Tendo o arguido no âmbito de processo de recurso de contra-ordenação interposto recurso para a Relação de um despacho interlocutório, de natureza estritamente processual, determinando a cessação da suspensão dos autos que havia sido anteriormente decidida e a consequente prossecução dos mesmos, não tendo tal despacho apreciado e decidido de questão que envolvesse o reconhecimento ou a perda de qualquer direito do arguido, não é o mesmo admissível, à luz do disposto no artigo 73º do RGCO, não tendo aqui aplicação subsidiária o regime da recorribilidade das decisões previsto nos artigos 399º e 400º do CPP.
9.º - O douto despacho do Tribunal «a quo» não violou qualquer norma legal ou princípio de Direito, pelo que deve ser confirmado.»
1.9. Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º PGA emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser liminarmente rejeitado, por inadmissibilidade legal ou, assim, não se entendendo, de dever ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
1.10. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo o Clube arguido exercido o direito de resposta, manifestando discordância com o parecer emitido pelo Exm.º PGA e remetendo para os fundamentos já invocados na motivação de recurso.
1.11. Efetuado o exame preliminar, a ora relatora, por entender existir motivo para a rejeição do recurso, proferiu decisão, em 10/02/2021, ao abrigo do disposto no artigo 417º, n.º 6, al. b) e 420º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 74º, n.º 4, do RGCO, decidindo rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal, em face do disposto no artigo 73º do RGCOC.
1.12. Notificado desta decisão, veio o recorrente, dela reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 417º, n.º 8, do CPP.
1.13. Colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. A decisão sumária, na parte que aqui releva, é do seguinte teor:
«(…)
O recurso interposto pela arguida tem por objeto o despacho que declarou cessada a suspensão dos autos, que havia sido determinada por anterior despacho, com fundamento em que se mostra decorrido o prazo máximo da suspensão legalmente previsto, no artigo 15º, nºs. 1 e 3, do DL n.º 165/2014, de 5 de novembro.
Sucede que, em nosso entender, o despacho de que o arguido recorre não é recorrível.
Com efeito, a decisão em causa não se integra em nenhum dos casos previstos no artigo 73º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 17 de outubro – Regime Geral das Contraordenações e Coimas –, aqui aplicável ex vi do artigo 2º da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais.
O enunciado artigo 73º, tendo por epígrafe “Decisões judiciais que admitem recurso”, dispõe:
«1 − Pode recorrer-se para a relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando:
a) For aplicada ao arguido uma coima superior a € 249,40;
b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias;
c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a € 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público;
d) A impugnação judicial for rejeitada;
e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal.
2 − Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
3 − Se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificarem os pressupostos necessários, o recurso subirá com esses limites.»
Perfilhamos o entendimento que vem sendo maioritariamente acolhido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores e também na doutrina, no sentido de que, no âmbito do processo contraordenacional e na fase judicial, os despachos interlocutórios proferidos, não são recorríveis para o Tribunal da Relação, não se estando, nessa matéria, perante qualquer lacuna ou caso omisso do regime das contraordenações, pois que, existem normas, que especificam os casos em que é admissível recurso e, nessa medida, não tendo lugar a aplicação subsidiária, ex vi do artigo 41º do RGCC, do regime de recursos previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal[2].
No âmbito do direito contraordenacional e contrariamente ao que sucede no regime penal (cf. artigo 399º do CPP), vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões, só sendo recorríveis as decisões cuja impugnação esteja expressamente prevista.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[3] «A regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias é compensada pela recorribilidade da sentença, que constitui uma garantia suficiente do controlo da legalidade processual e é mais compatível com a natureza célere do processo contraordenacional (…)».
O Tribunal Constitucional chamado a pronunciar-se sobre a conformidade à Constituição (nomeadamente, com o artigo 32.º, n.º 1), desta interpretação da norma extraída do artigo 73º do RGCOC, tem decidido no sentido de não a julgar inconstitucional[4].
Por último, importa fazer notar que o despacho de que o Clube arguido recorre é de natureza estritamente processual, não se estando perante um despacho que acarrete a perda de direitos pessoais, caso em que poderia ser discutível se o recurso seria admissível[5].
Assim e sem necessidade de maiores, impõe-se rejeitar o recurso interposto pelo Clube arguido do despacho que declarou cessada a suspensão dos autos, porquanto, em face do disposto no artigo 73º do RGCOC, tal despacho é irrecorrível.
Termos em que se decide rejeitar o recurso interposto pelo Clube arguido, por inadmissibilidade legal.
Condena-se o Clube recorrente em 3 (três) UCs de taxa de justiça (cf. artigo 420º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º, n.º 1, do RGCOC).»
2.2. Na reclamação ora em apreciação, sustenta o recorrente que, contrariamente, ao que foi entendido na decisão sumária, deve haver lugar à aplicação subsidiária do regime de recurso previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal e, consequentemente, que o recurso ser admitido.
Para sustentar o entendimento preconizado, o recorrente/reclamante aduz que:
«(…) nos presentes autos, e por diferentes juízes, foram proferidos despachos conflituantes.
Na verdade, o despacho sob recurso, viola o caso julgado formal que se verifica “in casu”.
No primeiro momento, tal como melhor se explica na motivação e conclusões do recurso respectivo, o Tribunal entendeu suspender os autos até à verificação, ou não, de determinada circunstância.
É verdade, incontornável, que não há nos autos qualquer facto posterior a tal decisão que leva à conclusão de que a antedita condição ou circunstância não se verificou.
Sendo certo que, a verificar-se, extinguir-se-ia o processo de impugnação judicial da decisão de contraordenação em apreço.
Da antedita decisão não foi interposto recurso pelo Ministério Público.
Ora, o despacho em crise, faz tábua rasa daquilo que havia sido decidido nos autos, sem que dos autos resultasse qualquer novo facto superveniente à decisão que entendeu revogar.
A questão em apreço (violação de caso julgado formal) não está prevista no disposto no artigo 73º do RGCC, pelo que, assim sendo, deverá aplicar-se, subsidiariamente, o disposto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal.
Terá sido esse o entendimento do juiz do Tribunal da 1ª instância que admitiu o recurso ora rejeitado.
Termos em que, por aplicação subsidiária dos aludidos ditames do CPP, deve o presente recurso ser admitido e a final julgado procedente.»
Apreciando:
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos não existir fundamento para alterar o sentido da decisão sumária proferida.
De facto, salvo o devido respeito pela argumentação do recorrente/reclamante, o que está em causa é a recorribilidade ou não do despacho que é objeto do recurso interposto e não os fundamentos do recurso, especificamente a violação do caso julgado formal.
Ora, tal como foi referido na decisão sumária que é posta em crise, acolhemos o entendimento de que «no âmbito do processo contraordenacional e na fase judicial, os despachos interlocutórios proferidos, não são recorríveis para o Tribunal da Relação, não se estando, nessa matéria, perante qualquer lacuna ou caso omisso do regime das contraordenações, pois que, existem normas, que especificam os casos em que é admissível recurso e, nessa medida, não tendo lugar a aplicação subsidiária, ex vi do artigo 41º do RGCC, do regime de recursos previsto nos artigos 399º e 400º e seguintes do Código de Processo Penal[6].»
Assim, e por que o despacho de que o Clube arguido interpôs recurso para esta Relação é um despacho interlocutório, de natureza estritamente processual, determinando a cessação da suspensão dos autos que havia sido anteriormente decidida e a consequente prossecução dos mesmos, não tendo tal despacho apreciado e decidido de questão que envolvesse o reconhecimento ou a perda de qualquer direito do Clube arguido, ora reclamante, não é passível de recurso, à luz do disposto no artigo 73º do RGCO, não tendo aqui aplicação subsidiária o regime da recorribilidade das decisões previsto nos artigos 399º e 400º do CPP.
Nesta conformidade e, pelos fundamentos aduzidos na decisão sob reclamação e que aqui se reiteram, é de manter a decisão sumária sob reclamação, rejeitando-se o recurso interposto pelo Clube ora reclamante.
3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em:
a) Indeferir a reclamação, para a conferência, confirmando-se a decisão sumária proferida pela ora relatora, que rejeitou o recurso interposto pelo Clube arguido.
b) Condena-se o reclamante/recorrente em 2 (duas) UC´s de taxa de justiça (cf. n.º 9 do artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa ao mesmo diploma legal).
Notifique.
Évora, 09 de março de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina
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[1] Diploma que estabelece, com caráter extraordinário, o regime de regularização e de alteração e ou ampliação de estabelecimentos e explorações de atividades industriais, pecuárias, de operações de gestão de resíduos e de explorações de pedreiras incompatíveis com instrumentos de gestão territorial e ou condicionantes ao uso do solo.
[2] Neste sentido, vide, entre outros, na jurisprudência, Ac. da RE de 29/03/2005, proc. n.º 678/05-1, Ac.s da RL de 06/04/2011, proc. 1.724/09.27FLSB -3 e de 27/03/2014, proc. 829/11.4TFLSB.L1-9, Ac. da RC de 16/12/2017, proc. n.º 88/16.2T8SEI.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt e na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República …, 2011, Universidade Católica Editora, págs. 298, 299 e 301 e Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pá. 256.
[3] In ob. cit., pág. 298.
[4] Cfr., entre outros, Acórdãos do TC n.ºs 659/2006, 95/2008, 253/2008 e 415/2014, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt
[5] Sobre a problemática, vide, Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit., páginas 301 e 302.
[6] Neste sentido, vide, entre outros, na jurisprudência, Ac. da RE de 29/03/2005, proc. n.º 678/05-1, Ac.s da RL de 06/04/2011, proc. 1.724/09.27FLSB -3 e de 27/03/2014, proc. 829/11.4TFLSB.L1-9, Ac. da RC de 16/12/2017, proc. n.º 88/16.2T8SEI.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt e na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República …, 2011, Universidade Católica Editora, págs. 298, 299 e 301 e Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pá. 256.