PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
REGULAMENTO
Sumário


I- Um edifício constituído em propriedade horizontal é regulado em primeiro lugar pelo conjunto de normas fixadas legalmente, depois pelo título constitutivo da propriedade horizontal, a seguir pelo regulamento do condomínio, e, por último, pelas deliberações da assembleia de condóminos.
II- Pelo regulamento aprovado, permite-se ao adquirente de uma fracção autónoma alcançar, antecipadamente e com certeza, quais as obrigações e direitos a que ficará sujeito, ao mesmo tempo lhe garante a confiança de que esse seu estatuto não se modificará a não ser que ele próprio nisso consinta
III- As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.

Texto Integral


ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

J. G. & C.ª, LDA, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Av.ª …, n.º … Braga, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO DESIGNADO “CENTRO COMERCIAL ...”, entidade equiparada a pessoa colectiva n.º ………., situada na Avenida ..., n.ºs .. a .., … Braga, representado pelo Administrador R. F., com domicílio profissional na Rua … Braga, pedindo que:

“a) seja declarada nula, ou anulada, a deliberação do Condomínio Réu constante do ponto 6. da ata n.º 73, de 4 de Outubro de 2019, por violação do regulamento interno do Condomínio, da lei e do direito de propriedade da Autora constitucionalmente consagrado; e
b) o Condomínio Réu se abstenha de impedir a Autora de usar e fruir a indicada fração autónoma CQ na plenitude do seu direito de propriedade, por si ou quaisquer terceiros que legitimamente à mesma queiram aceder, no âmbito de espetáculos ou atividades para os quais a fração autónoma se destina e para os quais s encontra licenciada, tudo com as legais consequências.
Alegou, para tanto e em síntese, que é proprietária da fracção autónoma “CQ”, que corresponde a um conjunto de duas salas de espectáculo no segundo andar, que integra o prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “CENTRO COMERCIAL ...”, actualmente administrado por R. F..
Referiu que, no dia 04.10.2019, teve lugar uma Assembleia Geral do Condomínio, no seio da qual foi aprovado, por maioria dos presentes, o novo horário de funcionamento do referido Centro Comercial, das 9h manhã até às 22h00 e que este horário fixado e o encerramento dos portões de acesso violam o estatuto real do condomínio e o cerne do direito de propriedade da autora quanto à sua fracção autónoma, pondo em causa o acesso à mesma desde o arruamento e a saída para o arruamento, por parte da autora, seus inquilinos e público em geral; que o réu e o seu administrador, apesar de alertados por diversas vezes para esse facto, fecham os protões de acesso às 22h00 e não permitem a entrada e saída de pessoas da fracção autónoma “CQ”.

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Regularmente citado, o réu não apresentou tempestivamente contestação.
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Notificada para apresentar as respectivas alegações, ao abrigo do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC, a autora apresentou um requerimento em juízo, corroborando, em síntese, a posição plasmada no seu articulado inicial..
A ré, por sua vez, pugnou pela improcedência da acção.
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Por falta de contestação, consideraram-se confessados os factos alegados pela autora na petição inicial, não excluídos da livre disponibilidade das partes, nem carecidos de prova documental.
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Proferida sentença, julgou-se a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência:

a) Decretou-se a anulação da deliberação constante da Acta de Assembleia de Condóminos, de 04.10.2019 (Acta n.º 73), relativa ao condomínio do edifício designado “CENTRO COMERCIAL ...”, situada na Avenida ..., n.ºs .. a .., …, Braga, quanto ao ponto seis da ordem de trabalhos, na parte respeitante ao horário de encerramento;
b) Condenou-se o réu a abster-se de impedir a autora de usar e fruir a fracção autónoma CQ na plenitude do seu direito de propriedade, por si ou quaisquer terceiros que legitimamente à mesma queiram aceder, no âmbito de espetáculos ou actividades para os quais a fracção autónoma se destina e para os quais se encontra licenciada.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio o R. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

I.O Requerente não concorda com a presente Douta Sentença, sendo certo que, pois entende que, nos termos do n.º 1 do art. 567.º do C.P.C., “consideram-se confessados” os factos alegados pelo Autor, trata-se, portanto, de prova (os factos ficam provados em consequência do silêncio do Réu) e aparentemente, duma ficção (ficciona-se uma confissão inexistente, equiparando os efeitos do silêncio do Réu aos da confissão, de que tratam os arts. 352.º e seguintes, do Código Civil;
II.Fala-se tradicionalmente, de confissão ficta “ficta confessio” para designar o efeito probatório extraído do silêncio da parte sobre a realidade dum facto alegado pela parte contrária, seja mediante a pura omissão de contestação, seja mediante a não impugnação desse facto, em contestação ou outro articulado apresentado, em inobservância do ónus de impugnação;
III.Para designar esta circunscrição do efeito cominatório da revelia aos factos usa a doutrina a expressão efeito cominatório semi-pleno, em oposição ao efeito cominatório pleno;
IV.Nos processos cominatórios semi-plenos, apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem admitidos, o juiz fica liberto para julgar a acção materialmente procedente, mas também para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais, ou os factos não estejam provados documentalmente, e para a julgar totalmente improcedente se dos factos admitidos não puder resultar o efeito jurídico pretendido e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização peticionada;
V.Porém, tratando-se de um efeito cominatório semi-pleno, a falta de contestação não determina inelutavelmente a procedência da acção, cabendo ao juiz aquilatar seguidamente se dos factos alegados e declarados confessados decorrem ou não a consequência jurídica pretendida, in casu;
VI.O autor na sua petição Inicial tem como pedido e causa de pedir, seja declarada nula, ou anulada, a deliberação do Condomínio Réu constante do ponto 6. da acta n.º 73º, de 4 de Outubro de 2019, por violação do regulamento interno do Condomínio, da lei e do direito de propriedade da Autora constitucionalmente consagrado; e que o Condomínio Réu se abstenha de impedir a Autora de usar e fruir a indicada fracção autónoma CQ na plenitude do seu direito de propriedade, por si ou quaisquer terceiros que legitimamente à mesma queiram aceder, no âmbito de espectáculos ou actividades para os quais a fracção autónoma se destina e para os quais se encontra licenciada, tudo com as legais consequências;
VII.Quanto ao ponto 6. da acta n.º 73, de 4 de Outubro de 2019, documento junto aos autos, o mesmo estipula “..O Sr.º Presidente da mesa deu a palavra ao Sr.º Administrador que referiu que com a instalação e sistema de vídeo vigilância, com captação e gravação de imagem 24 horas por dia, quer das necessidades efetivas do centro, bem como, impor uma disciplina de abertura e de encerramento da actividade de comércio e serviços no centro comercial, impunha necessidade de fixar um horário com início a partir do dia 01 de Novembro de 2011. Dada a palavra aos presentes os mesmos unanimemente referiram que o centro comercial deveria ter uma abertura á 9h da manha e o seu encerramento às 22h da noite. Sendo que os protões de acesso ao exterior encerraria obrigatoriamente á meia-noite. O Sr. Presidente da mesa pós este ponto àvotação referente ao novo horário de funcionamento do CENTRO COMERCIAL ..., das 9h da manha até 22h, tendo sido o mesmo aprovado por maioria dos presentes”;
VIII.Compete a Autor documentalmente provar que a alteração do horário de funcionamento do CENTRO COMERCIAL ..., viole o regulamento interno e que intervenha impeça a Autora de usar e fruir a indicada fracção autónoma CQ na plenitude do seu direito de propriedade, por si ou quaisquer terceiros;
IX.Ora regulamento Interno no junto com documento n.º 3 da petição inicial, no seu número dois do seu artigo sexto, refere expressamente, que os cinemas e as frações autónomas em que não seja exercida uma actividade comercial não estão sujeitas ao horário de funcionamento do centro comercial;
X.Quanto ao referido, na fundamentação da douta Sentença, foi dado como provado no ponto 8 que “estatui o Regulamento Interno do condomínio, no seu artigo 6.º, n.º 2, que é parte integrante da citada escritura de modificação da propriedade horizontal, o seguinte: “os cinemas e fracções autónomas em que seja exercida uma atividade comercial não estão sujeitos ao horário de funcionamento do centro Comercial”;
XI.Resultou da Douta sentença Proferida, como demonstrado e provado que o Regulamento Interno do condomínio, no seu artigo 6.º, n.º 2, que é parte integrante da citada escritura de modificação da propriedade horizontal, o seguinte: “os cinemas e fracções autónomas em que seja exercida uma actividade comercial não estão sujeitos ao horário de funcionamento do centro Comercial”;
XII. Ora Ré considera que, aquilo que foi realmente aprovado no ponto 6. da acta n.º 73, de 4 de Outubro de 2019, foi a aprovação do novo horário de funcionamento do CENTRO COMERCIAL ..., das 9h da manha até 22h, com a finalidade de impor uma disciplina de abertura e de encerramento da actividade de comércio e serviços no centro comercial, impunha necessidade de fixar um horário com início a partir do dia 01 de Novembro de 2011;
XIII. Sendo um horário de funcionamento do CENTRO COMERCIAL ..., aplica-se apenas a quem exerce uma actividade comercial e que estão sujeitas ao horário de funcionamento do centro comercial, está fora do previsto no artigo sexto número dois do regulamento interno, aqueles que não exercem uma actividade comercial, como é o caso da aqui Autora, e por esse motivo, não existe qualquer violação do regulamento Interno do CENTRO COMERCIAL ...;
XIV.Por via do supra exposto, a Ré não esta a interferir ou impedir de usar e fruir a indicada fração autónoma “CQ” na plenitude do seu direito de propriedade, por si ou quaisquer terceiros que legitimamente à mesma queiram aceder;
XV.Isto porque, o que foi aprovado em ata n.º 73º, pondo sexto, o horário de funcionamento aplicável a quem exta a exercer uma actividade comercial, impor uma disciplina de abertura e de encerramento da actividade de comércio e serviços no centro comercial, impunha necessidade de fixar um horário com início a partir do dia 01 de Novembro de 2011. Dada a palavra aos presentes os mesmos unanimemente referiram que o centro comercial deveria ter uma abertura á 9h da manha e o seu encerramento às 22h da noite;
XVI.Dos factos apresentado com a petição iniciam do pedido e causa de pedir, os mesmos carecem de fundamentação legal e de direito, atendo á prova documental produzida nos autos, como sendo o documento numero três junto e apenas e ainda, quanto á referencia realizada pelo Autor no seu artigo 16.º da Douta Petição Inicial, que existindo sentença judicial transitada em julgado, a mesma sofre de litispendência e caso julgado,
XVII. Assim, não se entendendo, no Douta Sentença Recorrido violou o disposto no art. 567.º do Código Processo Civil bem como, a disposição do art. 352.º do Código Civil;

TERMOS EM QUE e nos melhores de direito, e sempre com mui douto suprimento de Vossa Excelência, na imediata procedência do recurso, deve ser revogado o Douta Sentença recorrida considerando-se valida o ponto 6 da acta n.º 73 de 04.10.2029, assim como, tal deliberação não impede a usar e fruir a fração autónoma “CQ”, assim se fazendo a devida e sã JUSTIÇA!
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se do efeito cominatório não resulta a procedência da acção, por dos factos alegados e declarados confessados não decorrer essa consequência jurídica, pela invocada inexistência de violação do regulamento interno do centro comercial em face da suposta inaplicabilidade do horário de funcionamento do centro comercial à A.
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Fundamentação de facto

Factos provados

1. A autora é dona e legítima possuidora da fracção autónoma “CQ”, que corresponde a um conjunto de duas salas de espectáculo no segundo andar, da parte central do edifício, com átrio, dependências nele existentes, escadas privativas a partir da galeria, escadas rolantes privativas a partir do rés-do-chão, e ainda serventia de escadas de emergência do lado norte, tendo no rés-do-chão uma dependência para bilheteiras na parte posterior da caixa de escadas do corpo ou bloco principal do edifício e duas vitrinas para a publicidade nos pilares da frontaria do prédio, uma no ângulo da loja um, fracção AD, e outra no ângulo da loja trinta, fracção BJ, e bem assim, para seu uso exclusivo, um painel de publicidade na parede, lado direito, da zona de acesso aos sanitários do rés-do-chão fronteia à escada rolante, e todo o parapeito da galeria, igualmente para a publicidade, com o valor relativo de cento e seis milavos, inscrita na matriz sob o artigo ...-CQ, com o valor patrimonial tributário de € 584.370,00, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º .../19980713 - CQ de …, aí inscrita a seu favor pela AP. 26/19951205, com alvará de licença de utilização n.º ../2016, emitido pela Câmara Municipal de Braga em 30 de Novembro de 2016;
2.Esta fracção autónoma integra o prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “CENTRO COMERCIAL ...”, sito na Avenida ..., n.ºs .. a .., … Braga, descrito na Conservatória sob o n.º ... de … e inscrito na matriz sob o artigo urbano ...;
3.O CENTRO COMERCIAL ... constitui um conjunto funcionalmente autónomo dentro da totalidade do edifício, nos termos da escritura de constituição da propriedade horizontal de 24.10.1978, a que correspondia a fracção autónoma AD, título constitutivo este que foi modificado por escritura de 3.12.1979;
4.Nos termos da modificação, a fracção autónoma AD foi subdividida em 81 novas fracções autónomas, que constituem o edifício designado CENTRO COMERCIAL ..., de que faz parte a citada fracção autónoma CQ, propriedade da autora;
5.Este prédio e centro comercial é actualmente administrado por R. F., advogado, com domicílio profissional na Rua …, … Braga;
6.No dia 4.10.2019 teve lugar uma Assembleia Geral do Condomínio, em que foi deliberado, além do mais, o seguinte:
“O ponto número sexto da ordem de trabalhos.
Apresentação, discussão e votação do horário de abertura e fecho do CENTRO COMERCIAL ...;
Posto à discussão do sexto ponto da ordem de trabalho, o senhor Presidente deu uma pequena introdução quanto aos horários, que desde a construção do CENTRO COMERCIAL ... vêm sido adotados em atas anteriores e praticados, referindo-se essencialmente aos horários praticados aquando as salas de cinema se encontravam em funcionamento, e que, com o encerramento da sua atividade implicava alteração do horário de funcionamento. O Sr.º Presidente da mesa a palavra ao Sr.º Administrador que referiu que com a instalação e sistema de vídeo vigilância, com captação e gravação de imagem 24 horas por dia, quer das necessidades efetivas do centro, bem como, impor uma disciplina de abertura e de encerramento da atividade de comércio e serviços no centro comercial, impunha necessidades de fixar um horário com início partir do dia 01 de Novembro de 2011 (sic). Dada a palavra aos presentes os mesmos unanimemente referiram que o centro comercial deveria ter uma abertura à 9h da manhã e o seu encerramento às 22h da noite. Sendo que os portões de acesso ao exterior encerraria obrigatoriamente à meia-noite. O Sr. Presidente da mesa pôs este ponto à votação referente ao novo horário de funcionamento do CENTRO COMERCIAL ..., das 9h da manhã até 22h, tendo sido o mesmo aprovado por maioria dos presentes”;
7.Este horário fixado e o encerramento dos portões de acesso ao exterior do edifício e, consequentemente, à fracção autónoma da autora põem em causa o acesso à fracção desde o arruamento e à saída para o arruamento, por parte da autora, dos seus inquilinos e do público em geral que frequenta o espaço da autora, destinado e licenciado para espectáculos desde a constituição e modificação da propriedade horizontal em 1978 e 1979;
8.Estatui o Regulamento Interno do Condomínio, no seu artigo 6.º, n.º 2, que é parte integrante da citada escritura de modificação da propriedade horizontal, o seguinte:
“Os cinemas e fracções autónomas em que não seja exercida uma actividade comercial não estão sujeitos ao horário de funcionamento do Centro Comercial”.
9.O Condomínio réu e seu Administrador, apesar de alertados por diversas vezes para este facto, fecham os portões de acesso às 22.00 horas e não permitem o acesso e a saída de pessoas da fracção autónoma “CQ”;
10.No dia 12 de novembro de 2019, a Autora recebeu a seguinte comunicação eletrónica da sua arrendatária, a Associação Juvenil X, “Vimos por este meio nós, Associação Juvenil X, comunicar que, para além da infiltração de águas no Espaço TOCA que remontam a 2013, ano no qual se iniciou o contrato de aluguer do referido espaço, antigas salas 1 e 2 do Cinema …, no CENTRO COMERCIAL ..., temos desde 2016 queda de água em praticamente todos os espaços, telhas partidas e zonas de abertura em telhado com exposição a céu aberto (como podem demonstrar as imagens em folha anexa).
Para além destas contrariedades graves na utilização do espaço, nós arrendamos um espaço com licença e destinado a espetáculos culturais. No entanto, de há cerca de 2 anos para cá não conseguimos continuar a apoiar os movimentos culturais da cidade, pois foi-nos imposto uma constrição de horários grave, com o acesso impossibilitado a partir das 00h e agora, nos últimos tempos, a partir das 22h.
Assim sendo comunicamos que tem sido impossível uma utilização proveitosa do espaço, devido às deficientes condições de utilização o restrição nos horários.
O Espaço TOCA é de alguns anos para cá um espaço de referência na cidade, pois trata-se de um espaço de apoio à comunidade bracarenses nas mais diversas atividades, desde o desporto, arte e conhecimento. Um espaço que, apesar de sempre honrados todos os compromissos financeiros que envolvem a sua utilização e das dificuldades que isso acarreta para uma associação juvenil, tem sido alvo de recorrentes investimentos por parte da Associação X na sua melhoria, como foi o caso, nos finais do ano transato, da colocação de quase 1000m2 de um novo pavimento em soalho. Infelizmente, dadas as condições de ausência quase total de impermeabilidade, todo esse investimento no TOCA está permanentemente em causa, sofrendo vários e severos danos até à data e que tornam o local, neste início de época das chuvas, de impossível utilização.
Na certeza da vossa atenção e disponibilidade na rápida resolução do assunto exposto, atribuindo-lhe a importância merecida e no decorrente contributo dessa resolução para a manutenção da boa harmonia e imagem do CENTRO COMERCIAL ... e de todos os lojistas e utentes do shopping, nos despedimos, ficando a aguardar uma resposta”;
11.Tal deliberação esvazia a utilidade e rentabilidade de uma fracção autónoma destinada a espectáculos, pois proíbe a autora ou seus inquilinos de levar a efeito tais espectáculos ao não lhes permitir aceder e sair da fracção autónoma;
12.Coloca em causa a viabilidade económico-financeira da autora, que não pode com este horário tirar qualquer proveito, por si ou por terceira entidade, das salas de espectáculo.
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Fundamentação jurídica

Preceitua o art.º 567.º, n.º1, do Código de Processo Civil vigente, que reproduz, sem alterações, o anterior 484.º, que “s[S]e o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Em regra, a citação constitui o réu no ónus de contestar, pelo que a inobservância deste ónus resulta do enumerado preceito que o mesmo se constitui em situação de revelia.
A revelia é absoluta, como resulta do artigo 566.º do diploma citado, quando o réu não intervém de modo algum no processo, e, será relativa, se o réu intervém no processo, nem que seja para constituir mandatário, juntando aos autos a devida procuração.
Como tal, não tendo o R. deduzido tempestivamente a sua defesa, considerou o tribunal a quo confessados os factos articulados pela A., tendo por base não só esse efeito mas também os documentos juntos aos autos e que não foram alvo de impugnação.
Assim, fixada a matéria factual não posta em causa pelo R./Recorrente, importa averiguar se tais factos são, por si só, suficientes para julgar, como se julgou, a acção procedente.
Ora, como se sabe, os centros comerciais são, hoje, uma realidade mercadológica relativamente nova, a que no plano do direito corresponde uma também nova figura contratual, com uma função económico-social própria, uma causa negotii específica e que constitui um verdadeiro contrato atípico ou inominado. Contratos, esses que cabem dentro do princípio da liberdade contratual (artigo 406º do C. Civil), da autonomia privada, que é um dos princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico civil.
Assim, o fundador do centro fica somente obrigado a uma série de prestações de serviços essenciais não só ao rendimento de cada uma das lojas, como aos bens de utilidade comum ou ao funcionamento de serviços de interesse comum (cfr. "Os Centros Comerciais e o seu Regime Jurídico" 2" ed., designadamente fl. 47 e segs.).
Há, aliás, uma relação entre as várias lojas que integram o Centro não só entre si, como verticalmente de cada uma delas com a entidade exploradora ou gestora.
Corporizando esta ideia, estipula-se precisamente na escritura de constituição da propriedade horizontal que a exploração e funcionamento do centro comercial se rege por um regulamento interno obrigatório para todos os lojistas por forma a reger a relação entre todos.
Constitui o mesmo um conjunto de regras destinadas a disciplinar as relações entre os condóminos no tocante ao gozo, conservação e administração do edifício, ou seja, é elemento da «definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal» destinado a prevenir e resolver eventuais situações de conflito emergentes da posição de cada um dos condóminos, enquanto titular simultâneo de um direito singular de propriedade e de comproprietário das partes comuns (cfr. Sandra Passinhas, ‘A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal’, pág. 81).
Quando aprovado pela assembleia de condóminos, o regulamento é uma deliberação normativa disciplinadora da relação condominial e obrigatório nos termos do art. 1429.º-A, do Cód. Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem).
Com efeito, o condomínio prossegue um interesse colectivo determinado e duradouro, com um conjunto de bens (e fundos) com afectação específica, tudo apoiado numa organização.
E, como sustentado no Ac. do STJ de 9/3/2004, www.dgsi.pt., a propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por “um misto incindível” de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela. O condomínio traduz justamente essa situação de que são titulares os condóminos, como declarado no art.º 1420.º.
De todo o seu regime é possível considerar que o regime jurídico de um edifício assim constituído em propriedade horizontal é regulado em primeiro lugar pelo conjunto de normas fixadas legalmente, depois pelo título constitutivo da propriedade horizontal, a seguir pelo regulamento do condomínio, e, por último, pelas deliberações da assembleia de condóminos.
Por essa via, concretamente pelo regulamento aprovado, permite-se ao adquirente de uma fracção autónoma alcançar, antecipadamente e com certeza, quais as obrigações e direitos a que ficará sujeito, ao mesmo tempo lhe garante a confiança de que esse seu estatuto não se modificará a não ser que ele próprio nisso consinta (vd. artigo 1419.º).
No que diz respeito aos horários de funcionamento do centro comercial importa ter em conta que se trata de uma limitação importante ao exercício do direito de propriedade, dado que o lojista se vê privado de poder exercer a sua actividade fora desses períodos, mas que, por outro lado impõe uma obrigação de conteúdo positivo (facere) de carácter infungível.
Trata-se, no entanto, de uma matéria que, sendo regulada no título constitutivo da propriedade horizontal ou, posteriormente, em deliberação tomada sem oposição de nenhum dos condóminos, se poderá subsumir na al. d), do art. 1422.º, justificando-se por um interesse sério de todos os condóminos, atendendo à destinação económica do edifício e às próprias expectativas geradas nos condóminos/lojistas que pretendem integrar-se num centro comercial.
Perante isto, importa apurar se a deliberação da assembleia de condóminos em causa nos autos, que impôs o encerramento do CENTRO COMERCIAL ..., das 9h da manhã até 22h, com o consequente encerramento dos portões de acesso à fracção autónoma da autora, é nula ou anulável, por violação daquele regulamento.
Ora, relativo à propriedade horizontal, subordinado à epígrafe “Impugnação das deliberações”, estabelece o art.º 1433.º, n.º 1, que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
Assim, nos termos deste preceito legal a sanção cominada é a anulabilidade das deliberações e não a nulidade.
É que para que ocorra a nulidade das deliberações da assembleia de condóminos importa que as mesmas infrinjam normas de interesse e ordem pública e/ou violem normas gerais imperativas - cfr. Sandra Passinhas, obra citada, págs. 251/252 – o que não é o caso dos autos, a considerar os pressupostos em que assenta a impugnação.
Posto isto, vejamos se, no caso, é de considerar verificada a anulabilidade que o R:/Recorrente vem pôr em causa.
Ora, resulta dos factos provados que a A. é dona e legítima possuidora da fracção autónoma “CQ”, que corresponde a um conjunto de duas salas de espectáculo no segundo andar, que integra o prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “CENTRO COMERCIAL ...”.
De acordo como o regulamento interno, no seu artigo 6.º, n.º 2, que é parte integrante da escritura de modificação da propriedade horizontal, “o[O]s cinemas e fracções autónomas em que não seja exercida uma actividade comercial não estão sujeitos ao horário de funcionamento do Centro Comercial”.
Acontece que, no dia 4.10.2019, teve lugar uma Assembleia Geral do Condomínio, em que foi deliberado, quanto ao ponto 6.º da ordem de trabalhos, referente ao horário de abertura e fecho do referido centro comercial, pela maioria dos presentes, que o centro comercial deveria ter uma abertura às 9h da manhã e o seu encerramento às 22h da noite, com encerramento dos portões de acesso ao exterior obrigatoriamente à meia-noite.
Certo é que, previamente a essa apreciação e votação, o presidente de mesa procedeu a uma pequena introdução, referindo-se essencialmente aos horários praticados quando as salas de cinema se encontravam em funcionamento, e que, com o encerramento da sua actividade implicava alteração do horário de funcionamento.
Daqui decorre que se pretendia abranger nesse novo horário assim fixado também as salas de cinema de que o A. é titular, contrariamente àquilo que o R./Recorrente pretende fazer crer.
Contudo, o facto é que, fora desta actual situação de pandemia e confinamento, não se pode concluir, por não provado, que tais salas de cinema se encontravam encerradas e sem actividade.
Pois, os factos reportam-se ao ano de 2019 e não ao período das medidas adoptadas no âmbito da recente pandemia que nos encontramos a viver.
Acresce que, nessa deliberação não se salvaguardou a sua não imposição às fracções onde não é exercida uma actividade comercial.
Por outro lado, tal como resultou também provado (ponto 9), o Réu, apesar de alertado para isso, fecha os portões de acesso às 22.00 horas e não permite o acesso e a saída de pessoas da fracção autónoma “CQ”, da A., o que ‘esvazia a utilidade e rentabilidade de uma fracção autónoma destinada a espectáculos, pois proíbe a autora ou seus inquilinos de levar a efeito tais espectáculos ao não lhes permitir aceder e sair da fracção autónoma’ e ’coloca em causa a viabilidade económico-financeira da autora, que não pode com este horário tirar qualquer proveito, por si ou por terceira entidade, das salas de espectáculo’ (pontos 11 e 12, respectivamente).
Daqui decorre, contrariamente ao que defende o R./Recorrente, que essa deliberação posta inclusive em prática de forma a abranger a fracção da A., viola o regulamento interno anteriormente aprovado, quanto ao aí estipulado no seu art. 6.º, n.º 2, pelo que, pelas razões e fundamentos já expostos, torna a referida deliberação anulável nos termos do artigo 1433.º, n.º 1 do Cód. Civil.
Nestes termos, tem, pois, de improceder o recurso, por ser de manter o decidido.
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III-Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, devendo, em consequência, ser mantida a decisão em conformidade com o exposto.
Custas pelo R./Recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 11.03.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida