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VENDA EXECUTIVA
EFEITOS
TRANSMISSÃO DE DIREITO REAL
TRANSACÇÃO
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE
LEILÃO JUDICIAL
LICITAÇÃO
Sumário
I - A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja, tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa - artigo 879º als. a) a c) do Código Civil. II - Mas, ao contrário do que sucede na venda negocial, em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, diferentemente sucede na venda executiva, porquanto nela os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, ou seja, a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão. III – Na venda por leilão eletrónico, a adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º, nº 10, do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça. Esse regime é o que se acha no artigo 827º e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário. IV – Tendo autores e réus junto aos autos transação, relativamente ao imóvel objeto da ação de divisão de coisa comum, em data anterior à emissão do título de transmissão, não podia o Tribunal recusar apreciar a validade dessa transação, com o argumento de que tendo aquele imóvel sido licitado em leilão eletrónico, cuja proposta foi aceite, só a falta do pagamento do preço é suscetível de determinar que a venda fique sem efeito. (sumário do relator)
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Na presente ação especial de divisão de coisa comum, em que são autores C…, L…, P… e réus M…, I…, A…, An…, Lu…, Ma… e F…, tendo as partes chegado a acordo relativamente à adjudicação do imóvel em causa, juntaram aos autos o respetivo termo de transação, após o que foi proferido o seguinte despacho:
«Transacção celebrada pelos interessados: Uma vez que o objecto da transacção é a transmissão de direitos sobre a coisa comum (prédio) que se encontrava em venda (por vontade das partes) e que já havia sido licitado em leilão electrónico, cuja proposta foi aceite, aguardem os autos pela oportunidade do pagamento do preço, uma vez que só a falta desse pagamento é susceptível de determinar que a venda fique sem efeito, ao abrigo do disposto no Art. 825º do CPC (aplicável ex vi do Art. 25º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto). Notifique.»
Inconformados, os autores apelaram o assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. A venda dos bens no processo especial de divisão de coisa comum segue a forma das vendas no âmbito do processo executivo- cfr. art.º 549º n.º 2 do CPC.
2. Não obsta à celebração de uma transacção, e consequente despacho homologatório, onde os consortes põem termo à compropriedade, adjudicando o imóvel objecto do processo especial de divisão de coisa comum a um deles, o facto deste ter sido posto à venda, de ter sido apresentada proposta por terceira pessoa de valor superior ao valor base e da mesma ter sido aceite, sem que tenha, à data do despacho que recusou a homologação, havido ainda emissão do titulo de adjudicação.
3. O teor da alínea a) do nº 1, do artigo 2º, do Despacho nº 12624/2015, publicado em Diário da República, 2ª Série, nº 219 de 9 de Novembro de 2015, que estabelece as regras de funcionamento da plataforma de leilão electrónico, refere: “1 – Para efeitos das presentes regras, entende- se por: a) «Adjudicação» a decisão tomada no âmbito do processo de execução pelo agente de execução, que decida a venda de um bem ou conjunto de bens integrados num lote, a um utente que apresentou a licitação mais elevada, depois de ter depositado o preço e demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais.”
4. Assim, a venda judicial em leilão electrónico só se concretiza com a emissão do título de transmissão, o qual só pode ser emitido após o pagamento integral do preço e demonstrado o cumprimento das obrigações fiscais.
5. A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa – art.º 879º do Código Civil. Porém,
6. Na venda por leilão electrónico os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, ou seja
7. Na venda por leilão, a transmissão da propriedade do bem vendido só se opera com o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão e a emissão do respectivo título de transmissão - o instrumento de venda.
8. Tendo os Autores/Recorrentes e os Réus chegado a acordo quanto à adjudicação do imóvel em causa nos autos, e junto aos mesmos o respectivo termo de transacção em data anterior à emissão do título de transmissão, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que homologue o referido acordo.
9. Ao não tê-lo feito, violou o Tribunal recorrido preceituado no art.º 879º do CC, nos art.os 549º n.º 2, 827º n.os 1 e 2 e 846º n.º 1, todos do CPC e ainda o disposto no art.º 2º n.º 1 al. a) do Despacho nº 12624/2015, publicado em Diário da República, 2ª Série, n.º 219 de 09/11.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II - ÂMBITO DO RECURSO
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), coloca como única questão à apreciação deste Tribunal, saber se quando as partes submeteram a transação à homologação do Tribunal recorrido estava já consumada ou não a venda do imóvel em causa.
III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS
Os factos e a dinâmica processual a ter em conta para a decisão do recurso são os que constam do relatório, relevando ainda os seguintes factos documentados nos autos:
1- Em 18.11.2004 foi instaurada a presente ação para pôr termo à compropriedade do prédio misto denominado "V …", com a área de 68,9750ha, sito na freguesia e concelho de Ourique, cuja parte rústica se compõe de cultura arvense, oliveiras, sobreiros e azinheiras e a parte urbana de casas térreas (em ruínas), destinadas a habitação, celeiro, cavalariça e palheiro, com área coberta de 198,50m2, inscrito nas respetivas matrizes cadastral rústica sob o art.º … da Secção N e predial urbana sob o art.º …, descrito na Conservatória de Registo predial de Ourique sob o n.º … - Ourique.
2- Em 07.03.2017 teve lugar a conferência de interessados, na qual as partes não tendo chegador a acordo no tocante à adjudicação do imóvel objeto da ação a qualquer dos interessados, foi determinada a venda do mesmo.
3- Em 06.02.2019, após nomeação de Agente de Execução, foi a mesma notificada do despacho de 17.01.2019, que determinou o prosseguimento dos autos para venda, com o preço base de € 190.000,00.
4- Em 03.04.2019 foram as partes notificadas pela Sr.ª Agente de Execução para se pronunciar quanto à modalidade da venda, não se tendo as mesmas oposto a que aquela fosse através de leilão eletrónico.
5- Em 12.06.2019 foram as partes notificadas pela Sr.ª Agente de Execução da decisão de vender o prédio mediante leilão eletrónico através da Plataforma “e-leilões”, pelo valor base de € 223.529,42, aceitando-se propostas iguais ou superiores a 85% desse valor.
6- Em virtude do óbito do autor António Guerreiro, ocorrido em 08.06.2019, a instância foi suspensa para habilitação dos respetivos sucessores, tendo sido declarada a cessação dessa suspensão por despacho proferido em 06.02.2020.
7- Em 01.07.2019 a Sr.ª Agente de Execução foi notificada da suspensão da instância e em 19.02.2020 informou os autos do prosseguimento da venda em virtude da cessação dessa suspensão.
8- Em 03.07.2020 os autores foram notificados pela Sr.ª Agente de Execução de que o leilão online para venda se encontrava a decorrer na Plataforma e-leilões, com início em 03.07.2020 e terminus em 09.09.2020.
9- Em 15.09.2020 os autores, através da sua mandatária, foram notificados da decisão de adjudicação do prédio pela proposta mais alta, no valor de € 229.540,72.
10- Em 16.09.2020 os autores juntaram aos autos, com o requerimento apresentado sob a referência 36491804, o termo da transação efetuada com os réus, do seguinte teor:
«1º – Os Réus aceitam que o prédio misto denominado “V…”, sito na freguesia e concelho de Ourique, com a área de 68,9750ha, cuja parte rústica se compõe de cultura arvense, montado de azinho e sobro e olival, e a parte urbana de morada de casas térreas com 4 compartimentos para habitação, cavalariça e palheiro, com a área coberta de 198,50 m2, inscrito nas respectivas matrizes cadastral rústica sob o art.º … da Secção N e predial urbana sob o art.º … descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique sob o n.º …/Ourique, seja adjudicado na sua totalidade aos Autores, na qualidade de cônjuge meeira e todos eles únicos e universais herdeiros do falecido António Guerreiro, em comum e sem determinação de partes ou direitos. 2º - Como contrapartida os Autores dão de tornas aos Réus o montante global de 45.000,00 € (quarenta e cinco mil euros), distribuído da seguinte forma: - 15.000,00 € para a Ré M…, - 15.000,00 € para os Réus I…, A… MA…, An… e Lu…, herdeiros do J…, - 7.500,00 € para a Ré MA…, herdeira de Fe…, e - 7.500,00 € para o Réu F…, Herdeiro de Fe…. 3º – As referidas tornas serão pagas pelos Autores aos Réus no prazo máximo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória da presente transação, por transferência bancária efetuada da conta com o IBAN (…), para as seguintes contas bancárias: (…). 4º – A custas serão suportadas por Autores e Réus na proporção dos respetivos quinhões, prescindindo as partes de custas de parte. 5º – As partes prescindem do direito de recurso.»
11- A transação efetuada entre autores/recorrentes e réus foi comunicada pela mandatária dos primeiros em 17.09.2020, e por correio eletrónico, à Sr.ª Agente de Execução, quando esta ainda não tinha emitido título de transmissão.
12- Em 23.09.2010 foi expedida a notificação eletrónica para a mandatária dos Autores com o despacho recorrido.
13 – À data da interposição do recurso (01.10.2020), ainda não havia sido emitido o título de transmissão.
O DIREITO
No âmbito desta ação de divisão de coisa comum, o bem imóvel objeto da mesma foi levado a leilão, recaindo sobre aquele uma proposta.
Contudo, em momento anterior à emissão do título de transmissão pela Sr.ª Agente de Execução – o qual à data da interposição do recurso ainda não tinha sido emitido -, autores e réus chegaram a acordo quanto à adjudicação do imóvel aos primeiros, tendo, na sequência, juntado aos autos a respetiva transação, a qual o Sr. Juiz a quo entendeu não homologar por considerar que «o objecto da transacção é a transmissão de direitos sobre a coisa comum (prédio) que se encontrava em venda (por vontade das partes) e que já havia sido licitado em leilão electrónico, cuja proposta foi aceite».
Contra esse entendimento insurgem-se os autores/recorrentes, sustentando que a venda só estaria consumada com a emissão do título de transmissão, o que não havia ainda ocorrido à data da transação e do despacho recorrido, nem tão pouco aquando da interposição do recurso.
Vejamos.
O artigo 549º do CPC sob a epígrafe “Disposições reguladoras do processo especial”, dispõe no seu nº 2 que quando haja lugar a venda de bens, esta é feita pelas formas estabelecidas para o processo de execução.
Portanto, a solução da questão suscitada radica, como vimos supra, em saber em que momento se deve considerar efetuada a venda judicial em processo de execução.
No caso em apreço está-se perante a venda executiva de um imóvel mediante venda em leilão eletrónico, a qual se acha regulada no artigo 834º do CPC, em que a proposta de maior valor foi aceite e considerada válida.
A propósito de um caso em que a questão decidenda que se colocava, era a de saber se quando a executada solicitou à agente de execução o IBAN para proceder ao pagamento da quantia exequenda e juros estava já consumada ou não a venda executiva, escreveu-se no Acórdão desta Relação de 06.12.2018[1].
«A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja, tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa – art.º 879º als. a) a c) do CC. Mas, além dos efeitos obrigacionais e do efeito translativo comuns a qualquer venda, a venda executiva produz ainda outros efeitos tais como o extintivo, registral, represtinatório e efeito sub-rogatório[2]. No que respeita ao efeito translativo, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (art.º 824º, nº 1, do Código Civil). Na venda negocial (ou privada) a transferência dá-se por mero efeito do contrato, ou seja, a transferência não fica dependente da entrega da coisa e do pagamento do preço (art.º 886º do Código Civil, que dispõe: “Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço”). Porém, a situação é diferente na venda executiva, porquanto nela, de acordo com o art.º 827º, nº 1, do CPC – norma referente à venda por propostas em carta fechada - os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, agente de execução que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito[3], comunica seguidamente a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do nº 2 do art.º 824º do CC. A venda em leilão eletrónico, como é a situação dos autos, foi eleita pelo legislador como a preferencial no caso de venda de bens imóveis e móveis penhorados, “nos termos a definir por portaria do membro do Governos responsável pela área da justiça” (art.º 837º, nº 1, do CPC). Essa Portaria é a 282/2013[4], de 29.08, que tem como objeto regulamentar, entre outros aspetos das ações executivas cíveis, os termos da venda em leilão eletrónico de bens penhorados – al. j), do nº 1, do art.º 1º -, o que ocorre nos arts. 20º a 23º, prevendo o primeiro destes normativos que o leilão eletrónico se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça. O Despacho nº 12.624/2015, de 09.11, da Ministra da Justiça, veio precisamente definir como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologar as regras do sistema aprovadas por essa entidade. Quanto ao regime por que se rege a venda em leilão eletrónico, decorre dos nºs 2 e 3 do art. 837º do CPC que: - a publicitação segue as regras gerais do art.º 817, nºs 2 a 4; - no mais aplicam-se as regras privativas dos artigos 20º a 26ª da Portaria 282/2013, sem prejuízo do Despacho 12.624/2015; - e, em tudo o que não estiver especialmente regulado nelas, as regras da venda em estabelecimento de leilão, em rigor, as constantes nos artigos 834º nºs 3 4 e 835º. Dir-se-ia pois, que a contrario não se remete para as regras comuns, salvas as do artigo 817º, nºs 2 a 4, do CPC. Mas não é assim, pois como explica Rui Pinto[5], «a venda em leilão eletrónico é uma das “restantes modalidades de venda” a que se refere o nº 2 do artigo 811º, pelo que, no que não estiver regulado nos níveis normativos referidos nos nºs 2 e 3 do artigo 837º, são de aplicar residualmente, tanto as normas do regime da venda mediante propostas em carta fechada a que o dito artigo 811º nº 2 atribui uma aplicabilidade geral – os artigos 818º, 819º, 823º e 828º -, como, ainda, as disposições gerais dos artigos 811º a 815º e 842º a 845º que iniciam a Subsecção V em que se acha o artigo 837º.» E, mais adiante, no que ao caso importa: «A adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º nº 10 do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça. Esse regime é o que se acha no artigo 827º e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário. Deve, a este propósito, ser notado que o mesmo nº 10 estabelece um prazo de dez dias, contados da notificação da conclusão do leilão, para o agente de execução titular do processo dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente». Face ao disposto nos citados preceitos legais, conclui-se que na venda executiva por leilão eletrónico a transmissão da propriedade do bem vendido só se opera com o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão e a emissão do respetivo título de transmissão - o instrumento de venda.»
No caso dos autos, o que se verifica é que, na data em que autores e réus juntaram aos autos a transação (16.09.2020), a agente de execução ainda não havia emitido o título de transmissão, o qual, aliás, nem sequer havia sido emitido em 01.10.2020, quando os autores interpuseram o recurso.
Como se escreveu no mesmo Acórdão:
«É que, segundo o citado art.º 827º, nº 1, do CPC, a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como sucede no direito substantivo, dada a sua natureza real e não obrigacional [arts. 408º, nº 1, 874º, e 879º, al. a), e 578º nº 1 todos do CC], mas só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução no caso de venda por propostas em carta fechada/venda em leilão eletrónico (no caso da venda por negociação particular com a outorga do instrumento da venda), para o que se torna necessário que se verifique mostrar-se paga a totalidade do preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão[6]. No mesmo sentido se pronunciaram Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes[7], que sustentam que só com a adjudicação termina o processo da venda, não sendo o depósito uma mera condicio juris, que se limite (extrinsecamente) a condicionar a eficácia da venda, mas um elemento constitutivo da venda executiva por proposta em carta fechada; dar a venda sem efeito mais não é do que verificar que ela não se chegou a aperfeiçoar, extinguindo os efeitos do contrato preliminar (constituído por proposta e aceitação) que a antecede.»
Ora, tendo os autores junto ao processo a transação em data anterior à emissão do título de transmissão – que não se sabe se já foi emitido -, não podia o Sr. Juiz a quo deixar de apreciar a validade da referida transação e, concluindo pela sua validade, proceder à respetiva homologação com as legais consequências, nomeadamente dando sem efeito o ato da venda.
O recurso merece, pois, provimento.
III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que aprecie a validade da transação efetuada pelas partes, com as consequências acima assinaladas.
Sem custas.
*
Évora, 11 de março de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Tomé Ramião (1º adjunto)
Nos termos do artigo 15.º-A do Dec.-Lei n.º 10-A/2020, de 13-03, aditado pelo Dec.-Lei n.º 20/20, de 01-05, para os efeitos do disposto no artigo 153.º, n.º 1, do CPC, atesta-se que o presente acórdão foi aprovado com o voto de conformidade do Exmo. Desembargador Francisco Xavier (2º Adjunto), que não assina por não se encontrar presente nesta sessão de julgamento a decorrer por teleconferência.
_______________________________________________
[1] Proc. 1866/14.2T8SLV-B.E1, in www.dgsi (este Acórdão citado também pelos recorrentes nas alegações, foi relatado pelo ora Relator e subscrito pelo aqui 1º Adjunto).
[2] Cfr., neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, p. 383.
[3] Norma aplicável, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda, ex vi do art.º 811º, nº 2, do CPC.
[4] Esta Portaria foi alterada pela Portaria 349/2015, de 13.10, a qual manteve inalterada a redação de qualquer um dos preceitos legais que estatuem sobre a venda em leilão eletrónico.
[5] A Ação Executiva, AAFDL Editora, Lisboa-2018, p. 871 e seguintes.
[6] Cfr. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8ª ed., p. 371, referindo-se à venda por propostas em carta fechada, cujo regime, como vimos supra, é em tudo idêntico à venda em leilão eletrónico.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, nºs 3 das anotações aos arts. 894 º e 898º, citados por Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 329.