso nesta causa penal; e impôs uma punição que foi para além do que o Tribunal de 1.ª Instância havia determinado, assim reforçando a dupla penalização sofrida pelo arguido, pelo que se mostram reunidas razões mais do que suficientes para que o recurso que ora se interpõe com fundamento em ofensa ao caso julgado seja admitido, ao abrigo do art. 629.º/2/a) do CPC.

7. Reputa-se como inconstitucional, por violação do direito ao duplo grau de jurisdição garantido pelo direito ao recurso previsto no art. 32.º/1 da Constituição, a interpretação dos arts. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC (subsidiariamente aplicável ao processo penal com base no art. 4.º do CPP) e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que não é recorrível o Acórdão da Relação que ofenda, ele próprio, o caso julgado. 

     § 2. Os factos sujeitos a duplo processamento e dupla condenação penal e contra-ordenacional

8. No âmbito de processo contra-ordenacional que correu termos no Banco de Portugal (sob o n.º 01/...) e depois, após impugnações judiciais apresentadas pelo arguido BB e por outros co-arguidos, no …. Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (sob o n.º 45/...), o arguido recorrente foi condenado em sanções contra-ordenacionais pela prática de 6 contra-ordenações de falsificação de contabilidade, p. e p. pelo art. 211.º, al. g), do RGICSF.

9. O TCRS aplicou ao arguido BB uma coima única no valor de € 1.000.000,00, uma sanção acessória de publicação da punição definitiva e uma sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, pelo período de dez anos.

10. Esta decisão condenatória tomada pelo TCRS transitou em julgado a 22/05/2016.

11. Compulsada a sentença contra-ordenacional e confrontada com o despacho de pronúncia (fls. 10076-10234) e com os Acórdãos proferidos nestes autos - quer em 1.ª Instância, quer na Relação - é patente que em ambos os processos se discutiu, apreciou e julgou os mesmos factos, designadamente (tendo em conta os factos dados como provados nos seguintes pontos da factualidade tida como assente nas decisões sobre a matéria de facto tomadas na sentença contra-ordenacional e no Acórdão penal, tirado em 1.ª Instância):

  - Ausência de relevação contabilística dos compromissos assumidos pelo BPP perante os clientes (garantias) – factualidade dada como provada nos pontos 51 a 129 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 68 a 100 e 296 a 370 do Acórdão de 1.ª Instância;

 - Leaving Seagull – factualidade dada como provada nos pontos 71 a 106 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 101 a 143 do Acórdão de 1.ª Instância;

 - Ausência de consolidação das contas de recuperação e operações de encerramento das sociedades offshore – factualidade dada como provada nos pontos 165 a 274 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 144 a 221 do Acórdão de 1.ª Instância;

 - Operação respeitante a CDS Lehman Brothers - factualidade dada como provada nos pontos 367 a 387 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos  266 a 279 do Acórdão de 1.ª Instância;

 - Contabilização dos contratos celebrados com BPI – factualidade dada como provada nos pontos 388 a 404 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 280 a 293 do Acórdão de 1.ª Instância;

  - Ocultação de activos da carteira própria do BPP e não colocados em clientes, os quais eram parqueados fora do perímetro de consolidação, bem como na gestão de performance em carteiras de retorno absoluto, ajustando-a fraudulentamente às necessidades pontuais do BPP – factualidade dada como provada nos pontos  214 a 274 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 144 a 221 do Acórdão de 1.ª Instância;

 - Simulação de operações de compra e venda de títulos, que visou exclusivamente a dotação da conta da Stimulus - factualidade dada como provada nos pontos  302 a 343 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 244 a 265 do Acórdão de 1.ª Instância;

 - Ausência de registo na contabilidade do BPP do contrato de opção (stock options) - factualidade dada como provada nos pontos 391 a 404 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 283 a 290 do Acórdão de 1.ª Instância;

 - Equity Options – factualidade dada como provada nos pontos 214 a 274 da sentença contra-ordenacional e dada como provada nos pontos 222 a 243 do Acórdão de 1.ª Instância.

12. Por estes factos, o arguido foi condenado pelo Tribunal de 1.ª Instância pelos seguintes crimes, numa pena única conjunta de 4 anos e 3 meses, baseada nas seguintes penas parcelares:

- um crime de falsidade informática (produtos de Retorno Absoluto com garantia,, pena de prisão de 1 ano e 9 meses;

  - um crime de falsidade informática (Leaving Seagull e o MB Float), pena de prisão de 1 ano e 3 meses;

  - um crime de falsidade informática (Equity options entre o BPP e o Banco Santander), pena de prisão 1 ano e 2 meses de prisão;

 - um crime de falsidade informática (sociedades offshore), pena de prisão de 1 ano e 6 meses;

 - um crime de falsidade informática (CDS Lehman Brothers), pena de prisão de 1 ano e 6 meses;

  - um crime de falsificação de documento (certificação legal pelo ROC dos relatórios e contas), pena de prisão 1 ano e 9 meses.

13. Em 2.ª Instância, o Tribunal a quo, com base numa avaliação conjunta destes factos (cf. art. 77.º/1 do CP), condenou o arguido numa pena única conjunta de prisão efectiva 4 anos e 8 meses.

14. Há, pois, uma clara sobreposição de objectos processuais entre estes processos penal (proc. n.º 7447/08….) e contra-ordenacional (proc. n.º 45/...).

        § 2. A posição do Tribunal a quo

15. Esta sobreposição foi inclusivamente reconhecida pelo próprio Tribunal de 1.ª instância (pág. 34 e ss. do acórdão) e não foi contrariada pelo Tribunal a quo.

16. Esta desconsideração do julgamento e condenação contra-ordenacionais do arguido BB implicou ofensa ao caso julgado da sentença contra-ordenacional e violação de normas dirigidas à protecção do princípio ne bis in idem, com estatuto legal, convencional e constitucional.

        § 3. Violação do regime legal constante do art. 79.º/2 do RGCO

17. Nesta matéria relevam directamente os arts. 20.º, 38.º, 40.º, 76.º, 79.º e 82.º do RGCO e o art. 208.º do RGICSF, na sua redacção originária (a do Decreto-Lei n.º 298/92).

18. Na data em que a nova versão do artigo 208.º do RGICSF entrou em vigor (22/11/2014), já há muito se encontrava encerrada e ultrapassada a fase administrativa do processo contra-ordenacional n.º 45/..., estando então o processo sob a jurisdição do TCRS.

19. Quer na data (29/10/2013) em que o Banco de Portugal proferiu a sua decisão condenatória, no termo da fase administrativa do processo n.º 45/..., quer na data em que se concluiu a fase de inquérito deste processo n.º 7447/08… (25/06/2014), estava em vigor a versão originária do artigo 208.º do RGICSF, que ordenava que se seguisse o RGCO nos casos em que, pelo mesmo facto, uma pessoa devesse responder simultaneamente a título de crime e a título de ilícito de mera ordenação social.

20. Permitia-se, então, a abertura de dois processos – um penal, da competência das autoridades judiciárias criminais, e outro contra-ordenacional, da competência do Banco de Portugal –, mas a competência decisória do Banco de Portugal ficaria restrita à aplicação das sanções acessórias previstas no RGCISF, cabendo ao tribunal criminal apreciar e decidir não só a vertente penal, como também a vertente contra-ordenacional dos factos detentores desse duplo relevo.

21. Neste quadro, é decisivo o disposto no n.º 2 do art. 79.º do RGCO, o qual, na esteira do § 84, II, da Lei-Quadro das Contra-Ordenações alemã, impede que o facto seja conhecido como crime se já tiver sido apreciado como contra-ordenação por sentença ou despacho judicial transitados em julgado.

22. Com efeito, atento o dever de esgotante apreciação do facto que impende sobre o Tribunal, do trânsito em julgado da sentença judicial proferida em processo contra-ordenacional que aprecie como contra-ordenação facto que detém simultaneamente relevo penal decorre um efeito preclusivo absoluto sobre uma ulterior perseguição criminal desse mesmo facto.

23. Tendo verificado que o arguido recorrente havia sido julgado e condenado em processo contra-ordenacional, por sentença já transitada em julgado, pelos mesmos factos de que se encontrava pronunciado neste processo criminal, deveria o Tribunal a quo ter aplicado o regime constante do art. 79.º/2 do RGCO, que o impedia de os conhecer como crime e impunha a revogação da sua condenação.

24. Ao não fazê-lo, aceitando conhecer o recurso interposto pelo Ministério Público e agravando a pena imposta ao arguido, o Tribunal a quo ofendeu o caso julgado contra-ordenacional e violou clara e irremissivelmente essa norma, atentando contra esta manifestação legal do princípio ne bis in idem.

Senão vejamos:

25. O Tribunal a quo entendeu que o referido art. 79.º/2 do RGCO é inaplicável no presente caso, por duas ordens de razões, uma principal e outra subsidiária.

26. A primeira e principal razão pela qual foi afastada a aplicabilidade do art. 208.º da versão originária do RGICSF tem que ver com o entendimento de que essa norma, embora abstractamente mais favorável do que a que se lhe seguiu, não o era em concreto, dado que o benefício que lhe seria inerente deverá considerar-se inexistente: “Do exposto decorre que sendo abstractamente mais favorável aos arguidos a primitiva versão, no caso vertente tal benefício sempre será inexistente (…)” (p. 906 do Acórdão recorrido).

27. A norma constante da versão originária do art. 208.º/1 do RGICSF foi, deste modo, preterida em favor da aplicabilidade da norma que corresponde à nova versão do art. 208.º/1 do RGICSF, cuja vigência se iniciou no ano 2014.

28. Até 22/11/2014, o RGICSF seguia, por determinação expressa do seu artigo 208.º, o Regime Geral das Contra-Ordenações e assim, portanto, todo o regime relativo ao concurso entre crimes e contra-ordenações, incluindo o seu art. 79.º: “Se, pelo mesmo facto, uma pessoa responder simultaneamente a título de crime e a título de ilícito de mera ordenação social, seguir-se-á o regime geral (…)”.

29. Entendeu o Tribunal a quo que, com a nova redacção do artigo 208.º do RGICSF, o art. 79.º do RGCO deixou de valer para os casos de contra-ordenação abrangidos pelo RGICSF.

30. A desaplicação do art. 79.º do RGCO com base numa norma entrada em vigor em 2014, o novo art. 208.º do RGICSF, ocorreu num contexto integrado por factos todos eles anteriores a 2009 e no âmbito de um processo criminal iniciado em 2008.

31. Temos, pois, que com fundamento numa norma cujo início de vigência ocorreu em 2014, o Tribunal a quo afastou a aplicabilidade de norma em vigor à data dos factos imputados aos arguidos da qual decorria a preclusão do seu conhecimento como crime.

32. Norma essa – a que desde 2014 consta do n.º 1 do art. 208.º do RGICSF – que foi, portanto, aplicada retroactivamente com o efeito de afastar a incidência de um princípio, o ne bis in idem, com relevo constitucional e indiscutível natureza (também) substantiva, que afastaria a condenação criminal do arguido.

33. Esta aplicação retroactiva e in malam partem da norma constante do art. 208.º do RGICSF, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 157/2014, viola frontalmente o princípio da legalidade criminal consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição.

34. A referida aplicação atenta ainda contra o n.º 3 do artigo 18.º da Constituição, porquanto tem um efeito restritivo sobre o direito fundamental ao ne bis in idem.

35. Em suma, a interpretação do disposto no art. 208.º, n.º 1, do RGICSF, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, no sentido de que afasta a aplicabilidade do art. 79.º/2 do RGCO e assim, ao contrário do que antes da sua entrada em vigor sucedia, permite a um tribunal penal conhecer como crime factos, praticados em momento anterior à entrada em vigor dessa nova redacção, que entretanto foram já conhecidos, no âmbito de um processo contra-ordenacional, como contra-ordenação e sancionados com coima por sentença judicial transitada em julgado viola o princípio constitucional da legalidade criminal (art. 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da CRP).

36. E viola ainda, por referência ao direito fundamental ne bis in idem, previsto no art. 29.º/5 da CRP e concretizado no art. 79.º/2 do RGCO, a proibição de atribuição de efeitos retroactivos a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais estabelecida no n.º 3 do art. 18.º da CRP.

37. Para o afastamento da aplicação do art. 79.º/2 do RGCO concorreu ainda, em segunda e subsidiária linha, o entendimento, expresso pelo Tribunal a quo, de que o art. 79.º/2 do RGCO sempre deveria considerar-se inaplicável aos processos contra-ordenacionais disciplinados pelo RGICSF, numa argumentação que vai para além do que é racionalmente compreensível.

38. Pois se é a própria norma que, de forma expressa, a propósito da questão do duplo processamento contra-ordenacional e penal determina, preto no branco, que “se segue o regime geral”, o qual, por seu turno, aponta para uma solução de processamento unitário em matéria de sanções principais, a que título é que se pode entender que não se deve seguir e aplicar o regime geral naquela que é a manifestação mais saliente desse regime?!

39. Note-se, aliás, ainda contra a posição assumida pelo Tribunal a quo, que não deparamos aqui com um caso de aplicação subsidiária do RGCO, pois a aplicação do art. 79.º/2 do RGCO não resulta do disposto no art. 232.º do RGICSF, mas antes do próprio teor do art. 208.º do RGICSF na sua versão originária, vigente à data dos factos, ao determinar expressa e directamente que, em matéria de concurso de infracções se seguisse o regime geral.

40. Não fazendo o art. 79.º/2 do RGCO mais do que explicitar o princípio basilar da proibição de bis in idem, ao ponto de, como se mencionou, poder até ser visto como supérfluo, é evidente que a solução de preclusão nele plasmada deve ser adoptada no caso de infracção ao disposto no art. 208.º do RGICSF (versão originária) como aqui sucedeu, ao realizar-se, em processo contra-ordenacional, com aplicação de coimas, o processamento de factos que dispunham de relevo não só contra-ordenacional, mas também criminal.

41. A violação desta proibição de duplo processamento – contra-ordenacional e criminal – não pode senão ser sancionada com a preclusão de novo conhecimento dos mesmos factos em sede criminal – preclusão que decorre de uma leitura e interpretação conjugadas dos arts. 208.º do RGICSF (versão originária) e 79.º/2 do RGCO.

42. Mas que decorre ainda – caso se faça par com o Tribunal a quo e se conclua pela inaplicabilidade do art. 79.º/2 do RGCO – de uma directa (e constitucionalmente imposta, pelo art. 18.º/1 da CRP) aplicação do princípio ne bis in idem.

43. Repare-se que, no fundo, perante a violação do regime instituído pelo art. 208.º do RGICSF que neste caso ocorreu, o Tribunal a quo diz que o art. 79.º/2 não é aplicável, mas não diz que consequências deverão advir dessa violação da Lei!

44. Pelo exposto, contra o que entendeu e decidiu o Tribunal a quo, deverá in casu considerar-se inaplicável o art. 208.º do RGICSF na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, porque posterior aos factos objecto dos autos e posterior à abertura do presente processo (cf. art. 5.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP), e deverá interpretar-se os arts.  208.º da versão original do RGCISF e 79.º/2 do RGCO com o preciso e único sentido que decorre do teor literal deste último, o único compatível com o princípio ne bis in idem que através dele se visa salvaguardar: o trânsito em julgado da sentença que aprecie o facto como contra-ordenação, condenando o arguido em coima, preclude o seu novo conhecimento como crime.

45. Aplicando-se, como deve aplicar-se o art. 79.º/2 do RGCO, deverá enfim reconhecer-se que não poderia o arguido ter sido condenado e, por maioria de razão, mais gravemente punido, pelos factos que justificaram a sua condenação em coima, por sentença transitada em julgado, em sede contra-ordenacional, revogando-se a condenação relativamente a toda essa factualidade.

      Sem prescindir, subsidiariamente e por cautela,

46. Caso se acompanhe o Tribunal a quo na interpretação que fez dos arts. 208.º do RGICSF, nas suas duas versões, e 79.º/2 do RGCO, no sentido de considerar que estas normas legais não obstam ao conhecimento como crime dos factos pelos quais o arguido foi condenado contra-ordenacionalmente em coima no processo n.º 45/..., seja para condenar, seja para agravar a punição do arguido, deverão elas ser desaplicadas por violarem o artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, e o art. 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

       § 4. Violação do art. 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH

47. O art. 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, aprovado em Estrasburgo em 22-11-1984, consagra o princípio ne bis in idem e “não tem em vista somente o caso de uma dupla condenação, mas também ainda o caso de duplicação de procedimentos” (TEDH, caso Sergey Zolotukhin vs. Rússia, § 110.).

48. O Protocolo n.º 7 à CEDH foi aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 22/90 e pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/90.

49. A reserva que lhe foi aposta pelo Estado português é inválida e deve considerar-se não escrita, uma vez que não observa as exigências impostas pela CEDH para a formulação de reservas (art. 57.º da CEDH): tem um carácter geral, não especificando sobre que concretas leis da ordem jurídica portuguesa incide; e não foi acompanhada da breve descrição imposta pelo n.º 2 do art. 57.º da CEDH.

50. Tal como foi entendido pelo TEDH no caso Gradinger vs. Austria (Acórdão de 23/10/1995, §§ 49. a 51.) e no caso Grande Stevens vs. Itália (Acórdão de 04/03/2014, §§ 204.-211.), não estando reunidas as condições de validade de formulação de reservas, deve a reserva portuguesa aos artigos 2.º e 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH ser desconsiderada.

51. Assim, o art. 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH vigora no ordenamento jurídico português como norma convencional, com estatuto supra-legal, o que implica para os tribunais portugueses o dever de desaplicar as normas legais que o contrariem.

52. Desta forma, no caso ora em apreço, há que ponderar: se as infracções pelas quais o arguido foi condenado serão de qualificar-se como infracções penais nos termos e para os efeitos da CEDH; se há um idem, isto é, se pode entender-se que a factualidade objecto dos dois processos é a mesma; e se há um bis, ou seja, se há, realmente, um duplo julgamento e/ou uma dupla condenação.

53. Aplicando a jurisprudência Engel do TEDH (caso Engel e outros vs. Holanda, de 1976), é notório que, na perspectiva da CEDH, a contra-ordenação de falsificação de contabilidade prevista no art. 211.º, g), do RGICSF constitui uma infracção penal (2.º e 3.º critérios Engel) e que os crimes de falsificação de documento e de falsidade informática também constituem infracções penais (1.º critério Engel).

54. De acordo com a jurisprudência do TEDH (caso Sergey Zolotukhin vs. Rússia, § 70 e ss.), o elemento idem factum do princípio ne bis in idem deve prescindir de considerações de índole jurídica relacionadas com a natureza dos infracções e dos bens jurídicos por elas tutelados, bem como da análise e comparação dos respectivos elementos essenciais, devendo ser aferido numa dimensão naturalística.

55. O que importa é saber se os factos são substancialmente os mesmos, se estão em causa circunstâncias factuais concretas envolvendo o mesmo agente e indissociavelmente ligadas entre si no tempo e no espaço (caso Sergey Zolotukhin vs. Rússia, § 82. e § 84.).

56. Sendo inequívoco que, na sua acepção material ou natural, os supra-referidos factos alvo do processo n.º 45/... são exactamente os mesmos que formam o objecto do presente processo criminal, é manifesto que em relação a estes dois processos pode afirmar-se a existência de um idem factum.

57. Em sede de bis, o TEDH, no caso A e B. vs. Noruega (§ 112. e sobretudo § 121. e ss.), concluiu no sentido da admissibilidade de princípio da previsão legal de procedimentos sancionatórios paralelos, como aqueles a que o arguido BB foi sujeito.

58. O TEDH ressalvou, porém, que essa admissibilidade só será de afirmar no caso de tais procedimentos constituírem parte de um único e mesmo procedimento conjunto, de um modo tal que não possa objectar-se ao Estado a existência de uma duplicação de procedimentos, isto é, a existência de um bis.

59. Para esse efeito será necessária uma valoração do caso no seu todo, à luz do chamado teste Nilsson (caso Nilsson vs. Suécia, acórdão do TEDH de 13/12/2005), segundo o qual é necessário verificar se entre os procedimentos paralelos existe uma “conexão material e temporal suficientemente próxima” – vd. caso A e B. vs. Noruega, §113., § 125, § 130. e ss.

60. A conexão material entre procedimentos está dependente da verificação dos factores enunciados no § 132. do Acórdão A e B. vs. Noruega, sendo questão saber se: i) os diferentes procedimentos visam fins complementares e dizem, assim, respeito, não apenas em abstracto, mas também em concreto a diferentes aspectos do acto socialmente danoso em causa; ii) a dualidade de procedimentos é uma consequência previsível, quer no plano legal quer na prática, da conduta em apreço (idem); iii) os procedimentos em questão foram conduzidos de maneira a evitar na medida do possível repetições na recolha e na valoração dos meios de prova, particularmente através de uma adequada interacção entre as várias autoridades competentes que permita que factos como provados em um dos procedimentos possam ser dados como assentes no outro; e iv) acima de tudo, se a sanção aplicada no âmbito do procedimento que primeiro chegou ao seu termo foi tida em conta no procedimento que findou em último lugar – uma vez que o fardo a suportar será menos excessivo no caso de existência de um mecanismo concebido para assegurar que o peso global de todas as penas aplicadas é proporcionado.

61. Transposto o teste Nilsson para o presente caso, é manifesto que não existe nem uma conexão material nem uma conexão temporal suficientemente próximas entre o processo contra-ordenacional n.º 45/... e o presente processo criminal n.º 7447/08….

62. Na verdade, confrontados os processos n.º 45/... e n.º 7447/08…, resulta evidente que não estão preenchidos os subcritérios segundo (dada a falta de previsibilidade da duplicação de procedimentos), terceiro (dada a falta de articulação probatória entre os processos) e quarto (dada a desconsideração no processo criminal das sanções aplicadas no processo contra-ordenacional) da conexão material.

63. Também não houve, nem há entre eles uma ligação temporal de qualquer espécie.

64. O processo contra-ordenacional 45/... e o presente processo penal n.º 7447/08… nunca funcionaram ou foram tidos pelo Banco de Portugal e pelas autoridades judiciárias penais como partes complementares de um único “grande” processo sancionatório, tendo constituído, antes sim, dois distintos e materialmente autónomos procedimentos sancionatórios.

65. Por tudo isto, a submissão do arguido BB a julgamento penal e a sua condenação criminal ditada pelo Tribunal a quo, depois de ter sido julgado e condenado pelos mesmos factos em processo contra-ordenacional, consubstanciaram uma óbvia violação do princípio ne bis in idem postulado pelo artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH.

66. Devendo essa norma ser observada e aplicada pelos Tribunais do Estado Português, terá de ser convocada no presente caso, com o necessário efeito de revogação da condenação do arguido recorrente BB quanto aos factos pelos quais foi processado e condenado contra-ordenacionalmente, por decisão judicial transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 45/....

       § 5. Violação do art. 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

67. Ao presente caso é igualmente aplicável, de forma directa, o princípio ne bis in idem nos termos em que é garantido pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

68. Considerando o previsto no seu art. 51.º/1, a Carta deverá ser tida em conta nos casos em que se aplique o direito da UE, mais especificamente quando a matéria se inscreva no âmbito de competências da UE definido no art. 2.º do TFUE.

69. A matéria objecto dos processos penal 7448/08… e contra-ordenacional 45/... insere-se no domínio financeiro das instituições de crédito e no âmbito da cibercriminalidade, ambos integrados na esfera de competência da União Europeia, dado respeitarem ao “mercado interno” (art. 4.º, n.º 2, al. a), do TFUE, ex vi art. 2.º do TFUE) e ao “espaço de liberdade, segurança e justiça” (art. 4.º, n.º 2, al. j), do TFUE, ex vi art. 2.º do TFUE),

70. Tanto assim é que as infracções pelas quais o arguido ora recorrente foi julgado e condenado no processo contra-ordenacional estão previstas no RGICSF, mais precisamente nos seus artigos 210.º e 211.º, o qual foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, que visou dar cumprimento a vários diplomas comunitários, transpondo a Directiva n.º 77/780/CEE, a Directiva n.º 897/646/CEE (Segunda Directiva de Coordenação Bancária) e a Directiva n.º 92/30/CEE.

71. A generalidade da legislação portuguesa relativa às instituições de crédito resulta da transposição de uma miríade de normas instituídas pela União Europeia através de Directivas, Regulamentos e Decisões, sendo o domínio das instituições de crédito, regulado pelo RGICSF, um domínio de aplicação do direito da União Europeia por excelência.

72. A matéria objecto dos processos contra-ordenacional e penal prende-se fundamentalmente com a falsificação de contabilidade do Banco Privado Português, S.A. e da sua sociedade-mãe Privado Holding, SPGS, SA, bem como de documentos e dados tidos como relevantes para a elaboração das contas dessas sociedades e para a sua supervisão e auditoria.

73. Também sobre toda essa matéria incide, há décadas, uma vastíssima e minuciosa regulamentação da União Europeia – cf. v. g., a Primeira Directiva Sociedades (Primeira Directiva 68/151/CEE, art. 6.º), Quarta Directiva Sociedades (Quarta Directiva 78/660/CEE, arts. 2.º e 60.º/A), Sétima Directiva Sociedades (Directiva 83/349/CEE, relativa às contas consolidadas, arts. 16.º e 48.º), Diretiva 2013/34/UE (arts. 4.º e 51.º), Directiva 86/635/CEE.

74. Várias destas Directivas, nomeadamente, a Quarta Directiva Sociedades (Directiva 78/660/CEE), a Sétima Directiva Sociedades (Directiva 83/349/CEE) e a Diretiva 2013/34/UE impõem aos Estados-Membros da União a previsão de sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas para as violações dos deveres, impostos às sociedades anónimas e a outros tipos societários, de apresentação de demonstrações financeiras anuais que dêem uma imagem verdadeira e apropriada dos elementos do ativo e do passivo, da posição financeira e dos resultados da empresa.

75. O direito da União Europeia incide igualmente sobre o reduto do cibercrime, sendo de destacar a Decisão-Quadro 2005/222/JAI e a Directiva 2013/40/UE.

76. Em conclusão, é notório que o direito da UE incide directamente sobre a matéria dos autos, motivo pelo qual, atento o disposto no art. 51.º/1 da Carta, aos factos dele objecto são aplicáveis as normas jusfundamentais consagradas da Carta, incluindo, naturalmente, o princípio ne bis in idem, plasmado no seu art. 50.º

77. Nessa aplicação deverão os tribunais nacionais tomar em devida e decisiva consideração a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.

78. Aplicada ao presente caso a doutrina firmada pelo TJUE sobre o princípio ne bis in idem tal qual se encontra consagrado no art. 50.º da Carta, verifica-se que o acórdão recorrido procedeu a uma restrição inamissível desse princípio.

79. Considerando a jurisprudência Bonda do TJUE (caso Bonda, Acórdão do TJUE, Grande Secção, de 05/06/2012, processo C‑489/10), que segue, no essencial a jurisprudência Engel do TEDH, as infracções pelas quais o arguido recorrente foi condenado nos processos 7447/08… e 45/... constituem delitos nos termos e para os efeitos do art. 50.º da Carta, que, por isso, lhes é aplicável.

80. “Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o critério relevante para apreciar a existência de uma mesma infração é o da identidade dos factos materiais, entendidos no sentido da existência de um conjunto de circunstâncias concretas indissociavelmente ligadas entre si e que levaram à absolvição ou à condenação definitiva da pessoa em causa” (Ac. do TJUE Luca Menci, n.º 35).

81. Sendo inequívoca a identidade material dos factos objecto do processo ... e deste processo penal, está verificada uma condição mais de aplicação do art. 50.º da Carta.

82. Tendo o arguido recorrente e os demais co-arguidos sido sujeitos a um processo contra-ordenacional, que conheceu decisão judicial de mérito transitada em julgado, e ainda a um processo criminal, o dos presentes autos, sofrendo em ambos a aplicação de sanções, é indiscutível a existência de um bis in idem, na acepção a que se refere o art. 50.º da Carta.

83. Em suma, tal como é entendido pelo TJUE, “este cúmulo de procedimentos e de sanções é constitutivo de uma restrição ao direito fundamental garantido neste artigo” (caso Luca Menci, n.º 39).

84. Apelando ao art. 52.º da Carta, o TJUE admite restrições ao art. 50.º da Carta (casos Spasic, Luca Menci e Garlsson Real Estate, SA).

85. A admissibilidade da restrição do princípio ne bis in idem está, não obstante, dependente da verificação cumulativa de várias condições (caso Luca Menci, n.º 40 e ss.), incluindo, inter alia, a previsão da restrição numa lei que a autorize (cf. art. 52.º/1, I, da Carta; Luca Menci, n.º 41), a existência de regras que permitam assegurar o respeito pelos princípios da proporcionalidade e da necessidade e a observância da exigência de suficiente proximidade material e temporal dos processos paralelos (fundada no art. 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH).

86. Constata-se que ao condenar penalmente o arguido BB, o Tribunal a quo restringiu princípio ne bis in idem consagrado no art. 50.º da Carta sem que estivessem reunidas estas exigências.

87. Com efeito, à data dos factos e da abertura dos processos penal e contra-ordenacional a lei aplicável não só não previa a possibilidade de cumulação de procedimentos, como, pelo contrário, apontava para a instauração de um único processo (criminal), e, dada a ausência de lei, não existiam quaisquer regras que assegurassem a observância dos princípios da proporcionalidade e da necessidade no âmbito da restrição do princípio ne bis in idem.

88. A regra legal invocada pelo Tribunal a quo, o art. 208.º, n.º 1, do RGICSF na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, só entrou em vigor já os processos 7447/08… e 45/... se encontravam em curso, não podendo por isso aplicado ao presente caso, sob pena de violação do princípio da legalidade previsto no art. 49.º da Carta.

89. A tudo isto acresce, como se demonstrou supra, a falta de uma suficiente proximidade material e temporal entre os processos 7447/08… e 45/..., a qual, na perspectiva do TJUE, também é pressuposto de válida restrição do princípio ne bis in idem previsto no art. 50.º da Carta.

90. Não se encontrando reunidas estas condições essenciais para que se possa restringir o direito fundamental a um non bis in idem que o art. 50.º da Carta confere ao arguido recorrente, não podia o Tribunal a quo ter julgado e condenado penalmente o arguido pelos mesmos factos de que ele já havia sido julgado e condenado, por sentença definitiva, no processo contra-ordenacional 45/....

91. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 50.º da Carta; devendo substituir a decisão condenatória proferida por outra que se afigure conforme com o art. 50.º da Carta, claramente, uma decisão de revogação dessa condenação.

92. Caso subsistam dúvidas neste Tribunal ad quem sobre os termos de aplicação dos artigos 50.º e 52.º da Carta a esta situação de duplo julgamento e condenação do arguido recorrente, requer-se, desde já, a V. Exas., ao abrigo do art. 267.º do TFUE, que requeiram ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

  - O disposto no artigo 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, interpretado à luz do artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, conjugado com o previsto no artigo 52.º da Carta admite que factos susceptíveis de constituir infracções de falsificação de contabilidade de sociedades anónimas que, directa ou indirectamente, exploram actividades financeiras e bancárias, possam ser objecto de dois processos paralelos, iniciados sensivelmente na mesma altura (o ano 2008), nomeadamente, um processo penal e um processo sancionatório administrativo (contra-ordenacional)?

 - Considerando os referidos artigos 50.º e 52.º da Carta, bem assim como o princípio da legalidade previsto no artigo 49.º da Carta, esse duplo processamento – no âmbito do qual o arguido foi julgado e punido por sentença transitada em julgado no processo sancionatório administrativo e depois desse trânsito em julgado também punido no processo penal – é admissível apesar de, à data dos factos e à data da abertura dos referidos dois processos, não existirem regras legais que o previssem e autorizassem?

  - Atendendo aos artigos 50.º e 52.º da Carta e ao artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH, esse duplo processamento é admissível apesar de não ter havido qualquer interacção probatória entre os dois processos e as sanções aplicadas no primeiro processo (administrativo) não terem sido tidas em conta na punição determinada no segundo processo (penal)?

  - Uma norma legal superveniente – no caso, o artigo 208.º do RGICSF na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2014 – que, na hipótese de a pessoa dever responder simultaneamente a título de crime e a título de contra-ordenação pela prática dos mesmos factos, se limite, sem mais, a atribuir competência decisória à autoridade administrativa reguladora, o Banco de Portugal, dá suficiente cumprimento às exigências de proporcionalidade e de necessidade impostas pelo artigo 52.º da Carta na interpretação que dele foi feita pelo TJUE nos n.ºs 41 e ss. do Acórdão proferido no caso Luca Menci (Acórdão de 20-03- 2018, processo C‑524/15)?

     § 6. Violação do artigo 29.º, n.º 5, da CRP

93. O Tribunal a quo atentou ainda, por último, contra a norma constante do artigo 29.º, n.º 5, da CRP, que consagra constitucionalmente o princípio ne bis in idem.

94. No Ac. n.º 244/1999, o TC admitiu a possibilidade de o art. 29.º/ da CRP ser aplicável a casos de concurso entre crimes e contra-ordenações, como é o presente, se houver “identidade do bem jurídico tutelado pelas normas sancionatórias concorrentes, ou do desvalor proposto por cada uma delas”.

95. Entendeu o TC que “o princípio «ne bis in idem» consagrado no nº 5 do artigo 32º [rectius, 29.º] da Constituição, pode ter aplicação, por analogia, em hipóteses de concurso de crimes e contra-ordenações, quando os bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas sejam idênticos”.

96. À infracção contra-ordenacional de falsificação de contabilidade (art. 211.º, g), 1.ª parte, do RGICSF) é imanente um desvalor substancialmente idêntico aos crimes de falsidade informática e de falsificação de documentos, dado que em todas estas infracções está fundamentalmente em causa o desvirtuamento da fidedignidade do conteúdo de documentos, físicos ou informáticos.

97. Como mostra a experiência do direito comparado, onde é recorrentemente radicada na esfera criminal e vista como peça central da criminalidade empresarial, a falsificação da contabilidade é um dos casos por excelência de infracções contra-ordenacionais que integram factos portadores de dignidade penal, pelo que poderia perfeitamente ser qualificada como crime pelo legislador.

98. Nesse sentido, trata-se de um domínio normativo contra-ordenacional que converge materialmente com o domínio penal, pelo que será artificioso qualificar este facto contra-ordenacional tipificado na I parte da alínea g) do art. 211.º do RGICSF como material ou qualitativamente distinto dos factos de falsidade informática e de falsificação de documentos tipificados como crime nos artigos 4.º da Lei n.º 109/91 e 256.º do CP.

99. Esta relação de convergência material entre as contra-ordenações e os crimes pelos quais o recorrente foi condenado nos processos 7447/08… e 45/... será por si só suficiente para que o princípio ne bis in idem previsto no art. 29.º/5 da CRP se aplique ao concurso existente entre estas várias infracções, dada a similitude de desvalor que lhes é imanente.

100. À mesma conclusão se chega por via do outro parâmetro convocado pelo TC, no Ac. n.º 244/99, para aferir da aplicabilidade do princípio ne bis in idem, na sua vertente constitucional: o de que os bens jurídicos sejam idênticos.

101. O bem jurídico protegido pelos crimes de falsificação de documento e de falsidade informática é a segurança e credibilidade do tráfico jurídico, em especial dos meios de prova.

102. É igualmente a esta pretensão de garantia da segurança e credibilidade dos documentos contabilísticos que se reconduz a contra-ordenação de falsificação de contabilidade tipificada no art. 211.º, g), do RGICSF.

103. A necessidade de assegurar a confiança geral na veracidade e transparência da informação contabilística que a empresa deve disponibilizar é um dos eixos legitimadores de uma actuação sancionatória dirigida a reforçar a efectividade das prescrições que regem a matéria.

104. No caso da contra-ordenação de falsificação de contabilidade prevista no art. 211.º, g), do RGICSF é o eixo axiológico-material da verdade e transparência que assoma como referente central de legitimação da tipificação legal.

105. A esta luz, será de considerar que o bem jurídico protegido por esta contra-ordenação é a confiança na exactidão e completude das informações contabilísticas relativas à situação económica e financeira das instituições de crédito e sociedades financeiras.

106. Há, pois, uma inelutável força de atracção que aproxima materialmente a contra-ordenação de falsificação da contabilidade dos tipos de crime de falsificação ou contrafacção de documento e de falsidade informática, o que conduz ao bom fundamento da ideia de que os bens jurídicos protegidos pelas infracções em apreço são materialmente idênticos.

107. Perante esta comunhão de interesses que anima estas várias infracções de falsificação pelas quais o arguido foi condenado será forçado procurar apartá-las, em sede de ne bis in idem, a partir da categoria do bem jurídico.

108. De modo que, seguindo o critério hermenêutico avançado pelo Ac. n.º 244/1999 do TC, relativo à identidade dos bens jurídicos, será de concluir que o princípio ne bis in idem previsto no art. 29.º, n.º 5, da CRP se aplica ao concurso de crimes e contra-ordenações que se verifica no presente caso.

109. Por todo o exposto, o artigo 208.º, n.º 1, do RGICSF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, interpretado no sentido de que permite o julgamento e condenação penais por crimes de falsificação de documento autêntico (art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e c), do CP) e de falsidade informática (art. 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/91) depois de, pelos mesmos factos, o agente ter sido julgado e condenado por contra-ordenação de falsificação de contabilidade (art. 211.º, al. g), do RGICSF) mediante sentença transitada em julgado, é inconstitucional, por violação do princípio ne bis in idem previsto no art. 29.º, n.º 5, da Constituição.

110. De igual modo, o artigo 208.º do RGICSF, na sua versão originária, interpretado no sentido de que permite o julgamento e condenação penais por crimes de falsificação de documento autêntico (art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e c), do CP) e de falsidade informática (art. 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/91) depois de, pelos mesmos factos, o agente ter sido julgado e condenado em coima por contra-ordenação de falsificação de contabilidade (art. 211.º, al. g), do RGICSF) mediante sentença transitada em julgado, é inconstitucional, por violação do princípio ne bis in idem previsto no art. 29.º, n.º 5, da Constituição.

111. Mais, a interpretação desse 208.º do RGICSF, na sua versão originária, no sentido de que, em caso de concurso de infracções, se admite um duplo processamento, penal e contra-ordenacional, no âmbito do qual o Banco de Portugal está autorizado a aplicar coimas é inconstitucional, por violação dos arts. 18.º/2 e 29.º/1 da CRP, dado que implica uma restrição do princípio ne bis in idem desprovida de base legal, atentando assim contra os princípios da reserva de lei em matéria de restrição de direitos fundamentais e da legalidade criminal.

112. Deverão, pois, essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da Constituição), procedendo-se processualmente em conformidade: isto é, revogando-se a condenação penal fundada nos factos pelos quais já foi condenado contra-ordenacionalmente.

     § 7. Princípio do nível mais elevado de protecção

113. Ainda que se considere improcedente a alegação de inconstitucionalidade assente na ofensa ao princípio plasmado no art. 29.º, n.º 5, da Constituição, nem por isso deve improceder a pretensão de fundo do recorrente, no sentido de que deverá a decisão recorrida ser revogada, com base no princípio ne bis in idem.

114. Pois que, se as normas previstas no art. 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH e do art. 50.º da CDFUE asseguram uma protecção mais forte da garantia de ne bis in idem de que o recorrente é titular do que aquela que lhe é conferida pelo art. 29.º/5 da Constituição portuguesa, manda o art. 53.º da Carta que sejam aquelas as normas aplicáveis ao presente caso.


- III -


      Agravação da Punição do Arguido

115. Caso a alegação relativa à ofensa ao caso julgado e ao princípio ne bis in idem seja julgada improcedente, impugna-se ainda, subsidiariamente, a agravação da punição decidida pelo Tribunal a quo.

        § 1. Inconstitucionalidade do art. 400.º/1/e) do CPP

116. A interpretação da norma constante do art. 400.º/1/e) do CPP no sentido de vedar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça no presente caso – em que, pela primeira vez no processo se decidiu aplicar uma pena de prisão efectiva, dando-se sem efeito uma pena não detentiva fixada em 1.ª Instância – é inconstitucional, por violação do direito ao recurso previsto no art. 32.º/1 da CRP.

117. Neste sentido há a destacar o Acórdão do TC n.º 595/2018, tirado em Plenário, que declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do Acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, por violação dos arts. 32.º/1 e 18.º/2 da CRP.

118. Conforme vem demonstrando a jurisprudência constitucional mais recente, o núcleo duro da garantia constitucional do recurso, na perspectiva do arguido, não se reconduz simplesmente ao duplo grau de jurisdição, independentemente de por quem for esse direito exercido – entendimento do qual, de resto, se afastou o recente Acórdão do TC n.º 595/2018, na esteira do Ac. n.º 426/2016, que bem enfatiza a autonomia e inconfundibilidade dos dois conceitos.

119. Á semelhança do que faz o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 595/2018, para se aferir a conformidade constitucional da norma sub judicio importa, desde logo, determinar em que medida a mesma afecta as garantias de defesa do arguido – só assim se logrando perceber se pode concluir-se que, in casu, essa afectação resulta num sacrifício injustificado, excessivo e desproporcionadamente restritivo do direito ao recurso.

120. A aplicação de uma pena de prisão efectiva - como in casu - assume especial gravidade e relevância social exigindo-se um especial controlo de legalidade do processo e da decisão que a determina – mormente quando estão em causa julgamentos discordantes, não confirmatórios, nas duas instâncias chamadas a intervir.

121. Não é apenas o carácter inovador da decisão – no sentido de que, após decisão absolutória de 1.ª instância, existe uma parte da decisão que se apresenta necessariamente como totalmente nova: processo decisório tendente à determinação da pena a aplicar – que legitima o juízo de inconstitucionalidade formulado. Igualmente determinante para a conclusão por essa desconformidade com a Lei fundamental é o grau de violação dos direitos fundamentais do arguido operada com aquela decisão (decorrente, naturalmente, da própria natureza da pena).

122. O que justifica o juízo de inconstitucionalidade não é, primacialmente, a exclusão da faculdade de impugnação, perante uma outra instância, da determinação da pena (enquanto questão nova e insindicada, relativamente à qual o arguido não poderia, de forma alguma, ter-se defendido em momento anterior); mas sim o concreto nível de afectação da liberdade implicado na sanção aplicada ao arguido recorrente.

123. Ao resolver contra o arguido a situação de contradição entre a decisão de primeira e segunda instâncias (no que concerne à efectividade da pena aplicada), recusando-lhe a possibilidade de reacção a uma condenação em pena de prisão efetiva, esta norma viola concretamente o seu direito ao recurso, levando à sua total ablação. Sendo certo que, estando em causa uma pena de privação da liberdade, essa solução é manifestamente excessiva e, nesse sentido, inconstitucional desde logo por violar o art. 18.º/2 da Constituição.

124. A compressão do conteúdo do direito ao recurso traduzida na impossibilidade de impugnar as consequências jurídicas do crime impostas numa decisão condenatória quando estas se saldam na imposição, pela primeira vez, de uma pena de prisão efectiva (independentemente de a decisão que a antecedeu ter sido de absolvição ou condenação em pena distinta) representa um sacrifício dos direitos fundamentais do arguido de tal ordem que já não encontra fundamento suficiente no propósito de racionalização do acesso ao STJ.

125. O próprio Supremo Tribunal de Justiça segue a inflexão da linha jurisprudencial firmada pelo TC, invertendo a sua posição inicial, passando a admitir conhecer de recursos de Acórdãos da Relação que condenaram em pena de prisão (efectiva) inferior a 5 anos, alterando a condenação da 1.ª instância (neste sentido entre outros, os Acs. do STJ de 09/02/2017 (proc. n.º 21/14.6GBVCT.G1.S1), de 09/11/2017, proc. n.º 335/15.8PATVD.C1.S1), de 12/07/2018 (proc. 172/17.5S7LSB.L1.S1) e de 07/03/2019 (proc. 604/13.1JAPRT.P1.S1).

126. In casu, atenta a pena aplicada ao co-arguido AA em 2.ª Instância (pena única de prisão de 5 anos e 8 meses), e por não se verificar o preenchimento quanto a ele de nenhuma das alíneas do art. 400.º/1 do CPP, poderá o referido co-arguido - condenado em pena mais grave e por conduta mais gravosa - recorrer da agravação da pena que sofreu, ficando sujeito a pena de suspensão de execução da pena de prisão, vendo o arguido BB vedado essa possibilidade…

127. Caso se entenda não ser de admitir o presente recurso, na parte em que se impugna especificamente a agravação da punição do recorrente, com fundamento no art. 400.º/1/e) do CPP, reputa-se, desde já, por inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18.º/2 e 32.º/1 da CRP, a interpretação dada à norma constante no artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP no sentido de que é irrecorrível a decisão inovatória proferida pela Relação que condenou o arguido em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, após decisão de 1.ª instância que suspendeu a execução da pena aplicada, por tal interpretação inviabilizar ao arguido o exercício pleno do direito de defesa e do direito ao recurso, ao consagrar a irrecorribilidade de uma decisão do Tribunal da Relação que pela primeira vez no processo condenou o arguido em pena de prisão efetiva.

      § 2.Da Ilegalidade da Agravação da Punição

       § 2.1 Da Nulidade da elevação das penas parcelares por vício de fundamentação

128. O Tribunal a quo agravou 4 das penas parcelares aplicadas ao arguido, fê-lo porém sem o mínimo de fundamentação exigível para a elevação da privação da liberdade de um cidadão, mediante imposição de uma pena de prisão.

129. Pelo que incorre o acórdão recorrido em nulidade, por falta da fundamentação devida, a qual se argui para todos os efeitos legais (cf. arts. 379.º/1/a), 425.º/4 e 410.º/3 do CPP).

       § 2.2 Revogação da pena de substituição: nulidade por excesso de pronúncia

130. Sem que o recorrente Ministério Público o tivesse requerido, o Tribunal a quo decidiu dar sem efeito a escolha da pena única feita pelo Tribunal de 1.ª Instância, revogando a pena de suspensão de execução da pena de prisão aplicada, determinando o cumprimento  de pena de prisão efectiva (p. 1194 e ss. do acórdão recorrido)

131. Não tendo o recorrente Ministério Público, nas conclusões e no pedido, questionado a pena de substituição e considerando que os poderes de cognição do Tribunal a quo se encontravam circunscritos ao objecto do recurso, o qual é fixado pelas conclusões, incorreu o Tribunal a quo em excesso de pronúncia, o que determina a nulidade do Acórdão recorrido nessa parte relativa à pena de substituição (cf. arts. 379.º/1/a), 425.º/4 e 410.º/3 do CPP),

132. Daí deverá resultar, nomeadamente, a subsistência da pena de substituição da pena de suspensão de execução da pena de prisão inicialmente aplicada ao arguido (neste sentido veja-se o Ac. do STJ de 19/06/2019 - Proc. n.º 273/17.JAAVR.P1.S1)

       § 2.3 Da Violação dos arts. 71.º/1, 77.º/1, 70.º e 50.º/1 do CP

133. A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal, constituindo um verdadeiro poder/dever, devendo o tribunal preferir à pena privativa de liberdade uma pena de substituição, sempre que reunidos os pressupostos para o efeito (cf. Ac. do STJ de 07/03/2002, processo n.º 583/02 - 5.ª Secção).

134. In casu, sempre se mostra preenchido o pressuposto formal exigido pelo art. 50.º do CP: pena aplicada não superior a 5 anos.

135. Na formulação do juízo de prognose favorável em relação ao arguido, também exigido pelo art. 50.º do CP, importava o Tribunal a quo ter presente que já decorreram mais de 11 anos desde a prática dos crimes, pelo que as necessidades de prevenção sentidas no momento da prática dos crimes não são as mesmas que agora se fazem sentir.

136. Desde o seu afastamento da administração do banco BPP (em 2009) que o arguido não voltou a exercer quaisquer funções directa ou indirectamente ligadas ao sector bancário, ou outra que envolva o acesso a sistemas de informação ou tráfico jurídico probatório documental; além do mais mostra-se inibido do exercício de cargos sociais e funções de administração, direcção, gerência ou chefia. em quaisquer instituições de crédito ou instituições financeiras, por força da decisão proferida no processo de contraordenação n.º 45/... que correu termos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

137. Sem desmerecer as finalidades que se impõem acautelar, o presente caso reclama exigências bem diferentes das de outros casos de “queda” de Instituições Bancárias Portuguesas, desde logo porque os clientes do Banco BPP recuperaram os seus capitais na sua quase totalidade, e o próprio Estado viu recuperado o empréstimo de 450 milhões, quantia esta bem inferior à de outras quantias empregues noutros Bancos portugueses que também foram intervencionados.

138. O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, sendo que os factos objecto destes autos integram uma circunstância específica de crise financeira e queda dos mercados internacionais, e apesar das nefastas consequências que dos factos advieram para a vida pessoal do arguido, o mesmo conseguiu preservar a sua inserção social e profissional, como julgado provado nos pontos 478 e 479 dos factos provados no acórdão de 15/10/2018.

139. Face ao entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça em alguns dos seus arestos de que a aceitação pelo agente da culpa não impede a formulação e um prognostico favorável, não pode colher o fundamento encontrado pelo Tribunal a quo de que a falta de confissão integral e sem reservas dos factos por que vinha acusado prejudica a aplicação da pena de substituição (vd. Ac. do STJ de 09/12/2003, processo n.º 04P4118).

140. Incumpriu assim o Tribunal a quo com o seu poder-dever de preferência por penas não detentivas, proferindo uma decisão desadequada, desproporcional e atentatória dos parâmetros fixados nos arts. 40.º e 50.º, 70.º, 71.º e 77.º do CP, impondo-se a reposição da pena de substituição nos termos decretados pelo Tribunal de 1.ª Instância.

     Pelo exposto,

Considerando a ofensa ao caso julgado e a violação da proibição de bis in idem imputáveis ao Acórdão recorrido, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a condenação de que o arguido foi alvo, por decisão do Tribunal a quo, com base nos factos pelos quais foi julgado e condenado por sentença transitada em julgado no processo contra-ordenacional n.º 45/...

Para este efeito, requer-se a V. Exas., ao abrigo do art. 267.º do TFUE, que requeiram ao Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie, a título prejudicial, sobre as questões enunciadas na parte B), § 5.4 da motivação e no ponto 92. das conclusões.

     Sem prescindir, subsidiariamente,

Requer-se seja o Acórdão recorrido julgado nulo na parte relativa à agravação da punição, por vícios de fundamentação e de excesso de pronúncia (art. 379.º/1/a)/c), ex vi art. 425.º/4 do CPP), com as legais consequências.

     Sem prescindir, subsidiariamente,

Requer-se a revogação da agravação da pena única conjunta decidida pelo Tribunal a quo, voltando-se a fixá-la nos termos determinados pelo Tribunal de 1.ª Instância: pena única conjunta de prisão de 4 anos e 3 meses substituída por pena de suspensão de execução da pena de prisão de igual período, sujeita à injunção nela fixada”.

    B) Por seu turno, o arguido AA extrai da sua motivação as seguintes conclusões:

“1.ª O arguido foi condenado em recurso interposto pelo Ministério Público, em concurso material pela prática de seis crimes de falsidade informática e por um crime de falsificação de documento na pena única de cinco anos e oito meses de prisão efectiva; na 1ª instância o arguido havia sido condenado à pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução mediante o pagamento de uma soma de quatrocentos mil euros à instituição Crescer.

2.ª A pena única, decretada pela decisão recorrida, significa uma manutenção da qualificação jurídica dos factos, mas traduz, em cúmulo jurídico, um aumento de oito meses relativamente à pena imposta pela primeira instância, pela seguinte forma:

     (1) aumento de penas parcelares impostas aos seguintes episódios factuais, concretamente (i) 3 meses quanto ao caso Produto Retorno Absoluto (ii) 4 meses relativamente ao caso das sociedades offshore (iii) 9 meses no caso etiquetado como Estratégia e Conta ....23 (iv) 3 meses no caso CDS Lehman Bros;

      (2) manutenção das penas nos demais episódios (i) Leaving Seagul e MB Float (ii) equity option/Santander (iii) certificação legal das contas [em que foi imputado ao arguido o crime de falsificação de documento autêntico];

3.ª A decisão recorrida enferma de erro de Direito no que se refere à interpretação e aplicação do artigo 30ª do Código Penal porquanto, ante os factos dados como provados, e a manter-se a qualificação jurídico-penal dos mesmos, a correcta subsunção daquele preceito implicaria considerar a conduta do arguido como integrando, não uma acumulação material de seis crimes de falsidade informática, mas, enquanto “unidade de facto”, um único crime em regime de continuação criminosa.

4.ª Consequentemente, a decisão recorrida quanto ao crime de falsidade informática enferma de erro de Direito, no que se refere ao artigo 79º do Código Penal [no qual se determina o regime de punição do crime continuado], ao condenar o arguido em penas parcelares, cada uma atinente a um [afinal sempre o mesmo] tipo de crime e ao efectuar o cúmulo jurídico respectivo dessas penas, quando a correcta aplicação do Direito implicaria condenar o arguido por uma pena única por esse único crime continuado de falsidade informática, tomando como referência o máximo da pena que integra a continuação, no caso prisão até cinco anos [ou multa de 120 a 600 dias [por ser essa a que decorria do artigo 4º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 109/91, de 17de Agosto.

5.ª Também em consequência, a decisão recorrida enferma de erro de Direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 77º do Código Penal, porquanto o cúmulo jurídico das penas deverá incidir então sobre a pena única aplicável ao crime de falsidade informática com a pena aplicável ao crime de falsificação de documento.

6.ª Independentemente da solução que se encontre em matéria de continuação criminosa, a decisão recorrida enferma de erro de Direito no que respeita à pena concreta aplicada a cada um dos crimes em presença, concretamente na interpretação e aplicação dos artigos 40º e 71º do Código Penal quanto aos critérios de opção por uma medida de pena concreta que imponha ou não a privação da liberdade, porquanto, como veremos, as circunstâncias do caso determinam que a pena concreta conforme ao Direito seja aquela que se encontre numa dosimetria que não impeça a suspensão da sua execução e assim não prive o arguido da liberdade, pelo que [a ser assim] a pena decretada em primeira instância é justa, está adequada à culpa, satisfaz as necessidade de prevenção especial e não atenta contra a prevenção geral.

7.ª Efectivamente o arguido não tem antecedentes criminais [facto adquirido], e (i) é adquirido que a ausência de antecedentes criminais é factor relevante [nos termos do artigo 71º, n.º 2, e) do Código Penal ] para a determinação da espécie de pena e para a sua individualização, por traduzir que a ocorrência do crime seja um desvio numa trajectória que se vinha conformando com o Direito e com os valores comunitários que subjazem aos bens jurídicos criminalmente tutelados e (ii) é facto que ao mover-se o arguido profissionalmente no ramo da actividade bancária e financeira é de esperar e exigir que (a) não tenha, ao chegar a ela, antecedentes criminais [sob pena de não integrar os critérios relevantes de idoneidade] (b) e que assim se mantenha, o que sucedeu no caso do ora recorrente até à data dos factos (iii) mas essa perspectiva não pode ser valorada contra o arguido, porque se trata de um ramo de actividade altamente exigente em que o risco de haver uma falha, um acto ilícito, ao limite uma contra-ordenação ou um crime, são eventualidades prováveis e não acasos impensáveis: deste modo, haverá que proceder a uma ponderação positiva dos casos em que os antecedentes criminais inexistem (iv) e não se diga, como propugnava o Ministério Público no seu recurso, que se trata de «situação esperada face ao tipo de enquadramento social em que cada arguido se move, não tem um peso determinante na determinação da pena», porquanto, bem ao invés releva para tal de modo significativo;

8.ª É certo que, em matéria de bem jurídico tutelado, os crimes julgados nestes autos «afectam a confiança na fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório e, ainda, de forma reflexa, na integridade dos sistemas informáticos, bem como a segurança e fidedignidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico» [como o considerou a decisão recorrida (i) mas não pode acompanhar-se tal decisão quando, em matéria de bem jurídico, adita que «no contexto em que foram praticados, estes crimes abalam também a credibilidade do sistema financeiro», porquanto tal circunstância, se é relevante para o apuramento da ilicitude não pode ser convocada de forma a criar um bem jurídico a se a aditar ao bem jurídico primário tutelado pela norma incriminatória (ii) e é relevante ponderar-se a circunstância de a factualidade em causa no que à falsidade informática respeita implicar a lesão reiterada, é certo, mas tal sucede em contexto de homogeneidade, do mesmo bem jurídico.

9.ª É, aliás, determinante considerar-se que [facto adquirido] inexiste dano computado que decorra dos factos que integram o objecto do presente processo e o valor que o Ministério Público convoca como factor a relevar [900 milhões de euros] é o que pode estar em causa ante a insolvência do banco e não como decorrência causal dos crimes aqui em apreço.

10.ª E, se é facto que o arguido, em virtude do cargo …. , teria uma acção preponderante [como o consigna a decisão recorrida], mas (i) nada nos factos dados como adquiridos permite concluir [contra o que faz tal decisão, louvando-se no facto provado n.º 28] que em termos absolutos «nenhuma decisão de relevo era tomada com oposição do mesmo» porquanto, o que está dado como provado naquele indicado facto é que o poder de bloqueio [tal como o de aprovação] pertencia [segundo o factos provado] a um colégio de três pessoas, tendo o ora arguido a mera preponderância e não direito de veto (ii) além de que, é relevante consignar que o arguido, sendo embora ..., não pertencia à…., e esta, nos termos da lei, estava incumbida da gestão da sociedade e, ainda conforme a lei, tal CE poderia actuar em sentido inverso do que fosse a sua visão ou as suas intenções;

11.ª E, enfim, dizer-se como o afirma a decisão recorrida em relação ao arguido que «a sua conduta assume especial censurabilidade por se lhe impor uma maior exigibilidade no cumprimento das normas que violou, com absoluta desconsideração», é princípio que, a ser aceite, terá de ser proporcionado a todos os factores que relevam para uma aferição justa de tal censura.

12.ª A decisão recorrida, valorou o critério da prevenção geral em função de circunstâncias de facto que não eram as que se verificavam à data em que os actos ocorreram mas sim as que existiam e foram avaliadas no momento da punição, pelo que incorre em erro de Direito na interpretação e aplicação dos artigos 40º, n.º 1 e 2, 70º, 71º e 2º, n.º 1 do Código Penal e 29º, n.º 1 da Constituição ao ter aplicado elemento retroactivamente normativo típico do artigo 70º do Código Penal e gerou assim desproporção punitiva que viola a proporcionalidade das penas, ultrapassou o limite da culpa e feriu o princípio da igualdade [artigos 2º, 18º, n.º 2 da Constituição].

13.ª Ainda em sede de prevenção geral, a decisão recorrida desconsiderou factores que são relevantes para a sua justa medida, nomeadamente (i) o decurso de tempo entre a data dos factos e a da condenação, pelo que o efeito de exemplaridade por ameaça perde o seu sentido (ii) a circunstância de estarmos, face aos factos, ante uma área de criminalidade que, tendo  ocorrido no sector bancário não integra o núcleo essencial do comércio bancário [sendo claros, não é por exemplo uma burla] o que se afirma sem desconsiderar a natureza ilícita da mesma.

14.ª A decisão recorrida, ao ter considerado, em matéria valoração do critério da prevenção especial, que «as condutas delituosas do arguido não podem ser classificadas como uma mera pluriocasionalidade. De facto, tratando-se de factos distintos e praticados durante largo período de tempo, os mesmos traduzem um enraizado desrespeito por parte do arguido pelas normas aplicáveis à actividade que desenvolvia e, também, pelos clientes do BPP, conduzindo à conclusão de que são elevadas as necessidades de prevenção especial», desconsiderou factores relevantes nesta matéria, incorrendo em erro de Direito na interpretação e aplicação dos artigos 40º e 71º do Código Penal, nomeadamente porque (i) a prevenção especial visa obter como seu efeito a não reiteração pelo agente de condutas delituosas, nomeadamente aquelas pelas quais haja recaído condenação, actuando sobre a sua personalidade (ii) ora, no caso, tratando-se de arguido cujo múnus profissional é o exercício da actividade bancária, é relevante convocar-se, como factor a ponderar nesta matéria a circunstância de aquele ter sido condenado em sanção acessória de inibição de actividade bancária, a qual só se esgota em 2026, o que, nas circunstâncias concretas do caso, é antídoto a qualquer eventual repetição de conduta, até pela idade que o arguido terá então (iii) ademais, o banco em que o arguido exerceu cargo de administração já não existe, o que reforça o argumento no sentido de que não há que prevenir o que não tem probabilidade de ocorrer, no caso a prática de crimes neste sector da vida financeira (iv) enfim (a) não se diga [como o faz a decisão recorrida] que «neste tipo de crimes a regra é o agente não ter antecedentes criminais e estar inserido socialmente o que não invalida que sejam ponderosas as necessidades de prevenção especial» (b) porquanto, por um lado, não pode desconsiderar-se desta forma absoluta a relevância da ausência de passado criminal [até porque tal violaria o estatuído no artigo 71º, n.º 1, e) do Código Penal] e, por outro, é lógico que a não reiteração tem maior probabilidade de ocorrência tratando-se de agente sem criminalidade pretérita do que se a tivesse a onerar o seu cadastro (c) e o próprio acórdão proferido em primeira instância, que conheceu os factos e as pessoas em pormenor e com o benefício da imediação, concluiu [página 667] que, eram «relativamente moderadas as necessidades de prevenção especial (importa recordar, não só que os arguidos não tinham antecedentes criminais, como não voltaram a delinquir, e, apesar de não terem demonstrado ter interiorizado o desvalor das suas condutas, possuem integração social, familiar e profissional»;

15.ª Pelo exposto, o arguido, a ser condenado, deveria sê-lo em pena que, sendo ablativa da liberdade, fosse, numa lógica de cúmulo jurídico entre a aplicável ao crime de falsidade informática e ao de falsificação de documento de prisão situada ao limite dos cinco anos ou em medida inferior, em termos de facultar o poder/dever de suspensão da pena;

16.ª A decisão recorrida, com violação do princípio geral da proporcionalidade das penas [artigo 18º, n.º 2 da Constituição], ao ter incrementado cada uma das penas parcelares aplicadas ao arguido [como vimos de 3 meses no episódio do Retorno Absoluto, 4 meses no caso das offshores, 9 meses no episódio da Estratégia e Conta .....23 e 3 meses no caso CDS/Lehmann Bros], fê-lo com fundamento na dita «actuação preponderante» do arguido, o que, no entanto, não considerou relevante para aqueles outros casos em que manteve a medida da pena decretada pela primeira instância e em que entendeu-se verificar-se também tal preponderância [episódios Leaving Seagull e MB Float; equity options BPP/Santander; Certificação Legal de Contas] e sem justificação quanto à razão pela qual aquele factor haveria sido determinante apenas naqueles episódios;

17.ª Em consequência, a decisão recorrida enferma de erro de Direito, na interpretação e aplicação dos artigos 50º e 52º do Código Penal, porquanto, vistas as circunstâncias concretas do caso, é de aplicar o regime jurídico da suspensão da pena de prisão condicionado a uma injunção de natureza pecuniária, tal como decorreu da decisão exarada pela primeira instância, porquanto a ponderação global dos factores em presença, levam à conclusão de que seja possível efectuar um prognóstico positivo sobre o futuro do arguido ora recorrente, no sentido de que a mera ameaça de pena bastará para satisfazer as necessidades que no caso se sentem atinentes à prevenção especial e que uma tal solução não põe em crise a prevenção geral.

18.ª Enfim, precisamente em função dos critérios que a decisão recorrida convoca para o agravamento da punição, admite-se que os mesmos ganhem relevo, sim, mas no dimensionamento do valor da injunção a que o arguido seja sujeito enquanto condição para a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 51º do Código Penal, a qual se admite possa ser agravada, fixando-se em 500 mil euros, em termos de, por esse forma, se alcançarem as finalidade prevista no artigo 40º do Código Penal: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

   [e por último, um tema final de recurso, que sabemos suscitado por coarguido e para cuja fundamentação por motivação, e com a devida vénia, remetemos na íntegra, sumariando-lhe as conclusões, até por força do estatuído no artigo 402º, n.º 2, a) do CPP]

19.ª O artigo 208.º, n.º 1, do RGICSF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, quando prevê, como sucedeu no caso o julgamento e condenação penais por crimes de falsificação de documento autêntico (art. 256.º, n.ºs 1, als. b) e c), do CP) e de falsidade informática (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/91) depois de, pelos mesmos factos, o agente ter sido julgado e condenado por contra-ordenação de falsificação de contabilidade (artigo 211.º, al. g), do RGICSF) mediante sentença transitada em julgado, é inconstitucional, por violação do princípio ne bis in idem previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.

20.ª O artigo 208.º do RGICSF, na sua versão originária, interpretado no sentido de que permite o julgamento e condenação penais por crimes de falsificação de documento autêntico (artigo 256.º, n.ºs 1, als. b) e c), do CP) e de falsidade informática (artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 109/91) depois de, pelos mesmos factos, o agente ter sido julgado e condenado em coima por contra-ordenação de falsificação de contabilidade (artigo 211.º, al. g), do RGICSF) mediante sentença transitada em julgado, é inconstitucional, por violação do princípio ne bis in idem previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição.

21.ª A interpretação desse 208.º do RGICSF, na sua versão originária, no sentido de que, em caso de concurso de infracções, se admite um duplo processamento, penal e contra-ordenacional, no âmbito do qual o Banco de Portugal está autorizado a aplicar coimas, é inconstitucional, por violação dos arts. 18.º/2 e 29.º/1 da CRP, dado que implica uma restrição do princípio ne bis in idem desprovida de base legal, atentando assim contra os princípios da reserva de lei em matéria de restrição de direitos fundamentais e da legalidade criminal.

22.ª Deve, pois, ocorrer a desaplicação das referidas normas [artigo 204.º da Constituição], procedendo-se processualmente em conformidade: isto é, revogando-se a condenação penal fundada nos factos pelos quais já foi condenado contra-ordenacionalmente.

23.ª Ainda que se considere improcedente a alegação de inconstitucionalidade assente na ofensa ao princípio plasmado no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição, nem por isso deve improceder a pretensão de fundo do recorrente, no sentido de que deverá a decisão recorrida ser revogada, com base no princípio ne bis in idem, já que a violação deste princípio ocorre por via do artigo 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH e do artigo 50.º da CDFUE, preceitos que asseguram uma protecção mais forte da garantia de ne bis in idem de que o recorrente é titular do que aquela que lhe é conferida pelo artigo 29.º, n.º 5, da Constituição portuguesa, pelo que, nos termos do artigo 53.º da Carta que sejam aquelas as normas aplicáveis ao caso.

    Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que (i) considere, no que ao crime de falsidade informática respeita, estar-se ante uma situação de crime continuado a determinar uma só pena a entrar em cúmulo jurídico com a aplicável ao crime de falsificação de documento e que tenha uma dosimetria penal ao limite dos cinco anos e, em conformidade suspenda a mesma por igual período, suspensão sujeita à condição de pagamento de uma soma, a título de injunção, à instituição escolhida pela primeira instância, ou outra, soma que poderá ser de valor superior à então computada para o efeito, sugerindo-se 500 mil euros (ii) a não se entender tal, que a valoração das circunstâncias que relevam para a individualização das penas parcelares da falsidade informática e do cúmulo jurídico respectivo, bem como do cúmulo final daquele tipo de crime com o de falsificação de documento, seja efectuada de modo a concluir-se por igual dosimetria com o limite e cinco anos e suspensão da execução da pena de prisão, tal como o fez a primeira instância, com ajustamento do valor da injunção, como se referiu na alínea antecedente (iii) isto a não se decretar a relevância da excepção do caso julgado formado pelo condenação contraordenacional prévia com projecção a nível da responsabilização penal, tudo como é de JUSTIÇA!”.

    Ao recurso interposto pelo arguido BB respondeu o assistente Banco Privado Português, SA – Em Liquidação, assim concluindo:

“1. O recurso interposto pelo Recorrente mostra-se legalmente inadmissível, devendo por isso ser rejeitado.

2. De facto, a pena única que foi aplicada é inferior a 5 anos, o que, por si só, determina a irrecorribilidade do acórdão recorrido (cfr. art.º 400.º, n.º 1, al. e) do CPP).

3. Consciente disso, procura o Recorrente, por meio de extensa argumentação, sustentar que o recurso por si interposto se mostra legalmente admissível.

4. Em concreto, defende o Recorrente que o acórdão recorrido viola o caso julgado da sentença proferida no âmbito do processo contra--ordenacional n.º 45/..., circunstância que supostamente legitimaria um recurso ao abrigo do disposto no art.º 629.º, n.º 2, al. a) do CPC.

5. A argumentação expendida pelo Recorrente não é nova, remontando a uma discussão por si suscitada em 1.ª instância e em 2.ª instância.

6. Na verdade, as questões colocadas pelo Recorrente no recurso a que ora se responde são cópia fiel das questões já colocadas, também pelo Recorrente, ao tribunal de 1.ª instância e ao Tribunal a quo, tendo já sido objecto de decisão.

7. Desta forma, o que o Recorrente verdadeiramente pretende não é suscitar questão nova, mas sim que lhe seja concedido o privilégio de ver apreciada, por três distintas instâncias, as questões por si colocadas.

8. Em todo o caso, sempre se diga que o RGICSF contém uma norma especial que, derrogando o disposto no regime geral, admite que os mesmos factos possam ser simultaneamente apreciados e julgados, do ponto de vista da sua relevância criminal e contraordenacional, em processos distintos.

9. Certo sendo que o art.º 208.º, n.º 1 do RGICSF é uma norma de cariz processual – que não implica a derrogação de pressupostos de punibilidade –, devendo ter aplicação imediata aos processos em curso (cfr. art.º 5.º, n.º 1 do CPP).

10. No processo contra-ordenacional, o juiz nunca conheceu da questão penal e, no processo criminal, o poder judicial também não conheceu da questão contra-ordenacional.

11. Não se colocou, portanto, a possibilidade de o tribunal vir contradizer decisão judicial anterior, não se verificando, sequer em tese, qualquer possibilidade de se violar o caso julgado ou o princípio ne bis in idem.

12. É jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que, sempre que exista autonomia entre a conduta que origina a responsabilidade contra-ordenacional e a conduta que origina a responsabilidade penal, estando em causa normas jurídicas com destinatários distintos e que protegem bens jurídicos diversos, o desvalor jurídico plúrimo que daí possa decorrer não contende com a tutela concedida ao princípio ne bis in idem (cfr. acórdão n.º 356/2006 do Tribunal Constitucional).

13. Assim, bem andou o Tribunal a quo quando considerou estar-se na presença de um concurso efectivo de normas, conquanto são diferentes os bens jurídicos que se pretendem tutelar e, bem assim, são diferentes os destinatários das normas.

14. Vem ainda o Recorrente, por meio de extensíssima argumentação, alegar que a interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo quanto ao disposto nos arts. 208.º do RGICSF – em ambas as versões – e 79.º, n.º 2 do RGCO viola: (i) o art.º 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH; (ii) o art. 50.º da CDFUE; e (iii) o art.º 29.º, n.º 5 da CRP.

15. No entanto, o Protocolo n.º 7 foi acolhido pelo Estado Português com a aposição de reserva que impede a sua aplicação a processos de cariz contra-ordenacional.

16. Já no que respeita à suposta violação do disposto no art.º 50.º da CDFUE, atento o teor literal do referido preceito, não se vê como pode o mesmo ter aplicação ao caso vertente.

17. A pendência dos processos crime e contra-ordenacional: (i) encontra-se prevista na lei; (ii) respeita o conteúdo essencial do princípio ne bis in idem; e (iii) respeita o princípio da proporcionalidade.

18. No que respeita à suposta violação do art.º 29.º, n.º 5 da CRP, reitere-se a diferente natureza dos bens jurídicos tutelados pelas normas em apreço e, bem assim, os diferentes destinatários de tais normas.

19. Quanto ao teor acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, em que se sustenta o Recorrente, o mesmo não tem qualquer aplicação ao caso vertente.

20. De facto, como é sabido, a interpretação que ali se julga inconstitucional não pode ter lugar no presente caso, pois que o Recorrente não foi absolvido em 1.ª instância.

21. Atenta a jurisprudência desse Venerando Tribunal e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, é inquestionável que o disposto no art.º 400.º, n.º 1, al. e) do CPP determina a irrecorribilidade da decisão que, em 2.ª instância e de forma inovadora relativamente à decisão da 1.ª instância, revoga a suspensão da pena de prisão na sua execução e, bem assim, agrava a pena anteriormente determinada – conquanto nos mantenhamos na presença de pena de prisão não superior a cinco anos.

22. O Tribunal Constitucional já clarificou que o juízo de constitucionalidade vertido no acórdão n.º 595/2018 não se confunde com os casos em que a 2.ª instância decide revogar a suspensão da pena, agravando-a, entendimento este que não merece qualquer juízo de inconstitucionalidade (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 476/2018).

23. Já no que toca aos vícios formais invocados pelo Recorrente, considerando que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo é irrecorrível, deve entender-se que esse Venerando Tribunal não poderá conhecê--los (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/2020, processo n.º 83/15.9PJLRS.L1.S1).

24. De qualquer forma, e sem conceder, sempre se deverá concluir pela sua improcedência.

25. No que respeita à suposta falta de fundamentação, o Recorrente não concretiza minimamente que fundamentação é que teria de ser avançada pelo Tribunal a quo para que a decisão recorrida não merecesse a censura que o Recorrente lhe atribui.

26. O Tribunal a quo apresentou, a páginas 1189 e ss. da decisão recorrida, extensa fundamentação que sustenta adequadamente o agravamento da sanção aplicada ao Recorrente e a alteração do seu modo de execução.

27. O Tribunal a quo empenhou-se em enunciar os factos relevantes para as penas parcelares, sua gravidade intrínseca e as condições pessoais do Recorrente, retratando a culpa e as exigências de prevenção.

28. No que respeita à suposta nulidade por excesso de pronúncia, é de recordar que o Ministério Público pugnou não só pelo agravamento da sanção criminal como, expressamente, pelo efectivo cumprimento de tal sanção.

29. O excesso de pronúncia só existe quando o tribunal conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, seja por não terem sido colocadas pelas partes, seja por as mesmas não serem de conhecimento oficioso.

30. No caso concreto, a partir do momento em que o Tribunal a quo decidiu revogar as penas aplicadas em 1.ª instância, aplicando outras de diferentes medidas, impunha-se-lhe aferir dos pressupostos elencados no art.º 50.º do CP.

31. De facto, sempre que aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos, deverá o Tribunal ponderar a respectiva suspensão, fundamentando quer a concessão, quer a denegação da suspensão, realizando, para tal efeito, um juízo de prognose do comportamento futuro do arguido, sopesando as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial aplicáveis ao caso.

32. Se não o fizesse é que haveria uma omissão de pronúncia (cfr. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2012, processo n.º 139/09.7IDPRT.P1).

33. Por último, alega ainda o Recorrente que a decisão recorrida violou o disposto nos arts. 71.º, n.º 1, 77.º, n.º 1, 70.º e 50.º, n.º 1 do CP.

34. Salvo o devido respeito, o alegado neste subcapítulo denota que, à data de hoje, o Recorrente ainda não interiorizou o desvalor da sua conduta.

35. Como é evidente, não pode aceitar-se que o Recorrente pretenda transformar os actos por si levados a cabo em pequena criminalidade ou em bagatelas penais.

     Termos em que deve ser rejeitado o recurso interposto pelo Recorrente BB, por legalmente inadmissível, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 400.º, n.º 1, al. e) do CPP.

    Ainda que assim não se entenda, deve, ainda assim, ser negado provimento ao recurso a que ora se responde, confirmando-se integralmente o douto acórdão recorrido, como é de JUSTIÇA!”

      E ao recurso interposto pelo arguido AA respondeu, também o assistente supra referido, extraindo da sua resposta as seguintes conclusões:

“1. Começa o Recorrente por alegar que, no que respeita ao crime de falsidade informática, o Tribunal a quo devia ter concluído pela prática de apenas um crime continuado e não pela prática de 6 crimes.

2. Para sustentar a sua tese, vem o Recorrente alegar que: (i) o crime em causa é o mesmo; (ii) é idêntico o bem jurídico tutelado pela incriminação; (iii) a conduta do Recorrente é homogénea; (iv) a resolução criminosa é sempre a mesma; (v) verifica-se a identidade dos agentes da infracção; (vi) a solicitação exterior propicia a reiteração; (vii) o hiato temporal que se verifica entre infracções não descaracteriza as restantes constatações.

3. A alegação do Recorrente não é nova, tendo já sido suscitada no recurso que o mesmo interpôs para o Tribunal da Relação.

4. Em tal sede, entendeu o Tribunal a quo que não se verificava o critério legal consagrado no art.º 30.º, n.º 2 do CP.

5. E não se verificava na medida em que a matéria factual que, em cada momento, se subsumiu ao tipo legal em apreço é distinta e autónoma, dizendo respeito a diferentes “pedaços de vida”.

6. Com efeito, o tribunal de 1.ª instância, tendo concluído pela prática de 6 crimes de falsidade informática, fê-lo com recurso a matéria factual distinta e autónoma, nos seguintes termos: um crime relacionado com os produtos de Retorno Absoluto com garantia; um crime relacionado com o Leaving Seagull e o MB Float; um crime relacionado com as sociedades offshore; um crime relacionado com as equity option entre o “BPP” e o “Banco Santander”; um crime relacionado com as operações entre a estratégias e a conta n.º ….82; um crime relacionado com o CDS Lehman Brothers.

7. Inexiste assim uma qualquer execução homogénea do tipo legal, porquanto é diferente, em cada caso, o modus operandi.

8. A matéria factual assente – que não mais pode ser colocada em crise- – não admite a conclusão que o Recorrente pretende dela extrair.

9. De resto, a culpa do Recorrente foi de tal modo intensa que, só esse facto afasta, de per si, a aplicação do disposto no art.º 30.º, n.º 2 do CP (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/04/2011, processo n.º 250/06.6PCLRS.L1-3; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/2014, processo n.º 7/10.0TELSB.L1.S1).

10. Vem ainda o Recorrente alegar que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do disposto nos arts. 40.º e 71.º do CP, defendendo que a pena única se deve situar no limite dos 5 anos ou em medida inferior, devendo ser suspensa na sua execução.

11. O Tribunal a quo avançou, a páginas 1181 e ss. da decisão recorrida, extensa fundamentação que sustenta adequadamente o agravamento da sanção aplicada ao Recorrente e a alteração do seu modo de execução.

12. O Tribunal a quo empenhou-se em enunciar os factos relevantes para as penas parcelares, sua gravidade intrínseca e as condições pessoais do Recorrente, retratando a culpa e as exigências de prevenção, devendo concluir-se que o acórdão recorrido não enferma de erro de direito na interpretação e aplicação do disposto nos arts. 40.º, 71.º e 50.º e ss. do CP, sendo improcedente a argumentação expendida pelo Recorrente.

13. O alegado neste tocante denota que, à data de hoje, o Recorrente ainda não interiorizou o desvalor da sua conduta.

14. Considerando que a falta de antecedentes criminais era, desde logo, conditio sine qua non, do exercício da profissão, que se regia por exigentes critérios de idoneidade, este facto não deve ocupar um lugar de primazia no que respeita ao apuramento das necessidades de prevenção especial e geral.

15. Ao contrário do que afirma o Recorrente, os actos por si praticados provocaram avultados danos patrimoniais e não patrimoniais a terceiros.

16. O facto de o Banco já não existir não pode ser valorado em seu favor, pois que tal circunstância resulta da própria conduta criminosa adoptada pelo Recorrente.

17. Por último, e aderindo ao recurso interposto por BB, defende ainda o Recorrente que a interpretação do disposto no art.º 208.º do RGICSF levada a cabo pelo Tribunal a quo é inconstitucional por violação dos arts. 29.º, n.º 5 e 18.º, n.º 2 da CRP.

18. No entanto, o tribunal de 1.ª instância entendeu e bem que não se verificava uma qualquer violação do caso julgado, porquanto os bens jurídicos protegidos pelas normas contra-ordenacionais e criminais são diferentes e, bem assim, são diferentes os seus destinatários.

19. O RGICSF, como bem sabe o Recorrente, contém uma norma especial que, derrogando o disposto no regime geral, admite que os mesmos factos possam ser simultaneamente apreciados e julgados, do ponto de vista da sua relevância criminal e contraordenacional, em processos distintos.

20. No caso sub judice, as matérias de cariz criminal e contraordenacional foram apreciadas em processos distintos.

21. No processo contra-ordenacional o juiz nunca conheceu da questão penal e no processo criminal o poder judicial também não conheceu da questão contra-ordenacional.

22. Não se colocou a possibilidade de o tribunal vir contradizer decisão judicial anterior, não se verificando, sequer em tese, qualquer possibilidade de se violar o caso julgado ou o princípio ne bis in idem.

23. O art.º 208.º, n.º 1 do RGICSF é uma norma de cariz processual – que não implica a derrogação de pressupostos de punibilidade –, devendo ter aplicação imediata aos processos em curso (cfr. art.º 5.º, n.º 1 do CPP).

24. É jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que, sempre que exista autonomia entre a conduta que origina a responsabilidade contra-ordenacional e a conduta que origina a responsabilidade penal, estando em causa normas jurídicas com destinatários distintos e que protegem bens jurídicos diversos, o desvalor jurídico plúrimo que daí possa decorrer não contende com a tutela concedida ao princípio ne bis in idem (cfr. acórdão n.º 356/2006 do Tribunal Constitucional).

25. Assim, bem andou o Tribunal a quo quando considerou estar-se na presença de um concurso efectivo de normas, conquanto são diferentes os bens jurídicos que se pretendem tutelar e, bem assim, são diferentes os destinatários das normas.

26. Vem ainda o Recorrente alegar que a interpretação levada a cabo pelo Tribunal a quo quanto ao disposto nos arts. 208.º do RGICSF – em ambas as versões – e 79.º, n.º 2 do RGCO viola: (i) o art.º 4.º do Protocolo n.º 7 à CEDH; (ii) o art. 50.º da CDFUE; e (iii) o art.º 29.º, n.º 5 da CRP.

27. O Protocolo n.º 7 foi acolhido pelo Estado Português com a aposição de reserva que impede a sua aplicação a processos de cariz contra--ordenacional.

28. No que respeita à suposta violação do disposto no art.º 50.º da CDFUE, atento o teor literal do referido preceito, não se vê como pode o mesmo ter aplicação ao caso vertente.

29. A pendência dos processos crime e contra-ordenacional: (i) encontra--se prevista na lei; (ii) respeita o conteúdo essencial do princípio ne bis in idem; e (iii) respeita o princípio da proporcionalidade.

30. Não se vislumbra qualquer cabimento para o pedido de reenvio prejudicial apresentado pelo Recorrente.

31. No que respeita à suposta violação do art.º 29.º, n.º 5 da CRP, reitere--se a diferente natureza dos bens jurídicos tutelados pelas normas em apreço e, bem assim, os diferentes destinatários de tais normas.

32. Por tudo quanto antecede, não pode senão concluir-se que o acórdão a quo não viola o disposto no art.º 29.º, n.º 5 e 18.º, n.º 2 da CRP, devendo improceder a alegação do Recorrente.

     Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente AA, confirmando-se integralmente o douto acórdão recorrido, como é de JUSTIÇA!”           

    O Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação …. respondeu a ambos os recursos, pugnando pela respectiva improcedência:

“Três temas versaremos:

O primeiro, a respeito da verificação ou não de ofensa ao princípio ne bis in idem). E com aquele relacionado a questão de saber da necessidade ou não de colocar a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título prejudicial.

O segundo, a aplicação ou não ao caso da figura do crime continuado;

O terceiro, the last but not da least, a questão da modalidade das penas concretamente impostas aos ora Recorrentes.

1) A questão central que a outrance mas sempre douta e insistentemente o Exmo. Advogado do Recorrente BB (e não menos doutamente colocada também, menos enfaticamente embora pelo Exmo. Advogado do arguido AA) tem colocado é que tendo transitada em julgado a decisão judicial que foi proferida no âmbito do processo contra-ordenacional 45/..., tal impediria que fossem agora os Arguidos condenados no âmbito dos presentes autos, a título criminal, sob pena de violação do princípio do ne bis in idem, indo a Defesa mesmo ao ponto de pretender que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie sobre tal ponto, reclamando o recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial.

Mas como está de resto já amplamente demonstrado nos autos não têm resquício de razão.

Como, de resto lapidarmente, já referiu o Ministério Público nestes autos "A jurisprudência , nomeadamente do Tribunal Constitucional sustenta que do princípio ne bis in idem aos vários ramos do direito sancionatório (de natureza criminal, contra-ordenacional, etc.) apenas se pode retirar uma proibição de apreciar/ julgar os mesmos factos mais de uma vez no âmbito do mesmo Direito sancionatório.

E não uma proibição de os mesmos factos serem apreciados/julgados no âmbito de direitos sancionatórios diferentes,

O acórdão do Tribunal Constitucional 263/94 é elucidativo ao ter considerado evidente que a problemática do princípio ne bis in idem se põe relativamente a cada direito sancionatório, sendo diversa a situação de convergência ou concurso real de normas de diferente natureza que sancionam o mesmo facto, dando origem a um concurso real de infracções.

Aquele princípio da proibição da dupla condenação não tem por efeito proibir a dupla valoração dos factos, com extracção de efeitos e consequências jurídicas distintas em diversas ordens do sistema jurídico.

No caso sub judice não estamos perante uma situação de non bis in idem, ou seja, de reapreciação de uma mesma infracção num outro processo da mesma natureza mas sim perante um mero concurso efectivo de infracções que pertencem a sistemas sancionatórios distintos, pois não está aqui a valorar os mesmos factos típicos nem está em causa a protecção dos mesmos bens jurídicos.

O que se visa nos autos 45/... são as infracções dirigidas a normas específicas destinadas a instituições de crédito e sociedades financeiras e visam garantir a transparência, rigor e fidedignidade dos elementos e informações transmitidas ao público em geral e a Supervisor, para permitir o exercício cabal das suas funções de supervisão e em última instância as garantias de solvabilidade e confiança no sistema financeiro, e resulta claro que os bens protegidos são distintos e específicos face aos bens jurídicos protegidos no código Penal.

No âmbito da decisão do TCRS (citado proc. 45/...) e que se encontra nos autos, é referido e com muito acerto o seguinte: «os crimes contra a propriedade e o património em geral podem ser praticados por qualquer pessoa, enquanto as contra-ordenações em causa nestes autos apenas podem ser praticadas por instituições de crédito e sociedades financeiras.

Aqueles protegem a propriedade de um bem, da titularidade de determinada pessoa, ou o património, inclusive da comunidade, as contra-ordenações aqui em causa visam a transparência e confiança quer naquela instituição quer no sistema financeiro no seu todo

Também não há confusão entre os crimes de falsificação de documento ou falsidade informática, por exemplo, e falsificação da contabilidade como contra-ordenação, pois nesta última está em causa a atividade contínua de apresentação de contas e reportes ao público em geral e ao Supervisor, enquanto no crime estamos   a falar de fidedignidade de documento específico, do valor legal da certificação legal de contas, ou da fiabilidade   de um sistema informático específico.

Face a normas com destinatários distintos e que protegem bens jurídicos também distintos, importa concluir que estamos perante concursos efectivos de normas entre os crimes do Código Penal e as contra-ordenações em causa nestes autos».

Estamos perante diferentes factos típicos.

Nestes autos estamos perante falsificação de um sistema de informação consubstanciado num crime de falsidade informática, enquanto que no processo 45/... o facto típico se traduz na falsidade da contabilidade do BPP e na inobservância de outras regras contabilísticas aplicáveis.

Sendo os facos típicos distintos, necessariamente o dolo do tipo é igualmente distinto, não se podendo falar em dupla condenação ou dupla valoração do mesmo facto.

Os ilícitos criminais imputados neste processo tutelam bens jurídicos distintos do processo contra-ordenacional em que está em causa a tutela da adequada revelação da situação económico financeira do BPP à entidade supervisora.

Neste processo está em causa o bem jurídico da integridade dos sistemas de informação.

Entendemos assim que não existem dois processos a julgar a mesma conduta, porque embora possa existir alguma coincidência factual entre alguns factos deste processo e o do processo 45/..., os bens jurídicos são diferentes.

Por isso, não se concorda da existência de violação de normas constitucionais ou outras normas quer na Convenção Europeia dos Direitos Humanos ou em outra legislação como a invocada pelos recorrentes.

Inexiste o alegado vício da norma legal ou mesmo constitucional, tendo os arguidos visto as sua garantias e direitos assegurados no âmbito deste processo crime, sendo que já foi confirmado pelos tribunais superiores em relação aos processos contra-ordenacionais, 45/... e 52/... que não tem qualquer fundamento a existência de violação do princípio da proibição da dupla valoração constitucionalmente consagrado."

Na mesma linha, como se escreveu sobre o tema na resposta apresentada pelo BPP, SA Em Liquidação "(...) o Arguido buscou sempre, por isso, numa e noutra sede, o melhor dos dois mundos: no processo contra-ordenacional diz que se violou o ne bis in idem porque existia um processo criminal, e no processo criminal diz que se violou também o ne bis in idem porque teve lugar um processo contra-ordenacional.

Esquece, no entanto, que no processo contra-ordenacional o juiz nunca conheceu da questão penal e no processo criminal não faz parte a vertente contra-ordenacional. Tanto assim é aliás que o que acabou por ser decidido em sede de processo contra-ordenacional, e à luz da redacção então em vigor, repare-se (aquela que o Recorrente pretende agora aproveitar para sustentar a sua argumentação), foi que «esta norma especial do RGICSF prevalece sobre o regime do RGCO, apenas aplicável subsidiariamente, e que neste caso não tem cabimento por haver disposição específica aplicável. Termos em que os normativos do RGCO não devem ser convocados para responder a esta questão».

Mas mesmo que eventualmente se ultrapassasse esta evidência ( não se vê como), de que o RGICSF possui uma norma especial que afasta o argumento invocado pelo Recorrente, ainda assim deve lembrar-se que constitui jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que sempre que exista autonomia entre a conduta que origina a responsabilidade contra-ordenacional e a conduta que originou a responsabilidade penal, e estando em causa normas com destinatários distintos e que protegem bens jurídicos diversos, o desvalor jurídico plúrimo que daí possa decorrer não contende, de modo algum, com a tutela devida ao princípio do ne bis in idem."

Digamos enfim que o douto acórdão desta Relação de Lisboa também sobre este tema decidiu a nosso ver bem e fundamentadamente, ao ter concluído que "o RGICSF constitui um regime especial aplicável a este sector específico de infracções. Determinava, é certo, o artigo 208.° do RGICSF, na primitiva versão que «...se segue o regime geral...» mas tal tem que ser entendido como um aplicação subsidiária, ou seja, o RGCO só será aplicável às situações em que se verifique omissão e desde que não contrarie o regime especial.

O preceituado no artigo 79.°, n.° 2 do RGCO insere-se num regime global em que existe um único processo no qual os factos são analisados sob todos os pontos de vista e no qual as autoridades competentes para o processo criminal ponderam as sanções adequadas, designadamente acessórias.

No caso, no processo n.° 45/.. os factos não foram, nem podiam ser, analisados na sua vertente penal.

Pelo que, salvo melhor entendimento, não pode considerar-se que o trânsito em julgado da decisão proferida no processo 45/... preclude a apreciação dos factos na sua vertente penal."

E embora repetindo os argumentos, não resistimos, por lapidar que julgamos ser, a referência ao que sobre o tema escreveu Frederico Costa Pinto in a Tutela dos Mercados de Valores Mobiliários e Regime do Ilícito de Mera Ordenação SociaL

"A ratio do preceito constitucional proíbe seguramente que o mesmo seja valorado duas vezes da mesma forma dentro do mesmo sistema sancionatório; e, nesse sentido, não é possível, a partir de uma interpretação do artigo 29.°, n.° 5 da C.R.P., a dupla condenação pelo mesmo facto em matéria de contra-ordenações. Ou seja, uma interpretação do artigo 29.º, n.º 5 da C.R.P. à luz dos valores fundamentais do Estado de Direito e do princípio da confiança impede que o mesmo facto seja sancionado duas vezes com a mesma contra-ordenação. Mas já não se inclui no âmbito da proibição constitucional a hipótese de o mesmo facto gerar efeitos jurídicos distintos, repercutindo-se em diferentes sistemas ou sub-sistemas. Assim, pode perfeitamente existir a partir do mesmo facto títulos de responsabilidade distintos, como seja por exemplo responsabilidade criminal, contra-ordenacional, disciplinar ou de responsabilidade civil".

1.1 Sobre a pretensão em colocar a questão em análise ao TJUE:

A questão prejudicial é um mecanismo processual que surge quando, de forma a garantir a igualdade jurídica de todos os cidadãos da União Europeia, um órgão jurisdicional nacional de um qualquer Estado-Membro considera necessário para a boa resolução de um litígio pendente perante si, solicitar ao tribunal de justiça da União Europeia que se pronuncie conclusivamente sobre um ponto concreto relativo à interpretação ou à apreciação de validade do direito comunitário.

Ou seja, é condição primeira no sentido referido que ao tribunal nacional se suscite qualquer dúvida interpretativa. Se o tribunal não tiver essa dúvida será descabido, por supérfluo, enveredar por tal caminho. Trata-se de um poder/dever do tribunal, mas não uma obrigação a cumprir sempre que qualquer parte processual, seja ela qual for, tal reclame.

A questão de saber se nestes autos foi violado o princípio ne bis in idem já foi dilucidada no acórdão da 1ª Instância, antes ainda no processo contra-ordenacional em referência, novamente no douto acórdão desta Relação de que agora se recorre, e sempre no mesmo sentido, com argumentação abundante e concludente, decisões sempre tomadas sem qualquer dúvida sobre a desnecessidade do apurar o sentido interpretativo de qualquer normativo ou de qualquer princípio de direito comunitário, designadamente o artigo 50." da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que pudesse colidir com a solução jurídica adoptada.

Aliás citando a posição nos autos já tomada pelos Exmos. Advogados do BPP, SA, Em Liquidação " (...) não se compreende a razão porque se chega ao ponto de requerer que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie   a titulo prejudicial sobre a mesma, quando no acórdão relatado na Grande Secção daquele TJUE no caso Akerberg Fransson, de 26.02.2013, a Grande Secção se consignou que «o artigo 50.° da carta ( referente ao princípio ne bis in idem) não se opõe a que um Estado-Membro imponha, para os mesmos factos de inobservância das obrigações de declaração em matéria de IVA, uma combinação de sobretaxas fiscais e sanções penais. Com efeito, para garantir a cobrança da totalidade das receitas provenientes de IVA e, assim, a protecção dos interesses financeiros da União, os Estados-Membros dispõem de uma liberdade de escolha das sanções aplicáveis (...) Estas podem, portanto, assumir a forma de sanções administrativas, de sanções penais ou de uma combinação de ambas. Só quando a sanção fiscal reveste carácter penal, na acepção do artigo 50.° da Carta, e transitada em julgado, é que a referida disposição se opõe a que seja intentado um processo-crime contra a mesma pessoa.

Assim, como acertadamente se refere na acórdão ora recorrido, «no caso do RHICSF, as contra-ordenacões aí previstas protegem a transparência, o rigor e a fidedignidade dos elementos e informações transmitidas pelas instituições de crédito e pelas sociedades financeiras ao supervisor e ao público em geral, de forma a permitir o exercício cabal das funções de supervisão e, principalmente, a garantir a solvabilidade e a confiança no sistema financeiro.

Já quanto ao crime de falsidade informática o bem jurídico protegido é o da fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório e ainda, de forma reflexa, a integridade dos sistemas informáticos; e quanto ao crime de falsificação de documento o bem jurídico protegido é a segurança e fidedignidade na força probatória do documento destinado ao tráfico jurídico.

Acresce que os destinatários das normas são diversos. Enquanto que nas normas contra-ordenacionais do RGICSF os seus destinatários apenas podem ser as instituições de crédito e as sociedades financeiras, nos crimes de falsidade informática e de falsificação de documento os seus destinatários podem ser qualquer pessoa".

2) Sobre a pretendida "unidade de facto" atinente aos seis crimes de falsidade informática pelos quais foi condenado o arguido AA, e que o seu Exmo. Advogado não obstante doutamente sustenta por isso dever ser aplicado o artigo 30.° do Código Penal, temos que dizer com todo o respeito que não podemos concordar.

Dispõe o artigo 30.°, n.° 2 do Código Penal que "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa".

E geralmente reconhecido significar o conceito de crime continuado numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída.

Segundo o Prof. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, Verbo, 1998, 130, o conceito de crime continuado resulta de uma ficção jurídica para efeitos de punição, o legislador trata uma pluralidade de crimes como se fosse um só, em consideração à identidade do bem jurídico, à homogeneidade da execução e à diminuição considerável da culpa no caso concreto".

Transpondo para a factualidade dada como assente nos autos temos como seguro concluir, como fez o douto acórdão desta Relação, que neste âmbito também secundou os argumentos aduzidos no douto acórdão exarado na 1ª Instância.

Realmente estão em causa ilícitos fundados em factualidades distintas, ocorridos em momentos separados e motivados por fins independentes, não se vislumbrando interligação que significasse um acto ilícito sucessivamente "determinar " a prática do subsequente.

Estamos até perante assuntos de natureza diversa decididos em períodos também distintos por vezes até com arguidos também distintos, cada crime com o seu próprio destino criminoso e portanto autónomo.

Não se vislumbra de resto onde se pudesse fundar a situação exterior apta a diminuir consideravelmente a culpa.

Definitivamente, com o respeito devido, não achamos que o acordo formado entre os Arguidos que decidiram omitir ou alterar registos informáticos da contabilidade do banco para que não reflectissem a realidade patrimonial da instituição "para o que tiveram e mantiveram os meios necessários para a primeira conduta e assim se possibilitaram as subsequentes do mesmo teor", possa consubstanciar a situação exterior, tal como é exigência da lei, e muito menos tal factualidade poderá ter potencialidade para preencher o conceito de diminuição considerável da culpa.

A situação externa tem que ela própria de ser alheia à vontade do agente da infracção. Trata-se uma circunstância que se lhe depara como facilitadora da continuação da prática do mesmo tipo de delitos. Será como algo que se lhe oferece de fora (exterior) que vem como que, mais até que facilitar, vem fomentar a sucessão de actos delituosos. Daí a diminuição da culpa, pois que concorre favoravelmente na acção, como que empurrando o agente da infracção para o crime reiterado, qual "demónio tentador de almas, já não muito puras !".

Trata-se de uma grande exigência legal. O elemento externo tem que ter o efeito de DIMINUIR CONSIDERAVELMENTE A CULPA.

No caso, até pelas personalidades dos Arguidos, pessoas informadas, certamente cultas, a exercerem funções de grande relevância, numa actividade como banqueiros, actividade que por natureza exige a quem a exerce, seguramente um grau elevado de frieza, racionalidade, cerebralidade, temos como seguro para nós que também neste âmbito, decidindo como se decidiu no sentido da inexistência de uma situação que tenha diminuído consideravelmente a culpa - porque tal é conditio da aplicação do instituto em referência -, não ocorre erro de direito com tal decisão tomada pelo Tribunal. Seria até a nosso ver, do ponto de vista jurídico, incrivelmente inapropriado que a factualidade no caso in concreto pudesse vir a ficar subsumida na norma em referência (artigo 30,°, n.° 2 do C. Penal).

3) Sobre as penas:

O Ministério Público na 1ª Instância muito oportuna e justamente interpôs recuso do douto acórdão condenatório, de 15.01.2018 que aplicou penas de prisão aos arguidos AA, BB e CC, recurso que viria a ser julgado parcialmente procedente pelo douto acórdão do qual os Arguidos agora recorrem, pois foi ao arguido AA aplicada a pena única cumulada de 5 anos e 8 meses de prisão efectiva e ao arguido BB a pena única cumulada de 4 anos e 8 meses de prisão efectiva.

Transcrevamos as conclusões do recurso do Ministério Público, cujo teor aqui subscrevemos, pois continuam válidas no tema central:

a) Fixada a matéria de facto e integrada a mesma nos elementos objectivo e subjectivo do tipo dos crimes pelos quais foram condenados os arguidos, para efeitos de determinação da medida concreta das penas a aplicar a cada um dos arguidos, dentro dos limites apontados, importa ter presente que a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo também a todas as circunstâncias que, fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

 b) A pena tem de ser sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça e proporcionalidade.

c) No caso, o Tribunal Colectivo, optou pela pena de prisão, atendendo ao circunstancialismo gravoso da prática dos factos pelos arguidos.

d) No doseamento das penas, há que ponderar a culpa dos arguidos, a qual há-de balizar a moldura penal máxima a aplicar, sendo certo que, em conformidade com os elementos recolhidos, afigura-se existir elementos diferenciadores que importa ponderar.

e) Deste modo, importa considerar que os arguidos têm a seu desfavor a intensidade do dolo, o sentimento de insegurança e temor que condutas como a dos autos causa na comunidade, não terem assumido o desvalor da conduta, o que é revelador da falta de consciência do acto cometido.

f) A ausência de antecedentes criminais, sendo certo que o comportamento normal que se espera de cada cidadão é actuar segundo as regras de convivência social e as normas vigentes, não é algo de extraordinário que mereça um peso especial no caso. Aliás, pode dizer-se que face à sua formação e percurso de vida seria o esperado.

g) O tempo decorrido entre a prática dos restantes factos e a presente data, porém, sem esquecer a extrema complexidade do processo que também para isso contribuiu, sendo este um segundo processo-crime, num conjunto de três, tendo sofrido condenações em dois processos de contra-ordenação, em que para além das coimas elevadas em que foram condenados mas proporcionais e justas face aos factos, foram ainda sancionados com a sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras pelo período de 10 anos, não constitui algo que possa favorecer os arguidos, sendo certo que durante aquele período, mantiveram-se parte dos prejuízos causados, estando pendente a sua reparação.

h) Se encontrarem social, familiar inseridos, o que no caso constitui uma situação esperada, face ao tipo de enquadramento social em que cada arguido se move, não tem um peso determinante na ponderação da pena.

i) Em termos gerais e em resumo, somos do entendimento que face ao tipo de ilícito em causa, de natureza económica, e da gravidade das condutas, onde as necessidades de prevenção geral são particularmente acentuadas, consideramos que só a pena de prisão assegura, de forma adequada, as referidas finalidades, pelo que sempre se teria que optar pela pena de prisão como efectivamente foi.

j) A pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça e proporcionalidade.

1) Tudo ponderado - a culpa dos arguidos e as necessidades de prevenção do crime - à luz do princípio de que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção social do agente da comunidade, e, ainda, no princípio de que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (Prof Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pag 227), entende-se ser adequado e proporcional um agravamento das penas parcelares."

O resultado do recurso do Ministério Público, parcialmente procedente, foi o supra referido, com penas de prisão efectiva para os arguidos AA e BB, 5A e 8M e 4A e 8M, respectivamente.

Pensamos que bem andou o Tribunal da Relação….., pois que assim reflectiu o que julgamos ser o sentimento geral de crítica e porventura indignação, quando, num quadro de curso processual de vários anos mas depois de estabelecida a facticidade relevante, a consequência punitiva real foi fraca, para não dizer inócua, mas o douto Tribunal desta Relação ….. ao ter acolhido naqueles pontos a posição do Ministério Público, revelou ter-se apercebido da importância de dar um sinal inequívoco de como é importante este tipo de actos que consubstanciaram os crimes em causa, dever ser adequadamente reprimido.

Aquando da audiência de julgamento efectuada nesta Relação requerida pelo arguido BB, demos o nosso apoio sem reservas, em consciência, pesando as palavras, ao recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão da 1ª instância, acórdão douto e, reconhecidamente também por nós, ampla e competentemente fundamentado, quer no plano do estabelecimento da facticidade quer no domínio do direito penal aplicável, mas a nosso ver também claudicando clamorosamente no âmbito da concreta recção penal. Secundámos a importante posição tomada pelo Exmo. Colega PGA no seu douto parecer de fls. 17694/17722, ou seja, a gravidade dos factos, dos crimes e seus impactos na sociedade, não correspondiam às penas impostas (suspensas na sua execução e com condicionantes, vamos dizer sem expressão). Seria como um processo, pesado, na caracterização da sua substância e nas consequências de gravidade geralmente reconhecida, mas com final desajustado, sem consequências efectivas.

Daí termos convictamente pugnado pela alteração dos termos da punição, as penas suspensas darem lugar o regime de cumprimento efectivo de prisão. No caso dos autos é segura a nossa convicção sobre a necessidade de privação da liberdade das pessoas condenadas.

A danosidade social é de tal monta no caso, tão pregnante - pois o cidadão deposita a sua confiança em quem gere um banco, no fundo depositário do seu esforço -, que salta aos olhos como premente o rigor que é necessário quando em concreto se aquilata sobre a modalidade da reacção punitiva, que se impõe tenha (efectiva) eficácia dissuasora - a privação da liberdade.

O douto acórdão desta Relação ….. agora sob escrutínio não merece, não deve sofrer alteração, a bem da justiça, da paz social e da confiança, desse modo se esperando possa contribuir para o legal e regular funcionamento da actividade bancária, como é exigível e é também anseio do cidadão comum, em nome de quem os Tribunais administram a justiça”.


    4. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pugnando pela rejeição do recurso interposto pelo arguido BB e pela improcedência do recurso interposto pelo arguido AA, nos seguintes termos:

“A – Questão prévia da admissibilidade do recurso interporto por BB:

O recorrente BB interpôs recurso para este Supremo Tribunal do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……, que confirmou a decisão proferida em 1ª instância, e alterou a medida das  penas parcelares que aí lhe foram aplicadas, condenando-o na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva.

O recorrente BB invoca que o acórdão recorrido proferiu uma decisão que ofende o caso julgado, por violação da proibição de ne bis in idem, requerendo a revogação da sua condenação por já ter sido julgado e condenado pelos mesmos factos por sentença transitada em julgado no Proc. contra-ordenacional n.º 45/....

O recorrente BB alega que se deve requerer ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no art. 267.º do TFUE, que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as questões enunciadas na parte B), § 5.4 da motivação e no ponto 92 das conclusões do recurso por si apresentado.

O recorrente BB, alega que o acórdão recorrido deve ser anulado na parte relativa à agravação da sua punição, por vícios de fundamentação, e de excesso de pronúncia (art. 379º, nº 1, al. a) e al. c), ex vi art. 425º, nº 4 do Cod. Proc. Penal), e que a agravação da pena única que lhe foi aplicada deve ser revogada, voltando-se a fixá-la nos termos determinados pelo Tribunal de 1ª instância.

Começaremos por referir que todas as questões invocadas pelo recorrente BB, foram decididas em 1ª instância e foram totalmente confirmadas pelo acórdão recorrido, à excepção da medida das penas parcelares e da medida da pena única que lhe foi aplicada.

Estamos perante uma situação de dupla conforme perante tais questões, situação que deverá ser oficiosamente apreciada, visto tratar-se de matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência, de acordo com o disposto nos arts. 432º, nº 1, al. b), na sua conjugação com a previsão do artº 400º, nº 1, al. e), ambos do Cod. Proc. Penal.

Assim, o recorrente BB impugna a decisão proferida pelo Tribunal da Relação …., que confirmou na totalidade a decisão proferida em 1ª instância relativamente às questões acima indicadas, entendendo mais uma vez que foi violado o princípio ne bis in idem e que se devia requerer ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronunciasse, a título prejudicial, sobre as questões enunciadas na parte B), § 5.4 da motivação e no ponto 92 das conclusões do seu recurso.

Ora, a decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação ……, uma vez que o acórdão do Juízo Central – Juiz …, da Comarca …..., já foi reapreciado pelo Tribunal de 2ª instância.

Desta forma, as questões ora suscitadas já foram duplamente apreciadas sendo que o recorrente BB repete o que já anteriormente alegou no recurso que interpôs da decisão proferida em 1ª Instância, não atendendo à reapreciação já realizada pelo Tribunal da Relação de lisboa.

A discordância nesta sede só faria sentido se tivessem sido apresentados argumentos novos e específicos, dirigidos ao novo acórdão, com outros enquadramentos, e com razões jurídicas novas dirigidas à nova decisão, agora recorrida, que pusessem em causa os fundamentos nesta apresentados, pois agora o objecto de recurso é o acórdão do Tribunal da Relação ……, e não a já reapreciada decisão da 1ª instância.

Não aduzindo o recorrente BB uma discordância específica relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação ….., que infirme os fundamentos apresentados nesse mesmo acórdão, sendo que o conhecimento e a decisão destas mesmas questões já tinha sido suscitada no recurso interposto da decisão da Iª instância, entende-se existir uma manifesta improcedência do recurso assim interposto para o Supremo – cfr. entre muitos, o Ac. de 30/10/2013, in Proc. n° 806/09.5JAPRT.S1-3, da 3ª Secção, e o Ac. STJ de 06/05/2020, in Proc. nº 4/12.0IFLSB.G2.S1, acessíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado, e não obstante o Tribunal da Relação … ter procedido a uma alteração da medida das penas, e da pena única aplicada ao recorrente BB que alterou de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período, para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva, tal facto também não fundamenta a admissão de recurso para este Supremo Tribunal, por força do disposto no art. 432º, n.º 1, al. b), e no art. 400º, n.º 1, al. e), ambos do Cod. Proc. Penal, uma vez que a pena única aplicada é em medida inferior a 5 anos de prisão - cfr. entre outros, o Ac. STJ de 19/06/2019, in Proc. nº 319/14.3GCVRL.G1, e o Ac. STJ de 04/06/2020, in Proc. nº 8641/14.2RDLSB.C1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

Com efeito, dispõe o art. 400º, nº 1, al. e), do Cod. Proc. Penal, sobre os princípios gerais dos recursos ordinários, que “não é admissível recurso”, “De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

E, o Tribunal Constitucional, em jurisprudência firme, tem considerado que o art. 32º, nº 1, da CRP “não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição”, ou de “um duplo grau de recurso”, “em relação a quaisquer decisões condenatórias” - cfr. Acs. TC nº 64/2006, nº 659/2011, e nº 290/2014.

E, o Ac. STJ nº 14/2013, de 09/10/2013, publicado no DR 1ª série, de 12/11/2013, resolveu uma questão relacionada com a interpretação da al. e), do nº 1, do art. 400º do Cod. Proc. Penal, na redacção resultante da Lei nº 48/2007 (que se limitava a estabelecer que não era admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade”, tendo fixado a  seguinte jurisprudência: “Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão”.

Face ao exposto, entende-se não ser admissível o recurso interposto pelo recorrente BB do acórdão do Tribunal da Relação …… para este Supremo Tribunal, devendo o mesmo ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, nos termos do art. 420º, nº 1, al. b), e do art. 414º, nº 2, e nº 3, ambos do Cod. Proc. Penal, que estabelecem que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, e que a decisão da sua admissão não vincula o tribunal superior.

B – Do recurso interposto por AA

O recorrente AA alega que o aumento das penas parcelares relativamente ao caso Produto Retorno Absoluto, ao caso das sociedades offshore, ao caso etiquetado como Estratégia e Conta ....23, e ao caso CDS Lehman Bros, e a manutenção das penas parcelares nos demais casos enferma de erro de direito, no que se refere à interpretação e à aplicação do art. 30º, e do art. 79º, ambos do Cod. Penal.

 O recorrente AA alega que a sua conduta não integra uma acumulação material de seis crimes de falsidade informática, mas sim um único crime em regime de continuação criminosa, pelo que lhe deveria ter sido aplicado o regime de punição do crime continuado, e deveria ter sido condenado numa pena única, pela prática de um único crime continuado de falsidade informática, tomando como referência o máximo da pena que integra a continuação, no caso pena de prisão até cinco anos (ou multa de 120 a 600 dias), por remessa que decorria do art, 4º, nº 1, e nº 2, da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto.

O recorrente AA alega que o acórdão recorrido enferma de erro de direito quanto à interpretação e aplicação do art. 77º do Cod. Penal, porquanto o cúmulo jurídico das penas deveria ter incidido sobre a pena única aplicável ao crime de falsidade informática com a pena aplicável ao crime de falsificação de documento.

O recorrente AA alega que a decisão recorrida também enferma de erro de direito no que respeita à pena concreta aplicada a cada um dos crimes em causa, face à interpretação e aplicação dos arts. 40º e 71º do Cod. Penal “(…) quanto aos critérios de opção por uma medida de pena concreta que imponha ou não a privação da liberdade (…)”, sendo que a pena decretada em 1ª instância revela-se justa, está adequada à culpa, satisfaz as necessidade de prevenção especial, e não atenta contra a prevenção geral.

O recorrente AA alega não ter antecedentes criminais, mas admite que “(…) em matéria de bem jurídico tutelado, os crimes julgados nestes autos “afectam a confiança na fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório e, ainda, de forma reflexa, na integridade dos sistemas informáticos, bem como a segurança e fidedignidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico” [como o considerou a decisão recorrida  (…)”, mas não considera que “(…) no contexto em que foram praticados, estes crimes abalam também a credibilidade do sistema financeiro», porquanto tal circunstância, se é relevante para o apuramento da ilicitude não pode ser convocada  de forma a criar um bem jurídico a se a aditar ao bem jurídico primário tutelado pela norma incriminatória (…)” sendo revelante “(…) ponderar-se a circunstância de a factualidade em causa no que à falsidade informática respeita implicar a lesão reiterada, é certo, mas tal sucede em contexto de homogeneidade, do mesmo bem jurídico (…)”.

O recorrente AA alega que o valor que o Ministério Público convoca como factor a relevar (900 milhões de euros) é o que pode estar em causa ante a insolvência do banco, e não como decorrência causal dos crimes em apreço.

O recorrente AA alega que exercia o cargo de ...….. mas que não pertencia à….., sendo a esta que incumbia a gestão da sociedade, e que poderia actuar em sentido inverso do que fosse a sua visão ou as suas intenções, nos termos da lei.

O recorrente AA alega que a decisão recorrida “(…) valorou o critério da prevenção geral em função de circunstâncias de facto que não eram as que se verificavam à data em que os actos ocorreram mas sim as que existiam e foram avaliadas no momento da punição, pelo que incorre em erro de Direito na interpretação e aplicação dos artigos 40º, n.º 1 e 2, 70º, 71º e 2º, n.º 1 do Código Penal e 29º, n.º 1 da Constituição ao ter aplicado elemento retroactivamente normativo típico do artigo 70º do Código Penal (…)” o que gerou uma desproporção punitiva que viola a proporcionalidade das penas, tendo sido ultrapassado o limite da culpa, e sido ferido o princípio da igualdade dos arts. 2º, e 18º, nº 2 da CRP.

O recorrente AA alega que a decisão recorrida não atendeu ao decurso de tempo entre a data dos factos e a da condenação, “(…) pelo que o efeito de exemplaridade por ameaça perde o seu sentido (…)”, ao facto de se estar perante uma área de criminalidade que ocorreu no sector bancário e que não integra o núcleo essencial do comércio bancário.

O recorrente AA alega que a decisão recorrida, em matéria valoração do critério da prevenção especial, incorreu em erro de direito na interpretação e na aplicação dos arts. 40º e 71º do Cod. Penal, uma vez que não atendeu ao facto de ter sido condenado em sanção acessória de inibição de actividade bancária, a qual só se esgota em 2026, “(…) o que, nas circunstâncias concretas do caso, é antídoto a qualquer eventual repetição de conduta (…)”, sendo que o banco em que exerceu o cargo de administração já não existe, não existindo nada para prevenir dada a ausência de probabilidade de ocorrer, no caso a prática de crimes neste sector da vida financeira.

O recorrente AA alega que a decisão recorrida violou o princípio geral da proporcionalidade das penas do art. 18º, nº 2, da CRP, relativamente ao aumento das penas parcelares aplicadas, não indicando a razão pela qual os factores invocados foram determinantes apenas naqueles episódios.

O recorrente AA alega que a decisão recorrida enferma de erro de direito, na interpretação e aplicação dos arts. 50º e 52º do Cod. Penal, porquanto deveria ter-lhe sido aplicada uma pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução e condicionada a uma injunção de natureza pecuniária, tal como decorreu da decisão da 1ª Instância, face à ponderação global dos factores em presença, que levam à conclusão que é possível efectuar um juízo de prognose positivo sobre o seu futuro “(…) no sentido de que a  mera ameaça de pena bastará para satisfazer as necessidades que no caso se sentem atinentes à prevenção especial e que uma tal solução não põe em crise a prevenção geral (…)”, admitindo um agravamento do valor da injunção, fixando-se em 500 mil euros, alcançando-se por esse forma as finalidades previstas no art. 40º do Cod. Penal, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

O recorrente AA reafirma já ter sido condenado pelos mesmos factos, mediante sentença transitada em julgado, o que consubstancia a violação do princípio ne bis in idem previsto no art. 29º, nº 5, da CRP, e que o art. 208.º do RGICSF, na sua versão originária, interpretado no sentido de que permite o julgamento e a condenação penais por crimes de falsificação de documento autêntico (art. 256º, nº 1, al. b) e al. c), do Cod. Penal) e por crime de falsidade informática (art. 4º, nº1, e nº 2, da Lei nº109/91) depois de ter sido julgado e condenado em coima por contra-ordenação pelos mesmos factos de falsificação de contabilidade (art. 211º, al. g), do RGICSF) mediante sentença transitada em julgado, é inconstitucional, por violação do citado princípio ne bis in idem.

O recorrente AA reafirma também que a interpretação do art. 208º do RGICSF, na sua versão originária, no sentido da admissão de um duplo processamento penal e contra-ordenacional, em caso de concurso de infracções, no âmbito do qual o Banco de Portugal está autorizado a aplicar coimas, é inconstitucional, por violação dos art. 18º, nº 2, e art. 29º, nº 1, ambos da CRP,  uma vez que implica uma restrição do princípio ne bis in idem desprovida de base legal, “(…) atentando assim contra os princípios da reserva de lei em matéria de restrição de direitos fundamentais e da legalidade criminal (…)”.

O recorrente AA pugna pela revogação da sua condenação penal fundada nos factos pelos quais já foi condenado no processo  contra-ordenacional e reitera a pretensão de que a violação do princípio ne bis in idem ocorre por via do art. 4º do Protocolo nº 7 à CEDH e do art. 50º da CDFUE, pugnando, como já se disse, pela sua condenação pela prática de um crime continuado, em pena até 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período na sua execução, e sujeita à condição de pagamento de uma soma, a título de injunção, que sugere no montante de 500 mil euros.

Começaremos por referir que só iremos emitir parecer relativamente à medida das penas parcelares e da pena única aplicadas no acórdão recorrido uma vez que as demais questões novamente invocadas pelo recorrente AA já foram duplamente apreciadas, sendo que o recorrente repete o que já anteriormente alegou no recurso que interpôs da decisão proferida em 1ª instância, não atendendo à reapreciação já realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Com efeito, tais questões, como já se disse, inviabilizam a sua reapreciação, dada a situação da dupla conforme, que lhe veda a possibilidade de recorrer quanto a tais matérias – cfr., entre outros, o Ac. STJ de 11/04/2012, in Proc. nº 1042/07.0PAVNG.P1.S1, o Ac. STJ de 10/09/2014, Proc. nº 1027/11.2PCOER.L1.S1, e o Ac. STJ         de 12/11/2015, Proc.          nº 1826/08.2TABRG.G2.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Desta forma repetimos aqui o que já afirmámos relativamente ao recurso interposto pelo recorrente BB, ou seja, que a discordância nesta sede só faria sentido se tivessem sido apresentados argumentos novos e específicos, dirigidos ao novo acórdão, com outros enquadramentos e com razões jurídicas novas dirigidas à nova decisão, agora recorrida, que pusessem em causa os fundamentos nesta apresentados, uma vez que o objecto de recurso é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e não a já reapreciada decisão da 1ª instância.

E, não aduzindo o recorrente AA uma discordância específica relativamente ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que infirme os fundamentos apresentados nesse mesmo acórdão, sendo que o conhecimento e a decisão destas mesmas questões já tinha sido suscitada no recurso interposto da decisão da Iª instância, entende-se existir uma manifesta improcedência do recurso  assim interposto para o Supremo – cfr. o Ac. de 30/10/2013, in Proc. n° 806/09.5JAPRT.S1-3, da 3ª Secção.

E, relativamente à medida das penas parcelares e à medida da pena única aplicadas ao recorrente AA consideramos que não lhe assiste razão, subscrevendo na íntegra a resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa.

 Passemos então a apreciar em que termos e com que fundamentos a decisão recorrida procedeu ao aumento das penas parcelares aplicadas ao recorrente AA

 A decisão recorrida procedeu a uma análise da actuação do recorrente AA relativamente a cada um dos crimes pelos quais foi condenado, em confronto com as penas aplicadas, e justificou a razão pela qual procedeu ao aumento de quatro penas parcelares aplicadas nos seguintes termos, que se transcrevem:

Relativamente ao “(…) Crime de falsidade informática relacionado com a omissão de garantias nos produtos e Retorno Absoluto com garantia – pena aplicada: 2 anos e três meses de prisão.

 A intervenção deste arguido nestes factos foi preponderante.

Trata-se de uma actuação muito grave, na qual a culpa do arguido e a ilicitude da sua actuação são particularmente intensas. Os produtos de Retorno Absoluto com garantia eram uma parte muito importante do negócio do BPP mas eram prometidas/contratadas garantias que, de forma deliberada, não eram acauteladas e tal situação era omitida.

 Entendendo-se que a pena fixada fica aquém das necessidades de prevenção, fixa-se uma pena de 2 ( dois ) anos e 6 ( seis ) meses de prisão (…).

E, relativamente ao “(…) Crime de falsidade informática relacionado com as sociedades offshore – pena de 1 ano e 8 meses de prisão.

Este arguido teve um papel preponderante na criação destas denominadas “contas de recuperação”, destinadas ao alisamento de resultados, como se refere no acórdão recorrido : “…o arguido AA foi a pessoa mais empenhada na sua criação…”. Também aqui se entende que a pena fixada fica aquém das necessidades de prevenção, fixando-se uma pena de 2 (dois) anos de prisão (…)”.

E, relativamente ao “(…) Crime de falsidade informática relacionada com as operações entre a estratégia e a conta nº ....23 – pena de 1 ano e nove meses de prisão.

Perante a constatação de um prejuízo de cerca de quarenta milhões de euros, a Comissão executiva e os directores dos pelouros respectivos decidiram, na manhã do dia 17.11.2008, que tal prejuízo teria que ser assumido pelo BPP. Tal decisão foi comunicada ao arguido AA que deduziu oposição veemente a tal situação.

Perante tal oposição, o arguido BB aderiu à posição do arguido AA.

O prejuízo foi imputado às carteiras dos clientes, não obstante ter sido contestada por todos os administradores e directores dos pelouros envolvidos (excepção feita ao arguido BB que veio a aderir à mesma).

Esta imputação de prejuízos, que revela profundo desrespeito pelos clientes do banco.

Do exposto decorre, de forma lapidar, o poder de decisão do arguido AA.

Do exposto decorre que, face ao grau de culpa e à ilicitude muito acentuada, a pena aplicada se mostra manifestamente desproporcional, devendo ser agravada.

Em conformidade, fixa-se tal pena em dois anos e seis meses (…)”.

E, relativamente ao “(…) Crime de falsidade informática relacionado com o CDS Lehman Brothers – pena de 1 ano e seis meses de prisão.

Aqui, foram relevantes as actuações dos arguidos AA e BB.

Também aqui, é patente o desrespeito pelos clientes.

Também aqui, a actuação deste arguido merece ser censurada de forma mais expressiva.

Assim, mostra-se adequada uma pena de 1 ano e 9 meses de prisão (…)”.

A decisão recorrida atendeu ao disposto no art. 71º do Cod. Penal, e enunciou as circunstâncias que depunham a favor do recorrente AA, ou seja: a ausência de antecedentes criminais, a inserção social e familiar, o tempo decorrido deste a prática dos crimes, e o facto de não ter voltado a delinquir.

E, enunciou como circunstâncias que agravam a conduta do recorrente AA a ausência de arrependimento, ou de percepção do desvalor das suas condutas, ter actuado sempre com dolo directo, ter desempenhado um papel preponderante nos factos uma vez que era .... do……, não sendo tomada nenhuma decisão de relevo com a sua oposição, que as suas condutas delituosas não podiam ser classificadas como uma mera pluriocasionalidade, dado tratarem-se de factos distintos, que foram praticados durante largo período de tempo, e que se traduziram num enraizado desrespeito da sua parte pelas normas aplicáveis à actividade que desenvolvia e  aos clientes do BPP, que justificam as elevadas necessidades de prevenção especial que se fazem sentir.

 E, também considerou serem elevadas as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, face ao sentimento de rejeição da comunidade relativamente a este tipo de ilícitos.

Na verdade, o que está em causa com o crime de falsidade informática relacionado com as operações ocorridas entre “as estratégias e a conta n.° ....82", é o facto de poucos dias antes de ter sido solicitada a intervenção do Banco de Portugal, o recorrente AA e demais arguidos ao confrontarem-se com os prejuízos em offshores do BPP, na ordem dos quarenta milhões de euros, terem ordenado que se fosse às carteiras dos seus clientes e que esse valor lhes fosse retirado, conseguindo desta forma regularizar tais prejuízos.

E, em vez de o recorrente AA assumir internamente esses prejuízos, uma vez que foi ele e os demais arguidos que os provocaram (através de offshores que nem sequer se reflectiam na contabilidade do Banco mas que serviam para lhes irem pagando prémios que não foram declarados ao Estado Português), determinou que deviam ser as poupanças dos seus clientes a suportá-los.

E, no caso relacionado com o “CDS Lehman Brothers", perante a sua insolvência ocorrida em 15/09/2008, e existindo na carteira própria do BPP uma posição que impunha que o banco suportasse uma perda de cerca de dez milhões de euros, o recorrente AA e demais arguidos decidiram também passar essa posição para as carteiras dos seus clientes, falsificando registos,  retirando-lhes esse valor, e causando-lhes esse prejuízo, o que fizeram através de uma operação de venda aos clientes dessa posição, que não foi feita pelo valor que  a mesma possuía após a falência da Lehmann Brothers, mas sim pelo valor pelo qual o BPP a havia adquirido, adulterando-se a respectiva data-valor.

 E, no caso no caso relacionado com o "Leaving Seagull e o MB Float", o recorrente AA e demais arguidos decidiram durante vários anos enviar aos clientes do BPP extractos onde inseriam títulos fictícios, criados por computador, com quantidades e cotações inventadas, não obstante saberem que a informação que lhes deveriam enviar deveria ser uma informação completa e fidedigna relativamente às respectivas contas bancárias e aplicações.

Desta forma, o recorrente AA e demais arguidos criaram durante anos, extractos com informação falsa, o que lhes permitiu mascararem internamente o facto de que os valores que eram pagos aos clientes fossem assumidos não pelo BPP, mas sim por outros clientes.

Estamos perante condutas altamente reprováveis nas quais o recorrente AA assumiu um papel preponderante, sendo que a moldura penal abstractamente aplicável ao crime de falsidade informática é de pena até 5 (cinco) anos de prisão, entendendo-se acertada a fixação das penas parcelares que lhe foram impostas, face aos fundamentos aí aduzidos, não se vislumbrando quaisquer razões, no contexto em que os factos ocorreram, que justifique a sua fixação em limite inferior.

Estamos perante a prática de crimes de falsidade informática cujo bem jurídico tutelado é a integridade dos sistemas de informação, através do qual se pretende impedir a prática de actos contra a confidencialidade, a integridade, e a disponibilidade de sistemas informáticos, de redes, e de dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes, e dados, sendo que o recorrente AA, enquanto ...….. do BPP, tinha responsabilidades acrescidas, sendo altamente censurável que parte dos prejuízos por si provocados e pelos demais arguidos fossem imputados às carteiras dos clientes, revelando um profundo desrespeito pelos clientes do BPP, e uma prática bastante censurável, tendo em conta o cargo que desempenhava.

Estamos perante a prática de actos “(…) que contribuíram para ferir de morte a credibilidade do sistema financeiro no seu todo, atacando a pedra de toque das relações entre clientes e instituições bancárias (…), como bem refere o Assistente Banco Privado Português, SA – Em Liquidação.

Posto isto, passemos à apreciação da pena única aplicada ao recorrente AA.

 O acórdão recorrido fez constar que a pena única aplicada ao recorrente AA, tem como limite mínimo a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e como limite máximo a pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão, face ao disposto no art. 77º, nº 2, do Cod. Penal, sendo que esta pena deve reflectir os factos na sua globalidade, a culpa do agente, e as necessidades de prevenção.

E, para a fixação da pena única, o acórdão recorrido atendeu ao largo período de tempo em que o recorrente AA praticou os crimes, ao facto de seis desses crimes terem violado o mesmo bem jurídico, ao facto de não ter demonstrado consciência do desvalor da sua conduta, e concluiu que o “(…) “o ilícito global” reveste-se de elevada gravidade (…)” e que “(…) todas estas circunstâncias conduzem à conclusão de que a pena única terá que revelar-se adequada às ponderosas necessidades de prevenção especial (…)”.

E, o acórdão recorrido fez também constar serem “(…) muito ponderosas as necessidades de prevenção geral (…)”, daí que a pena a aplicar “(…) devesse corresponder ao mínimo de pena imprescindível ao restabelecimento da confiança colectiva na validade e vigência da norma violada (…)”.

O acórdão recorrido procedeu a uma ponderação de todos este pressupostos e fez constar que a aplicação ao recorrente AA de uma pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão mostra-se adequada às necessidades de prevenção (geral e especial), e não ultrapassa a sua culpa que se revela “(…) muito acentuada, na medida em que agiu sempre com dolo directo e,  sendo ... do Conselho de Administração do BPP, a sua conduta assume especial censurabilidade por se lhe impor uma maior exigibilidade no cumprimento das normas que violou, com absoluta desconsideração (…)” (sublinhado nosso).

Estamos perante a prática de cinco crimes de falsidade informática punidos com pena de prisão até 5 (anos) e de um crime de falsificação de documento igualmente punido com pena até 5 (cinco) anos de prisão.

O art. 77°, n° 1, do Cod. Penal refere, quanto a regras de punição do concurso de crimes, que: "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".

E, o n° 2, deste art. 77º, refere que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa, sendo que o limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

O art. 71°, nº 3, do Cod. Penal, refere que: "Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena".

O recorrente AA alega que a sua conduta integra a prática de um único crime, em regime de continuação criminosa, pelo que lhe deveria ter sido aplicado o regime de punição do crime continuado, nos termos plasmados no art. 30°, n° 2, e no art. 79º, ambos do Cod. Penal,

Entendemos, tal como o entende o acórdão recorrido, estar-se perante um concurso de crimes e de penas, em que a medida da pena única de prisão a aplicar terá de atender à globalidade dos factos cometidos pelo recorrente AA, encarando-os na sua dimensão, na sua expressão global, face à factualidade dada como provada, e ao fio condutor presente na repetição criminosa, de forma a estabelecer uma relação entre esses factos e a sua personalidade, caracterizando-a através da projecção nos crimes por si praticados, e nos bens jurídicos violados.

Nesta medida, acompanhamos o acórdão recorrido quando considera que as necessidades de prevenção geral são bastante elevadas, face aos bens jurídicos violados, que se repercutem no prejuízo patrimonial causado, e ao sentimento de rejeição da comunidade relativamente a este tipo de ilícitos.

 E, acompanhamos o acórdão recorrido quando considera que as necessidades de prevenção especial também são elevadas tendo o recorrente AA praticado factos que revelam um grau de ilicitude considerável, que agiu com dolo directo, e intenso, não adoptou uma atitude crítica em relação ao seu comportamento, não exteriorizou qualquer arrependimento, nem demonstrou ter interiorizado o desvalor dos seus actos, sublinhando-se o facto de ter  desempenhado tais actos enquanto ... do …. do BPP, e não podendo desvalorizar a sua responsabilização invocando não pertencer à Comissão Executiva, a quem incumbia a gestão da sociedade que podia actuar de uma forma diversa daquela que poderia ser a sua visão ou as suas intenções nos  termos da lei, uma vez que foi dado como provado que nenhuma decisão de relevo era tomada com a sua oposição.

 Invocamos aqui o Ac. TRL in Proc. nº 250/06.6PCLRS.L1-3, disponível em www.dgsi.pt. igualmente invocado na resposta apresentada ao recurso pelo assistente Banco Privado Português, SA – Em Liquidação, e que reflete as circunstâncias em que o recorrente AA procedeu à prática dos autos pelos quais veio a ser condenado, ou seja “(…) In casu, as circunstâncias são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa. É o próprio arguido a determinar o cenário, o agente actuou aperfeiçoando a realidade exterior aos seu desígnios e propósitos sendo ele a dominá-la, e não esta a dominá-lo (…)” (sublinhado nosso).

Saliente-se, tal como o faz o acórdão recorrido, que a conduta delituosa do recorrente AA integra a prática e actos distintos, consubstanciados num desrespeito sistemático pelas normas aplicáveis à actividade que desenvolvia, e aos clientes do BPP, que se prolongaram durante um largo período de tempo, e que justificam elevadas necessidades de prevenção especial, sendo que a seu favor tem somente a ausência de antecedentes criminais, a sua inserção social e familiar, o tempo decorrido deste a prática dos crimes, e o facto de não ter voltado a delinquir, o que será pouco relevante no caso.

Disto isto, entende-se não se mostrar possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de poder ser aplicado o instituto da suspensão da execução da pena, a que alude o art. 50º do Cod. Penal.

Com efeito, tendo em conta as finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos), e as finalidades de prevenção especial (integração do agente), entende-se que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na verdade, atendendo ao contexto em que os factos foram praticados, encarados na sua globalidade, entende-se que a aplicação de uma pena não privativa de liberdade, através da utilização do instituto da suspensão da execução da pena, não realizaria de uma forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, uma vez que só a execução da pena de prisão permitirá dar resposta às exigências de prevenção.

Estamos perante a prática de crimes que versam sobre criminalidade económico-financeira, que são cometidos por pessoas que se apresentam como “insuspeitos”, dotados de elevada formação e reputação, daí serem convidados para o exercício de cargos e de funções de levada responsabilidade junto da banca, razão pela qual pouca relevância terão, como já se disse, as circunstâncias atenuantes invocadas pelo recorrente AA para efeitos de dosimetria da pena.

Estamos também perante uma postura de total irresponsabilidade assumida pelo recorrente AA perante os factos altamente reprováveis por si praticados, uma vez que até pugna pela rectidão e pela legalidade dos seus comportamentos, apresentando justificações perfeitamente descabidas para minimizar os seus actos, não tendo assumido a elevada ilicitude dos mesmos, e revelando uma personalidade avessa ao direito e aos valores por que se rege a sociedade.

Caberá dizer que o que sucedeu com o BPP, através da decisão por parte do recorrente AA e demais arguidos de proceder à falsificação de extractos, de invenção de títulos, de adulteração de resultados e simulação de proveitos, enganando as autoridades e os auditores através da  transferência de avultados prejuízos para os seus clientes em vez de os assumir como seus ao invés de utilizar ilegitimamente o património dos clientes para solver os seus próprios compromissos, é altamente reprovável no sistema bancário português e não pode ser visto num quadro de pequena criminalidade e/ou num quadro de bagatelas penais.

Estamos perante comportamentos que põem em causa as instituições bancárias, contribuindo para afastar a sua credibilidade junto da sociedade, encontrando-se reconhecidos créditos num montante global de cerca de 1,650 milhões de euros, diante de um activo líquido apurado de apenas 750 milhões de euros, no âmbito do processo de liquidação do BPP, como refere o assistente Banco Privado Português,  SA – Em Liquidação.

E, também como refere o assistente Banco Privado Português, SA – Em Liquidação “(…) Os doze anos volvidos, não só foram insuficientes para que o Recorrente, em concreto, interiorizasse o desvalor das suas condutas, como não serviram também para permitir a recuperação de todas as consequências que os seus actos provocaram, não podendo admitir-se que a ausência de antecedentes criminais  contribua, por si só, para erodir as exigências mínimas de prevenção geral e especial que, enquanto princípios de defesa irrenunciáveis do ordenamento jurídico, se fazem sentir e se impõe respeitar no caso concreto (…)”.

Por tudo isto, entende-se não ter sido violado o critério estabelecido no art. 50º do Cod. Penal, que enuncia os pressupostos da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, face ao grau de ilicitude dos factos, à culpa do recorrente AA que é elevada, tendo agido com dolo directo, ao número de crimes praticados, ao tempo que a sua conduta perdurou, e à violação dos bens jurídicos em causa.

No caso, “(…) A danosidade social é de tal monta no caso, tão pregnante - pois o cidadão deposita a sua confiança em quem gere um banco, no fundo depositário do seu esforço -, que salta aos olhos como premente o rigor que é necessário quando em concreto se aquilata sobre a modalidade da reacção punitiva, que se impõe tenha (efectiva) eficácia dissuasora - a privação da liberdade (…)”, como bem refere o Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação …...

Ora, entende-se que o acórdão recorrido ponderou devidamente a gravidade dos factos praticados pelo recorrente AA, as finalidades da punição, face aos imperativos da prevenção geral e especial que se fazem sentir, pelo que não se afigura minimamente desproporcionada a pena única que lhe foi aplicada, tendo em conta todo o circunstancialismo em que os factos ocorreram, a danosidade e o alarme sociais que causaram tendo, naturalmente, em atenção as circunstâncias particulares do caso que não permitem formular um juízo positivo quanto ao seu comportamento futuro, de forma a serem criadas condições para que o seu processo de ressocialização possa decorrer em liberdade.

Na verdade, a personalidade do recorrente AA está muito longe de ser modelar, sendo que demonstrou uma intensa vontade criminosa através dos sete crimes que praticou, a culpa também é intensa em todos os crimes, tendo agido com dolo direto, circunstâncias que demandam níveis de prevenção geral e especial elevados, e que justificam que se mantenha a sua condenação na  pena unitária de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, e que afastam a hipótese de suspensão da sua execução – art.º 50º , nº 1 , do Cod. Penal.

Concluindo, entende-se que a pena única de prisão aplicada ao recorrente AA mostra-se justa e adequada, face à moldura penal aplicável aos crimes pelos quais foi condenado, e aos bens jurídicos protegidos, não se mostrando viável nem a diminuição desta pena de prisão que se situa um pouco acima da regra geral de 1/3 da pena mais elevada da moldura penal do concurso.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso deve improceder, subscrevendo no demais, a resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa”.

     4. Foi cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP. Apenas o recorrente AA respondeu, renovando, no essencial, o entendimento que deixara expresso nas suas conclusões.

   Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:

           

    II. Recurso interposto pelo arguido BB:

     Nos termos do disposto no artº 432º, nº 1, al. b) do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º”.

      E, nos termos do disposto no artº 400º, nº 1, al. e) do CPP, não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

     O arguido foi condenado, no Tribunal da Relação …., numa pena única de 4 anos e 8 meses de prisão.

     O recurso interposto por este arguido é, assim e face aos dispositivos referidos, inadmissível.

     Naturalmente conhecedor desta restrição legal, o recorrente sustenta, como questão prévia, a admissibilidade do recurso, invocando violação do caso julgado e do princípio ne bis in idem, sustentando que o recurso deve ser admitido com fundamento no disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do art. 4.º do CPP e entendendo que esta é a única forma de assegurar o duplo grau de jurisdição e o direito ao recurso, constitucionalmente garantido no artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. E reputa como inconstitucional a interpretação dos arts. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que não é recorrível o Acórdão da Relação que ofenda, ele próprio, o caso julgado.

     Dispõe-se no artº 629º, nº 2, do Cod. Proc. Civil que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado”.

       Não tem sido uniforme o modo como o Supremo Tribunal de Justiça tem respondido à questão da aplicabilidade, em processo penal, da regra prevista no artº 629º, nº 2, al. a) do Cod. Proc. Civil.

      Estatui-se no artº 4º do Cod. Proc. Penal que “nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

     Daqui decorre, como primeira evidência, que a aplicação das normas do processo cível ao processo penal pressupõe, desde logo, a existência de uma lacuna.

     Na lição de Oliveira Ascensão, “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 387, “lacuna é uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste”. Na curiosa comparação com uma obra de arquitectura estabelecida por este autor (op. cit., 388), “não dizemos que tudo o que lá não está é lacuna – pode não estar e nenhuma razão haver para estar. Mas pode faltar um bocado – um corpo do edifício, uma varanda, um telhado – que contrarie a própria traça do edifício, e só então dizemos que há uma lacuna”.

      Dito de outra forma: não basta constatar a inexistência, no Código de Processo Penal, de uma norma de teor idêntico ao contido no artº 629º, nº 2, al. a) do CPC para, de imediato, se concluir pela existência de uma lacuna, a preencher por recurso à norma contida no artº 4º do CPP.

     Ora, como se evidencia no Ac. deste STJ de 6/10/2016, Proc. 535/13.5JACBR.C1.S1, 5ª sec., “desde a entrada em vigor do actual Código de Processo Penal, tem-se como assente que ao nível da regulamentação dos recursos foi perseguido o objectivo de lhe conferir autonomia dogmática e metodológica em relação ao processo civil e que um primeiro critério orientador nessa matéria dos recursos penais era o de, tendo por base princípios próprios, conferir-lhe uma estrutura normativa autónoma rompendo abertamente com a dos recursos cíveis que correspondia à matriz até então vigente, na qual o regime de recursos sistematizado no CPP 1929 dependia totalmente do contributo do Direito Processual Civil, decorrência da sua regulamentação minimalista”.

      A matéria dos recursos em processo penal espraia-se, hoje, por quase 70 artigos do Código de Processo Penal, onde se definem, de forma exaustiva, os princípios gerais relativos aos recursos ordinários, se delimitam os termos dos recursos interpostos perante as relações e perante o Supremo Tribunal de Justiça e, bem assim, se estabelecem os recursos extraordinários admissíveis e a respectiva tramitação.

      Olhar para esta matéria e presumir a insuficiência do Código de Processo Penal, bem como a necessidade de encarar qualquer omissão legislativa como uma lacuna a preencher com recurso a normas do processo civil, significa ignorar todo este trabalho de regulamentação e sistematização do legislador de 1987. Ou, como se afirma no Ac. deste STJ de 15/11/2006, Proc. 06P3180 (rel. Cons. Sousa Fonte), “VI - O legislador do CPP87 conferiu ao sistema dos recursos em processo penal «uma tendencial autonomia relativamente ao processo civil. Salvo pormenores de regulamentação que devem procurar-se, por via analógica, no Código de Processo Civil (…), os recursos penais passaram a obedecer a princípios próprios, possuem uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se segundo critérios a que não é alheia uma opção muito clara sobre a necessidade de valorizar a atitude prudencial do juiz. O Código rompe abertamente com a tradição que, há quase um século, geminou os recursos penais e cíveis» (Cunha Rodrigues, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 384). E, confirmando este princípio, o STJ, na fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2002 (DR Série I-A, de 21-05-2002), afirmou unanimemente que as regras básicas e universais em matéria de admissibilidade do recurso são as dos arts. 399.º e 400.º do CPP. VII - Por isso se deve entender que o CPP esgota a disciplina da matéria da admissibilidade do recurso, sem hipótese, pois, de apelo às regras do CPC, por não se verificar aí (não ser susceptível de se verificar) qualquer lacuna”.

     E neste sentido se tem encaminhado a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal.

     Assim, e a título exemplificativo, no Ac. deste Tribunal de 7/1/2016, Proc. 204/13.6YUSTR.L1-A.S1, 5ª seg, decidiu-se que “o regime de recursos em processo penal, com o CPP de 1987, deixou de ser tributário e dependente do regime de recursos em processo civil, como antes – no CPP de 1929 – acontecia, tendo sido construído numa perspectiva de autonomia processual, que o legislador quis própria do processo penal. Como se escreveu no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 9/2005, de 11/10/2005, «a autonomia do modelo e das soluções processuais que contempla coloca-o a par dos regimes de recurso de outras modalidades de processo, independente e com vocação de completude, com soluções que pretendem responder, por inteiro e sem espaços vazios, às diversas hipótese que prevê». Nesta compreensão, (…) a falta de previsão de excepções às regras de inadmissibilidade de recurso de acórdão da relação quando o fundamento do recurso seja uma das situações previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPP não constitui uma lacuna porque o regime de (in)admissibilidade de recurso em processo penal, na sua completude, é diverso e autónomo do regime de (in)admissibilidade de recurso, em processo civil”.

     Como justamente se afirma no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido em 4/12/2019, no Proc. 354/13.9IDAVR.P2.S1, 3ª sec., relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro aqui adjunto, “V - O artigo 432.º do CPP delimita exaustivamente os casos de recurso para o STJ (…). VI - Tendo o regime processual dos recursos penais sido autonomizado no Código de 1987, só em caso de lacuna do regime processual penal, que careça de integração, é lícito ao intérprete socorrer-se dos atinentes preceitos processuais civis (art. 4.º do Código de Processo Penal). VII – No caso presente, não se nos afigura que se possa afirmar a existência de uma lacuna que careça de ser integrada. As necessidades de certeza e segurança do direito obrigam o legislador a uma «hierarquização de valores», originando a exclusão de situações que, embora alguns possam considerar carecidas de tutela, não foram realmente na hipótese contempladas. Pelo que, nesta perspectiva, o intérprete terá de presumir, em princípio, que o legislador elaborou um «sistema completo», não podendo, sem risco de subversão das regras hermenêuticas, recuperar por sua conta aquelas situações. (…) IX – Já relativamente à matéria penal, ao objecto penal tramitado no processo penal, observa-se a inaplicabilidade das normas processuais civis relativamente aos recursos aí interpostos e, muito em particular, aos recursos interpostos perante o STJ. Neste ponto, o regime jurídico-processual dos recursos e respectivas espécies, consagrado no CPP pauta-se pela suficiência (princípio da auto-suficiência), é taxativo, exaustivo e completo”.

    Mais recentemente, no Ac. de 6/5/2020, proferido no Proc. 4/12.0IFLSB.G2.S1, 3ª sec., decidiu-se: “XV – No domínio do processo penal, a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (…) XXXVIII – Não tem aplicação em processo penal a recorribilidade com base em incompetência material ou violação de caso julgado”.

     E no Ac. de 18/6/2020, Proc. 28/06.7TELSB.L2. S1, 5ª sec., reafirmou-se o mesmo entendimento: “não é convocável em recurso da matéria penal a aplicação supletiva do artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC. O regime de recursos em processo penal é hoje, e, em princípio, auto-suficiente, não havendo lacuna que permita, a coberto do artigo 4.º, do CPP, que seja lançada mão do disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. a), do CPC relativamente ao recurso em matéria penal para o STJ com base em ofensa ao caso julgado. Sendo que a jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal assim tem decidido”.

     E é esse, também, o nosso entendimento: não é aplicável em recurso da matéria penal a norma contida no artº 629º, nº 2, al. a) do Cod. Proc. Civil, porquanto não existe, a esse propósito, qualquer lacuna no regime de recursos previsto no Cod. Proc. Penal, a exigir a intervenção subsidiária daquela norma.

     Afirma o recorrente, também e como fundamento da admissibilidade do recurso, “a necessidade de assegurar o duplo grau de jurisdição, impondo-se por isso a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de violação do direito fundamental ao recurso assegurada pelo art. 32.º/1 da CRP. Tal argumento – relativo ao duplo grau de jurisdição – é sufragado mesmo por aqueles que rejeitam a aplicação subsidiária, sem mais, da norma do processo civil ao âmbito do processo penal, ressalvando, não obstante, que a violação do caso julgado só constitui fundamento autónomo de recurso em processo penal quando a recorribilidade for indispensável para garantir o duplo grau de jurisdição”. Acrescenta (conclusão 6ª da sua motivação) que “o Tribunal a quo procedeu, ele próprio, a um julgamento da causa, na sequência de impulso do titular da acção penal, assim dando continuidade ao duplo processamento que vem fazendo curso nesta causa penal; e impôs uma punição que foi para além do que o Tribunal de 1.ª Instância havia determinado, assim reforçando a dupla penalização sofrida pelo arguido, pelo que se mostram reunidas razões mais do que suficientes para que o recurso que ora se interpõe com fundamento em ofensa ao caso julgado seja admitido, ao abrigo do art. 629.º/2/a) do CPC”; e conclui (conclusão 7ª da mesma motivação) dizendo reputar “como inconstitucional, por violação do direito ao duplo grau de jurisdição garantido pelo direito ao recurso previsto no art. 32.º/1 da Constituição, a interpretação dos arts. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC (subsidiariamente aplicável ao processo penal com base no art. 4.º do CPP) e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que não é recorrível o Acórdão da Relação que ofenda, ele próprio, o caso julgado”.

     Mas a verdade é que, no caso, o duplo grau de jurisdição já se mostra garantido.

     Com efeito, a pretensa ofensa de caso julgado e violação do princípio ne bis in idem foi abordada, prima facie, no tribunal de 1ª instância, onde foi suscitada – entre outros - pelo recorrente BB, aí se concluindo que “reportando-nos a normas com destinatários distintos e que protegem bens jurídicos diversos, estamos perante uma situação de concurso efectivo de normas, pelo que inexiste, por um lado, qualquer violação do disposto no art. 79.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, e, por outro, qualquer violação do princípio ne bis in idem, constitucionalmente consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP. Pelo exposto, indefere-se a invocada aplicação aos presentes autos do disposto no art. 79.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, bem como indefere-se a aplicação a estes autos do princípio ne bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP”.

      Foi, depois, apreciada – aliás, de forma exaustiva - pelo Tribunal da Relação ….. (por aí ter sido suscitada, em sede de recurso, pelo arguido BB, entre outros), que desta forma concluiu: “- A interpretação normativa do disposto no artigo 208º do RGICSF efectuada pelo Tribunal a quo no sentido de permitir o julgamento e a condenação penais do agente por crimes de falsificação de documento autêntico p. e p. pelo artigo 256º, nº1, als. a) e c), do C.Penal e de falsidade informática p. e p. pelo artig 4º, nº 1 e 2, da Lei nº 109/91 e actualmente pelo artigo 3º, nº 1 e 3, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, depois deste, por factos em parte coincidentes, ter sido anteriormente julgado e condenado pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 211º, al. g), do RGICSF, condenação já transitada em julgado, não viola o princípio ne bis in idem previsto no artigo 29º, nº5, da CRP – mesmo considerando a primitiva versão dquele preceito do RGICSF. - A interpretação efectuada pelo tribunal a quo do artigo 208º do RGICSF (mesmo na versão primitiva deste preceito) no sentido de permitir a prossecução criminal e contra-ordenacional da pessoa pelos mesmos factos quando esses factos violam diferentes bens jurídicos, não viola o disposto no artigo 29º, nº5, da CRP. Em conclusão, não foi violado o princípio ne bis in idem, quer na sua vertente substantiva, quer na sua vertente processual. Improcede, pois, a questão suscitada pelos recorrentes”.

     O duplo grau de jurisdição mostra-se, assim, respeitado, sendo certo que o artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, assegurando o direito ao recurso, não impõe um duplo grau de recurso ou, por outras palavras, não impõe um triplo grau de jurisdição.

    A tal não obsta, assim o entendemos, o facto de o recorrente ter sido condenado, em 1ª instância, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período, sob condição, e tal pena ter sido agravada em sede de recurso, na procedência de pretensão do Ministério Público, para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, efectiva na sua execução.

    Neste sentido se tem orientado, aliás e de forma pacífica, o Tribunal Constitucional. Como elucidativamente se afirma no Ac. TC nº 104/2000, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200104.html, “É certo que o julgamento do recurso comportou um agravamento da posição processual do arguido relativamente ao antes decidido, mas daí não decorre uma situação de indefesa do sujeito processual, constitucionalmente proibida. No âmbito do recurso da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, ciente da pretensão de modificação da reação penal e da natureza fundamentalmente substitutiva do julgamento proferido pela 2.ª instância, pôde o arguido, para além de refutar os argumentos do recorrente,  perspetivar as eventuais consequências sancionatórias - à semelhança com o que acontece frequentemente no momento da apresentação na 1.ª instância da contestação e rol de testemunhas (artigo 315.º do CPP), ou nas alegações orais proferidas em audiência de julgamento (artigo 360.º do CPP) - e desse modo influenciar decisivamente o julgamento do recurso. No quadro em presença, a limitação das garantias de defesa, na dimensão do exercício do direito ao recurso e do acesso a um terceiro grau de jurisdição, não se mostra desrazoável ou desproporcionada, em atenção ao interesse público relevante prosseguido pelo legislador democraticamente legitimado, impondo-se afastar a violação do artigo 32.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, ou outros parâmetros de constitucionalidade, designadamente os demais invocados na parte final da reclamação, os quais, enquanto princípios estruturantes do Estado de direito democrático, são pressupostos da garantia de defesa do arguido em processo penal, não se mostrando por qualquer forma lesados pela norma sindicada” – no mesmo sentido, entre vários outros, cfr. os acórdãos do mesmo Tribunal nºs 245/2015, 344/2020 e 364/2020, todos acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt/.

   Há, pois, que concluir não ser inconstitucional a interpretação conjugada dos artºs 432º, nº 1, al. b) e 400º, nº 1, al. e) do Código de Processo Civil, no sentido de que não é admissível recurso de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que condena o arguido em pena de prisão, efectiva na sua execução, inferior a 5 anos, quando o mesmo havia sido condenado, em 1ª instância, em pena de prisão, suspensa na sua execução.

    E assim concluindo, resta dizer que a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (artº 414º, nº 3 do CPP) e, consequente, rejeitar o recurso interposto pelo arguido BB, por ser quanto a ele irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação – artºs 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), ambos do CPP – condenando o recorrente no pagamento de uma importância igual a 5 (cinco) UC’s – artº 420º, nº 3 do CPP.


   III. Recurso interposto pelo arguido AA:

    Este arguido foi condenado, é de recordar, pela prática em co-autoria material e em concurso real, de 6 crimes de falsidade informática e de um crime de falsificação de documento autêntico, nas penas de

- 2 anos e 6 meses de prisão;

- 1 ano e 6 meses de prisão;

- 2 anos de prisão;

- 1 ano e 3 meses de prisão;

- 2 anos e 6 meses de prisão; e

- 1 ano e 9 meses de prisão, relativamente aos crimes de falsidade informática e

- 2 anos de prisão, relativamente ao crime de falsificação de documento autêntico.

   Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão.


     Relembrando o que já se referiu na apreciação do recurso do arguido BB:

    Recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em sede de recurso, nos termos do artº 400º (artº 432º, nº 1, al. b) do CPP), sendo certo que, nos termos do disposto no artº 400º, nº 1, al. e) do mesmo diploma, não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos”.

    Consequentemente, sendo recorrível o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no que se refere à pena única aplicada ao arguido, não o é no que diz respeito às penas parcelares.

    Na verdade, como vem sendo entendido por este Supremo Tribunal, “não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos (art. 400º, nº 1-e), do CPP). Para este efeito, este Supremo Tribunal vem entendendo uniformemente que a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, b), do CPP. Irrecorribilidade que abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que (quanto a tais crimes) tenham sido objeto da decisão, nomeadamente, os vícios indicados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades das decisões (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspetos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões atinentes à apreciação da prova – v.g., as proibições de prova, o princípio da livre apreciação da prova e, enquanto expressão concreta do princípio da presunção de inocência, o in dubio pro reo –, à qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares (v.g. Acs. de 10-10-2018, Proc. n.º 144/09.3JABRG.G1.S1, 3.ª secção, de 26-09-2018, Proc. n.º 141/15.0GAANS.C1.S1, 5.ª Secção, de 16-05-2018, Proc. n.º 556/16.6PFCSC.L1.S1, 5.ª Secção, de 14-02-2018, Proc. n.º 2736/14.3TDPRT.P1.S1, 3.ª Secção, e de 07-02-2018, Proc. n.º 483/15.4GACSC.L1.S1, 3.ª secção)” – Ac. STJ de 4/7/2019, Proc. 461/17.9GABRR.L1.S1, 3ª sec.

    “Sendo um acórdão irrecorrível, no âmbito das penas parcelares, óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de inconstitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, quer referentes às ilicitudes, responsabilidade criminal ou medida das penas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderão também ser conhecidas pelo STJ” – Ac. STJ de 15/4/2015, Proc. 3/12.2PAMGR.C1S1, 3ª sec.; no mesmo sentido, o recente Ac. STJ de 21/10/2020, Proc. n.º 1551/19.9T9PRT.P1.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Exmº Conselheiro aqui adjunto [1].

    “Não é admissível recurso para o STJ do acórdão do tribunal da Relação, proferido em recurso, que confirmou a condenação em 1.ª instância aplicando penas entre quatro meses e dois anos e dez meses de prisão pela prática de dezenas de crimes de abuso de confiança, falsificação e fraude fiscal, o que implica que o STJ não possa conhecer das questões processuais ou de substância que digam respeito a esses crimes, incluindo as relacionadas com a qualificação jurídica dos factos, com o preenchimento da figura do crime continuado, com a determinação das penas respectivas ou com arguição de inconstitucionalidades [art.º 400.º, n.º 1, al. e), do CPP]” – Ac. STJ de 29/4/2020, Proc. 928/08.0TAVNF.G1.S1, 3ª sec.

    Ou, por fim (numa situação de “dupla conforme”, mas com raciocínio aplicável na situação dos autos), «este segmento do recurso – com as adjacências ao mesmo acopladas, contradição insanável na fundamentação “da sentença de 1ª instância – que, aliás, não poderia merecer apreciação no Supremo; absorção de condutas (criminosas) numa única incriminação; punição como conduta contra-ordenacional o que foi punido como crime; punição dos crimes, em que tal fosse permitido, em pena de multa; e perdimento da autocaravana – pelo que, este segmento da pretensão recursiva, será objecto de rejeição» - Ac. STJ de 14/10/2020, Proc. 315/18.1PAOVR.P1.S1, 3ª sec.; no mesmo sentido vai o Ac. do STJ de 30/3/2016, Proc. 2932/07.6JFSB.C1.S2, 3ª sec.: “Pelo que, o acórdão da relação de que foi interposto recurso é irrecorrível no âmbito das penas parcelares e, por conseguinte, quanto às questões subjacentes, forma das ilicitudes, crime continuado ou concurso aparente, sendo o acórdão apenas recorrível no que diz respeito à medida concreta da pena única”.

     No seguimento desta jurisprudência, que se acolhe, apenas a determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas no Tribunal da Relação ….. ao recorrente AA, será aqui reexaminada, rejeitando-se o recurso do mesmo, porque inadmissível, no que às demais questões por ele suscitadas diz respeito.

    E assim sendo:

   Entende o recorrente que, “a ser condenado, deveria sê-lo em pena que, sendo ablativa da liberdade, fosse, numa lógica de cúmulo jurídico entre a aplicável ao crime de falsidade informática e ao de falsificação de documento de prisão situada ao limite dos cinco anos ou em medida inferior, em termos de facultar o poder/dever de suspensão da pena”.


   Mostram-se assentes os seguintes FACTOS:

Enquadramento:

1. A constituição do “BPP S.A.” (doravante “BPP” ou “Banco”) foi autorizada em 20-05-1996, tendo o mesmo resultado da transformação em Banco da “Sigma Capital – Sociedade de Investimentos, S.A.”, entidade que havia iniciado a sua actividade em 12-09-1995.

2. O “BPP” tinha por objecto a obtenção de recursos de terceiros, os quais aplicava essencialmente sob a forma de títulos em instituições de crédito, dedicando-se também, e cada vez com maior preponderância, à gestão de activos financeiros de investidores institucionais e particulares, à prestação de serviços financeiros e à administração de fundos de investimento e de sociedades de investimento em acções.

3. Desde 22-12-2004, na sequência da reestruturação societária do “Grupo Privado Português”, que o capital social do “BPP” passou a ser detido a 100% pela sociedade “Privado Holding”.

4. A “Privado Holding” foi constituída em 30-06-2003, tendo iniciado a sua actividade nessa data.

5. A “Privado Holding” tem por objecto a gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas, detendo a totalidade das acções representativas do capital do “BPP”.

6. Com referência a 31-12-2007, a estrutura societária do “Grupo Privado Holding”, cuja sociedade holding era a “Privado Holding”, era constituída pelas seguintes sociedades (doravante “Grupo Privado Holding” ou “PH”):


7. A sociedade “PCapital – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” (doravante “PCapital”) era uma sociedade subsidiária da “Privado Holding”, que detinha 100% do seu capital, e era operacionalizada pelo “BPP”.

8. A sociedade “Privado Development Capital Promoters LTD” (doravante “Privado Development Capital”), constituída em 2000 e com sede nas Ilhas Caimão, era uma sociedade subsidiária da “PCapital”, que detinha 100% do seu capital, e era operacionalizada pelo “BPP”.

9. A sociedade “Banco Privado Português (Cayman), LTD.” (doravante “BPP Cayman”) era a filial do “BPP” localizada nas Ilhas Caimão.

10. Em consequência da reestruturação societária do “Grupo Privado Holding” e da criação da “Privado Holding”, o “BPP” ficou legalmente dispensado da obrigação de apresentação de contas consolidadas a partir de 2004.

11. Contudo, o “BPP” permaneceu sujeito à supervisão da sua situação financeira em base subconsolidada, reportando regularmente ao “Banco de Portugal” a correspondente situação analítica e diversos reportes prudenciais.

12. Todos os documentos contabilísticos, nomeadamente balancetes, balanços, demonstrações financeiras e de resultados, reportes mensais, trimestrais e anuais e relatórios e contas, remetidos aos auditores, revisores oficiais de contas e às autoridades de supervisão pelo “BPP” e pela “Privado Holding” eram produzidos a partir da informação contida na rede informática do “Banco” e ali introduzida por diversos funcionários deste nos termos determinados, conjuntamente e desde 2002, em geral, pelos arguidos AA (doravante AA), CC (doravante CC) e BB (doravante BB).

13. De 1996 a 2003, o “BPP” teve como revisor oficial de contas a sociedade “M… & Associados, Sroc, S.A.” (doravante “M…& Associados”), a qual, representada por FF, emitiu as respectivas certificações legais de contas.

14. A partir de 2004, o “BPP” e a “Privado Holding” tiveram como revisor oficial de contas a “D… & Associados, Sroc, S.A.” (doravante “D…”), a qual, representada por FF, emitiu as respectivas certificações legais de contas.

15. Em 24-11-2008, o “BPP” comunicou ao “Banco de Portugal” a sua situação de grave desequilíbrio financeiro e a impossibilidade de cumprir as suas obrigações.

16. Em 01-12-2008, o Conselho de Administração do “Banco de Portugal”, em reunião extraordinária, deliberou:

a) Designar uma Administração Provisória para o “BPP”;

b) Dispensar o “BPP”, durante um período de três meses (o qual veio a ser sucessivamente renovado), do cumprimento pontual das obrigações anteriormente contraídas, prioritariamente no âmbito da gestão de patrimónios, na medida em que tal se mostrasse necessário à reestruturação e saneamento da instituição.

17. Em 2009, a Administração Provisória do “BPP” designada pelo “Banco de Portugal” foi responsável pela preparação das demonstrações financeiras individuais do “BPP”, reportadas a 31-12-2008, procedendo igualmente à reexpressão das demonstrações financeiras anteriormente apresentadas para o exercício de 2007 e de 2006.

18. Em reunião extraordinária de 19-02-2009, o Conselho de Administração do “Banco de Portugal” deliberou a suspensão preventiva dos seis …. do “BPP”, então em exercício de funções: BB, CC, GG, DD (doravante DD), EE (doravante EE) e HH.

19. Em 15-04-2010, o “Banco de Portugal” decidiu revogar a autorização para o exercício da actividade do “BPP”, com efeitos a partir das 12 horas do dia 16 de Abril de 2010, depois de verificada a inviabilidade dos esforços de recapitalização e recuperação desta instituição desenvolvidos no contexto das providências extraordinárias de saneamento anteriormente adoptadas pelo “Banco de Portugal”.

20. A revogação da autorização para o exercício de actividade implicou a dissolução e entrada em liquidação do “BPP”.

21. O arguido AA exerceu os seguintes cargos e funções:

a) ... do Conselho de Administração do “BPP” (com funções de gestão corrente até Junho de 2005), desde 09-08-1996 até 01-12-2008, data de produção de efeitos da renúncia ao cargo que apresentou em 24-11-2008.

b) … da Comissão Executiva, que foi informalmente criada no “BPP” entre 23-01-2001 e 21-06-2005;

c) ... do Conselho de Administração da “Privado Holding”, entre 30-06-2003 e 19-12-2008;

d) ... do Conselho de Administração do “BPP Cayman” até 03-03-2009;

e) … (…) da sociedade “Privado Development Capital”.

22. No contexto das funções assumidas no “BPP”, ao arguido AA estavam formalmente distribuídos os seguintes pelouros:

a) De Março de 2000 a Dezembro de 2002:

   i) … de Corporate;

   ii) … de Asset Management;

   iii) … de Produtos Estruturados;

   iv) … de Institucionais;

   v) Carteira própria/Mercados;

   vi) … de Private Equity.

b) De Janeiro de 2003 a Dezembro de 2003:

   i) … de Corporate;

   ii) … de Asset Management (Retorno Absoluto);

   iii) … de Asset Management (Retorno Relativo);

   iv) … de Private Equity;

   v) … de Institucionais e Carteira Própria;

   vi) … de Risco e Auditoria.

c) De Janeiro de 2004 a Março de 2005:

   i) … de Corporate;

   ii) … de Asset Management (Retorno Absoluto);

   iii) … de Asset Management (Retorno Relativo);

   iv) … de Private Equity;

   v) … de Institucionais e Carteira Própria.

d) Entre Abril de 2005 e Novembro de 2008:

   i) … de Private Equity.

23. O arguido BB exerceu os seguintes cargos e funções:

a) …do Conselho de Administração do “BPP” eleito para os mandatos 2000-2003, 2004-2007 e 2008-2011, tendo exercido funções até 19-02-2009, data em que foi suspenso preventivamente pelo “Banco de Portugal”.

b) …. da Comissão Executiva, que foi informalmente criada no “BPP” entre 23-01-2001 e 21-06-2005, data em que assumiu a … daquele órgão e em que este passou a estar formalmente constituído;

c) … do Conselho de Administração da “Privado Holding”, entre 30-06-2003 e 30-03-2009;

d) … do Conselho de Administração do “BPP Cayman”, até 19-02-2009.

24. No contexto das funções assumidas no “BPP”, ao arguido BB estavam formalmente distribuídos os seguintes pelouros:

a) De Março de 2000 a Dezembro de 2002:

   i) … de Private Banking;

   ii) … de International Private Banking;

   iii) … de Marketing;

   iv) … de Imobiliário.

b) De Janeiro de 2003 a Dezembro de 2003:

   i) … de Private Banking;

   ii) …. de International Private Banking;

   iii) … de Marketing;

   iv) … de Imobiliário;

   v) Sucursal de ....

c) De Janeiro de 2004 a Março de 2005:

   i) … de Private Banking;

   ii) … de International Private Banking;

   iii) ...  de Marketing;

   iv) ...  de Imobiliário;

   v) ...  de Marketing Operacional;

   vi) Sucursal de ....

d) De Abril de 2005 a Abril de 2008:

   i) ...  de Private Banking;

   ii) ...  de International Private Banking;

   iii) ...  de Marketing;

   iv) ...  de Imobiliário;

   v) ...  de Marketing Operacional;

   vi) ...  de Corporate.

e) De Abril de 2008 a Dezembro de 2008:

   i) ...  de Private Banking;

   ii) ...  de Imobiliário;

   iii) Seguros;

   iv) ...  de Marketing Institucional;

   v) ...  de Marketing Operacional AM;

   vi) ...  de Controlo de Gestão;

   vii) Departamento de Métodos e Procedimentos;

   viii) Escritório de Representação na África Austral;

   ix) Escritório de Representação no Brasil.

25. O arguido CC exerceu os seguintes cargos e funções:

a) ...  do ….. do “BPP”, eleito para os mandatos 2000-2003, 2004-2007 e 2008-2011, e membro da Comissão Executiva, tendo exercido funções até 19-02-2009, data em que foi suspenso preventivamente pelo “Banco de Portugal”;

b) ...  do …… da “Privado Holding”, entre 30-06-2003 e 17-12-2008;

c) ...  do …… do “BPP Cayman”, até 19-02-2009;

d) … (…) da sociedade “Privado Development Capital”.

26. No contexto das funções assumidas no “BPP”, o arguido CC estavam formalmente distribuídos os seguintes pelouros:

a) De Março de 2000 a Dezembro de 2002:

   i) ...  de Operações;

   ii) ...  de Sistemas;

   iii) ...  de Risco e Auditoria;

   iv) Secretaria-Geral.

b) De Janeiro de 2003 a Dezembro de 2003:

   i) ...  de Operações;

   ii) ...  de Sistemas;

   iii) ...  de Risco e Auditoria;

   iv) Secretaria-Geral.

c) De Janeiro de 2004 a Março de 2005:

   i) ...  de Operações;

   ii) ...  de Sistemas;

   iii) Controlo de Gestão;

   iv) ...  de Risco e Auditoria;

   v) Assessoria jurídica/Secretaria-Geral.

d) De Abril de 2005 a Abril de 2008:

   i) ...  de Operações;

   ii) ...  de Risco e Auditoria;

   iii) Assessoria jurídica;

   iv) ...  de Asset Management (Retorno Absoluto);

   v) ...  de Asset Management (Retorno Relativo);

   vi) ...  de Institucionais/Carteira Própria.

e) De Abril de 2008 a Dezembro de 2008:

   i) ...  de Private Equity;

   ii) ...  de Institucionais;

   iii) ...  de Estruturação;

   iv) Departamento de Auditoria Interna;

   v) Departamento de Assessoria Jurídica.

27. Em 01-06-2009, CC apresentou a sua renúncia ao cargo de ...…. do “BPP”.

28. Entre 2002 e 2008, os arguidos AA, CC e BB formavam o núcleo central de gestão do “Banco”, sem cuja aprovação as decisões relevantes não eram tomadas; detinham e exerceram, de forma permanente, o poder de decidir e implementar os procedimentos que ali foram seguidos, ao longo dos anos e por todas as áreas, com especial preponderância do primeiro, pelo facto de ter sido o fundador, o rosto do “BPP” e o único … do seu Conselho de Administração até à intervenção do “Banco de Portugal”.

29. O arguido DD exerceu os seguintes cargos e funções:

a) … de Sistemas do “BPP” entre Julho de 1997 e 3 de Junho de 2002 e, posteriormente a essa data, … das direcções de operações e sistemas até 29-03-2005;

b) ...  do ……. do “BPP” desde 30-03-2005 e 19-02-2009 e … da …… do “BPP”, entre 21-06-2005 e 19-02-2009, data em que foi suspenso de funções pelo “Banco de Portugal”;

c) ...  do Conselho de Administração da “Privado Holding”, entre 08-04-2005 e 19-12-2008.

30. No contexto das funções assumidas no “BPP”, ao arguido DD, quer enquanto …, quer, mais tarde, enquanto …, estavam formalmente distribuídas as seguintes áreas e pelouros:

a) Na qualidade de … do “BPP”:

   i) Até 3 de Junho de 2002, ...  de Sistemas;

   ii) Entre 4 de Junho de 2002 e 30 de Março de 2005, direcções de operações e de sistemas, na qualidade de …..

b) Na qualidade de …. do “BPP”:

  i) Entre 30 de Março de 2005 de 2005 e Abril de 2008:

     - ...  de Risco e Auditoria;

      - ...  de Sistemas;

      - Controlo de Gestão;

      - Escritório de Representação do Brasil;

       - Sucursal de ....

 ii) Entre Abril de 2008 a Dezembro de 2008:

       - ...  de Operações e Compras;

       - ...  de Sistemas;

       - Sucursal de ....

31. O arguido DD começou, a partir de Maio de 2004, a acompanhar o negócio em ..., a convite do arguido BB, para desenvolver a agência bancária em …, ..., onde lhe foi confiada a missão de reestruturar os respectivos quadros de pessoal.

32. Nessa altura, o arguido DD passou a deslocar-se em média, três dias por semana, para aquele país, vindo, posteriormente, a ser nomeado representante permanente da sucursal do “BPP” em ....

33. A partir de 2006, a vida do arguido DD era praticamente em ..., possuindo um escritório em ..., …, …. e …, procurando deslocar-se, uma vez por semana, normalmente à segunda-feira, ao escritório em …..

34. O arguido veio a assumir ainda a responsabilidade pelas agências do “BPP” no …, deslocando-se a esse país uma vez por mês.

35. Apesar disso, o arguido DD participava, em regra, nas reuniões do Conselho de Administração, da Comissão Executiva e do Comité Alco, no âmbito dos quais intervinha no processo de tomada de decisão nas áreas relativamente às quais tinha responsabilidade, em conjunto com os arguidos AA, CC e BB.

36. O arguido EE exerceu os seguintes cargos e funções:

a) … do “BPP” até 03-04-2008;

b) ...  do Conselho de Administração do “BPP” e … da sua …… entre 04-04-2008 e 19-02-2009, data em que foi suspenso de funções pelo “Banco de Portugal”;

c) ...  do Conselho de Administração da “Privado Holding”, entre 04-04-2008 e 19-12-2008;

d) … (General Manager) do “BPP Cayman” desde, pelo menos, 26 de Setembro de 2006.

37. No contexto das funções assumidas no “BPP”, enquanto ... e, mais tarde, …, ao arguido EE estavam formalmente distribuídas as seguintes áreas e pelouros:

a) Na qualidade de … do “BPP”:

   i) Entre Setembro de 2001 e Maio de 2002, … da área de institucionais;

   ii) Entre Maio de 2002 e Junho de 2005, … da área de Asset Management (que incluía o Retorno Absoluto);

   iii) Entre 2005 e Abril de 2008, … das áreas de Asset Management (Retorno Absoluto e Retorno Relativo);

b) Na qualidade de … do “BPP”:

   i) Entre Abril de 2008 e Dezembro de 2008:

    - ...  de Asset Management (Retorno Absoluto e Retorno Relativo);

   - Carteira Própria;

   - Mercados.

38. Em 06-04-2009, o arguido EE apresentou a renúncia ao cargo de …… do “BPP”.

39. O arguido EE, a partir do momento em que passou a integrar a …… e o……, em 4 de Abril de 2008, passou a intervir, em conjunto com os arguidos AA, CC e BB, no processo de tomada de decisão nas áreas relativamente às quais tinha responsabilidade.

40. A um outro nível – hierarquicamente subordinado aos identificados órgãos de gestão – a estrutura operacional do Banco assentava em diferentes unidades orgânicas (designadas por Direcções ou Áreas), cada uma sob responsabilidade de um … ou de um …, às quais estavam atribuídas funções operacionais específicas.

41. Entre as Áreas do “Banco” mais directamente envolvidas na execução material dos factos que constituem o objecto dos presentes autos, destacam-se as …/… (Private Banking), de Asset Management – Retorno Absoluto, de Mercados, de Operações, de Sistemas e Financeira.

42. A ..... /Área de Private Banking tinha como missão principal o acompanhamento personalizado e especializado dos clientes.

43. Entre as suas principais atribuições e competências destacavam-se o desenvolvimento e coordenação da acção comercial junto dos clientes, quer na perspectiva de captação de novos investimentos, quer na perspectiva de acompanhamento e manutenção de clientes e operações.

44. A este nível, o “Banco” apostou num modelo de relacionamento pessoal com os seus clientes assente numa rede comercial suportada em equipas de Private Bankers.

45. A ... /Área de Asset Management – Retorno Absoluto tinha como missão principal a gestão de activos financeiros de terceiros, recorrendo, designadamente, a “Estratégias” de investimento criadas pelo “Banco”.

46. Entre as suas principais atribuições e competências contavam-se, nomeadamente, a gestão da componente de rendimento fixo das carteiras de clientes do “Banco”; a estruturação de estratégias de investimento para a componente da oferta de Retorno Absoluto existente; a elaboração de propostas e implementação de novas estratégias de investimento de forma a aumentar a oferta disponível; a alocação dos activos por carteira ou por estratégia de investimento.

47. Na descrição funcional das actividades desenvolvidas por esta Área destaca-se o acompanhamento do desempenho e do risco das “Estratégias” sob gestão.

48. No plano da execução, entre as principais responsabilidades deste nível funcional contavam-se o controlo e intervenção no mercado, no âmbito das “Estratégias” sob responsabilidade do “Banco”, bem como a selecção das contrapartes de negócio, de acordo com a política do “Banco” e em coordenação com a ...  de Risco.

49. Destaca-se ainda a execução de ordens no mercado (obrigações, derivados e futuros), em respeito pelos procedimentos internos do “Banco”, designadamente pelas regras e limites de actuação.

50. A ... /Área de Mercados tinha como principal missão delinear as estratégias de investimento e optimizar a gestão de activos financeiros próprios.

51. Entre as suas principais atribuições e competências destacavam-se a avaliação das alternativas de investimento para o “Banco”; a definição e execução dos investimentos/desinvestimentos nos mercados de capitais; o acompanhamento da performance da carteira própria do “Banco” (acções e obrigações), quer na componente de negociação, quer na componente de investimento; ou a gestão da liquidez e funding do “Banco”.

52. Entre as principais actividades desenvolvidas por este nível funcional, incluíam-se: a definição do portfolio da carteira do “Banco”; a gestão da liquidez do “Banco”; a selecção dos investimentos directos para a carteira do “Banco” em acções, obrigações, mercado cambial e derivados, em função dos níveis de risco pré-definidos; a selecção das contrapartes de negócio; o acompanhamento da performance da carteira; e a exposição de risco do “Banco”.

53. No plano da execução, entre as principais responsabilidades deste nível funcional estavam a intervenção no mercado, no âmbito da gestão da carteira própria do “Banco” ou a execução de ordens nos mercados monetário, obrigacionista, cambial e de derivados, respeitando os procedimentos internos do “Banco”, designadamente as regras e limites de actuação.

54. A ... /Área de Operações tinha como principal missão suportar operacionalmente toda a actividade desenvolvida, garantindo o suporte ao funcionamento do “Banco” e o apoio global às restantes Áreas, assegurando a verificação, o registo e o controlo das operações.

55. As principais atribuições e competências da ....... eram, em síntese, as seguintes: acompanhamento da execução das operações de clientes; proceder à validação e ao registo nas contas e carteiras respectivas; controlo das carteiras de clientes, incluindo as posições, movimentos e valorizações; expedição de informação a clientes; acompanhamento das operações relacionadas com a carteira própria do “Banco” e proceder à sua validação e registo; valorização das “Estratégias” e oferta do “Banco” a clientes; preparação e disponibilização de informação interna no “Banco”.

56. Na sua estrutura funcional interna, distinguiam-se ainda as seguintes áreas:

- O Back-office/Sistemas de Liquidação, a área responsável pelo settlement de todas as operações do “Banco”, independentemente de quais as áreas de negócio que estivessem na sua origem. Esta Área tinha sob a sua responsabilidade as seguintes acções principais: validar as operações efectuadas pelas áreas de negócio que implicassem movimentos de fluxos financeiros, quanto à sua existência e exactidão; assegurar o settlement das operações efectuadas pelas áreas de negócio que implicassem movimentos de fluxos financeiros; controlar as entradas e saídas de valores do “Banco” e informar a área de operações de clientes; controlar as posições de títulos resultantes das operações efectuadas, com base nas datas de liquidação das mesmas; apurar as disponibilidades do “Banco”, remetendo à área de mercados o mapa de liquidez diariamente.

- A Área de Reporte, onde se procedia à validação, impressão e expedição, no final de cada mês, das valorizações e extractos a serem enviados aos clientes. As principais acções desenvolvidas por esta área eram as seguintes: preparar os procedimentos mensais de envio de extractos a clientes; produzir e imprimir no final do mês a documentação a enviar aos clientes, de acordo com os procedimentos de extractação definidos; proceder à validação e controlo de qualidade dos extractos emitidos;

- A Área de Clientes no âmbito da gestão discricionária e custódia, onde se procedia ao registo de todas as operações de clientes, de acordo com as instruções recebidas e ao controlo dos movimentos de clientes, nas contas nostro do “Banco” e ao nível das posições de carteira. Esta área tinha como responsabilidade desenvolver, designadamente, as seguintes actividades: recepcionar os tickets de suporte das operações realizadas para clientes; alocar as operações provenientes das áreas de gestão referentes a clientes, às respectivas contas; fazer o matching entre os tickets internos e as contratas provenientes das contrapartes; centralizar e controlar os processos de abertura de contas de clientes, validando a respectiva documentação; proceder à valorização das carteiras de clientes.

57. A ... /Área de Sistemas tinha como função essencial assegurar o funcionamento de toda a plataforma informática e tecnológica do “Banco”, designadamente da aplicação central do “Banco” (Olympic) e da criação, gestão e desenvolvimento da aplicação que veio a ser designada por “Flexibilização da Oferta”.

58. Em conformidade com o determinado, ao longo dos anos de 2002 a 2008, pelos arguidos AA, CC e BB, a ... /Área Financeira era responsável pela elaboração de toda a informação dessa natureza do “BPP”, tanto ao nível do sistema informático como dos documentos gerados a partir do mesmo ou com a informação nele contida, e, designadamente, pela preparação da contabilidade do “Banco”, da “Privado Holding” e pelos relatórios e reportes de natureza financeira a apresentar aos órgãos de gestão do “BPP” e da “Privado Holding”, ao Comité Alco, ao Conselho Fiscal, aos auditores, aos revisores oficiais de contas e às autoridades de supervisão.

59. Não obstante a estruturação operacional que se acaba de descrever, a reduzida dimensão do “BPP” (que, em Portugal, contava apenas com dois balcões, um em … e outro no …, não dispondo, no total, de mais de 150 colaboradores) permitiu um acompanhamento efectivo e muito próximo, por parte dos arguidos AA, CC e BB, da actividade operacional que ia sendo desenvolvida pelas diferentes áreas do “Banco”.

60. Este acompanhamento assentava numa estrutura decisória composta por aqueles três arguidos, com predominância do arguido AA, mesmo após, formalmente, este ter deixado de desempenhar funções executivas, núcleo para o qual era remetida a generalidade das decisões relevantes e reservando-se para as diferentes áreas operacionais a respectiva execução.

61. O processo decisório interno era bastante informal, assente em grupos de trabalho, almoços, telefonemas e emails, em que participavam activamente, até finais de 2008, os arguidos AA, CC e BB, assim como os arguidos DD e EE, quando passaram a integrar os órgãos de gestão e relativamente aos pelouros que lhes estavam distribuídos.

62. No período compreendido entre os anos de 2002 e 2008, o “BPP” dedicou-se, entre outras actividades, à denominada “Área de Gestão de Activos Financeiros de Terceiros”, no âmbito da qual disponibilizava aos seus clientes, nomeadamente, investimentos em três tipologias de produtos:

a) Estratégias de Retorno Relativo, nas quais o investimento era fundamentalmente canalizado para o mercado de acções;

b) Estratégias de Retorno Absoluto, nas quais o investimento era fundamentalmente canalizado para o mercado de obrigações ou outros instrumentos financeiros; e

c) Investimento em Private Equity.

63. No que concerne aos investimentos realizados através de estratégias de Retorno Relativo e de Retorno Absoluto, estes podiam ser realizados por duas vias distintas:

a) Estratégias de Investimento Directo, nas quais os valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros eram adquiridos e inscritos directamente nas carteiras de cada cliente e registados individualmente em nome destes;

b) Estratégias de Investimento Indirecto, nas quais o dinheiro dos clientes era investido indirectamente em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, através de sociedades com finalidade especial (doravante “SPE” ou, conforme identificação constante de alguns documentos, “SIV”), geridas pelo “BPP” e denominadas “estratégias de investimento”, as quais adquiriam os títulos para as suas carteiras próprias, emitindo depois loan notes (notas de crédito), que reflectiam o comportamento dos respectivos activos, a favor dos clientes.

64. Através dos poderes de gestão conferidos ao “BPP”, este – em nome e por conta dos clientes – adquiria loan notes emitidas pelas SPE, passando, desta forma, os clientes a deter uma participação no património das SPE, proporcional ao capital investido.

65. Por sua vez, as aplicações de investimento designadas de Retorno Absoluto, directo ou indirecto e, algumas mas raras vezes, de Retorno Relativo, podiam ainda subdividir-se em aplicações com garantia ou sem garantia, consoante o “BPP” garantisse ou não o capital investido e uma determinada remuneração na maturidade do investimento.

66. Ao todo mantinham-se activas em Novembro de 2008: (i) 61 Estratégias de Retorno Absoluto com garantia; (ii) 28 “Estratégias” de Retorno Absoluto sem garantia; e (iii) 17 “Estratégias” de Retorno Relativo sem garantia, todas melhor identificadas no quadro que se segue:


Estratégias de investimento  (SIV`s – Special Investment Vehicles)
Tipo de

Investimento / Área Gestora

Garantia

de

Capital

Conta

no BPP

Cayman

Conta de

Título no BPP

Cayman

Nome EstratégiaTotal
Retorno Absoluto - Investimento IndirectoCom Garantia de Capital…..70….21ALP 21
…..71…..31ALP 31
…..87…..00ALP 61
…..88…..01ALP 71
…..89…..07ALP 81
…..90…..13ALP 91
…..97…..58FXI1
…..93…..52LIQUIDITY INVESTMENT PRIVADO (LIP)1
…..96…..56LIQUIDITY INVESTMENT PRIVADO2 LIP21
…..71…..50PIAP 141
…..73…..52PIAP 2.011
…..72…..99MULTIADVISOR NAVIGATOR WARRANTS1
…..29…..50PIAP 2.071
…..27…..48PIAP 211
…..39…..72PIAP 231
…..43…..77PIAP 241
…..46…..80PIAP 251
…..50…..86PIAP 261
…..53…..93PIAP 271
…..62…..11PIAP 291
…..89…..76PIAP 3.011
…..65…..16PIAP 301
…..72…..43PIAP 311
…..78…..63PIAP 321
…..18…..16PIHY 2.041
…..72…..51PIHY 221
…..90…..77PIHY 3.011
…..35…..64PIHY 321
…..40…..73PIHY 331
…..41…..81PIHY 351
…..51…..87PIHY 361
…..54…..94PIHY 371
…..63…..12PIHY 391
…..66…..17PIHY 401
…..73…..44PIHY 411
…..79…..64PIHY 421
…..01…..62PRIF1
…..04…..67PRIF 21
…..02…..63PRIM1
…..03…..66PRIM 21
…..94…..53PRIVADO OPPORTUNITY (POP)1
…..95…..54SHORT TERM CREDIT STATEGY1
…..24…..30STLC 121
…..30…..51STLC 131
…..30…..51STLC 131
…..37…..66STLC 141
…..42…..75STLC 151
…..49…..83STLC 161
…..55…..95STLC 171
…..64…..13STLC 191
…..74…..45STLC 211
…..80…..65STLC 221
…..25…..31STLI 101
…..31…..52STLI 111
…..36…..65STLI 121
…..41…..74STLI 131
…..48…..82STLI 141
…..56…..96STLI 151
…..75…..46STLI 181
…..81…..66STLI 191
…..02…..95STLUSD1
Subtotal Estratégias com Garantia de Capital61
Sem Garantia de Capital…..99…..63BBVA LEVERAGED DEBT1
…..85…..74BRASIL LEVERAGED DEBT1
…..86…..75DEUTSCHE TELEKOM LEVERAGED DEBT1
…..41…..05POPUP 81
…..76…..55POPUP 101
…..84…..52GAZPROM LEVERAGED DEBT SÉRIE 31
…..98…..62GAZPROM LEVERAGED DEBT SÉRIE 41
…..32…..77LEVERAGED DEBT GMAC1
…..93…..48MULTIBOND1
…..45…..09MULTIBOND 21
…..56…..25MULTIBOND 31
…..62…..34MULTIBOND 41
…..81…..26MULTIBOND 51
…..93…..80MULTIBOND 61
…..03…..96MULTIBOND USD1
…..00…..64NATIXIS LEVERAGED DEBT1
…..09…..82PICL1
…..53…..22PICL 51
…..59…..31PICL 61
…..80…..64PICL 71
…..26…..33PICL 81
…..30…..03PICL SERIES 21
…..34…..14PICL 31
…..46…..10PICL 41
…..70…..48PPREF1
…..91…..93SANTANDER LEVERAGED DEBT1
…..05…..31TELEFÓNICA LEVERAGED DEBT1
…..92…..04UNICREDIT LEVERAGED DEBT1
Subtotal Estratégias sem Garantia de Capital28
Retorno Absoluto -Investimento Indirecto Total 90
Retorno RelativoSem Garantia de Capital…..06…..89AUTOCALLABLE BANCOS EUROPEUS1
…..60…..40BRASIL OPPORTUNITIES SA1
…..60…..53EASTERN EUROPE1
…..58…..55EUROPEAN OPPORTUNITIES1
…..68…..92GLOBAL EMERGING - EUR1
…..61…..54GLOBAL EMERGING - USD1
…..54…..50GLOBAL EQUITY2
…..62…..57HF VAR 31
…..63…..58HF VAR 81
…..02…..87IBERIAN OPPORTUNITIES FUND1
…..59…..56JAPAN1
…..57…..52NORTH AMERICA - USD1
…..67…..91NORTH AMERICA SELECTION – EUR1
…..07…..70PRIVADO LIQUIDEZ DINÂMICA1
…..19…..93PRIVADO TELCO'S1
…..59…..39SUN FLARE SA1
Retorno Relativo Total 17
Grande Total 106

                                                        

67. Os investimentos em aplicações de Retorno Absoluto, na modalidade de investimento indirecto, com garantia, produto com maior significado na actividade do “BPP”, eram fundamentalmente realizados da seguinte forma:

a) As entregas de dinheiro eram depositadas na conta do cliente associada ao investimento, aberta junto do “BPP”, sendo posteriormente aplicadas nas SPE, em contrapartida da emissão de loan notes a favor dos clientes;

b) As loan notes emitidas conferiam aos clientes o direito a receber um montante em dinheiro correspondente a uma determinada percentagem do valor dos activos líquidos que integravam a carteira das SPE, calculada em função do número de loan notes detidas pelo cliente e do número total de loan notes emitidas pela respectiva SPE a favor dos diversos clientes incluídos na mesma estratégia de investimento;

c) Com os valores realizados aquando da emissão e subscrição pelos clientes das loan notes – e, bem assim, através do recurso a diversos tipos de operações de financiamento – eram adquiridos pelo “BPP”, em nome e por conta das SPE, os activos subjacentes que compunham as carteiras próprias das SPE, designadamente obrigações e crédito estruturado;

d) O “BPP” funcionava, simultaneamente, como entidade depositária e gestora dos valores dos clientes, sendo cada cliente titular de contas de depósito abertas junto do “BPP”, que eram movimentadas por esta instituição, ao abrigo de um contrato de gestão de carteira;

e) Nos termos destes contratos, celebrados no âmbito da modalidade do Retorno Absoluto de investimento indirecto com garantia, o cliente tinha direito ao reembolso total do capital investido, acrescido ou não de uma remuneração acordada, na data da maturidade da estratégia.

Os produtos de Retorno Absoluto com garantia:

68. No âmbito da relação contratual com os seus clientes, o “BPP” assumiu, relativamente às estratégias de Retorno Absoluto com garantia, as seguintes obrigações:

   i) Gestão de carteiras de investimento em nome e por conta dos clientes;

   ii) Investimento dos fundos dos clientes, em conformidade com as políticas de investimento escolhidas pelos clientes;

   iii) Garantia aos clientes, na data de vencimento das aplicações, do reembolso do capital investido pelos mesmos e, na generalidade dos contratos, também do pagamento de uma determinada remuneração.

69. No que concerne à obrigação de gestão das carteiras em nome e por conta dos clientes, no segmento de negócio do Retorno Absoluto, investimento indirecto, a mesma materializava-se na gestão de determinadas SPE, administradas formalmente pelo “BPP Cayman”, filial detida a 100% pelo “BPP”, as quais investiam em títulos de dívida, escolhidos em função das características e do perfil de risco de cada SPE (política de investimento) e emitiam loan notes, cujo valor reflectia o comportamento daqueles activos.

70. Através dos poderes de gestão conferidos ao “Banco”, em nome e por conta dos clientes, contratualizados através das Condições Gerais de Gestão de Carteira (CGGC), os clientes adquiriam loan notes, ou seja, detinham uma participação no património das SPE proporcional ao capital investido.

71. As valorizações ou desvalorizações dos activos detidos pelas SPE (em virtude de alterações do risco de crédito, risco de taxa de juro, risco de mercado, entre outros) provocavam alterações no valor das loan notes detidas pelos clientes, as quais deveriam constituir, directamente, ganhos ou perdas destes, tal como previsto nos contratos assinados com os mesmos, designadamente nas CGGC e nas Condições Especiais de Gestão de Carteira (CEGC), onde são enumerados os “riscos do investimento”.

72. No entanto, tais alterações no valor dos activos não se reflectiam directamente em reduções ou aumentos do valor das loan notes detidas pelos clientes, e, portanto, não se reflectiam em valorizações ou desvalorizações dos investimentos efectuados, uma vez que, por determinação dos arguidos AA, CC e BB, o “BPP” prestava, através da contratualização da Descrição Detalhada do Investimento (DDI), uma garantia de reembolso, na data de vencimento, do total do capital investido pelos clientes, normalmente acrescida de uma remuneração (mínima, fixa ou entre um mínimo e um máximo), também esta previamente acordada.

73. Na realidade, e não obstante a actividade desenvolvida pelo “BPP” ser uma “actividade de gestão de carteiras”, no âmbito dos contratos celebrados com a generalidade dos seus clientes de Retorno Absoluto, e, nalgumas, mas raras, situações, também com clientes de Retorno Relativo, os arguidos AA, CC e BB decidiram conjuntamente, em data não concretamente determinada mas anterior à implementação deste tipo de produtos, que o “BPP” assumiria, na data da sua maturidade, a garantia de reembolso da totalidade do capital investido, e, na sua grande maioria, também a garantia de uma remuneração contratualmente prevista.

74. Dadas as características destes produtos de Retorno Absoluto com garantia contratualizados pelo “BPP” com os clientes, e, em face dos princípios e normas em vigor no Sector Bancário até 31 de Dezembro de 2005, normas e princípios esses que os arguidos AA, CC e BB bem conheciam, o “BPP”, até essa data, encontrava-se obrigado a divulgar o montante e a natureza dos compromissos assumidos perante os seus clientes, bem como a registar a constituição de uma provisão pelo montante da diferença, se positiva, entre o valor da responsabilidade dos reembolsos de capital e das remunerações prestadas aos clientes e o justo valor da carteira de activos gerida por conta desses mesmos clientes, a partir do momento em que fosse expectável o desembolso de uma quantia por parte do “BPP” para fazer face aos compromissos contratualmente assumidos com os clientes.

75. Esta provisão traduziria o risco/encargo que o “BPP” teria de suportar, na data de vencimento do investimento contratado pelo cliente, no caso de a valorização da carteira ser inferior ao valor da garantia prestada acrescida dos juros acordados com o cliente.

76. Assim, nos exercícios anteriores a 2006, em violação dessas normas e princípios contabilísticos, os arguidos AA, CC e BB determinaram que não fosse reflectida, como sabiam necessário, na contabilidade do “BPP”, quer ao nível do sistema informático, quer nos documentos e/ou na informação contabilística gerados a partir do mesmo, a existência de compromissos/garantias assumidos perante os seus clientes, designadamente:

   i) A obrigatória divulgação do montante e da natureza dos compromissos assumidos perante os seus clientes, em nota anexa às demonstrações financeiras, nas contas e nos demais reportes remetidos aos auditores, Conselho Fiscal, revisores oficiais de contas e “Banco de Portugal”; e

   ii) a constituição de provisões, quando necessário.

77. Com a entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2006, das International Accounting Standards (IAS) e International Financial Reporting Standards (IFRS), em face da responsabilidade assumida pelo “BPP” perante os seus clientes, no âmbito da actividade de gestão de carteiras, de garantir, na data de vencimento, a entrega de 100% dos fundos originalmente recebidos destes (capital investido), maioritariamente acrescida de uma remuneração (mínima, fixa ou entre um mínimo e um máximo) previamente acordada, os arguidos AA, CC e BB deveriam ter ordenado a divulgação, desde a data de celebração dos respectivos contratos, de um passivo contingente no montante dos compromissos assumidos perante os clientes, bem como deveriam ter ordenado a constituição de uma provisão sempre que fosse provável a ocorrência de um exfluxo de recursos para fazer face à obrigação/responsabilidade assumida, o que os arguidos AA, CC e BB bem sabiam.

78. Por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, o “BPP” sempre monitorizou o valor dessa obrigação/responsabilidade, a qual correspondia à diferença, positiva, entre o valor das responsabilidades assumidas perante os seus clientes e o justo valor da carteira de activos gerida por conta desses mesmos clientes.

79. O regulamento de incentivos trimestrais às Equipas Comerciais que foi aprovado pela Comissão Executiva, em 21 de Junho de 2006, presidida pelo arguido BB, e na qual também estiveram presentes os arguidos DD e CC, estava focado nos aspectos qualitativos, nomeadamente, de rentabilidade e de activos dentro e fora do balanço do “Banco”, sendo que no regulamento que veio a ser apresentado foram definidos como “Conceitos Relevantes”, os “Activos fora do Balanço do Banco: Volumes de captações que não traduzem qualquer compromisso por parte do Banco relativamente a garantia de capital e/ou rentabilidade das aplicações de clientes” e os “Activos dentro do Balanço do Banco: Volumes de captações que traduzem compromisso por parte do Banco relativamente a garantia de capital e/ou rentabilidade das aplicações de clientes”.

80. Não obstante terem aprovado este regulamento, os arguidos CC, BB, assim como o arguido AA, continuaram a determinar e a assegurar, de forma concertada, que a prestação de garantias não fosse objecto de relevação contabilística, nem fossem constituídas e registadas quaisquer provisões, quando necessário.

81. Assim, a partir de 1 de Janeiro de 2006, em violação das normas e princípios contabilísticos em vigor, os arguidos AA, CC e BB determinaram que não fosse reflectida, como sabiam necessário, na contabilidade do “BPP”, quer ao nível do sistema informático, quer dos documentos e/ou da informação contabilística gerados a partir do mesmo, a existência de compromissos/garantias assumidos perante os seus clientes, designadamente:

   i) A obrigatória divulgação do passivo contingente assumido, decorrente da celebração de contratos com garantia de capital, e, na sua grande maioria, também de remuneração;

   ii) A constituição de provisão pelo montante da diferença, se positiva, entre o valor das responsabilidades assumidas perante os seus clientes e o justo valor da carteira de activos gerida por conta desses mesmos clientes, sempre que – nomeadamente, em face da proximidade da data de vencimento das aplicações dos clientes – fosse provável o exfluxo de recursos para cumprir a obrigação assumida.

82. Assim, o “BPP” apesar de estar obrigado a remeter mensalmente ao “Banco de Portugal” este tipo de informação relativa à sua situação analítica individual, referente à actividade global, com referência ao último dia de cada mês, e de estar obrigado para efeitos de reporte aos revisores oficiais de contas, ao “Banco de Portugal” e de publicação no Anexo às demonstrações financeiras anuais, em base individual, de divulgar os passivos contingentes e de constituir provisões quando necessário, informação esta que também deveria constar do sistema informático do “BPP”, por determinação dos arguidos AA, CC e BB, no “BPP”, através de funcionários do “Banco”, e até à entrada em funções da Administração Provisória, apenas se procedeu ao registo dos valores geridos por conta dos clientes na respectiva rúbrica extrapatrimonial, nunca se tendo registado o compromisso assumido em que se traduzia a garantia de capital e eventual remuneração contratualmente assumida, nem as provisões, sempre que necessárias, quer no sistema informático central do “Banco”, quer na documentação contabilística que através desse sistema informático era elaborada.

83. E, desse modo, os arguidos AA, CC e BB impossibilitaram que os auditores, os revisores oficiais de contas e o “Banco de Portugal”, quando, como era seu direito, acedessem ao sistema informático central do “BPP” e/ou à informação contabilística obtida a partir desse sistema, assim como os restantes destinatários desta, tivessem conhecimento da existência dos mencionados compromissos/garantias e pudessem percepcionar o risco associado ao negócio de gestão discricionária desenvolvido pelo “BPP”.

84. Ao actuar da forma descrita, os arguidos AA, CC e BB impediram, por um lado, que o mercado e o público em geral adequassem as suas decisões de investimento à verdadeira situação financeira e patrimonial e aos riscos assumidos pela instituição e, por outro lado, que a sociedade revisora oficial de contas e o supervisor avaliassem adequada e atempadamente a verdadeira situação patrimonial e os resultados do “Banco”, uma vez que a mesma não estava reflectida na respectiva contabilidade.

85. Assim, os arguidos AA, CC e BB, ao não divulgarem, através de funcionários do “Banco”, as responsabilidades assumidas perante os clientes, nem registarem, sempre que necessário, as respectivas provisões, no sistema informático central do “Banco” e, desse modo, na respectiva documentação contabilística, impediram a constituição de provisões, durante o exercício de 2008 e até 30-11-2008, no exercício findo em 31-12-2007, e no exercício findo em 31-12-2006.

86. No dia 31 de Dezembro de 2006, o valor das provisões cuja constituição os arguidos AA, CC e BB deveriam ter determinado, para fazer face às responsabilidades assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes de Retorno Absoluto, correspondentes à diferença, se positiva, entre o valor garantido pelo “BPP” a esses clientes e o valor dos activos subjacentes a essas carteiras, era de €7.616.122,00.

87. Não obstante disso terem conhecimento, os arguidos AA, CC e BB reiteraram a anterior determinação de tais garantias não serem divulgadas contabilisticamente, nem constituídas quaisquer provisões, fosse no sistema informático do “BPP” ou em qualquer documento produzido por esse sistema e remetido aos auditores, revisores oficiais de contas ou autoridades de supervisão.

88. No dia 31 de Dezembro de 2007, o valor das provisões cuja constituição os arguidos AA, CC e BB deveriam ter determinado, para fazer face às responsabilidades assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes de Retorno Absoluto, era de €20.852.109,00.

89. Não obstante disso terem conhecimento, os arguidos AA, CC e BB reiteraram a sua anterior determinação de tais garantias não serem divulgadas contabilisticamente, nem constituídas quaisquer provisões, fosse no sistema informático do “BPP” ou em qualquer documento produzido por esse sistema e remetido aos auditores, revisores oficiais de contas ou autoridades de supervisão.

90. Durante o ano de 2008, as responsabilidades potenciais assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes de Retorno Absoluto, que eram reportadas, eram no valor de:

a) cerca de €-27.000.000,00, com referência a 31-03-2008;

b) cerca de €-26.000.000,00, com referência a 30-06-2008;

c) cerca de €-36.000.000,00, com referência a 30-09-2008.

91. Não se encontrando, quer no sistema informático, quer nos documentos contabilísticos gerados a partir do mesmo, qualquer provisão constituída, relacionada com a prestação destes compromissos de pagamento à data da aprovação das demonstrações financeiras relativas a 2007 e 2006, foi necessário proceder ao ajustamento desses valores durante o exercício de 2008, tendo sido só então reconhecidas provisões, no valor de:

   i) €7.616.122,00, relativas ao exercício findo a 31-12-2006;

   ii) €20.852.109,00, relativas ao exercício findo em 31-12-2007.

92. Esta reexpressão foi realizada pela Administração Provisória do “BPP”, nomeada pelo “Banco de Portugal” em 01-12-2008.

93. Para efeitos de cálculo do valor a corrigir em 31 de Dezembro de 2006 e 2007, foi considerada a diferença, se positiva, entre as responsabilidades assumidas para com os clientes e o justo valor das respectivas carteiras de activos financeiros.

94. Durante o exercício de 2008, a desvalorização dos activos obrigou à constituição de mais provisões, primeiro no valor de €404.697.728,00, atingindo, em 31-12-2008, um valor líquido de €420.996.654,00.

95. A não divulgação das responsabilidades assumidas pelo “BPP” perante os clientes, nem o registo, sempre que necessário, das respectivas provisões, nas situações contratuais de produtos de Retorno Absoluto com garantia, também se verificou ao nível da contabilidade e das demonstrações financeiras consolidadas remetidas pela “Privado Holding” aos revisores oficiais de contas, ao “Banco de Portugal” e publicadas por esta autoridade de supervisão, no período decorrido entre 2005 e 2007, uma vez que também esta documentação não representava a verdadeira situação patrimonial e os resultados desse Grupo.

96. De forma a evitar que os auditores, os revisores oficiais de contas e as autoridades de supervisão se apercebessem da garantia assumida pelo “BPP” neste tipo de produtos, em data não concretamente determinada mas anterior à sua implementação em Outubro 2004, os arguidos AA, CC e BB decidiram, conjuntamente, que os Contratos de Gestão de Carteiras celebrados pelo “BPP” com os clientes de Retorno Absoluto com garantia passariam a ser constituídos por três documentos distintos, com as seguintes denominações:

a) Condições Gerais de Gestão de Carteira (doravante “CGGC”);

b) Condições Especiais de Gestão de Carteira (doravante “CEGC”);

c) Descrição Detalhada do Investimento (doravante “DDI”).

97. Nessa mesma altura, os arguidos AA, CC e BB decidiram conjuntamente também que a referida garantia apenas constaria da DDI, sendo as CGGC e a CEGC totalmente omissas quanto à existência dessa garantia.

98. De igual modo, foi decidido conjuntamente pelos arguidos AA, CC e BB que os contratos celebrados com os clientes fossem remetidos pela área comercial ao Departamento de Operações e aí ficassem arquivados esses documentos em pastas distintas, não sendo as “DDI” mostradas aos auditores, aos revisores oficiais de contas, à “CMVM” e ao “Banco de Portugal”, que desconheciam a sua existência e, bem assim, a existência das garantias de capital, procedimento este que foi instituído e mantido, ao longo dos anos, no “BPP”, até 17-11-2008.

99. Foi somente em 17-11-2008 que, na sequência da deliberação do Conselho de Administração do “BPP”, de 16-11-2008, os arguidos AA e BB referiram ao “Banco de Portugal”, pela primeira vez, a existência destas garantias, e, ainda assim, afirmando que tais garantias apenas lhes seriam exigíveis em caso de incumprimento, na data de vencimento do investimento, do emitente das obrigações subjacentes às estratégias de Retorno Absoluto.

100. O “BPP” e a “Privado Holding”, plano consolidado, assumiram os riscos (de crédito, de mercado e de taxa de juro, entre outros) nos produtos de Retorno Absoluto com garantia (directo e indirecto) equivalentes aos que teriam se detivessem directamente na sua carteira os activos que estavam registados como activos de clientes.


Leaving Seagull e MB Float:

101. Suportando o “BPP” o risco de desvalorização de activos por força da garantia de capital e, na maioria dos casos, da remuneração assumida, os arguidos AA, CC e BB, decidiram, em 2002, conjugar esforços no sentido de desenvolver e implementar no “BPP”, como ocorreu até à entrada em funções da Administração Provisória, um mecanismo, assente na criação de veículos que não tinham efectiva actividade e da inscrição como títulos realidades que efectivamente não eram títulos, para ocultar aos clientes a volatilidade dos activos que compunham as respectivas carteiras, evitando dar a conhecer o impacto que essas flutuações representavam e as consequentes dúvidas, reclamações e resgates de fundos por parte dos clientes, resolução à qual aderiram, em Junho de 2005 o arguido DD, e em Abril de 2008 o arguido EE.

102. Com esse mesmo objectivo de ocultação da volatilidade dos activos, também por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, em data não concretamente determinada mas necessariamente anterior à sua execução, os clientes do Retorno Absoluto que procedessem ao resgate antecipado dos seus fundos não eram penalizados, recebendo integralmente o valor e a remuneração garantidos, não obstante os contratos celebrados estipularem a perda da garantia nessa situação.

103. Assim, e em concreto, a Comissão Executiva, composta, à data, pelos arguidos AA, CC e BB, deliberou a criação de um grupo de trabalho, do qual faziam parte os arguidos DD e EE, bem como OO, PP, QQ, RRe SS, que tinha por objectivo uniformizar a oferta de produtos na área de Retorno Absoluto, mediante a criação de veículos que seriam detidos pelos clientes, na proporção dos respectivos investimentos.

104. A Comissão Executiva, composta pelos mesmos arguidos, deliberou igualmente em 21-05-2002, constituir um grupo de trabalho para analisar os problemas existentes relacionados com a área do Retorno Absoluto.

105. Esse grupo de trabalho veio a ser constituído no primeiro semestre de 2002, sendo integrado pelo arguido EE e por OO e TT, tendo o respectivo relatório sido enviado aos arguidos AA, CC e BB, em 04-06-2002, onde, em conclusão, eram apresentadas as seguintes três opções:

   “i) Desenvolvimento de um programa auxiliar onde serão carregadas as condições das operações de capital garantido, não afectando o sistema central, e que teria de comparar, antes do envio do valor para extratação, o VA, determinado nesse programa, com o VM, apurado no sistema central. Trata-se da solução que se afigura aos intervenientes, na modéstia dos seus conhecimentos, como a solução mais prática a curto prazo, mas que terá de ser abandonada quando o Banco pretender tratar as operações em questão de forma mais abrangente quanto aos requisitos contabilísticos e legais;

   ii) Carregamento das operações de capital garantido no sistema central, em rúbricas extrapatrimoniais, o que passa pela relevação das responsabilidades do banco em termos das taxas mínimas e/ou máximas oferecidas. Esta solução afigura-se como aquela que pode estruturalmente resolver a situação em causa;

   iii) Carregamento das operações no sistema central, com a criação de uma rúbrica para cada cliente, em que sejam relevadas as diferenças, caso existam entre o VM [valor de mercado] e o VA [valor actual], podendo estas ser ou não relevadas conforme decisão superior.”

106. As propostas deste grupo de trabalho foram aprovadas, em 26-06-2002, pela Comissão Executiva, composta, à data, pelos arguidos AA, CC e BB, tendo sido igualmente deliberado a criação de uma aplicação informática, que se designaria de “Aplicação KG”, que permitia substituir, nos extractos a apresentar aos clientes, a indicação de “Valor de Mercado das Carteiras” por uma rúbrica alternativa, sugerindo-se, desde logo, a designação de “diferenças cambiais”, que serviria “para regularizar o valor de mercado em função do intervalo estipulado da taxa mínima e da taxa esperada”, não transmitindo, desse modo, aos clientes a performance da gestão do “BPP”.

107. Posteriormente, através de um relatório elaborado pelo arguido DD, em Janeiro de 2003, veio a ser desenvolvida a aplicação “Flexibilização da Oferta”, que veio substituir a “Aplicação KG”, melhorando e complementando algumas das funcionalidades daquela aplicação informática.

108. A “Flexibilização da Oferta” era uma aplicação informática específica e autónoma criada para o Retorno Absoluto, onde constavam as condições comerciais acordadas com os clientes, que eram inseridas nesse sistema pela ...  de Asset Management, através do seu middle-office.

109. Em 25-10-2002, o arguido EE, após conversa com SS, e, em face daquilo que já tinha sido decidido pela Comissão Executiva, sugeriu a este, por email, dando conhecimento aos arguidos CC e DD e ainda a PP, OO e MM, uma parametrização de um “título” do tipo CBO, denominado «Leaving Seagull CBO 10/05», com o objectivo de substituir os procedimentos que vinham sendo usados nos extractos dos clientes, designadamente a utilização de “diferenças cambiais”.

110. A partir de Outubro de 2002, foi este o nome que veio a ser acolhido, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, pelo que a rúbrica “diferenças cambiais” foi substituída pela inclusão, nos extractos, de uma linha, como sendo de um verdadeiro activo, denominada “Leaving Seagull CBO”.

111. Por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, à qual aderiram DD em Junho de 2005 e EE em Abril de 2008, e com o intuito de que os auditores, revisores oficiais de contas e supervisores não se apercebessem da natureza não real, enquanto activo/título, do Leaving Seagull, entre 2002 e 2008, o mesmo foi, no sistema informático do “BPP” e nos documentos remetidos às referidas entidades, registado contabilisticamente, nas rúbricas extrapatrimoniais, como se se tratasse de um verdadeiro activo/título, ao lado de outros activos/títulos, esses sim reais, e efectivamente transaccionados pelas estratégias.

112. O Leaving Seagull nada mais era do que uma linha inserida nos extractos dos clientes, resultante de um cálculo informático da diferença entre o valor devido a um cliente numa determinada data (capital e juros previstos contratualmente) e o valor de mercado dos activos detidos por esse cliente nessa mesma data, mas que era apresentado nos extractos dos clientes de Retorno Absoluto como se se tratasse de um título que compunha as respectivas carteiras.

113. A Direcção de Sistemas, após o fecho do mês, produzia um ficheiro master, contendo a afectação do alegado título Leaving Seagull por cliente, com saldo devedor ou credor, consoante o valor dos activos detidos pelas estratégias onde o dinheiro dos clientes estava investido fosse superior ou inferior ao da garantia prestada aos mesmos.

114. Em 18-12-2002, para dar maior credibilidade como título a esta realidade que foi denominada Leaving Seagull, o “BPP”, representado pelo arguido CC e por PP, constituiu um veículo, que nunca veio a ter qualquer actividade, designado “Leaving Seagull Inc.”, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo celebrado um Management Agreement, em 28-01-2003, no qual o “BPP Cayman” assumiu a qualidade de Beneficial Owner (último beneficiário).

115. Com efeito, esse veículo nunca adquiriu ou alienou activos reais, designadamente o Leaving Seagull, tendo apenas sido criado, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, para dar a impressão a terceiros que a designação Leaving Seagull, cuja natureza era meramente informática, era, efectivamente, um título, o que os arguidos bem sabiam não corresponder à verdade.

116. Em finais de 2002, a não relevação contabilística, quer no sistema informático quer nos documentos contabilísticos, das garantias prestadas aos clientes e a implementação do Leaving Seagull gerou a oposição de alguns dos então colaboradores com funções de ...  no “BPP”, concretamente dos arguidos DD e EE e de OO, MM, SS, UU e PP, que transmitiram ao arguido CC, a sua discordância com aquela decisão dos arguidos AA, CC e BB.

117. Na sequência da oposição assumida por esses colaboradores, o arguido CC promoveu, de imediato, uma reunião, que contou também com a presença do arguido DD, na qual o arguido AA reiterou as instruções dadas para a implementação do referido mecanismo do Leaving Seagull e a indispensabilidade do acatamento das ordens transmitidas.

118. Em 01-10-2003, MM enviou ao arguido CC, com conhecimento a OO, uma proposta para reconhecimento contabilístico das garantias existentes nos produtos de Retorno Absoluto, conforme previamente lhe tinha sido pedido.

119. Porém, a posição técnica de MM não foi acolhida pelos arguidos AA, CC e BB.

120. Em cumprimento da referida decisão dos arguidos AA, CC e BB, à qual aderiu o arguido DD em 21-06-2005, data a partir da qual passou a integrar a Comissão Executiva, II preparou, em 31-10-2005, uma nova emissão do Leaving Seagull, que previa como dimensão máxima do programa €25.000.000,00, com início naquela data e vencimento a 31-10-2007.

121. Não obstante a criação e parametrização desse título no master file do Olympic, o mesmo nunca foi emitido nem subscrito por ninguém, nem existiram quaisquer movimentos de compra, venda ou transferência desse título.

122. Na sequência dos trabalhos desenvolvidos durante o ano de 2007, por um grupo de trabalho composto pelo arguido EE e por II, TT e VV, o Conselho de Administração do “BPP”, composta, à data, pelos arguidos AA, BB, CC e DD, foi alertado, em Fevereiro de 2008, para as graves consequências que poderiam advir da manutenção do Leaving Seagull, que foi assumido como “um dos pontos mais frágeis de toda a oferta do Banco”, e para a necessidade de este tema ter que ser “ultrapassado de forma definitiva no muito curto prazo, ainda que possa, no imediato, ter como consequência um abrandamento do ritmo de crescimento dos activos sob gestão”.

123. O mesmo grupo de trabalho propôs à Comissão Executiva algumas alternativas às soluções então vigentes, designadamente, a “anulação da utilização do LS” e a “Passagem para balanço das responsabilidades contraídas”.

124. No entanto, a proposta de “solução definitiva” do mencionado grupo de trabalho, no sentido de passarem a ser reconhecidas as responsabilidades assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes, foi, novamente, rejeitada pelos arguidos AA, CC e BB.

125. Em 31-10-2007, os arguidos CC e DD, em representação da sociedade “Leaving Seagull Inc.”, efectuaram nova parametrização informática da entidade denominada «Leaving Seagull CBO 11/08», como se se tratasse de um título, prevendo-se uma emissão, naquela data, até €25.000.000,00 e com maturidade em 14-11-2008.

126. Apesar da criação e parametrização como títulos do Leaving Seagull CBO 10/07  e Leaving Seagull CBO 11/08 no master file do sistema Olympic, os mesmos nunca foram emitidos nem subscritos por alguém, nem existiram quaisquer movimentos de compra, venda ou transferência destes títulos.

127. Em 08-02-2008, o desvio negativo do valor do Leaving Seagull relativamente aos valores que constavam do sistema Olympic e os apurados pela Direcção de Risco e Auditoria (DRA) era de €45.000.000,00, e em 14-03-2008, segundo a rectificação dos valores dos activos efectuada pela DRA, era de €48.500.000,00.

128. Na realidade, em 08-02-2008, II comunicou ao arguido DD a existência de um desvio negativo de cerca de €45.000.000,00, entre o valor de mercado dos títulos geridos pela área de Retorno Absoluto e o valor que se encontrava registado no sistema, isto é, que os títulos se encontravam sobrevalorizados no sistema informático da instituição, naquele montante, face ao respectivo valor de mercado apurado, naquela data, com base nos preços fornecidos pela Reuters e na sequência de uma análise preliminar e por amostragem, não aleatória, incidente sobre os títulos relativamente aos quais existia uma maior expectativa de se verificarem desvios.

129. Em 12-02-2008, II reportou ao arguido DD, com conhecimento a JJ, que a divergência identificada tinha sido justificada pelo Asset Management por duas vias: “… – simulação de cenários directamente no ficheiro de preços que, por lapso, não foi anulada; Restantes Títulos – decisão de convergência progressiva dos preços para os preços de mercado (…), e pelo facto de uma rápida depreciação dos preços poder ‘chamar a atenção’ do Banco de Portugal e/ou dos auditores externos”.

130. Posteriormente, em 14-03-2008, II comunicou ao arguido DD os resultados de nova análise aos preços imputados no sistema informático para títulos que compunham as carteiras de Retorno Absoluto com garantia, especificando que, de uma amostra de 24 títulos, a divergência entre o valor de mercado dos títulos e o valor registado no sistema ascenderia a €48.500.000,00.

131. Em 14-03-2008, II, por email, referiu ao arguido DD e a JJ que “foi solicitada uma justificação das diferenças ao Asset Management, tendo este indicado que alguns desvios foram mantidos deliberadamente para que o valor do LS não ultrapassasse os €25.000.000,00 aumentando muito a sua visibilidade”.

132. Em 19 de Setembro de 2008, na sequência de um aumento significativo da depreciação do valor dos activos, que implicava um aumento proporcional do valor do Leaving Seagull, o arguido EE solicitou a II a criação de um novo título, com idênticas características ao Leaving Seagull, que viria a ter a denominação MB Float, tendo a sua implementação e a respectiva alocação às estratégias dos clientes sido aprovada, de imediato, pelos arguidos BB, CC, DD e EE.

133. Também relativamente a este título, embora existisse registo no Master File de títulos do “BPP”, não se verificaram quaisquer movimentos ou fluxos financeiros associados ao mesmo.

134. O MB Float foi utilizado nos extractos de clientes de três estratégias de investimento de Retorno Absoluto, concretamente na STLI, STLC e STLUSD, relativos aos meses de Setembro e Outubro de 2008, correspondendo o seu valor ao ajustamento da valorização no mercado dos activos dos clientes face aos compromissos contratados.

135. Para estes clientes, os extractos deixaram de ter referência ao título Leaving Seagull, passando essa função a ser desempenhada pelo título MB Float.

136. Assim, por decisão conjunta, e em conjugação de esforços, dos arguidos AA, CC e BB, a que aderiram, em primeiro lugar, o arguido DD em 2005, e, em segundo lugar, o arguido EE em Abril de 2008, os extractos dos clientes de Retorno Absoluto, investimento directo e indirecto, com garantia, emitidos a partir do sistema informático “Flexibilização de Oferta” do “BPP” e com a informação nele contida, entre Outubro de 2002 e Dezembro de 2008, passaram, assim, a reflectir sistematicamente posições no Leaving Seagull e, mais tarde, também no MB Float, como se de verdadeiros títulos se tratassem, inseridos nos extractos ao nível do detalhe sob o título, num primeiro momento, «Outras obrigações de não residentes» e, mais tarde, sob o título «Outras obrigações de não residentes – Taxa Fixa».

137. Entre Janeiro de 2007 e Outubro de 2008, o Leaving Seagull CBO e/ou o MB Float Setembro/09 foram inscritos em milhares de contas de investimento (RA ID e RA II) de clientes “ON” (contas domiciliadas no “BPP”) e “OFF” (contas domiciliadas no “BPP Cayman” ou em outras jurisdições), como se de verdadeiros títulos se tratassem, e em número que variava, mensalmente, entre 1973 (em Janeiro de 2007) e as 3364 (em Agosto de 2008).

138. No período de Janeiro de 2007 a Outubro de 2008, o montante global líquido do «Leaving Seagull CBO» e/ou do «MB Float Setembro/09», apurado pela aplicação “Flexibilização da Oferta” para as estratégias em que foram utilizados estes descritivos, ascendeu a valores que oscilaram, mensalmente, entre os €-25.145.950,14 (em Julho de 2007) e os €61.510.702,64 (em Outubro de 2008).

139. No mês de Setembro de 2008, o montante global líquido (ou seja, em que às menos-valias eram deduzidas as mais-valias) do “Leaving Seagull CBO” e/ou do “MB Float Setembro/09” apurado pela aplicação “Flexibilização da Oferta” para as estratégias em que foram utilizados estes descritivos era de €34.947.297,41.

140. Destes: (i) €40.047.689,83 correspondentes à diferença desfavorável entre o valor garantido pelo “BPP” linearizado e o valor de mercado dos activos subjacentes às estratégias onde os clientes investiram; e (ii) €-5.100.392,42 correspondentes à diferença favorável entre o valor garantido pelo “BPP” linearizado e o valor de mercado dos activos subjacentes às estratégias onde os clientes investiram.

141. No mês de Outubro de 2008, em relação apenas às contas domiciliadas junto do “BPP” (contas ON), que eram, à data, 2951 contas de investimento, considerando apenas as estratégias em que foram utilizados o “Leaving Seagull CBO” e/ou “MB Float Setembro/09” e tendo em conta a valorização dos activos que o “BPP” estava na altura a praticar, o montante global líquido do apuramento destes dois descritivos era de €48.948.445,38, sendo: (i) €51.863.071,44 correspondentes à diferença desfavorável entre o valor garantido pelo “BPP” linearizado e o valor de mercado dos activos subjacentes às “estratégias” onde os clientes investiram, e (ii) €-2.914.626,06 correspondentes à diferença favorável entre o valor garantido pelo “BPP” linearizado e o valor de mercado dos activos subjacentes às estratégias onde os clientes investiram.

142. Em 14-11-2008, a testemunha MM comunicou a GG e ao arguido CC que, naquela data, “O LS ascende a cerca de 64M€, para uma base de 1,4B€ de clientes”, o que significava que “cada 100 M€ assumidos no balanço, implicam assumir cerca de 4,6 – arredondemos para 5 M€ de prejuízos.”.

143. Também no decurso do ano de 2008 e apesar de os arguidos AA, CC e BB continuarem a obstar, de forma concertada, ao reconhecimento contabilístico, tanto no sistema informático do “BPP”, como nos documentos gerados a partir do mesmo e remetidos aos revisores oficiais de contas e ao “Banco de Portugal”, das responsabilidades assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes de Retorno Absoluto, o valor destas era-lhes regularmente transmitido.

As sociedades offshore, a sua não consolidação, as operações de alisamento de resultados e de gestão de performance:

144. No processo de execução de uma parte significativa das operações adiante descritas, revestiu-se de particular importância um conjunto de sociedades que se encontravam sedeadas em centros offshore e que, com excepção do “BPP Cayman”, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, não foram reconhecidas como pertencendo ou estando sob o controlo do “BPP”.

145. Essas sociedades, denominadas internamente como “Contas de Recuperação”, foram constituídas por ordem e com a intervenção dos próprios arguidos AA, CC e BB, ou, quando tal não ocorreu, instrumentalizadas, por decisão dos mesmos, na ocultação aos auditores, revisores oficiais de contas e supervisores:

i) das garantias prestadas aos clientes;

ii) de prejuízos directos do próprio “BPP”, resultantes da contratação de derivados;

iii) da ultrapassagem dos rácios mínimos de solvabilidade;

 iv) de operações de:

     a) alisamento de resultados do “BPP”;

     b) aquisição de activos à carteira própria e/ou não colocados em clientes;

      c) gestão de performance.

146. Com vista a impedir os auditores, revisores oficiais de contas e o “Banco de Portugal” de exercerem plenamente as suas actividades e, nomeadamente, de conhecerem o controlo pelo “BPP” de tais sociedades offshore, que eram verdadeiras filiais do “Banco”, e, consequentemente, a real situação financeira e patrimonial e riscos a que o “Banco” se encontrava exposto, os arguidos AA, CC e BB determinaram, conjuntamente e em concertação de esforços, que, antes mesmo de qualquer comunicação ou envio de contas àquelas entidades, no sistema informático do “BPP”, ao qual aquelas entidades poderiam, a todo o tempo, aceder ou solicitar informação aí contida, constassem como beneficiários efectivos de tais “Contas de Recuperação” pessoas de confiança ou terceiras entidades controladas pelos arguidos, formalmente sem ligação ao “BPP”, assim conseguindo que os respectivos activos e passivos não fossem consolidados no “Banco”, situação que se manteve entre 2002 e 2008.

147. Em virtude dessa omissão no sistema informático do “BPP”, em todos os registos contabilísticos, obtidos através desse sistema informático, entre 2002 e 2004, em base individual e consolidada do “BPP”, e, a partir de 2005, em base consolidada da “Privado Holding”, e em base subconsolidada do “BPP”, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, também não constava a verdadeira relação entre estas sociedades offshore e o “Grupo Privado Holding”, encontrando-se tais sociedades offshores inscritas como se se tratassem de normais clientes do “BPP” (entidades, portanto, a quem o “Banco” podia conceder crédito e por conta de quem poderia gerir carteiras de investimentos), não reflectindo, assim, a relação de domínio existente.

148. A partir de 2005, as transacções efectuadas por estas sociedades deveriam ter tido reflexo na contabilidade e nas demonstrações financeiras consolidadas da “Privado Holding” do seguinte modo:

  i) Registo dos activos adquiridos e dos passivos incorridos pelas sociedades no balanço consolidado da “Privado Holding”, nomeadamente valores mobiliários ou outros valores representativos de investimentos em estratégias geridas pelo “Grupo Privado Holding”;

  ii) Constituição de eventuais provisões, caso houvesse necessidade;

  iii) Incorporação dos resultados apurados na actividade das “Contas de Recuperação” no resultado consolidado da “Privado Holding”.

149. Os Administradores Executivos da “Privado Holding” eram, simultaneamente, Administradores do “BPP”, sendo a contabilidade da generalidade das empresas do “Grupo Privado Holding” centralizada no “BPP” e estando a documentação contabilística da “Privado Holding” arquivada nas instalações físicas do “BPP”.

150. Na realidade, era o “BPP” que, de facto, assumia as funções de holding, uma vez que desempenhava todos os serviços de natureza administrativa do grupo, sendo os colaboradores do “Banco” quem procedia à preparação das demonstrações financeiras do grupo.

151. Apenas, por decisão da Administração Provisória nomeada pelo “Banco de Portugal”, nas demonstrações financeiras consolidadas do “Grupo Privado Holding”, preparadas com referência a Dezembro de 2008, na reexpressão relativamente aos anos de 2006 e 2007, os activos, passivos e resultados originados pela actividade destas sociedades offshore foram incorporados nessas demonstrações financeiras.

152. No contexto destas sociedades (denominadas internamente como “Contas de Recuperação”), e por decisão conjunta dos arguidos AA, BB e CC, assumiu um especial protagonismo o “BPP Cayman”, filial do “BPP”, sedeada nas Ilhas Caimão, designadamente no plano da domiciliação de contas bancárias e da alocação contabilística de operações, incluindo as operações directa ou indirectamente relacionadas com a actividade prosseguida por estas sociedades offshore.

153. O “BPP Cayman” foi constituído em 1997, inicialmente com sede na Cardinal Avenue, Scotia Building, 4.º andar, P.O. Box 30124, SMB Grand Cayman, Ilhas Cayman, encontrando-se autorizado para o exercício de actividade bancária no âmbito desse território desde 21-11-1997, através de licença bancária emitida pelo Governor in Council, daquele território, atribuída após registo no Registrar of Companies – Cayman Islands em 30-10-1997.

154. O “BPP” sempre foi detentor de 100% do capital social do “BPP Cayman”, que, em 2008, era representado por 40.000.000 de acções com o valor nominal de $1,00 cada.

155. O objecto social do “BPP Cayman” consistia, nomeadamente, no exercício, em qualquer parte do mundo, da actividade bancária e de financiamento; na realização de operações financeiras e comerciais; no empréstimo de dinheiro ou na aceitação de depósitos; e ainda na prossecução de todas as actividades que a lei das sociedades comerciais das Ilhas Caimão não proibia; sendo igualmente responsável pela gestão de sociedades cujo objecto consistisse exclusivamente no investimento em valores mobiliários representativos de partes de capital de outras sociedades.

156. No período compreendido entre Setembro de 2006 e Dezembro de 2008, os arguidos AA, BB, CC e as testemunhas OO e MM foram …….. do “BPP Cayman”, não auferindo, pelo exercício das suas funções no “BPP Cayman”, qualquer remuneração adicional à que já auferiam pelo exercício de funções no “BPP”.

157. No período compreendido entre Setembro de 2006 e Dezembro de 2008, o arguido EE e as testemunhas II, XX e NN foram procuradores daquela sociedade, não auferindo, pelo exercício das suas funções no “BPP Cayman”, qualquer remuneração adicional à que já auferiam pelo exercício de funções no “BPP”.

158. O domicílio profissional dos representantes legais do “BPP Cayman” sempre foi a sede do “BPP”, em Lisboa, sendo a partir desta morada em Portugal que eram efectuadas todas as diligências relativas ao “BPP Cayman”.

159. Em 21-11-1997, o “BPP” celebrou com o “BPP Cayman” um contrato denominado Investments Advisory Agreement, nos termos do qual o “BPP” (na qualidade de Investment Advisor) se obrigou a fornecer ao “BPP Cayman” (na qualidade de Investment Manager) aconselhamento com respeito ao investimento e reinvestimento dos activos dos clientes e às políticas de investimento em geral.

160. Este acordo foi assinado pelos arguidos AA e CC, simultaneamente em representação do “BPP” e em representação do “BPP Cayman”, tendo, nos termos desse contrato, sido facturado pelo “BPP” ao “BPP Cayman” um valor pela utilização dos seus recursos.

161. O “BPP Cayman” nunca possuiu quaisquer instalações próprias ou trabalhadores que lhe estivessem exclusivamente afectos, funcionando como mero booking center para operações activas e passivas angariadas pelo “BPP”.

162. A actividade do “BPP Cayman” era suportada pelo mesmo sistema informático do “BPP” (Olympic), sendo as operações imputadas a uma ou a outra entidade consoante a identificação com que o utilizador se registasse no respectivo sistema informático.

163. A generalidade dos produtos financeiros comercializados pelo “BPP” perante os seus clientes consistia em veículos de investimento sedeados em centros offshore e formalmente sob a gestão do “BPP Cayman”.

164. Todos os actos praticados em nome e representação do “BPP Cayman”, pelos seus funcionários e/ou representantes, tiveram exclusivamente em vista o impacto que os mesmos viriam a produzir no património do “BPP”, ainda que indirectamente.

165. Em suma, ainda que, jurídica e formalmente, o “BPP Cayman” e o “BPP” fossem entidades distintas, na prática não havia qualquer autonomia do primeiro em relação ao segundo, sendo a gestão corrente do “BPP Cayman” assegurada pelo “BPP” e em função dos interesses e dos objectivos delineados pelos arguidos AA, CC e BB.

166. No período compreendido entre 2002 e 2005, os arguidos AA, CC e BB decidiram, conjuntamente, que fossem constituídas no “BPP” várias sociedades offshore, que internamente seriam designadas “Contas de Recuperação”, e que as mesmas fossem formalmente consideradas meros clientes da instituição, sociedades essas, porém, cujos UBO e detentores do respectivo capital social eram o “BPP Cayman” ou outras entidades integradas no “Grupo Privado Holding”, tendo o “BPP” assumido todos os direitos e obrigações inerentes à titularidade daquelas sociedades, incorrido nos riscos e benefícios associados à actividade das mesmas, cujas respectivas políticas operacionais foram delineadas e conduzidas por aqueles arguidos.

167. Em concreto, foram constituídas as seguintes sociedades:

a) “Adónis Financial Services Inc.”

(anteriormente denominada “PIAG 3 - Privado Investimento Activo Global 3 INC.” e doravante designada por “Adónis”):


Data de Constituição26-09-2002
Data de Alteração De Denominação14-11-2002
SedeCitco Building, ..., PO Box 662,

..., ..., British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da Genfid Services SA
N.º de Registo51...35
DirectorsGenmanco Corporation
SecretariesGencorp Services SA
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman, Ltd.


b) “Stimulus Company Limited”

(anteriormente denominada “PRI1 INC” e doravante designada por “Stimulus”):

Data de Constituição          28-11-2002


Data de Constituição28-11-2002
Data de Alteração De Denominação08-07-2003
SedeCitco Building,..., PO Box 662,

..., ... British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da Genfid Services SA
N.º de Registo51...39
DirectorsGenmanco Corporation
Secretaries---
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman Ltd.


c) “Timdington Holding Ltd”

(doravante designada por “Timdington”):


Data de Constituição15-01-2002
SedeCitco Building, ... PO Box 662,

..., ..., British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da Genfid Services SA
N.º de Registo47...30
DirectorsGenmanco Corporation
SecretaryGencorp Services, S.A.
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português (Cayman, Ltd.)


d) “Narbak – Comércio Internacional e Consultoria, Lda.”

(doravante designada por “Narbak”):


Data de Constituição12-01-2004
SedeRua ..., n.º ..., ...., Loja ..., ... - Funchal
Capital Social5.000 EUR
Accionistas/SóciosIFS - Consulting and Management Limited

Cella Holdings Group, Inc. (desde 04-07-2005)

NIPC51...72
......JJJ (até 22.02.2006)

LLL (desde 30.06.2005)

Ultimate Beneficial OwnerPrivado Development Capital Promoters Ltd


e) “Tagus Financial Services, Corp.”

(anteriormente denominada “PICL, INC.” e doravante designada por “Tagus”):


Data de Constituição31-10-2002
Data de Alteração De Denominação22-07-2003
SedeCitco Building, ..., PO Box 662,

..., .... British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da Genfid Services SA
N.º de Registo51...34
DirectorsGenmanco Corporation
SecretariesGencorp Services SA
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman, Ltd.


f) “Steller Strategy Inc.”

(anteriormente denominada “Pars2I, Corporation Ltd” e doravante designada por “Steller”):


Data de Constituição18-10-2002
Data de Alteração De Denominação09-05-2003
SedeCitco Building, ..., PO Box 662,

..., ..., British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da Genfid Services SA
N.º de Registo51...45
DirectorsGenmanco Corporation
SecretariesGencorp Services SA
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman, Ltd.


g) “Concave Inc.”

(anteriormente denominada “Pars1, Inc” e doravante designada por “Concave”):


Data de Constituição31-10-2002
Data de Alteração De Denominação08-07-2003
SedeCitco Building, Wickhams Cay, PO Box 662,

Road Box, Tortola, British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da Genfid Services SA
N.º de Registo519229
DirectorsGenmanco Corporation
SecretariesGencorp Services SA
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman, Ltd.


h) “HSX, Ltd.”

(anteriormente denominada “Pri2, Inc” e doravante abreviadamente designada por “HSX”):


Data de Constituição26-09-2002
Data de Alteração De Denominação09-05-2003
SedeCitco Building, Wickhams Cay, PO Box 662,

Road Box, Tortola, British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da Genfid Services SA
N.º de Registo515240
DirectorsGenmanco Corporation
SecretariesGencorp Services SA
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman, Ltd.


i) “Frasema Property Ventures, Ltd”


Data de Constituição12-09-2005
Data de Alteração De Denominação08-12-2005
Sede1ST FLOOR, One Montague Place, East Bay Street, Nassau, Bahamas
Capital Social5.000 USD
AccionistasGenfid Services SA
N.º de Registo140482 B
DirectorsCBT (Bahamas), LTD (até 17-11-2005) e Genmanco Corporation (desde 17-11-2005)
Secretaries---
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman, Ltd.


j) “Melle Holdings Asset Inc.”

(doravante designada por “Melle”):


Data de Constituição27-05-2005
Sede..., Suite ..., ... 1, P.O. Box 3085,

..., ..., British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasBurgundy Consultants Limited e Trafalgar Nominees Limited
N.º de Registo65...14
DirectorsFiduciary Directors (BVI) Limited
SecretariesFiduciary Management Limited
Ultimate Beneficial OwnerPrivado Development Capital Promoters Ltd


k) “Cella Holdings Group Inc.”

(doravante designada por “Cella”):


Data de Constituição27-05-2005
Sede..., Suite..., ... 1, P.O. Box 3085,

..., ..., British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasBurgundy Consultants Limited e Trafalgar Nominees Limited
N.º de Registo65...15
DirectorsFiduciary Directors (BVI) Limited
SecretariesFiduciary Management Limited
Ultimate Beneficial OwnerPrivado Development Capital Promoters Ltd


l) “Thyme Finance, S.A.”

(doravante designada por “Thyme”):


Data de Constituição22-04-2002
Sede..., O.O. Box 364, ..., Belize
Capital Social50.000 USD
AccionistasAcções ao portador com custódia da

Fiduciary Trust Limited

N.º de Registo25...11
DirectorsFiduciary Directors (BVI) Limited
SecretariesFiduciary Management Limited
Ultimate Beneficial OwnerBanco Privado Português Cayman, Ltd


168. As referidas sociedades foram constituídas com intervenção de PP, então ... de risco do “BPP”, de OO e dos arguidos CC e AA.

169. Além das sociedades anteriormente descritas, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, o “BPP” adquiriu, em 21 de Maio de 2007, uma outra sociedade denominada “Oregan Management Ltd” (doravante “Oregan”), a qual serviu os mesmos propósitos das sociedades já identificadas:


Data de Constituição11-01-2007
Sede.... 1, P.O. Box 662, ...,

..., British Virgin Islands

Capital Social50.000 USD
AccionistasZZ
N.º de Registo13...44
DirectorsGenmaco Corporation
Ultimate Beneficial OwnerZZ


170. Embora esta sociedade tenha sido constituída em Janeiro de 2007, as respectivas acções, inicialmente detidas pela sociedade “Genfid Services, SA” (doravante “Genfid”), apenas foram formalmente transferidas, em 21-05-2007, para ZZ (doravante ZZ).

171. ZZ era amigo de longa data do arguido CC e cliente do “BPP”.

172. ZZ apenas viria a assumir formalmente a titularidade da “Oregan”, a pedido do arguido CC, recebendo, como contrapartida, um cheque sacado sobre o “BPP SA”, no valor de €50.000,00, a título de “comissão” pelo “empréstimo” do seu nome.

173. ZZ nunca teve qualquer pretensão de assumir os direitos e obrigações inerentes àquelas participações sociais.

174. Em 01-07-2002, a sociedade “Genfid” acordou com o “BPP Cayman”, na qualidade de UBO da sociedade “Timdington”, que ficaria custodiante das acções representativas do capital social da mesma sociedade por conta do “BPP Cayman”, comprometendo-se, relativamente aos direitos de voto e outros aspectos referentes às acções, a actuar de acordo com as instruções deste “Banco”.

175. Em 28-11-2002, a sociedade “Genfid” acordou com o “BPP Cayman”, na qualidade de UBO relativamente às sociedades “Adónis”, “Stimulus”, “Tagus”, “Steller”, “Concave” e “HSX”, que ficaria custodiante das acções representativas do capital social das referidas sociedades por conta do “BPP Cayman”, comprometendo-se, relativamente aos direitos de voto e outros aspectos referentes às acções, a actuar de acordo com as instruções deste Banco.

176. Em 04-11-2003, o “Fiduciary Trust Limited” acordou com o “BPP Cayman”, na qualidade de UBO da sociedade “Thyme”, que ficaria custodiante das acções representativas do capital social da mesma sociedade por conta do “BPP Cayman”, comprometendo-se, relativamente aos direitos de voto e outros aspectos referentes às acções, a actuar de acordo com as instruções deste “Banco”.

177. Em 15-06-2005, a “Privado Development Capital”, representada pelos arguidos AA e CC, emitiu uma declaração na qual se afirma ser esta sociedade o UBO das sociedades “Cella” e “Melle”.

178. Em 16-06-2005, a “Burgundy Consultants LTD” acordou com a “Privado Development Capital”, na qualidade de último beneficiário das sociedades “Cella” e “Melle”, que ficaria custodiante das acções representativas do capital social das mesmas sociedades por conta do último beneficiário, comprometendo-se, relativamente aos direitos de voto e outros aspectos referentes às acções, a actuar de acordo com as instruções daquele.

179. Em 01-07-2002, o “BPP Cayman”, na qualidade de UBO da sociedade “Timdington”, celebrou com a “Genmanco Corporation”, ... da referida sociedade, e com a “CITCO (Suisse) SA”, agente de serviços fiduciários, um acordo de gestão (Management Agreement), mediante o qual estas últimas se obrigavam a actuar de boa-fé e no interesse da referida sociedade offshore, de acordo com as instruções do UBO, no que respeitasse à administração e gestão das sociedades.

180. Em 28-11-2002, o “BPP Cayman”, na qualidade de UBO, das sociedades “Adónis”, “Stimulus”, “Tagus”, “Steller”, “Concave” e “HSX”, celebrou com a “Genmanco Corporation”, ... das referidas sociedades, e com a “CITCO (Suisse) SA” um acordo de gestão (Management Agreement), mediante o qual estas últimas se obrigavam a actuar de boa-fé e no interesse das sociedades offshore, de acordo com as instruções do UBO, no que respeita à administração e gestão das sociedades.

181. Em 21-11-2005, o “BPP Cayman”, na qualidade de UBO da sociedade “Frasema”, celebrou com a “Genmanco Corporation”, ... da referida sociedade, com a “CITCO (Suisse) SA” e com a “Genfid” um acordo de gestão (Management Agreement), mediante o qual estas últimas se obrigavam a actuar de boa-fé e no interesse da referida sociedade offshore, de acordo com as instruções do UBO no que respeita à administração e gestão da sociedade.

182. As sociedades “Adónis”, “Stimulus”, ambas em 28-10-2002, e “Frasema” em 21-11-2005, celebraram com o “BPP Cayman” contratos de gestão da carteira (Portfolio Management Contract), mediante os quais aquelas sociedades (na qualidade de “clientes”) constituíram como seu mandatário aquele “Banco”, a quem conferiram plenos poderes para, por sua conta, gerir e administrar uma ou mais carteiras de activos financeiros de que os clientes eram ou viessem a ser titulares, ao abrigo dos respectivos contratos.

183. No âmbito desses contratos, foram conferidos ao “BPP Cayman” os poderes de, nomeadamente:

a) Definir os critérios de selecção e composição das carteiras do cliente, prevendo o contrato que as carteiras de activos poderiam sofrer desvalorizações face a variações anormais e/ou imprevisíveis dos mercados em que fossem negociados os valores mobiliários que as integravam;

b) Actuar como contraparte nas operações realizadas em nome e/ou por conta da sociedade (Cliente), incluindo short selling e alavancagem;

c) Adquirir, para a carteira de títulos do Cliente, valores emitidos ou detidos pelo “BPP Cayman” ou ainda por entidades que pertencessem aos órgãos sociais do “BPP Cayman”, valores emitidos por entidades que participassem no capital do “BPP Cayman” e ainda valores emitidos ou detidos por sociedades em que o “BPP Cayman” participasse;

d) Movimentar as contas; e

e) Subscrever, adquirir, trocar, dispor ou exercer os direitos associados às carteiras de activos.

184. Cabia à Direcção de Risco do “BPP” assegurar o funcionamento operacional destas sociedades offshores, bem como a formalização de emissão dos títulos de dívida das mesmas, de acordo com instruções dos arguidos AA, BB e CC.

185. As “Contas de Recuperação” foram constituídas com vista à prossecução dos interesses e dos objectivos delineados pelos arguidos AA, BB e CC, tendo sido geridas, exclusivamente, por colaboradores ou … do “BPP”.

186. Estas sociedades encontravam-se agrupadas essencialmente em função da sua afectação principal, a saber:

a) O Quadrante “Adónis” (assim designado internamente no BPP), composto pelas sociedades “Adónis”, “HSX”, “Steller”, “Concave” e “Stimulus”, encontrava-se essencialmente afecto à área de gestão de Retorno Absoluto e à alocação das respectivas perdas relacionadas com a contratação das garantias de capital e juros no âmbito daquela área de negócio. Este Quadrante foi financiado essencialmente através da emissão dos títulos de dívida PIAG, mas também através da realização de operações de trading com o mercado com vista a recuperar os prejuízos que lhe foram imputados, sendo os montantes obtidos afectos, fundamentalmente, à realização de operações com as carteiras de Retorno Absoluto e com a carteira própria do “Banco”;

b) O Quadrante Tagus (assim designado internamente no “BPP”), composto apenas pela sociedade “Tagus”, encontrava-se essencialmente afecto à área de Retorno Relativo e à alocação das perdas relacionadas com a contratação de garantias de capital no âmbito daquela área de negócio. Este Quadrante foi financiado essencialmente através da emissão dos títulos de dívida MKB, sendo os valores angariados afectos, fundamentalmente, à realização de operações com as carteiras de Retorno Relativo e à realização de operações com a carteira própria do “Banco”;

c) O Quadrante Melle/Privado Selecção (assim designado internamente no “BPP”), composto pelas sociedades “Melle”, “Cella” e “Narbak” encontrava-se essencialmente afecto à área de Private Equity. Este Quadrante foi financiado essencialmente através da emissão dos títulos de dívida MHA, sendo os valores angariados afectos, fundamentalmente, ao parqueamento de posições em veículos de Private Equity, transferindo o risco de balanço destas posições do “BPP” para estas entidades;

d) O Quadrante Timdington (assim designado internamente no “BPP”), composto pelas sociedades “Timdington”, “Oregan” e “Frasema”, não possuía uma afectação específica, mas foi essencialmente utilizado para parqueamento de veículos de Private Equity, alisamento de resultados e pagamentos relacionados com recursos humanos. Este Quadrante foi financiado essencialmente através da emissão dos títulos de dívida PEL, mas também através de operações de trading com obrigações, acções e fundos realizadas com o mercado, no sentido de recuperar os prejuízos que foram sendo imputados às sociedades que o integraram.

187. A gestão operacional destas sociedades estava a cargo das áreas de negócio a que estavam afectas (Retorno Absoluto, Retorno Relativo e Private Equity) e, bem assim, e transversalmente, aos arguidos:

a) EE, a quem, além da gestão operacional das sociedades do Quadrante “Adónis”, cabia a função de colocar os títulos de dívida emitidos pelos diversos Quadrantes em clientes de Retorno Absoluto;

b) CC, a quem cabia a função de transmitir aos referidos directores as decisões tomadas pela Administração, controlando o trabalho desenvolvido pela estrutura operacional do “Banco”;

c) AA, BB e CC, a quem cabia a tomada das decisões estratégicas relativas àquelas sociedades.

188. Em 2008, as operações do “BPP” imputadas às mencionadas “Contas de Recuperação” traduziram-se, em termos agregados:

a) Com referência a 31-01-2008, num total de activos parqueados nestas sociedades no valor de €60.381.416,26, sendo o saldo entre o activo e passivo no valor negativo de €-23.984.621,14, incluindo um valor negativo de Leaving Seagull de €-25.029.331,03, conforme calculado pela Direcção de Operações e ajustado pela Direcção  de Risco;

b) Com referência a 29-02-2008, num total de activos parqueados nestas sociedades no valor de €54.473.422,17, sendo o saldo entre o activo e o passivo no valor negativo de €-27.757.625,49, incluindo um valor negativo de Leaving Seagull de €-22.585.045,71, conforme calculado pela Direcção de Operações e ajustado pela Direcção  de Risco;

c) Com referência a 31-03-2008, num total de activos parqueados nestas sociedades no valor de €52.907.720,00, sendo o saldo entre o activo e passivo no valor negativo de €-33.825.333,52, incluindo um valor negativo de Leaving Seagull de €-26.716.441,45, conforme calculado pela Direcção  de Operações e ajustado pela Direcção de Risco;

d) Com referência a 30-04-2008, num total de activos parqueados nestas sociedades no valor de €51.828.619,37, sendo o saldo entre o activo e passivo no valor negativo de €-31.631.782,69, incluindo um valor negativo de Leaving Seagull de €-23.132.272,06, conforme calculado pela Direcção de Operações e ajustado pela Direcção de Risco;

e) Com referência a 30-05-2008, num total de activos parqueados nestas sociedades no valor de €49.834.157,92, sendo o saldo entre o activo e passivo no valor negativo de €-36.475.357,73, incluindo um valor negativo de Leaving Seagull de €-25.665.452,99, conforme calculado pela Direcção de Operações e ajustado pela Direcção de Risco;

f) Com referência a 30-06-2008, num total de activos parqueados nestas sociedades no valor de €45.572.694,47, sendo o saldo entre o activo e passivo no valor negativo de €-41.332.570,95, incluindo um valor negativo de Leaving Seagull de €-25.927.813,47, conforme calculado pela Direcção de Operações e ajustado pela Direcção de Risco;

g) Com referência a 31-07-2008, num total de activos parqueados nestas sociedades no valor de €29.430.245,59, sendo o saldo entre o activo e passivo no valor negativo de €-55.037.455,30, incluindo um valor negativo de Leaving Seagull de €-25.153.817,37, conforme calculado pela Direcção de Operações e ajustado pela Direcção de Risco.

189. A situação das “Contas de Recuperação” foi objecto de análise e discussão na 1.ª reunião do Comité Alco, em Maio de 2008, na qual participaram os arguidos AA, BB, CC, DD e EE e ainda GG, MM e II.

190. A partir da 2.ª reunião daquele Comité, também o impacto dos activos off balance, incluindo o das “Contas de Recuperação”, passou a ser objecto de análise regular naquele Comité, conforme instruções dadas pelo arguido AA a MM.

191. Em concreto, no âmbito do referido Comité Alco:

a) Foi reportado, a 28-05-2008, o GAP Acumulado de €-31.631.785,00 das “Contas de Recuperação”, com referência a 30-04-2008;

b) Foi reportado, a 20-06-2008, o GAP Acumulado de €-36.475.358,00 das “Contas de Recuperação”, com referência a 30-05-2008, bem como o impacto que o reconhecimento dessas “Contas” teria no rácio de solvabilidade do BPP e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 11,86% para 7,95%;

c) Foi reportado, a 09-07-2008, o GAP Acumulado de €-41.088.785,00 das “Contas de Recuperação”, com referência a 30-06-2008, bem como o impacto que o reconhecimento dessas “Contas” teria no rácio de solvabilidade do “BPP” e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 14,83% para 6,13%;

d) Foi reportado, a 23-07-2008, o GAP Acumulado de €-41.088.785,00 das “Contas de Recuperação”, com referência a 30-06-2008, bem como o impacto que o reconhecimento das “Contas de Recuperação” teria no rácio de solvabilidade da instituição e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 12,36% para 5,11%;

e) Foi reportado, a 11-09-2008, o GAP Acumulado de €-22.578.512,00 das “Contas de Recuperação”, com referência a 31-08-2008, bem como o impacto que o reconhecimento das “Contas de Recuperação” teria no rácio de solvabilidade da instituição e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 9,29% para 4,58%;

f) Foi reportado, a 24-09-2008, o GAP Acumulado de €-22.578.512,00 das “Contas de Recuperação”, com referência a 31-08-2008, bem como o impacto que o reconhecimento das “Contas de Recuperação” teria no rácio de solvabilidade da instituição e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 9,29% para 4,58%;

g) Foi reportado, a 08-10-2008, o GAP Acumulado de €-71.299.696,00 das “Contas de Recuperação”, com referência a 30-09-2008, bem como o impacto que o reconhecimento das “Contas de Recuperação” teria no rácio de solvabilidade da instituição e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 10,43% para 4,80%;

h) Foi reportado, a 22-10-2008, o impacto que, naquela data, o reconhecimento das “Contas de Recuperação” teria no rácio de solvabilidade da instituição e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 10,43% para 4,80%;

i) Foi reportado, a 11-11-2008, o impacto que, naquela data, o reconhecimento das “Contas de Recuperação” teria no rácio de solvabilidade da instituição e que importaria, por si só, o decréscimo daquele rácio de 9,78% para 4,40%.

192. Os arguidos AA e BB participaram em todas as reuniões do Comité Alco, o arguido CC participou em quase todas essas reuniões e os arguidos DD e EE participaram em muitas dessas reuniões.

193. Até à data da decisão de encerramento destas “Contas”, no dia 17 de Novembro de 2008, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, a titularidade, o controlo, os activos e os passivos das sociedades identificadas como “Contas de Recuperação” nunca foram objecto de qualquer registo na contabilidade do “BPP” ou da “Privado Holding”, nem assumidos ou reconhecidos, como devia ter acontecido:

   i. no sistema informático do “BPP”, que a todo o tempo devia reflectir a verdadeira situação financeira e patrimonial do “Banco”, assim como todos os riscos a que o mesmo estava sujeito;

   ii. no âmbito dos reportes a que o “BPP” estava obrigado, designadamente nos inventários de títulos remetidos ao “Banco de Portugal” e nos anexos às publicações anuais, gerados a partir da informação contida no sistema informático do “BPP”;

   iii. através da sua inclusão no perímetro de consolidação ao nível das demonstrações financeiras consolidadas da “Privado Holding”, também geradas a partir da informação contida no sistema informático do “BPP”;

   iv. no decurso de inspecções promovidas pelos supervisores, nomeadamente “Banco de Portugal”, ou de acções de auditoria e de revisão oficial de contas, casos em que foram sempre indicadas terceiras entidades ou pessoas de confiança dos arguidos como beneficiários efectivos das sociedades em causa, o que não tinha correspondência com a realidade.

194. Em 05-09-2008, II, JJ, LL e MM remeteram ao arguido CC e a GG um memorando com o assunto “Sociedades BVI – Identificação do Beneficial Owner”, no qual se referia que para um grupo de sociedades designadas como “Sociedades instrumentais – utilizadas pelo Banco”, era necessário saber quem iriam indicar como beneficiários (“BPP Cayman” ou um terceiro), sendo ainda identificadas as vantagens/desvantagens de a titularidade da sociedades ser assumida pelo “BPP” ou por um terceiro.

195. Nesse documento foi identificada como a principal desvantagem do “BPP Cayman” assumir a titularidade daquelas sociedades, o facto de a CITCO, “quando legalmente obrigada/questionada, indicará o “BPP Cayman” como o beneficiário destas sociedades”, referindo-se igualmente que a utilização de um terceiro como beneficiário “diminui visibilidade e protege a ligação das sociedades ao banco”.

196. Em 23-09-2008, MM remeteu por email ao arguido CC, as apresentações a realizar na reunião da Comissão Executiva daquele dia, nas quais destacava quatro situações para as quais solicitava “uma tomada de decisão” por parte daquele órgão, a saber:

  “i) Timdington já tem titularidade assegurada pelo Eng.º AAA;

   ii) Tagus permanece sem titularidade, e urge obtê-la. Sr. ZZ não é solução adequada, pois foi já escrutinado e inspeccionado por auditores no âmbito da Oregan, e levantou já muitas dúvidas, que foram «contidas». É imperioso e urgente obter nome adequado para assinar, sob pena de se correrem riscos de consolidação da Tagus (para além das dúvidas de formalização societária e aspectos jurídicos);

   iii) recorde-se que em todas as outras Contas de Recuperação - incluindo e destacando-se Leaving Seagull, foi decidido comunicar titular = BPP Cayman;

   (iv) As imputações de resultados de 2008 têm vindo a incidir sobre F/X, Timdington.”.

197. Esta situação veio a ser definitivamente decidida, em data não concretamente apurada, mas anterior a 29-09-2008, pelos arguidos AA, CC e BB, após reuniões efectuadas pelos arguidos CC e EE e por II, GG, MM, OO e JJ, tendo essa decisão ficado a constar de email, enviado a 29-09-2009, por II para os arguidos CC e EE, o qual foi posteriormente reenviado para a Comissão Executiva e para o arguido AA, no qual se mencionava que as seguintes sociedades passariam a ter como “beneficiários” formais:

   i) “Timdington”: AAA;

   ii) “PEL”: AAA;

   iii) “Tagus”: ZZ;

   iv) “Adónis”, “HSX”, “Steller”, “Concave” e “Stimulus”: “BPP Cayman”;

   v) “Leaving Seagull”: “BPP Cayman”;

   vi) Demais sociedades associadas a estratégias de investimento de retorno absoluto e retorno relativo: “BPP Cayman”.

198. AAA (doravante AAA) era amigo de longa data dos arguidos AA e BB, cliente do “BPP” e accionista da “Joma”, controlada pelo primeiro arguido, e através da qual AAA era accionista do “BPP” e da “Privado Holding”.

199. AAA apenas viria a assumir formalmente a titularidade da “Stimulus”, em 12-12-2008, a pedido do arguido BB, nunca tendo tido qualquer pretensão de assumir os direitos e obrigações inerentes àquelas participações.

200. Por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, em data não concretamente apurada mas anterior à sua implementação, no período compreendido entre 2002 e 2008, foram realizadas operações cambiais e com títulos entre as “Contas de Recuperação” e a carteira própria da instituição, com vista a gerar lucros nesta carteira em prejuízo daquelas Contas.

201. Assim, com respeito ao Quadrante Adónis:

a) No ano de 2002, foram realizadas operações cambiais, com obrigações e derivados, entre a “Adónis” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €18.500.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

b) No ano de 2003, foram realizadas operações cambiais entre a “Stimulus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €500.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

c) No ano de 2003, e relativamente à “Stimulus”, foram realizadas operações sobre o título “Brasil 12% 11/06” entre esta sociedade e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €800.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

d) No ano de 2003, foram realizadas operações sobre os títulos Strand Ventures entre a “Adónis” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €10.000.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

e) No ano de 2004, foram realizadas operações cambiais entre a “Stimulus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €1.700.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

f) No ano de 2004, foram realizadas operações cambiais entre a “HSX” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €1.000.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

g) No ano de 2004, foram realizadas operações cambiais entre a “Concave” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €1.000.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

h) No ano de 2004, foram realizadas operações com títulos entre a “Adónis” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €4.200.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

i) No ano de 2004, foram realizadas operações de títulos entre a “Steller” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €1.000.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

j) No ano de 2005, foram realizadas operações cambiais entre a “Concave” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €100.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

k) No ano de 2005, foram realizadas operações cambiais entre a “Steller” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €100.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

l) No ano de 2005, foram realizadas operações cambiais entre a “Adónis” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €2.200.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

m) No ano de 2005, foram realizadas operações cambiais entre a “HSX” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €300.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

n) No ano de 2006, foram realizadas operações cambiais entre a “Concave” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €200.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

o) No ano de 2006, foram realizadas operações cambiais entre a “Stimulus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €100.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

p) No ano de 2006, foram realizadas operações cambiais entre a “Adónis” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €220.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

q) No ano de 2006, foram realizadas operações cambiais entre a “HSX” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €230.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

r) No ano de 2006, foram realizadas operações cambiais entre a “Steller” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €300.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

s) No ano de 2008, foram realizadas operações com obrigações entre a “HSX” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €750.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

t) No ano de 2008, foram realizadas operações com obrigações entre a “Concave” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €1.000.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”.

202. Com respeito ao Quadrante Timdington:

a) No ano de 2002, foram realizadas operações cambiais entre a “Timdington” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente € 2.700.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

b) No ano de 2006, foram realizadas operações cambiais entre a “Timdington” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente € 2.200.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

c) No ano de 2007, foram realizadas operações cambiais entre a “Timdington” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €2.000.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

d) No ano de 2008, foram realizadas operações cambiais entre a “Timdington” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €17.000.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

203. Com respeito ao Quadrante Tagus:

a) No ano de 2003, foram realizadas operações cambiais entre a “Tagus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €4.400.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

b) No ano de 2004, foram realizadas operações cambiais entre a “Tagus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €1.700.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

c) No ano de 2005, foram realizadas operações cambiais entre a “Tagus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €600.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

d) No ano de 2006, foram realizadas operações cambiais entre a “Tagus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €300.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”;

e) No ano de 2007, foram realizadas operações cambiais entre a “Tagus” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €2.500.000,00 daquela sociedade para resultados do “Banco”.

204. No ano de 2008, foram igualmente realizadas operações cambiais entre a “Timdington” e a carteira própria, através das quais foram transferidos sensivelmente €11.000.000,00 a favor da “Timdington”.

205. As referidas operações permitiram, durante o período compreendido entre 2002 e 2008, gerar ficticiamente resultados no valor de €66.600.000,00, conseguindo, assim, os arguidos AA, CC e BB deturpar, também por esta via, o valor dos resultados apurados nos diversos exercícios e, consequentemente, a imagem da situação financeira e patrimonial do “BPP”, reflectida no respectivo sistema informático e nos documentos contabilísticos, gerados a partir do mesmo, e remetidos aos auditores, revisores oficiais de contas e autoridades de supervisão.

206. O reporte destas operações era feito por II, OO e MM ao arguido CC e, a partir de Abril de 2008, também a GG.

207. A instrução de operações cambiais foi um procedimento decidido, em conjunto, pelos arguidos AA, CC e BB, em data não concretamente determinada mas anterior à sua execução, com vista à sua utilização sempre que fosse necessário, para gerar resultados na instituição de forma a assegurar a execução orçamental.

208. Por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, cuja data concreta não se logrou apurar mas anterior à sua implementação, no período compreendido entre 2003 e 2008, as “Contas de Recuperação” foram ainda utilizadas para, através do sistema informático, ajustar as posições das carteiras dos clientes à situação contratada com o “BPP”, designadamente:

a) Mediante a transferência de liquidez das “Contas de Recuperação” para as contas de clientes, sempre que estas apresentassem valores inferiores aos contratados por estes, substituindo-se assim ao “BPP” na satisfação dessa obrigação;

b) Mediante a transferência de liquidez das contas dos clientes para as “Contas de Recuperação”, sempre que aquelas apresentassem valores superiores aos contratados pelo “BPP”.

209. Desta forma, as “Contas de Recuperação” passaram a assumir riscos e benefícios associados às carteiras dos clientes, designadamente apropriando-se de ganhos e assumindo custos que deveriam ter sido directamente registados nas contas do “BPP”, funcionando este mecanismo de gestão para a obtenção de resultados e para a disponibilização de liquidez necessária ao pagamento de clientes.

210. Em concreto, no âmbito do Quadrante “Adónis”:

a) Em 2003, foi creditado na conta da “Stimulus” o valor aproximado de €750.000,00, oriundo de três contas de clientes (BBB, CCC e “Galeford Management”), cujas carteiras apresentavam valorizações que excediam as taxas máximas contratadas;

b) Em 2003, foi creditado na conta da “Steller” o valor de €260.000,00, oriundo de contas de clientes de Retorno Absoluto, cujas carteiras apresentaram valorizações superiores às contratadas;

c) Em 2003, foi creditado na conta da “HSX” o valor de €507.000,00, oriundo de duas contas de clientes de Retorno Absoluto que apresentaram resultados superiores aos contratados;

d) Em 2003, foram creditadas na conta da “Concave” quatro transferências no valor aproximado de €650.000,00, oriundos de contas de clientes de Retorno Absoluto, cujas carteiras apresentaram valorizações superiores às contratadas;

e) Em 2004, foram transferidos cerca de €9.500.000,00 da conta da “Adónis” para contas de clientes de Retorno Absoluto (“Tienhung Limited”, DDD, EEE, Hospital de Santarém e Fundação Bissaya Barreto), em virtude de, designadamente, as valorizações das suas carteiras se encontrarem abaixo da responsabilidade contratada com o “BPP”;

f) Em 2004, foi creditado na conta da “Stimulus” o valor aproximado de €700.000,00, oriundo de contas de três clientes (“Tienhung Limited”, DDD e EEE), cujas carteiras apresentavam valorizações que excediam as taxas máximas contratadas;

g) Em 2004, foi creditado na conta da “Steller” o valor de €825.000,00, proveniente da conta do cliente “Tienhung Limited”, cuja carteira apresentava uma valorização excessiva face ao contratado;

h) Em 2004, foi creditado na conta da “Concave” o valor de €800.000,00, proveniente das contas dos clientes “Tienhung Limited”, DDD e EEE, cujas carteiras apresentavam uma valorização excessiva face ao contratado;

i) Em 2007, foi transferido da conta da “Adónis” o valor de €318.793,12 para as contas de dois clientes de Retorno Absoluto (“Mac & Associates” e “Ruby Group S.A.”), cujos valores das carteiras não atingiam as rentabilidades contratadas.

211. Em data não concretamente determinada mas anterior à sua implementação, os arguidos AA, BB e CC decidiram que seriam colocados (“parqueados”) nas “Contas de Recuperação” os activos da carteira própria do “BPP”, cuja titularidade não interessasse reconhecer contabilisticamente, desde logo, no seu sistema informático, a fim de, como veio a ocorrer entre 2004 e 2008, tais situações não fossem do conhecimento dos auditores, revisores oficiais de contas, autoridades de supervisão e de, desse modo, contornar os limites prudenciais que incidiam sobre a instituição, os quais, como os arguidos AA, BB e CC bem sabiam, vieram a ser ultrapassados, de forma permanente, a partir de 30 de Maio de 2008.

212. No seguimento deste propósito, no respeita ao Quadrante Timdington:

a) Em 2004, a “Timdington” adquiriu uma participação no veículo de Private Equity denominado Holma, que se encontrava na carteira própria do “BPP”, pelo valor aproximado de €3.200.000,00;

b) Em 01-02-2008, mas com data-valor, respectivamente, de 15-03-2007 e 27-04-2007, a “Timdington” foi utilizada para parquear duas posições em contratos de equity option, que tinham como objecto acções do “BCP”, e que se encontravam na carteira própria do “Banco”.

213. No que respeita ao Quadrante Melle, em 2005, a sociedade “Narbak” adquiriu à carteira própria posições nos fundos (i) GED Iberian Fund; (ii) Fondinvest V; (iii) GED Eastern Europe Fund; e (iv) Stratus Fmieee, posições essas que viriam a ser alienadas à “PCapital” em 2008.

214. Estas sociedades adquiriram ainda participações a outras sociedades integralmente detidas pelo “Grupo Privado Holding”, com o mesmo objectivo, designadamente:

a) Em 2005, a “Timdington” adquiriu uma participação no veículo de Private Equity denominado Strand Venture, por venda do cliente 2209, no valor aproximado de €14.200.000,00;

b) Em 2005, a “Timdington” adquiriu participações no veículo de Private Equity denominado Ceará à “Frasema” (offshore em que o último beneficiário era o “BPP Cayman”), no valor aproximado de €1.900.000,00;

c) Em 2008, a sociedade “Timdington” adquiriu uma participação no veículo denominado “Privado Financeira” (criado em Março de 2007, com o objectivo de realizar investimentos no sector financeiro) à sociedade “Kinetics, SGPS, S.A.” (sociedade 100% detida pela “PCapital”), no valor de €7.644.000,00.

215. No período compreendido entre 2002 e 2008, também por decisão conjunta dos arguidos AA, BB e CC, foram ainda colocados (“parqueados”) nas designadas “Contas de Recuperação” diversos activos que consubstanciavam oferta da própria instituição não colocada nos seus clientes.

216. Assim, no que respeita ao Quadrante Adónis, foram colocadas, em 31-10-2002, na “Adónis” participações nos veículos de Private Equity: i) Freeman Investments (veículo …….); ii) Strand Ventures (veículo …); iii) e Whangarei Investments Limited (“veículo ……”), no valor aproximado de €22.500.000,00, os quais não haviam sido colocados em clientes.

217. No que respeita ao Quadrante Timdington, foi parqueado na “Timdington”, em 19-08-2002, uma posição nos veículos de Private Equity Strand Ventures (veículo...), no valor aproximado de €12.500.000,00, e, em 13-09-2002, uma posição no veículo Private Equity Imobiliário Ceara, num valor aproximado de €1.100.000,00, os quais não haviam sido colocados em clientes.

218. No que respeita ao Quadrante Tagus:

a) Em 2003, foram parqueadas na “Tagus” posições nas estratégias de Retorno Relativo “Global Hedge”, “Multi-Strategy” e “Iberian Opportunities”, no valor de €7.200.000,00, os quais não haviam sido colocados em clientes;

b) Em 2008, foram ainda colocados nesta sociedade as estruturas 3Y Equity Swap Basket (“Intesa San Paulo”, “National Bank of Greece” e “Banco Santander”) e 3Y Equity Swap Basket (“UBS”, “Fortis Bank” e “Banco Santander”), as quais não foram colocadas em clientes.

219. Entre 2004 e 2008, a sociedade “Tagus” passou a ser utilizada como contraparte para os clientes que queriam comprar e vender estratégias de Retorno Relativo.

220. Por decisão dos arguidos AA, BB e CC, foi igualmente utilizada a conta da “Stimulus”, n.º …82, para concentração negativa dos saldos remanescentes nas “Contas de Recuperação”.

221. Ao decidirem conjuntamente ocultar aos auditores, revisores oficiais de contas e ao “Banco de Portugal” a colocação destes activos nas “Contas de Recuperação” e o controlo destas pelo “BPP”, os arguidos AA, CC e BB visaram conseguir que o “BPP” não reconhecesse aqueles veículos nas suas contas, com as inerentes implicações em sede de fundos próprios, designadamente, para evitar os constantes aumentos de capitais próprios que a titularidade daquelas posições representava.

Os contratos de Equity Option sobre o “BCP” celebrados entre o “BPP” e o “Banco Santander”:

222. Do procedimento de adquirir activos à carteira própria do “Banco” com vista a não reconhecer contabilisticamente prejuízos ou a titularidade de determinadas posições destacam-se as operações com os contratos de equity option.

223. Assim, em 13-03-2007, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, o “BPP”, representado pelo arguido CC e por II, celebrou com o “Banco Santander de Negócios Portugal, S.A.” (doravante, “Banco Santander”) um ISDA Master Agreement, ao abrigo do qual viriam a ser contratadas as seguintes duas operações de equity swap (doravante “contratos de equity option”), assinadas, em representação do “BPP”, pelos arguidos AA e CC, cujo activo subjacente consistia em acções do “Banco Comercial Português, S.A.” (doravante “BCP”):

a) A primeira, em 15-03-2007, mas com data de 13-03-2007, com primeira data de pagamento a 15-03-2007, e com o valor nocional de €25.000.000,00, sendo o “Banco Santander” o vendedor e o “BPP” o comprador, com vencimento em 18-03-2008;

b) A segunda, em 24-04-2007, com primeira data de pagamento a 27-04-2007, e com o valor nocional de €25.000.000,00, sendo o “Banco Santander” o vendedor e o “BPP” o comprador, com vencimento em 24-04-2008.

224. Para cada contrato foi acordado um intervalo de cotações para a acção “BCP”, dentro do qual as partes não efectuavam quaisquer pagamentos entre si; com a cotação da acção do “BCP” acima desse intervalo, a opção comprada pelo “BPP” estaria in the money e o “Banco Santander” estaria obrigado a efectuar o pagamento de uma quantia pré-estabelecida ao “BPP”; com a cotação da acção do “BCP” abaixo deste intervalo, a opção vendida pelo “BPP” estaria out of the money e o “BPP” estaria obrigado a pagar ao “Banco Santander” uma quantia pré-estabelecida.

225. Na prática, com a desvalorização das acções do “BCP”, o “BPP” perderia dinheiro, como veio a ocorrer.

226. Em cumprimento de uma ordem do arguido AA, estes contratos de opção foram negociados por NN, … do Retorno Relativo, em nome e em representação do “BPP”.

227. Por acordo celebrado a 04-05-2007 (substituído por novo acordo celebrado a 31-01-2008 e, posteriormente, revisto a 08-07-2008), o “BPP” constituiu, junto do “Banco Santander”, uma conta-margem associada aos contratos de equity option, vinculando-se perante o “Banco Santander” a depositar numa conta bancária o valor correspondente à soma de um determinado valor fixo com o valor que seria devido pelo “BPP” ao “Banco Santander”, se positivo, caso os contratos de equity option cessassem a sua vigência no dia prévio à data de referência.

228. Em Janeiro e Julho de 2008, ambos os contratos foram objecto de revisão, tendo sido ajustadas as fórmulas de cálculo e alargado o seu horizonte temporal (Amendments 1 e 2). Assim:

a) O Amendment 1 ao contrato de 13-03-2007 foi assinado pelos arguidos CC e DD, em 22-01-2008, e o Amendment 2 foi assinado pelo arguido EE, em 08-07-2008;

b) O Amendment 1 ao contrato de 24-04-2007 foi assinado pelos arguidos CC e DD, em 22-01-2008, e o Amendment 2 foi assinado pelo arguido EE, em 09-07-2008.

229. Dada a desvalorização das acções do “BCP”, em 28-01-2008 as perdas eram no valor de €5.355.743,94.

230. Em 01-02-2008, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, as posições naqueles contratos foram transferidas, com data-valor, respectivamente, de 15-03-2007 e 27-04-2007, para a conta n.º ..., pertencente à sociedade offshore “Timdington”, cujo controlo pelo “BPP” não era, à data, conhecido externamente, com o intuito de evitar o seu registo contabilístico, tanto no sistema informático, como nos documentos daquela natureza gerados a partir do mesmo, e, assim, impedir que os auditores, revisores oficiais de contas e supervisores tivessem conhecimento da celebração desse contrato pelo “BPP”, de forma a evitar qualquer alteração nos fundos próprios do “Banco”.

231. Em consequência dessa transferência, a partir de 01-02-2008, as posições nestes contratos passaram a produzir os seus efeitos na referida conta da sociedade “Timdington”, sendo dado conhecimento ao arguido CC da avaliação mensal destes contratos no âmbito das análises de performance, à Comissão Executiva, da qual também faziam parte os arguidos BB e DD e, a partir de Abril de 2008, o arguido EE e GG, através das “Análises DRA/Opções BCP” e ao arguido AA em reuniões do Comité Alco.

232. Em 31-10-2008, o justo valor dos equity option ascendia a €-35.590.535,00, deduzido do valor do depósito do “BPP”, à data, no valor de €5.700.000,00.

233. Em reunião realizada, a 17-11-2008, de manhã, na qual também estiveram presentes designadamente os arguidos DD e EE e ainda GG, os arguidos CC e BB decidiram, tendo a concordância do arguido AA, alocar as perdas relativas aos contratos de equity option à sociedade “Stimulus”, controlada pelo “BPP”, para posterior reconhecimento no balanço de uma provisão por imparidade de crédito concedido a esta sociedade.

234. Também por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB, em 30-11-2008, mas com datas-valor de, respectivamente, 15-03-2007 e 27-04-2007 (data dos contratos iniciais celebrados com o “Banco Santander”), estas posições foram transferidas da conta da “Timdington”, com o n.º …26, para a conta da sociedade “Stimulus”, com o n.º …99, com vista a serem formalmente imputadas a esta sociedade.

235. Também em cumprimento das instruções dos arguidos AA, BB e CC, em 30-11-2008, foi dada a ordem de transferência do valor de €44.175.842,99, da conta n.º ...82 para a conta n.º …99, ambas pertencentes à “Stimulus”, para efeitos de constituição de contas-margem, associadas aos contratos de equity option.

236. O referido valor foi transferido, por parte do “BPP Cayman”, a título de imparidade para crédito, a favor da “Stimulus”.

237. Em data não concretamente apurada de Novembro de 2008, com o intuito de formalmente adequar os contratos de equity option, às transferências que já tinham sido realizadas ou que ainda se estavam a efectuar, foram celebrados vários contratos entre o “BPP” e o “BPP Cayman”, sendo o contrato de equity option, assinado em representação do “BPP” pelo arguido DD, e em representação do “BPP Cayman” pelo arguido CC; e os restantes contratos de Confirmação de equity swap e de Aditamentos às Confirmações, assinados em representação do “BPP”, pelos arguidos AA e DD, e em representação do “BPP Cayman”, pelos arguidos BB e CC, tendo, em todos eles, sido apostas datas anteriores, idênticas às datas de celebração dos contratos de equity option com o “Banco Santander” e dos respectivos aditamentos.

238. Posteriormente, e apesar de os arguidos AA, BB e CC terem procurado, através de contratos, transferir formalmente a posição dos contratos de equity option do “BPP Cayman” para a sociedade “Stimulus”, onde tais posições, aliás, já se encontravam, essa transferência nunca chegou a concretizar-se, em virtude de AAA, que formalmente figurava como UBO da “Stimulus”, se ter recusado a assinar tais contratos.

239. Apesar de os contratos celebrados entre o “BPP” e o “BPP Cayman” relativos aos dois contratos de equity option, não houve qualquer transferência do risco daquele para este, continuando o “BPP” a assumir todas as responsabilidades inerentes ao cumprimento das obrigações contratadas junto do “Banco Santander”.

240. Por deliberação de 07-08-2009 do Conselho de Administração do “BPP”, nomeado pelo “Banco de Portugal”, foram anuladas as operações de transferência supra mencionadas e reconhecidos aqueles contratos na contabilidade do “BPP”.

241. Em concreto, foram realizadas as seguintes operações:

a) Nas contas do “BPP Cayman”:

   (i) foi anulado o registo das equity option na carteira própria da “Stimulus” e estornado o reflexo das contas-margem junto desta sociedade; com este movimento, a “Stimulus” deixou de ter um descoberto junto do “BPP Cayman”;

   (ii) foram anulados os juros que tinham sido especializados indevidamente por via do descoberto no montante de €665.790,00;

   (iii) foi revertida a imparidade constituída para o descoberto da “Stimulus”, a qual, em 31-07-2008, correspondia ao valor de mercado das equity option.

b) Nas contas do “BPP” foi registado o justo valor das equity option na carteira própria que, a 31-08-2009, ascendia a €-36.910.000,00, deduzido o valor do depósito do “BPP”, no montante de €5.700.000,00.

242. A partir da celebração destes dois contratos no primeiro semestre de 2007, os mesmos deveriam ter sido divulgados, bem como deveriam ter sido registadas as perdas que viessem a ocorrer, quer no sistema informático do “Banco” quer nos documentos contabilísticos obtidos através desse sistema informático, factos que os arguidos AA, CC e BB bem sabiam.

243. No entanto, por decisão conjunta dos arguidos AA, CC e BB esses contratos não foram divulgados, nem foi assumida qualquer perda até 28-11-2008, data em que já haviam transferido a posição desses dois contratos para o “BPP Cayman”.

Operações entre as estratégias de Retorno Absoluto e a conta n.º …..82:

244. Na manhã do dia 17-11-2008, após a descida de notação (“rating”) do “BPP” e da previsível intervenção do “Banco de Portugal”, os arguidos BB, EE, DD e CC e ainda GG e alguns outros directores reuniram-se, tendo ficado decidido encerrar as “Contas de Recuperação” e reconhecer os prejuízos emergentes daquelas contas, no valor total aproximado de €80.000.000,00, do seguinte modo:

a) Quanto à perda correspondente aos prejuízos emergentes dos contratos de equity option, no valor aproximado de €40.000.000,00, seria assumida através do reconhecimento no balanço do “BPP” de uma provisão para crédito, que decorreria da imparidade de um crédito que seria concedido à “Stimulus” para esse efeito; e

b) Quanto à perda dos demais prejuízos alocados às “Contas de Recuperação”, no valor aproximado de €40.000.000,00, seriam reconhecidos directamente pelo “BPP”.

245. A decisão de reconhecer os €40.000.000,00 directamente na contabilidade do “BPP”, foi comunicada pela Comissão Executiva, nessa reunião de manhã, para que fosse executada, aos directores MM, OO e II.

246. Porém, na sequência de um almoço entre os arguidos AA, CC, BB, DD e EE e ainda GG, realizado naquele mesmo dia 17-11-2008, por decisão do arguido AA, a que aderiu o arguido BB, foi determinado que, de modo a ocultar o prejuízo de €40.000.000,00, correspondente à metade das perdas totais com as “Contas de Recuperação”, o mesmo teria de ser imputado a estratégias de Retorno Absoluto.

247. Os arguidos AA e BB sabiam que essa transferência, de modo a não ser associada à descida do rating e mais facilmente detectada pelo “Banco de Portugal”, teria necessariamente de ser efectuada, como foi, através da introdução, no sistema informático do “BPP”, de ordens de compra e venda de títulos entre as estratégias e a “Stimulus”, com datas-valor anteriores à do dia em que foi determinada por aqueles arguidos.

248. Na sequência desta decisão, o arguido EE reiterou a sua oposição àquela solução, tendo igualmente os restantes …….– os arguidos CC e DD, bem como GG – manifestado as suas reservas quanto à afectação dos prejuízos a clientes de Retorno Absoluto.

249. FFF, então ...a de Asset Management, foi instruída por MM, II e OO, no sentido de transferir €40.000.000,00 das contas de Retorno Absoluto para a conta n.º ...82, número que lhe foi fornecido e, mais tarde, novamente confirmado por aqueles três directores.

250. O número de conta a creditar, indicado por MM, II e OO, foi-lhes confirmado pelo arguido DD, após validação do arguido BB.

251. Assim, em cumprimento da decisão do arguido AA, a que aderiu o arguido BB, de afectar o montante de €40.000.000,00 às estratégias de Retorno Absoluto, nesse mesmo dia 17-11-2008, mas com data-valor de 05-11-2008, foram realizadas 25 operações de compra e 25 operações de venda, do título DBR 4,25% Jul/39, entre 25 estratégias de investimento de Retorno Absoluto com garantia de capital e a conta n.º ....

252. Em concreto, foram realizadas as seguintes operações:

#DataClienteContraparteOperaçãoTítuloValorTraderSaldo
105/11/2008...82STLUSDCompra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82STLUSDVenda49.371.917,81 €
205/11/2008...82STLC 13Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82STLC 13Venda49.371.917,81 €
305/11/2008...82STLI 14Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82STLI 14Venda49.371.917,81 €
405/11/2008...82PRIFCompra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PRIFVenda49.371.917,81 €
505/11/2008...82POPCompra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82POPVenda49.371.917,81 €
605/11/2008...82PIHY 41Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 41Venda49.371.917,81 €
705/11/2008...82PIHY 36Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 36Venda49.371.917,81 €
805/11/2008...82PIHY 42Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 42Venda49.371.917,81 €
905/11/2008...82PIHY 39Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 39Venda49.371.917,81 €
1005/11/2008...82PIHY 37Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 37Venda49.371.917,81 €
1105/11/2008...82PIHY 35Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 35Venda49.371.917,81 €
1205/11/2008...82PIHY 33Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 33Venda49.371.917,81 €
1305/11/2008...82PIHY 31Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 31Venda49.371.917,81 €
1405/11/2008...82PIHY 22Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIHY 22Venda49.371.917,81 €
1505/11/2008...82PIAP 2.07Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP 2.07Venda49.371.917,81 €
1605/11/2008...82PIAP 32Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP 32Venda49.371.917,81 €
1705/11/2008...82PIAP 31Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP 31Venda49.371.917,81 €
1805/11/2008...82PIAP 29Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP 29Venda49.371.917,81 €
1905/11/2008...82PIAP 27Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP 27Venda49.371.917,81 €
2005/11/2008...82PIAP 26Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP 26Venda49.371.917,81 €
2105/11/2008...82PIAP 23Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP 23Venda49.371.917,81 €
2205/11/2008...82PIAP21Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP21Venda49.371.917,81 €
2305/11/2008...82PIAP14Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82PIAP14Venda49.371.917,81 €
2405/11/2008...82LIPCompra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82LIPVenda49.371.917,81 €
2505/11/2008...82ALP 6Compra50.471.917,81 €- 1.100.000,00 €
05/11/2008...82ALP 6Venda49.371.917,81 €
TOTAL -  27.500.000,00 €

253. Através de cada uma destas operações, cada estratégia efectuou, simultaneamente, uma compra por €50.471.917,81 e uma venda por €49.371.917,81, registando assim uma perda de €1.100.000,00, o que importou um proveito total de €27.500.000,00 para o titular da conta n.º ....82

254. Nesse mesmo dia 17-11-2008, mas com data-valor de 07-11-2008, foram efectuadas 25 novas operações de compra e 25 novas operações de venda do mesmo título entre as mesmas estratégias e o mesmo cliente.

255. Em concreto, foram realizadas as seguintes operações:

#DataClienteContraparteOperaçãoTítuloValorTraderSaldo
107/11/2008...LIPCompra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...LIPVenda50.233.561,64 €
207/11/2008...ALP 6Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...ALP 6Venda50.233.561,64 €
307/11/2008...PIAP14Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP14Venda50.233.561,64 €
407/11/2008...PIAP21Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP21Venda50.233.561,64 €
507/11/2008...PIAP 23Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP 23Venda50.233.561,64 €
607/11/2008...PIAP 26Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP 26Venda50.233.561,64 €
707/11/2008...PIAP 27Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP 27Venda50.233.561,64 €
807/11/2008...PIAP 29Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP 29Venda50.233.561,64 €
907/11/2008...PIAP 31Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP 31Venda50.233.561,64 €
1007/11/2008...PIAP 32Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP 32Venda50.233.561,64 €
1107/11/2008...PIAP 2.07Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIAP 2.07Venda50.233.561,64 €
1207/11/2008...PIHY 22Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 22Venda50.233.561,64 €
1307/11/2008...PIHY 31Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 31Venda50.233.561,64 €
1407/11/2008...PIHY 33Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 33Venda50.233.561,64 €
1507/11/2008...PIHY 35Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 35Venda50.233.561,64 €
1607/11/2008...PIHY 37Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 37Venda50.233.561,64 €
1707/11/2008...PIHY 39Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 39Venda50.233.561,64 €
1807/11/2008...PIHY 42Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 42Venda50.233.561,64 €
1907/11/2008...PIHY 36Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 36Venda50.233.561,64 €
2007/11/2008...PIHY 41Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PIHY 41Venda50.233.561,64 €
2107/11/2008...POPCompra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...POPVenda50.233.561,64 €
2207/11/2008...PRIFCompra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...PRIFVenda50.233.561,64 €
2307/11/2008...STLI 14Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...STLI 14Venda50.233.561,64 €
2407/11/2008...STLC 13Compra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...STLC 13Venda50.233.561,64 €
2507/11/2008...STLUSDCompra50.733.561,64 €-   500.000,00 €
07/11/2008...STLUSDVenda50.233.561,64 €
TOTAL - 12.500.000,00 €

256. Através de cada uma destas operações, cada estratégia efectuou, simultaneamente, uma compra por €50.733.561,64 e uma venda por €50.233.561,64, registando assim uma perda de €500.000,00, o que importou um proveito total de €12.500.000,00 para o titular da conta n.º ....82

257. Das operações de compra e venda do título “DBR 4,25% Jul/39”entre as 25 estratégias de investimento de Retorno Absoluto e a conta n.º ….82, resultou um prejuízo total de €40.000.000,00 para as primeiras a favor da conta n.º ....82, tendo cada estratégia perdido €1.600.000,00.

258. No dia 28-11-2008, e após uma denúncia anónima, no decurso de uma inspecção do “Banco de Portugal” ao “BPP”, estas operações foram detectadas pelos técnicos dessa autoridade de supervisão.

259. No dia 28-11-2008, os montantes em causa ainda não se encontravam registados na conta de destino, a conta n.º ...82, a qual também não apresentava, à data, quaisquer outros movimentos, uma vez que as verbas retiradas das contas das estratégias ainda estavam contabilizadas (“em trânsito”) numa conta de regularização do “BPP” (conta n.º ….30).

260. Nessa data, a conta n.º ...82 era titulada pela sociedade “Oregan”, cujo UBO, que era ZZ, detinha uma outra conta com um saldo credor de €4.177.210,76.

261. No dia 01-12-2008, dia feriado, o arguido EE – na sequência dos diversos pedidos de informação formulados pelo “Banco de Portugal” sobre estas operações – comunicou, por email, aos …….. AA, BB, CC, GG e DD, e aos directores MM, II, OO e JJ, o seu desagrado e desacordo com a afectação das contas dos clientes de Retorno Absoluto com aquelas operações, “agravado pela actual situação, dado poder prejudicar o valor a receber pelos clientes investidos nas estratégias afectadas que eventualmente resgatem antecipadamente”, sugerindo, nesse mesmo email, a reversão das operações.

262. Somente após os pedidos de informação do “Banco de Portugal” sobre estas operações é que, na tarde do dia 01-12-2008, foi decidido reverter as mesmas, tendo, para esse efeito, o arguido EE instruído OO para que se procedesse à anulação daquelas compras e vendas, o que, de imediato, foi feito.

263. No dia 02-12-2008, a referida conta n.º ...82 apresentava os seguintes movimentos, processados durante o fim-de-semana, com datas-valor anteriores:

a) Operações de compra e venda do título “DBR 4,25% Jul/39” com as 25 estratégias de investimento, com datas-valor de 5 e 7 de Novembro de 2008 (ganho de €40.000.000,00);

b) Estorno das operações de compra e venda do título “DBR 4,25% Jul/39” com as 25 estratégias de investimento (prejuízo de €40.000.000,00);

c) Saída de fundos no montante total de €44.175.842,99 euros para a conta n.º …..99 do cliente “Stimulus”, destinados à constituição das contas-margem associadas aos contratos de equity option, mediante a realização das seguintes transferências:

   (i) débito, com data-valor de 03-11-2008, no valor de €22.449.349,08;

   (ii) débito, com data-valor de 12-11-2008, no valor de €15.374.501,64;

   (iii) débito, com data-valor de 17-11-2008, no valor de €6.204.649,63;

   (iv)  débito, com data-valor de 20-11-2008, no valor de €147.342,64.

d) Dotação, por parte do “BPP”, da conta n.º ...82, do cliente “Oregan”, no valor de €44.177.210,76, por contrapartida de contas de regularização e posteriormente de custos do “BPP”, relativos à regularização dos contratos de equity option.

264. No dia 02-12-2008, primeiro dia útil após o “BPP” ter sido interpelado sobre o assunto pelo “Banco de Portugal”, a conta n.º ....82 continuava a ser titulada pelo cliente “Oregan”.

265. Contudo, no dia 03-12-2008, a conta n.º …..82 já pertencia à sociedade “Stimulus”.

CDS Lehman Brothers:

266. Em 21-12-2007, foi adquirido para a carteira própria do “BPP” um Credit Default Swap Banco Hypovereinsbank, com exposição ao título Lehman Brothers (CDS Lehman Brothers), sendo-lhe atribuído o código ......10 no sistema central Olympic, com um valor nocional de €10.000.000,00.

267. No final do dia 14-09-2008, altura em que foi tornada pública a notícia sobre o iminente pedido de protecção de credores por parte da “Lehman Brothers”, o referido CDS era detido na carteira própria do “BPP”.

268. Em 15-09-2008, a instituição “Lehman Brothers” apresentou, então, oficialmente o seu pedido de protecção de credores perante as autoridades norte-americanas, e, a partir desse momento, o “BPP” equacionou como muitíssimo provável constituir-se na obrigação de pagamento do prémio contratado.

269. O arguido EE deu, no dia 15-09-2008, verbalmente conhecimento dessa situação aos arguidos AA e BB, com os quais acordou, de modo a não afectar os resultados do “Banco”, a transferência, com data anterior à de 15-09-2008, e através do sistema informático do “BPP”, do CDS Lehman Brothers para as estratégias do Retorno Absoluto.

270. Nesse mesmo dia 15-09-2008, e de modo a formalizar o acordo verbal obtido com os arguidos AA e BB, o arguido EE enviou um email, às 17h45, aos arguidos BB, CC, DD e AA, assim como a GG, com o assunto “Alocação de CDS envolvendo a “Lehman Brothers”, no qual esclareceu que, caso não existisse desacordo dos destinatários do referido email com o procedimento, seria solicitado à contabilidade que afectasse contabilisticamente o prejuízo do CDS Lehman Brothers às carteiras sob gestão discricionária, devendo essa afectação efectuar-se com data posterior a 20 de Junho e antes do final de Junho.

271. Assim, em 16-09-2008, às 08h36, em face da inexistência de qualquer oposição ao referido email, o arguido EE deu instruções a MM, por email, e com conhecimento aos …….. do “BPP” e ao arguido AA, para proceder à transferência do referido CDS Lehman Brothers para as carteiras de gestão discricionária.

272. Nesse mesmo dia, o arguido EE, na sala de mercados, e com o acordo dos arguidos AA, BB e CC, ordenou verbalmente a FFF que transferisse o CDS com exposição à Lehman Brothers, da carteira própria do “BPP” para uma SPE de Retorno Absoluto com garantia de capital, mas utilizando uma data-valor anterior a 15-09-2008.

273. Solicitou ainda, nos termos acordados e com o intuito de ocultar a data verdadeira da referida operação, a FFF que confirmasse com MM a data de pagamento do último cupão do referido CDS Lehman Brothers (que teria ficado registada no sistema) e que transferisse esse CDS com data imediatamente a seguir, devendo fazer tal transferência de maneira a que a transacção não ficasse registada no sistema de correio electrónico da instituição.

274. Em execução da ordem recebida pelo arguido EE, FFF imprimiu um email sem cabeçalho e alterou a data respectiva para 20-06-2008, simulando uma ordem de transferência do CDS ... da carteira própria para a PIAP 25, com data-valor de 20-06-2008, o qual entregou, em mão, a GGG, vindo essa transferência a efectivar-se com data-valor de 20-06-2008.

275. A “Lehman Brothers” veio, efectivamente, a entrar em insolvência e, em 22-10-2008, apurou-se que o montante que o “BPP” tinha de pagar por conta deste CDS era de €9.127.722,22.

276. Desta forma, foi a PIAP 25, e não a carteira própria do “BPP”, que reconheceu o prejuízo emergente da insolvência do “Lehman Brothers”, no montante de €9.127.722,22.

277. A estratégia PIAP 25 consistia numa estratégia de Retorno Absoluto com garantia, cujas loan notes se encontravam subscritas por 41 clientes.

278. Tratando-se de um CDS detido pelo “BPP” na sua carteira própria, imediatamente após o conhecimento do pedido de protecção de credores da “Lehman Brothers”, os arguidos AA, CC, BB e EE, ao invés de terem transferido esse título para a PIAP 25, deveriam ter, de imediato, assumido essa situação na contabilidade do “BPP”, primeiro como provisão e depois como perda efectiva.

279. Em 30-04-2009, a Administração do “BPP”, nomeada pelo “Banco de Portugal”, procedeu ao estorno desta transacção, voltando a colocar o Credit Default Swap Banco Hypovereinsbank, com o código …...10, na carteira própria do “Banco”, procedendo igualmente às necessárias correcções nas respectivas demonstrações financeiras, de maneira a que os prejuízos resultantes deste CDS, que se encontravam indevidamente nas carteiras dos clientes da PIAP 25, passassem para as contas do “BPP”, referentes a 31-12-2008.

Os contratos celebrados entre o “BPP” e o “BPI”:

280. Em 31-12-2006, o “BPP” tinha em curso um programa de atribuição de 8.960.413 acções aos seus colaboradores e a três dos seus administradores, relativamente ao quadriénio 2004-2007, nos termos do qual cada colaborador e cada um dos três administradores do “Banco” poderiam adquirir um determinado número de acções da “Privado Holding”, condicionado ao seu desempenho e à sua permanência nos quadros do “Banco” durante aquele período.

281. Estas acções encontravam-se na posse do “Partners Equity Trust”, entidade constituída sob as leis da República da Nova Zelândia, cabendo a sua gestão a um …. da administração do “BPP” e a um outro quadro directivo do “Banco”.

282. De acordo com a política contabilística seguida pelo “BPP” até 31-12-2007, os custos com o programa de atribuição de acções eram periodificados em custos com pessoal, por contrapartida da rúbrica “Outros instrumentos de capital”, sendo o prémio das opções na data de atribuição periodificado de forma linear desde o início do programa (01-01-2004) até à respectiva data de disponibilização ao colaborador.

283. Em 02-05-2007, os arguidos AA, BB, CC e DD deliberaram celebrar um contrato de opção entre o “BPP” e o “Banco BPI, S.A.” (doravante “BPI”), no âmbito do Programa de Stock Options 2004-2007, nos termos do qual viriam a consagrar-se “(i) os termos e condições dos contratos de empréstimo destinados a financiar o pagamento do preço global de aquisição da acções atribuídas a cada um dos colaboradores e (ii) os termos e condições em que o “BPP” fica obrigado ou tem o direito, a adquirir as acções de que o “BPI” se venha a tornar titular no âmbito do contrato de empréstimo celebrado com cada colaborador”.

284. Em Junho de 2007, o “BPP” informou o número de acções da “Privado Holding” que cada colaborador e três dos administradores do “Banco” poderiam adquirir, ao preço unitário de €2,00, tendo estes, na mesma data, adquirido 6.997.079 acções, representativas de 4,66% do capital da sociedade, recorrendo a um financiamento pessoal junto do “BPI”.

285. Em concreto, o “BPP” celebrou com o “BPI”, em 22 de Junho de 2007, um contrato de opção, segundo o qual cada colaborador do “BPP” tinha a faculdade de solicitar um empréstimo junto do “BPI” para aquisição das acções da “Privado Holding” e pagamentos dos encargos associados à aquisição, atribuído o “BPI” aos referidos colaboradores do “BPP” uma opção de venda àquele “Banco” das acções da “Privado Holding”, sendo o produto da venda das acções afecto à liquidação dos empréstimos contraídos no “BPI” (capital e respectivos encargos).

286. Por sua vez, resultava igualmente desse contrato que, caso os colaboradores do “BPP” viessem a exercer a sua opção de venda dessas acções ao “BPI”, este teria a opção de venda das mesmas ao “BPP”, ao mesmo preço pelo qual as adquirira.

287. Desse modo, na mesma data, cada colaborador do “BPP” celebrou um contrato de empréstimo com o “BPI” nos moldes anteriormente acordados.

288. Por força daqueles contratos, o “BPP” permitiu, assim, aos seus colaboradores adquirirem acções da “Privado Holding”, ao preço de €2,00 por acção, o que estes fizeram, mediante a obtenção de financiamento junto do “BPI”, podendo tais colaboradores, durante o período de vigência dos contratos, optar por vendê-las ao “BPI”, que, por seu turno, poderia optar por vendê-las ao “BPP”, pelo mesmo preço a que elas lhe haviam sido vendidas pelos colaboradores do “BPP”.

289. Por se tratar de contratos que envolviam acções próprias da “Privado Holding” e a aquisição potencial pelo “BPP” das mesmas, o que, aliás, se veio a verificar, o respectivo montante tinha influência directa e imediata, ao nível do numerador, no cálculo dos fundos próprios, os quais deviam estar sempre acima do limite mínimo.

290. Com o intuito de evitar a afectação dos fundos próprios com a celebração do referido contrato de opção com o “BPI”, o arguido CC determinou MM, em data não concretamente apurada, mas entre a da celebração do contrato com o “BPI” e o encerramento das contas de 2007, que esse contrato, na parte relativa às opções de venda ao “BPI” e, posteriormente, ao “BPP”, não fosse objecto de divulgação contabilística no “BPP”, concretamente, que não ficasse a constar no respectivo sistema informático ou nos documentos contabilísticos ou meramente informativos gerados a partir daquele sistema, essa última parte do contrato, omissão essa que se manteve até à nomeação da Administração Provisória pelo “Banco de Portugal”.

291. Em 21 de Novembro de 2008, todos os colaboradores do “BPP” vieram a exercer, dentro do prazo previsto, a opção de venda das acções da “Privado Holding” ao “BPI”, tendo este, nas datas em que recebeu a put option de cada colaborador, exercido, por sua vez, a put option sobre o “BPP”.

292. Assim, em 21 de Novembro de 2008, o “BPP” adquiriu 6.997.079 acções da “Privado Holding”, ao preço médio de €2,11 por acção, em resultado do exercício, por parte do “BPI”, da opção estabelecida no supracitado contrato.

293. O encargo potencial que este contrato significava para o “BPP” e para a “Privado Holding”, veio a transformar-se, em Novembro de 2008, num encargo efectivo no montante de €14.753.702,00, valor esse que deveria ser deduzido aos fundos próprios da “Privado Holding”.

Utilização dos documentos fabricados nas actividades anteriormente descritas:

294. O sistema informático e a contabilidade do “BPP” e da “Privado Holding”, gerada a partir daquele, deviam reflectir, a todo o tempo, a sua situação real, nomeadamente os activos, passivos, responsabilidades presentes, futuras e potenciais, dado que a contabilidade das mesmas não se limita à prestação de contas anuais, devendo os registos de todas as ocorrências serem efectuados ao longo do exercício, desde logo, no sistema informático e à medida que se iam sucedendo.

295. Só assim era possível aos auditores, revisores oficiais de contas e ao “Banco de Portugal”, a qualquer momento, tomarem conhecimento da real situação financeira e patrimonial, e, sobretudo, da solvabilidade da instituição, pois, se a mesma perigasse, o “BdP” poderia determinar a adopção das providências que se impusessem, nomeadamente aumento de capital ou, até, intervir na sua gestão, como veio a ocorrer em 1 de Dezembro de 2008 no “BPP”.

296. Por determinação dos arguidos AA, CC e BB foram adoptados no “BPP” procedimentos contabilísticos distintos dos legalmente exigíveis, os quais conduziram ao não reconhecimento contabilístico das responsabilidades presentes, futuras e potenciais acima referidas, nos exercícios em que as mesmas ocorreram.

297. A documentação contabilística do “BPP” e da “Privado Holding”, mais concretamente, as demonstrações financeiras consolidadas do “BPP” e da “Privado Holding”, as demonstrações de resultados, os balanços, os balancetes e os reportes mensais, trimestrais e anuais, não apresentaram, entre 2002 e 2008, uma imagem fiel do património, da situação financeira e dos resultados do “Banco” e do conjunto das sociedades compreendidas na consolidação.

298. Em execução do plano traçado pelos arguidos AA, CC e BB, nas reuniões do Conselho Fiscal do “BPP”, entre 2002 e o primeiro semestre de 2007, aquando da apresentação, pelo arguido CC, que, nessas reuniões, se encontrava presente, dos elementos contabilísticos trimestrais e semestrais “do BPP”, não só nos mesmos não eram divulgadas a prestação das garantias de devolução do capital e de remuneração aos clientes do Retorno Absoluto e a existência, o controlo e a utilização de sociedades offshore como “Contas de Recuperação”, como também o referido arguido não lhes fazia qualquer menção.

299. Em execução do plano traçado pelos arguidos AA, CC e BB, na reunião do Conselho Fiscal do “BPP”, em Dezembro de 2007, aquando da apresentação, pelo arguido CC, que, nessa reunião, se encontrava presente, dos elementos contabilísticos relativos ao terceiro trimestre desse ano do “BPP”, não só nos mesmos não eram divulgadas a prestação das garantias de devolução do capital e de remuneração aos clientes do Retorno Absoluto, a existência, o controlo e a utilização de sociedades offshore como “Contas de Recuperação” e a contratação dos equity option com o “Banco Santander”, relativos às acções do “BCP”, como também o referido arguido não lhes fazia qualquer menção.

300. Em execução do plano traçado pelos arguidos AA, CC e BB, na reunião do Conselho Fiscal do “BPP”, em Maio de 2008, aquando da apresentação, pelo arguido CC, que, nessa reunião, se encontrava presente, dos elementos contabilísticos relativos ao primeiro trimestre de 2008 do “BPP”, não só nos mesmos não eram divulgadas a prestação das garantias de devolução do capital e de remuneração aos clientes do Retorno Absoluto, a existência, o controlo e a utilização de sociedades offshore como “Contas de Recuperação” e a contratação dos equity option com o “Banco Santander”, nem constituídas quaisquer provisões relativamente às responsabilidades assumidas com os clientes de Retorno Absoluto, nem assumidos os prejuízos relacionados, quer com as offshore pertencentes ao “BPP”, mas não consolidadas, quer com os contratos de equity option, como também o referido arguido não lhes fazia qualquer menção.

301. Nessa mesma reunião, por sua decisão, o arguido CC, aquando da apresentação dos elementos contabilísticos relativos ao primeiro trimestre de 2008, não só nos mesmos não era divulgada na íntegra a contratação de opção com o “BPI”, como também este arguido não lhe fazia qualquer menção.

302. Na 83.ª reunião do Conselho Fiscal do “BPP”, por intermédio de FF, representante da “D…”, foi, pela primeira vez, mencionada a eventual existência de capital garantido em produtos de gestão discricionária.

303. Nas reuniões da Comissão Executiva do “BPP”, entre Janeiro de 2006 e 25-03-2008, presididas pelo arguido BB, e nas quais também estiveram presentes os arguidos CC e DD, foi apresentada e analisada, regularmente, documentação contabilística do “BPP” e da “Privado Holding”, esta em base consolidada (com particular destaque para as demonstrações financeiras e de resultados).

304. Nas reuniões da Comissão Executiva do “BPP”, entre 26-05-2008 e 23-09-2008, presididas pelo arguido BB, e nas quais também estiveram presentes os arguidos CC, DD e EE e ainda GG, foi apresentada e analisada, regularmente, documentação contabilística do “BPP” e da “Privado Holding”, esta em base consolidada (com particular destaque para as demonstrações financeiras e de resultados).

305. Entre 24-04-2007 e 03-07-2008, o Conselho de Administração da “Privado Holding”, presidido pelo arguido AA, e na qual estiveram presentes os arguidos BB, CC e DD, e, a partir de 04-04-2008, também o arguido EE, reuniu, por diversas vezes, tendo, nessas reuniões, analisado as demonstrações financeiras parcelares existentes, até à data, relativas à “Privado Holding”.

306. Apesar de, por decisão dos arguidos AA, CC e BB, nada constar nesses documentos contabilísticos, com referência a 31-03-2008, de acordo com as informações que lhes eram reportadas, as responsabilidades potenciais assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes de Retorno Absoluto ascendiam a cerca de €-27.000.000,00, mais concretamente a €-26.716.441,45, e as perdas acumuladas com as referidas sociedades offshore ascendiam a €-7.108.892,07.

307. Apesar de, por decisão dos arguidos AA, CC e BB, nada constar nesses documentos contabilísticos, com referência a 30-06-2008, de acordo com as informações que lhes eram reportadas, as responsabilidades potenciais assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes de Retorno Absoluto ascendiam a €-25.927.813,47, as perdas acumuladas com as referidas sociedades offshore ascendiam a €-15.404.757,48, existindo ainda os prejuízos decorrentes dos contratos de equity options celebrados com o “Banco Santander”.

308. Apesar de, por decisão dos arguidos AA, CC e BB, nada constar nesses documentos contabilísticos, com referência a 30-09-2008, de acordo com as informações que lhes eram reportadas, as responsabilidades potenciais assumidas pelo “BPP” perante os seus clientes de Retorno Absoluto ascendiam a cerca de €-36.000.000,00, mais precisamente a €-36.303.484,00, as perdas acumuladas com as referidas sociedades offshore ascendiam a €-34.996.212,00, existindo ainda os prejuízos decorrentes dos contratos de equity options celebrados com o “Banco Santander”.

309. Os arguidos AA, CC e BB sabiam que tais documentos contabilísticos não revelavam todas as responsabilidades e todos os riscos a que o “BPP” e a “Privado Holding” se encontravam sujeitos, nem correspondiam à realidade, visto que traduziam resultados líquidos de exercício e valores de capitais próprios sobreavaliados.

310. Apesar de, por decisão dos arguidos AA, CC, BB e EE, nada constar nesses documentos contabilísticos, com referência a 30-09-2008, as responsabilidades potenciais relativas à exposição do “BPP” ao CDS Lehman Brothers poderiam atingir o montante de €10.000.000,00.

311. Também o arguido EE sabia, quanto à situação da exposição do “BPP” ao CDS Lehman Brothers, que tais documentos contabilísticos não revelavam todas as responsabilidades e todos os riscos a que o “BPP” e a “Privado Holding” se encontravam sujeitos, nem correspondiam à realidade, visto que traduziam resultados líquidos de exercício e valores de capitais próprios sobreavaliados.

312. Por sua vez, também o arguido CC, aquando da apresentação dos elementos contabilísticos relativos ao primeiro trimestre de 2008, sabia que não era divulgada na íntegra a contratação de opção entre o “BPP” e o “BPI”, não revelando, assim, essa documentação todas as responsabilidades e todos os riscos a que o “BPP” e a “Privado Holding” se encontravam sujeitos, nem correspondiam à realidade, visto que traduziam resultados líquidos de exercício e valores de capitais próprios sobreavaliados.

313. E, não obstante, os arguidos utilizaram todos esses documentos, remetendo-os quer ao Conselho Fiscal, quer aos auditores, quer ao “Banco de Portugal”.

314. Por sua vez, nos extractos que eram remetidos aos clientes de Retorno Absoluto com garantia, a partir do sistema informático do “BPP, por decisão dos arguidos AA, CC, BB, DD a partir de Junho de 2005, e EE a partir de Abril de 2008, neles constavam, como sendo verdadeiros títulos, o Leaving Seagull e o MB Float, os quais não passavam de linhas de cálculo, pelo que tais documentos não correspondiam à realidade.

Certificação legal, em erro, dos relatórios e contas pelo ROC e sua posterior utilização

315. Previamente ao envio dos relatórios e contas ao “Banco de Portugal”, as mesmas eram certificadas por uma sociedade revisora oficial de contas, tendo sido, nos anos de 2002 e 2003 a “M…. & Associados” e, desde 2004 e até 2007, a “D…” a fazê-lo no “BPP” e na “Privado Holding”.

316. Por força da competência que lhe está legalmente atribuída, o revisor oficial de contas pode verificar a contabilidade e respectivos documentos de suporte, a todo o momento, inclusive, pode verificar os registos informáticos.

317. Em execução do plano traçado pelos arguidos AA, CC e BB, nas reuniões do Conselho Fiscal do “BPP”, entre 2003 e o primeiro semestre de 2007, aquando da apresentação dos elementos contabilísticos anuais, nos mesmos não eram divulgadas a prestação das garantias de devolução do capital e de remuneração aos clientes do Retorno Absoluto e a existência, o controlo e a utilização de sociedades offshore como “Contas de Recuperação”.

318. Em execução do plano traçado pelos arguidos AA, CC e BB, na 80.ª reunião do Conselho Fiscal do “BPP”, aquando da apresentação, pelo arguido CC, que, nessa reunião, se encontrava presente, dos documentos de prestação de contas relativos ao exercício de 2007, não só nos mesmos não eram divulgadas a prestação das garantias de devolução do capital e de remuneração aos clientes do Retorno Absoluto, a existência, o controlo e a utilização de sociedades offshore como “Contas de Recuperação” e a contratação dos equity option com o “Banco Santander”, nem constituídas quaisquer provisões relativamente às responsabilidades assumidas com os clientes de Retorno Absoluto, nem assumidos os prejuízos relacionados, quer com as offshore pertencentes ao “BPP”, mas não consolidadas, quer com os contratos de equity option, como também o referido arguido não lhes fazia qualquer menção.

319. Nessa mesma reunião, por sua decisão, o arguido CC, aquando da apresentação dos documentos de prestação de contas relativos ao exercício de 2007, não só nos mesmos não era divulgada na íntegra a contratação de opção com o “BPI”, como também este arguido não lhe fazia qualquer menção.

320. Ainda nessa reunião, foram analisadas as certificações legais dessas contas e os relatórios de auditoria elaborados pela “D…”, que ignorava, tal como os restantes membros do Conselho Fiscal, a existência da prestação de garantias aos clientes do Retorno Absoluto, o controlo e a utilização de sociedades offshore como “Contas de Recuperação”, os equity options celebrados com o “BSNP” e o contrato de opção, na sua totalidade, celebrado com o “BPI”, razão pela qual o relatório e contas foi devidamente certificado e mereceu, posteriormente, a concordância do Conselho Fiscal, sendo elaborados relatórios e pareceres positivos sobre a actividade do “BPP” em 31-12-2007.

321. Nas reuniões da Comissão Executiva do “BPP”, entre 2003 e Junho de 2005, presididas pelo arguido AA, e nas quais também estiveram presentes os arguidos BB e CC, foram apresentados e analisados os relatórios e contas relativos ao final dos exercícios do “BPP” de 2002, 2003 e 2004.

322. Nas reuniões da Comissão Executiva do “BPP”, entre Junho de 2005 e 03-04-2008, presididas pelo arguido BB, e nas quais também estiveram presentes os arguidos CC e DD, foram apresentados e analisados os relatórios e contas relativos ao final dos exercícios do “BPP” e da “Privado Holding” de 2005, 2006 e 2007.

323. Nas reuniões do Conselho de Administração do “BPP”, ocorridas entre 2003 e 2008, e da “Privado Holding”, entre 2006 e 2008, presididas pelo arguido AA, e onde se encontravam presentes os arguidos BB e CC e, a partir de 30-03-2005, o arguido DD, e de 04-04-2008, o arguido EE, eram analisados os relatórios de gestão e contas do “BPP” e, desde 2006, também da “Privado Holding”, tendo, quanto aos respectivos relatórios e contas, referentes aos anos de 2002 a 2007, sido aprovada a sua apresentação à Assembleia Geral.

324. Entre 2003 e Abril de 2008, realizaram-se Assembleias Gerais do “BPP” e, a partir de 2006, também da “Privado Holding”, nas quais estavam presentes os arguidos AA, BB e CC, tendo, em todas elas, sido deliberado a aprovação, por unanimidade, dos Relatórios de Gestão e Contas do “BPP” e da “Privado Holding” (apenas a partir de 2005), relativos aos anos 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007.

325. As contas do “BPP”, entre 2002 e 2003, foram certificadas pela “M…. & Associados” e, entre 2004 e 2006, pela “D…” e as contas da “Privado Holding”, entre 2005 e 2006, pela “D…”, sem que nas mesmas tivessem sido divulgadas, por ordem dos arguidos CC, AA e BB, as garantias prestadas pelo “BPP” aos seus clientes de Retorno Absoluto e o controlo, os activos, os passivos e a instrumentalização das sociedades offshore internamente denominadas “Contas de Recuperação”, bem como, relativamente ao ano de 2006, que tivesse sido constituída uma provisão no montante de €7.616.122,00, em virtude dos compromissos assumidos junto dos clientes de Retorno Absoluto.

326. As contas do “BPP” e da “Privado Holding”, no ano de 2007, foram certificadas pela “D…”, sem que nas mesmas tivessem sido divulgadas, por ordem dos arguidos CC, AA e BB, as garantias prestadas pelo “BPP” aos seus clientes de Retorno Absoluto, o controlo, os activos, os passivos e a instrumentalização das sociedades offshore internamente denominadas “Contas de Recuperação” e os dois contratos de equity option celebrados com o “Banco Santander”, bem como sem que tivesse sido constituída uma provisão no montante de €20.852.109,00, referentes aos compromissos assumidos junto dos clientes de Retorno Absoluto, e assumidos os prejuízos decorrentes dos contratos de equity option celebrados com o “Banco Santander”.

327. As contas do “BPP” e da “Privado Holding”, no ano de 2007, foram certificadas pela “D…”, sem que nas mesmas tivesse sido divulgado, por ordem do arguido CC, o contrato de opção, na sua totalidade, celebrado com o “BPI”.

328. Os arguidos AA, CC e BB sabiam que tais contas não revelavam todas as responsabilidades e todos os riscos a que o “BPP” e a “Privado Holding” se encontravam sujeitos, nem correspondiam à realidade, visto que traduziam resultados líquidos de exercício e valores de capitais próprios sobreavaliados.

329. Tendo a “M… & Associados” e a “D…” procedido a tais certificações legais das contas, entre 2002 e 2007, por acreditar que as mesmas representavam fielmente a realidade contabilística do “BPP” e da “Privado Holding”.

330. Também o Conselho Fiscal do “BPP” sempre concordou com os relatórios e contas que lhe eram apresentados, relativos aos anos de 2002 a 2007, por acreditar que os mesmos representavam fielmente a realidade contabilística do “BPP” e da “Privado Holding”.

331. Entre 2002 e 2003, essas contas, devidamente certificadas pela “M…. & Associados” e, a partir de 2004, pela “D…”, e aprovadas em Assembleia Geral do “BPP” e da “Privado Holding”, foram, posteriormente, remetidas, por ordem dos arguidos AA, BB e CC, ao “Banco de Portugal”.

332. Também o “Banco de Portugal” sempre aceitou como verdadeiros os relatórios de gestão e contas, entre os anos de 2002 e 2007, do “BPP” e da “Privado Holding” (esta apenas a partir de 2005), cujas contas se encontravam legalmente certificadas pela “M…. & Associados” nos anos de 2002 e 2003 e, a partir de 2004, pela “D…”.

333. Relativamente às contas de 2006, o “BdP” veio a disponibilizar as mesmas no seu site nos dias 26-09-2007 (contas anuais em bases individual e consolidada da “Privado Holding” de 2006) e 16-10-2007 (contas anuais em base individual do “BPP” de 2006).

334. Na sequência da remessa das contas de 2007 ao “Banco de Portugal”, aquela autoridade de supervisão veio a disponibilizar as mesmas no seu site (http://www.bportugal.pt), nos dias 05-09-2008 (contas anuais em base individual do “BPP” de 2007) e 16-09-2008 (contas anuais em base consolidada da “Privado Holding”).

Imputação subjectiva:

335. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE tinham conhecimento que, no exercício das suas funções profissionais no “BPP”, por força das obrigações constantes do Código dos Valores Mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, estavam, especificamente, obrigados a actuar em conformidade com os deveres impostos por esses diplomas.

336. Mais tinham plena consciência os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, na qualidade de dirigentes de uma sociedade comercial e como gestores de uma actividade económica e comercial, que estavam obrigados a agir em obediência aos ditames da boa-fé negocial.

337. Os arguidos sabiam ainda que estavam legalmente obrigados à correcção e à veracidade dos registos informáticos, nomeadamente dos relativos à contabilidade, dos documentos de igual natureza produzidos a partir desses registos ou produzidos com a informação neles contida, como era o caso das demonstrações financeiras e de resultados, balanços, balancetes, reportes mensais, trimestrais e anuais e relatórios e contas.

338. Os arguidos AA, BB e CC sabiam, desde 2002, da necessidade de proceder ao reconhecimento contabilístico das garantias prestadas, através da sua divulgação, e à constituição de provisões, quando necessário, tanto no sistema informático, como nos documentos gerados automaticamente ou com a informação naquele contida e remetidos aos auditores, revisores oficiais de contas e autoridades de supervisão.

339. Os arguidos AA, BB e CC sabiam que era necessário constituir provisões sempre que as responsabilidades do “BPP”, para com os clientes do Retorno Absoluto fossem superiores aos valores de mercado dos activos subjacentes das carteiras onde tais clientes haviam investido, o que veio a ocorrer a partir de 2006.

340. Ao determinarem conjuntamente e implementarem, em conjugação de esforços, um procedimento, segundo o qual, as garantias prestadas aos clientes de Retorno Absoluto não seriam divulgadas, nem seriam constituídas provisões quando necessário, os arguidos AA, BB e CC quiseram e conseguiram, através de funcionários do “Banco”, que (i) dos registos informáticos constassem elementos que não correspondiam à verdade, (ii) dos balancetes, balanços, reportes periódicos, demonstrações financeiras e de resultados, gerados a partir daqueles ficheiros e/ou produzidos com a informação contida nos mesmos, figurasse informação não verdadeira, (iii) os resultados do “BPP” não fossem afectados, e (iv) a supervisão, revisor oficial de contas, outras entidades e o público em geral não conhecessem a real situação patrimonial e financeira do “BPP” entre 2002 e 2008, e da “Privado Holding” entre 2005 e 2008.

341. Os arguidos AA, BB, CC bem sabiam que, com este comportamento, colocavam em causa a segurança, a fiabilidade e a força probatória que os registos informáticos e a documentação obtida através daqueles merecem.

342. E, não obstante, os arguidos utilizaram todos esses documentos, remetendo-os quer à “M…. & Associados”, quer à “D…”, quer ao “Banco de Portugal”, prejudicando, desse modo, de forma séria, como queriam e conseguiram, o exercício de revisão oficial de contas pelas primeiras entidades e o de supervisão pela última.

343. Com essa actuação, os arguidos AA, BB e CC alcançaram o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabiam e quiseram, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como administradores do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

344. Ao decidirem conjuntamente que fossem introduzidos no sistema informático do “BPP”, entre finais de 2002 e 2008, como sendo verdadeiros títulos o Leaving Seagull e, a partir de Setembro de 2008, o MB Float, que bem sabiam não serem títulos com existência real, com o intuito de, posteriormente, os fazer constar dos extractos a enviar aos clientes do Retorno Absoluto, os arguidos AA, BB, CC, DD (a partir de Junho de 2005) e EE (a partir de Abril de 2008) quiseram, e conseguiram, também por essa via, ocultar à “M…. & Associados”, à “D…”, ao “Banco de Portugal” e à “CMVM” a existência da prestação das garantias de capital e juros.

345. Ao decidirem conjuntamente que nos extractos do Retorno Absoluto, gerados automaticamente, a partir do sistema informático do “BPP”, fossem inscritos, entre 2002 e 2008, como sendo verdadeiros títulos, o Leaving Seagull e, em 2008, também, como sendo verdadeiros títulos, o MB Float, sendo, posteriormente, tais extractos remetidos aos respectivos clientes, os arguidos AA, BB, CC, DD (a partir de Junho de 2005) e EE (a partir de Abril de 2008) quiseram, e conseguiram, desse modo, fazer crer a tais clientes que o Leaving Seagull e o MB Float se tratavam de títulos com existência real e que o valor dos activos apresentados correspondia ao valor da garantia prestada, evitando, assim, eventuais dúvidas, reclamações e resgastes dos investimentos em Retorno Absoluto por parte dos clientes.

346. Os arguidos AA, BB, CC, DD (a partir de Junho de 2005) e EE (a partir de Abril de 2008) bem sabiam que, com este comportamento, colocavam em causa a segurança, a fiabilidade e a força probatória que os registos informáticos e a documentação obtida através daqueles merecem.

347. Com essa actuação, os arguidos AA, BB, CC, DD (a partir de Junho de 2005) e EE (a partir de Abril de 2008) alcançaram o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabiam e quiseram, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como … do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

348. Ao constituírem e/ou determinarem a constituição, bem como a instrumentalização das sociedades offshore, que vieram a ser internamente designadas como “Contas de Recuperação”, para alisar resultados, adquirir activos não colocados em clientes ou à carteira própria, ocultar a performance da gestão das estratégias e os avultados prejuízos patrimoniais emergentes dos diversos sectores de actividade do “BPP”, e ao determinarem que tais sociedades offshore constassem do sistema informático do “BPP”, bem como dos documentos contabilísticos gerados automaticamente a partir daí ou com a informação aí contida, entre 2002 e 2008, como pertencendo a entidades ou pessoas singulares distintas do “BPP”, o que, na realidade, não correspondia à verdade, os arguidos AA, BB e CC, de comum acordo, quiseram e conseguiram adulterar a situação financeira e patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” (a partir de 2005), e evitar que a “M…. & Associados”, a “D…” e o “Banco de Portugal” os obrigassem à consolidação dessas sociedades offshore, bem sabendo que, desse modo, colocavam em causa a segurança, a fiabilidade e a força probatória que os registos informáticos e a documentação obtida através daqueles merecem.

349. E, não obstante, os arguidos utilizaram todos esses documentos, remetendo-os, quer à “M…. & Associados”, quer à “D….”, quer ao “Banco de Portugal”, prejudicando, desse modo, de forma séria, como queriam e conseguiram, o exercício de revisão oficial de contas pelas primeiras entidades e o de supervisão pela última.

350. Com essa actuação, os arguidos AA, BB e CC alcançaram o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabiam e quiseram, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como …. do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

351. Ao determinarem funcionários do “BPP” a que (i) não fossem registados contabilisticamente, quer no sistema informático quer nos documentos contabilísticos gerados a partir do mesmo ou com a informação nele contida, a existência e os prejuízos dos contratos celebrados pelo “BPP” com o “Santander”; que (ii) no dia 01-02-2008 as posições naqueles contratos fossem transferidas, com data-valor da data da respectiva aquisição (15-03-2007 e 27-04-2007), para a conta n.º ...26 da “Timdington”; e que (iii) no dia 21-11-2008, mas com datas-valor de, respectivamente, 15-03-2007 e 27-04-2007, aquelas posições fossem transferidas da conta da “Timdington” para a da “Stimulus” com o n.º 5199, com vista a serem formalmente imputadas àquela sociedade, os arguidos AA, BB e CC, de comum acordo, quiseram e conseguiram, omitir da contabilidade do “BPP”, tanto no respectivo sistema informático, como nos documentos gerados automaticamente a partir do mesmo ou com a informação nele contida, a existência de contratos com impacto material ao nível das responsabilidades, que o “BPP” havia assumido, e, posteriormente, das perdas associadas.

352. Deste modo, os arguidos AA, BB e CC impediram a correcta percepção e aferição da verdadeira situação financeira e dos respectivos património e resultados do “BPP” e da “Privado Holding”, por parte da “D…” e do “Banco de Portugal”, colocando em causa, como quiseram e conseguiram, a segurança, a fiabilidade e a força probatória que os registos informáticos e a documentação obtida através daqueles merecem.

353. E, não obstante, os arguidos utilizaram todos esses documentos, remetendo-os, quer à “D…”, quer ao “Banco de Portugal”, prejudicando, desse modo, de forma séria, como queriam e conseguiram, o exercício de revisão oficial de contas pela primeira entidade e o de supervisão pela segunda.

354. Com essa actuação, os arguidos AA, BB e CC alcançaram o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabiam e quiseram, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como …. do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

355. Ao determinarem, no dia 17-11-2008, e de comum acordo, a transferência de metade dos prejuízos das “Contas de Recuperação”, no montante de €40.000.000,00, para as estratégias de Retorno Absoluto, através das operações descritas entre as mesmas e a conta n.º ….82, com data anterior à da sua decisão (respectivamente, com datas-valor de 05-11-2008 e 07-11-2008), os arguidos AA e BB quiseram, através de funcionários do “BPP”, não reconhecer contabilisticamente tais prejuízos, desde logo, no respectivo sistema informático, e ocultar aos auditores, revisores oficiais de contas e “Banco de Portugal” a sua existência, o que conseguiram até ao dia 28-11-2008, bem sabendo que, dessa forma, impediram a correcta percepção e aferição da verdadeira situação financeira e dos respectivos património e resultados do “BPP” e da “Privado Holding”, por parte da “D…” e do “Banco de Portugal”, colocando em causa, como quiseram e conseguiram, a segurança, credibilidade e força probatória que os registos informáticos e a documentação obtida através daqueles merecem.

356. E, não obstante, os arguidos utilizaram todos esses documentos, remetendo-os, quer à “D…”, quer ao “Banco de Portugal”, prejudicando, desse modo, de forma séria, como queriam e conseguiram, o exercício de revisão oficial de contas pela primeira entidade e o de supervisão pela segunda.

357. Com essa actuação, os arguidos AA e BB alcançaram o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabiam e quiseram, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como … do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

358. Ao determinarem, conjuntamente - após a “Lehman Brothers” ter formulado o pedido de protecção de credores que muito provavelmente iria terminar com a declaração de falência desta sociedade, como efectivamente terminou -, a transferência do CDS Lehman Brothers, da carteira própria do “BPP” para a carteira de Retorno Absoluto, através da simulação de uma compra e venda de títulos do CDS Lehman Brother entre a carteira própria e a referida carteira de Retorno Absoluto, com data anterior à do referido pedido de protecção de credores, os arguidos AA, BB, CC e EE, quiseram, e conseguiram, através de funcionários do “BPP”, não reconhecer contabilisticamente no sistema informático, bem como nos documentos contabilísticos gerados a partir do mesmo ou com a informação ali contida, num primeiro momento, as necessárias provisões, e, num segundo momento, os respectivos prejuízos advindos desse CDS.

359. Deste modo, os arguidos AA, BB, CC e EE impediram a correcta percepção e aferição da verdadeira situação financeira e dos respectivos patrimónios e resultados do “BPP” e da “Privado Holding”, por parte da “D…”, do “Banco de Portugal” e da “CMVM”, colocando em causa, como quiseram e conseguiram, a segurança, a fiabilidade e a força probatória que os registos informáticos e a documentação obtida através daqueles merecem.

360. E, não obstante, os arguidos utilizaram todos esses documentos, remetendo-os, quer à “D…”, quer ao “Banco de Portugal”, quer à “CMVM”, prejudicando, desse modo, de forma séria, como queriam e conseguiram, o exercício de revisão oficial de contas pela primeira entidade e o de supervisão pelas últimas.

361. Com essa actuação, os arguidos AA, BB, CC e EE alcançaram o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabiam e quiseram, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como … do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

362. Ao determinar que o contrato de opção celebrado entre o “BPP” e o “BPI” não fosse, na sua totalidade, registado contabilisticamente no sistema informático, através da sua integral divulgação, e nos documentos gerados a partir do mesmo, o arguido CC quis e conseguiu obviar ao impacto potencial de tal contrato nos resultados do “BPP” e da “Privado Holding”, bem sabendo que, desse modo, impediu a correcta percepção e aferição da verdadeira situação financeira e dos respectivos patrimónios e resultados do “BPP” e da “Privado Holding”, por parte da “D…” e do “Banco de Portugal”, colocando em causa, como quis e conseguiu, a segurança, a fiabilidade e a força probatória que os registos informáticos e a documentação obtida através daqueles merecem.

363. E, não obstante, o arguido utilizou todos esses documentos, remetendo-os, quer à “D…”, quer ao “Banco de Portugal”, prejudicando, desse modo, de forma séria, como queria e conseguiu, o exercício de revisão oficial de contas pela primeira entidade e o de supervisão pela segunda.

364. Com essa actuação, o arguido CC alcançou o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabia e quis, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como …do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

365. Os arguidos AA, BB e CC sabiam que os relatórios e contas do “BPP” e da “Privado Holding”, para serem aprovados pelos accionistas e aceites e publicados pelo “Banco de Portugal”, teriam de ser objecto de certificação exclusivamente por revisor oficial de contas, que essa certificação legal era dotada de fé pública e que estes profissionais desempenham funções de interesse público, orientadas legalmente pelo princípio da independência.

366. Assim, cientes do valor probatório reforçado que resultaria da certificação legal dos relatórios e contas, os arguidos AA, BB e CC, apesar de saberem que estavam legalmente obrigados à correcção e à veracidade dos dados constantes nesses relatórios e contas, anualmente apresentados, em conjugação de esforços e de intentos, decidiram agir em oposição a tais obrigações, determinando que o “BPP” seria, como foi, gerido com a disponibilização de informação não verdadeira nessa documentação, tendo, desse modo, levado as sociedades revisoras oficiais de contas a certificar, entre 2002 e 2007, o relatório e contas do “BPP” e, entre 2005 e 2007, da “Privado Holding”, na convicção, errada, de que tais documentos apresentavam, de forma verdadeira e apropriada, as posições financeiras dessas entidades, bem como os resultados das suas operações no período a que se referiam, o que não correspondia à realidade.

367. Com os relatórios e contas legalmente certificados pelos respectivos revisores oficiais de contas, também o “Banco de Portugal”, entre 2002 e 2007, aceitou esses documentos como espelhando a real situação financeira e patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding”, o que não correspondia à realidade, publicando-os.

368. Deste modo, os arguidos AA, BB e CC abalaram, como quiseram e conseguiram, a segurança, a fiabilidade e a força probatória que os documentos contabilísticos certificados pelo ROC e divulgados pelo “Banco de Portugal” merecem.

369. Com essa actuação, os arguidos AA, BB e CC alcançaram o objectivo, por si almejado, de revelar uma situação patrimonial do “BPP” e da “Privado Holding” sem correspondência com a realidade, aparentando uma robustez financeira que não correspondia à verdade, o que permitia, como bem sabiam e quiseram, a continuação do modelo de negócio que sustentava o “BPP”, e, a final, a sua própria manutenção como … do “Banco”, com o respectivo estatuto remuneratório.

370. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei e configuravam a prática de crimes.

371. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE não têm antecedentes criminais.


Factos das contestações (que não se encontram integrados noutras partes):

372. Apesar de ter sido atribuída a ....... Risco ao arguido DD, este não tinha conhecimentos financeiros (académicos ou profissionais) nessa matéria.

373. A “Flexibilização da Oferta” era apenas uma das várias aplicações utilizadas pelo “BPP”, cuja manutenção era da responsabilidade da ......Sistemas.

374. Na revista ….. jornal …….., entre Julho de 2001 e Novembro de 2008, era feita publicidade aos produtos de Retorno Absoluto.

375. A publicidade no jornal …… era a única publicidade que o “BPP” fazia nos meios de comunicação social.

376. Alguns desses anúncios foram subscritos por personalidades do panorama social, designadamente por HHH e III.

377. Estes anúncios ocupavam, pelo menos, duas páginas da Revista e alcançaram prémios na área da publicidade.

378. Os clientes dos produtos de Retorno Absoluto com garantia ficavam com um duplicado da Descrição Detalhada do Investimento.

379. O utilizador … correspondia ao arguido DD e era utilizado por outros elementos do “BPP”.

380. Os produtos de Retorno Relativo e de Private Equity também possuíam DDI’s.

381. Até final de 2007 era bastante fácil aos Bancos, e nomeadamente ao “BPP”, obterem financiamento no mercado de Repo, entregando em troca títulos como garantia.

382. Com a crise no final de 2007, essa possibilidade foi-se reduzindo até acabar.

383. Inicialmente, aquando do lançamento dos produtos de Retorno Absoluto com garantia, a contratualização era muito simples, muitas vezes com recurso a uma espécie de carta, também designada monofolha, em que eram transmitidas aos clientes as condições por eles subscritas.

384. Os Private Bankers, em regra, também ficavam com uma cópia, no seu arquivo pessoal, das DDI’s

385. Alguns Private Bankers remetiam para a Direcção de Operações os originais dos contratos, onde existia um arquivo.

386. Existia, em curso, no “BPP” um processo de digitalização na intranet dos contratos celebrados com os clientes, incluindo os contratos de Retorno Absoluto com garantia.

387. A crise financeira que se instalou a partir de finais de 2007 criou uma crise de liquidez e o pânico generalizado dos investidores, provocando uma queda abrupta nos valores dos activos, tornando, muitos deles, ilíquidos, por inexistir quem os quisesse adquirir.

388. A maior parte dos activos subjacentes às estratégias de Retorno Absoluto com garantia vieram a dar lugar, em 2010, à constituição do Fundo Especial de Investimento (FEI), que era um fundo de gestão passiva, gerido pelo “Banif Gestão de Activos- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A.”.

389. Nesse Fundo, os activos que o compunham, em geral, vieram a ter uma valorização favorável.

390. Os produtos de Retorno Absoluto com garantia foram responsáveis pelo crescimento do “BPP”, bem como pela angariação de um maior número de clientes.

391. Os produtos de Retorno Absoluto eram o principal produto comercializado pelo “BPP”.

392. O contrato de opção que veio a ser celebrado entre o “BPP” e o “BPI” relativo a acções da “Privado Holding” constava, na íntegra, da ordem de trabalhos da Acta da reunião do Conselho de Administração do “BPP” n.º …., de 02-05-2007.

393. O valor administrado por conta de clientes era divulgado na nota 32, anexa às demonstrações financeiras do “BPP”, em agregado de “Passivos Contingentes e Compromissos”, sendo, em 2006, de €1.848,631.049 e, em 2007, de €2.436,734.065.

394. O arguido AA, entre 14-09-2008 e 15-09-2008, encontrava-se em …….

395. O arguido AA não respondeu aos emails que o arguido EE lhe enviou nos dias 15-09-2008 e 16-09-2008.

Factos das condições pessoais dos arguidos:

AA

396. O arguido AA é filho único, pertencente a uma família de classe média, oriunda da região de …, que se fixou em …, cidade onde o arguido nasceu.

397. O pai do arguido era proprietário de uma ….. e a mãe ocupava-se da …..  alguns imóveis que foram adquirindo.

398. O processo de crescimento do arguido decorreu num ambiente familiar afectuoso, pautado por valores tradicionais e por um modelo educativo normativo.

399. O arguido teve um percurso escolar regular, sendo um aluno que se destacava pelo bom aproveitamento.

400. O arguido começou por estudar na Escola  …., mas por incapacidade económica dos pais para o manterem no ensino privado, deu seguimento aos estudos no ensino público.

401. O arguido licenciou-se em …, em …, no então … (actual …), e doutorou-se na mesma área formativa, mais precisamente em …, pela Universidade ..…, em …, através de uma bolsa …, a que concorreu.

402. Aos 20 anos, após alguns anos de namoro, o arguido contraiu matrimónio com o actual cônjuge, que conhecia desde a infância.

403. O casal manteve-se a residir com os pais do arguido, até adquirir capacidade económica para se autonomizar, tendo ficado acordado que, enquanto o arguido investia na sua formação, o cônjuge contribuía economicamente através da sua actividade laboral.

404. O arguido iniciou o seu percurso laboral ainda durante a frequência formativa, realizando ….. e trabalhando em ……. no …, e mais tarde, nos últimos anos da licenciatura, exercendo actividade como……..

405. O arguido, após terminar a licenciatura, deu aulas como assistente universitário e foi convidado por uma professora para trabalhar num gabinete de estudos do então …., actividade que veio a cessar, mediante uma licença sem vencimento por prazo indeterminado, que ainda mantém, após ter ido estudar para …, onde viveu durante seis anos.

406. Em …, o arguido estudou e trabalhou, adquirindo experiência e conhecimentos na área ……., que lhe viabilizaram a sua integração laboral neste ramo no nosso país.

407. Em 1984, ainda em …, o arguido concorreu a uma empresa de consultoria norte-americana de renome nessa área, a "M….", que o admitiu para um escritório que, entretanto, abriu em Portugal.

408. Após um ano e meio, movido pelo anseio de iniciar um projecto em que pudesse liderar e decidir, bem como colocar em prática as suas estratégias, o arguido deixou aquela empresa e deu início a diversos contactos e acções com vista à criação de uma empresa ligada ao mercado de capitais.

409. Com a parceria do banco inglês “B…”, o arguido fundou a “G…”, que veio a ter um grande crescimento e sucesso.

410. Mais tarde, interessado na expansão do negócio, o arguido veio a aceitar a proposta do “B…T…” para aquisição da referida sociedade, a qual continuou a gerir durante cinco anos, mantendo, no entanto, um número considerável de acções da mesma.

411. A venda da “G…” e o acordo com o “B…T…” deixaram o arguido com uma situação económica muito acima da média.

412. O arguido abandonou o “B…T…” um ano antes do termo do contrato, por sentir falta de autonomia para implementar as estratégias que idealizava.

413. Com o apoio de alguns investidores, o arguido adquiriu a “Incofina”, uma sociedade de investimento do “BCP”, posteriormente denominada “Sigma Capital - Sociedades de Investimentos S.A”, que esteve na base da fundação do “Banco Privado Português” (“BPP”), do qual o arguido foi ... …..até Novembro de 2008, altura em que, por exigência do “Banco de Portugal”, foi obrigado a renunciar.

414. O arguido investiu na sua carreira profissional, atingindo um nível mais significativo de gratificação, visibilidade e reconhecimento profissional com a fundação e administração do “BPP”.

415. Paralelamente, o arguido foi desenvolvendo um grande interesse pelas artes, que o levou a investimentos avultados nesta área e à criação da fundação “E…”, financiada pelo “BPP” e por investidores interessados na aquisição de obras de arte, sobretudo contemporânea.

416. Ainda no âmbito das artes, o arguido participou como mecenas para alguns museus de arte nacionais.

417. Por dar grande relevância à educação, o arguido decidiu criar uma fundação que apoiasse jovens carenciados, que pretendessem continuar os seus estudos, pelo que, reunindo o apoio financeiro de várias empresas, fundou, em 2006, a “E…A…”, que abrange vários projectos formativos, os quais têm sido implementados em diversos concelhos do país.

418. Em 2005, o arguido assumiu também a …… da F…, defendendo a promoção das relações entre Portugal e … e angariou o apoio de diversas empresas no sentido de patrocinarem actividades de promoção e divulgação de Portugal em áreas distintas.

419. O arguido, quer à data dos factos, quer actualmente, reside com o cônjuge, com quem mantém um relacionamento coeso e gratificante.

420. O arguido reside em habitação própria, integrada num condomínio de luxo, no concelho de ….

421. Economicamente, o seu agregado familiar mantém uma posição elevada.

422. O cônjuge do arguido deixou de exercer actividade laboral há vários anos, ocupando-se apenas pontualmente de actividades de voluntariado.

423. No plano profissional, o arguido mantém actividade na área de consultoria empresarial, em diversos ramos, no estrangeiro, nomeadamente, no …, … e …, o que o leva a ausentar-se do país com alguma regularidade, não se tendo apurado o montante mensal actualmente auferido pelo arguido.

424. Os tempos livres do arguido são habitualmente ocupados com a família, sobretudo com o cônjuge, e, por vezes, com a família desta, sendo que os pais do arguido já faleceram.

425. Nos seus tempos livres, o arguido também faz desporto e convive com um grupo restrito de amigos.

426. Os outros contactos sociais que o arguido mantém são essencialmente de âmbito profissional e ligados às actividades de carácter associativista e comunitário.

427. O arguido participa também como …. de um grupo internacional de coleccionistas e pessoas que se dedicam à compra e venda de obras de arte, comparecendo, por vezes, em encontros no estrangeiro.

428. O arguido cultiva desde muito jovem o hábito da leitura, procurando estar sempre bem informado e actualizado, nomeadamente através da imprensa diária.

429. O arguido é uma pessoa ambiciosa, dinâmica, empreendedora, que gosta de liderar e de desafios, mostrando-se destemido na implementação e desenvolvimento das suas ideias, tanto na área financeira, como noutros campos do seu interesse, nomeadamente ligados à arte e à educação, retirando particular gratificação da concretização dos seus projectos.

430. O arguido revela capacidade de comunicação interpessoal e adequação nos contactos que estabelece, possuindo uma imagem positiva no meio profissional – que presentemente se restringe à actividade de consultoria que exerce em países estrangeiros –, social e familiar.

431. No relatório social efectuado ao arguido AA concluiu-se que:

“AA é oriundo de uma família de classe média, cujos padrões de educação se pautaram por regras e valores considerados socialmente normativos e promotores de um adequado processo de socialização.

Com formação na área ….…., o arguido deu seguimento a um trajeto profissional no qual foi ganhando reconhecimento pessoal e social, que contribuíram para a sua ascensão e sucesso, atingindo o seu auge no âmbito da fundação e presidência do BPP, que se viu obrigado a abandonar em contexto de crise económica desta instituição financeira e por exigência do Banco de Portugal.

Não obstante a situação que o levou a deixar a gestão do BPP, profissionalmente, AA manteve-se ativo, exercendo nos últimos anos atividade na área de consultoria empresarial, em diversos ramos, em exclusivo no estrangeiro. Economicamente, continuará a preservar uma posição elevada.

O arguido dispõe de um suporte familiar consistente e revela competências pessoais, sociais e profissionais que se têm constituído como factores de estabilidade pessoal. Todavia, em caso de condenação, o gosto pelos desafios financeiros e empresariais, áreas a que se mantém ligado profissionalmente, aliado à ambição e a uma postura de competição, poderão constituir-se como factores de risco a relevar”.

432 a 542: Factos pessoais relativos aos restantes arguidos.

     Tendo por base o factualismo apurado, o Tribunal da Relação de Lisboa, na procedência parcial do recurso interposto pelo Ministério Público, agravou quatro das penas parcelares e manteve as restantes três, que haviam sido aplicadas pelo tribunal de 1ª instância, condenando o recorrente AA nas seguintes penas parcelares:

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto aos produtos de Retorno Absoluto com garantia), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao Leaving Seagull e ao MB Float), na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às sociedades offshore), na pena de 2 (dois) anos de prisão;

            - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro  quanto às equity option entre o “BPP” e o “Banco Santander”), na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto às operações entre a estratégias e a conta n.º .....82), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

  - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsidade informática, p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º, nºs. 1 e 2, da Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto, e, actualmente, p. e p. pelo art. 3.º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (quanto ao CDS Lehman Brothers), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

 - pela prática, em co-autoria material, concurso real e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento autêntico, p. e p., até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1, als. b) e c) desse preceito legal, e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal, e actualmente pelo art. 256.º, n.º 3, por referência ao n.º 1 als. d) e e) desse preceito legal e ao art. 255.º, al. a), ambos do CPenal (quanto à certificação legal pelo ROC dos relatórios e contas), na pena de 2 (dois) anos de prisão».

      Na fundamentação da decisão quanto à escolha e medida concreta das penas parcelares, o acórdão recorrido mostra-se particularmente claro e detalhado:

«Da interpretação conjugada do disposto nos artigos 40º, nº 1, e 70º, ambos do C.P., decorre que a escolha da pena é feita tendo em vista a realização adequada e suficiente das finalidades da punição: protecção dos bens jurídicos violados e reintegração do agente na sociedade, sendo que se privilegia as penas não detentivas caso estas assegurem a realização das mencionadas finalidades. E, como dispõe o nº 2, do mesmo compêndio adjectivo, a pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa.

Pelo que, quando, como no caso dos autos, aos crimes corresponda, em alternativa, pena de prisão e pena não privativa de liberdade, a opção por uma pena privativa de liberdade só deve ter lugar quando face às necessidades de prevenção especial de socialização ligadas ao agente e de prevenção de reincidência e, ou, as necessidades de prevenção geral relacionadas com a tutela do ordenamento jurídico, tal escolha se revelar indispensável.  

Neste sentido: “…A articulação entre estas necessidades deve ser feita (d)o seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação de pena de prisão (concordante, Anabela Rodrigues, 1988:20, e Figueiredo Dias, 1993:333).”  

E, adianta-se, esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas.

Ora, a eficácia preventiva, quer na vertente de prevenção especial quer na vertente de prevenção geral, tem que ser analisada tendo em atenção quer as características do agente quer a natureza do crime.

No caso, o arguido AA não tem antecedentes criminais, está socialmente inserido e não voltou a delinquir.

Mas, neste tipo de crimes a regra é o agente não ter antecedentes criminais e estar inserido socialmente o que não invalida que sejam ponderosas as necessidades de prevenção especial.

“É nos crimes económicos (crimes de colarinho branco), que o cumprimento da pena de prisão se mostra mais necessário e onde o princípio da prevalência pelas penas não detentivas sofre mais desvios, por os seus agentes manifestarem um defeito de socialização traduzido na falta de interiorização dos valores protegidos na ordem jurídica” [2].  

In casu, apura-se que, de forma reiterada e ao longo de um período de anos, o recorrente praticou os ilícitos analisados nestes autos e pelos quais veio a ser condenado, actuando, em todos eles, com dolo directo e com culpa significativamente elevada.

E, em sede de julgamento, o arguido desvalorizou os factos que admitiu, não revelando crítica.

Do exposto decorre que a integração familiar, profissional e até social cohabitou com um enraizado desrespeito de deveres de cumprimento das normas.

Assim, conclui-se pela impreparação deste arguido para assumir determinadas exigências da vida em sociedade.

E, em conformidade, conclui-se que são muito ponderosas as necessidades de prevenção especial no que toca ao recorrente AA.

Uma das finalidades das penas é a tutela dos bens jurídicos protegidos pela incriminação. Na incriminação pelos crimes de falsidade informática e de falsificação de documentos pretende proteger-se a fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório e, ainda, de forma reflexa, a integridade dos documentos no tráfico jurídco-probatório e a segurança e fidedignidade na força probatória do documento destinado ao tráfico jurídico, respectivamente.

E, tal como é referido no acórdão, são ponderosas as necessidades de prevenção geral, dada a frequência com que ocorrem crimes desta natureza e a reacção ou sentimento de insegurança que os mesmos provocam na comunidade. Como alega o Ministério Público, a actuação destes arguidos afectou os níveis de confiança depositados no sistema bancário.

(…)

Como ensina o Professor Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Edição 2001, 110: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto máximo óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”.

Deve o tribunal atender ao critério estabelecido no art. 71º do Código Penal.

Dispõe o artigo 71º do Código Penal, sob a epígrafe Determinação da medida da pena, que:

1. A determinação da medida da pena, dentro os limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências cautelares.

2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. 

Da análise o acórdão resulta que o mesmo considerou, relativamente a cada um dos arguidos:

- A ausência de antecedentes criminais e a inserção social.

- A energia criminosa reflectida na intensidade e durabilidade da actuação criminosa.

- As necessidades de prevenção geral e especial.

No que tange ao recorrente AA, o tribunal a quo analisou o papel preponderante do mesmo nos destinos do BPP, concluindo, com acerto, pela especial responsabilidade do mesmo, dado que nenhuma decisão era tomada com a oposição do mesmo.

No que toca a cada crime em concreto, analisou a concreta actuação do recorrente, concluindo, em todos eles, que a actuação do recorrente foi dolosa (dolo directo e intenso), que actuou com elevado grau de ilicitude e culpa intensa.

(…)

Refira-se que considerou o tribunal a quo, e bem, não atribuir especial relevo à confissão do arguido no que tange ao crime referente ao Leaving Seagull, dado que considerou não ter havido uma assumpção plena dos factos e do seu desvalor: o arguido admitiu que foi um erro mas desvalorizou a sua participação nos factos.

Assim, as únicas circunstâncias que militam em favor do arguido AA são a ausência de antecedentes criminais, a inserção social e o facto de não ter voltado a delinquir.

Refira-se que, para além do supra exposto quanto à natureza dos crimes de falsidade informática, perfilha-se o entendimento de que não deve ser atribuído grande valor atenuativo à ausência de antecedentes criminais “…pois não ter sofrido qualquer condenação penal é a situação normal em relação à generalidade dos cidadãos.”

Deve, sim, ser tido em conta o facto de não ter voltado a delinquir.

De todo o exposto, entende-se que as penas parcelares aplicadas pelo tribunal a quo, sendo que todas elas são inferiores ao meio da pena,não pecam por excesso».

      E, mais adiante e em apreciação do recurso interposto pelo Ministério Público:

«Ponderar-se-á:

* Em favor do arguido:

A ausência de antecedentes criminais.

A inserção social e familiar.

O tempo decorrido deste a prática dos crimes e facto de não ter voltado a delinquir.

* Em desfavor do arguido:

A ausência de arrependimento ou, sequer, percepção do desvalor das suas condutas.

Que actuou sempre com dolo directo.

O papel preponderante deste arguido (que era ….), sendo que nenhuma decisão de relevo era tomada com oposição do mesmo (vide artigo 28º dos factos provados).

Que as condutas delituosas do arguido não podem ser classificadas como uma mera pluriocasionalidade. De facto, tratando-se de factos distintos e praticados durante largo período de tempo, os mesmos traduzem um enraizado desrespeito por parte do arguido pelas normas aplicáveis à actividade que desenvolvia e, também, pelos clientes do BPP, conduzindo à conclusão de que são elevadas as necessidades de prevenção especial.

Que são muito elevadas as necessidades de prevenção geral, face ao já analisado sentimento de rejeição da comunidade relativamente a este tipo de ilícitos».

       E na fundamentação da pena única, assim se pronunciou o tribunal a quo:

«Nos termos do disposto no artigo 77º, nº 2, do C.Penal, a pena única terá como limite mínimo 2 ( dois ) anos e 6 ( seis) meses de prisão e como limite máximo 13 ( treze ) anos e 6 ( seis) meses.

Dentro desta moldura abstracta aplicável, a pena única deve reflectir os factos na sua globalidade, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.

Como ensina Figueiredo Dias: “Tudo deve passar-se como se o conjunto de factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”.

Aqui, ao longo do alargado período de tempo, o arguido praticou os crimes em questão, sendo que seis desses crimes que violaram o mesmo bem jurídico. O arguido não demonstrou consciência do desvalor da sua actuação.

Assim, “o ilícito global” reveste-se de elevada gravidade.

Todas estas circunstâncias conduzem à conclusão de que a pena única terá que revelar-se adequada às ponderosas necessidades de prevenção especial.

Sendo também muito ponderosas as necessidades de prevenção geral, deve a pena a aplicar corresponder ao mínimo de pena imprescindível ao restabelecimento da confiança colectiva na validade e vigência da norma violada.

Assim, uma pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão mostra-se adequada às necessidades de prevenção (geral e especial) e não ultrapassa a culpa do arguido que, como supra exposto, se revela muito acentuada, na medida em que agiu sempre com dolo directo e, sendo ... do Conselho de Administração do BPP, a sua conduta assume especial censurabilidade por se lhe impor uma maior exegibildade no cumprimento das normas  que violou, com absoluta desconsideração».

     Posto isto:

      Constando da parte final do nº 1 do artº 77º do Cod. Penal que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tal só pode significar que ”na formação do cúmulo jurídico se hão-de seguir as regras gerais que a lei estabelece para a determinação da pena concreta aplicável pela prática de um só crime, tomando agora em conta todos os crimes praticados e a personalidade do agente indiciada também por essa pluralidade de crimes cometidos” [3].

   Determinadas as penas concretamente aplicadas a cada crime e construída a moldura penal do concurso, em obediência à regra enunciada no artº 77º, nº 2, do Cod. Penal, “o tribunal determina a medida da pena conjunta do concurso, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção (artigo 71º do CP) e o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (…). É este critério especial, porque os factos e a personalidade do agente são considerados em conjunto, que garante a observância do princípio da proibição da dupla valoração” [4].

     Nas palavras de Figueiredo Dias [5], “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

           

     As penas parcelares aplicadas são as supra referidas.

      Em função das mesmas, a pena única há-de ser determinada entre um mínimo de 2 anos e 6 meses e um máximo de 13 anos e 6 meses.

     Como se refere no Ac. STJ de de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção, “I - A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente- exigências de prevenção especial de socialização”.

      O arguido agiu, sempre, com dolo directo, daí que intenso.

       São elevadas as exigências de prevenção geral, como se assinala no acórdão recorrido, “dada a frequência com que ocorrem crimes desta natureza e a reacção ou sentimento de insegurança que os mesmos provocam na comunidade”.

      E, como explica Anabela Miranda Rodrigues, “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, Coimbra Editora, 571, «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida da pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica».

      E, salvo o devido respeito por melhor opinião, as necessidades de prevenção geral evidenciadas no acórdão recorrido, sendo as verificadas ao tempo da condenação, não eram diversas das existentes ao tempo em que os factos foram praticados, contrariamente ao alegado pelo recorrente [6]. Não se vê, por isso, que o tribunal a quo tenha, como afirma, “aplicado elemento retroactivamente normativo típico do artigo 70º do Código Penal”, tendo assim gerado “desproporção punitiva que viola a proporcionalidade das penas, ultrapassou o limite da culpa e feriu o princípio da igualdade [artigos 2º, 18º, n.º 2 da Constituição]”. Em boa verdade, aliás, nem há que dar por adquirido que as referidas necessidades de prevenção geral hajam de ser aferidas em função do momento da prática dos factos. Exactamente em sentido oposto, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 360, escreve: “Para descortinar este valor deve ter-se em conta que as considerações atinentes à culpa se reportam ao momento da prática do facto e as considerações referentes à prevenção se reportam ao momento do julgamento” (negrito no original).

     Como não nos parece que deva ser especialmente considerado “o decurso de tempo entre a data dos factos e a da condenação, pelo que o efeito de exemplaridade por ameaça perde o seu sentido”, na afirmação do recorrente. O decurso do tempo, podendo contribuir para uma ideia generalizada (nem por isso, justa e acertada) de morosidade no funcionamento do sistema de justiça, não esmorece a necessidade de repor a confiança da comunidade na protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas.

     De outro lado, são elevadas as necessidades de prevenção especial: como se assinala na decisão recorrida, “em sede de julgamento, o arguido desvalorizou os factos que admitiu, não revelando crítica. Do exposto decorre que a integração familiar, profissional e até social cohabitou com um enraizado desrespeito de deveres de cumprimento das normas. Assim, conclui-se pela impreparação deste arguido para assumir determinadas exigências da vida em sociedade”. E, de outro lado, as condutas delituosas do arguido não podem ser classificadas como uma mera pluriocasionalidade, pois que se traduzem em factos distintos e praticados durante um largo período de tempo, evidenciando – como se assinala na decisão recorrida – “um enraizado desrespeito por parte do arguido pelas normas aplicáveis à actividade que desenvolvia e, também, pelos clientes do BPP, conduzindo à conclusão de que são elevadas as necessidades de prevenção especial”.

    Não colhe, aliás, a insistência deste arguido em menorizar a sua influência nas decisões tomadas pelo Banco – conclusão 10ª da sua motivação de recurso – ao afirmar que pertencia “a um colégio de três pessoas, tendo o ora arguido a mera preponderância e não direito de veto (ii) além de que, é relevante consignar que o arguido, sendo embora ... do Conselho de Administração, não pertencia à Comissão Executiva, e esta, nos termos da lei, estava incumbida da gestão da sociedade e, ainda conforme a lei, tal CE poderia actuar em sentido inverso do que fosse a sua visão ou as suas intenções”. A verdade, porém, é que provado se mostra que se é certo (ponto 28 dos factos provados) que «entre 2002 e 2008, os arguidos AA, CC e BB formavam o núcleo central de gestão do “Banco”, sem cuja aprovação as decisões relevantes não eram tomadas», certo é igualmente que, como consta do mesmo ponto da factualidade assente, detinham e exerceram o poder de ...  «com especial preponderância do primeiro, pelo facto de ter sido o fundador, o rosto do “BPP” e o único … do seu Conselho de Administração até à intervenção do “Banco de Portugal» (subl. nosso). Como provado se mostra, aliás, (pontos 59 e 60 da factualidade assente) que «(…) a reduzida dimensão do “BPP” (que, em Portugal, contava apenas com dois balcões, um em Lisboa e outro no Porto, não dispondo, no total, de mais de 150 colaboradores) permitiu um acompanhamento efectivo e muito próximo, por parte dos arguidos AA, CC e BB, da actividade operacional que ia sendo desenvolvida pelas diferentes áreas do “Banco”. Este acompanhamento assentava numa estrutura decisória composta por aqueles três arguidos, com predominância do arguido AA, mesmo após, formalmente, este ter deixado de desempenhar funções executivas, núcleo para o qual era remetida a generalidade das decisões relevantes e reservando-se para as diferentes áreas operacionais a respectiva execução» (subl.nosso).

    A favor do arguido milita a sua inserção social e familiar, a ausência de antecedentes criminais e o tempo decorrido desde a prática dos crimes, não tendo voltado a delinquir.

    A ausência de antecedentes criminais, não deixando de ser algo que se espera do comum dos cidadãos, não pode – nem foi, no caso concreto – ser desvalorizada. Como, de igual modo, foi devidamente considerada a inserção social e familiar do recorrente e o facto de não ter voltado a delinquir.

      E daí, aliás, que a pena única aplicada pelo tribunal a quo – 5 anos e 8 meses de prisão - se tenha quedado no primeiro terço da pena abstractamente aplicável.

     Como se refere no Ac. STJ de 08-07-2020, Proc. n.º 74/14.7JAPTM.E1.S1 - 3.ª Secção, “A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no âmbito do ordenamento punitivo”.

      No acórdão recorrido, assim se procedeu. Daí que a pena única encontrada se mostre justa, adequada e proporcional sendo, por isso, de manter.


    IV. São termos em que acordam os Juízes deste Tribunal em:

     a) Rejeitar o recurso interposto pelo arguido BB, por ser quanto a ele irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação – artºs 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), 432º, nº 1, al. b) e 400º, nº 1, al. e), todos do CPP – condenando o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC’s, e no pagamento de uma importância igual a 5 (cinco) UC’s – artº 420º, nº 3 do CPP;

     b) Relativamenmte ao recurso interposto pelo arguido AA, conhecer do mesmo apenas relativamente à determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, negando provimento ao mesmo e confirmando o acórdão recorrido, rejeitando-se o recurso do mesmo, porque inadmissível, no que às demais questões por ele suscitadas diz respeito.

     c) Condenar o recorrente AA no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s – artº 513º, nº 1 do CPP e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais – e no pagamento de uma importância igual a 5 UC’s – artº 420º, nº 3 do CPP – em função da rejeição parcial do recurso.


Lisboa, 20 de Janeiro de 2021 (processado e revisto pelo relator – artº 94º, nº 2 do CPP)

Sénio Alves (Juiz relator)

 Atesto o voto de conformidade do Exmº Sr. Juiz Conselheiro Manuel Matos – artº 15º do DL 10-A/2020, de 13/3.

_________
[1] «De acordo com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, recorre-se para o STJ de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do art. 400.º e, em conformidade com o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos.
Para este efeito, este STJ vem entendendo que a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insusceptíveis de recurso para o STJ, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), do CPP.
Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, os vícios elencados no art. 410.º, nº 2, do CPP, as nulidades da decisão (arts. 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e aspectos relacionados com o julgamento dos mesmos crimes, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova (v.g., o respeito pela regra da livre apreciação e pelo princípio in dubio pro reo ou proibições de prova), com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas parcelares».
[2] Ac. TRP de 24.2.2016, Proc. 1056/08.0TDPRT.P1
[3] Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, III, 164.
[4] Maria João Antunes, “Penas e medidas de segurança”, 59. No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 3ª ed., 377: “O princípio da proibição da dupla valoração não obsta à consideração na determinação da pena conjunta do concurso de crimes de uma circunstância já considerada na determinação da pena de um dos crimes em concurso, desde que essa circunstância se reporte ao conjunto dos factos, pois neste o objecto da valoração é distinto”.
[5] “As Consequências Jurídicas do Crime”, 4.ª Reimp., pág. 291.
[6] Como o próprio recorrente reconhece, “os crimes julgados nestes autos «afectam a confiança na fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório e, ainda, de forma reflexa, na integridade dos sistemas informáticos, bem como a segurança e fidedignidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico»”.