CONTEÚDO DA SENTENÇA
CONTAGEM DOS JUROS
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
Sumário

I - As decisões judiciais resultam de conflitos concretos colocados para apreciação jurisdicional; não decorrem de elucubrações teóricas nem podem ser formatadas em modelos únicos.
II - Se a questão em litígio se circunscreve, por exemplo, a determinar a contagem de um dado prazo para efeitos de uma eventual prescrição, naturalmente que a utilização do modelo previsto no artigo 607º do CPC sobre elaboração de sentenças não terá que ser rigidamente seguido.
III – As regras de imputação do incumprimento de obrigações previstas nos artigos 783º e 784º do Código Civil não são aplicáveis quando estão em causa dívidas de juros.
IV- Nas dívidas de juros, salvo convenção em contrário, aplica-se o critério supletivo legal especificamente previsto no artigo 785º do Código Civil.

Texto Integral

Processo n.º 4408/14.6T8PRT-B.P1

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório

Por apenso à execução instaurada por B… e C…, D…, executado nos autos, veio, deduzir a presente oposição à penhora, onde termina peticionando que se ordene o levantamento da penhora feita ao crédito do IRS de 2018.
Refere que esta penhora é feita indevidamente uma vez que a dívida se encontra paga ao passo que os juros que constam da notificação da penhora não são devidos por estarem prescritos.
O Exequente respondeu, defendendo inexistir razão ao demandante.
O tribunal “a quo” entendeu estar habilitado a decidir de imediato uma vez “que é notório ser de indeferir liminarmente a presente oposição”. Deste modo, proferiu decisão em que julgou improcedente a oposição á penhora com custas pelo Executado, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
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Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso o executado/oponente de cujas alegações se transcrevem as respetivas conclusões:
I - Por douta Sentença prolatada em 14-12-2020, foi julgada improcedente a oposição à penhora.
II - Porém, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, não especifica nem fundamenta de facto e de direito a decisão proferida, padecendo, por isso, da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º.
III - De facto, o Tribunal a quo, ao não declarar quais os factos que considera provados e não provados, não especifica os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, violando o estipulado no n.º 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, sendo nula a sentença, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
IV - De acordo com o Tribunal a quo, a quantia exequenda ainda não se encontra paga, assentando a sua convicção num documento junto pela Agente de Execução, presuntivamente demonstrativo da liquidação da dívida exequenda (capital e juros).
V- No entanto, a forma de cálculo está errada, conforme se passa a demonstrar:
Na instância que ora se recorre procedeu-se, no dia 25/11/2004, ao seguinte cálculo de juros:
“Quantia exequenda: ……€15.333,23 euros
Juros vencidos: ………….€1.162,77 euros
Pelo que a partir desta data deveriam ser contabilizados da seguinte forma:
Juros vincendos desde 18-03-2005 a 31-12-2005 à taxa de 4+5 % cfr. Requerimento executivo:
2005: (18-03-2005 a 31-12-2005)
Quantia exequenda:......................... €15.333,23 euros
Descontos de 2005:…………….…... €1.048,52 euros
Para cálculo de juros:……………..… €14.284,71 euros
Juros de 2005 ………….………..…… €1.014,41 euros
Juros vencidos: €1.162,77 euros
Total: €2.177,18 euros
A receber de juros: €2.177,18 euros
2006: (01-01-2006 a 31-12-2006)
Quantia exequenda:........................ €15.333,23 euros
Descontos de 2006:…………….... – €1.387,68 euros
Para cálculo de juros:……………… €13.945,55 euros
Juros de 2006…………………….… €1.251,66 euros
A receber de juros: 1.251,66€
2007: (01-01-2007 a 31-12-2007)
Qtª exequenda:............................... €13.945,55 euros
Descontos de 2007:………............ -€ 1.509,60 euros
Para cálculo de juros:..................... €12.435,95 euros
Juros de 2007: …………..………… €1.116,17 euros
A receber de juros: 1.116,17€
2008: (01-01-2008 a 31-12-2008)
Qtª exequenda:............................... €12.435,95 euros
Descontos de 2008:………............ -€ 3.342,90 euros
Para cálculo de juros:..................... €9.093,05 euros
Juros de 2008: …………..………… €818,37 euros
A receber de juros: €818,37 euros
2009: (01-01-2009 a 31-12-2009)
Qtª exequenda:............................... €9.093,05 euros
Descontos de 2009:………............ -€ 2.549,77 euros
Para cálculo de juros:..................... €6.543,28 euros
Juros de 2009: …………..………… €587,28 euros
A receber de juros: €587,28 euros
2010: (01-01-2010 a 31-12-2010)
Qtª exequenda:............................... €6.543,28 euros
Descontos de 2010:………............ -€ 589,30 euros
Para cálculo de juros:..................... €5.953,98 euros
Juros de 2010: …………..………… €534,39 euros
A receber de juros: €534,39 euros
2011: (01-01-2011 a 31-12-2011)
Qtª exequenda:............................... €5.953,98 euros
Descontos de 2011:………............ -€ 456,60 euros
Para cálculo de juros:..................... €5.488,38 euros
Juros de 2011: …………..………… €492,60 euros
A receber de juros: €492,60 euros
2012: (01-01-2012 a 31-12-2012)
Qtª exequenda:............................... €5.488,38 euros
Descontos de 2012:………............ -€ 3609,23 euros
Para cálculo de juros:..................... €1.879,18 euros
Juros de 2012: …………..………… €169,13 euros
A receber de juros: €169,13 euros
2013: (01-01-2013 a 31-12-2013)
Qtª exequenda:............................... €1.879,18 euros
Descontos de 2013:………............ -€ 1.418,76 euros
Para cálculo de juros:..................... €460,42 euros
Juros de 2013: …………..………… €41,32euros
A receber de juros: €41,32 euros
2014: (01-01-2014 a 31-12-2014)
Qtª exequenda:............................... €460,42 euros
Descontos de 2014:………............ -€ 335,60 euros
Para cálculo de juros:..................... €124,82 euros
Juros de 2014: …………..………… €11,20euros
A receber de juros: €11,20 euros
2015: (01-01-2015 a 31-12-2015)
Qtª exequenda:............................... €124,82 euros
Descontos de 2015:………............ -€ 1.537,62 euros (1.537,62-124,82=+€1.412,80)
Para cálculo de juros:..................... €124,82 euros (de 01-01-2015 a 20-01-2015)
Juros de 2015: …………..………… €0,58 euros
A receber de juros: €0,58 euros
Saldo Positivo no capital no valor de €1.412,80 euros em 22-12-2015
Descontos em 2015: ……………….€1.412,80 euros
Descontos em 2016: ……………….€3.084,98 euros
Descontos em 2018: ……………….€2.206,00 euros
Descontos em 2019: ……………….€1.544,83 euros
Total de descontos a mais: …………..€8.248,61 euros
Somatório dos juros vencidos até à data de pagamento do capital: €7.199,86 euros
Saldo positivo no processo executivo: €8.248,61-€7199,88= + €1.048,73 euros
Assim, na verdade as prestações recebidas pelos exequentes, decorrente do somatório de todas as parcelas, apresenta agora um saldo positivo de €1.048,73 euros no processo principal, conforme se acaba de demonstrar.
VI - Mas, no entanto, a Sentença proferida dá como boas as contas efectuadas pela Sra. Agente de Execução e diz que está em dívida o montante de €9.015,45 euros de capital e €666,60 euros de juros.
VII - O tribunal vem dizer que foram recebidas no processo as quantias discriminadas no documento junto pela Sra. Agente de Execução e que, por força do disposto no artigo 785.º do CC (Livro II subsecção V do Código Civil, “Imputação do cumprimento”), devem ser imputadas em primeiro lugar nas despesas, seguidamente nos juros e em último no capital.
VIII - No entanto, a regra imposta pelo normativo acabado de referir é contrariada pelo artigo 783.º do CC, que diz, “Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere”.
IX - Ora, no caso dos presentes autos as prestações recebidas foram sempre imputadas somente aos juros não amortizados pela prestação anterior (Juros I), o que não se concebe, porquanto, o valor maior (€15.333,23 euros dívida inicial) sendo o montante superior está sempre a gerar muitos mais juros, porque não abate qualquer quantia ao capital em dívida.
X - E, não tendo havido acordo quanto à forma de imputação do cumprimento, deve aplicar-se a regra supletiva do artigo 784.º do CC, e o cumprimento imputar-se na dívida vencida, isto é, naquela que oferece menor garantia (capital) para o credor e, entre as várias dívidas (no caso capital e juros), na mais onerosa para o devedor (que no caso será a imputação no capital).
XI – Mais se dirá, no que tange à ação executiva, o legislador estabeleceu a regra geral da aplicabilidade imediata do regime introduzido pelo Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, com a ressalva das situações previstas nos ns.º 2 a 4 do artigo 6.° da Lei n.º 41/2013.
XII - Nessa conformidade, mostrando-se assente o valor da quantia exequenda, da taxa de juros aplicáveis e dos montantes já penhorados nos autos, emergentes dos descontos efetuados no salário do executado, impõe-se determinar a forma de calcular os juros vencidos sobre o capital em divida, conforme demonstrado supra.
XIII - Os juros correspondem a frutos civis que representam o rendimento de uma obrigação de capital.
XIV - Por essa razão, o valor dos juros varia em função do capital sobre que incide, do tempo durante o qual se mantém a privação deste pelo credor e da taxa de remuneração fixada por lei ou estipulada pelas partes.
XV - Nas obrigações pecuniárias, a indemnização pela mora do devedor no cumprimento da obrigação reveste a natureza de juros (artigos 804. ° e 806.º, n. º 1 do Código Civil).
XVI - Ora, de acordo com o disposto no artigo 716. ° n.º 2 do CPC, quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
XVII - Daí, que, de acordo com este normativo (de teor equivalente ao disposto no artigo 805.º, n.º 2 do CPC, na redação anterior à Lei n.º 41/2013), verificamos que os juros vincendos são calculados a final, em acto prévio à remessa dos autos à conta.
XVIII - E no que respeita à forma de cálculo dos juros vincendos nas situações em que o exequente vai recebendo por conta dos produtos dos bens penhorados nos autos, na esteira da orientação sufragada nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16.04.2012, proc, n.º 3328/07.5TVPRT-D.Pl, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.2012, proc. n.º 532/07.4TBRGR-A.L1-1 (disponíveis in www.dgsi.pt) e por apelo ao regime substantivo, ponderada a natureza e o fim da obrigação de juros, deve entender-se que a contagem de juros incide sobre o remanescente, após cada pagamento.
XIX - Na verdade, e caso assim não se entendesse e vingasse a tese sufragada pelos exequentes no documento ora junto, o que sucedia era que os exequentes estariam a capitalizar juros, o que apenas é admissível nos estritos termos previstos no artigo 560. ° do Código Civil, que em matéria de juros, vigora o princípio da proibição do anatocismo, isto é, da cobrança de juros sobre juros.
XX - A lei consagra, assim, a regra de que juro não vence juro, a menos que haja convenção posterior ao vencimento ou seja efetuada notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros ou proceder ao seu pagamento, sob pena de capitalização.
XXI - No caso dos presentes autos, desde o início da execução foram separados (contabilizados) os juros (I)não amortizados pela prestação anterior, e depois, acrescentados os juros (II) vencidos entre prestações e, por fim, somados todos os juros, cfr. documento demonstrativo da liquidação junto pela Agente de execução e cuja tabela inicial se junta com a presente motivação.
Termina o recorrente peticionando a revogação da decisão recorrida, dada a violação das alíneas b), c), do n.º1 do artigo 615.º do CPC, declarando-a nula, e consequentemente, ordenar a devolução do saldo positivo no valor de €1.048,73 euros (mil e quarenta e oito euros e setenta e três cêntimos).
Houve resposta onde se requer a improcedência do recurso.

II - Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer, em regra, de matérias nelas não incluídas. Ora, neste enquadramento, está em causa discernir:
I) Da nulidade da decisão proferida;
II) Da imputação do cumprimento efetuado ao capital e/ou aos juros.

III – Fundamentação Jurídica
I) O recorrente entende que o tribunal “a quo” alegadamente ao não declarar quais os factos que considera provados e não provados e ao não especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção proferiu uma decisão nula, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil (CPC). Nos termos do preceito em causa, é nula a decisão que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida.
As decisões judiciais resultam de conflitos concretos colocados para apreciação jurisdicional; não decorrem de elucubrações teóricas nem podem ser formatadas em modelos únicos e rígidos. Se a questão em litígio se circunscreve, por exemplo, a determinar quando se inicia a contagem de um dado prazo para efeitos, nomeadamente, de uma eventual prescrição, naturalmente que o modelo previsto no artigo 607º do CPC sobre elaboração de sentenças pode não fazer sentido, revelando-se inadequado.
Assim, em tese geral, em função de cada dissídio, o tribunal deve plasmar na decisão as questões que mereceram impugnação e, após descrevê-las, de facto – se os mesmos forem suscitados ou suscitáveis - e de direito, explicando, fundamentadamente, as opções assumidas para, finalmente, na parte dispositiva, culminar com uma tomada de posição inequívoca sobre as mesmas.
No requerimento inicial o executado alega, conclusivamente, que a dívida foi paga e concretiza tal asserção a partir da ocorrência da prescrição quanto ao peticionado pagamento dos juros dados à execução, citando jurisprudência que entende sufragar essa tese jurídica, e ainda da circunstância de desfrutar de apoio judiciário o que o eximiria do pagamento de honorários e despesas com o agente de execução e advogado.
Não impugna factos apurados na execução nem invoca novos factos a ter em consideração.
Neste contexto, a reação dos demandados, na contestação, veio negar justamente o pagamento da dívida e afirmar não ocorrer qualquer prescrição nos autos.
Definida a causa de pedir e o pedido, a decisão proferida (saneador-sentença) apreciou circunstanciadamente as questões descritas e colocadas. Não tinha, neste concreto entorno, de elencar formalmente factos provados ou não provados ou que os fundamentar; simplesmente porque tal matéria não estava, como não está, em causa nos autos, existindo consenso das partes e não fazendo parte do litígio concreto.
Aliás, no que importa à causa de pedir do requerente, houve o cuidado de indicar os factos que interessavam à apreciação jurídica do tribunal.
São eles, explicitando:
- a presente execução destina-se a pagamento da quantia de capital de 15.333,23€, acrescida de juros legais até integral pagamento.
- além dos juros moratórios, calculados à taxa de 4%, são também devidos os juros previstos no n. 4 do art. 829-A do CC, calculados à taxa de 5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença que serve de título executivo até integral pagamento, conforme o pedido no requerimento executivo. Temos, portanto, uma taxa de juro de 9%.
- a dívida exequenda, liquidada no requerimento executivo, com juros calculados até à sua apresentação em juízo (25.11.2004), era de 16.496,03 (15.333,23€ de capital e 1.162,80€ de juros)
- acrescem os juros moratórios e os juros previstos no art. 829-A, n. 4 do CC contados desde 26.11.2004 até integral pagamento (cf- requerimento executivo).
- até ao presente, foram recebidas no processo as quantias as quantias discriminadas no documento junto pela Sra. Agente de Execução (4ª coluna) e ainda a quantia de 1544,83€, em 14,11,2019 – cfr. Informação apresentada pela SR. AE a 12-10-2020
- tais quantias foram recebidas pela agente de execução nas datas indicadas na 1ª coluna da tabela.
Com esta discriminação surge indicado um conjunto de factos não impugnados pelo executado e que habilitaram o tribunal a analisar o objeto do processo, que é, repita-se, o do eventual pagamento da dívida, designadamente por força da alegada prescrição.
No que concerne à prescrição, o tribunal recorrido tomou posição inequívoca como resulta da transcrição que segue: “não estão prescritos os juros de mora pois que o prazo de prescrição das quantias reclamadas nos presentes autos são os se encontram estabelecidos no art. 311.º do Código Civil e permanecerão interrompidos até ao trânsito em julgado da decisão que puser termo ao presente processo, por força do disposto nos art. 323.º, n. 1 e 327.º, n. 1 do Código Civil.”
Donde, descritos devidamente os factos relevantes e fundamentada a decisão, conclui-se ser improcedente a alegação da nulidade em causa.
II – É tempo de cuidarmos substancialmente do que se discute efetivamente no presente recurso, dando de barato não estarmos perante uma “questão nova” atenta a discussão essencialmente jurídica em causa (“iura novit curia”).
Descartando a questão da prescrição na qual assentou, em boa medida, a oposição deduzida e que não mereceu objecção nas doutas alegações de recurso, pretende-se, nesta sede, relativamente ao modo como foram contabilizados os pagamentos parcelares afirmar que “a forma de cálculo está errada”, ou seja, o tribunal não teria contabilizado corretamente os pagamentos efetuados na medida em que deveria ter aplicado a regra imposta pelo artigo 783.º do Código Civil (CC) que imporia a regra segundo a qual “se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efetuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere.”
Na verdade, o tribunal apelado entendeu, sim, aplicar ao caso concreto o disposto no art.785.º do CC que, no seu nº 2, determina que a imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.
E fê-lo, a nosso ver, correctamente. Salvo o devido respeito por opinião contrária, o regime legal do Código Civil relativo à “Imputação do cumprimento”, Subsecção V, é claro nestas matérias. Deste modo, leia-se o nº1 do artigo 785º que estatui: “quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.” E depois anote-se o já referenciado nº2 que impõe o último lugar na imputação do capital.
Ora, sabe-se estar em causa nos autos uma dívida de capital e uma dívida de juros; portanto, estão em contenda dívidas de diferentes espécies às quais se aplica uma norma especial, a do artigo 785º, que não se confunde com quaisquer outras; sabe-se enfim não ter ocorrido acordo dos credores em sentido diferente ao preceituado, supletivamente, por esta citada norma.
Trata-se, pois, de aplicar este regime e não o dos artigos 783º e 784º que dizem respeito apenas a dívidas da mesma espécie e cujo âmbito se encontra excluído pelo artigo seguinte relativo expressamente a “dívidas de juros, despesas e indemnização”. E “o regime que agora descrevemos vale para as obrigações em geral e não deixará de se aplicar aquando das situações de cobrança judicial, coerciva.” – citamos aqui um acórdão elaborado por este mesmo coletivo relativo a questão similar à dos autos em que propugnamos a mesma solução jurídica (vide Acórdão desta Relação de 22.10.2019, processo nº 562/19.9T8OAZ.P1, disponível em dgsi.pt).
Finalmente, entende o recorrente, no que respeita à forma de cálculo dos juros vincendos nas situações em que o exequente vai recebendo por conta dos produtos dos bens penhorados nos autos, ter sido indevidamente contabilizada a contagem de juros sobre o remanescente em dívida, após cada pagamento.
Segundo se alega “desde o início da execução foram separados (contabilizados) os juros (I) não amortizados pela prestação anterior, e depois, acrescentados os juros (II) vencidos entre prestações e, por fim, somados todos os juros” o que implicaria um indevido locupletamento dos exequentes, contabilizando juros sobre juros (anatocismo).
Porém, não foi esse o cálculo executado pela Sra. Agente de Execução, sufragado pelo tribunal de 1ª instância; a contagem dos juros foi sempre feita, como devia, sobre o valor de capital em dívida no momento de cada pagamento e não sobre a soma do capital e juros, como, a nosso ver, indevidamente se argumenta.
Concretizando: o primeiro pagamento ocorreu em 18.03.2005 sendo que nessa data, além do montante liquidado aquando do requerimento executivo, que incluíam já €1162,77 de juros, haveria que adicionar os juros vencidos entre 26.11.2004 e 18.03.2005, calculados à taxa de 9% (4%+5%, conforme vimos acima), num total de 427,23€ - cf. colunas da tabela. Por isso, em 18-03-2005, data da arrecadação da primeira prestação, a dívida ascendia a 16.923,23€ correspondente ao capital acrescido de €1590,00€ de juros - 8ª coluna.
Na data do pagamento seguinte (20.04.2005), além do capital (15.333,23€ sempre o mesmo valor) e juros que não foram amortizados pela prestação anterior (1.494,68€), venceram-se e eram devidos os juros à taxa de 9% entre 18.03-3005 e 20.04.2005 que ascendiam a 124,77€. Assim, o pagamento feito em 20.04.2005, foi imputado também apenas em juros, o mesmo sucedendo com os pagamentos seguintes, até 21.10.2008, data em que foi feita a primeira imputação no capital (por se encontrar paga a totalidade dos juros vencidos), que, em consequência, passou a ser de 15.216,98€.
Resulta, destarte, assisadamente alinhada a forma de cálculo de acordo com o que a lei propugna e sem que se imputem juros indevidos.
Em síntese conclusiva, perante o soçobramento do recurso deduzido, impõe-se confirmar a sentença sob escrutínio.

IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso deduzido e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 9 de Março de 2021
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues