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CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
FORMALIDADES
NULIDADE DE FORMA
REMUNERAÇÃO
COMPENSAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário
I – O artigo 16.º, n.º 5, da Lei n.º 15/2013, de 08-02, ao determinar que a nulidade do contrato de mediação imobiliária, designadamente por falta de formalidades, não pode ser invocada pela empresa de mediação, reporta-se à empresa de mediação imobiliária que intervenha no contrato nessa qualidade, não impedindo a invocação do vício por empresa interveniente no negócio na qualidade de cliente, ainda que se dedique à atividade de mediação imobiliária; II – Tendo autora e ré celebrado, entre si, dois contratos de mediação imobiliária, o primeiro a 02-08-2016 e o segundo a 19-10-2016, ambos visando a procura, pela autora, de interessado na compra de determinado bem imóvel pertencente à ré, o primeiro contrato extinguiu-se por efeito da celebração do segundo, através do qual as contraentes regularam novamente, e de forma diversa, a mesma relação jurídica; III – É nulo, por incumprimento do disposto no artigo 16.º, n.º 2, al. c), da referida lei, o contrato de mediação imobiliária que não indica as condições de remuneração da empresa e a forma de pagamento; IV – Em consequência da declaração de nulidade do contrato de mediação imobiliária, assiste à empresa de mediação o direito a compensação de valor correspondente à remuneração acordada; V - Se a atividade desenvolvida e os resultados obtidos não atribuíssem à empresa de mediação, se o contrato fosse válido, o direito a remuneração, não lhe assiste direito a compensação decorrente da declaração de nulidade do negócio; VI - A obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, pelo que, prevendo a lei outro meio jurídico destinado à compensação decorrente da declaração de nulidade do negócio – o direito a compensação previsto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil –, afastado se encontra o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa como meio de obter o pagamento de remuneração decorrente da atividade exercida pela empresa de mediação em execução de contrato de mediação imobiliária nulo por falta de forma legal. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
V… – Mediação Imobiliária, Lda. intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra E… – Sociedade Imobiliária, Lda. e J… Investimentos, Lda., pedindo a condenação das rés no pagamento da quantia de € 120 000, acrescida de IVA à taxa legal, e da quantia de € 190, bem como de juros contabilizados sobre tais montantes, à taxa comercial, desde a citação até integral pagamento.
A justificar o pedido, alega que, no exercício da sua atividade comercial, celebrou com a 1.ª ré, a 19-10-2016, um contrato tendo por objeto a prestação de serviços de mediação na venda de imóvel àquela pertencente, em execução do qual desenvolveu atividade de promoção do negócio e angariou comprador nas condições acordadas, tendo aproximado a 2.ª ré da 1.ª ré, na sequência do que estas encetaram negociações, que culminaram na celebração entre ambas do contrato que identifica; acrescenta que, pelos serviços prestados como mediadora, lhe é devida uma comissão correspondente a 5% do valor que indica, bem como o montante de € 190, relativo a despesas que suportou, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citadas, as rés contestaram separadamente.
A 1.ª ré defendeu-se por exceção – arguindo a nulidade do contrato de mediação imobiliária invocado pela autora, com fundamento na falta de indicação das condições de remuneração da empresa de mediação – e por impugnação motivada, admitindo ter realizado negociações com a 2.ª ré, que lhe foi apresentada pela autora como interessada na compra do imóvel, mas que acabou por considerar não dispor condições que lhe permitissem a celebração do negócio, pelo que outorgaram a 21-04-2017 um contrato de arrendamento pelo prazo de 10 anos, o qual cessou por acordo das partes na sequência de comunicação enviada pela 2.ª ré a 27-12-2017 e aceite pela 1.ª ré; mais invoca a litigância de má fé por parte da autora, pedindo a condenação desta no pagamento de indemnização.
A 2.ª ré defendeu-se por exceção – arguindo a respetiva ilegitimidade passiva – e por impugnação.
A autora apresentou articulado no qual se pronuncia sobre a matéria de exceção e sobre a invocada litigância de má fé.
Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se considerou verificada a ilegitimidade passiva da 2.ª ré, que foi absolvida da instância, e se relegou para final a apreciação da invocada nulidade contratual, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte: Face ao exposto, o Tribunal decide: 1. Julgar a acção totalmente improcedente. 2. Declarar a nulidade do negócio. 3. Julgar que não é devido por parte da ré o pagamento de qualquer quantia à autora, no âmbito dos presentes autos. 4. Julgar não verificada a conduta de litigância de má fé. 5. Absolver a ré de todos os pedidos formulados. 6. Condenar a autora no pagamento das custas.
Inconformada, a autora interpôs recurso da sentença, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«A. A Douta Sentença, com o devido respeito e que é muito, não apreciou todas as questões e circunstancias que estão em causa, bem como não apreciou devidamente os factos concretos, não aplicando assim devidamente o Direito.
B. A douta decisão de Direito da Sentença, é fundamentada, pela aplicação e nos termos do D.L. nº 77/1999 de 16 de Março e D.L. n.º 285/92, de 19 de Dezembro.
– Ora, ambos os normativos estão pois Revogados.
C. E sem qualquer referência às sucessivas alterações, legislativas.
D. O que constitui violação da lei substantiva e reconduz a um erro de interpretação e de determinação da norma aplicável e de aplicação do direito. Dando origem a erro de julgamento em resultado de uma inexata qualificação jurídica, o que igualmente reconduz a uma nulidade da Sentença, a aplicação de normas revogadas.
Nos termos da alínea c) do nº , artº 639º do C.P.C, a norma a aplicar é o Regime Jurídico da - Lei 15/2013 de 08 de Fev.
Sendo de conhecimento Oficioso.
E. A Sentença enquadrou-se em Leis Revogadas, e ainda num erro na indicação temporal “aqui aplicável tendo em atenção que o acordo das partes data de 2001”. Esse ano, Não corresponde sequer ao tempo factual dos contratos dos autos, e na actualidade e enquadramento com a aplicação do Direito.
F. O que constitui nulidade da Sentença, de conhecimento Oficioso.
Com as imediatas consequências legais.
G. A Sentença, deu como Factos provados, os facto enumerados nos Pontos 1. a 28.
H. No entanto deveria a Sentença ter enquadrado e adicionado aos mesmos igualmente outras circunstancias de facto e de Direito, aliás muito relevantes, para se alcançar a justa composição do litígio do presente processo,
I. Factos relevantes que deviam ter sido dados como provados;
1) Ambas as partes contratantes, Autora e Ré, são igualmente Agências de Mediação Imobiliária. Com relevância no Regime Jurídico da Lei 15/2013 de 08 de Fev.
Já que o a Ré - cliente/contratante é ela própria uma Agência Imobiliária a qual não pode também ela invocar nulidade contratual, nos termos do artº 16º da Lei 15/2013, nº 5 “O incumprimento do disposto nos n.os 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.“ (…)
J. Os contratos celebrado entre as partes, “contrato de mediação imobiliária” nº 135/2016, no dia 19 de Outubro, tem que ser analisado e aferido e contextualizado quer de facto quer juridicamente como um complemento do primeiro “contrato de mediação imobiliária” nº 106/2016, no dia 02 de Agosto,”.
Pois tem o mesmíssimo objecto, tem igualmente os mesmos e todos os seus termos e condições, e está devidamente assinalado os 5% de remuneração de comissão, o qual nunca foi revogado ou sequer requerida ou invocada a sua anulação ou o seu afastamento seja a que titulo fosse.
K. E entre ambos só veio alterar tão só o teor da clausula 4ª, ou seja, o regime de não exclusividade, que passou a ser de Exclusividade.
L. Deveria ter sido dado como provado;
2) O primeiro “contrato de mediação imobiliária” nº 106/2016, no dia 02 de Agosto,” , tem o mesmo obejcto, os mesmos termos e condições, e está assinalada os 5% de remuneração e nunca foi revogado ou requerida a sua anulação por qualquer das partes. O segundo contrato altera só o regime contratual que passa a ser de exclusividade.
Em momento algum no depoimento de parte, A… (sócio gerente da Ré igualmente agência imobiliária) este sequer indicou qualquer anomalia ou nulidade contratual ou colocou sequer em crise qualquer dos dois contratos e inclusivamente no seu depoimento em 28/10/2019 inicio às 11:33:27 e fim 12:00:26 na passagem de minuto 19:00 a 19:17.
M. A comunicação da Ré relativamente ao ponto dado como provado “25. No dia 16 de Março de 2017, a ré remeteu uma carta comunicando à autora a sua intenção de não renovar o contrato de mediação imobiliária celebrado a 19 de Outubro de 2016. “
Tem que ser encarada em termos absolutos uma clara manobra de diversão, de tentativa de afastamento da Autora de todo o processo que estava já a decorrer com o comprador.
Para assim se eximir a Ré de pagar a comissão devida à Autora.
N. Devia ter sido dado igualmente como provado, que,
3) A Ré depois do trabalho da Autora, e de lhe ter sido apresentado um cliente para o negocio, o P… representante da ex-2ª Ré, - J… Investimentos, Ldª, no decurso do tempo em que este último já diligenciava junto da C.M. Portimão a apresentação do projecto Portugal 20 / 20, - CRESC Algarve 2020. facto provado em 21. e 22., comunica então á Autora a intenção de não renovar o contrato de mediação imobiliária.
Só depois da Ré comunicação para denuncia ao contrato de mediação, vem a mesma celebrar um contrato com o mesmíssimo Cliente angariado pela Autora, como está provado o Facto em “26. A E… – Sociedade Imobiliária, Lda. celebrou com a J… Investimentos, Lda. um denominado “Contrato de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais”, no dia 21 de Abril de 2017. “
O. Impunha-se que fosse dado como provado que;
4) A Ré depois da comunicação identificada em 26. celebrou um denominado “Contrato de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais”, no dia 21 de Abril de 2017. E recebeu aquando da outorga do mesmo uma quantia de € 60.000,00.
P. A Sentença não lhe faz sequer qualquer referência, e como se sabe tem toda a relevância.
Estão preenchidos os requisitos do nexo de causalidade entre o recebimento dessa quantia determinada e a celebração desse contrato, e quem pagou à Ré foi precisamente o Cliente angariado pelo contributo e trabalho da colaboradora da Autora, que originou e determinou a celebração do contrato. Está aliás perfeitamente previsto esta questão, quer no primeiro contrato quer no segundo contrato, na Clausula 5ª, ponto 4. “Caso a venda do imóvel se venha a concretizar fora do período de vigência deste contrato e a entidade compradora seja formalmente ou materialmente apresentada pela Mediado, ser-lhe-á, a esta, devida a remuneração.”
Q. A prova do recebimento de tal quantia, extrai-se quer do dito contrato junto aos autos, e dado como provado em 26. e 27, Quer do depoimento da testemunha - Susete da Anunciação Constantino Paulo no seu depoimento em 26/11/2019 inicio às 15:52:16 fim 16:03:00 na passagem de minuto 05:53 a 05:56 - Testemunha: “... Pagaram num total € 60.000,00 …”.
R. E igualmente depoimento de parte, por confissão de A…, no seu depoimento em 28/10/2019 inicio às 11:33:27 e fim 12:00:26 na passagem de minuto 06.02 a 06:12 - Depoente :: “eles pagaram € 60.000,00, porque € 10.000,00 era o mês de renda e € 50.000,00 era uma caução.”
S. Diz o recente -Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. 849/18.8T8BGC.G1 de 13/02/2020,
Sumário: I- O nexo causal entre a atividade da mediadora e o contrato que o seu cliente vem a celebrar não é abalado pela cessação do contrato de mediação ocorrida entre aqueles dois atos. II- Para que a mediadora imobiliária tenha direito à remuneração incumbe-lhe a alegação e prova de factos que permitam estabelecer o nexo causal entre a atividade de mediação desenvolvida por aquela e a concretização do negócio levada a cabo pelo comitente.
T. O afastamento da Autora do processo negocial, constitui uma evidente Má-fé, reprovável da parte de uma Congénere de Mediação Imobiliária, a mesma pretendia furtar-se ao pagamento do justo trabalho da Autora. Constituindo um enriquecimento sem causa, nos termos do artº 473º do Código Cível.
U. Questão que a douta Sentença não considerou, nem se prenunciou sobre esta matéria o que constitui uma nulidade da Sentença, por violação do dever de prenuncia e um erro de julgamento, nos termos da al. d) do artº 615º CPC
V. Está provado e objetivamente demonstrado, que as duas Sociedades outorgantes, só chegaram ao conhecimento uma da outra, por intermédio directo e do trabalho e do esforço e dedicação da Autora Agência Imobiliária. O que não foi indicado no contrato, o que constitui uma omissão grave e um crime de falsas declarações, pois omitiram factos no mesmo deliberadamente, constitui e enquadra-se em matéria criminal, previsto e punido nos termos do artº 348º–A, do Código Penal (Aditado pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro – vigente a partir de 23 de Março de 2013) .
W. Deveria ter sido dado como provado que;
5) No contrato celebrado entre a Ré e a outra outorgante, não foi nem indicado nem mencionado a intervenção ativa da Autora, agência mediadora, tal omissão constitui crime de falsas declarações, pois omitiram factos o que constitui e se enquadra em matéria criminal, previsto e punido nos termos do artº 348º–A, do Código Penal (Aditado pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro – vigente a partir de 23 de Março de 2013) . Situação punível para as duas interveniente no contrato.
X. A Sentença, não considerou do melhor modo, primeiramente oportunidade da evocação da nulidade, só em sede de Contestação a Ré se lembrou de arguir uma nulidade do contrato de agência imobiliária, alegando em síntese, que faltava um elemento essencial no (diga-se segundo) contrato que seria o valor da comissão. Não tendo sido (primeiro) contrato, impugnando ou denunciado, no qual estão estabelecidos todos os elementos, e mesmo que assim não fosse resultava da praxis comercial,
Y. Sendo a Ré (também ela uma Agência de Mediação Imobiliária) assina e outorga um contrato de agência imobiliária e deixa decorrer o mesmo, até ao tempo que lhe interessa.
E inclusivamente quando antes o veio denunciar, fez não porque o considera-se nulo à época da denuncia, mas porque não pretendia a sua renovação automática !
A isto chama-se Má-fé negocial e reserva mental.
Z. Verifica-se inclusivamente a titulo de exemplo de Má-fé da Ré, bastava constatar o depoimento de parte, por confissão de A… (sócio gerente da Ré igualmente imobiliária) , no seu depoimento em 28/10/2019 inicio às 11:33:27 e fim 12:00:26 na passagem de minuto 15:44 a 16:52 .
O próprio Tribunal constatou e chamou atenção que “não devemos afirmar estas coisas nas nossas peças se não são verdade não é , pois o que o senhor diz ao Tribunal a vossa empresa diz ao Tribunal que isto é falso.”
A.A. A Sentença deveria ter reportado esta evidente constatação de falsidade nas Alegações na Contestação da Ré, ao não tê-lo feito, cometeu a Sentença um erro de apreciação da prova e de Julgamento, o que constitui um vicio da Sentença, julgar contra os factos e o Direito.
B.B. Deveria ter-se dado como provado que;
6) A Ré celebrou com a Autora, dois contratos de mediação imobiliária, tendo perfeito conhecimento de todos os seus termos e condições.
C.C. É que vir a Ré arguir a nulidade de um contrato de mediação imobiliária, depois de ter beneficiado diretamente com o mesmo, já que recebeu pelo menos a quantia de € 60.000,00, em consequência do enquadramento e com nexo causal entre o trabalho da colaboradora da Aurora e a quantia recebida, constitui uma verdadeira litigância de má-fé.
Que a Sentença não apreciou nos termos e condições em que o devia ter feito.
D.D- E mesmo que fosse considerado como nulo o contrato de mediação imobiliária, como o fez a Sentença, invocando mesmo assim um Decreto Lei - Revogado, com todo o respeito, a Sentença do Tribunal a quo nunca em caso algum deveria ter desprezado o trabalho da Autora, ao ponto de ser completamente desvalorizado, o que seria uma clamorosa injustiça,
E.E. Neste sentido, mesmo que fosse nulo o contrato, que não o é, veio esclarecer este Venerando Tribunal da Relação de Évora,
Acórdão proferido no processo n.º 1923/15.8T8FAR.E1, de 23 de março de 2017
Lei n.º 15/2013, de 08/02, artigos 2.º n.º 1 e 16.º n.º 1 - Código civil, artigos 219.º, 220.º, 289.º e 342.º
Nulidade de contrato de mediação imobiliária “O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que, em caso contrato de mediação imobiliária verbal, nulo por vício de forma, a mediadora que prove que foi ela quem, através da sua atividade, deu a conhecer o imóvel ao comprador com o qual veio a ser celebrado o contrato de compra e venda, tem direito a uma retribuição compensatória cujo valor deve ser fixado em função do preço que tenha sido informalmente estabelecido entre as partes ou dos usos generalizados e estabelecidos em matéria de mediação imobiliária “
F.F. Estando dado como provado do ponto “24. Estava anunciado o valor de venda inicial de € 2.450.000,00, no entanto após varias negociações com a colaboração da aqui autora, foi fixado o valor e concretizada a compra e venda, após negociações entre as partes, acertou-se então o valor final em € 2.400.000,00.” (sublinhado nosso).
G.G. Devia ter a Sentença condenado a Ré no pagamento integral da comissão 5% (valor indicado taxativamente no inicial primeiro contrato), já que foi dado como provado que, e fixado o valor e concretizada a compra e venda.
H.H.. Já que o responsável como Arqº que deu entrada do Processo na C.M. Portimão, para o projecto Portugal 20/20, - CRESC Algarve 2020. O Arqº Vi…, no seu depoimento em 28/10/2019 inicio às 12h16:24 e fim 12h42:51.
Em momento algum no seu depoimento, sequer referiu que o Projecto apresentado na C.M. Portimão, não tinha qualquer inviabilidade, ou algum outro despacho de indeferimento, ou qualquer existência que inviabilizasse o processo, em todas as instâncias dos Mandatários das partes, bom como pela Meritíssima Drª Juiz.
I.I. A complementar tal prova tendo sido junto aos presentes autos o processo integral, verifica-se objetivamente que de facto e de Direito, não existe no mesmo processo da Câmara Municipal de Portimão qualquer despacho ou recusa na candidatura Fundo Social Europeu no enquadramento do projecto Portugal 20 / 20, - CRESC Algarve 2020. Nem qualquer questão que lhe causasse entrave à sua aprovação.
Com o qual, as verbas seriam disponibilizadas após a compra do imóvel identificado. Factos dados como provados, nos pontos 21, 22 e 23.
J.J. Só a inercia e o facto de ter optado por alterar e transformar a venda para um arrendamento, é uma decisão que foi tomada unilateralmente entre os dois interveniente, na qual nem sequer ouviram antecipadamente a Autora.
K.K.. Nada seria justificável, para a alteração do negocio, resultando assim, uma constituição de um ónus de uma obrigação indemnizatória para com a Mediadora, nos termos do Lei 15/2013 - “Artigo 19.º - Remuneração da empresa 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.” (…)
L.L. A Douta Decisão deste Venerando Tribunal da Relação de Évora, Acórdão Proc. 2439/07.1TBPTM.E1 de 15/09/2010, I – A cláusula de exclusividade, ínsita num contrato de mediação imobiliária, não está abrangida pelo regime das cláusulas contratuais gerais, pois tem um regime próprio definido no regime jurídico do contrato de mediação imobiliária, que não limita a capacidade negocial das partes envolvidas. II - A mediadora tem direito à remuneração se a conclusão ou perfeição do negócio o correu por efeito, em termos de causalidade adequada, da actividade de promoção do mediador, sendo indiferente o desenvolvimento, de mais ou menos numerosas diligências, no sentido de conseguir o fim em vista”. III – Se o negócio não se concretizou, a mediadora pode ainda ter direito à remuneração contratada. Para tanto incumbe à empresa de mediação o ónus de alegar e provar, cumulativamente, que o contrato de mediação foi celebrado sob o regime de exclusividade e o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao cliente.
M.M. Pelo Facto provado “28. No dia 03/08/2017, pelas 18 horas, reuniram J… (director comercial), A… (directora comercial), H… (colaboradora) e P…”. A testemunha P… faltou à Acareação na sessão de Julgamento de 26.11.2019, isto quando o mesmo tinha sido notificado pessoalmente na sessão anterior de 28/10/2019.
N.N. O Tribunal a quo conformou-se, para que não fosse novamente ouvido a testemunha, e se proceder à Acareação e inclusivamente nenhuma sanção teve a sua falta, ao contrario do habitual quando uma testemunha falta e não justifica a mesma.
O.O. As outras duas testemunhas da Autora, não puderam estar presentes e justificaram muito antecipadamente as suas ausências por motivos de trabalho nos EUA, como consta nos autos.
P.P. Tendo sido requerido para a acta pelo Mandatário da Autora, nessa sessão de julgamento, que fosse então agendada nova data para a Acareação, pois até faltava a outra testemunha P…, que tinha sido notificada pessoalmente.
Q.Q Tendo proferido a Meritíssima Srª Drª Juiz, um despacho em sentido negativo ao requerido, que com o devido respeito, prejudicou o Principio da Descoberta da Verdade Material.
R.R. Tinham já sido três os depoimentos individuais das testemunhas da Autora que afirmam convictamente que o P… lhes disse nessa reunião, que existia ainda um outro contrato de compra e venda celebrado com a Ré, mas que não o podia fornecer por motivos óbvios.
S.S. O que faz aliás todo o sentido que assim fosse, pois só com a efetiva compra e venda do imóvel tem acolhimento o projecto Portugal 20 / 20, - CRESC Algarve 2020, tal como ficou aliás ficou provado no Ponto “23. As verbas seriam disponibilizadas após a compra do imóvel identificado acima.”
T.T. Quanto ao pedido das despesas com a colocação da lona de publicidade no valor de € 190,00 (cento e noventa euros), que foi colocada no terreno em questão com publicidade, compreender-se que a mesma faça parte do investimento que foi feito pela Autora no desempenho da sua atividade, e foi com a mesma que se alcançou o desejado Cliente para o negócio.
U.U. Certamente que o presente Venerando Tribunal da Relação de Évora, conhecerá igualmente de todas as questões, ao abrigo do artigo 665º do CPC.»
A 1.ª ré apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
Foi proferido, a 23-11-2020, despacho no qual se considerou que a sentença não padece da causa de nulidade imputada pela recorrente, mas de manifesto lapso de escrita, que se retificou nos termos que se transcrevem: (…) efectivamente, a sentença padece de um manifesto lapso de escrito, o qual, contudo, não significa um resultado jurídico distinto daquele que ficou consignada e continuaria a conduzir à improcedência da acção pelos mesmos motivos que ficaram na mesma explicados. Senão vejamos: O Decreto-Lei n.º 77/1999, de 16 de Março, dispunha: 1. Artigo 3º, n.º 1, que: (…) A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ou na venda de bens imóveis ou na constituição de quaisquer direitos reais sobre os mesmos, bem como para o arrendamento e trespasse, desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informação sobre os negócios pretendidos e sobre as características dos respectivos imóveis. 2. Artigo 19º, n.º 1, que: A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. 3. Artigo 20º, nº 1, que: O contrato de mediação imobiliária está sujeito à forma escrita. 4. Artigo 20º, n.º 2, alínea f) que: As condições de remuneração, nomeadamente montante ou percentagem e forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável. 5. Artigo 20º, nº 8, que: O incumprimento do disposto nos n.º 1, 2 e 6 do presente artigo gera a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela entidade Mediadora. Por seu turno, a Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro, aplicável ao caso concreto, dispõe o seguinte: 1. Artigo 2º, n.º 1, que: (…) A actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis. 2. Artigo 2º, nº 2, que: A actividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações: a) Prospecção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes; b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões. 3. Artigo 16.º, n.º 1, que: O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito. 4. Artigo 16.º, nº 2, que: Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos: a) A identificação das características do bem imóvel que constitui objecto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam; b) A identificação do negócio visado pelo exercício de mediação; c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável; d) A identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º, com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido; e) A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato; f) A identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa; g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente. 5. Artigo 16.º, nº 5, que: O incumprimento do disposto nos n.os 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação. 6. Artigo 19.º, nº 1, que: A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
*
Pelo exposto, este Tribunal procede à rectificação do manifesto lapso de escrita, ao abrigo do disposto no artigo 614.º do Código de Processo Civil, dá por não escritas as menções a 2011 e ao Decreto-Lei 77/1999, de 16 de Março, devendo as referências a este passar a ler-se como referências à Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro, preceitos acima enunciados.
Notificadas ambas partes do despacho que antecede, a apelante veio aos autos sustentar que o vício nele mencionado não configura um erro material suscetível de retificação pela 1.ª instância, cujo poder jurisdicional se esgotou com a prolação da sentença, antes de tratando de um manifesto erro na aplicação do direito aos factos.
Face às conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, e considerando o despacho de 23-11-2020, cumpre apreciar as questões seguintes:
- questão prévia: efeitos da retificação da decisão recorrida;
- nulidade da decisão recorrida;
- impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré;
- obrigação de pagamento pela ré das quantias peticionadas pela autora.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Decisão de facto
2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. Encontra-se inscrito a favor da ré o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob a ficha … e inscrito na matriz predial urbana com o artigo nº …, freguesia de Portimão, sito na Av. Afonso Henriques, em Portimão.
2. A autora na qualidade de Agência Imobiliária, no desenvolvimento da sua actividade, celebrou um denominado “contrato de mediação imobiliária” nº 106/2016, no dia 02 de Agosto, com a ré, para promover a compra do imóvel identificado em 1.
3. Neste as partes declararam que o faziam em regime de “não exclusividade”.
4. As partes declararam que a autora se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de € 2.450.000,00.
5. As partes declararam que o imóvel se encontrava livre de ónus e encargos.
6. As partes acordaram que a remuneração era devida aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado.
7. As partes assinalaram a quantia de 5%, calculada sobre o preço do imóvel, a título de remuneração, caso o negócio visado se concretizasse.
8. A autora na qualidade de Agência Imobiliária, no desenvolvimento da sua actividade, celebrou um denominado “contrato de mediação imobiliária” nº 135/2016, no dia 19 de Outubro, com a ré, para promover a venda do imóvel identificado em 1.
9. O contrato foi rubricado e assinado pelas partes.
10. As partes declararam que a autora se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de € 2.450.000,00.
11. As partes declararam que o imóvel se encontrava livre de ónus e encargos.
12. As partes acordaram que a remuneração era devida aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado.
13. As partes não assinalaram qual a quantia acordada entre as partes, a título de remuneração, caso o negócio visado se concretizasse.
14. As partes declararam que o segundo contratante contrata a mediadora em regime de exclusividade.
15. A autora começou o seu trabalho com a divulgação do imóvel em causa pelos diversos meios e ferramentas ao seu alcance.
16. Colocou um painel publicitário dentro do terreno, com a indicação da agência imobiliária que o estava a comercializar.
17. A colaboradora da autora, H…, foi contactada telefonicamente por P… que se apresentou como sendo sócio e gerente da sociedade, com a firma “J… – Investimentos, Lda.”.
18. Na sequência deste contacto, foi agendada uma visita ao local do terreno.
19. E nessa visita e com a explicação e descrição que lhe foi então comunicada pela comercial, P… ficou interessado pelo referido terreno, quer pela sua dimensão e centralidade, pois o mesmo situa-se na frente ribeirinha da cidade de Portimão.
20. Iniciaram-se então as diligencias entre todas as partes, no sentido de se transaccionar o respectivo imóvel.
21. Paulo Amaro iniciou a tramitação junto da Câmara Municipal de Portimão no departamento DTPU com o processo nº 19/17 em Anexo Processo principal nº 1520/07, no qual interpôs requerimentos para apreciação prévia da Câmara Municipal, no sentido do pretendido que seria a implementação de um projecto de actividade turística para o local.
22. Para dar inicio ao programa de candidatura ao Fundo Social Europeu no enquadramento do projecto Portugal 20 / 20, - CRESC Algarve 2020.
23. As verbas seriam disponibilizadas após a compra do imóvel identificado acima.
24. Estava anunciado o valor de venda inicial de € 2.450.000,00, no entanto após varias negociações com a colaboração da aqui autora, foi fixado o valor e concretizada a compra e venda, após negociações entre as partes, acertou-se então o valor final em € 2.400.000,00.
25. No dia 16 de Março de 2017, a ré remeteu uma carta comunicando à autora a sua intenção de não renovar o contrato de mediação imobiliária celebrado a 19 de Outubro de 2016.
26. A E… Sociedade Imobiliária, Lda. celebrou com a J… Investimentos, Lda. um denominado “Contrato de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais”, no dia 21 de Abril de 2017.
27. O qual foi manifestado à autoridade tributária e liquidado o imposto de selo.
28. No dia 03/08/2017, pelas 18 horas, reuniram J… (director comercial), A… (directora comercial), H… (colaboradora) e P….
2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
Os factos inseridos nos seguintes artigos:
- petição inicial – artigos 20.º, 23.º, 24.º e 25.º;
- contestação – artigos 17.º e 18.º.
2.2. Questão prévia:efeitos da retificação da decisão recorrida
Previamente à apreciação do objeto do recurso, há que determinar os efeitos do despacho de 23-11-2020, na parte em que modificou a sentença, por se ter entendido que continha um manifesto lapso de escrita, o que vem posto em causa pela apelante.
É sabido que o poder jurisdicional do julgador, em regra, se esgota com a prolação da decisão, princípio geral estatuído no artigo 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
No entanto, verificadas determinadas circunstâncias, admite a lei que o juiz possa retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a decisão, conforme decorre dos artigos 613.º, n.º 2, 614.º, 615.º e 616.º do referido Código.
Mediante invocação do disposto no mencionado artigo 614.º, procedeu-se à retificação da sentença recorrida, tendo-se decidido considerar não escritas as menções a 2011 e ao Decreto-Lei 77/1999, de 16 de Março, devendo as referências a este passar a ler-se como referências à Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro, preceitos acima enunciados.
Sob a epígrafe Retificação de erros materiais, o citado artigo 614.º permite se proceda, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz, à retificação de erros materiais, designadamente erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.
Cumpre apreciar se o vício a que alude o despacho em apreciação configura simples erro de escrita qualificável como erro material, nos termos previstos no citado artigo 614.º, n.º 1. Tal impõe se averigue se ocorreu um erro manifesto, revelado no próprio contexto da sentença, conforme requisito do erro de cálculo ou de escrita constante do artigo 249.º do Código Civil, com a redação seguinte: O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.
Quanto à verificação de erro de cálculo ou de escrita a que alude o artigo 614.º, n.º 1, do CPC, José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 732) exemplificam nos termos seguintes: “na fundamentação, o juiz apura uma dívida de 10.000 euros do réu para com o autor, mas na parte decisória condena o réu a pagar 1.000 euros; não tendo o réu impugnado o montante de 10.000 euros que o autor alegara ter sido o preço da venda, que lhe fez, dum bem móvel, o facto foi dado como provado, mas seguidamente o juiz, embora remetendo para os factos dados como provados, para o artigo da petição inicial que continha a alegação ou para os artigos da contestação que não a contraditavam, toma a dívida como de 1.000 euros e condena o réu em conformidade”.
Está em causa, no caso presente, a fundamentação jurídica constante da decisão recorrida, designadamente a determinação do regime jurídico aplicável e a apreciação dos factos à luz das normas que o integram, não se vislumbrando que enferme de qualquer lapso de escrita revelado no próprio contexto da sentença, antes configurando o vício detetado pela 1.ª instância um erro revelado por elementos exteriores à decisão, o que inviabiliza a correção por simples despacho.
Aqui chegados, cumpre atender ao disposto no supra mencionado artigo 616.º, do qual decorre que a decisão poderá ser reformada quanto a custas e multa ou, desde que não admita recurso, se tiver ocorrido manifesto lapso do juiz. Extrai-se deste preceito que, além das situações de reforma quanto a custas ou multa, a decisão da causa só pode ser reformada nos casos em que não seja admissível recurso e só perante a existência de manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou desconsideração de documentos ou outro meio de prova plena constantes dos autos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Estando em causa, no caso presente, uma decisão recorrível – da qual, ademais, foi efetivamente interposto recurso –, afastada se encontra a possibilidade de ser a decisão reformada, ainda que a requerimento das partes, no que respeita à determinação das normas aplicáveis.
Nesta conformidade, considerando que o poder jurisdicional da 1.ª instância se esgotou com a prolação da sentença recorrida, a modificação operada pelo despacho de 23-11-2020 não produz qualquer efeito, pelo que não será atendida.
2.3. Apreciação do objeto do recurso
2.3.1. Nulidade da decisão recorrida
Na apelação interposta, a autora arguiu a nulidade da sentença recorrida.
Sustenta a apelante que o tribunal teve em conta uma data que não corresponde à da relação jurídica estabelecida entre as partes e aplicou legislação revogada, o que conduz à nulidade da sentença. Mais alega que não foram apreciadas as questões, invocadas pela autora, da existência de enriquecimento sem causa e da prestação de falsas declarações pelas rés em contrato entre ambas outorgado, omissão de pronúncia que entende integrar a causa de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
Vejamos se lhe assiste razão.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
No que respeita à invocação de que foi tida em conta referência temporal incorreta e aplicada legislação revogada, não esclarece a recorrente o fundamento legal do vício que arguiu, nem se vislumbra que a alegação apresentada integre qualquer uma das indicadas causas de nulidade da sentença.
O eventual erro na apreciação dos factos ou na respetiva subsunção ao regime jurídico, apesar de poder configurar um erro de julgamento, não é gerador de nulidade da sentença.
No que respeita à segunda causa de nulidade imputada pela apelante à decisão recorrida, a omissão de pronúncia encontra-se prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC, e ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, assim incumprindo o estatuído no artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte, do mesmo código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Ao falar em questões, a lei está a referir-se aos assuntos juridicamente relevantes, aos pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes fundamentaram as suas pretensões.
No caso presente, não assiste razão à recorrente, dado que a apreciação das questões em apreço se mostra prejudicada pela solução dada ao pleito, tendo em conta que se declarou a nulidade do negócio jurídico invocado pela autora e se acrescentou que, ainda que o contrato se mostrasse válido, não lhe seria devida qualquer contraprestação, pelos motivos expostos na sentença.
Improcede, assim, a arguição de nulidade da decisão recorrida.
2.3.2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A recorrente põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando que devem aditados seis factos à matéria provada e dela excluído o facto constante do ponto 13.
Antes de mais, cumpre verificar se a apelante cumpriu os requisitos impostos pelo artigo 640.º do CPC.
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o citado preceito o seguinte: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Explicando o sistema vigente quando o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, afirma António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 165-166), com relevo para o caso presente, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)”.
Analisando as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela autora, verifica-se que a recorrente, ao especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não incluiu qualquer referência à modificação do facto constante do ponto 13, apenas elencando os seis pontos que pretende sejam aditados à matéria provada, assim não tendo dado cumprimento ao ónus previsto na alínea a) do n.º 1 do mencionado artigo 640.º quanto àquele concreto facto.
A indicação deste concreto ponto de facto que a recorrente considera incorretamente julgado, apesar de mencionada no corpo das alegações da apelação, não foi levada às respetivas conclusões, as quais delimitam o âmbito do objeto do recurso, conforme resulta do disposto no artigo 635.º, n.º 4, do CPC.
As questões a decidir serão, além das de conhecimento oficioso, apenas as que constarem das conclusões, cabendo ao recorrente o ónus de as formular e de nelas incluir as questões que pretende ver reapreciadas. Não tendo a apelante incluído o facto constante do ponto 13 na indicação, nas conclusões das alegações, dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, verifica-se que restringiu o objeto do recurso, não tendo a Relação de conhecer da questão da impugnação deste ponto de facto, apesar de constar do corpo da alegação, dado não se tratar de matéria de conhecimento oficioso.[1]
O incumprimento, pela recorrente, deste ónus de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, é cominado com a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º, assim se encontrando afastada a possibilidade de a Relação convidar ao aperfeiçoamento das alegações, de forma a suprir tal omissão.
No caso presente, verificado o incumprimento pela recorrente deste ónus, quanto ao facto constante do ponto 13.º, cumpre rejeitar, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto, conforme decorre do estatuído no corpo do n.º 1 do citado artigo 640.º.
De seguida, cumpre apreciar o peticionado aditamento à factualidade assente dos seis pontos indicados pela apelante.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do CPC, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
Está em causa, no caso presente, a reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância, com vista a apurar se os concretos pontos indicados pela recorrente devem ser acrescentados à matéria provada.
Defende a apelante o aditamento à matéria de facto provada de seis pontos, com a redação seguinte:
1. «Ambas as partes contratantes, Autora e Ré, são igualmente Agências de Mediação Imobiliária»;
2. «O primeiro “contrato de mediação imobiliária” n.º 106/2016, no dia 02 de Agosto”, tem o mesmo obejcto, os mesmos termos e condições, e está assinalada os 5% de remuneração e nunca foi revogado ou requerida a sua anulação por qualquer das partes. O segundo contrato altera só o regime contratual que passa a ser de exclusividade»;
3. «A Ré depois do trabalho da Autora, e de lhe ter sido apresentado um cliente para o negocio, o P… representante da ex-2ª Ré, - J… Investimentos, Ldª, no decurso do tempo em que este último já diligenciava junto da C.M. Portimão a apresentação do projecto Portugal 20/20, - CRESC Algarve 2020. facto provado em 21. e 22., comunica então à Autora a intenção de não renovar o contrato de mediação imobiliária»;
4. «A Ré depois da comunicação identificada em 26. celebrou um denominado “Contrato de Arrendamento Urbano para fins não habitacionais”, no dia 21 de Abril de 2017. E recebeu aquando da outorga do mesmo uma quantia de € 60.000,00»;
5. «No contrato celebrado entre a Ré e a outra outorgante, não foi nem indicado nem mencionado a intervenção ativa da Autora, agência mediadora, tal omissão constitui crime de falsas declarações, pois omitiram factos o que constitui e se enquadra em matéria criminal, previsto e punido nos termos do artº 348º–A, do Código Penal (Aditado pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro – vigente a partir de 23 de Março de 2013). Situação punível para as duas intervenientes no contrato»;
6. «A Ré celebrou com a Autora, dois contratos de mediação imobiliária, tendo perfeito conhecimento de todos os seus termos e condições».
Analisando estes pontos, verifica-se que os elementos que os integram não configuram matéria de facto, antes se traduzindo em conclusões eventualmente baseadas em factos que extrapolam a respetiva redação, o que impede se verifique se os mesmos resultam ou não da prova produzida.
Trata-se de meras conjeturas, afirmações conclusivas não passíveis de demonstração do âmbito do processo.
Como tal, considerando que os elementos em causa não constituem matéria de facto, antes envolvendo uma apreciação sobre factos não elencados, assim assumindo natureza conclusiva, não há que determinar o respetivo aditamento à factualidade provada, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova indicados pela recorrente.
Em conclusão, decide-se rejeitar a impugnação da decisão de facto deduzida na apelação.
2.3.3. Relação jurídica estabelecida entre a autora e a ré
Está em causa, nos presentes autos, uma relação jurídica qualificada pela decisão recorrida como contrato de mediação imobiliária, estabelecida entre a autora, na qualidade de empresa de mediação imobiliária, e a ré, na qualidade de cliente, o que não vem questionado no presente recurso, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito.
Pretende a autora, com a presente ação, obter a condenação da ré no pagamento de determinadas quantias, a título de remuneração e de compensação de despesas que entende serem-lhe devidas, em cumprimento de contrato de mediação imobiliária entre ambas celebrado a 19-10-2016, visando a venda de um prédio urbano pertencente à ré.
À data da celebração do contrato, o exercício da atividade de mediação imobiliária encontrava-se regulado pela Lei n.º 15/2013, de 08-02 – posteriormente alterada pelo DL n.º 102/2017, de 23-08 –, pelo que cumpre atender ao regime jurídico estabelecido nessa lei.
Vem posta em causa na apelação a parte da sentença em que se considerou verificada a nulidade do contrato de mediação imobiliária invocada pela ré, por falta de indicação da remuneração acordada, o que se entendeu configurar menção obrigatória cuja omissão conduz à nulidade do contrato, a qual se declarou.
Discordando da decisão proferida, sustenta a apelante que o vício em causa não pode ser invocado pela ré, por esta ser uma empresa de mediação imobiliária; mais defende que não se verifica a omissão em causa, dado que a remuneração acordada consta de contrato com o mesmo objeto anteriormente outorgado entre as partes, o qual não foi revogado, devendo o contrato celebrado a 19-10-2016 ser considerado como um complemento daquele, do qual se limitou a alterar a cláusula 4.ª, que previa o regime de não exclusividade, consignando uma cláusula de exclusividade.
Cumpre apreciar se a nulidade do contrato de mediação imobiliária pode ser invocada pela ré e se o negócio enferma do aludido vício.
Sob a epígrafe Contrato de mediação imobiliária, dispõe o artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 08-02, na redação em vigor à data da celebração do contrato em apreciação (anterior à alteração operada pelo DL n.º 102/2017, de 23-08), o seguinte: 1 - O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito; 2 - Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos: (…) c) As condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável; (…) 5 - O incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação; (…).
Este preceito impõe, no seu n.º 1, que o contrato de mediação imobiliária seja reduzido a escrito e elenca, nas várias alíneas do n.º 2, determinados elementos dele obrigatoriamente constantes – designadamente, nos termos previstos na alínea c), as condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável –, sancionando o incumprimento desta obrigação com a nulidade do contrato, a qual não pode ser invocada pela empresa de mediação imobiliária, conforme dispõe o n.º 5.
A nulidade do contrato de mediação imobiliária por inobservância de formalidades legais encontra-se, assim, sujeita a um regime de arguição atípico, o qual configura um regime especial que altera o regime geral previsto no artigo 286.º do Código Civil, relativo à legitimidade para a invocação da nulidade do negócio jurídico, nos termos do qual é invocável por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
Apesar de sancionar a falta de forma legal com a nulidade do contrato, o n.º 5 do citado artigo 16.º estabelece um regime de arguição diverso do previsto no regime geral, ao determinar que não pode ser arguida pelo sujeito que refere: a empresa de mediação.
Em anotação ao artigo 286.º do Código Civil, esclarece Jorge Morais de Carvalho (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 352) que se fala de “nulidade atípica quando a consequência prevista na lei é a nulidade, mas essa mesma lei afasta parte ou a totalidade das regras enunciadas” no regime geral; acrescenta o autor (loc. cit.) que “em alguns casos, a lei determina que a nulidade não pode ser invocada por uma pessoa nela referida (…) ou só pode ser invocada por determinada pessoa”.
Da análise conjugada do n.º 5 do citado artigo 16.º com o regime geral estatuído no artigo 286.º do Código Civil decorre que o primeiro, ao não indicar quem pode invocar a nulidade, mas apenas que não pode ser invocada por determinado sujeito, se limita a estabelecer uma restrição ao regime geral de arguição previsto no segundo, o que permite concluir que a nulidade do contrato de mediação imobiliária, por falta das indicadas formalidades, pode ser invocada por qualquer interessado, salvo pela empresa imobiliária.
Neste sentido (reportando-se à norma em apreciação, atualmente integrada no n.º 7 do preceito, na redação dada pelo DL n.º 102/2017, de 23-08), afirma Higina Orvalho Castelo (Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2.ª edição atualizada, revista e aumentada, Coimbra, Almedina, 2020, p. 108) o seguinte: “O teor literal da norma e a sua conjugação com a regra do art. 286 do CC, conduzem a que a nulidade possa ser invocada por qualquer interessado, com exceção da empresa de mediação, e a que deva também ser conhecida oficiosamente pelo tribunal”.
No caso presente, a ré interveio, no contrato outorgado com a autora, na qualidade de cliente, conforme definição constante do n.º 6 do artigo 2.º da Lei n.º 15/2013, de 08-02, nos termos do qual: É designada por cliente a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária.
Não obstante poder a própria ré ser uma empresa de mediação imobiliária, não interveio nessa qualidade no contrato em apreciação, mas sim como cliente, ao celebrar com a empresa de mediação imobiliária autora um contrato, nos termos do qual esta assumiu a obrigação de diligenciar no sentido de angariar interessado na compra de determinado prédio urbano pertencente à ré, pelo preço indicado.
Nesta conformidade, inexiste impedimento legal à invocação pela ré, cliente da empresa de mediação imobiliária autora, da nulidade do contrato entre ambas celebrado, pelo que improcede a argumentação nesse sentido apresentada pela apelante.
Tendo-se concluído que assiste legitimidade à ré para arguir a nulidade do contrato de mediação imobiliária celebrado com a autora, vejamos se o negócio enferma do vício que lhe é imputado.
A apelante não põe em causa a omissão de indicação, no contrato outorgado com a ré em 19-10-2016, das condições de remuneração da empresa acordadas entre os contraentes. Sustenta, porém, que a remuneração acordada consta de contrato com o mesmo objeto anteriormente outorgado entre as partes, o qual não foi revogado, devendo o contrato celebrado a 19-10-2016 ser considerado como um complemento daquele, alterando o regime de não exclusividade previsto na cláusula 4.ª e consignando uma cláusula de exclusividade.
Tal não decorre, porém, da matéria de facto provada.
Encontra-se assente (cf. pontos 2 a 7) a celebração, a 02-08-2016, entre a autora e a ré, de um contrato com o n.º 106/2016 – denominado Contrato de Mediação Imobiliária –, visando a venda do prédio urbano identificado no ponto 1, pertencente à ré, tendo as partes declarado que o faziam em regime de “não exclusividade”, que a autora se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do bem pelo preço de € 2 450 000, que o imóvel se encontrava livre de ónus e encargos e que a remuneração era devida aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado, tendo assinalaram a quantia de 5%, calculada sobre o preço do imóvel, a título de remuneração, caso o negócio visado se concretizasse.
Mais de provou (cf. pontos 8 a 14) a celebração, a 19-10-2016, entre a autora e a ré, de um contrato com o n.º 135/2016 – denominado Contrato de Mediação Imobiliária –, visando a venda do prédio urbano identificado no ponto 1, pertencente à ré, tendo o contrato sido rubricado e assinado pelas partes e tendo estas declarado que a autora se obrigava a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do bem pelo preço de € 2 450 000, que o imóvel se encontrava livre de ónus e encargos, que a remuneração era devida aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado e que o segundo contratante contrata a mediadora em regime de exclusividade, não tendo as partes assinalado qual a quantia acordada, a título de remuneração, caso o negócio visado se concretizasse.
Decorre destes elementos que autora e ré celebraram, entre si, dois contratos de mediação imobiliária, o primeiro a 02-08-2016 e o segundo a 19-10-2016, ambos visando a procura, pela autora, de interessado na compra de determinado bem imóvel pertencente à ré, pelo preço de € 2 450 000.
Através do segundo contrato, as partes regularam novamente, ainda que em termos parcialmente diversos, a mesma relação jurídica. Isto é, os contraentes não se limitaram a modificar determinadas cláusulas do contrato anteriormente outorgado, mas celebraram novo contrato, cujo conteúdo regula o mesmo negócio de forma parcialmente diversa.
Tendo autora e ré celebrado dois contratos de mediação imobiliária visando a procura de interessado na compra do mesmo bem imóvel, a celebração do segundo contrato tem como consequência necessária a extinção do contrato anteriormente celebrado, pelo que o contrato de mediação imobiliária a considerar será o outorgado a 19-10-2016.
Tal efeito, decorrente da celebração do segundo contrato, foi tido em conta pela própria autora no âmbito dos presentes autos, considerando que o pedido formulado na petição inicial se baseia no incumprimento, pela ré, do contrato entre ambas outorgado a 19-10-2016, o qual integra a causa de pedir apresentada perante a 1.ª instância.
Nesta conformidade, não assiste razão à apelante, ao sustentar a vigência do primeiro contrato, designadamente do aí acordado entre as partes relativamente à remuneração da autora, cumprindo concluir que esse contrato se extinguiu com a celebração do segundo, do qual não constam as condições de remuneração da empresa acordadas entre os contraentes.
Em conclusão, enferma o contrato de mediação imobiliária outorgado entre autora e ré a 19-10-2016 de nulidade, por incumprimento do estabelecido no artigo 16.º, n.º 2, al. c), da Lei n.º 15/2013, de 08-02, pelo que cumpre confirmar, nesta parte, a decisão recorrida, ainda que com fundamentação parcialmente diversa, o que importa a parcial improcedência da apelação.
2.3.4. Obrigação de pagamento pela ré das quantias peticionadas pela autora
A 1.ª instância absolveu a ré do pedido formulado pela autora, por se ter entendido que, ainda que o contrato de mediação imobiliária fosse válido, não seria devida à empresa de mediação qualquer remuneração, em virtude de não se ter concretizado o negócio visado – a venda do imóvel pertencente à ré –, nem lhe seria devida a quantia peticionada a título de despesas, dado não resultar da factualidade provada que a tenha suportado.
Discordando deste entendimento, sustenta a apelante que, ainda que o contrato de mediação imobiliária seja considerado nulo, deverá ser tido em conta o trabalho que executou e as despesas que suportou em execução desse negócio.
Verificada a nulidade do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a autora e a ré, por incumprimento do disposto no artigo 16.º, n.º 2, al. c), da Lei n.º 15/2013, de 08-02, cumpre apreciar as consequências daí decorrentes e aferir se assiste à autora o direito a receber as quantias peticionadas nos presentes autos.
Dispõe o artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, que, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Estando em causa um contrato de mediação imobiliária nulo por falta de especificação de elemento obrigatório, negócio em execução do qual a autora desenvolveu atividade de mediação, tendo prestado serviços com o objetivo de encontrar interessado na celebração do negócio visado, afastada se encontra a possibilidade de restituição em espécie, pelo que deverá ser restituído o valor correspondente.
Referindo-se a esta contraprestação pecuniária, esclarece Higina Orvalho Castelo (ob. cit., p. 110) que “o melhor critério para aferir esse valor é fazê-lo corresponder à remuneração acordada, pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida do mediador para si valia”.
Relativamente à compensação devida à mediadora em caso de nulidade do contrato, afirma Fernando Baptista de Oliveira (Manual da Mediação Imobiliária, Coimbra, Almedina, 2019, p. 86-87) que “o critério para encontrar o valor a restituir deverá ser o da retribuição/comissão que foi acordada pelas partes contratantes, pois parece ser a única quantia que, de forma objectiva, se poderá reconduzir ao conceito de valor correspondente. Acrescenta o autor (loc. cit.) que “se a actividade desenvolvida pela mediadora não for de molde a justificar o recebimento da remuneração, a declaração da nulidade do contrato não muda as coisas – não lhe vai propiciar um recebimento a que não teria direito caso o contrato fosse válido”.
Antes de mais, cumpre averiguar se, perante a atividade concretamente desenvolvida pela empresa mediadora e face aos resultados alcançados, lhe assistia, à luz do contrato celebrado, o direito a retribuição e, em caso afirmativo, o respetivo montante.
Sob a epígrafe Remuneração da empresa, dispõe o artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 08-02, o seguinte: 1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra; 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
Decorre do n.º 1 deste preceito que a remuneração da empresa mediadora, em regra, só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo contrato de mediação imobiliária ou com a celebração de contrato-promessa, se tal houver sido acordado entre as partes; estabelecendo uma exceção a esta regra, estatui o n.º 2 que, nos contratos de mediação celebrados em regime de exclusividade, a remuneração é devida se o negócio visado pelo contrato não se concretizar por causa imputável ao cliente.
Os pressupostos do direito à retribuição da empresa mediadora dependem, assim, do acordado entre as partes, o que impõe a análise do teor do concreto contrato de mediação celebrado.
Extrai-se dos pontos 8 a 14 da factualidade assente, relativos ao conteúdo do contrato outorgado a 19-10-2016, que a autora se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do prédio urbano identificado no ponto 1, pertencente à ré, pelo preço de € 2 450 000 e que ficou acordado que a remuneração seria devida aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado, tendo sido estabelecida uma cláusula de exclusividade.
Analisando estes elementos, verifica-se que o contrato de mediação imobiliária visou a celebração de contrato de compra e venda de determinado prédio urbano pertencente à ré, pelo preço de € 2 450 000, tendo a autora assumido a obrigação de encontrar um interessado na aquisição desse bem pelo indicado montante.
Esta obrigação assumida pela autora – obtenção de um interessado na celebração do negócio visado –, assume a natureza de uma obrigação de resultado, não se bastando com a realização de diligências no sentido da angariação de interessados na compra do prédio pertencente à ré, antes se exigindo que seja encontrada pessoa efetivamente interessada na aquisição do prédio nas condições pretendidas, ou aceites, pela ré e que se proponha celebrar o negócio.
Dúvidas não há de que o negócio visado – contrato de compra e venda do bem imóvel – não se celebrou, pelo que, em princípio, ainda que não se verificasse a nulidade do contrato de mediação, não teria a empresa mediadora direito a remuneração, apesar da atividade desenvolvida.
Tendo o contrato de mediação imobiliária sido celebrado em regime de exclusividade, face ao estatuído no n.º 2 do artigo 19.º, cumpre apreciar se o negócio visado pelo contrato não se concretizou por causa imputável ao cliente.
Encontra-se assente que, na sequência de diligências que efetuou, a autora logrou encontrar um interessado na compra do imóvel – a sociedade J… Investimentos, Lda. –, após o que promoveu a realização de negociações entre esta empresa e a ré, no decurso das quais foi acordada uma redução do preço; no entanto, por motivos que se desconhecem, o contrato visado não foi celebrado, tendo a ré e a interessada angariada pela autora celebrado entre si, no dia 21-04-2017, um contrato de arrendamento do aludido prédio.
Não decorre da factualidade provada qualquer elemento que permita aferir a causa pela qual se não concretizou o negócio, desconhecendo-se se, na sequência da fixação por acordo de um preço inferior, a sociedade J… Investimentos, Lda. se propunha genuinamente comprar o imóvel ou se decorreram quaisquer diligências visando a celebração do contrato visado, bem como se alguma das partes, designadamente a ré, recusou celebrá-lo, o que não permite determinar o contexto no âmbito do qual não se celebrou o negócio.
Face às regras de distribuição do ónus da prova estatuídas no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe à autora a demonstração dos elementos constitutivos do direito à remuneração que invoca.
Não decorrendo da matéria de facto provada o motivo pelo qual se não concretizou o contrato de compra e venda do imóvel, não poderá concluir-se que tal tenha resultado de causa imputável à ré, dado que competia à autora o ónus da prova desse pressuposto do direito à remuneração que invoca.
Nesta conformidade, face ao acordado entre as partes, e caso o contrato se mostrasse válido, não assistiria à autora o direito a retribuição, o que afasta o direito a qualquer contraprestação pecuniária decorrente da declaração de nulidade do negócio.
Quanto às despesas que a autora sustenta ter suportado no exercício da atividade que desenvolveu em execução do contrato de mediação, não tendo logrado provar a factualidade que alegou, não lhe assiste o direito à peticionada compensação, conforme considerou a decisão recorrida, assim se mostrando prejudicada a apreciação da questão da ressarcibilidade das despesas suportadas pela empresa mediadora no exercício da atividade de mediação.
A apelante invoca, ainda, o instituto do enriquecimento sem causa, com fundamento no qual pretende obter a condenação da ré no pagamento dos montantes pecuniários que peticiona.
O enriquecimento sem causa encontra-se previsto no artigo 473.º do Código Civil, cujo n.º 1 dispõe: Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou; acrescenta o n.º 2: A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou. A obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, conforme se extrai do artigo 474.º do mesmo Código, que estatui: Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.
Da análise destes preceitos resulta que o enriquecimento sem causa depende da verificação de quatro pressupostos, a saber: a) o enriquecimento; b) que este enriquecimento seja obtido à custa de outrem; c) a falta de causa justificativa; d) a inexistência de outro meio jurídico idóneo para a ação de restituição.
Considerando que a obrigação de restituir fundada em enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária e que a lei prevê outro meio jurídico destinado à compensação decorrente da declaração de nulidade do negócio, no caso, o supra analisado direito a compensação previsto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, tal afasta o recurso ao enriquecimento sem causa como meio de obter o pagamento de remuneração decorrente da atividade exercida em execução do contrato de mediação imobiliária nulo por falta de forma legal.
Improcede, assim, totalmente a apelação, cumprindo manter a decisão recorrida, ainda que com fundamentação diversa.
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, ainda que com diversa fundamentação, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, 11-03-2021
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Cristina Dá Mesquita
(1.ª Adjunta)
José António Moita
(2.º Adjunto)
_______________________________________________
[1] Na jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de a falta de indicação, nas conclusões da alegação, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, importar o incumprimento do ónus de alegação a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, podem indicar-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 05-01-2016, proferido na revista n.º 36/09.6TBLMG.C1.S1 - 6.ª Secção, de 21-01-2016, proferido na revista n.º 145/11.1TCFUN.L1.S1 - 2.ª Secção, de 02-02-2016, proferido na revista n.º 2000/12.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção, de 03-05-2016, proferido na revista n.º 145/11.1TNLSB.L1.S1 - 6.ª Secção, de 31-05-2016, proferido na revista n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1 - 1.ª Secção, de 02-06-2016, proferido na revista n.º 781/07.0TYLSB.L1.S1 - 7.ª Secção, de 05-08-2016, proferido na revista n.º 221/13.6TBPRD-A.P1.S1, de 14-02-2017, proferido na revista n.º 1260/07,1TBLLE.E1.S1 - 1.ª Secção, de 14-02-2017, proferido na revista n.º 462/13.6TBPTL.G1.S1 - 6.ª Secção, e de 02-03-2017, proferido na revista n.º 1574/11.6TBFLG.P1.S1 - 7.ª Secção, cujos sumários se encontram disponíveis para consulta em www.stj.pt.