BEM APREENDIDO
PRODUTO DO CRIME
Sumário

Se o dinheiro apreendido estava na posse do arguido e dos factos não resulta a sua proveniência ilícita, é de presumir que seja ele o dono desse dinheiro.

Texto Integral

Acordam na 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
1. No Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, ..º juízo criminal, no processo acima referido, o arguido B……… requereu a restituição de uma quantia de € 1910, apreendida na sequência de uma busca à residência onde estava no momento da busca, alegando ser a mesma sua propriedade, mas tal pretensão foi indeferida por despacho judicial
Inconformado, recorreu o arguido, tendo concluído a sua motivação pela forma seguinte:
na sequência do acórdão proferido foi ordenado o levantamento da apreensão e consequente restituição aos seus comprovados possuidores/proprietários das quantias e bens, e o recorrente é o dono daquela quantia, que estava na sua posse, sendo que tal quantia já não é necessária como meio de prova, pelo que a mesma lhe deve ser restituída- a lei proíbe a prática de actos inúteis

2. Nesta Relação, o Exmo PGA pronuncia-se pela improcedência do recurso

3- Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

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FUNDAMENTAÇÃO
Os factos relevantes.
No dia 21 de Março de 2002, na sequência de busca policial efectuada à casa da C………., e quando nela estava o arguido presente, foi apreendida, numa bolsa que estava num quarto, a quantia de 1910 €, conforme fls. 3 e 4, tendo sido tal apreensão validada por despacho posterior, e que se encontram actualmente depositados na Caixa Geral de Depósitos, conforme consta dos autos a fls. 6
Foi o arguido julgado e condenado no processo comum …/02..TAVNF, de 16-3-2006, pelo crime de detenção ilícita de estupefaciente e condenado na pena d 2 anos de prisão. E no final do referido acórdão ficou decidido o seguinte: «ordenar ... o levantamento da apreensão e consequente restituição aos seus comprovados possuidores/proprietários das quantias e bens apreendidos nos Autos, uma vez que não foi demonstrada alguma circunstância que determinasse a sua perda a favor do Estado …»
A 27-10-2005 o arguido recorrente requereu ao sr juiz do processo a restituição da quantia apreendida, o que foi indeferido por despacho de 9-12-2005, dizendo-se neste, além do mais, que «... o arguido rejeitou em audiência a posse dos objectos ... o arguido ora assume a posse das coisas, ora nega que sejam suas ...»
Por requerimento apresentado em 30/12/2005, o recorrente requereu a aclaração do despacho que indeferiu a restituição dos bens apreendidos, nos seguintes termos: «o arguido não negou a posse dos objectos, apenas do estupefaciente apreendido e apesar disso sem sucesso (cfr. o acórdão proferido) ... em todos os documentos elaborados pela Polícia Judiciária se diz que os objectos foram apreendidos ao arguido».
Por despacho de 27-1-2006 foi decidido: «Em face das dúvidas de interpretação suscitadas, reitera-se o despacho de fls. 565, que indeferiu o requerido a fls. 562 dos autos, ou seja, que indeferiu o pedido de restituição ao arguido da quantia de 1910,00 € (entre outras quantias), por contraditório com a posição assumida por este nos presentes autos, bem como indeferir o pedido de inquirição do arguido e da indicada pessoa, por inutilidade ... Notifique editalmente incertos para, mediante prova da titularidade dos mesmos requererem o levantamento das quantias e demais objectos depositados nos autos»
A fls 7 consta um comprovativo de depósito daquela quantia, elaborado pela Policia Judiciária, no qual se refere que aquele montante foi apreendido ao arguido recorrente
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O direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, extraídas da motivação apresentada, cabe agora conhecer da questão ali suscitada, e que consiste em saber se o recorrente tem legitimidade material para conseguir a restituição do dinheiro apreendido num processo crime em que foi condenado.
Antes de mais para sublinhar que, ao contrário do que dizem os despachos proferidos pelo sr juiz do processo, designadamente o despacho recorrido (e no mesmo erro labora o MP da primeira instância), do acórdão condenatório não consta, nem nos factos dados como provados nem na motivação, que o recorrente tivesse, em julgamento ou noutra altura, negado a posse dos objectos e do dinheiro. O que consta do acórdão de fls 19 é que o arguido admitiu inicialmente a posse das drogas, e depois a rejeitou, nada se referindo, nesse acórdão, quanto à posse dos objectos, e designadamente do dinheiro apreendido
Depois, no dito acórdão não se estabelece qualquer ligação entre aquele dinheiro e o crime pelo qual o arguido foi condenado, nomeadamente que ele tivesse sido produto ou instrumento do crime, e daí que tivesse sido ordenada a sua restituição, como aliás resulta, a contrario, do disposto no art. 109.º do CodPenal.
É certo, como faz notar o Exmo PGA nesta Relação, que no acórdão em questão se determina a entrega do dinheiro ao seu comprovado possuidor/proprietário, o que no seu entender faz supor que ainda não está resolvida essa questão da titularidade.
Sucede que o dinheiro, como resulta dos autos, foi apreendido na posse do recorrente, e em momento algum se pôs a duvida sobre se o dinheiro pertenceria a outra pessoa, designadamente à proprietária da casa onde o arguido estava na altura da apreensão.
Se o arguido estava na posse do dinheiro e dos factos não resulta a sua proveniência ilícita, é de presumir que seja ele o dono do dinheiro.
E neste contexto não se vê qual a vantagem de estar a inquirir testemunhas sobre a dita propriedade, ou a citar pessoas para reclamarem um dinheiro que pertence, numa presunção muito razoável, ao recorrente
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DECISÃO
Pelos fundamentos expostos:
I- Concede-se provimento ao recurso e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro em que se ordene a restituição do dinheiro ao recorrente

II- Sem custas
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Porto, 14 de Junho de 2006
Jaime Paulo Tavares Valério
Joaquim Arménio Correia Gomes
Manuel Jorge França Moreira