INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
OBRIGAÇÃO GENÉRICA
CONDÓMINOS
Sumário


I- Quando a execução se funde em título judicial ou extrajudicial e a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido – art. 716º, n.º 1, do CPC;
II- Quando a execução se funde em título judicial, tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609º, do CPC, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo (art. 704º, n.º 6, 1ª parte, do CPC);
III- A liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos (i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão;
IV- A sentença condenatória do condomínio contém apenas uma declaração da existência do crédito, mas não especifica a parte devida por cada condómino, o valor líquido do quantum debeatur, pelo que é ilíquida quanto à obrigação de cada um deles, forçoso sendo, para a respetiva liquidação, produzir prova da respetiva permilagem, facto passível de ser controvertido;
V- Para apuramento do quantum debeatur, deve, pois, o exequente instaurar incidente de liquidação, nos termos dos arts. 358º e seguintes do CPC.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Na ação declarativa que J. C. e I. F. intentaram contra o Condomínio do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., ... e ..., freguesia de ..., concelho de Braga, vieram os primeiros desencadear contra o segundo, bem como contra os Condóminos atuais e proprietários antecessores, que identificaram, incidente de liquidação de sentença, nos termos do disposto no artigo 358.º do CPC.
Notificados os Requeridos e juntas as respetivas oposições e respostas às mesmas, foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a eventual ocorrência da exceção inominada de uso indevido do incidente acima referido.
Nesta linha, vieram os Requeridos F. M., P. R. e Condomínio do Prédio Urbano, sito na Rua ..., números ..., ... e ..., ..., Braga e outros, pugnar pela verificação da exceção invocada, com a sua consequente absolvição da instância – cfr. ref.ª Citius n.ºs 10556565, 10562545 e 10565142.
Os Requerentes, ao invés, defenderam, em breve súmula, que “o único meio processualmente apto a operar essa divisão de responsabilidade entre os condóminos é o incidente da liquidação”, razão pela qual entendem que deve ser julgado admissível o presente incidente – cfr. ref.ª Citius n.º 10563021, de 06.10.2020.

Foi, então, proferida decisão que culmina nos seguintes termos:

Face a tudo quanto se expôs, decide este Tribunal julgar verificada a excepção dilatória inominada, traduzida no uso indevido do presente incidente de liquidação e, em consequência, absolver os requeridos da instância.

Inconformados com a referida decisão, vieram os Requerentes do incidente interpor o presente recurso, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:

I - O presente recurso circunscreve-se a uma única questão de direito: A de saber se, para execução de sentença que condenou o condomínio em pagamento de quantia certa, deverá ser utilizado incidente de liquidação para que a execução com base em tal título possa ser, também, dirigida contra a pessoa dos respetivos condóminos.
II - Ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, a divisão da responsabilidade em causa não depende de simples cálculo aritmético e têm de ser introduzidos ou alegados factos que transcendem título executivo.
III - Na verdade, apenas estamos perante simples cálculo aritmético sempre que a matemática se basta a si mesma para operar a partir de pressupostos factuais que resultem diretamente do título executivo ou pressupostos legais (v.g. taxas de juro), o que não é o caso dos autos. Pois, do título executivo não consta o universo de frações autónomas que compõem o edifício, não consta o peso relativo de cada uma delas por e referência ao título executivo em vigor e não consta a respetiva titularidade, com relevância direta para a questão da legitimidade passiva dos Requeridos no incidente.
IV - Ou seja, o preenchimento dessa lacuna dos pressupostos para a liquidação da obrigação não pode ser preenchida, simplesmente, por exclusivo recurso a uma simples operação aritmética, já que necessita de ver carreados para os autos factualidade que exorbita o título executivo e que a matemática, de per se, não resolve.
V - Pelo que, ao contrário do que é doutamente alegado na sentença recorrida, não estamos perante uma situação de ser apurada a responsabilidade “facilmente (…) com recurso a meros cálculos aritméticos”, sugerindo-se, quanto a isso, que se procedesse à liquidação (por mero cálculo aritmético) nos termos do art. 716.º do CPC.
VI – Assim, carecendo o título executivo em causa de liquidação, o único meio processual equacionável – mesmo numa lógica de exclusão de partes – é por via do incidente da liquidação previsto nos arts. 358.º e ss. do CPC, sendo que o mecanismo de liquidação previsto no art. 716.º n.º 1 do CPC é manifestamente insuficiente e insusceptível de aportar aos autos toda a factualidade que permita, apenas a final, fazer operar o simples cálculo aritmético.
VII – Apenas por via do incidente da liquidação é possível introduzir nos autos a nova factualidade relevante, o que se efetuou no caso sub judice, sendo o único meio processualmente apto a operar essa divisão de responsabilidade entre os condóminos.
VIII - A opção dos Requerentes teve em conta a posição refletida no douto Acórdão da Relação de Guimarães de 28/01/2016 (proc.806/14.3T8CHV-F.G1), segundo o qual “a sentença que condenou o condomínio de determinado prédio urbano no cumprimento de obrigações pode constituir título executivo quanto aos condóminos enquanto pessoas singulares, desde que seja previamente obtida declaração (em incidente de liquidação) que especifique os referidos condóminos e a medida da respetiva responsabilidade”; caso tivesse optado por outra posição e atenta a competência territorial desta Relação, estaria agora a discutir a mesma questão, com maior ónus e complexidade, em sede de oposição à execução onde lhe poderia ser esgrimida a douta posição desta Relação de Guimarães que – ademais – se afigura a mais adequada e a única (conhecida) que pega, verdadeiramente, no âmago da questão.
IX - Afigura-se, nestes termos, que o meio processual utilizado é, não só, uma mera faculdade, como um verdadeiro dever, sob pena de inexequibilidade do título quanto aos condóminos, atenta a falta de liquidação prévia quanto aos mesmos.
X - Se a máxima de que a cada direito corresponde um meio processual, entende-se que – por exclusão de partes – o incidente da liquidação é, efetivamente, o único que se afigura suscetível de satisfazer a necessidade de divisão de responsabilidade, não obstante inexistir qualquer pedido ou condenação genéricos no processo respeitante ao citado acórdão, como aliás já vem sido referido pelos Recorrentes.
XI - Trata-se, na verdade, do único meio processual que se descortina para repartir da responsabilidade nos termos visados pelos Recorrentes, ainda que por recurso ao princípio da adequação formal enunciado no art. 547º do atual CPC, segundo o qual “o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.
XII – Atento o exposto, entende-se que a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 358.º, 359.º, 716.º n.º 1 a contrario e, ainda, o art. 547.º, todos do CPC.
Terminaram pedindo seja o recurso julgado procedente, revogando-se a sentença proferida e substituindo-se por outra que admita o incidente de liquidação, julgando-se inverificada a exceção dilatória inominada fundada no uso indevido do incidente da liquidação.
O Recorrido Condomínio contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, a questão a decidir que ressalta das conclusões recursórias é a seguinte:
- Saber se, pretendendo executar contra os condóminos condenação judicial proferida contra um condomínio, podem os exequentes fazer uso do incidente de liquidação a fim de quantificarem a obrigação de cada um dos condóminos.
*
III. FUNDAMENTOS

Os Factos

1. A sentença alvo do incidente de liquidação em questão contém decisão com o seguinte teor:
“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido formulado, condenando-se o réu a pagar aos autores:
a) A quantia de € 14.400,0 (catorze mil e quatrocentos euros), a título de indemnização pela privação do uso da fracção (lucros cessantes) até 31/01/2015, acrescida, de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
b) A quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), a título de indemnização pela privação do uso da fracção (lucros cessantes) entre 31/01/201 e apresente data, acrescida, de juros de mora, calculados à taxa legal de 4% desde a presente data (29 de Abril de 2015) e até efectivo e integral pagamento;
c) Uma indemnização pela privação do uso da fracção desde a presente data (29 de Abril de 2015) – danos patrimoniais futuros previsíveis – até ao cumprimento integral da sentença referida no facto 10.º, ou até à realização coactiva dessa prestação de facto por terceiros, no valor de € 400,00 (quatrocentos euros) por cada mês decorrido, com uma actualização correspondente aos coeficientes do NRAU aplicáveis aos arrendamentos comerciais a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das mensalidades, e sobre o respectivo montante;
d) Uma indemnização no valor de € 2.580,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais emergentes, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; e
e) Uma indemnização no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores”.
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O Direito.

Na fundamentação da decisão recorrida escreveu-se:

A este respeito, prescreve o artigo 716.º, n.º 1, do CPC que “sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido”.
A liquidação de obrigação ilíquida reconhecida em sentença proferida em processo declarativo depende de simples de cálculo aritmético sempre que não tenham de ser introduzidos ou alegados factos que não constem do título executivo. É, precisamente, esta a situação dos presentes autos.
(…)
À luz do dispositivo ora transcrito, forçoso se torna concluir que inexiste, no caso em apreço, qualquer condenação genérica que legitime o recurso ao presente incidente.
Efectivamente, in casu, foi o réu (condomínio) condenado, por reporte a critérios objectivos, em quantias que são facilmente apuradas com recurso a meros cálculos aritméticos, pelo que, se bem se ajuíza, deveriam os autores ter lançado mão, ao invés dos presentes autos, do mecanismo aludido no artigo 716.º, n.º 1, do CPC, acima aludido.
Não o tendo feito, impõe-se concluir que em causa se encontra uma excepção dilatória inominada, traduzida no uso indevido do incidente de liquidação, num caso em que não se mostram reunidos os pressupostos legalmente exigidos para na sua utilização.
Aqui chegados, não se diga que o objectivo visado com o presente incidente, mais do que apurar e liquidar em quantia certa as obrigações devidas, se prende com a definição da quota de responsabilidade de cada condómino, por referência à respectiva permilagem.
Na verdade, em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal, os respectivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respectivas, sendo, como tal, inútil o recurso ao presente mecanismo - cfr., neste sentido e inter alia, o Ac. do TRP de 24.01.2017, processo n.º 7496/07.8YYPRT-B.P1, os Ac. da RL de 27.06.2019, processo n.º 21989/18.8T8SNT.L1-6, e de 20.06.2013, processo n.º 6942/04.7TJLSB-B.L1-2, e o Ac. do TRC de 15.10.2013, processo n.º 379/03.2TBOFR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Sucede, porém, que todas as apontadas decisões se limitaram a afirmar a legitimidade passiva dos condóminos, isto é, que “em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal, os respectivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respectivas”.
Ora essa legitimidade também nós a temos por inquestionável.
Na verdade, a personalidade judiciária é atribuída a entidades que não possuem personalidade jurídica com vista a “dar uma resposta mais satisfatória e pragmática a determinadas situações particulares” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, in CPC Anotado, pág. 42), isso mesmo sucedendo com o condomínio “resultante da propriedade horizontal”, o qual, não tendo personalidade jurídica, tem, porém, personalidade judiciária “relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, personalidade que lhe é atribuída pela alínea e) do art. 12º do CPC.

O condomínio não tem, pois, um interesse próprio, autonomizado do interesse dos condóminos, a acautelar, nem tampouco é contitular do interesse destes.
O condomínio mais não é do que “a face processual dos condóminos (assim como uma comissão é a face dos comissionados), não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a "máscara" do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância” (Miguel Mesquita, obra citada, pág.´s 50 e 51).
Ainda nas palavras do referido autor, “o condomínio é a "capa" processual dos condóminos, uma "capa" que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação”.
Assim, “a personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal e, no fundo, os condóminos são partes na causa, debaixo da "capa" do condomínio. Como, na doutrina alemã, FIABSCITEID reconhece, após rejeitar, relativamente às associações não personalizadas, a figura da substituição processual, "a parte permanece o conjunto dos respectivos membros (die Gesamtheit der jeweiligen Mi tglieder) ".
Enquanto o substituto processual se distingue da parte substituída, a pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela.”
Com, no que para o caso releva, a seguinte consequência fundamental: o caso julgado atinge, “plenamente”, estas pessoas.
Assim sendo, os reais titulares diretos do interesse em causa (os condóminos) ficam inelutavelmente vinculados ao que sobre o mérito da ação é decidido.
Daí que forçoso seja concluir que a sentença que condene o condomínio a pagar determinada quantia vale, enquanto título executivo, contra todos os condóminos, sendo estes partes legítimas na ação executiva de sentença condenatória do condomínio em função da permilagem da sua(s) fração(ões).
Mas não é essa a questão que se coloca nos autos.
A questão que se coloca é, sim, a de saber se a quantificação da obrigação de cada condómino pode/deve ser feita em incidente de liquidação.

Vejamos.
“A obrigação diz-se líquida quando a prestação se encontra determinada em relação à sua quantidade ou montante, isto é, quando se sabe exatamente quanto se deve (quantum debeatur) ou quando essa quantidade é facilmente determinável através de uma operação de simples cálculo aritmético com base em elementos constantes do próprio título. Consequentemente a obrigação será ilíquida quando, apesar de a sua existência ser certa, o montante da prestação ainda não se encontre fixado ou determinado.” (Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, pá. 168)
O incidente de liquidação de sentença destina-se precisamente a obter a concretização do objeto de condenação da decisão proferida na ação declarativa (Salvador da Costa, in “Os incidentes da instância”, página 292)
Segundo o estabelecido no art. 704.º, n.º 6, do CPC, a sentença de condenação genérica, se não for suscetível de ser liquidada mediante simples cálculo aritmético e se não respeitar a uma universalidade (cf. art. 716.º, n.º 7, CPC), não é sequer título executivo enquanto não for liquidada no processo declarativo (ou na instância renovada deste processo).
In casu, analisando o teor da condenação proferida nos autos é de concluir estarmos perante uma condenação líquida do Requerido Condomínio porque em parte determinada e, quanto a alguns dos seus aspetos, determinável com base nos elementos constantes do próprio título.
Mas, se assim é no que toca ao Requerido Condomínio – demandado na ação declarativa –, o mesmo já não se poderá dizer se se pretender invocar tal decisão como título executivo contra os Requeridos Condóminos atuais e Requeridos proprietários antecessores, como pretendem fazer os Requerentes.
Com efeito, como sublinha Sandra Passinhas (A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, 2000, pág. 339), autora citada no Acórdão invocado pelos Recorrentes e, como dizem estes, único aresto que se debruçou sobre a questão da necessidade de liquidação da obrigação de cada condómino e sobre o modo de a efetivar:
“A sentença de condenação no pagamento de uma quantia pelo condomínio, chamado a juízo na pessoa do administrador, que não contenha uma especificação concreta da medida da prestação devida por cada condómino, tem perante cada um deles apenas o valor de declaração da existência do crédito (an debeatur) e não o valor líquido do quantum debeatur.”
Assim, apesar de o direito dos Autores estar concretizado e quantificado (ou, pelo menos, sendo, na parte não quantificada, quantificável com recurso aos dados contidos na própria sentença), em relação a cada um dos condóminos a obrigação resultante da decisão judicial em causa não se pode considerar líquida.
A questão que se coloca é, pois, a de como liquidar a obrigação de cada um deles.

Sendo a obrigação ilíquida, várias formas de liquidação são possíveis:

Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à exceção, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no art. 568º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os nºs 3 e 4 do art. 360º (art. 716º, nº 4, do CPC).
Quando a execução se funde em título judicial, tendo havido condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo (art. 704º, nº 6, 1ª parte, do CPC). Em sintonia, nos termos do art. 358º, nº 2, do CPC, o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, do CPC, segundo o qual, não havendo elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado.
Quando não vigore o referido ónus de proceder à liquidação prévia em sede de processo declarativo, ainda que de execução de decisão judicial se trate, o processo previsto para a liquidação da mesma, é o referido incidente declarativo no âmbito da própria execução, previsto no citado art. 716º, nº 4, do CPC, aplicável por força do disposto no nº 5 do mesmo artigo, a tal norma se podendo subsumir a condenação proferida em processo criminal (cfr. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in a Ação Executiva Anotada e Comentada, pág. 200).
Quando a execução se funde em título judicial ou extrajudicial e a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido – art. 716º, nº 1, do CPC –, constituindo sentença cuja liquidação depende de simples cálculo aritmético, nomeadamente, a de pagamento de uma indemnização em montante a ratear por vários credores conjuntos na proporção dos respetivos direitos, sendo disso exemplo a sentença referida por Lebre de Freitas in A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 116, nota 26, em que as indemnizações devidas aos demandantes foram fixadas mas na qual, tendo havido condenações solidárias de diversos demandados no pagamento de tais indemnizações, a condenação global da seguradora tinha um limite, também fixado na própria sentença, inferior à soma de todas as parcelas devidas, sem que na dita sentença se tivesse procedido ao cálculo do montante da indemnização que relativamente a cada um dos lesados à seguradora cabia suportar, não tendo a execução que se lhe seguiu sido intentada por todos os lesados.
A respeito da forma de se alcançar a liquidação da obrigação de cada condómino, é para esta via que a sentença recorrida aponta.
Acontece que, relativamente a cada um dos condóminos, a liquidação da respetiva responsabilidade depende, designadamente, de prova dos valores indicados pelos Requerentes como sendo os correspondentes às respetivas permilagens.
Nessa medida, não estamos perante a necessidade de um “simples cálculo aritmético”, mas sim perante uma demonstração assente em prova documental cuja averiguação só será segura fazer em incidente de liquidação de sentença, mediante a alegação e prova dos factos correspondentes.
Com efeito, como frisa Rui Pinto Duarte, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, pág. 446), “a liquidação dependente de simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permite esse conhecimento (cfr. artigos 5º nº 2 al. c) e 412º, entre outros).”
Pelo contrário, “a liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos (i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão”.
Isso mesmo se tem decidido em diversos acórdãos, entre eles se encontrando o Acórdão da Relação de Évora, de 23.04.2020 (Relator Manuel Bargado) e o Acórdão da Relação do Porto, 20.10.2014 (Relator - João Nunes).
Especificamente no que concerne à liquidação da obrigação de cada condómino resultante de sentença condenatória do condomínio, assim decidiu o Acórdão desta Relação, de 28.01.2016, citado pelos Recorrentes (Relatora – Francisca Mendes), apoiando-se, para o efeito, na supra referida autora que, a esse respeito, propugna que “quanto à medida em que cada condómino é obrigado a responder perante o credor do débito, objecto de declaração judicial, o terceiro pode agir para obter uma pronúncia ulterior que, integrando a precedente, permite especificar a prestação devida por cada condómino e pode valer como título idóneo para a execução forçada contra os condóminos singulares”, entendeu-se no referido aresto “que o exequente deveria ter instaurado, nos termos acima indicados, procedimento, a fim de tornar líquida a obrigação (não sendo suficiente a mera indicação no requerimento executivo das respectivas permilagens)” e que sendo o título executivo uma sentença, “o procedimento adequado seria o incidente de liquidação ( arts. 378º e seguintes do pretérito CPC, a que correspondem os arts. 358º e seguintes do NCPC)”.

Ora, no caso, tal como naquele ali em apreço, verificamos que o título executivo contém apenas uma declaração da existência do crédito, mas não especifica a parte devida por cada condómino, não contendo sequer, como resulta da mera análise da sentença dada à execução, qualquer referência à permilagem de cada um deles.
E, assim sendo, forçoso será produzir prova a esse respeito, o mesmo é dizer forçoso será produzir prova sobre factos que não estão no âmbito do conhecimento oficioso do tribunal, o que implica o recurso ao incidente de liquidação.
Na verdade, “o quantitativo da obrigação incerto, designadamente porque não se encontra fixada matéria incontrovertida e específica para a sua determinação, não se transforma em obrigação líquida só porque o credor procede a uma avaliação unilateral e formula, no próprio requerimento executivo, uma quantia líquida: embora o exequente apresente um pedido certo e líquido no requerimento executivo, não deixa a obrigação de continuar a ser ilíquida, pois assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo” (acórdão da Relação do Porto de 20.10.2014).
Em conclusão: não temos por verificada a apontada causa de absolvição da instância do deduzido incidente de liquidação.
Procede, pois, a apelação, devendo revogar-se a decisão recorrida e determinar-se o normal prosseguimento dos autos.
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Sumário:

I – Quando a execução se funde em título judicial ou extrajudicial e a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido – art. 716º, nº 1, do CPC;
II – Quando a execução se funde em título judicial, tendo havido condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo (art. 704º, nº 6, 1ª parte, do CPC);
III – A liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos (i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão;
IV – A sentença condenatória do condomínio contém apenas uma declaração da existência do crédito, mas não especifica a parte devida por cada condómino, o valor líquido do quantum debeatur, pelo que é ilíquida quanto à obrigação de cada um deles, forçoso sendo, para a respetiva liquidação, produzir prova da respetiva permilagem, facto passível de ser controvertido;
V – Para apuramento do quantum debeatur, deve, pois, o exequente instaurar incidente de liquidação, nos termos dos art.´s 358º e seguintes do CPC.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando o normal prosseguimento dos autos.
Custas pelo Recorrido Condomínio.
Guimarães, 11.03.2021

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues