RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
GERENTE
REJEIÇÃO
Sumário


I - O recorrente entende existir oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, pois considera que a mesma questão de direito - a de saber se se pode deduzir que o gerente de direito é gerente de facto e, portanto, que agiu voluntariamente em nome da pessoa coletiva - foi decidida de forma distinta.
II - Não existe oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, porque enquanto no acórdão fundamento expressamente se considerou que não havia elementos de prova suficientes para concluir que a gerência de direito correspondia a uma gerência de facto, no acórdão recorrido a questão não foi analisada, porque nem sequer foi alegada em sede de recurso pelo recorrente.

Texto Integral




Proc. n.º 68/15.5IDFUN.L1-A.S1

Recurso extraordinário de

fixação de jurisprudência

I Relatório

1. Socicorreia — Engenharia, AS, e AA, arguidos/recorrentes neste processo e identificados nos autos, vêm, ao abrigo do disposto nos arts. 437.º, n.º 2, e 438.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação ….., de 27 de fevereiro de 2020, que julgou parcialmente procedente os recursos interpostos pelos arguidos agora recorrentes, tendo diminuído as penas aplicadas a cada um, pela prática de um crime de fraude fiscal, nos termos dos arts. 103.º, n.º 1, a. c) e 104.º, n.ºs 1 e 2, conjugados com os arts. 6.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06).

2. O Tribunal da Relação ….., no acórdão recorrido, considerou, perante as alegações apresentadas e sintetizadas nas conclusões, que cumpria conhecer das seguintes questões:

«- quanto aos factos, concretamente contestando os considerados provados consignados sob 5, 7, 8 e 10 a 12, pugnando, em vista de prova que invocam, pela sua modificação/inversão, e bem assim, considerando que "não está provada a intervenção consciente e deliberada dos arguidos (Socicorreia e AA) no esquema de faturação falsa com o objetivo de obter um benefício ilícito para a sociedade arguida (poupança de 123 mil euros de IRC) à custa de defraudar o Estado", não se mostrando preenchidos o elemento objectivo do crime, nem, ao menos por dúvidas, o elemento subjetivo,

- contestando ainda, no que concerne ao arguido, a imputação de um juízo ilícito e culposo por não haver qualquer ato de ligação entre ele e os subempreiteiros,

por tudo pugnando pela absolvição de ambos,

e ainda, subsidiariamente,

pretendendo que, a manter-se a condenação, se impõe o recurso ao instituto da redução de pena (art. 22.° do RGIT), e bem assim, em vista dos dados factuais do processo (o pagamento, diminuta ilicitude e culpa,) a sua fixação em multa de 500 euros para cada um.»

 3. Foi apresentado como acórdão fundamento, pelos aqui recorrentes, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.06.2009[1], e transitado em julgado a 07.07.2009 (cf. certidão junta aos autos pelos recorrentes).

Neste a questão a decidir era apenas uma:

«A questão que cumpre apreciar e decidir, tal como delimitada pelas conclusões da alegação dos a Recorrentes, é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou que o “figurar no registo como gerente de uma sociedade” exerce, de facto, as funções de gerente da sociedade.»

E decidiu-se pela procedência do recurso e consequentemente pela absolvição dos arguidos do crime de abuso de confiança (nos termos do art. 105.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias).

4. Os arguidos interpuseram o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, tendo terminado com as seguintes conclusões:

«O ACÓRDÃO FUNDAMENTO

1. Para o Acórdão fundamento (Tribunal da Relação do Porto n.º 21/05.7TAPRD.P1, 4.ª secção, proferido a 03/06/2009, já transitado em julgado) o arguido, gerente de direito de sociedade, não pode ser condenado por crime fiscal, apenas com base em prova indireta ou presumida – no sentido de quem exerce a gerência de direito, também a exerce de facto, com base em “regras de experiência comum” e da “normalidade do curso da vida”.

2. Exige-se a comprovação, por outros elementos de prova, que o gerente de direito atuou voluntariamente como gerente; que desempenhou de facto a gerência ou administração da sociedade. Só esta atuação voluntária pode desencadear uma responsabilidade penal que, por natureza, é subjetiva (art. 6.º, 7.º RGIT e 12.º do CP).

3. E, excluída a responsabilidade criminal dos arguidos pessoas singulares, fica afastada, por impossível, a responsabilidade criminal da pessoa coletiva – art. 7.º do RGIT.

O ACÓRDÃO RECORRIDO

4. Para o Acórdão recorrido, o arguido (AA), gerente de direito de sociedade, pode ser condenado por crime fiscal, apenas com base em prova indireta ou presumida – no sentido de quem exerce a gerência de direito, também a exerce de facto, com base em “regras de experiência comum” e “normalidade do curso da vida”.

5. A responsabilidade criminal do arguido, pessoa singular, acarreta a responsabilidade criminal da pessoa coletiva (SOCICORREIA – Engenharia, Lda) – art. 7.º do RGIT.

JULGAMENTOS OPOSTOS SOBRE MESMA QUESTÃO DE DIREITO

6. É insofismável a existência de julgamentos opostos em relação à mesma questão de direito: valor e densificação legal da atuação voluntária, como base da responsabilidade penal, de natureza subjetiva (na aplicação e interpretação do art. 6.º e 7.º do RGIT e art. 12.º do Código Penal).

SENTIDO EM QUE DEVE FIXAR-SE A JURISPRUDÊNCIA

7. O STJ deve fixar a seguinte jurisprudência, na esteira do Acórdão fundamento: na interpretação e aplicação dos artigos 6.º, 7.º do RGIT e art. 12.º do CP, a condenação, por crime fiscal (fraude fiscal), de um gerente (administrador) de sociedade comercial, não se basta apenas com a prova indireta ou indiciária, por presunção natural, no sentido de que da gerência de direito se infere a gerência de facto, com base em “regras de experiência comum”, “lógica” ou “normalidade do curso de vida”.

8. Exige-se também uma qualquer comprovação, por outros elementos de prova, que o gerente de direito atuou voluntariamente; que efetivamente desempenhou de facto a gerência ou administração da sociedade.

9. Pois só esta atuação voluntária pode desencadear uma responsabilidade penal que, por natureza, é subjetiva.

10. E, por consequência, excluída a responsabilidade criminal do arguido pessoa singular, fica afastada, por impossibilidade, a responsabilidade criminal da sociedade, nos termos do art. 7.º do RGIT.

DAS ALEGAÇÕES

11. Não se nega o valor jurídico da prova por presunção natural, mesmo em Direito Penal: de um facto conhecido pode inferir-se um facto desconhecido, por presunção natural, quando entre ambos exista uma relação de causalidade tão intensa, que leve a concluir que a ocorrência de um (conhecido) implica, inevitavelmente, a verificação do outro (desconhecido).

12. O tema do recurso é outro: um gerente de direito não pode ser condenado por crimes fiscais APENAS com base nessa prova indireta, sem o mínimo de prova de gestão efetiva e de facto. Não é legítimo condenar-se um sujeito (o gerente e a sociedade, por consequência) apenas com base nessa prova indireta (se é gerente de direito, também o é inevitavelmente de facto, por recurso a presunção natural).

13. Desde logo, por violação do art. 6.º do RGIT e art. 12.º do Código Penal, em que o titular de um órgão de pessoa coletiva (gerente de direito) só pode ser responsabilizado por crimes da sociedade que representa, se atuar voluntariamente nessa sua condição de gerente e representante legal.

14. Essa atuação voluntária do gerente não é alcançada apenas com a mera identificação da posição nominal (ou formal) de direito de representante. A atuação “voluntária” imposta pela lei fiscal e criminal remete para a comprovação da gerência de facto, através de atos concretos e efetivos de atuação voluntária de representação da sociedade.

15. Caso a condenação se bastasse com a constatação da gestão de facto, apenas por prova indireta (havendo gerência de direito, por experiência da vida e lógica), seria possível a condenação de um gerente que o era de direito, mas que não o foi de facto.

16. Não faz sentido, por violação do art. 6.º do RGIT e 12.º do CP, que um gerente, apesar de não ter praticado quaisquer atos de gestão da sociedade (sem qualquer atuação voluntária) seja, porém, condenado em matéria fiscal-criminal (fraude fiscal), apenas porque assim figura no pacto.

17. Por outro lado, a condenação apenas com base na presunção natural e judicial, segundo a qual quem é gerente de direito também o é de facto – viola, de forma ostensiva, o princípio estrutural da culpa em direito penal.

18. A responsabilidade já não seria subjetiva e assente na culpa concreta, mas teria uma natureza funcional e objetiva, decorrente da mera titularidade da posição de gerente.

19. Nesse caso – prova da flagrante ilegalidade – um gerente de direito, mas que não o seja de facto será irremediavelmente condenado em processo crime, apesar de não ter praticado qualquer atuação ou comportamento culposo.

20. Donde, a condenação não se pode estribar apenas na presunção natural de gestão de facto; mas tem também de se fundar em factos concretos que denotem efetiva gestão de facto, com a atuação voluntária e culposa do gerente.

Acresce que:

21. Não faria sentido que a prova no processo penal (prova da gerência de facto, apenas por presunção natural, porque é gerente de direito) levasse à condenação do arguido pessoa singular, pelo crime de fraude fiscal qualificada – e, por consequência, da sociedade, quando esse mesmo acervo de prova (apenas por presunção natural), não seria suficiente para a) Responsabilizar o gerente pelas dívidas fiscais da Sociedade (com base no art. 24.º da LGT), nem b) para o condenar por coimas e multas da Sociedade (art. 8.º do RGIT).

22. Nestes dois casos, segundo jurisprudência dos Tribunais superiores da jurisdição administrativa (Ac. TCA Sul de 20/2/2020, proc. 2320/13.5BELRS, Ac. STA, proc. 861/08, de 10/12/2008Ac. STA de 27/9/2017, proc. 0377/17), a condenação do gerente não se basta apenas com a prova indireta, por presunção natural, mas exige também a prova concreta de prática de atos de gestão efetiva e de facto – de atuação voluntária e culposa do gerente.

23. Com isso, o Acórdão viola a unidade e coerência do sistema jurídico e a ratio do processo crime, que se tem de reger, por assim dizer, por regras ainda mais rigorosas de comprovação de incriminação, para evitar a condenação penal (pena de prisão) de inocentes, que decorre do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP).

In casu:

24. O Acórdão recorrido é ilegal, pelos argumentos expostos supra (cfr. conclusões 7 a 23, em violação do art. 6.º do RGIT e 12.º do CP): condenou o arguido AA, por um crime de fraude fiscal qualificada, apenas com base numa presunção natural, por ter sido gerente de direito da Sociedade (SOCICORREIA – Engenharia, Lda) à data dos factos relevantes, sem que contra ele exista também qualquer prova concreta da sua atuação voluntária como gerente e sem qualquer indicador de culpa.

25. Não foi considerado provado (nem alegado) qualquer atuação concreta e efetiva de AA como gerente de facto da sociedade; e à data dos factos, não era sequer o único gerente de direito da sociedade.

26. Sendo certo, além disso, que as polícias (MP e AT) facilmente detetariam atos concretos de gestão do gerente de direito (por documentos e testemunhas), para assim comandar a sua acusação. Não se trata de uma prova diabólica ou muito onerosa e custosa. Nada disso. Bastaria introduzir uma densificação de atuação concreta do gerente, para assim o levar à acusação no domínio fiscal-criminal.

27. E, em consequência, excluída a responsabilidade criminal do arguido AA, fica necessariamente afastada, por impossível, a responsabilidade criminal da pessoa coletiva, com base no art. 7.º do RGIT.

28. O art. 6.º, n.º 1 do RGIT e art. 12.º, n.º 1, do CP, se interpretados no sentido de que a condenação do gerente [AA] (e da Sociedade [Socicorreia – Engenharia]) por crime de fraude fiscal se bastam na atuação voluntária de AA apenas fundada na mera gerência nominal (e presunção natural de gerência de facto), sem a averiguação concreta de factos que a comprovem, tais preceitos são inconstitucionais, por violação do princípio da culpa (art. 32.º da CRP), dignidade da pessoa humana em que se baseia a Constituição (art. 1.º da CRP), Estado de Direito (art. 2.º da CRP), direito à integridade pessoal (art. 25.º da CRP) e direito à liberdade (art. 27.º da CRP).

Termos em que: o Supremo Tribunal de Justiça deve rever a decisão recorrida ou reenviar o processo (art. 445.º, n.º 2, do CPP), decidindo ou determinando as coordenadas da decisão, no sentido de que:

a) É ilegal, por violação do art. 6.º do RGIT e 12.º do CP, condenar o arguido AA, gerente de direito, apenas com base numa presunção natural (judicial) – quem é gerente de direito (facto conhecido) também o é de facto (facto desconhecido), por regras de lógica e experiência comum.

b) Para fundar a condenação do arguido (gerente) é ainda necessário que se introduzam e provem atos concretos de gestão da sociedade pelo gerente, sob pena, se assim não for, de condenação não se fundar em aos voluntários e culposos e assumir uma ilegal natureza funcional-objetiva.

c) Excluída a responsabilidade criminal do arguido AA, fica necessariamente afastada, por impossível, a responsabilidade criminal da SOCICORREIA – Engenharia, Lda. (art. 7.º do RGIT).»

5. Notificado o Ministério Público, junto do Tribunal da Relação …., do recurso interposto, apresentou resposta que concluiu nos seguintes termos:

«1. Os Recorrentes não fizeram instruir o Recurso com certidão do acórdão recorrido, nem com a respectiva nota da data do seu trânsito em julgado.

2. O recurso é extemporâneo por ter sido interposto antes da data do respectivo trânsito em julgado.

3. A extemporaneidade do recurso implica a sua inadmissibilidade legal e consequente rejeição nos termos dos art.437° n° l e n° 2, 438° n° l e 441° n° l do CPP.

4. Inexiste identidade de factos quando no acórdão fundamento os arguidos eram "membros nomeados do seu Conselho de Administração" da "sociedade arguida E..., S.A.," e no acórdão recorrido o arguido era o "único sócio e gerente da arguida Socicorreia, Lda, comandando os destinos da sociedade".

5. Inexiste uma identidade de direito quando no acórdão fundamento estava em causa o tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal do art. l05° n° l do RGIT e no acórdão recorrido estava em causa crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelos art. l03° n° l c) e 104° n° l e n° 2 n° 4 do RGIT aprovado pela Lei n° 15/2001 de 05.6, art.23° do CIRC e art. l9° n° 3 do CIVA.

6. Inexiste identidade de direito quando o diploma legal de base sofreu alterações legislativas atinentes aos tipos legais em causa.

7. Inexiste fundamento para pedido de uniformização de jurisprudência quando a aparente diferença ou oposição de julgados se funda em diferente apreciação ou valoração da matéria de facto.

8. O Recurso deve ser rejeitado por inadmissibilidade legal, nos termos dos art. art.437° n° l e n° 2,438° n° l e 441° n° l do CPP.»

6.  Distribuído o processo como recurso extraordinário para fixação de jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 439.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (de ora em diante, CPP), o processo foi com vista ao Ministério Público, em conformidade com o disposto no art. 440.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, tendo a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer no sentido da “rejeição” do recurso por “inexistência de oposição de julgados”, aderindo à resposta apresentada pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação …., embora considerando que o recurso foi tempestivamente interposto, porquanto:

«O acórdão proferido pelo TR… data de 27.02.2020 e, não admitindo o mesmo recurso ordinário, transitou em julgado decorridos 10 dias sobre a data de notificação aos sujeitos processuais.

 Embora não conste a data em que ocorreu tal notificação, admitindo que ela tenha ocorrido em 28.02.2020, considerando-se os arguidos notificados em 02.03.2020, e tendo em conta a suspensão dos prazos processuais operada  pelas Leis 1-A/2020 de 19.03 e 16/2020 de 29.05 (de 09.03 a 03.06.2020), o trânsito em julgado do acórdão ocorreu em 08.06.2020,  conforme se  certifica na referência ….. por parte do Tribunal Judicial …….

 A data aludida na resposta da Magistrada do MºPº junto do TR… - de 26.06.2020, como sendo a do trânsito em julgado do acórdão do TR.., baseada na certificação feita pelo TR…., terá tido como base, cremos, o pressuposto de que o trânsito em julgado ocorreria decorridos 30 dias após a notificação do mesmo aos sujeitos processuais, sendo contudo tal prazo respeitante a recursos ordinários, o que não é o caso do presente recurso extraordinário.

Assim, nos termos do art. 438º nº1 do CPP, e tendo em conta a suspensão dos prazos processuais operada pelas Leis 1-A/2020 de 19.03 e 16/2020 de 29.05, considera-se tempestivamente apresentado o presente recurso e por quem tem legitimidade para o efeito.»

7. Notificado deste parecer nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, ex vi art. 448.º, do CPP, respondeu o arguido alegando que:

«Quanto à alegada inexistência de identidade de direito (e da mesma legislação)

O relevante para a questão controvertida não é que um caso se reporta ao crime de fraude fiscal (art. 103. ° e 104.° do RGIT) e o outro a um crime de abuso de confiança fiscal (art. 105.° do RGIT), em períodos temporais distintos.

Mas antes, como se indica expressamente no recurso – (ii) “sentido em que deve fixar-se a jurisprudência cuja fixação é pretendida” – que se cita:

“Na interpretação e aplicação dos artigos 6.° e 7.° do RGIT e art. 12.° do CP,

A condenação, por crime fiscal (fraude fiscal), de um gerente (administrador) de sociedade comercial, não se basta apenas com a prova indireta ou indiciária, por presunção natural, no sentido de que da gerência de direito se infere a gerência de facto, com base em “regras de experiência comum”, “lógica” ou “normalidade do curso de vida”.

Exige-se também a comprovação, por outros elementos de prova, que o gerente de direito atuou voluntariamente como gerente; que efetivamente desempenhou de facto a gerência ou administração da sociedade.

Pois só esta atuação voluntária pode desencadear uma responsabilidade penal que, por natureza, é subjetiva.

E, por consequência, excluída a responsabilidade criminal do arguido pessoa singular, enquanto gerente de direito da sociedade, fica necessariamente afastada, por impossibilidade, a responsabilidade criminal da sociedade, nos termos do art. 7.° do RGIT: “as pessoas coletivas sociedade (...) são responsáveis pelas infrações previstas na presente lei quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e interesse coletivo”.”

Ou seja:

a) A divergência jurídica (falta de identidade de direito) situa-se apenas ao nível do art. 6.° e 7.° do RGIT e art. 12.° do CP.

b) Esses preceitos do RGIT estão inseridos nas “disposições comuns” dos “princípios gerais” desse código e aplicam-se, da mesma forma e indistintamente, a todos os crimes fiscais – à fraude fiscal e ao abuso de confiança fiscal.

c) O mesmo sucede com o art. 12.º do Código Penal, que aborda os pressupostos criminais da atuação em nome de outrem para todo o tipo de crimes.

E estes três preceitos não sofreram qualquer alteração legislativa. São os mesmos, com a mesma e exata redação, para o caso do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento (e na atualidade). Existe, pois, uma total identidade normativa.

Quanto à alegada inexistência de identidade de facto

O MP releva, neste ponto, que no Acórdão recorrido só havia um gerente e que no Acórdão fundamento havia vários administradores. A alegada inexistência de identidade de facto estaria em que num caso só há um representante legal e no outro caso são vários.

Este dado, todavia, não tem qualquer relevância. Esse facto é inócuo para a questão em oposição. Daqui não se pode concluir pela inexistência de oposição de julgados.

A oposição de julgados invocada é a seguinte: a condenação, por crime fiscal, de um gerente (administrador) não se basta apenas com prova indireta ou indiciária, por presunção natural, no sentido de que da gerência de direito se infere a gerência de facto (“por regras de experiência comum”), mas exige-se também qualquer comprovação, por outros meios de prova, que o gerente ou administrador efetivamente desempenhou de facto a gerência ou administração da sociedade.

E exige-se ou não essa prova (direta), quer a gestão seja composta por um ou por vários gerentes ou administradores. O número de responsáveis legais é um facto totalmente irrelevante para a questão em oposição.

Repare-se que no Acórdão fundamento, o processo dirige-se contra todos os administradores, para além da própria Sociedade. O que reforça a ideia da identidade factual relevante: a incriminação funda-se apenas em presunções naturais – quem é gerente de direito também o é de facto, sem qualquer prova concreta, qualquer que seja, sobre cada um deles.

Quanto à alegada divergência assente apenas nos fundamentos da decisão: que haveria apenas diferente avaliação da prova produzida nos dois processos – e não diferente entendimento jurídico sobre a mesma questão de direito

É falso que a oposição ou divergência se situe nos fundamentos da decisão e/ou na diferente avaliação da prova produzida nos dois processos.

Os pontos (I)1, (i)2 e (I)3 do Recurso de Fixação de jurisprudência esclarecem este ponto. Há uma flagrante contradição e oposição. Existem julgamentos opostos em relação à mesma questão de direito.

Para deixar claro, proceder-se-á a seguinte citação do ponto (I) 3 do Recurso:

“O Acórdão fundamento advogou que a condenação, por crime fiscal, de um gerente de sociedade comercial, não se basta apenas com a prova indireta ou indiciária (art. 125.° e 127.° do CPP), por presunção natural, no sentido de que da gerência de direito se infere a gerência de facto, com base em “regras de experiência comum ou normalidade do curso de vida”. Exige-se a comprovação, por outros elementos de prova, que o gerente de direito atuou voluntariamente como gerente; que desempenhou de facto a gerência ou administração da sociedade. Só esta atuação voluntária pode desencadear uma responsabilidade penal que, por natureza, é subjetiva (art. 6.°, 7.° do RGIT e 12.° do CP).

Ao invés,

O acórdão recorrido advogou que a condenação, por crime fiscal, de um gerente (AA) de sociedade comercial (SOCICORREIA – Engenharia, SA) se basta apenas com a prova indireta ou indiciária, por presunção natural, no sentido de que da gerência de direito se infere a gerência de facto, com base em “regras de lógica e experiência comum”. Assume-se, com base nisso, que o gerente de direito atuou voluntariamente como gerente; que desempenhou de facto a gerência ou administração da sociedade; e que daí pode resultar a sua responsabilidade penal subjetiva.

A questão jurídica em oposição não radica no nível ou densidade ou quantum dessa prova direta. Se é preciso a prova de que assinou documentos ou nos elementos contabilísticos.

A oposição jurídica encontra-se a montante, no an e existência dessa prova direta: pode-se ou não condenar um arguido pessoa singular (gerente – seja único ou muitos) por um crime fiscal apenas por prova indireta, através da “experiência comum ou normalidade do curso da vida” (como indicado no Acórdão fundamento) ou por “lógica e experiência comum” (na expressão do Acórdão recorrido). E estas expressões são homólogas e remetem para a mesma questão de direito.

Por fim:

É manifestamente infundado o alegado pelo MP da Relação …… quanto à necessidade de instrução do recurso com certidão do acórdão recorrido (e/ou nota do seu trânsito). Aliás, tanto quanto se percebe, o MP junto do STA “deixou cair” tal argumento.

Todavia – por dever de patrocínio – importa esclarecer: não há um preceito legal ou entendimento jurisprudencial em que se estribe aquela asserção (como se conclui do requerimento do MP no Tribunal da Relação …..); e não se lhe pode aplicar o disposto do art. 440.°, n.° 2, do CPP, por duas razões:

Por um lado, esta norma diz respeito à junção do acórdão fundamento e não do acórdão recorrido;

Por outro lado, esta norma contém uma disposição duplamente condicional (o relator pode determinar que o recorrente junte aos autos o acórdão fundamento): (i) o direito ao recurso não fica precludido se o recorrente não entregar antes o Acórdão fundamento; só fica, se interpelado especificamente para o efeito, não entregar certidão do Acórdão fundamento; (ii) O relator pode até entender que tal não é necessário, perante os dados disponíveis.

E, note-se, por fim, que não faz qualquer sentido exigir (e cominar com o indeferimento liminar do recurso) certidão do Acórdão recorrido, pois tal informação e Acórdão consta do processo em causa e que será devidamente certificado pelo Tribunal (como o foi no caso concreto).

Termos em que se solicita a prossecução dos termos legais deste Recurso, terminando com Acórdão no sentido do solicitada no pedido do Recurso de Fixação de Jurisprudência».

8. No exame preliminar, a que se refere o art. 440.º, n.º 1, do CPP, considerou‑se que o recurso fora tempestivamente interposto por quem tinha legitimidade, embora se tenha entendido não estarem preenchidos os requisitos exigidos para que o recurso possa prosseguir para fixação de jurisprudência.

9. Colhidos os “vistos” e vindo o processo a conferência, nos termos do art. 440.º, n.º 4 do CPP, cabe agora decidir.

II Fundamentação

1. Nos termos do art. 437.º do CPP, são pressupostos da interposição do recurso para fixação de jurisprudência que:

i) os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça ou da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação, isto é, “quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida” (n.º 3 do preceito citado);

ii) os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça ou da Relação se refiram à mesma questão de direito;

iii) haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas” (n.º 1 do art. 437.º do CP).

Para que a interposição de recurso seja aceite é ainda necessário que:

iv) o recorrente identifique “o acórdão [fundamento] com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição”, bem como, no caso de aquele estar publicado, o lugar da publicação (art. 438.º, n.º 1 do CPP);

v) haja trânsito em julgado dos dois acórdãos em conflito (art. 437.º, n.º 1 e 4 do CPP) e

vi) a interposição do recurso seja realizada no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão [recorrido] proferido em último lugar (arts. 438.º, n.º 1 do CPP). 

vii) haja justificação da oposição de julgados que origina o conflito de jurisprudência (art. 438.º, n.º 2 in fine do CPP).

A estes pressupostos, a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem acrescentado outros dois:

viii) identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito (dado que só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas) e

ix) necessidade de a questão decidida em termos contraditórios ser objeto de decisão expressa (ou seja, as soluções em oposição têm que ser expressamente proferidas em cada uma das decisões).

2. No presente caso, o acórdão recorrido foi proferido a 27.02.2020. Segundo a certidão, foi notificado ao Ministério Público por termo nos autos a 02.03.2020, e aos arguidos por via postal expedida a 28.02.2020.

Sabendo que houve uma suspensão dos prazos entre 09.03.2020 e 03.06.2020 (por força do disposto no art. 7.º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, nos arts. 5.º e 6.º, da Lei n.º 4-A/2020, de 06.04 e arts. 8.º e 10.º, da Lei n.º 16/2020, de 29.05), o recurso interposto a 08.06.2020 foi interposto em tempo, conforme o disposto no art. 438.º, n.º 1 do CPP.

Considera-se, pois, tempestivo o recurso interposto.

3. Entende o recorrente existir oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, pois considera que a mesma questão de direito — a de saber se se pode deduzir que o gerente de direito é gerente de facto e, portanto, que agiu voluntariamente em nome da pessoa coletiva ­— foi decidida de forma distinta: no acórdão recorrido, segundo o recorrente, ter-se-á considerado que o gerente de direito é também gerente de facto; no acórdão fundamento, não basta que se diga que alguém é gerente de direito, sendo necessário outros elementos de prova que demonstrem que era, igualmente, o gerente de facto.

Subjacente a esta problemática estará uma análise do disposto no art. 6.º, do RGIT, cuja redação se mantém inalterada desde a versão primitiva da lei datada de 2001, pelo que a legislação subjacente à questão a resolver manteve-se inalterada entre a prolação do acórdão fundamento e a prolação do acórdão recorrido.

Vejamos então cada uma das decisões em confronto, tendo em conta o que estava em discussão em cada uma das situações.

No acórdão recorrido, as questões a resolver, segundo o Tribunal, eram as seguintes:

«Analisando as conclusões da motivação do seu recurso vemos que os recorrentes impugnam a decisão recorrida,

- quanto aos factos, concretamente contestando os considerados provados consignados sob 5, 7, 8 e 10 a 12, pugnando, em vista de prova que invocam, pela sua modificação/inversão, e bem assim, considerando que "não está provada a intervenção consciente e deliberada dos arguidos (Socicorreia e AA) no esquema de facturação falsa com o objetivo de obter um benefício ilícito para a sociedade arguida (poupança de 123 mil euros de IRC) à custa de defraudar o Estado", não se mostrando preenchidos o elemento objectivo do crime, nem, ao menos por dúvidas, o elemento subjetivo,

- contestando ainda, no que concerne ao arguido, a imputação de um juízo ilícito e culposo por não haver qualquer ato de ligação entre ele e os subempreiteiros,

por tudo pugnando pela absolvição de ambos,

e ainda, subsidiariamente,

pretendendo que, a manter-se a condenação, se impõe o recurso ao instituto da redução de pena (art. 22.° do RGIT), e bem assim, em vista dos dados factuais do processo (o pagamento, diminuta ilicitude e culpa,) a sua fixação em multa de 500 euros para cada um.»

Tendo em conta estas questões, e sabendo que

- na motivação da matéria de facto (transcrita no acórdão do Tribunal da Relação  … e agora recorrido) constava expressamente que «o arguido declarou que os dois subempreiteiros referidos na acusação (a sociedade B......., Lda., e a C...., Lda.), têm que ver com a obra que era preciso fazer a curto prazo para o Governo (...) confirmou ser o gerente da sociedade arguida ao tempo dos factos, e ainda agora, e mais que se tratou de uma obra atípica e única ocorrida na empresa, «ele até é suspeito a dizer isso agora aqui», mas foi atípica, pegaram nos subempreiteiros e tiveram de arranjar outros» (sublinhado nosso), e

- que nas alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação …. o arguido na conclusão 19 (transcrita no acórdão recorrido) refere que «Os arguidos não atuaram com a intenção de redução da carga fiscal da Socicorreia: a arguida Socicorreia (e AA como seu gerente) pagou o preço devido (que levou a custo fiscal) pelos reais trabalhos das subempreitadas em questão (ainda que tivessem sido efetuadas por terceiros).» (sublinhado nosso),

o Tribunal da Relação ….. considerou que

«é legítimo concluir, por absolutamente razoável face às regras da lógica e da experiência comum, que os arguidos (o arguido enquanto gerente da sociedade arguida, sendo ele quem, em tal qualidade, materializava os actos relativos ao desenvolvimento da actividade e gestão daquela, que a responsabilizavam) na declaração de IRC de 2012 contabilizaram como custos os valores das facturas em questão relativas a obras (subcontratos na área da construção civil e aquisição de materiais) que as ditas sociedades C…… e B….. não prestaram, sendo igualmente razoável segundo aquelas regras concluir que tal foi feito visando evitar sobrecarga fiscal da arguida e obtendo a correspondente vantagem patrimonial no valor indicado no facto.

A inscrição dessas facturas no quadro circunstancial em que teve lugar, com o risco que envolvia de a situação ser, como foi, detectada, só podia, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, ter tal objectivo estando em causa vantagem de montante elevado e sendo que, como bem considerou o Tribunal recorrido, o arguido, enquanto gerente de uma empresa com um volume de negócios como o que se infere das declarações de rendimentos da arguida, não podia deixar de ter conhecimento de que uma sociedade, como ente jurídico susceptível de prestar serviços e emitir as respectivas facturas, não existe só pelo mero facto de serem emitidas facturas em seu nome». (sublinhado nosso; não se transcrevem as notas de rodapé).

Ora, daqui se percebe que o que o Tribunal a quo retirou das regras da experiência e da lógica não foi a conclusão de que o gerente de direito é o gerente de facto, mas sim que os arguidos contabilizaram aquelas faturas no IRC para evitar uma sobrecarga fiscal. Na verdade, a questão agora colocada, neste recurso para uniformização de jurisprudência, nem sequer foi colocada aquando do recurso para o Tribunal da Relação, dado que o próprio arguido assumiu que era gerente, tal como se constata na conclusão transcrita supra.

E continuando na fundamentação do acórdão recorrido, verifica-se que mais uma vez invoca as regras da experiência e da lógica apenas para concluir que o arguido tinha que ter conhecimento e consciência de que não podiam inscrever as faturas como custos da obra — «em termos absolutamente razoáveis face às regras da lógica e da experiência comum, de o arguido, por si e enquanto gerente da sociedade arguida, ter necessariamente de ter conhecimento e consciência de que não poderia terem sido inscritos custos de obra justificados com as facturas em questão». Mais uma vez, também aqui não infere que resulta das regras da experiência e da lógica que o gerente de direito é gerente de facto. E não o faz, dizemos mais uma vez, porque essa questão nem sequer foi colocada no recurso interposto, estando o Tribunal limitado pelas questões que eram objeto do recurso. Tivesse a questão sido colocada e não sabemos qual seria o entendimento do Tribunal.

Ora, isto é distinto do que resulta do acórdão fundamento, onde de forma expressa a questão a decidir era exatamente a de saber se o gerente de direito é ou não gerente de facto. Na verdade, o acórdão fundamento começa por identificar a questão a decidir nos seguintes termos:

«A questão que cumpre apreciar e decidir, tal como delimitada pelas conclusões da alegação dos a Recorrentes, é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou que o “figurar no registo como gerente de uma sociedade” exerce, de facto, as funções de gerente da sociedade.»

E perante esta questão decidiu que:

«exigindo a lei expressamente uma actuação voluntária, a mera identificação da posição nominal ou de direito de representante não basta para desencadear responsabilização penal pelas dividas tributárias como bem se compreende, pois a responsabilidade penal é, por natureza, subjectiva.

Com efeito, o artigo 6º, inserido nas disposições comuns do Regime Geral das Infracções Tributárias, sob a epígrafe "Actuação em nome de outrem", dispõe no que ora releva, o seguinte: "Quem agir voluntariamente como titular de órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade (...) será punido mesmo quando o tipo legal de crime exija: (…) que o agente pratique o facto no seu próprio interesse e o representante actue no interesse do representado".

O citado normativo alarga a responsabilidade penal e consequentemente a punibilidade pela actuação em nome de outrem (na linha traçada pelo art.º 12 do C.Penal), quando o agente actuou voluntariamente como titular dos órgãos de uma pessoa colectiva, sociedade.

A lei ao exigir uma actuação voluntária afasta “qualquer tentativa de nele ver uma responsabilidade funcional-objectiva, decorrente da mera titularidade da posição de representante»- cf. PAULO SARAGOÇA DA MATTA in «O Artigo 12º do Código Penal e a Responsabilidade dos Quadros das Instituições”, pág. 105.

E noutro passo escreve o mesmo autor: «A posição de representante é pois insuficiente para gerar responsabilização penal, na medida em que sempre será necessário que o mesmo actue voluntariamente».

Assim e retomando a analise do caso em apreço verificamos que o facto conhecido (o pressuposto e a base da presunção) é a gerência de direito, o que por si só e sem outros elementos de prova (nomeadamente documental - v.g. através de elementos da escrita e contabilidade da sociedade) não permite extrair a ilação de que os arguidos, no período temporal assinalado, exerceram ou desempenharam de facto a gerência ou administração da sociedade.

Daí a procedência do recurso.»

Ora, perante a questão a resolver, o Tribunal considerou que não havia elementos de prova suficientes para concluir que aquela gerência de direito correspondia a uma gerência de facto.

Situação distinta da subjacente ao acórdão recorrido, onde o arguido não só nas alegações de recurso não questiona a sua qualidade de gerente de facto, como (e por isso mesmo) também essa questão não é debatida pelo Tribunal a quo, não se sabendo qual seria a decisão caso tivesse sido questionada — não se sabe se, por exemplo, perante a prova existente nos autos, se teria concluído (ou não) que daqueles elementos de prova se poderia tirar a conclusão que se tratava de uma gerência de facto. Em nenhuma parte da fundamentação o Tribunal a quo analisa esta questão, pelo que não podemos considerar existir oposição de julgados.

De tudo o exposto, necessariamente temos que concluir não existir oposição de julgados, pelo que deve o recurso ser rejeitado.

III Conclusão

Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelos arguidos Socicorreia — Engenharia, AS, e AA.

Custas pelo recorrente, com 3 UC da taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de fevereiro de 2021        


Os Juízes Conselheiros,



Helena Moniz- Relatora

António Clemente Lima

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[1] O acórdão encontra-se publicado aqui: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9a0982b36dae60c1802575da005403ef?OpenDocument