CAMINHO
DOMÍNIO PÚBLICO
USO DIRETO
INTERESSE PÚBLICO
Sumário

1-O Assento do STJ de 19 de Abril de 1989, carece de ser interpretado restritivamente no sentido de que, um caminho que atravesse terrenos particulares apenas se poderá considerar público, quando esteja no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais e visando a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
II- Para se decidir do grau ou relevância destes interesses é necessário que este seja utilizado por uma generalidade de pessoas, e que o fim visado consista consistir na satisfação de interesses e utilidades públicas.
III- Na falta destes dois requisitos (uso directo e imediato desde tempos imemoriais e satisfação de interesses públicos) qualquer caminho que atravesse prédios particulares, apenas poderá ser considerado de natureza exclusivamente particular se servir apenas os interesses dos respectivos proprietários, ou mero atravessadouro e assim excluído do domínio público (cfr. artºs 1383 e 1384 do C.C.)

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Great Potential Unipessoal, Lda, e Intermarina Imobiliária, S.A., vieram requerer contra Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, IP-RAM e Trilho Robusto – Construção Civil, Lda, que seja decretado embargo de obra que os requeridos se encontram a realizar em parcela de terreno pertencente às autoras, concretamente em trilho de acesso ali existente, ordenando-se a sua imediata suspensão e que sejam estas condenadas a repor o prédio no estado anterior às obras e a indemnizar a 1ª A. no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros).
*
Citadas, a 1ª requerida contestou por excepção, invocando a ilegitimidade ativa das autoras para a demanda, a incompetência do tribunal em razão do valor, a incompetência do tribunal em razão da matéria, a ineptidão da petição inicial, a inutilidade superveniente da lide, e o não preenchimento de todos os requisitos legais para o decretamento do embargo de obra nova, porque não se trata de obra nova, antes de trabalhos de recuperação ou melhoria de uma vereda pública existente desde tempos imemoriais e de melhoramento do posto de observação das baleias também existente e de natureza pública, visando a prossecução do interesse público.
A 2ª requerida defendeu-se por excepção, alegando a sua ilegitimidade passiva para a demanda, invocando a sua qualidade de mera empreiteira da obra e, por impugnação, invocando que a obra se realiza em vereda pública.
*
Foi após, proferido despacho que conheceu da incompetência do tribunal em razão do valor, declarando-a improcedente, da nulidade resultante da ineptidão da petição inicial, que também declarou improcedente e, da excepção da ilegitimidade passiva da ré empreiteira que, igualmente, declarou improcedente.
Relegou o conhecimento das demais questões e excepções para a decisão final.
*
Realizou-se a audiência de julgamento, nos termos da qual se proferiu a seguinte decisão:
“a) Determina-se o embargo da obra efetuada pelas rés, acima referida.
b) Absolvem-se as rés do pedido de reposição do prédio no estado anterior ao seu início.
c) Absolvem-se as rés do pedido de indemnização efetuado pela autora.”
*
Não conformada com esta decisão impetrou, a requerida, recurso da mesma, formulando afinal, as seguintes conclusões:
“a) Em primeiro lugar, cumpre referir que a decisão e motivação sobre a matéria de facto proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo padece de erro na apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documental junto aos autos, uma vez que considerou como não provados factos que deveriam ter sido dados por provados, pelo que a respetiva decisão merece críticas quanto à sua credibilidade.
Vejamos:
b) Valorando a prova produzida, tanto documental como testemunhal, no seu conjunto, outra deveria ter sido a interpretação e decisão que não a proferida nos autos, pelo que merecem censura os pontos impugnados pela ora Recorrente e, consequentemente, a decisão que daí resultou.
c) Por conseguinte, tendo em conta os referidos depoimentos acima transcritos, constata-se o desacerto da decisão em apreço, que deve ser alterada, para os devidos efeitos.
d) Entende, assim, o Recorrente que a sentença recorrida é nula, por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615.°, nº 1, alínea b) e d), do Código do Processo Civil, porquanto a mesma não faz um exame crítico das provas, não especificando concretamente os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não mencionando porque razão valoriza a prova apresentada pelas Requerentes, em detrimento da prova oferecida pelo ora Apelante, bem como, pura e simplesmente, ignorou a prova testemunhal e documental que foi junta aos autos pelo Recorrente e que é determinante para o esclarecimento dos factos controvertidos.
e) Acerca desta matéria, convém sublinhar que a decisão e motivação sobre a matéria de facto proferida pelo Juiz a quo padece de erro na apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, uma vez que não considerou como provados factos que efetivamente deveriam ter sido dados por provados, pelo que a respetiva decisão merece críticas quanto à sua credibilidade (impugnação da matéria de facto).
f) Entende o Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto, deveria ter considerado por provado, nomeadamente, os seguintes factos:
i) que a obra foi efetuada num percurso pedestre que constitui uma VEREDA, que vai desde a estátua do Cristo Rei, passa por um pequeno abrigo que servia para avistar baleias (a “casa”) e termina no aludido banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento).
(ii) que a VEREDA pública em causa existe desde tempos imemoriais e sempre foi acedido livremente pela população e visitantes.
(iii) que a VEREDA em causa foi mapeada em 1956, pelo Instituto Geográfico e Cadastral.
(iv) que a obra levada a cabo pelas rés não alterou o traçado original da VEREDA ou da intervenção anterior da Câmara Municipal de Santa Cruz.
g) Por outro lado, relativamente ao ponto 6. dos factos provados, o Meritíssimo Juiz “a quo”, deu como provado que: “A Câmara só realizou obras de melhoramento:
- do trilho de acesso à casa de avista baleias, uma vez, a pedido do então Presidente, o Dr. J...; e, do monumento do Cristo Rei.”
h) A vereda em causa existe desde tempos imemoriais e foi e é livremente acedido por toda a população e visitantes, constituindo mesmo um dos cartazes turísticos mais visitados da Região, divulgados em diversos sítios da internet, flyers diversos e demais meios de informação turística, regionais, nacionais e internacionais.
i) A vereda em causa atravessa parte do prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo 5.º da secção CC6, da freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz.
j) Como se pode verificar pela análise da planta cadastral junta aos autos pelo Requerido IFCN, IP-RAM, na audiência de julgamento de 29/10/2019, (fls. 226, 227 e 228), o percurso em causa está identificado e é designado por VEREDA e não por um mero trilho.
k) Com efeito, analisando as denominadas “Convenções Gráficas”, anexas à referida planta do cadastro, pode-se constatar que a linha tracejada desde a estátua do Cristo Rei até ao posto de observação das baleias e ao mencionado promontório na ponta do Garajau onde está o mencionado banco cavado na rocha, está sinalizada como sendo uma “VEREDA”.
l) Pois bem, analisando toda a prova carreada para os autos, resulta claramente que o percurso em causa é uma VEREDA e não um mero trilho, tal como consta da planta cadastral, cujo levantamento foi realizado aquando do mapeamento efetuado da referida zona pelo Instituto Geográfico e Cadastral no ano de 1956.
m) A mencionada designação de “trilho de acesso à casa de avista baleias” constante do mencionado ponto 6., trata-se de uma mera conclusão do Meritíssimo Juiz “a quo”, que está claramente em contradição com a prova documental carreada para os autos pelo ora Apelante.
n) Nestes termos, entende o Apelante que a redação do mencionado ponto 6. Dos factos dados por provados deverá ser alterada, razão pela qual a designação de “trilho de acesso à casa de avista baleias”, deverá ser alterada para “vereda de acesso à casa de avista baleias e que termina no banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento).”
o) Por outro lado, entende a ora recorrente que o Meritíssimo Juiz “a quo”, face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não deveria ter dado como provados os referidos pontos 8., 9. e 10.
p) Pois bem, a prova destes pontos, mais uma vez, só pode ter resultado das declarações de parte dos legais representantes das Requerentes ou seja, daqueles a quem o Meritíssimo Juiz “a quo” decidiu dar credibilidade, muito embora tenham interesse no desfecho da causa, e que claro está só dizem respeito à versão apresentada pelas Requerentes.
q) Porém, decidiu ignorar por completo o depoimento da testemunha E..., que se identificou como Historiador e Investigador do Centro de Estudos de História do Atlântico já que, ao longo de toda a sentença não deu a devida relevância ao mesmo.
r) Como aliás decorre do depoimento em causa, nomeadamente os excertos acima transcritos, é incontornável que o uso que foi feito da VEREDA em causa advém já de tempos imemoriais.
s) Aliás, é a própria sentença que, baseando-se no depoimento atrás referido, menciona expressamente que “O uso do percurso para avistar baleias foi também confirmado pelas demais testemunhas, mormente pelo historiador E..., que situou o auge da “caça à baleia” nos anos 40 e 50 do século XX, embora já existisse antes.” (o sublinhado é nosso).
t) A este respeito, dá-se igualmente por reproduzido o depoimento da testemunha C..., que desempenhou funções como Vereador da Câmara Municipal de Santa Cruz de 1998 a 2005, cujos excertos estão cima transcritos.
u) Dá-se igualmente por reproduzido o depoimento da testemunha AJ..., funcionário das Finanças e que desempenhou funções como Vereador da Câmara Municipal de Santa Cruz de 2005 a 2013, cujos excertos estão acima transcritos.
w) Acresce que também está consagrado na douta sentença em apreço (cfr. ponto 35. dos factos dados por provados), “Existem registos de que na Ponta do Garajau, conhecida pelos Britânicos por “Brazen Head”, antes de 1770 eram lançados “ao mar dos restos mortais dos residentes britânicos e de outras nacionalidades que não eram católicos romanos e faleciam na ilha”
x) Acresce ainda que a mencionada testemunha … referiu no seu depoimento que para a caça à baleia na Ilha da Madeira foi construída uma rede de postos de vigia por toda a costa sul da Ilha da Madeira, sendo que entre eles foi construído o posto de vigia mencionado nestes autos, situado na ponta do Garajau, freguesia do Caniço, concelho de
Santa Cruz (que se situa abaixo da estátua do Cristo Rei do Garajau).
y) Estes edifícios davam abrigo aos homens que sondavam o mar em busca das baleias.
z) Mais mencionou a dita testemunha que a rede de vigias costeiras do arquipélago da Madeira possibilitava a cobertura integral dos mares deste arquipélago.
aa) Para mais, verifica-se que tal utilização da dita vereda tem-se desenvolvido de forma direta e imediata e sem a intermediação de particulares, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, e ininterruptamente.
bb) Sendo que todos os que ali passam fazem-no em condições de igualdade, na convicção que tal vereda está franqueada ao uso do público, e que, por isso, não lesam direitos privados.
cc) Tal caminho constitui o único acesso existente desde a estátua do Cristo Rei, passa por um abrigo que servia para avistar baleias e termina num promontório situado numa arriba alcantilada onde foi cavado um banco na rocha (designado por “o miradouro” ou lugar de avistamento).
dd) Para além de permitir a observação de baleias, essa vereda foi igualmente utilizada pelo público em geral que sempre passou pelo referido local e passa atualmente, sobretudo para fins turísticos, atendendo ao promontório e à espetacular vista.
ee) Ora, convém realçar que o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 19.04.89, publicado no DR- I Série, de 02.06.89, considerou que "São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público". Afastou-se, assim, a tese jurisprudencial que exigia para a caracterização de natureza pública do caminho, a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa coletiva de direito público, bastando o uso direto e imediato pelo público desde tempos imemoriais.
ff) Para além de tudo o supra e exposto é igualmente de enorme importância o referido artigo 1383.º do Código Civil, já que é de tal forma concludente que em última ratio teria sempre que se considerar que nos termos do artigo 1383.º do Código Civil, se estaria perante uma servidão de utilização pública.
gg) Ora, o Requerido IFCN, IP-RAM, na sua oposição à presente providência cautelar, alegou que a vereda em causa é pública pois sempre foi utilizada, desde tempos imemoriais, pelo público em geral, pois sempre passou por ali gente desde tempos que ninguém se recorda.
hh) Nesse sentido, possuindo a vereda ancestral cujos trabalhos de recuperação as Requerentes pretendem suspender, evidente natureza pública, não constituindo qualquer obra nova, carecem as Requerentes de legitimidade ativa para requererem a presente providência cautelar, o que se requer, devendo assim decretar-se a extinção da instância com o consequente arquivamento do procedimento cautelar.
ii) E as Requerentes bem sabem que, tratando-se de coisa pública, a mesma não pode ser objeto de direitos privados, devendo considerar-se fora do comércio (artigo 202.º, nº 2 do Código Civil). Consequentemente, quaisquer negócios efetuados por particulares sobre os terrenos em causa são negócios nulos porque o respetivo objeto é legalmente impossível (artigo 280.º, nº 1 do Código Civil).
jj) Ora, o Recorrente considera que a douta sentença recorrida não fez um correto enquadramento jurídico, nem uma análise adequada dos factos e dos documentos juntos aos presentes autos e, por consequência, omitiu factos relevantes que deveriam ter sido dados por provados, pelo que, na realidade, fez uma análise algo simplista das questões colocadas nos autos o que, salvo o devido respeito, terá levado a um total desacerto da decisão.
kk) Nesta sequência, dada a natureza pública da vereda em causa, uma coisa é certa: deve a matéria dos pontos 8. e 10. dos factos considerados provados ser dada como não provada para todos os efeitos legais.
ll) De igual modo, no que respeita ao ponto 9., entendemos que o mesmo deve ser apenas dado como provado em parte, com a seguinte redação: “E na vereda de acesso à “casa” e, mais à frente, a um pequeno banco cavado na rocha, usados no tempo de caça da baleia, pelas pessoas ligadas às baleeiras, encarregadas de as avistar, em pontos altos, como aquele”.
mm) Em relação direta com o acabado de enunciar, refira-se que a alínea j) da matéria de facto dada por não provada deve ser dada por provada, ou seja, deve ser dado por provado “Que o percurso em causa existe desde tempos imemoriais e sempre foi acedido livremente por toda a população e visitantes.”, pois as razões que expusemos anteriormente para solicitar a alteração da matéria dos pontos 8., 9. e 10. são as que ora apresentamos a V. Exas para dar como provada esta matéria.
nn) Nestes termos, a presente providência cautelar deverá ser declarada totalmente improcedente por manifesta falta de fundamento e bem assim por prejudicar o interesse público.
oo) No que se refere ao ponto 25. da matéria de facto dada por provada, ficou consignado que “A obra foi efetuada em percurso pedestre que, enquanto trilho ou vereda, vai desde a estátua do Cristo Rei, passa por um pequeno abrigo que servia para avistar baleias (a “casa”) e termina no aludido banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento).”
pp) Em relação direta com o ponto 25., diga-se que as razões que expusemos anteriormente valem igualmente para requerer e/ou solicitar a V. Exªs a alteração da referida redação, pois o apelante sublinha a importância da correção do texto, porquanto o mesmo, assim formulado, poderá induzir em erro o intérprete da douta decisão em crise.
qq) Com efeito, entende o Recorrente que o percurso em causa é uma VEREDA, razão pela qual não pode ser designado como um mero trilho, pois essa expressão confere uma conotação de maior precariedade.
rr) A questão está conexionada com a exposição anterior, verificando-se que estamos perante uma vereda pública, razão pela qual a mencionada redação do ponto 25. deverá ser alterada passando a constar que “A obra foi efetuada em percurso pedestre que, enquanto vereda, vai desde a estátua do Cristo Rei, passa por um pequeno abrigo que servia para avistar baleias (a “casa”) e termina no aludido banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento).
ss) Quanto ao ponto 26. da matéria de facto dada por provada, que refere que “O trilho em causa existe desde, pelo menos 1956, data em que o terreno foi mapeado pelo Instituto Geográfico e Cadastral.”, é necessário ter presente que a sentença refere na fundamentação atinente que “Quanto ao ponto 26, na aludida planta cadastral e no depoimento da testemunha, que é, de profissão, funcionário das Finanças, e que disse que o “cadastro passou naquela zona em 1956”.
tt) Ora, a vereda em causa atravessa parte do prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo 5.º da secção CC6, da freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz.
uu) Como se pode verificar pela análise da planta cadastral junta aos autos pelo Requerido IFCN, IP-RAM, na audiência de julgamento de 29/10/2019, (fls. 226, 227 e 228), o percurso em causa está identificado e é designado por VEREDA e não por um mero trilho.
vv) Com efeito, analisando as denominadas “Convenções Gráficas”, anexas à referida planta do cadastro (fls. 226, 227 e 228 dos autos), pode-se constatar que a linha tracejada desde a estátua do Cristo Rei até ao posto de observação das baleias e ao mencionado promontório na ponta do Garajau onde está o mencionado banco cavado na rocha, está sinalizada como sendo uma “VEREDA”.
ww) O apelante impugna, quanto a este ponto, a resposta dada pelo Tribunal na primeira parte do segmento, ou seja, na parte em que o Tribunal dá como provado que “O trilho em causa existe desde, pelo menos 1956”.
xx) Isto porque, está provado nos autos que a dita vereda era utilizada muito antes do referido ano de 1956, data em que é apontado o mapeamento da referida zona pelo Instituto Geográfico e cadastral.
yy) Com efeito, o ponto 35. dos factos dados por provados refere que “Existem registos de que na Ponta do Garajau, conhecida pelos Britânicos por “Brazen Head”, antes de 1770 eram lançados “ao mar dos restos mortais dos residentes britânicos e de outras nacionalidades que não eram católicos romanos e faleciam na ilha.
zz) E o ponto 25. refere que “A obra foi efetuada em percurso pedestre que enquanto (…) vereda, vai desde a estátua do Cristo Rei, passa por um pequeno abrigo que servia para avistar baleias (a “casa”) e termina no aludido banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento).”
aaa) A este respeito, dá-se por reproduzido o depoimento da testemunha E... e acima transcrito.
Com efeito, decorre do depoimento desta testemunha quando inquirida pelo próprio Juiz a quo, que o uso que foi feito da VEREDA em causa advém já de tempos imemoriais.
bbb) Aliás, é a própria sentença que, baseando-se no depoimento atrás referido, menciona expressamente que “O uso do percurso para avistar baleias foi também confirmado pelas demais testemunhas, mormente pelo historiador …s, que situou o auge da “caça à baleia” nos anos 40 e 50 do século XX, embora já existisse antes.” (o sublinhado é nosso).
(….)fff) Por seu turno, foi dado por não provado o facto descrito na alínea h), isto é, “Que a obra levada a cabo pelas rés não alterou o traçado original do trilho ou a intervenção anterior da Câmara.”
ggg) Contudo, pela simples análise das fotografias do anterior estado da vereda, de fls. 229 a 231, por comparação com as fotografias do atual estado da mesma de fls. 232 a 235, pode-se constatar que o mencionado percurso não foi alterado.
hhh) Aliás, não se tratou de uma obra nova mas apenas de trabalhos de melhoria da vereda e do local de observação das baleias, mantendo-se o seu traçado original.
iii) Note-se, que o percurso foi mantido na integra, pois o mesmo vai em linha reta desde a estátua do Cristo Rei, passa por um pequeno abrigo que servia para avistar baleias e termina no aludido banco cavado na rocha.
jjj) Com efeito, a empreitada em causa foi identificada como sendo a “Empreitada para Recuperação da Vereda da Ponta do Garajau”, efetuada nos termos e condições do caderno de encargos e respetivos anexos.
kkk) (…)funcionário das Finanças e que desempenhou funções como Vereador da Câmara Municipal de Santa Cruz de 2005 a 2013.
lll) (….)
nnn) E, neste sentido, fica claramente demonstrado e deve ser dado por provado que a obra em causa levada a cabo pelas rés não alterou o traçado original da vereda ou da intervenção anterior da Câmara.
ooo) Posto isto, entende o Réu/Apelante que só deste modo contêm os autos, de modo esclarecido, a factualidade respeitante, pois considera que a douta sentença recorrida não fez um correto enquadramento jurídico, nem uma análise adequada dos factos e dos documentos juntos aos presentes autos e, por consequência, omitiu factos relevantes que deveriam ter sido
dados por provados, pelo que, na realidade, fez uma análise algo simplista das questões colocadas nos autos o que, salvo o devido respeito, terá levado a um total desacerto da decisão.
ppp) Assim sendo, com o devido respeito, que muito é, só se pode concluir que a análise efetuada à prova documental e testemunhal foi completamente viciada e deturpada pelo Tribunal a quo, pois o decidido na sentença em apreço contraria a prova resultante dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, no que se refere à identificação e representação
gráfica da dita vereda constante da planta cadastral a fls 226, 227 e 228 dos autos.
qqq) Assim sendo, a decisão em apreço viola o disposto no artigo 607.º, nº 5 do Código do Processo Civil, que preceitua que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
rrr) Ou seja, a sentença em apreço proferida pelo Digníssimo Tribunal a quo deverá ser revogada e alterada, nos termos supra explanados, o que aqui se requer, para os devidos e legais efeitos.
NESTES TERMOS,
Nos melhores de direito e com o sempre Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve conceder-se a apelação e, em consequência, proferir decisão que declare a nulidade da sentença nos termos indicados ou, então, seja proferida decisão que altere a matéria de facto provada e não provada, tal como vem requerido pela Apelante, revogando-se a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo e a providência cautelar decretada, com todas as consequências legais, assim se fazendo serena, sã e objetiva JUSTIÇA”
*
As Requerentes vieram interpor contra-alegações delas resultando as seguintes conclusões:
“IV. Conclusões
(….)23. Já quanto às aludidas nulidades assacadas à Sentença, constantes do artigo 615.º/1/b) e d) do CPC, importa referir que são inexistentes.
24. O Tribunal a quo enunciou, especificamente, quais foram os documentos que analisou e quais foram os depoimentos que teve em conta para julgar provados e não provados os diversos factos em causa.
25. A Sentença recorrida também mencionou as normas que determinam que o trilho em causa não é um caminho público, nomeadamente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça já mencionado na conclusão 9, tendo que ser declarada improcedendo a alegação da nulidade com referência ao artigo 615º/1/b) do CPC.
26. Por último, é também improcedente a alegação da nulidade com referência ao artigo 615.º/1/d) do CPC uma vez que a Sentença proferida debruça-se sobre todas as questões trazidas aos autos pelas partes, nos articulados, sendo certo que não se deixou de pronunciar sobre qualquer questão.
27. O Recorrente confunde falta de fundamentação de facto e de direito com a circunstância de não concordar com a fundamentação da Sentença. Contudo, a discordância não é motivo de nulidade de Sentença!
28. As alegações do Recorrente são consideradas feitas de má-fé, porque o Recorrente aceitou os títulos e certidões de registo predial que comprovam a titularidade da propriedade pelas Recorridas, pelo que não poderiam ter recorrido sem qualquer prova produzida em audiência de julgamento nem documento que hajam juntado.
29. Ante ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso, e mantida a Sentença proferida pelo Tribunal a quo com as devidas consequências legais.
***
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apreciar:
Como questão prévia:
a) Se o recurso deve ser rejeitado, pela existência de conclusões extensas, prolixas e complexas do recorrente)
Como questões principais:
b) se a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação;
c) se a matéria de facto apreciada pelo tribunal recorrido, deve ser alterada;
d) se a obra foi realizada em vereda existente desde tempos imemoriais, visando a prossecução de interesse público;
*
Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes adjuntos, cumpre decidir.
*         
QUESTÃO PRÉVIA
Vêm os requeridos alegar que o recurso deve ser rejeitado por as conclusões do recorrente violarem o disposto no artº 639 nºs 1 e 3 do C.P.C.
Sem razão, no entanto, uma vez que, mesmo a existência de conclusões prolixas, obscuras e desconexas, impõe prévio despacho de aperfeiçoamento do relator.
Com efeito, nos termos do Artigo 639º, nº3, do Código de Processo Civil, «Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.»
Apelidadas as conclusões do recorrente, pelos recorridos, de demasiado extensas e complexas, sem observância do dever de sintetizar, imposto para as conclusões de recurso, cumpre densificar o conceito de complexidade constante deste dispositivo legal.
Refere-nos Abrantes Geraldes[3] que as conclusões deverão ser consideradas como “complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o nº1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação. Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões. Nestes casos, trata-se fundamentalmente de eliminar aquilo que é excessivo, de forma a permitir que o tribunal de recurso apreenda com facilidade as verdadeiras razões nas quais o recorrente sustenta a sua pretensão de anulação ou de alteração do julgado.»
Ora, as conclusões do requerente serão extensas, mas não se podem considerar complexas para efeitos desta previsão legal, tendo em conta a impugnação feita da matéria de facto, que compreende o grosso destas conclusões.
Por outro lado, a eventual complexidade, a existir não impõe a rejeição do recurso interposto.
Nada obsta pois ao conhecimento do recurso em apreço.
***
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:
“1. A autora GP é dona e legítima proprietária de:
a) Um prédio rústico localizado nos Sítios do Garajau, Quinta, Quinta do Vale e Fonte do Mar, freguesia do Caniço e concelho de Santa Cruz, a confrontar pelo norte e leste com a autora, a oeste com o ribeiro e com … e a sul com o mar, inscrito na matriz cadastral sob os artigos 5 da secção CC6 e 2 da secção CC7 (proveio do artigo 1 da secção CC7) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º 4612/Caniço; e de,
b) Um prédio misto, localizado no Sítio do Garajau, Quinta, Quinta do Vale e Fonte do Mar ou Romeiros, freguesia do Caniço, concelho de Santa Cruz, a confrontar a norte e oeste com a estrada, sul com o mar e a leste com a própria, inscrito na matriz, a parte urbana sob os artigos 4295 e 4229 e a parte rústica sob o artigo cadastral 4 da secção CC6, descrito na Conservatória do Registo Predial do Caniço sob o n.º 3872/Caniço, e anteriormente descrito sob o n.º 8646, a fls 122 V – B – 32 Caniço.
2. A autora IM detém o direito de reserva de propriedade de tais imóveis.
3. As autoras, por si, e pelos seus ante possuidores, são donas e legítimas possuidoras dos imóveis descritos em a) e b) do ponto 1., que antecede, desde pelo menos 1937, consecutivamente, e sem interrupção, de boa-fé, à vista de todos, sem qualquer reclamação e com respeito pelo seu direito de propriedade e sua posse por parte da Região Autónoma da Madeira, do Governo Regional da Madeira e do Município de Santa Cruz.
4. A Secretaria Regional do Equipamento Social só realizou obras nos prédios, identificados no ponto 1. na altura em que foi autorizada por escrito, pela então proprietária dos imóveis (a Intermarina Anlagen AG), nos termos e para os efeitos do contrato promessa de doação, outorgado no ano de 2005, entre, a Intermarina Anlagen AG, por uma parte, e, pelas outras duas partes, a Região Autónoma da Madeira – doravante RAM - , representada pelo Secretário Regional do Equipamento Social e Transportes, e a Câmara Municipal de Santa Cruz – doravante Câmara.
5. A autora GP, através de notificação judicial avulsa recebida pelo Senhor Presidente do Governo Regional, em representação da RAM, e pelo Senhor Presidente da Câmara, em ambos os casos no dia 6 de Maio de 2019, comunicou a ambas a resolução do aludido contrato promessa de doação.
6. A Câmara só realizou obras de melhoramento: 
- do trilho de acesso à casa de avista baleias, uma vez, a pedido do então Presidente, o Dr. J...; e,
- do monumento do Cristo Rei.
7. As autoras tomaram conhecimento da realização das obras, cujo embargo pretendem, através da publicação, no Diário de Notícias da Madeira, edição de Domingo, 30-6-2019, página 2, em que dá notícia que a ré Instituto já iniciou a recuperação da aí denominada “Vereda da Ponta do Garajau, no Caniço”, obra que, também aí se escrevia “estará concluída na primeira quinzena de Agosto”.
8. As aludidas obras foram realizadas, pelas rés, em parcela de terreno que é parte do prédio descrito na alínea a) do ponto 1.
9. E no trilho de acesso à “casa” e, mais à frente, a um pequeno banco cavado na rocha, usados no tempo de caça da baleia, pelas pessoas ligadas às baleeiras, encarregadas de as avistar, em pontos altos, como aquele, com tolerância dos proprietários do terreno.
10. As autoras não autorizaram as rés a realizar as obras no prédio (e no trilho) e que eram realizadas, além do mais, em 18-7-2019.
11. Nessa data, 18-7-2019, as obras realizadas consistiam na remoção de madeiras depositadas e depósito de materiais inertes no solo.
12. Não se encontrava afixado, no local da obra, qualquer painel com a menção do alvará que a autorizasse.
13. Segundo as declarações da Secretária Regional do Ambiente, mencionadas na notícia do Diário de Notícias, as obras, e transcreve-se: “(…) o projeto de beneficiação permitirá melhorar as condições de segurança e restabelecer a operacionalidade desta infraestrutura, criando condições para garantir a fruição por parte dos turistas e população residente”.
14. A autora GP dedica-se à atividade de “promoção de imóveis para venda, compra e venda para revenda, arrendamentos, exploração turística, exploração de centros comerciais, exploração de parques de estacionamentos e atividades afins”.
15. E adquiriu os prédios descritos ponto 1., para os destinar ao fim de promoção imobiliária e à exploração turística.
16. Encontra-se em fase de emissão alvará de loteamento urbano já aprovado, em 2013.
17. As autoras aguardam aprovação de projeto turístico, submetido à aprovação da Câmara. 
18. A ré empreiteira é uma sociedade que se dedica, além do mais, às atividades de construção civil e obras públicas e construção de caminhos agrícolas e florestais. 
19. No dia 28 de maio de 2019 realizou um contrato de empreitada com a ré Instituto, por escrito.
20. Os serviços prestados pela ré empreiteira resultaram de diretrizes exatas emanadas pelo pela ré Instituto, dona da obra.
21. À ré empreiteira foi adjudicada a obra, designada de recuperação de uma vereda, pela ré Instituto.
22. A obra efetuada pela ré empreiteira melhorou a segurança dos frequentadores do local.
23. A obra consistiu, pelo menos, na desmatação, limpeza e remoção da vegetação, ao longo do percurso, na remoção e limpeza de pedras e terras e outros materiais no percurso, a execução de escavação de taludes em terra, sobranceiros ao caminho, regularização do pavimento em terra, execução de valetas para o escoamento de águas, mediante escavação e execução de valeta revestida a lajeado de pedra natural de origem basáltica, assente sobre camada de massame de betão simples, regularização, reparação e estabilização do pavimento, em pedra ou lancis em betão, calcetamento de pedras tipo lajeado assente em subcamada de massame de betão simples, construção de degraus em pedra de basalto, construção de muros de suporte em pedra aparelhada, fornecimento e instalação de varandim em madeira tratada e execução de bancos em pedra aparelhada no fim do percurso da vereda.
24. A obra estava terminada antes do início do julgamento mas não aquando da interposição do requerimento inicial. 
25. A obra foi efetuada em percurso pedestre que, enquanto trilho ou vereda, vai desde a estátua do Cristo Rei, passa por um pequeno abrigo que servia para avistar baleias (a “casa”) e termina no aludido banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento).
26. O trilho em causa existe desde, pelo menos 1956, data em que o terreno foi mapeado pelo Instituto Geográfico e Cadastral.
27. O percurso foi intervencionado pela Câmara, em 2007, desde a estátua até à “casa”, a qual, por questões de segurança, aí colocou escadas e proteções com troncos e corrimões em madeira.
28. Passando a ser acedido por quem o quisesse percorrer, sem oposição do proprietário do terreno.
29. A estátua do Cristo Rei, de onde parte, é um dos cartazes turísticos da Região, divulgado em diversos sítios da Internet, e demais meios de informação turística, regionais, nacionais e internacionais.
30. O Conselheiro Aires de Ornelas, filho do último morgado do Caniço, foi antigo proprietário do terreno onde está o percurso.
31. Foi esse proprietário que, em 1927, mandou erigir a estátua do Cristo Rei.
32. O preço da obra foi o de € 33.543,55, acrescido de IVA à taxa legal.
33. A empreitada em causa foi identificada pela ré Instituto como sendo a “Empreitada para Recuperação da Vereda da Ponta do Garajau”, a fazer nos termos e condições do caderno de encargos e respetivos anexos.
34. Tratou-se de uma intervenção que pretendia proporcionar condições de segurança para os visitantes desse local, numa zona de perigosidade elevada, atenta a sua altitude e grau de degradação das escadas e proteções antes colocadas pela Cãmara e por se tratar de uma arriba alcantilada.
35. Existem registos de que na Ponta do Garajau, conhecida pelos Britânicos por “Brazen Head”, antes de 1770 eram lançados “ao mar dos restos mortais dos residentes britânicos e de outras nacionalidades que não eram católicos romanos e faleciam na ilha”
36. O contrato promessa de doação não incidia sobre a vereda e posto de observação das baleias objeto do presente pleito.
*
Com relevância para a ação, não se deram como provados os seguintes factos, alegados pelas partes: 
a) Que a posse das anteriores proprietárias e ante possuidoras remonte a 1863. 
b) Que o contrato promessa de doação tenha sido outorgado em 2 de Agosto de 2005.
c) Que as intervenções da Câmara na estatua do Cristo Rei tenham sido feitas duas vezes, uma a pedido do Presidente e, outra, a pedido do Vereador, Sr. MA….
d) Que a ré empreiteira não efetuaria a obra se soubesse que o dono da mesma não era o proprietário.
e) Que a ré empreiteira acreditou que a dita “vereda” era do domínio público.
f) Que o percurso pedestre onde a obra foi efetuada tem início junto à estrada municipal.
g) Que a partir da construção da estátua do Cristo Rei o local passou a constituir um local de peregrinação religiosa em culto do Sagrado Coração de Jesus.
h) Que a obra levada a cabo pelas rés não alterou o traçado original do trilho ou da intervenção anterior da Câmara. 
i) Que a obra feita no âmbito de um projeto apresentado a financiamento comunitário na sequência da sua integração na Rede Natura 2000. 
j) Que o percurso em causa exista desde tempos imemoriais e sempre foi acedido livremente por toda a população e visitantes.
k) Que o Conselheiro Aires de Ornelas tenha oferecido a estátua do Cristo Rei à população. 
l) Que o antigo trilho tenha sido “construído”.
m) Que houve prévia anuência do Município de Santa Cruz para a obra em causa.
*
DAS NULIDADES DA SENTENÇA
Vem o recorrente invocar a nulidade da sentença por falta de fundamentação, alegando que o Juiz de primeira instância não fez um exame crítico das provas, não especificou concretamente os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, não mencionou porque valorou a prova apresentada pelos requerentes e desvalorizou a prova apresentada pelos requeridos e, ainda, ignorou a prova testemunhal e documental junta pelos requeridos.
As nulidades da sentença que podem ser invocadas por via do recurso dela interposto, são apenas as referidas nas diversas alíneas do artº 615 nº1 do C.P.C.
Quanto às demais, constituem nulidades processuais, objecto de reclamação para o juiz da causa e não de recurso interposto da decisão final.
Arguida a nulidade da sentença por falta de fundamentação, dispõe o artº 615, nº1, alínea b), do C.P.C., que a sentença é nula quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”
É jurisprudência uniforme, que esta nulidade apenas se verifica quando exista absoluta falta de fundamentação, seja de facto ou de direito e não apenas fundamentação medíocre, deficiente, quiçá errada.
Com efeito, ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no artº 607 nº3 e 4, aplicável ex-vi do disposto no artº 295 do C.P.C., de forma a que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários.
Nos termos dos preceitos acima citados, exige-se que, na sentença, se efectue a indicação dos factos provados como dos não provados e a indicação do processo lógico – racional que conduziu à formação da convicção do julgador, relativamente a estes factos (provados ou não provados), de acordo com o ónus de prova que incumbe a cada uma das partes.
É este dever de fundamentação imprescindível a um processo equitativo e contraditório, por só através do seu escrupuloso cumprimento se salvaguardar as garantias das partes, possibilitando a sua cabal reacção, em caso de discordância (mormente através do recurso ao disposto no artº 640 do C.P.C.).
A este respeito, refere Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação ao artº 607 do C.P.C., in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, de pág. 17[4], que esta factualidade deve “ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.”
Especificados os factos provados e não provados, prossegue ainda Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297,), que “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…). Se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada a Relação deve determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas ou através de repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.”[5]
Quer isto dizer que a fundamentação deficiente apenas tem como consequência a baixa do processo à primeira instância para correcção do vício.
Só existe nulidade, enquadrável no disposto no artº 615, nº1, quando existir falta absoluta de motivação, por ausência total de fundamentos de direito e de facto [6]
Já Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 221, referia que: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”, pelo que “a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.» (Tomé Gomes, Da Sentença Cível, p. 39.)
A sentença recorrida contém os factos relevantes para a decisão a proferir, que consistia na verificação dos pressupostos do embargo de obra nova. Dela resulta igualmente a fundamentação da convicção do julgador, sendo indicados os documentos e a demais prova, considerada relevante para a decisão, passando-se após ao enquadramento jurídico destes factos, que se deram como adquiridos.
O seu eventual desacerto não constitui nulidade.
Não se verifica assim a invocada nulidade por falta de fundamentação, sendo que o erro de julgamento ou o erro na apreciação e valoração das provas, não é fundamento de nulidade, mas antes de impugnação de matéria de facto, que se mostra deduzida.         
*
DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Insurge-se igualmente, a recorrente, contra a decisão que decretou o embargo da obra, impetrando a alteração da matéria de facto que o tribunal considerou como provada e não provada.
Concretamente entende o recorrente que o tribunal deve dar como provado:
i) que a obra foi efetuada num percurso pedestre que constitui uma VEREDA, que vai desde a estátua do Cristo Rei, passa por um pequeno abrigo que servia para avistar baleias (a “casa”) e termina no aludido banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento).
(ii) que a VEREDA pública em causa existe desde tempos imemoriais e sempre foi acedido livremente pela população e visitantes.
(iii) que a VEREDA em causa foi mapeada em 1956, pelo Instituto Geográfico e Cadastral.
(iv) que a obra levada a cabo pelas rés não alterou o traçado original da VEREDA ou da intervenção anterior da Câmara Municipal de Santa Cruz.
Entende ainda que, devem ser considerados como não provados ao factos nºs 8 e 10 e alterados os factos nºs 6, de forma a dele constar “vereda de acesso à casa de avista baleias e que termina no banco cavado na rocha (“o miradouro” ou lugar de avistamento)” e o 9 devendo ser dado como provado em parte, com a seguinte redação: “E na vereda de acesso à “casa” e, mais à frente, a um pequeno banco cavado na rocha, usados no tempo de caça da baleia, pelas pessoas ligadas às baleeiras, encarregadas de as avistar, em pontos altos, como aquele.
Mais alega que no ponto 25, deve ser eliminada a expressão “trilho” para “vereda”, no ponto 26, deve ser eliminada a parte inicial, uma vez que é uma vereda e que existe desde tempos imemoriais.
Alega ainda que devem ser dadas como provadas as alíneas h) e j).
Decidindo:
a) Da apreciação do recurso quanto à matéria de facto;
Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [7]
Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.
A saber:
- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;
- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;
- E a decisão alternativa que é pretendida.[8]
Passando à sua apreciação concreta, nas suas alegações e conclusões cumpre a requerida este ónus, pelo que nada obsta à admissibilidade do recurso nesta parte.
Nas suas conclusões recursórias, peticiona a requerente que seja dado como assente nos pontos 6, 9, 25 e 26 que se trata de vereda e não trilho, invocando para o efeito as folhas 226, 227 e 228 dos autos, no qual consta identificado este como sendo uma vereda e não um trilho, considerando violado pelo tribunal o disposto no artº 607 nº5 do C.P.C. por, em seu entender ignorar a prova documental e dar relevo à prova testemunhal e à prova por declarações de parte.
Mias alega que, o facto de esta vereda existir desde tempos imemoriais, é confirmado pelas testemunhas E..., C..., AJ…, pelo que deveriam ser dados como provados os factos constantes da alínea j).
No que se reporta ao facto constante da alínea h), indica as declarações da testemunha AB… e as declarações de parte do seu representante MF….    
 Passando à apreciação desta impugnação, há que ter em conta que nos encontramos em sede de procedimento cautelar, em que a aquisição da prova não impõe as mesmas exigências de certeza e segurança da acção declarativa. É uma prova indiciária que, no entanto, deve observar as regras previstas no artº 607 do C.P.C., ou seja, de fundamentação, de observância do princípio de repartição do ónus de prova, tendo ainda em conta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador.
Por outro lado, embora se preveja um duplo grau de jurisdição, cabendo a este tribunal formar a sua própria convicção quanto aos factos, há que considerar as limitações resultantes da falta de mediação da prova na segunda instância, pelo que, como salienta Ana Luísa Geraldes[9]Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova”.
Acresce que, conforme acertadamente refere Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
Deste princípio da livre apreciação da prova, se excepcionam, cfr. o disposto no nº5 do artº 607 do C.P.C., os constantes de documentos com força probatória plena (quanto aos factos abrangidos nos termos do disposto no artº 371 do C.C.), os resultantes de confissão judicial (in casu do depoente de parte (artº 358 do C.C.) e os resultantes de documentos que pesem embora sem força probatória plena, sendo apresentados pelo declaratário contra o declarante, não tenham sido impugnados nos termos previstos no artº 376 do C.C., sendo certo que neste caso, os factos compreendidos na declaração, consideram-se plenamente provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (sem prejuízo da indivisibilidade da confissão). Em relação a terceiros, a declaração vale como elemento de prova não subtraído à livre decisão do tribunal.
Por outro lado, no que se reporta à prova por confissão resultante de depoimento de parte, estipula o artº 463 do C.P.C. que existindo confissão, o depoimento da parte é sempre reduzido a escrito, em assentada cuja redacção, pese embora incumbindo ao juiz, é objecto de reclamação quer das partes quer dos seus advogados, se o entenderem, sendo afinal lido ao depoente, que a confirma ou faz as rectificações necessárias. Os factos que constem desta assentada, são os factos objecto de confissão (sem prejuízo da indivisão).
No que se reporta à prova testemunhal, há que referir que o tribunal é plenamente livre de apreciar os depoimentos e valorar a credibilidade das testemunhas tendo por base “a valoração estimada das declarações da testemunha”, com apoio em múltiplos factores “atinentes às características do evento, da testemunha, do comportamento desta e do teor das suas declarações.”[10], devendo o julgador verificar a razão de ciência da testemunha, a parcialidade ou imparcialidade desta mesma testemunha (devido a relações de amizade, trabalho, parentesco ou outras que possam afectar o seu depoimento) e a coerência do seu depoimento, inclusivé por contraponto a outros meios de prova (nomeadamente documentos) ou a factos que estejam já assentes.
Assim sendo e, beneficiando o tribunal de primeira instância dos princípios da mediação e da oralidade, a impugnação da matéria de facto não se pode reconduzir a uma mera impugnação de credibilidade dos depoimentos ou na escolha de depoimentos favoráveis à pretensão do impugnante, em desabono de depoimentos contrários a essa pretensão.[11] [12]
O mesmo princípio se aplicará à prova por declarações de parte, sujeitas estas à livre apreciação do tribunal, conforme dispõe o artº 466 nº3 do C.P.C.
Recorde-se que no âmbito do anterior C.P.C a parte estava impedida de depor como testemunha e só era admitido o seu depoimento, nos termos previstos no artº 552 do C.P.C., quando se visasse obter a confissão de factos desfavoráveis ao depoente.
No entanto, volvendo a Pires de Sousa, “a inadmissibilidade da prestação de declarações de parte conduzia – com frequência – a assimetrias no exercício do direito à prova3 dificilmente compagináveis com o princípio da igualdade de armas ínsito no direito à prova. Constitui exemplo paradigmático o julgamento de acidente de viação em que o autor/condutor – por ser formalmente parte - não era ouvido quanto ao relato da dinâmica do acidente enquanto o segurado (e também condutor) da Ré (Seguradora) era sempre arrolado como testemunha. Por outro lado, existem factos integrantes do thema probandum que são por natureza revéis à prova documental, testemunhal e mesmo pericial, nomeadamente «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percecionados por terceiros de forma direta», factos respeitantes a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes». No que tange a este tipo de factos demonstráveis por prova tendencialmente única, a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar «uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos subjetivos e das demais posições jurídicas subjetivas.»[13]
Assim se introduziu no novo CPC as declarações de parte, constando da respectiva exposição de motivos que “Prevê-se a possibilidade de prestarem declarações em audiência as próprias partes, quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão.”
Sendo admitida a prestação de declarações das partes sobre factos pessoais de que tenham conhecimento, a credibilidade destas declarações, sujeita à livre apreciação do tribunal, deve ser aferida casuisticamente, em conjunto com outros meios de prova juntas aos autos e efectuando uma análise crítica deste depoimento, sem que o julgador possa desconsiderar estes depoimentos à partida, por provindos de quem tem interesse na causa, sob pena, como nos dá nota Pires de Sousa[14]de esvaziarmos a utilidade e a potencialidade deste novo meio de prova e de nos atermos, novamente, a raciocínios típicos da prova legal”.[15]
Ou seja, as declarações das partes não devem ser desvalorizadas apenas por provirem de quem tem interesse na causa, mas devem ser valoradas pelo tribunal nos mesmos moldes em que são valorados outros meios de prova, igualmente sujeitos à livre apreciação do tribunal.   
Expostos estes considerandos, ignorou o tribunal ad quo os documentos juntos pelo recorrente a fls. 228 a 229, onde consta identificado o percurso terrestre intervencionados como sendo uma “vereda”?
E, deste documento extrai-se forçosamente a conclusão de que estamos perante uma “vereda” e que, por essa razão, é pública?
E ignorou, igualmente, os depoimentos das testemunhas indicadas pelo recorrente, no sentido de que esta “vereda existia desde tempos imemoriais” e que a obra feita em nada alterou esta “vereda”?
Enferma o raciocínio do recorrente de uma premissa errónea, que consiste em considerar como de relevância vital a expressão “vereda” por contraponto a “trilho”.
Ora, a lei não faz qualquer distinção entre “trilho” ou “vereda” de forma a considerar o primeiro excluído do domínio público e a segunda forçosamente nele integrada. O que releva é saber se este caminho, que atravessa terrenos privados, existe desde tempos imemoriais no uso directo e imediato do público e se está afecto à satisfação de utilidades públicas, caso em que será público.
Ora, não é por na planta cadastral de fls. 228, 229, se identificar aquele caminho tracejado, como “vereda”, que lhe confere a qualidade de pública. A única coisa que se retira daquele documento é a existência de um caminho, que em 1956 foi mapeado e que, na descrição feita, consta identificado como vereda.
A causa da existência deste caminho, ou trilho calcado, como se referiram as testemunhas ….também o sabemos. Era o trilho utilizado pelos pescadores de baleias, para as avistarem, até aos anos 50/60 do século passado, altura em que a caça à baleia terminou. Desde essa altura que deixou de ser usado pelos pescadores de baleias e passou a ser utilizado por um ou outro passeante, tendo em conta que, como referiu a testemunha CB…, era um trilho perigoso, razão aliás para a intervenção efectuada em 2007.
Ora, de nenhum meio de prova resultou que, desde tempos imemoriais (sem memória já das pessoas ainda vivas) existisse este caminho, mas tão só que existia e que desde o fim da caça à baleia, passou a ser utilizado para ver as vistas.
Quanto ao trilho ou caminho que conduz ao Cristo Rei, situado antes deste trilho ora intervencionado, sendo alegada a existência de peregrinações religiosas, a verdade é que este facto resultou não provado na alínea g).
Ou seja, em relação ao referido caminho que leva ao Cristo Rei e que após prossegue até à zona onde antes (dos anos 50 e 60 do século passado) se avistavam baleias, deixou de ser utilizado com as finalidades invocadas (avistar baleias) e passou a ser usado por um ou outro turista e veraneante para ver as vistas.
Desde tempos imemoriais até aos dias de hoje? Não decorreu do depoimento de nenhuma testemunha, para além da menção ao costume de serem atirados da ponta do CURAJAU “residentes britânicos” (ponto 35 da matéria assente), de ser utilizado até à década de 50/60 do século passado pelos utilizadores de baleias e, desde essa data, por um outro turista tendo em conta a perigosidade do caminho, cfr. depoimentos da testemunha ……Não se vê assim, que tenha razão de ser a alteração pretendida pelo recorrente aos pontos 6, 9, 25 e 26.
Que este caminho se mostra inserido nos prédios identificados nos autos decorre das certidões e cadernetas prediais a fls. 7 a 11 juntas aos autos, sendo certo que das declarações de parte dos legais representantes das requerentes e do recorrente, resultou que não foi pedida autorização para a realização da obra e que a anteriormente realizada (em 2007), o foi a pedido do anterior Presidente da Câmara, a testemunha … e que este bem sabia, que o terreno era propriedade privada, razão para ter pedido autorização à então proprietária. 
Não se vê assim, que o tribunal tenha ignorado prova documental, pelo contrário valorou-a, conforme resulta do despacho que explanou a sua convicção, muito menos que se tenha baseado apenas nas declarações de parte das requerentes (a convicção explanada pelo tribunal ad quo, desmente-o) e que tenha desconsiderado a prova das requeridas.
A prova feita pelas requeridas não conduz à conclusão de que este caminho existia com esta configuração deste tempos imemoriais e que desde sempre foi utilizado pela população sem qualquer oposição.
Quanto à obra em si, resulta do contrato de empreitada, do caderno de encargos e projecto de execução da mesma, bem como das fotografias juntas aos autos. Alterou o percurso existente? É manifesto que sim, passámos de um percurso tosco com troncos de madeira e corrimões em alguns sítios, também de madeira, para uma obra calcetada em pedra, com degraus, bancos de pedra e muros de protecção. 
Assim sendo, improcede na íntegra, a alteração pretendida à matéria de facto
***
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Insurge-se a recorrente relativamente à decisão que decretou o embargo de obra nova, considerando que em causa está uma vereda pública e que, em todo o caso, a obra feita não constitui uma obra nova.
A este respeito considerou a decisão recorrida que “A nível jurisprudencial, como é conhecido, tomando posição em longo debate, veio o Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-4-1989 (publicado no DR, I, de 2-6-1989), decidir que “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.
Como também é conhecido, o aludido Assento acabou por não pôr termo àquele debate jurisprudencial, vindo, posteriormente, o mesmo STJ (desde logo pelo seu Acórdão de 10-11-1993, publicado na Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, III, 35) a concluir pela necessidade de se o interpretar restritivamente. No sentido de que “a publicidade dos caminhos exige ainda a sua afetação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objetivo a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância”. Sob pena de, seguido à letra o Assento, todos os atravessadouros com posse imemorial haverem de ser considerados públicos, em violação do disposto no artigo 1383.º do Código Civil.
Ora, de acordo com a factualidade apurada, o trilho existente no local, que ia desde a estátua do Cristo Rei a um ponto mais abaixo, destinado ao avistamento de baleias, estava (e está) dentro da mesma propriedade, não visando, diretamente, a passagem de terceiros.
Ele começou a ser usado, por tolerância do anterior proprietário, por pessoas ligadas à pesca da baleia, que visavam o seu avistamento – pesca que teve o seu auge nas décadas de 40 e 50 do século passado, embora tenha começado antes. Com a extinção da pesca de cetáceos, tal trilho era usado, por sua conta e risco, por diversos circunstantes que por ali se aventuravam.
O que levou a Câmara Municipal de Santa Cruz, por sua iniciativa, a fim de evitar tragédias, a pedir ao proprietário para ali fazer os melhoramentos acima mencionados – em 2007. Tornando-o num local frequentado, naturalmente, por mais pessoas, curiosos e turistas. Mas, naturalmente, a partir dessa data (e não de antes). Pelo que não se trata de caminho público.”
Trata-se de conclusão retirada pelo tribunal de primeira instância, absolutamente certeira.
Recorde-se que o Código Civil de 1867, continha disposição expressa sobre o que constituía a res publica. No seu art. 380, dispunha que “são públicas as coisas naturais ou artificiais apropriadas ou produzidas pelo estado e corporações públicas e mantidas debaixo da sua administração, das quais é lícito a todos individual ou colectivamente utilizar-se, com as restrições impostas pela lei, ou pelos regulamentos administrativos. Pertencem a esta categoria:
1.º As estradas, pontes e viadutos construídos e mantidos a expensas públicas municipais e paroquiais;”
Por sua vez, o D.L. 13969 de 20 de Julho de 1927 veio agrupar as vias de circulação terrestre em estradas nacionais de primeira e segunda classe, estradas municipais e caminhos vicinais.
Por via do Decreto lei nº 34593 de 11 de Maio de 1945, veio o legislador proceder a uma nova classificação das estradas e no que se reporta aos caminhos públicos (definidos como sendo as ligações, “viárias e/ou pedonais”, de interesse secundário e local), subdividiu-os em duas categorias distintas:
-caminhos municipais “que se destinam a permitir o trânsito automóvel” (cf. alínea a), pertença do município (artº7); e
-caminhos vicinais “que normalmente se destinam ao trânsito rural” (cf. alínea b) do artigo 6.º), pertença da freguesia (artº 7).
O elenco e definição das coisas do domínio público, não passou para o Código Civil de 1966, eliminando o legislador as matérias referentes ao domínio público, considerando no artº 202, fora do comércio” as coisas tais “como se encontram no domínio público.”
Existem, no entanto, coisas do domínio público, quer por terem utilidade pública inerente, por terem ingressado no domínio público por via de um acto administrativo ou por terem sido adquiridos por uma pessoa colectiva de direito público e outras que ingressaram no domínio público desde tempos imemoriais, por via da sua afectação e utilidade. 
Nesta última categoria, se encontram os caminhos que, apesar de atravessarem prédios de particulares, se devam considerar ainda assim, no domínio público.
A definição do que constitui caminho público não consta do actual Código Civil, referindo-se este a atravessadouros, entendidos como os direitos de passagem por terrenos alheios, “enquanto não constituam servidão a favor de prédios determinados[16], que têm como finalidade última, encurtar caminho entre locais determinados e que o legislador considerou abolidos, à excepção dos “com posse imemorial, que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade” cfr. artºs 1383 e 1384.
Mas uma coisa é um atravessadouro e outra um caminho, via utilizada pela generalidade das pessoas, nas suas deslocações, desde tempos imemoriais[17].
Na ausência de disposição expressa na lei, a definição do que constitui um caminho público, não foi uniforme. Para uns[18] a natureza pública de um caminho decorria, não apenas da sua utilização directa pelo público, mas também se exigia que este caminho tivesse sido produzido ou apropriado por pessoa colectiva do direito público. Para outros[19], bastava que fosse usado directa e imediatamente pelo público, desde tempos imemoriais.
Foi esta a posição que vingou no aludido assento do STJ de 19 de Abril de 1989. Mas, como referiu na sua declaração de voto o Senhor Conselheiro Baltazar Coelho, “O assento acabado de tirar mantera, qualificando-os como caminhos publicos, inumeros atravessadouros com manifesto desrespeito do preceituado no artigo 1383 do Codigo Civil, que, por razões ponderosas e conhecidas, acabou com aquela forma arcaica e economicamente injustificavel de limitação ao direito de propriedade.”
A interpretação deste assento, de forma restritiva, conduziria efectivamente à violação da ratio constante de lei expressa que declarara “abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões” e uma limitação excessiva ao direito de propriedade, sem que existisse, na prática, a correspondente necessidade e utilidade pública relevante e sem que estivesse paga a devida indemnização, em manifesta violação do disposto nos artºs 62 e 18 nºs 1 e 3 da Constituição.
Com efeito, o Tribunal Constitucional decidiu em sucessivos acórdãos com os n.ºs 76/1985, 486/1997, 194/1999, 329/1999, 322/2000, 138/2003, 148/2005 e 421/2009 que “a dependência do direito de propriedade de um enquadramento social vinculativo que admite restrições ao direito de propriedade baseadas na “cláusula legal de conformação social da propriedade” (…) tanto mais alargada quanto mais o objeto da propriedade estiver ao serviço da satisfação de um conjunto diversificado de necessidades sociais e económicas, de acordo com o programa constitucional” mas, em todo o caso, sem que essa restrição operada ao direito de propriedade, “dispense a invocação dos parâmetros constitucionais que acolhem os interesses que lhe subjazem.” (negrito nosso)
Na qualificação do direito constitucional de propriedade privada contido no art. 62º nº1 da C.R.P., tem entendido o Tribunal Constitucional que constitui este um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, previstos nos arts. 17º e 18º da C.R.P., mas apenas naquelas dimensões que sejam essenciais à realização da autonomia do homem como pessoa, não abrangendo todos e quaisquer poderes e faculdades de uso, fruição e disposição dos bens. Abrange, no entanto, o «direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública – e, ainda assim, tão-só mediante o pagamento de justa indeminização» (Acórdãos com os n.ºs 329/1999, 377/1999, 517/1999, 187/2001, 159/2007 e 421/2009).
Acresce que, conforme resulta do disposto no artº 84 da Constituição, pertencem ao domínio público apenas os referidos no nº1, sendo que quanto aos demais, terão de constar de lei que expressamente os designe como tais, exigindo-se no entanto “uma conexão relevante entre os bens em causa e as funções associadas ao regime do domínio público”[20].
Quer isto dizer que a atribuição de carácter dominial a um determinado bem, não se basta com a sua utilização pelo público desde tempos imemoriais, mas exige que se verifiquem outros requisitos associados ao domínio público, nomeadamente, qualquer dos seguintes, elencados pelo insigne Professor de Direito Administrativo, Marcello Caetano[21]:
a) existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria de domínio público;
b) declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe;
c) afectação dessa coisa à utilidade pública.
Ou seja, não existindo lei expressa ou declaração emitida pela entidade competente que declare uma coisa como pública, o que releva é a afectação dessa coisa a uma utilidade pública. Prossegue o Ilustre Autor por considerar que “o índice mais evidente, cuja existência logo denota publicidade, é o uso directo e imediato do público. Só quando exista este índice evidente é que a lei permite que o intérprete considere públicas coisas não enumeradas categoricamente por disposição legal (…) Há uso directo quando cada indivíduo pode tirar proveito pessoal de tal coisa pública e o uso imediato faz-se quando os indivíduos se aproveitam dos bens sem intermédio dos agentes de um serviço público” 
Aliás a este respeito já PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA[22], referiam que:
"Traduzindo-se os caminhos públicos e os atravessadouros (ou atalhos) em vias de comunicação afectadas ao uso de qualquer pessoa, é evidente que o simples uso pelo público, mesmo que imemorial, não pode bastar para qualificar determinada passagem como caminho público, sob pena de todos os atravessadouros com longa duração terem se ser qualificados como dominiais, em manifesta violação do preceituado nos artigos 1383 e 1384, que apenas ressalvam os que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade.”
É necessário ainda a afectação à utilidade pública.
Por assim ser, veio o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Novembro de 1993[23] esclarecer que este assento deve ser interpretado restritivamente, no sentido de a publicidade dos caminhos exigir a sua afectação à utilidade pública, ou seja, exige-se que o uso do caminho vise a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
Assim, um caminho apenas se poderá considerar público quando esteja no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais, visando a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
Quanto ao que constitui tempos imemoriais, conforme resulta do Ac. do STJ de 08/05/07[24], deve esta expressão significar que “já não está na memória directa, ou indirecta – por tradição oral dos seus antecessores – dos homens, que, por isso, não podem situar a sua origem”, ou seja a época não passível de ser recordada pelos que ainda existem, por muito que tentem fazer apelo às suas lembranças, ou por terem presenciado o facto ou por o terem adquirido através de relatos baseados nas memórias dos que os antecederam.
A imemorialidade reporta-se à afectação da coisa, o que implica “quer um acto, quer uma prática consagrando o bem à efectiva produção de utilidade pública”.[25]
Por sua vez, para se decidir do grau ou relevância destes interesses é necessário, cfr. se refere em Ac. do STJ de 13/01/04,[26] ter em conta o numero de utilizadores, ou seja que este caminho seja utilizado por “(n)uma generalidade de pessoas”  e por outro lado “a importância que o fim visado tem para estes à luz dos seus costumes colectivos e das suas tradições”, devendo este fim consistir na “satisfação da utilidade pública e não uma soma de utilidades individuais.
Na falta destes dois requisitos (uso directo e imediato desde tempos imemoriais e satisfação de interesses públicos) qualquer caminho que não seja simplesmente particular, ou seja que não constitua uma via destinada ao serviço e utilidade de prédios pertencentes a particulares, apenas se poderá considerar um atravessadouro e assim excluído do domínio público.
Trata-se de jurisprudência constante dos nossos tribunais, conforme resulta do Acórdão do STJ de 15/06/00[27], no qual se reafirma que “A aquisição da dominialidade pública depende, em regra, de 2 requisitos: pertencer a coisa a entidade de direito público e ser afectada à utilidade pública; esta pode resultar de um acto administrativo ou de uma prática consentida pela administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público; a utilidade pública consiste na aptidão das coisas para satisfazer necessidades colectivas, traduz o verdadeiro fundamento da sua publicidade.”, pelo que “o Assento de 19 de Abril de 1989, deve ser interpretado restritivamente no sentido de a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afectação a utilidade pública (o uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância) e de forma extensiva quando afirma que deixou subsistir, em alternativa o critério segundo o qual é público um caminho pertencente à entidade pública e estar afecto à utilidade pública.”
É certo que o posterior Acórdão do STJ de 28.05.2013[28], veio ressalvar que essa interpretação restritiva do assento de 19.4.1989 pressupõe que os caminhos nele contemplados atravessam propriedades privadas, pelo que no “caso de passagem ou caminho, que não se integra em nenhuma propriedade privada, existente num lugar e que desde tempos imemoriais liga duas ruas desse lugar, a prova do seu uso imemorial pela população basta para se considerar tal caminho como caminho público, não se impondo nenhuma interpretação restritiva do assento.”, precisamente porque nesta situação não há que efectuar qualquer ponderação ente os direitos dos particulares cujos terrenos são atravessados pelos aludidos caminhos e os das populações, de molde a considerar-se que estando em causa interesses de ordem colectiva relevantes (como o acesso a escolas, creches, equipamentos etc), deve ceder o direito de propriedade em benefício daqueles.
Volvendo ao caso dos autos, não consta sequer alegada a existência deste segundo requisito: a prossecução de uma utilidade pública relevante que justifique que este trilho que atravessa terrenos privados e que, em tempos teve uma finalidade, consistente no avistamento de baleias, seja considerado de domínio público.
Em primeiro lugar, porque esta finalidade que eventualmente se poderia considerar como relevante, cessou há mais de 60 anos.
Em segundo lugar, porque os passeios para ver as vistas, apenas satisfazem necessidades e utilidades individuais de quem por ali se passeia.
Em terceiro lugar, porque as vistas existentes, por mais deslumbrantes que sejam, não preenchem este requisito de satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, que justifiquem a restrição do direito de propriedade de quem quer que possua terrenos com vistas magníficas, incluindo as requerentes. 
O caminho em apreço que atravessa terrenos particulares, sem proveito nem utilidade pública, só pode ser considerado assim de natureza privada e, assim sendo, não é susceptível de nele serem realizadas obras por terceiros, sem consentimento dos proprietários.
E não é por terem sido anteriormente realizadas obras pontuais com o consentimento dos proprietários ou sem a sua oposição, que se mostra permitida a realização de obras neste caminho por terceiros, nem da realização prévia destas, decorre a efectiva apropriação para o domínio público deste caminho.
Improcede assim o recurso interposto pela requerida.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em considerar improcedente o recurso interposto e confirmar a decisão recorrida.
*
Custas pela apelante (artº 527 nº1 do C.P.C.).

Lisboa 11/03/21
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula A. A. Carvalho
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] ABRANTES GERALDES; ANTÓNIO SANTOS, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pp. 116-117.
[4] Citado em Ac. do STJ de 26/02/19, relator Fonseca Ramos, proferido no Proc. nº 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, in www.dgsi.pt
[5] No mesmo sentido vide Ac. do S.T.J. de 02-10-2008, relator Lázaro Faria, Proc. nº 07B1829; Ac. do T.R.Porto de 05-03-2015, relator Aristides Rodrigues de Almeida, Proc. nº 1644/11.0TMPRT-A.P1 e Ac. do T.R.Guimarães de 29/06/17, Proc. nº 13/15.8T8VCT.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt .
[6] Neste sentido vidé LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, p. 669; vide ainda o Acórdão desta 6ª secção, de 19/10/06, Proc. nº 6814/2006-6; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, relator Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, de 2.6.2016, relatora Fernanda Isabel Pereira, Proc. nº 781/11. e Ac. do T.R.P. de 29/09/2014, Proc. nº 2494/14.8TBVNG.P1, disponíveis in www.dgsi.pt
[7] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07.
[8] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S
[9] Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609.
[10] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2013, Almedina, pág. 282.
[11] Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609, citada em A. do TRG de 15/11/18.
[12] Como se refere em Ac. do TRG de 15/11/18, José Alberto Moreira Dias, Proc. nº 2544/16.3T8BRG.G1, “ impõe-se ter presente que se mantêm em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova (…) tem-se entendido que a Relação apenas deve alterar a decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.”
[13] PIRES DE SOUSA, Luís Filipe, AS DECLARAÇÕES DE PARTE. UMA SÍNTESE (WWW.TRL.MJ.PT) apud ELIZABETH FERNANDEZ, “Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito”, in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, págs. 22 e 27 e 37 e REMÉDIO MARQUES, João Paulo “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte”, in Julgar, jan-abr. 2012, Nº16, págs. 167 e 168.
[14] Pires de Sousa, Luís Filipe, Prova Testemunhal, 2013, Almedina, págs. 364.
[15] Vidé ainda os Acs. deste Tribunal da Relação de Lisboa de 26/04/17, proferido no proc. nº 18591/15.0T8SNT.L1-7; do TRC de 05/06/18, proferido no proc. nº 1817/08.3TBPBL.C1, no qual se considera que cumpre ao ao julgador algum cuidado na análise crítica e valoração dessas declarações, as quais, no seu final, - e como meio legítimo de prova que são e com a força probatória que é idêntica àquelas outras provas igualmente sujeitas à livre apreciação do tribunal –, tanto poderão merecer do julgador muita, como pouca ou nenhuma credibilidade. (Cfr. nesse sentido, e por todos, Ac. da RG de 02/05/2016, in “proc. 2745/15.1T8VNF-A.G1, disponível em dgsi.pt); por sua vez em Ac de 13/09/18, proferido no TRG, no proc. nº 159/17.8T8FAF.G1 é aceite que “em última instância, nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação”.
[16] CARVALHO FERNANDES, Luís A., Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 2006, pág. 217.
[17] Sobre a distinção entre caminhos públicos e particulares, atravessadouros e atalhos, vide MARTINS, António Carvalho, Caminhos Públicos e Atravessadouros, Coimbra Editora, 1987, págs. 47 e segs.
[18] Defendida pelos Acórdãos do STJ de 21 de Dezembro de 1962 B.M.J. n. 122, página 173 e de 10 de Abril de 1969 - B.M.J. n. 169, página 203.
[19] Defendida pelos Acórdãos do STJ de 24 de Março de 1977 - B.M.J. n. 252, página 156; de 26 de Março de 1985 - B.M.J. n. 345, página 366; de 2 de Dezembro de 1992 - B.M.J. n. 422, página 355; e de 19 de Fevereiro de 1998 - B.M.J. n. 474 página 481.
[20] GOMES CANTILHHO, J.J. e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. revista, Coimbra Editora, pág. 414.
[21] CAETANO, Marcello Manual de Direito Administrativo”, Vol. 2º, 9ª edição, Coimbra Editora, pág. 921.
[22] Código Civil Anotado, volume III, 2. edição, páginas 281/282.
[23] Colectânea de Jurisprudência- STJ, Ano I, tomo III, página 135.
[24] Proferido no Proc. nº 07A981, relator Sebastião Póvoas, disponível in www.dgsi.pt.
[25] Ac. do STJ de 13/03/08, Proc. nº 08A542, relator Sebastião Póvoas, disponível in www.dgsi.pt.
[26] Proferido no Proc. nº 03A3433, relator Silva Salazar, disponível inwww.dgsi.pt.
[27] Proferido no proc. nº 00B429, relator Miranda Gusmão. No mesmo sentido vide Acs. do STJ de 10/04/03, relator Abílio Vasconcelos, proc. nº 02B4714; de 09/01/2012, relator Lopes do Rego, proc. nº 1007/03.1TBL.SD.P1.S1; de 22/01/14, relator Moreira Alves, proc. nº 6662/09.6TBVFR.P1.S2; de 18/10/18, relator Helder Almeida, proc. nº 1334/11.4TBBGC.G1.S1 e de 14/05/19, relatora Fátima Gomes, proc. nº 927/13.0TBMCN.P1.S1; Ac. TRC de 07/10/14, relatora Maria Domingas Simões, proc. nº 36/11.6TBOFR.C1; todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[28] Proferido no proc. n.º 3425/03.6TBGDM.P2.S1, relator Salazar Casanova, disponível in www.dgsi.pt.