CONTRADIÇÕES INSANÁVEIS
REENVIO
Sumário

Havendo contradição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada verifica-se a nulidade prevista na al. a) e b) do citado n.º 2 do art.º 410.º, e ficando por apurar o elemento intelectual do dolo  os factos provados são insuficientes para a decisão.
O reenvio para julgamento só deve verificar-se quando os autos não contiverem os elementos necessários à decisão por parte do tribunal de recurso.
Pese embora da motivação de facto se retire que não se alcançou prova com o mínimo de certeza para que se considere preenchido o dolo, máxime do seu elemento intelectual, a verdade é que se fez incluir tal facto no elenco dos considerados provados, se condenou o arguido e fixou montante da indemnização pedida   tudo com base nesse facto considerado provado em contradição com o não provado e motivação de facto.
Assim, nos termos do disposto no artº  426.º, n.º 1 do CPP não sendo possível conhecer da causa ordena-se reenvio.

Texto Integral

Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos MGP_______, arguido, veio interpor recurso da sentença que o condenou pela prática de dois crimes de difamação, previstos e punidos pelo art.° 18.º, n.° 1 e 182.º do Código Penal:
- Na pena de 100 (cem) dias de multa, por cada um dos crimes,
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de 10€ (dez euros) perfazendo 1.300€ (mil e trezentos euros).
Julgou parcialmente procedentes por provados os pedidos de indemnização civil deduzidos, e consequentemente condenou o demandado a pagar, a cada um dos assistentes, a quantia de 1.300€ (mil e trezentos euros), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, desde a data da notificação do pedido deduzido até integral pagamento.
O condenou a suportar as custas judiciais do procedimento criminal, que se fixaram em 2 UC de taxa de justiça, e demais encargos com os autos, cf. artigos 513° e 514° do Código Penal, 8°, n.° 5, tabela III e 16° do Regulamento das Custas Processuais.
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
E) Conclusões.
I. Vem o presente recurso interposto da sentença que condena o arguido/recorrente pela prática de dois crimes de difamação, previstos e punidos pelo artigo 180.º, n.º 1 e 182.º do Código Penal.
II. Em nosso modesto entender, a sentença em crise padece dos vícios de contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 2, do artigo 410.º do Código do Processo Penal, e erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código do Processo Penal.
III. Versa o presente recurso sobre matéria de facto.
IV. A sentença em crise deu como provados os seguintes factos, com relevância para o presente recurso:
“(...)
N. Mais sabia o Arguido que as expressões que escreveu, nas circunstâncias em que o fez e atento o meio que utilizou gerariam, como geraram, nos Assistentes, sentimentos de vergonha e humilhação, agindo ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O. O assistente D_____ tomou conhecimento do teor da mensagem remetida pelo arguido para o grupo whatsapp no dia 09.10.2016 e o assistente N______  em data indeterminada posterior a 09.10.2016.
(...)
Do Pedido de Indemnização Civil:
T. Por causa e em consequência dos factos praticados pelo arguido os demandantes sentiram-se envergonhados, humilhados e diminuídos.
U. Tais factos deram causa a conversas e boatos entre os funcionários e colaboradores do Demandante, além de interpelações diretas sobre o teor da conversa, sentindo os demandantes que não voltaram a ser tratados com o mesmo respeito e cordialidade.
V. As mensagens escritas pelo arguido referindo-se aos assistentes foram do conhecimento de vários colaboradores do grupo Aq..., além dos pertencentes ao grupo WhatsApp no qual foram exaradas.
(...)”
V. Constando do ponto 2. da matéria não provada que: “Ao enviar as mensagens com as expressões acima elencadas, o arguido sabia que o escrevia no grupo WhatsApp, composto por, pelo menos, catorze pessoas, (...)”
VI. Ora, se não ficou provado que o arguido, ora recorrente sabia que estava a escrever num grupo do WhatsApp, como se pode considerar provado que esse mesmo arguido sabia que as expressões que escreveu gerariam sentimentos de vergonha e humilhação e que este agiu ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei?
VII. Note-se que o arguido/recorrente ao longo do seu depoimento sempre afirmou que estaria convicto de estar numa conversa particular com o Sr. JMR______ , e que a expressão utilizada: “Os teus “amiguinhos” da Hip... sabem mais do que falam e na verdade não acrescentam nada, são uns merdas juntos” o foi no sentido dos Assistentes não serem de confiança.
VIII. Isso mesmo encontra-se no depoimento do recorrente, ficheiro com a referência 20191001103153_1957992_2871134, ao minuto 00:28:20
“Arguido –Oh Dr.ª deixe-me (imperceptível) a conversa tinha a ver com estratégia Colômbia e tinha a ver com o principal cliente da Colômbia e único que era a JM..., ainda hoje parece que é cliente do Grupo de empresas noutros mercados, deixou de ser na Colômbia, tinha a ver com isso, tinha a ver com a recuperação desse cliente.
LSM – Então quando na frase diz JM é JM...? A – JM é JM....
LSM – Estava a referir antes na conversa?
A – Sim, sim. Estávamos a falar sobre estratégias porque eu era, uma das responsabilidades que tinha era o mercado colombiano. Era o mercado colombiano, venezuelano e norte americano.
LSM – Por isso é que o senhor diz que “é o que penso desses gajos da JM, andam a tomar opções fáceis”. A – Exatamente.
LSM – Então depois, mas porquê que se referiu a eles no meio desta conversa e desta forma?
A –Porque eu descobri que existe uma relação privilegiada, sendo eles funcionários da Hip..., descobri que existia uma relação privilegiada entre eles e uma das pessoas que decide ao nível da JM..., que em certa medida o que eu descobri era contrário aos interesses da empresa.
J – Então porquê que o senhor tinha nomeado, ou tinha acabado de nomear ou nomeou a seguir um destes senhores para diretor de uma das atividades?
A – Não, eu antes tinha convidado um, antes tinha convidado um para ser diretor comercial na Colômbia e tinha convidado outro, a minha ideia...
J – Depois de descobrir isso?
A – Depois de?
J – De descobrir isso, que levou a exarar esta expressão.
A – Precisamente foi o que deu origem a minha, à expressão que eu escrevi aí.
J – Mas depois o que é que o senhor fez em relação a essa nomeação? Ao cargo de não sei de onde. A – Eles não aceitaram.
J – Como?
A – Eles não aceitaram.
J – Há foi um dos senhores que não aceitou.
A – Não os dois.
J – O senhor antes de ter esta conversa, tinha nomeado
A – Não nomeei ninguém, convidei.
J – Ou tinha indicado. Tinha convidado,
A – Convidado.
J – O senhor D______ ,
A – O senhor D______ .
J - Para exercer um cargo de direção.
A – Direção, de direção de comercial da Colômbia e o senhor N______  para liderar um processo industrial de fazer centrais de frio na Colômbia.
J – Muito bem, e isso foi quando mais ou menos? Quando o senhor fez esse convite?
A – Sr.ª Dr.ª não posso precisar bem, mas foi uns meses antes disto. E eles recusaram. E eles recusaram.
J – Já tinham recusado?
A – Já, já.
J – Ah, quando esta conversa se passou, tinha sido tudo anterior. Tanto o convite como a recusa. A – Sim, que de certa maneira era uma promoção, era um reconhecimento que eles, e têm valor. LSM – Mas não tinha qualquer intenção, disso não há dúvidas, certo?
A – Certo!”
IX. Tendo a testemunha JMR______ , no seu depoimento corroborado a versão do arguido/recorrente, ficheiro com a referência 20191030114638_19579992_2871134, ao minuto 00:04:50
“LSM – Com certeza. Senhor JMR______ no dia 8 de outubro ocorreu uma conversa entre o senhor e o senhor M…, Dr. …, essa conversa, foi nesse dia que o juntou ao grupo Aq...? A este grupo
JMR – Sr.ª Dr.ª eu estava a ter uma conversa com o MGP_____  individual e com ele, estávamos a falar da situação, de vários problemas e de coisas do dia a dia e, entretanto, eu incluí, o MGP_____  no grupo que nós já tínhamos feito de vários colaboradores.
LSM – Certo, mas, portanto, estava a haver uma conversa entre vocês os dois, prévia? JMR – Certo! Estávamos numa conversa ao mesmo tempo
Juiz - Uma conversa pelo WhatsApp é isso? Também pelo WhatsApp
JMR – Pelo WhatsApp Sr.ª Dr.ª e eu ao mesmo tempo incluí o MGP_____  no grupo dos colaboradores e é que se coincide essa conversa passo para coisa, quando eu, recebeu essa notificação que o WhatsApp manda nessa mesma situação ele respondeu para outro lado da conversa que tivemos vindo a ter. Foi isso que aconteceu.”
X. A propósito de se tratar de uma conversa privada, a testemunha PG_____ também corroborou a versão do arguido/recorrente, de que se tratava de uma conversa privada, quando refere no ficheiro com a referência 20191030124040_19579992_2871134, ao minuto 00:03:08
“LSM – Quando houve esta conversa tinha sido adicionado ao grupo há pouco tempo certo?
PG – Eu fui adicionado ao grupo imediatamente, um minuto antes da conversa correr por, por acaso. LSM – E porquê que foi adicionado?
PG – Era, esta conversa deu-se ás nove e tal dez da noite, era habitual trocar muitas, muitos WhatsApp com o JR______ com o MGP_____  e no meio de outra conversa que estava a ter com o JR______ entro, fui adicionado aquele grupo e pronto. Basicamente.
LSM – E o que é que achou quando viu a conversa?
PG –Achei que aquilo não havia dúvida nenhuma que havia uma conversa entre o MGP_____  e o JR______ noutro lado qualquer ou entre dois apenas e que no meio da confusão de WhatsApp e não sei o que o JR______ passou a conversar dentro do grupo da Colômbia, introduziu-me também no, na conversa, basicamente foi o que eu entendi daquilo, que era uma conversa privada que estava ali a haver.
LSM – Mas percebeu que era uma conversa privada.
PG – Perfeitamente.”
XI. Tendo sido junta aos autos print screen da conversa que a testemunha PG______ teve com a testemunha JMR______ , a avisar que estavam a ter uma conversa no Grupo do WhatsApp.
XII. O recorrente nunca quis que a conversa que estava a ter com a testemunha JMR______ se tornasse pública, e muito menos humilhar quem quer que fosse, e isso, em nosso modesto entender ficou provado nos autos quer pelo depoimento do arguido/recorrente quer das testemunhas por este arroladas.
XIII. A forma como aquela conversa surge no grupo Aq..., completamente descontextualizada, indica precisamente isso, caindo desde logo por terra a tese de que o arguido/recorrente iniciou uma conversação no grupo criado do WhatsApp bem sabendo que essa conversação era aberta e visível para todos os participantes do grupo.
XIV. Ainda relativamente à matéria de facto provada, foi dado como provado que os Assistentes tomaram conhecimento do teor da mensagem remetida pelo arguido em 09.10.2016, sustentando em sede de fundamentação que a data em que os Assistentes tomaram conhecimento do teor da mensagem remetida pelo arguido foi apurada com recurso às declarações dos próprios, dada a espontaneidade e coerência do seu conteúdo, sem que tenha sido produzida prova do contrário.
XV. Também aqui não se consegue entender a posição a Mma Juiz a quo já que o arguido juntou printscreens, a fls. 250 e seguintes dos autos, onde se pode ver claramente que o Assistente D______  tomou conhecimento em 08.10.2016, pelas 22:54 e o Assistente N______  tomou conhecimento em 08.10.2016, pelas 21:53...
XVI. Os printscreens encontram-se juntos na plataforma citius, com a data de 01/10/2019, referência 391544136, relativo ao Acto processual “Folha”.
XVII. A tudo isto acresce que foram dados como provados os pontos T, U e V, com base apenas e tão somente nas declarações dos assistentes, já que estes não apresentaram uma única testemunha em sede de audiência de julgamento que de forma isenta demonstrasse que os estes se sentiram envergonhados e humilhados e tão pouco que houve falatório na empresa...
XVIII. Ainda que a Mma Juiz a quo tenha considerado muito espontâneo o depoimento dos Assistentes, a verdade é que o mesmo nunca foi desprovido de interesse, desde logo a ver pela data em que alegaram ter tomado conhecimento do teor da expressão escrita, que não corresponde à verdade como se provou atento o teor de fls. 250 e seguintes dos autos!
XIX. Certo é que a testemunha PG_____ gerente da empresa Hip..., referiu no seu depoimento, de forma bastante clara e isenta que não houve qualquer tipo de falatório na empresa, ficheiro com a referência 20191030124040_19579992_2871134, ao minuto 00:16:00
“LSM – Mas diga-me uma coisa, mas isto acha que foi uma conversa que chegou a todos os funcionários da Hip...?
PG – Não, provavelmente que não, na Hip... estamos a falar de 70 pessoas, quer dizer não faz sentido. LSM – Pronto, mas foi aqui dito. Por isso é que eu estou a perguntar.
PG – Por mim não.
LSM – Mas da perceção que tem foi uma conversa que tenha gerado PG – Sururu? Não.
LSM – Falatório? PG – Não!”
XX. Ora, sendo os Assistentes interessados num resultado favorável para si, particularmente no que concerne ao Pedido e Indemnização Civil, já que enquanto demandantes cíveis pretendem receber uma quantia pecuniária, não podem ser tidos como isentos os depoimentos por si prestados.
XXI. E, não tendo os Assistentes junto prova alguma do que alegaram, não podem, em nosso modesto entender ser considerados como provados os factos constantes dos pontos T., U. e V., na medida em que os Assistentes foram incapazes de provar o que quer que seja, já que para os presentes autos não carrearam prova suficiente nesse sentido.
XXII. A tudo isto acresce que o arguido/recorrente, desde logo, teve uma postura de assunção relativamente à autoria do teor da expressão utilizada, tendo confessado de forma isenta e sem reserva que quando utilizou a expressão que consta da acusação, o fez pensando encontrar-se numa conversa privada com JMR______ , conforme resulta da transcrição do trecho que consta do depoimento do arguido, ficheiro com a referência 20191001103153_1957992_2871134, ao minuto 00:05:00
“Juiz – Passou, quando o senhor escreveu na conversa que iniciou com este senhor   Arguido –  
J –  , escreveu esta frase?
A – Escrevi pensando, na assunção que estava a falar com o senhor JR________ .
J – Olhe, o senhor quando foi adicionado ao grupo do WhatsApp o senhor não vi quem é que eram os membros?
A – O grupo foi criado pelo senhor JR________ ,
J – Não foi essa a pergunta que eu lhe fiz. O senhor quando foi adicionado, A – Não
J – Ao grupo do WhatsApp achou que eram um grupo exclusivo seu e era uma conversa particular entre você o senhor JR________
A – Não
J – Não achou! O senhor sabia que estava a fazer parte de um grupo ou não?
A – Não!
J – Não sabia? Então o senhor achava que era o senhor JR______ que lhe estava a escrever uma mensagem?
A – Eu estava a falar com o senhor JR______ no WhatsApp.
J – Olhe, senhor, não é essa a pergunta que eu lhe fiz senhor M…. O senhor quando esta conversa que estamos aqui a falar o senhor acabou de dizer quer foi adicionado a um grupo, foi o que o senhor disse, está gravado. Sim ou não?
A – Sim é verdade isso.
J - E foi nesse grupo e não numa conversa particular, que o senhor escreveu estas frases não foi?
A – Foi nesse grupo que eu escrevi as frases, mas, mas eu estava a falar com o senhor JR______ pessoa e de repente aparece-me, eu estava a ter uma conversa com o senhor JR________
J – O senhor não estava a falar com o senhor JR______ em particular pois não? Estava num grupo sim ou não?
A – Não sabia que estava no grupo.
J - Então como o senhor sabe que foi adicionado ao grupo?
A – Posteriormente.
J – Então o senhor não recebeu a mensagem a dizer, foi adicionado ao grupo tal! Como se chamava o grupo?
A – Sr.ª Dr.ª eu estava a falar com o senhor JR______ chamava-se JR______ – GOP JR______ – Grupo Aq... Comercial Colômbia, eu era o diretor da Colômbia.
J – O senhor não recebeu essa mensagem?
A – Recebi.
J – Foi adicionado ao grupo, JR______ grupo não sei o quê Colômbia
A – Sr.ª Dr.ª eu estou a tentar dizer a Sr.ª Dr.ª …
J – O senhor não me interrompe, aqui eu é que o posso interrompê-lo, preciso de esclarecimentos, está bem?
A – Certo!
J – O senhor ouve a minha pergunta com atenção e depois responde.
A – Sim!
J – Você recebeu a mensagem de que foi adicionado ao grupo do JR______ não sei o quê Colômbia, recebeu?
A – Posterior verifiquei que recebi.
J – À posteriori não, você não escreve uma mensagem no grupo sem antes receber essa mensagem.
A – Oh! Sr.ª Dr.ª se a Sr.ª Dr.ª estiver a falar comigo e eu no meio da conversa a adicionar num grupo (imperceptível) se lhe mandar uma mensagem o que lhe aparece é só o meu nome.
J – Não senhor JR______ todos somos utilizadores desse aplicativo, provavelmente todos seremos utilizadores, mas o senhor diz a versão que quiser. Pronto, o senhor o que quer dizer é que o senhor escreveu isto, mas estava convencido que estava a escrevê-lo no contexto de uma conversa privada.
A – Exatamente.”
XXIII. Termos em que, na nossa opinião, não poderiam ter sido dados como provados pela Mma Juiz a quo os pontos N., O., T., U., V. dos factos provados.
XXIV. No que concerne à determinação concreta da pena e como já se referiu, o arguido/Recorrente assumiu ab initio uma postura de assunção da autoria da expressão “Os teus “amiguinhos” da Hip... sabem mais do que falam e na verdade não acrescentam nada, são uns merdas juntos.”, tendo deixado demonstrado não só através do seu depoimento mas também das testemunhas que apresentou em juízo que a conversa que ocorreu no grupo Aq... foi um lapso.
XXV. Ainda assim a Mma Juiz a quo ao determinar a medida concreta da pena considera como factores relevantes o dolo do arguido revelando um comportamento intencional...
XXVI. Parecendo-nos excessivo o número de dias de multa a que foi condenado o arguido/recorrente, dado que este é primário, demonstrou, (não só pelo seu depoimento mas também pelo das testemunhas por si apresentadas) não ter tido qualquer intenção no que aconteceu, e ter assumido de forma integral e sem reservas autoria da expressão “Os teus “amiguinhos” da Hip... sabem mais do que falam e na verdade não acrescentam nada, são uns merdas juntos.”
XXVII. Já no que se refere ao Quantum Indemnizatório, o pedido de indemnização cível, apresentado pelos Assistentes, na nossa opinião foi destituído de qualquer rigor ou critério de razoabilidade ou equidade, já que estes não fizeram qualquer prova, dos danos que sofreram, e não apresentaram qualquer prova documental ou testemunhal esclarecedora e isenta, desprovida de qualquer interesse económico.
XXVIII. Não podemos deixar de referir que o pedido de indemnização cível formulado por cada um dos assistentes, atendendo à expressão em causa nos presentes autos foi deveras exorbitante, apenas se podendo compreender o mesmo tendo por base o facto do grupo do WhatsApp, aquando da formulação do pedido de indemnização civil, ser composto por centenas de pessoas, tendo no decurso da audiência de julgamento vindo a verificar-se que afinal o mencionado grupo seria composto por 14 pessoas...
XXIX. Pelo que a entender-se que o recorrente efectivamente deva ser condenado a indemnizar os assistentes, o que por mera hipótese académica se concede, sempre deverá ser utilizada uma regra de três simples para proporcionalizar o valor a pagar.
XXX. Sendo certo que o valor a que o recorrente foi condenado a pagar a cada um dos assistentes, a título de indemnização, atendendo à falta de provas carreadas para os autos por estes, ainda se encontra bastante elevado e desproporcional relativamente a situações idênticas, impondo-se que seja revogada a decisão a quo, despenalizando o arguido face à falta de prova apresentada pelos assistentes no que aos pedidos de indemnização civil diz respeito.
XXXI. Assim, em face do exposto impõe-se a revogação da sentença recorrida e a consequente absolvição do recorrente, face à prova produzida por este e à ausência de prova produzida pelas assistentes. Sem conceder,
XXXII. Caso não seja esse o entendimento, o que por mera hipótese de raciocínio se concede, devem a medida concreta da pena e o quantum indemnizatório ser substancialmente reduzidos, assim se fazendo a tão acostumada
JUSTIÇA!
*
O recurso foi admitido por despacho de 14-02-2020.
*
Respondeu o MP em 1ª Instância, pugnando pela manutenção do decidido pela primeira instância, apresentando as seguintes conclusões:
1- Por sentença proferida nos autos, foi o arguido condenado pela prática de dois crimes de difamação, previstos e punidos pelo art.° 180°, n.° 1 e 182° do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, por cada um dos crimes;
Em cúmulo jurídico condeno o arguido na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de 10€ (dez euros) perfazendo 1.300€ (mil e trezentos euros).
2- O arguido, não se conformando com tal decisão, vêm dela interpor recurso, por discordarem da sentença em relação aos seguintes pontos :
1.- Erro notório na apreciação da prova, dando determinada matéria de facto como provada, quando tal não reflecte a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e violação do disposto no artigo 127° do CPP.
2- A concreta pena aplicada ao arguido é manifestamente desproporcional face ao crime em causa.
3- O tribunal indicou os meios de prova em que se baseou e explicitou o processo que seguiu para a formação da sua convicção, o que permite aferir das regras e critérios de valoração seguidos, e se o resultado probatório surge como o mais aceitável.
Deste modo, outra não pode ser a conclusão de que o resultado probatório a que chegou a decisão recorrida se mostra consentâneo com a prova produzida. O Mm° juiz a quo seguiu um processo lógico e racional, observando regras de experiência comum (regras de probabilidade e razoabilidade), sendo a decisão convincente pela explicitação do substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse naquele sentido e pela forma como valorou os diversos meios de prova, indicando a razão porque uns merecem credibilidade em detrimento de outros, não merecendo por isso qualquer reparo.
4-  E outra não pode ser a conclusão se não a de que o tribunal apreciou correctamente a prova produzida em audiência e fundamentou com clareza e objectividade a sua convicção, esclarecendo porque conferiu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, em observância das regras que norteiam a apreciação da prova, sendo por isso insusceptível de qualquer crítica.
A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art° 127° do CPP, pelo que aderimos à exaustiva e criteriosa apreciação feita pelo tribunal, a qual deve ser mantida nos seus precisos termos.
5-  Também quanto à escolha e medida da pena se concorda inteiramente com a decisão recorrida.
Assim, há que ter em atenção que a determinação da medida da pena é feita dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
As finalidades das penas residem na tutela dos bens jurídicos e na reinserção do agente na comunidade. Reportando- se as exigências de prevenção constantes no texto legal, à prevenção positiva decorrente do princípio politico-criminal da necessidade da pena inscrita no art°. 18°, n°. 2 da Constituição da Republica Portuguesa. A medida da pena "(...) há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto ... a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida" (cfr. Professor Figueiredo Dias "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime" - Noticias Editorial, pág. 227).
Em sede de prevenção, para a vertente de prevenção geral, a pena deve contribuir para fortalecer o sentimento de confiança da comunidade nas normas que protegem os valores que pretende ver defendidos e servir de inibição dos seus membros da prática de actos ilícitos.
Do ponto de vista da prevenção especial, a pena tem por fim a integração do agente, devendo causar-lhe só o mal necessário.
Por todo o exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura porque fez correcta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, designadamente as indicadas pelo recorrente.
Mostrando-se adequada, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, seguindo os critérios legais, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Contudo, V. Exas, decidindo, farão JUSTIÇA!
*
Os Assistentes, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, igualmente responderam ao recurso concluindo do seguinte modo:
A) O recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas e as mesmas devem obedecer ao disposto no art.º 412.º, do CPP.
B) Os vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, não se verificam quando se está perante uma mera discordância contra o julgamento da matéria de facto, mas antes têm de emergir do próprio conteúdo da decisão, o que não se verifica no caso da douta sentença recorrida.
C) O Recorrente pretende uma alteração do julgamento da matéria de facto, não indicou os pontos que considerou incorretamente julgados e as provas que impunham decisão diversa da recorrida, pelo que violou o disposto no art.º 412.º, n.º 3, do CPP.
D) A fixação da indemnização em sede de pedido de indemnização civil, estribou-se na matéria de facto dada como provada e obedeceu a critérios de adequação e proporcionalidade, o determina a improcedência do recurso também nesta parte.
E) O Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento da matéria de facto e aplicou bem o direito, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura.
NESTES TERMOS e nos mais e melhores de direito, que V. Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, em consequência, a douta sentença recorrida.
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
*
Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
*
II. Fundamentação
Delimitação do objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar art.ºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – art.º 410º nº 2 CPP.
*
Questões a decidir:
Se a decisão enferma dos vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, previstos na als. b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do Cód. Proc. Penal.
Se a pena concretamente aplicada e a indemnização fixadas são excessivas, devendo ser substancialmente reduzidos
*
III – Fundamentação
A – De Facto:
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
2.1.        FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão, provou-se que:
A. O Assistente D______  foi funcionário da sociedade comercial por quotas com a firma "Hip... - Refrigeração Industrial, Lda.", com o capital social de € 50.000,00, titular do número único de matrícula e de pessoa coletiva 000000000 e sede na Rua  , entre 01/03/2005 e 01/06/2017, onde exercia as funções de Diretor Comercial.
B. O Assistente N______   foi funcionário da referida sociedade "Hip..., Lda.", entre 01/12/2011 e 08/02/2017, onde exercia as funções de Diretor Geral.
C. Assim, em 08/10/2016, ambos os Assistentes exerciam funções de chefia na "Hip..., Lda.".
D. A Hip..., Lda. integra o denominado "Grupo Aq...", sendo a Aq..., SGPSS, S.A. titular da maioria do capital social daquela, com uma quota do valor de € 28.750,00.
E. O "Grupo Aq..." integra diversas sociedades espalhadas por todo o mundo, cujo capital é participado pela "Aq..., SGPSS, S.A."
F. As diversas sociedades do grupo têm negócios entre si e por esse facto, a generalidade dos colabores conhecem-se entre si, mesmo estando em diversos países.
G. O Arguido, à data de 08/10/2016, exercia funções de topo na Aq..., SGPSS, S.A., sendo pessoa conhecida pela generalidade dos funcionários e colaboradores do Grupo Aq....
H. Em data não apurada, mas anterior a 08/10/2016, JMR______ , que tem participações e exerce funções no "Grupo Aq..." e foi gerente da Hip... até Setembro de 2016, criou, na aplicação para dispositivos móveis "WhatsApp", um grupo destinado a integrar funcionários e colaboradores do "Grupo Aq...", para através dessa aplicação comunicarem, de forma expedita e gratuita entre si.
I. JR______ constituiu-se como administrador do grupo criado no "WhatsApp" que, à data de 08/ 10/ 2016, contava com, pelo menos, doze participantes, todos quadros superiores e/ou colaboradores do "Grupo Aq...", sendo todas as conversações públicas e por isso visíveis por todos os membros participantes no grupo.
J. No dia 08/10/2016, cerca das 21:30 horas, por mensagem enviada para o grupo WhatsApp acima identificado, o arguido, no decurso de conversa estabelecida com JR______ e referindo-se expressamente aos Assistentes, escreveu a expressão: "Os teus "amiguinhos" da Hip... sabem mais do que falam e na verdade não acrescentam nada, são uns merdas juntos".
K. Ora, pese embora neste trecho não haja referência a nomes, as menções imediatamente seguintes no desenrolar da mesma conversa ao "" e ao "D______ ", permitiram a todos os participantes do grupo identificar que o Arguido estava a referir- se aos Assistentes.
L. Ao referir-se aos Assistentes como sendo "uns merdas juntos", bem sabia o arguido que estava a formular sobre os mesmos um juízo ofensivo da sua honra e consideração,
M. E que o facto dessa expressão ter sido escrita num grupo constituído, pelo menos, por catorze pessoas, facilitaria, como facilitou a sua divulgação, uma vez que foi lida por funcionários e colaboradores do Grupo Aq..., uns superiores hierárquicos dos Assistentes e outros seus subordinados.
N. Mais sabia o Arguido que as expressões que escreveu, nas circunstâncias em que o fez e atento o meio que utilizou gerariam, como geraram, nos Assistentes, sentimentos de vergonha e humilhação, agindo ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O. O assistente D______  tomou conhecimento do teor da mensagem remetida pelo arguido para o grupo whatsapp no dia 09.10.2016 e o assistente N______ em data indeterminada posterior a 09.10.2016.
P. Do CRC do arguido não constam registos da prática de crimes.
Q. O arguido exerce funções como consultor, na qualidade de trabalhador por conta de outrem efectivo, aufere cerca de 850€ mensais, acrescidos de 200€ mensais correspondentes a liquidação de empréstimo pessoal feito a familiar, beneficiando ainda de habitação e transporte (carro e combustível) cujo custo é suportado pela entidade patronal.
R. É divorciado, vive com dois filhos de 21 e 25 anos, um autónomo financeiramente, outro estudante.
S.  Não tem encargos mensais fixos, além das despesas correntes com a sua subsistência e do filho dependente.
Do Pedido de Indemnização Civil:
T. Por causa e em consequência dos factos praticados pelo arguido os demandantes sentiram-se envergonhados, humilhados e diminuídos.
U. Tais factos deram causa a conversas e boatos entre os funcionários e colaboradores do Demandante, além de interpelações diretas sobre o teor da conversa, sentindo os demandantes que não voltaram a ser tratados com o mesmo respeito e cordialidade.
V. As mensagens escritas pelo arguido referindo-se aos assistentes foram do conhecimento de vários colaboradores do grupo Aq..., além dos pertencentes ao grupo WhatsApp no qual foram exaradas.
W. O demandante D______  é solteiro, vive em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, pela qual paga cerca de cerca de 400€ mensais e exerce a profissão de engenheiro mecânico, auferindo mensalmente 2000€.
X. O demandante N______  é director financeiro de uma sociedade, da qual é também sócio, auferindo 2.300€ mensais, é solteiro, reside sozinho, em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, pela qual paga cerca de cerca de 1.070€ mensais, tem outra casa (à venda) pela qual suporta empréstimo bancário de 600€ mensais, suporta ainda uma prestação mensal de 200€ para liquidação de empréstimo para aquisição de automóvel.
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2.2. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou que:
1. A 08/ 10/ 2016, o grupo da aplicação WhatsApp criado por JR______ contava mais de uma centena de participantes.
2. Ao enviar as mensagens com as expressões acima elencadas, o arguido sabia que o escrevia no grupo WhatsApp, composto por, pelo menos, catorze pessoas, funcionários e colaboradores da entidade patronal dos assistentes, superiores hierárquicos ou subordinados destes.
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2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E EXAME CRITICO DAS PROVAS:
 O Tribunal decidiu no que toca à factualidade provada com base na conjugação das declarações do arguido concertadas com os juízos de experiencia comum, tomando como referencia o homem médio tal como visto pela ordem jurídica na sua globalidade, reportado ao agente e às suas características pessoais e bem assim às características do caso concreto.
Foi ponderado, de forma instrumental, o acervo documental junto aos autos - prints de conversas do grupo WhatsApp para o qual o arguido enviou as mensagens contendo as expressões elencadas, prints de conversas através da aplicação WhatsApp entre JR______ e um terceiro, e CRC do arguido.
No caso concreto, face ao teor das declarações do arguido ficou assente, porque por si reconhecido, que este escreveu e remeteu para aquele grupo de aplicação móvel as expressões salientadas a “negrito” na matéria provada.
Com efeito, o arguido reconheceu tal escrita, alegando, em sua defesa que o fez convencido que estava a falar em privado com JR___ , embora tenha também admitido saber ter sido adicionado a um grupo de WhatsApp do grupo “de trabalho” da Colômbia (projecto do grupo Aq...).
Afirmou, neste contexto, que o grupo em causa não teria mais de 11 a 14 elementos e ainda que a expressão “uns merdas” é utilizada por si de forma corriqueira.
Face ao reconhecimento por parte do arguido da maioria dos factos objecto dos autos no segmento criminal, ficou por apurar quantas pessoas pertenciam ao grupo WhatsApp na data do envio das mensagens e se o arguido teve consciência que escrevia aquelas expressões para o dito grupo de trabalho ou antes, estava convencido que o fazia em contexto de comunicação privada com JR______ também através daquela aplicação.
Quanto ao numero de pessoas que pertencia ao grupo em causa, os assistentes fizeram menção aos números - 15 a 20 (o assistente D_____ ) e 12 a 13 (o assistente N______  ), além da referencia feita pelo próprio arguido a cerca de 11 a 14 elementos.
Face às divergências (ténues) do teor das declarações referidas, socorrendo-se o Tribunal do teor do documento de fls. 8/9, fixou-se o número de, pelo menos, 12 pessoas, por corresponder ao numero de participantes visível no documento em causa, e como não provados os factos com este incompatíveis.
Relativamente à consciência do arguido, de que escrevia aquelas expressões para o dito grupo de trabalho ou antes, estava convencido que o fazia em contexto de comunicação privada com JR______, também através daquela aplicação, foi ponderada toda a prova produzida, sem que o Tribunal alcançasse a certeza necessária para afirmar tal consciência, em termos que impuseram uma decisão em beneficio do arguido.
Na verdade, por um lado, as declarações do arguido, o depoimento de JR______ (interlocutor da conversa com o arguido) e de PG______ (também colaborador do grupo Aq... e membro do grupo WhatsApp), que corroboram a versão deste no sentido de que o arguido e JR______ estavam em conversa privada e que o primeiro não se apercebeu do seguimento da conversa para o grupo, não tendo por isso consciência de que apelidava os assistente de “uns merdas” através de um meio que permitia o conhecimento desse comportamento por parte dos membros daquele grupo WhatsApp.
Por outro, as impressões das conversas tidas naquele grupo de trabalho - fls. 10 e seguintes - das quais se constata ser visível (mesmo em ecrã de dispositivo móvel) a referencia ao nome do grupo e aos nomes de vários participantes, levando a crer ser pouco provável que o arguido não se tenha apercebido que respondia a JR______ já no grupo em causa, e não em contexto de conversa privada.
Todavia, existindo circunstâncias demonstradas que tornam sustentável qualquer das versões, o Tribunal permaneceu em duvida quanto a este segmento dos factos, pelo que decidiu em beneficio do arguido, como acima referido.
No mais, as consequências destes actos na pessoa do demandante foram confirmadas pelo próprio e resultam, acima de tudo, dos juízos de experiencia comum, tomando como referencia o homem médio tal como visto pela ordem jurídica na sua globalidade, reportado ao agente e às suas características pessoais, ao visado e às características do caso concreto, e ainda que se tenha como verdadeiro (o que não ficou demonstrado) que o arguido fizesse uso deste vocabulário no seu dia a dia, especialmente dirigido a colaboradores profissionais.
Basta atentar na formação académica e responsabilidades profissionais do arguido para de imediato arredar a sua tese, no sentido de que apelidar terceiros (colegas profissionais) de “merdas” não é ofensivo, porquanto seja em abstrato, seja no caso concreto, não só é ofensivo como absolutamente gratuito e desnecessário, ainda que o arguido pretendesse expressar o seu desagrado quanto ao desempenho profissional dos assistentes.
Finalmente, a data em que os assistentes tomaram conhecimento do teor da mensagem remetida pelo arguido para o grupo WhatsApp foi apurada com recurso às declarações dos próprios, dada a espontaneidade e coerência do seu conteúdo, sem que tenha sido produzida prova do contrário.
A situação pessoal, profissional, familiar e financeira do arguido e do demandante foram esclarecidas pelos próprios.
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B – Do Direito:
Analisando e decidindo:
O recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 412.º, n.º 3 do CPP, pese embora indique os minutos da gravação das declarações que prestou e que não foram devidamente valoradas, transcrevendo-as, mas apenas a invoca a existência de erro notório na apreciação da prova, previsto na al. c) do n.º 2 do art.º 410.º do mesmo diploma legal, e bem assim contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, prevista na al. b) do citado art.º 410.º, n.º 2, com indicação das respetivas previsões legais.
Ora, como decorre da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do art.º 410º do C. P. Penal tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.
Uma vez que as nulidades previstas no art.º 410.º, n.º 2 do CPP são de conhecimento oficioso analisemos se a decisão proferida se encontra minada por alguma delas. Para o efeito comecemos por os distinguir:
É unânime a jurisprudência no sentido de que só existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410º, n. 2, alínea a) Código de Processo Penal quando os factos declarados provados forem insuficientes para a decisão fixada; ou, dito de outro modo, quando do acervo de factos vertido na sentença se constata faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados e julgados (provados ou não provados), são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou absolvição; ou, ainda, noutra formulação, quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal recorrido deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está configurado pela acusação e pela defesa.
Como também vem sendo orientação dos tribunais superiores, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde como uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão de facto tomada e a demonstração de tal insuficiência não pode emergir da mera discordância em relação à forma como o tribunal recorrido terá apreciado a prova produzida. Esta nulidade só se verifica se os factos nos exatos termos considerados provados não permitirem a subjunção jurídica realizada na decisão.
Do texto da decisão recorrida verifica-se que o tribunal a quo entendeu que ter apurado todos os factos objetivos e subjetivos necessários para o preenchimento do tipo de crime de difamação, que verteu nos factos provados.
Contudo, a análise dos factos não permite esta conclusão. Todavia, voltaremos a esta questão mais adiante.
Quanto à nulidade prevista na al. b), do n.º 2 do art.º 410.º do citado CPP, “Como se decidiu no Ac. do STJ de 18/03/2004, Proc. nº 03P3566, citado por Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, págs. 914/915, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas ainda que com recurso ao contexto da decisão no seu todo ou às regras da experiência comum” (Ac. Relação de Lisboa, de 30-10-2018, Proc. 672/17.7IDLSB.L1-5, Relator Artur Vargues, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7e1d227f67aa6cf8802583400031d9c6?OpenDocument).
No que respeita a erro notório na apreciação da prova. “O erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º nº 2 c) do C.P.P, configura-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.
O erro notório na apreciação da prova tem pois que resultar impreterivelmente do próprio teor da sentença, existe este erro, quando considerado o texto da decisão recorrida por si só ou conjugado com as regras de experiência comum se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal.
Ocorre este vício quando se dão por provados factos que face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzem uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e por isso incorrecta, quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do “in dúbio” (cfr Ac. do S.T.J de 24.3.2004 proferido no processo nº 03P4043 em www.dgsi.pt, Ac. do S.T.J 3.3.1999 in proc 98P930 e Ac. da Rel. Guimarães de 27.4.2006 in proc. 625/06) ou quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de “leges artis” (cfr Ac. da Rel.Porto de 2.2.2005 no proc.0413844 e da Relação de Guimarães de 27.6.2005 no proc. 895/05-1ª)” Ac. Rel. Lisboa de 30-10-2018 citado, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7e1d227f67aa6cf8802583400031d9c6?OpenDocument&Highlight=0,410,n,2,al,b,CPP).
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Analisada a decisão verifica-se assistir razão ao arguido, quando invoca a nulidade prevista na al. b) do n.º 2 do supra referido art.º 410.º do CPP.
Na verdade, a sentença encontra-se ferida de contradição entre os factos provados e não provados e entre os primeiros e a respetiva fundamentação.
Com efeito, consta do texto da sentença e no elenco dos factos provados o seguinte:
L. Ao referir-se aos Assistentes como sendo "uns merdas juntos", bem sabia o arguido que estava a formular sobre os mesmos um juízo ofensivo da sua honra e consideração,
M. E que o facto dessa expressão ter sido escrita num grupo constituído, pelo menos, por catorze pessoas, facilitaria, como facilitou a sua divulgação, uma vez que foi lida por funcionários e colaboradores do Grupo Aq..., uns superiores hierárquicos dos Assistentes e outros seus subordinados.
N. Mais sabia o Arguido que as expressões que escreveu, nas circunstâncias em que o fez e atento o meio que utilizou gerariam, como geraram, nos Assistentes, sentimentos de vergonha e humilhação, agindo ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Por sua vez nos factos não provados consta que:
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
1. A 08/ 10/ 2016, o grupo da aplicação WhatsApp criado por JR______ contava mais de uma centena de participantes.
2. Ao enviar as mensagens com as expressões acima elencadas, o arguido sabia que o escrevia no grupo WhatsApp, composto por, pelo menos, catorze pessoas, funcionários e colaboradores da entidade patronal dos assistentes, superiores hierárquicos ou subordinados destes[2].
Ora, das duas uma ou está provado o que resulta dos factos vertidos em L) e M) ou não provado o que resulta do facto n.º 2 do elenco dos factos não provados.
O mesmo facto não pode ter-se provado e não provado simultaneamente.
Acresce que, na motivação de facto, a Srª Juíza a quo, expressamente fez constar que
Face ao reconhecimento por parte do arguido da maioria dos factos objecto dos autos no segmento criminal, ficou por apurar quantas pessoas pertenciam ao grupo WhatsApp na data do envio das mensagens e se o arguido teve consciência que escrevia aquelas expressões para o dito grupo de trabalho ou antes, estava convencido que o fazia em contexto de comunicação privada com JR______ também através daquela aplicação.
Quanto ao numero de pessoas que pertencia ao grupo em causa, os assistentes fizeram menção aos números - 15 a 20 (o assistente D______ ) e 12 a 13 (o assistente N______  ), além da referencia feita pelo próprio arguido a cerca de 11 a 14 elementos.
Face às divergências (ténues) do teor das declarações referidas, socorrendo-se o Tribunal do teor do documento de fls. 8/9, fixou-se o numero de, pelo menos, 12 pessoas, por corresponder ao numero de participantes visível no documento em causa, e como não provados os factos com este incompatíveis.
Relativamente à consciência do arguido, de que escrevia aquelas expressões para o dito grupo de trabalho ou antes, estava convencido que o fazia em contexto de comunicação privada com JR______ também através daquela aplicação, foi ponderada toda a prova produzida, sem que o Tribunal alcançasse a certeza necessária para afirmar tal consciência, em termos que impuseram uma decisão em benefício do arguido[3].
Ora, se o tribunal não logrou obter certeza sobre se o arguido tinha consciência de que estava a escrever num grupo composto por várias pessoas ou se por acaso o estava apenas numa conversa privada, impunha-se, como o fez, considerar não provado o facto que descreveu sob o n.º 2 dos factos não provados. O que já não pode admitir-se, sem que se admitisse uma nulidade decorrente de contradição nos termos invocados pelo arguido, o que é inadmissível, é que se considere provada a matéria que elencou provada sob a al. M), analisada na sequência do que escreveu em L), a qual pressupõe a consciência que considerou não provada!
Ademais, toda a motivação de facto, em que analisa a prova e exara como formou a sua convicção, leva de facto no sentido de que não foi feita prova segura de que o arguido tenha tido conhecimento que escrevia num grupo e, portanto, que sabia que o que escrevia era visto por várias pessoas.
Note-se que, se expurgarmos a matéria de facto considerada provada do facto que se encontra em contradição com o facto não provado, ambos acima identificados, verifica-se sem qualquer dúvida a nulidade prevista na al. a) do citado n.º 2 do art.º 410.º, porquanto ficaria por apurar o elemento intelectual do dolo e por conseguinte a subsunção dos factos realizada não teria suporte factual; ou seja, os factos provados seriam insuficientes para a decisão.
Aqui chegado, impõe-se, pois, julgar procedente a nulidade prevista no art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, invocada pelo arguido, ficando prejudicado o conhecimento da nulidade prevista na al. c), igualmente invocada pelo arguido.
Como se verifica da análise do referido 426.º, n.º 1 do CPP o reenvio para julgamento só deve verificar-se quando os autos não contiverem os elementos necessários à decisão por parte do tribunal de recurso.
No caso, pese embora da motivação de facto se retire que não se alcançou prova com o mínimo de certeza para que se considere preenchido o dolo, máxime do seu elemento intelectual, a verdade é que se fez incluir tal facto no elenco dos considerados provados, se considerou preenchidos os elementos constitutivos do crime imputado ao arguido, condenando-se o mesmo, e se fixou indemnização civil pela prática de factos ilícitos, tudo com base nesse facto considerado provado em contradição com o não provado e motivação de facto.
Ou seja, a decisão proferida é de tal forma contraditória e dúbia que não nos permite conhecer da causa nos termos previstos no citado art.º 426.º, n.º 1 do CPP.
Na verdade, como bem se decidiu no Ac. da Relação e Évora de 16-04-2013, Proc. 51/12.2GFSTB.E1, Relator António Latas Impõe-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º do CPP, quando a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal recorrido sofre de omissões e contradições que inquinam decisivamente a fundamentação do acórdão em matéria de facto.
Termos em que se julga procedente a nulidade invocada, procedendo o recurso interposto.
*
Aqui chegados fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no recurso interposto.
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IV - Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Lisboa:
a) Julgar provido o recurso interposto pelo arguido MGP_________ , por procedente a nulidade prevista no art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, e em consequência, determina-se a remessa dos autos para julgamento para suprir a nulidade apontada (art.º 426.º CPP).
b) Sem custas.

Lisboa, 23 de setembro de 2020
Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).
Maria Gomes Bernardo Perquilhas
Cristina Almeida e Sousa
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[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de  Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363. 
[2] Sublinhado nosso.
[3] Negrito e sublinhado nossos.