§1. – RELATÓRIO.
§1.a) – SINTESE DA CONDENAÇÃO.
Por imputação, em autoria, e em concurso efectivo, da prática de três (3) crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º nº 1 e 218.º nº 2 al. a), ambos do Código Penal, na redacção dada pela Lei nº 5/2006 de 23/02; e de um (1) crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368º-A,º nº 1, 2 e 3 do Código Penal, veio a ser submetido a julgamento, AA, com os sinais constantes do processo, tendo vindo a ser absolvido (sic): “(…) da prática de um crime de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, alínea a) do Código Penal”; e condenado pela “prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), a pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- Pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), a pena de 5 (cinco) anos de prisão;
- Pela prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º-A, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares acabadas de indicar, condenamos o arguido AA na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.”
Foi ainda condenado, no pedido de indemnização civil, que havia sido formulado, pelo demandante BB, no montante total de €320.000,00, “a pagar ao demandante/queixoso a quantia de € 199.100,00 (cento e noventa e nove mil e cem euros) a titulo de danos patrimoniais e a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a titulo de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vincendos sobre essa quantia desde a data do trânsito em julgado desta sentença até integral e efetivo pagamento, absolvendo o demandado do demais pedido.”
Em desinência da petição formulada pelo Ministério Público, da Perda das Vantagens do facto Ilícito típico a favor do Estado e bem assim a liquidação do património incongruente (perda ampliada), decidiu o tribunal condenar “o arguido no pagamento ao estado da quantia de € 251.500,00, com desconto da quantia de € 46.594,90 (apreendida) e a quantia de €4.900,00 e do valor da viatura de matricula …-QA-…., ou seja, €65.100,00, que são declaradas perdidas a favor do Estado, nos termos do artigo 110.º n.ºs 1, als. a) e b), e 4 do Código Penal”; e declarar “perda alargada a favor do Estado do valor de € 745.081,81 (setecentos e quarenta e cinco mil e oitenta e um euros e oitenta e um cêntimos), perdido a favor do Estado por corresponder ao valor do património incongruente, nos termos dos artigos 7º, 9º e 11º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro e 111º do Código Penal, determinando-se que o Arguido proceda ao seu pagamento.”
Em dissensão com o julgado, recorre o arguido, tendo dessumido, a motivação no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito:
§1.b). – QUADRO CONCLUSIVO.
“A - DA INCOMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
1. Tratando-se de alegados crimes de burla ocorridos no estrangeiro (antes das transferências, não há crime), caímos na alçada do art. 5º do Código Penal.
2. Analisando o acórdão recorrido, vê-se que não houve qualquer cuidado em analisar se os factos imputados ao arguido são puníveis em ….
3. Neste processo, é possível que Portugal esteja a condenar criminalmente um cidadão …, o aqui arguido (que tem dupla nacionalidade) por factos praticados em …., e que não são punidos nessa jurisdição, correndo o risco de efetivar, na prática, uma condenação violadora do princípio “nulla poena sine lege”.
4. Outro requisito fundamental para a punibilidade dos factos em território nacional é o da al. iii) do referido art. 5º “Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português”
5. O acórdão recorrido não faz qualquer análise ao facto de estarem em causa crimes que admitam extradição e essa não possa ser concedida, ou que tenha sido decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu.
6. Existe, assim, nulidade insanável a que alude o art. 119º al. e) do CPP, a qual desde já se deixa arguida.
B - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL
7. É direito do arguido ser julgado pela lei que lhe for mais favorável, entre a portuguesa e a …., nos termos do art. 6º nº 2 do Código Penal.
8. Nos termos do art. 29º nº 4 da CRP, “Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.”
9. Ainda que se admitisse que a lei penal portuguesa pode ser aplicada à situação dos presentes autos, é indiscutível a conexão da factualidade em análise ao ordenamento jurídico …. Aliás, a conexão da factualidade assente é muito mais forte com o ordenamento jurídico …. do que com o português, em razão da nacionalidade dos intervenientes, da sua residência, do local em que se conheceram, ou do local em que foram publicados os anúncios. Quer os lesados quer o arguido tinham a expectativa de ver as suas posições reguladas pelo direito …., e não pelo direito português.
10. Nestes termos, o acórdão recorrido viola o art. 6º, nº 2 do Código Penal, ao não ponderar a pena que ao arguido caberia se fosse aplicado o direito …. Qualquer interpretação do art. 6º nº 2 do Código Penal que negue ao recorrente a ponderação e eventual aplicação da lei penal …., caso esta se venha a revelar mais favorável, viola o art. 29º nº 4 da CRP, sendo, por isso, inconstitucional.
11. Uma interpretação no referido sentido também viola o art. 15º do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos, ratificado pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho, publicada no Diário da República, I Série A, n.º 133/78. Rege o referido artigo que “Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituíam delitos segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não poderá ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que o delito foi cometido.”
C – INEXISTENCIA DA PRÁTICA DO CRIME DE BURLA
12. Analisando a factualidade provada e enquadrando-a no crime de burla, verifica-se a manifesta ausência de factos que se possam subsumir à astucia que a lei exige para o preenchimento deste tipo legal.
13. Como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, a astucia exigida para o preenchimento do tipo legal não pode resumir-se ao convencimento de que a outra parte vai cumprir a sua prestação no contrato. No entanto, analisada a factualidade, não se vislumbram quais os factos que possam encaixar nesta astucia.
D – DA REALIZAÇÃO DE JULGAMENTO NA AUSENCIA DO ARGUIDO
14. Analisando as actas, verificamos que o Tribunal não realizou qualquer diligência necessária e legalmente admissível para obter a comparência do arguido, em flagrante violação do disposto no art. 333º nº 1 do CPP.
15. O art. 331º nº 1 do CPP é claro ao afirmar: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência;
16. O tribunal violou o art. 331º nº 1 do CPP, sendo inconstitucional, por violação do art. 32º nº 6 da CRP, qualquer interpretação do referido artigo 331º do CPP feita no sentido de que, fora dos casos em que o arguido se encontra dispensado da presença em actos processuais, o juiz pode oficiosamente dispensar a presença do arguido sem tomar qualquer medida para assegurar a sua presença.
E – MEDIDA DA PENA DO CRIME DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
17. A pena aplicada ao arguido pelo crime de branqueamento de capitais é de compreensão difícil. Não só pelo manifesto exagero, mas também porque se encontra absolutamente destituída de fundamentação.
18. Ao contrário do que é afirmado no acórdão recorrido, no que tange ao branqueamento de capitais, o arguido nunca foi condenado por idênticos ilícitos criminais, não tendo quaisquer antecedentes a este nível.
19. O grau de ilicitude dos factos relacionados com a prática deste crime, enunciados no acórdão recorrido, não se coaduna com a pena aplicada.
20. As operações realizadas são de enorme simplicidade – levantamentos em dinheiro, compra de veículos, e transferências bancárias para sociedade comercial sedeada em Portugal.
21. Paralelamente, o crime de branqueamento de capitais nunca pode ser punido com pena superior às penas aplicadas aos crimes precedentes.
22. Apesar de o art. 368º-A nº 10 do Código Penal se referir aos limites das penas, e não às penas concretamente aplicadas, há um princípio que, claramente, decorre dessa norma: o crime de branqueamento de capitais nunca pode ser considerado mais grave do que os crimes precedentes.
23. Não ocorre qualquer justificação para que ao arguido seja aplicada, pelo branqueamento de capitais, pena parcelar superior ao mínimo legal de 2 anos de prisão, sendo manifesto o exagero da pena aplicada.
24. A pena aplicada viola, portanto, o art. 71º do Código Penal e o art. 368º-A nº 10 do mesmo Código.
F – MEDIDA DA PENA DOS CRIMES DE BURLA
25. A medida da pena nos crimes de burla viola o art. 71º do Código Penal, sendo exagerada perante o grau de culpa do agente.”
§1.(b). – RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (SÍNTESE CONCLUSIVA).
“1 - O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se, a título de exemplo, o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt, Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.
2 - “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.
3 - São assim, as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal.
4 - Não contém a douta decisão impugnada qualquer erro de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que a inquine.
5 - O Tribunal “a quo” alicerçou a sua decisão na prova produzida e analisada em audiência de julgamento, e, também nas regras da experiência, aliás como o impõe o art. 127º, do Código de Processo Penal.
6 - O arguido não apresentou contestação.
7 - Possui o arguido, antecedentes criminais, tendo sido condenado pela prática dos crimes de emissão de cheque sem provisão, falsificação de documento e burla simples e qualificada, como se retira da análise do CRC e consta do Douto Acórdão.
8 - Os Tribunais Portugueses são competentes para julgar o arguido pela prática dos factos pelos quais foi condenado em 1ª instância, estando prevista nos artigos 3º a 5º do Código Penal, sendo que o arguido também é cidadão português e os factos foram em grande parte cometidos em território nacional, existindo inúmeros elementos de conexão com os tribunais portugueses, nunca tendo em tempo útil a competência dos Tribunais Nacionais sido antes questionada, artigo 19º e seguintes do Código de Processo Penal.
9 - Acresce, não especificar o arguido que termos concretos é que o ordenamento penal … lhe poderia seria mais favorável.
10 - Não contém, o Douto Acórdão, qualquer nulidade ou irregularidade nesta matéria, assim como não foi violado o princípio da aplicação da lei mais favorável, não devendo proceder a argumentação do recorrente por falta de sustentação legal.
11 - Parece-nos evidente que não foi violado pelo Tribunal “a quo” qualquer preceito de direito europeu, constitucional ou criminal ou qualquer tratado de que Portugal seja parte.
12 - No que ao crime de burla respeita e que o arguido põe em causa, dão-se aqui por transcritos, com o respeito devido, os argumentos que constam do Douto Acórdão, onde de modo pormenorizado se descrevem os factos e as legais razões da condenação pela prática do aludido crime, não devendo proceder a argumentação do arguido.
13 - Certo é que o recorrente não esteve presente na audiência de julgamento por que não quis, uma vez que estava devidamente notificado, mas sempre foi alegando e provando por documentos, que estava debilitado de saúde e que por tal não podia comparecer.
14 - Sucedeu inclusive, ter estado na véspera do julgamento, ou uns dias antes, a consultar o processo no Tribunal, contudo, na audiência de julgamento não esteve presente, devendo saber o recorrente melhor do ninguém os motivos de não ter estado presente, embora legalmente notificado para o efeito…, não tendo sido violada qualquer disposição legal pelo Tribunal “a quo”.
15 - As qualificações jurídicas que o Tribunal “a quo” atribuiu aos factos que se provaram em audiência de julgamento, são legais e pertinentes, não tendo sido violado qualquer preceito de direito Comunitário, Constitucional ou Criminal,
16 - Questiona o AA a medida das penas, e diz a propósito da medida da pena: o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas, para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente”.
17 - Ou ainda como se diz no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:” II - Culpa e prevenção constituem o binómio que preside à determinação da medida da pena, art. 71.º, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – art. 40.º, n.º 2, do CP. III - Dentro deste limite, a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial”, in www.dgsi.pt, Proc. nº 315/11.2JELSB.E1.S1, 1-7-2015.
18 - Porém, os factos cometidos pelo arguido são muito graves, tem antecedentes criminais pela prática de factos semelhantes, causou enormes prejuízos físicos, psicológicos e materiais aos ofendidos, bem como prejuízos financeiros ao Estado Português e existem imperativos de prevenção geral e especial a salvaguardar, não havendo condições para baixar as penas parciais e única, e não sendo possível fazer um juízo de prognose favorável.
19 - O Tribunal “a quo” ponderou para a escolha e medida das penas parcelares e única, a que foi condenado o arguido em 1ª instância, todos os critérios referidos nos arts. 40º, 41º, 71º, 217º, 218º e 368º-A, do Código Penal, conjugados com os factos que se provaram em audiência de julgamento, mostrando-se a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos referidos crimes, em sintonia com a culpa do arguido e sem ter olvidado a sua ressocialização.
20 - Não padece o Douto Acórdão de nenhum vício ou nulidade, dos previstos no Código de Processo Penal, tendo sido respeitados os preceitos legais aplicáveis de Direito Comunitário, Direito Constitucional e Criminal.
21 - Deve o Douto Acórdão recorrido manter-se na íntegra.”
§1.(c). – RESPOSTA DO ASSISTENTE (SÍNTESE CONCLUSIVA)
“1 - O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal.
2 - Como expõe o artigo 412.º do Código de Processo Penal, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.
3 - São as conclusões que fixam o objecto do recurso (artigo 417º, nº 3 do CPP).
4 - Não contém a douta decisão impugnada qualquer erro de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que a inquine.
5 - O Tribunal “a quo” alicerçou a sua decisão na prova produzida e analisada em audiência de julgamento, e, também nas regras da experiência, aliás como o impõe o art. 127º, do Código de Processo Penal.
6 - O arguido não contestou.
7 - O Arguido tem antecedentes criminais.
8 - Os Tribunais Portugueses são competentes para julgar o arguido pela prática dos factos pelos quais foi condenado em 1ª instância, estando prevista nos artigos 3º a 5º do Código Penal, sendo que o arguido também é cidadão português e os factos foram em grande parte cometidos em território nacional, existindo inúmeros elementos de conexão com os tribunais portugueses, nunca tendo em tempo útil a competência dos Tribunais Nacionais sido antes questionada, artigo 19º e seguintes do Código de Processo Penal.
9 - O arguido não refere, nem específica em que termos concretos é que o ordenamento penal … lhe poderia seria mais favorável.
10 - Não contém o Douto Acórdão qualquer nulidade ou irregularidade nesta matéria, assim como não foi violado o princípio da aplicação da lei mais favorável, não devendo proceder a argumentação do recorrente por falta de sustentação legal.
11 - Não foi violado pelo Tribunal “a quo” qualquer preceito de direito europeu, constitucional ou criminal ou qualquer tratado de que Portugal seja parte.
12 - O recorrente não esteve presente na audiência de julgamento porque não quis, uma vez que estava devidamente notificado.
13 - Tendo na véspera do julgamento ou uns dias antes, consultado o processo no Tribunal, contudo, na audiência de julgamento não esteve presente, devendo saber o recorrente melhor do ninguém os motivos de não ter estado presente, embora legalmente notificado para o efeito…, não tendo sido violada qualquer disposição legal pelo Tribunal “a quo”.
14 - As qualificações jurídicas que o Tribunal “a quo” atribuiu aos factos que se provaram em audiência de julgamento, são legais e pertinentes, não tendo sido violado qualquer preceito de direito Comunitário, Constitucional ou Criminal,
15 - Não padece o Douto Acórdão de nenhum vício ou nulidade, dos previstos no Código de Processo Penal, tendo sido respeitados os preceitos legais aplicáveis de Direito Comunitário, Direito Constitucional e Criminal.
16 - Deve o Douto Acórdão recorrido manter-se na íntegra
Negando provimento ao recurso.”
§1.(d). – PARECER DO MINSITÉRIO PÚBLICO.
“1. Do acórdão de tribunal coletivo proferido em 12.12.2019, o arguido AA, julgado na ausência nos termos do art. 333º do CPP, foi condenado na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º 2-a) do CP e de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 368º-A nºs 1, 2 e 3 do CP.
1.1. Vindo o mesmo a ser pessoalmente notificado em 08.01.2020, interpõe recurso para o STJ, em 07.02.2020, cujas conclusões se dão por reproduzidas.
2. O Magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido respondeu fundadamente ao recurso em 03.04.2020, pugnando pela improcedência global do mesmo.
2.1. O assistente BB respondeu em 15.06.2020, pronunciando-se no mesmo sentido.
2.2. Apesar de o recurso vir endereçado ao STJ, o Sr. Juiz junto do tribunal de 1ª instância determinou a subida dos autos ao TR…..
Por decisão sumária de 18.09.2020, foi declarada a incompetência do TR…. para conhecer do recurso, determinando-se a sua remessa para o STJ.
3. Nada obstando ao conhecimento do recurso, por parte do STJ, deverá o mesmo ser apreciado em sede de conferência.
4. Do parecer
4.1.Em síntese, o recorrente alega a incompetência internacional dos tribunais portugueses, a violação do princípio da lei mais favorável, a inexistência da prática do crime de burla, questionando ainda a realização do julgamento na ausência do arguido e as medidas das penas nos crimes de branqueamento de capitais e de burla, pugnando pela redução do respectivo quantum.
4.1.1Como bem salienta o Magistrado do MºPº em 1ª instância, o arguido não apresentou contestação.
Apenas em sede de recurso vem invocar a incompetência internacional dos tribunais portugueses relativamente aos crimes de burla, que alega terem ocorrido no estrangeiro (antes das transferências, não há crime), e violação do princípio da lei mais favorável.
Quanto a tais questões acompanham-se os fundamentos aduzidos na citada Resposta do Magistrado do MºPº que se dão por reproduzidas aos quais se aditará o seguinte:
Nos termos do art. 7º do CP “o facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, o agente atuou (…) como naquele em que o resultado típico (…) se tiver produzido).
Conforme decidido designadamente no ac. do STJ de 21-06-2006 (proc. 06P1055, dgsi.pt) “O momento da consumação do crime de burla é aquele em que o lesado abre mão da coisa ou do valor, sem que a partir daí possa controlar o seu destino, perdendo a disponibilidade dela ou desse valor no seu património. II - Tendo a quantia titulada pelos cheques deixado de estar na disponibilidade fáctica do lesado no preciso momento em que procedeu ao respectivo depósito na agência bancária (na conta do arguido), logo aí ocorrendo o seu efectivo prejuízo patrimonial (posto que já a não podia reaver), constituindo a imediata transferência da quantia depositada (para outra agência, em localidade diferente) operação efectiva e juridicamente ulterior, e bastando que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (= dano) da vítima, o crime de burla ficou consumado com o depósito dos cheques na agência de (…), sendo competente para conhecer do crime o tribunal em cuja área se verificou a consumação (art. 19.º, n.º 1, do CPP).”
No caso dos presentes autos, a maior parte das transferências bancárias efetuadas pelos ofendidos, e os montantes mais elevados, foram efetuados para a conta bancária …., do banco B….., titulada pelo arguido AA, Banco português, sediado em Portugal.
A partir do momento em que as transferências bancárias foram realizadas, não mais estando as respetivas quantias na disponibilidade dos ofendidos, consumaram-se os crimes de burla qualificada pelos quais o arguido/recorrente foi condenado.
Nos termos do art. 4º do CP “Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados em território Português, seja qual for a nacionalidade do agente”.
Mesmo a considerar-se, por mera hipótese, que os crimes tivessem ocorrido em ….., tendo o arguido a nacionalidade portuguesa (e também ….), nos termos do art. 5º alínea e) do CP, “a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional e) por portugueses (…) sempre que os agentes forem encontrados em Portugal“.
Ora, será de salientar ter sido o ora recorrente quem se opôs à sua entrega a …., no âmbito de MDE emitido por aquele país, por factos ilícitos relativamente aos quais corriam igualmente em Portugal processos de inquérito contra o arguido/ora recorrente, como resulta do acórdão do TR…. de 15-06-2016 - Autos de MDE nº 180/….. (cuja certidão se encontra junta aos presentes autos).
Em tal acórdão do TR… decidiu-se julgar procedente a causa de recusa facultativa prevista no art. 12º nº 1-b) da Lei 65/2003 de 23.08, recusando-se a entrega do arguido AA a …, “atenta a convergência entre o objeto de investigação em Portugal e em …. - no inquérito 875.…, apensado ao inquérito 338/…., sendo investigados os mesmos factos que motivaram a emissão do MDE por parte das autoridades …….”
Pelo exposto, considera-se não existir a nulidade invocada prevista no art.- 119º- e) do CPP, não ocorrendo incompetência dos tribunais portugueses para o julgamento do arguido/recorrente pelos ilícitos pelos quais foi condenado.
4.1.2. No que concerne à realização do julgamento na ausência do arguido, dão-se por reproduzidos os fundamentos aduzidos na citada Resposta do MºPº, a que acrescem os seguintes dados factuais/processuais:
A marcação do julgamento ocorreu por despacho judicial de 13.02.209.
Na audiência de julgamento de … .05.2019, o arguido/recorrente AA esteve presente, conforme resulta da respetiva Ata.
Em tal audiência, a defensora oficiosa do arguido requereu prazo para defesa, tendo a Srª Juiz presidente do coletivo “deferido o pedido de adiamento da audiência de julgamento para consulta dos autos e estudo dos autos, tendo em atenção que o volume deste processo é de facto grande, o processo já conta com dezanove volumes e respectivos apensos e, bem assim, a senhora Advogada só agora teve conhecimento do mesmo.“
O arguido foi, nessa audiência, pessoalmente notificado da data agendada para a nova realização de julgamento - o dia … .09.2019.
Porém, o arguido faltou a tal audiência, como decorre da respetiva ata de … .09.2019, tendo a Srª Juiz decidido “não resultar essencial para a descoberta da verdade material a presença do arguido, desde o início da mesma, pelo que se dará de imediato início à mesma”,
Nos termos do decidido no AUJ nº 9/2012 (DR- 238/2012, I, de 10-12-2012:” Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do art. 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo.”
Forçoso será considerar ter sido o arguido/recorrente regularmente notificado das datas de realização de audiência de julgamento, às quais faltou injustificadamente, não tendo ocorrido violação de preceito legal ou de princípio constitucional.
4-1-3. No tocante à existência dos elementos constitutivos do crime de burla, como assinala o MP em 1ª instância, a factualidade fixada - que o recorrente não coloca em causa, e não se vislumbrando que a decisão padeça de qualquer dos vícios elencados no nº 2 do art. 410º do CPP - encontra-se corretamente subsumida à previsão do crime (dois) de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º nº 2-a) do CP, pelos fundamentos amplamente aduzidos de fls. 46 a 51 do acórdão proferido em sede de tribunal de 1ª instância, que aqui se dão por reproduzidos.
41.4 Crime de branqueamento de capitais e medida das penas parcelares e da pena única aplicadas
Alega o recorrente que “o crime de branqueamento de capitais nunca pode ser punido com pena superior às penas aplicadas aos crimes precedentes”, pugnando por diminuição da pena parcelar para 2 anos de prisão, tal como pugna pela diminuição da pena aplicada quanto aos crimes de burla.
O recorrente foi condenado na pena parcelar, pela prática do crime de branqueamento de capitais, de 5 anos e 6 meses, sendo tal medida da pena “não superior ao limite máximo da pena mais elevada do crime precedente,- crime de burla qualificada, cuja moldura penal máxima é de 8 anos de prisão, não tendo ocorrido qualquer violação do disposto no art. 368º -A do CP.
A medida das penas parcelares aplicadas pelo tribunal de 1ª instância afiguram-se adequadas e proporcionais ao grau de culpa com que o recorrente atuou, pelos fundamentos aduzidos no acórdão recorrido, de que destacamos: “No caso em análise, são elevadas as necessidades de prevenção geral, na verdade assiste-se nos últimos tempos a um incremento deste tipo de crimes envolvendo o empobrecimento dos ofendidos, existindo um sentimento de impunidade face a estes ilícitos.
Elevadas são as necessidades de prevenção especial, uma vez que o arguido já foi condenado por idênticos ilícitos criminais, denotando uma reiteração criminógena na sua conduta e mostrou uma atitude de passividade no que se reporta ao julgamento, pois nem compareceu no mesmo.
Atendendo ao valor dos montantes em causa – o arguido logrou apropriar-se e colocar no seu património o montante total de 450.600€ - e bem assim ao objectivo do arguido ao concretizar os factos que levaram aos crimes em causa, ao modo de execução dos factos, aos montantes em causa e à falta de arrependimento (demonstrada pela não comparência em julgamento e não ressarcimento dos ofendidos) é de concluir que é médio/elevado o grau de ilicitude dos factos e relativamente graves as suas consequências. Devendo-se ter presente que a elasticidade da pena decorre, não só do valor, mas também da multiplicidade das condutas que se compreendem na previsão das diversas alíneas da norma.”
Em sede de medida de pena única, variando a moldura entre os 5 anos e 6 meses e os 15 anos e 6 meses de prisão, atenta a ilicitude global do facto, afigura-se que a medida da pena única aplicada de 8 anos e 6 meses de prisão é adequada e proporcional ao grau de culpa “global” com que o recorrente atuou - arts. 71º e 77º do CP.
Pelo exposto, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência global do recurso em causa.”
§1.(e). – QUESTÕES A MERECR APRECIAÇÃO.
O epítome conclusivo extractado supra permite dessumir as sequentes questões, para solução da pretensão recursiva:
(i) – Incompetência territorial para o julgamento;
(ii). – Julgamento com ausência do arguido;
(iii). – Aplicação da Lei (internacional) mais favorável;
(iv). – Elementos constitutivos do crime de Burla;
(v). – Medida da Pena do crime de branqueamento de capitais;
(vi). – Medida da Pena do crime de Burla.
§2. – NULIDADE POR VIOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL (Artigo 119º, alínea e) do Código de Processo Penal).
Esgrime o arguido a incompetência dos tribunais portugueses para a apreciação da responsabilidade jurídico-penal por que foi julgado, em Portugal, por (sic) “crimes de burla ocorridos no estrangeiro (antes das transferências, não há crime), caímos na alçada do art. 5º do Código Penal.”
Norma fundamental estabelece no nº 9 d artigo 32º que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada por lei.”
Na lição do Figueiredo Dias e Nuno Brandão a estatuição consagrada no preceito citado confirma o princípio da legalidade em Direito penal. “O princípio da legalidade não vincula apenas à legalidade incriminatória e sancionatória (sem recurso à analogia) e à anterioridade da lei, mas alcança toda a chamada “matéria penal”, ou seja, também as normas aplicáveis à fixação concreta de um facto definido como criminoso e á determinação da sanção cominada; em suma, abrange também a legalidade da “repressão penal” e, portanto, o processo para a aplicação de uma pena.” [Figueiredo Dias e Nuno Brandão, “Texto de Apoio ao Estudo da Unidade Curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015-2016), p. 32]
Decorrente da consagração estabelecida emerge o princípio do juiz legal ou do juiz natural, “através do qual se procura sancionar, de forma expressa, o direito fundamental dos cidadãos a que uma causa seja julgada por um tribunal previsto como competente mediante a aplicação de critérios objectivos legalmente determinados e não ad hoc criado ou tido com competente.” [ibidem, p. 32]
A lei – artigo 10º do Código de Processo Penal – estipula que “a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada por este código e, subsidiariamente, pela leis da organização judiciária.”
O artigo 19º do Código de Processo Penal consagra o princípio geral de que “é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se verificar a consumação”.
A regra axial estabelecida para aferir/fixar a competência territorial enxerta no critério do locus delictus, ou seja o aquele espaço, temporalmente definido e delimitado, em que os factos constitutivos de um determinado tipo de ilícito ocorreram, de modo a que o fattispecie que o estatui, define e prevê fique preenchido e materializado.
Desbordando das questões que se podem colocar para determinados tipo de ilícitos, de feição duradoura ou execução continuada, importa para o caso – crime de burla – determinar o momento em que o crime se consuma, vale dizer o momento a partir do qual se verifica o empobrecimento do património do visado, com o processo astucioso que determinou a entrega de valores/bens de natureza pecuniária donde decorra a diminuição do respectivo património e o enriquecimento do indutor da conduta determinante da entrega.
“O bem jurídico protegido no crime de burla é o património, constituindo a burla um crime de dano que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro.
O prejuízo patrimonial, enquanto elemento do tipo objectivo de burla e requisito da consumação do crime, consiste numa diminuição da posição económica do lesado em relação à posição em que se encontraria se não tivesse sido induzido em erro ou engano e realizado a conduta determinada por tal erro ou engano”. (Ac. STJ de 04.06.03, proc. n.º 1528)
A facticidade dada como provada induz a ideia de que o arguido, através de um meio insidioso, a sua qualidade de procurador, consultor, advogado e/ou intermediário de imobiliário, “compeliu”, mediante a convicção/convencimento de que teria capacidade para aquisição de bens imóveis, em Portugal, a entregar e a efectuar transferências para uma agência do Banco B…., onde o arguido tinha sediada a sua conta bancária, de quantias monetárias, de que se viria a apossar, em detrimento do património dos lesados. As ordens de transferência terão sido executadas em agências bancárias em território ….., sendo que essas transferências só deixaram de estar no património dos lesados a partir do momento em que o arguido passou a poder dispor dos respectivos quantitativos, ou seja, dito de outra forma a partir do momento em que elas ficaram disponíveis na sua conta bancária e ele passou a poder dispor elas e a usufruir os respectivos valores.
Contrariamente ao que o arguido pretende inculcar, a consumação não se verifica a partir do momento em que é dada a ordem de transferência de uma instituição bancária, onde o lesado detém a disponibilidade de meios para dar a ordem de transferência, num determinado montante, mas sim a partir do momento em que a quantia que substancia a ordem de transferência fica ao dispor do sujeito beneficiário da correspondente ordem. É que uma ordem de transferência bancária não conleva uma natureza imediata e instantânea da quantia transferida, antes transporta uma mediação bancária que demora um ou dois dias de dilação, durante o qual o emissor da ordem de transferência pode solicitar ao banco o cancelamento da ordem (de transferência) ficando a mesma sem efeito e o pagamento – suposto efectuar através da transferência – deixar de ser executado. Uma ordem de transferência de fundos só fica disponível e precípua para o beneficiário a partir do momento em que a transferência se finaliza ou perfecciona, ou seja, a partir do momento em que a quantia titulada pela transferência deixa de estar na disponibilidade (absoluta, vale dizer, sem possibilidade de supressão da ordem) do transmitente e passa a estar na disponibilidade (efectiva e irrestrita) na esfera de disponibilidade do beneficiário.
No caso, a consumação dos crimes de burla, verificou-se quando o arguido obteve, na sua conta bancária, em Portugal, os quantitativos transferidos pelos lesados, de instituições bancárias sediadas em território …. . Só a partir do momento em que a transferência bancária efectuada pelos lesados cumpriram a sua função, de disponibilizar os fundos transferidos na esfera pessoal do arguido, é que o prejuízo patrimonial daqueles se consumou e ficou, efectivamente, empobrecido.
Resultando ser a consumação dos crimes em território nacional, são competentes para julgamento dos crimes praticados pelo arguido.
Ainda que a consumação (total ou plena) não se tivesse verificado em Portugal, sempre a competência deveria ser atribuída aos tribunais portugueses, dado que parcialmente, os crimes perpetrados pelo arguido tiveram execução (parcial) em território nacional, expedientes para compra e venda de imóveis, com marcação de escrituras em cartórios notariais portugueses e entregas (parciais) de quantias monetárias a sujeitos envolvidos na transacção de compra e venda.
Last but not the least, a arguição da nulidade invocada é extemporânea.
Estatui o artigo 119º, alínea e) do Código de Processo Penal que constitui nulidade insanável “a violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 32º”.
Consagra o artigo 32º, nº 2, alínea b) do mesmo livro de leis, o momento até quando pode e deve ser suscitada e declarada a incompetência territorial, estipulando que: “tratando-se de incompetência do tribunal ela somente pode ser deduzida e declarada: (…) b) até ao início da audiência de julgamento, tratando-se de tribunal de julgamento”.
Tendo a incompetência do tribunal sido suscitada na fase de recurso, mostra-se extemporânea e insusceptível de ser atendida.
Fenece, assim, a oposição deste impedimento (processual) de pronúncia quanto ao mérito da causa e à apreciação da responsabilidade criminal do arguido.
§3. – APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL.
A segunda via de oposição à pronúncia consumada pelo arguido à decisão recorrida, atina com a inacção do tribunal em sequenciar ou escrutinar a lei mais favorável para o arguido, isto é, sendo o crime punido por duas ordens jurídicas e podendo o arguido ser julgado em Portugal ou em …. seria mister ter o tribunal indagado qual a lei mais favorável para a punição/sancionamento das condutas “enjuiciadas”.
A aplicação da regra da lei mais favorável encontra-se estabelecida no artigo 6º, nº 2 do Código Penal e deve ser observado nos casos em que o agente seja julgado em Portugal por factos cometidos no estrangeiro (“fora do território nacional”) e “quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação.”
Tendo sido aferida a competência dos tribunais portugueses para o julgamento, a regra invocada pelo agente carece de subsistência e capacidade de apreciação, por prejudicialidade de pronúncia – artigo 608º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º do Código de Processo Penal.
§4. – NULIDADE POR AUSÊNCIA DO ARGUIDO NA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO.
Mantendo a senda das nulidades assacadas à actividade jurisdicional do tribunal recorrido, pretende alancear a decisão com uma falha de procedimento praticada pelo tribunal recorrido durante a efectivação da audiência de julgamento, qual seja a de que o tribunal terá efectuado a audiência de julgamento sem a sua presença o que constituiria uma quebra dos direitos de defesa e derrogação do direito a estar persente aos actos jurisdicionais em que a presença é obrigatória, como forma de escrutínio da sua decorrência e poder intervir quando para tal tiver interesse e/ou for solicitado.
O artigo 332º do Código de Processo Penal consagra a regra axial da presença do arguido na audiência em que se discuta a imputação factual e jurídico-penal que lhe foi assacada na acusação. (“é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 333º e nos nºs 1 e 2 do artigo 334º”)
A lei, consagrando, embora, a regra-princípio da presença do arguido em audiência, não deixa de excepcionar situações em que a presença pode ser dispensada e/ou até por compressão decorrente da condução da audiência – cfr. artigo 352º do Código de Processo Penal.
Em comentário ao artigo 332º do Código de Processo Penal, escreve o Conselheiro Oliveira Mendes que “com a revisão da Constituição operada em 1997, passou a se possível a realização da audiência sem a presença do arguido, desde que assegurados os direitos de defesa – nº 6 do artigo 32º: «A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado a actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.”
Como se atesta do histórico consultado no sistema Citius, e que, com a devida vénia, deixamos aqui expresso nas palavras da Exma. Procuradora-Geral Adjunta (sic): “Na audiência de julgamento de … .05.2019, o arguido/recorrente AA esteve presente, conforme resulta da respetiva Ata.
Em tal audiência, a defensora oficiosa do arguido requereu prazo para defesa, tendo a Srª Juiz presidente do coletivo “deferido o pedido de adiamento da audiência de julgamento para consulta dos autos e estudo dos autos, tendo em atenção que o volume deste processo é de facto grande, o processo já conta com dezanove volumes e respectivos apensos e, bem assim, a senhora Advogada só agora teve conhecimento do mesmo.“
O arguido foi, nessa audiência, pessoalmente notificado da data agendada para a nova realização de julgamento - o dia … .09.2019.”
Porém, o arguido faltou a tal audiência, como decorre da respetiva ata de … .09.2019, tendo a Srª Juiz decidido “não resultar essencial para a descoberta da verdade material a presença do arguido, desde o início da mesma, pelo que se dará de imediato início à mesma”.
O arguido esteve presente em audiência de julgamento e prescindiu da sua presença nas sessões para que foi convocado.
O direito a estar presente não é um direito indisponível, como se depreende do sentido normativo constitucional. A injunge a obrigatoriedade da presença, como dever positivo para o tribunal, que deve envidar as diligências necessárias para que a presença do arguido se torne, e faça realidade, na audiência de discussão e julgamento. No entanto, não inculca uma obrigatoriedade plena e inderrogável. Assegurada a possibilidade de presença, através da notificação pessoal para o acto, o tribunal não está inibido de prosseguir a audiência se surgirem situações adstritas ao arguido que impeçam a sua presença na, ou nas sessões para que se encontra devidamente e efectivamente convocado – cfr. artigos 332º a 335º do Código de Processo Penal.
Tendo o arguido estado presente na primeira sessão de audiência de julgamento e tendo prescindido da sua presença nas restantes sessões e tendo o tribunal, verificada a sua ausência, declarado a desnecessidade da estar presente, não se verifica qualquer desvio ou atropelo a regras próprias da audiência de julgamento.
Não cabe razão ao arguido na alegada falta ou omissão de regra processual adrede à realização de audiência de julgamento, pelo que se desestima a invocada nulidade.
§2. FUNDAMENTAÇÃO.
§2.(a). – DE FACTO.
Discutida a causa resultaram provados, com relevância para decisão da mesma, os seguintes factos:
(NUIPC 8757/15….)
1. Em data não concretamente apurada, mas antes de 21 de Setembro de 2014, o arguido AA publicou um anúncio no jornal …. “S.......”, informando a actividade exercida pela agência denominada “O.....”, ou seja, de mediação imobiliária destinada a reformados …. que pretendessem adquirir bens imóveis em Portugal, indicando para seu contacto a morada …., …., ……, o endereço electrónico portugal@AA.com, e o seguinte número de telefone: …….34 (contacto em …..).
2. No dia … de Setembro de 2014, EE (nascido em …..1930), residente na Rue …, em …, tomou conhecimento, no jornal “S…....”, do teor do referido anúncio publicado pelo arguido.
3. Ao tomar conhecimento de tal anúncio e porque pretendia adquirir um imóvel em Portugal, EE, decidiu estabelecer contacto para o número de telefone supra referido, tendo acordado um encontro com o arguido, em …., no final de Setembro de 2014.
4. Assim, no final do mês de Setembro de 2014, e no local acima indicado, EE encontrou-se com AA, tendo sido informado pelo arguido do teor do documento que deveria assinar para que este último o pudesse representar na referida compra e venda de imóveis em Portugal e, bem assim, do montante dos honorários a pagar por tais serviços e respectivo modo de pagamento. Ficou, ainda, acordado que AA remeteria para o endereço electrónico de EE a apresentação de eventuais propriedades para venda, dentro dos parâmetros definidos como sendo do interesse deste último.
5. Nessa sequência AA convidou EE para vir a Portugal, com o objectivo de lhe mostrar diferentes imóveis.
6. Tal viria a suceder por duas vezes, uma no final de Outubro de 2014, e outra em momento posterior, ocasiões em que EE deslocou-se a Portugal, juntamente com a sua mulher, FF, com a finalidade de ver os imóveis que AA havia seleccionado para os mesmos.
7. Não obstante tais deslocações, e uma vez que os ofendidos optaram por não comprar nenhum dos imóveis que AA havia indicado, tomando a resolução de pesquisar na internet o imóvel que pretendiam adquirir, no dia … .12.2014, o arguido enviou para o endereço electrónico de EE, uma minuta de uma procuração, denominada “Letre de Mission”, conferindo-lhe poderes para actuar em nome e representação dos ofendidos EE e FF, com a indicação dos respectivos honorários e modo de pagamento.
8. Nessa mesma data, e conforme acordado os ofendidos assinaram o dito documento e remeteram-no, via postal, para a morada indicada por AA para esse efeito, ou seja, para a Rua …., no …..
9. Após o envio do dito documento, e conforme acordado, no dia … .12.2014, EE efectuou uma transferência bancária no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), para pagamento de honorários, para a conta bancária n.º ……....69, do Banco B…., pertencente ao arguido.
10. No período compreendido entre os dias 3 e 10 de Janeiro de 2015, os ofendidos retornaram a Portugal, período em que estabeleceram contacto com GG, sócia gerente da sociedade “Av….....”, sita no Largo ….., na ……, tendo em vista a aquisição de uma fracção autónoma, com tipologia T2, sito na Travessa …., em ….., ….., pertencente a II.
11. Num desses contactos os ofendidos fizeram-se acompanhar do arguido, o qual se apresentou nas instalações da dita sociedade imobiliária, na qualidade de advogado dos primeiros, tendo informado GG que era o procurador de EE e FF, e o responsável pela representação dos mesmos na compra do sobredito imóvel, uma vez que os mesmos não falavam português e iriam regressar a …...
12. Encetadas diversas negociações tendo em vista a aquisição do dito imóvel, o arguido informou os ofendidos de que havia acordado com II e os legais representantes da imobiliária “Av.......”, a compra do mesmo pelo valor de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros), ocasião em que os ofendidos deram instruções a AA para proceder à dita aquisição.
13. Os ofendidos acordaram ainda com o arguido que ao sobredito preço acresceriam despesas referentes a melhorias que pretendiam realizar naquele imóvel.
14. Para esse efeito, e conforme acordado, no dia … de Janeiro de 2015, EE transferiu o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), para pagamento de despesas administrativas referentes à compra do sobredito imóvel, para a conta bancária n.º ….., do Banco B…., pertencente ao arguido.
15. Posteriormente, o arguido voltou a estabelecer contacto com EE, em território …., local onde o ofendido entregou a AA a quantia global de € 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), que este último havia solicitado para pagamento de 15% do valor do imóvel, e que seria entregue a II, proprietário do imóvel, a título de sinal e princípio de pagamento, nas datas que infra se discriminam:
a) No dia … .01.2015, entregou ao arguido a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), em numerário;
b) No dia … .02.2015, entregou ao arguido a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), em numerário; e
c) No dia … .02.2015, entregou ao arguido a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), em numerário.
16. Nessa sequência, e conforme acordado, no dia … .02.2015, EE efectuou uma transferência bancária no montante de € 160.000.00 (cento e sessenta mil euros), para a conta bancária n.º ….....69, pertencente ao arguido, para pagamento de parte do preço acordado para a compra do dito imóvel.
17. Posteriormente, no dia … .04.2015, EE efectuou uma transferência bancária no montante de € 60.000.00, para a conta bancária n.º ……...69, pertencente ao denunciado, para pagamento do remanescente do preço, bem como para pagamento das benfeitorias que pretendiam levar a cabo no dito imóvel.
18. Sucede que o contrato de compra e venda do dito imóvel nunca se chegou a celebrar, porquanto AA não compareceu nas duas escrituras agendadas para esse efeito.
19. AA apenas procedeu ao pagamento da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), no dia …..02.2015, aos legais representantes da imobiliária “Av.......”, referente a uma parte da comissão acordada, e ao pagamento da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento do preço estipulado, no dia … .03.2015, a II, vendedor e proprietário do dito imóvel.
20. Aliás, o arguido havia acordado com II e a agente imobiliária GG, a venda do sobredito imóvel pelo valor de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros), e que o remanescente do preço, ou seja, a quantia de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), seria entregue aquando da celebração da escritura de compra e venda.
21. Neste contexto, e perante a demora na outorga da escritura pública de compra e venda, no final de Março de 2015, EE questionou o arguido sobre eventuais problemas com a celebração da dita escritura, tendo AA informado que o vendedor recusou celebrar negócio, motivo pelo qual iria pedir a devolução da quantia de € 45.000,00, que havia entregue a II, a título sinal e princípio de pagamento.
22. Estranhando tal facto, e após ter sido alertado pela agente imobiliária GG que AA não estava registado na Ordem dos Advogados, EE e FF enviaram várias missivas e e-mails, que chegaram ao conhecimento de AA, no sentido deste último proceder à devolução dos montantes por estes entregues, no valor total de € 251.500,00 (duzentos e cinquenta e um mil e quinhentos euros), o que o denunciado nunca fez, antes os fazendo coisa sua.
23. Nunca foi intenção do arguido concretizar a compra do referido imóvel.
24. Aliás, ao tomar conhecimento que os ofendidos haviam apresentado a competente queixa-crime junto das autoridades portuguesas, o arguido informou II que havia agendado a realização de nova escritura de compra e venda, no dia … .04.2015, no Cartório Notarial Dr.ª JJ, sito na ..…., no …...
25. Porém, a sobredita escritura de compra e venda também não se veio a concretizar, uma vez que na data e local acima indicados, o arguido não entregou a II, o remanescente do preço acordado, ou seja, a quantia de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros).
- (NUIPC 338/14……)
26. Em data não concretamente apurada, mas antes de 16 de Outubro de 2014, AA publicou um anúncio no jornal ….. “A........”, informando a actividade por si exercida, ou seja, de intermediário na compra e venda de imóveis, e onde se intitulava consultor luso-…, indicando para seu contacto o endereço electrónico portugal@AA.com, e os seguintes números de telefone: ……..34 (contacto em …..) e …......65
27. No período compreendido entre os dias … e … de Outubro de 2014, MM (nascido em … .08.1939), tomou conhecimento, no jornal “A........”, do teor do referido anúncio publicado pelo arguido.
28. Ao tomar conhecimento de tal anúncio e porque pretendia adquirir a moradia sita na Urbanização “….......”, Lote ….., na ….., em ….., MM, que à data dos factos se encontrava a residir em ….., decidiu estabelecer contacto para o endereço electrónico supra referido, tendo sido informado pelo arguido do teor do documento que deveria assinar para que este último o pudesse representar na referida compra e venda e, bem assim, do montante dos honorários a pagar por tais serviços e respectivo modo de pagamento.
29. Na mesma altura, MM estabeleceu contacto para o número …., tendo acordado um encontro com o arguido no Hotel …, em ….., no final de Outubro de 2014.
30. Assim, no final do mês de Outubro de 2014 e no local acima indicado, MM, e a sua mulher, OO, encontraram-se com AA, altura em que forneceram o contacto telefónico do agente imobiliário PP da agência “C.......”, sita em ….., ao arguido para que o mesmo os representasse na compra e venda do imóvel acima indicado.
31. Nessa ocasião, o arguido elaborou uma Procuração, redigida em língua portuguesa, conferindo-lhe poderes para actuar em nome e representação dos ofendidos, no que concerne à aquisição de imóveis em Portugal, documento que MM e OO assinaram, conforme solicitado pelo arguido, e no qual este último intitulou-se de “Dr. AA”.
32. Assim, e conforme acordado, no dia ... .11.2014, MM efectuou uma transferência bancária no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), para pagamento de honorários, para a conta bancária n.º ………32, titulada pela sociedade “AA……. SAS”, e da qual o arguido é o legal representante.
33. Dias depois, o arguido contactou MM, informando-o que havia acordado as condições de compra e venda e, bem assim, solicitando o pagamento de 10% do valor de aquisição da referida moradia, ou seja, 10 % da quantia de € 435.000,00 (quatrocentos e trinta e cinco mil euros).
34. Conforme acordado, no dia … .11.2014, MM efectuou uma transferência bancária no montante de € 43.500,00 (quatrocentos e trinta e cinco mil euros), para a conta bancária n.º ……….69, do Banco B……, pertencente ao arguido.
35. Dias depois, o arguido contactou novamente MM, e alegando a existência de alterações contratuais, solicitou o pagamento de mais 10% do valor acordado para a compra do referido imóvel, para a celebração do contrato de promessa de compra e venda.
36. Assim sendo, e conforme solicitado, no dia … .11.2014, MM efectuou nova transferência bancária no montante de € 42.900,00 (quarenta e dois mil e novecentos euros), para a conta bancária n.º ……….69, pertencente ao arguido.
37. Posteriormente, no dia … .11.2014, o arguido enviou um e-mail para MM, solicitando o pagamento do remanescente do preço acordado.
38. Porém, e porque havia sido alertado pelo agente imobiliário PP, da existência de incompatibilidades nas condições estipuladas para a celebração do contrato de promessa de compra e venda - nomeadamente que RR, proprietário da referida moradia, apenas tinha exigido o pagamento de 5% do preço acordado -, MM recusou efectuar a referida transferência.
39. A partir dessa altura, MM nunca mais conseguiu entrar em contacto com o arguido.
40. O arguido nunca chegou a entregar qualquer quantia monetária ao proprietário da moradia acima indicada, a título de sinal ou princípio de pagamento do preço.
41. O arguido apenas voltou a estabelecer contacto com MM, após tomar conhecimento da pendência do presente processo, ocasião em que viria a restituir a MM a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros).
42. Na presente data permanece em dívida o montante de € 7.900,00 (sete mil e novecentos euros).
43. No dia … de Junho de 2015, o ofendido BB (nascido em 16.07.1954), dirigiu-se ao Salão do Imobiliário e do Turismo Português em ….., tendo conhecido o arguido, o qual se encontrava num stand daquele salão, denominado “S.......”, empresa que não se encontra registada em Portugal.
44. Nessa ocasião, o arguido informou BB que era advogado e notário e entregou-lhe um folheto e um cartão de vista, dos quais resultava que o mesmo prestava aconselhamento jurídico e fiscal.
45. No início de Novembro de 2015, BB pretendendo adquirir uma residência em Portugal, deslocou-se a este país, tendo visto na agência imobiliária “M.......”, sita na Rua …, em …, uma residência sita no ……., …., em …, que lhe agradou, tendo apresentado àquela agência uma proposta de aquisição no valor de € 285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros), preço que foi aceite pela imobiliária, e pelos proprietários do sobredito imóvel, UU e VV.
46. No dia 13 de Novembro de 2015, BB regressou a ……, onde diligenciou pela obtenção de um crédito bancário no valor de € 100.000, 00 (cem mil euros), tendo em vista a aquisição do mencionado imóvel.
47. Posteriormente, em Março de 2016, BB retornou a Portugal, e no dia 10 daquele mês, dirigiu-se ao Cartório Notarial …, local onde celebrou o contrato promessa de compra e venda do referido imóvel.
48. Nessa ocasião, BB transferiu para a conta bancária dos proprietários do dito imóvel, o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), tendo ficado acordado que a escritura seria outorgada até ao dia 10 de Junho de 2016, em data a agendar pelo ofendido.
49. Uma vez que não compreendia a língua portuguesa e em virtude de ter ficado receoso com os procedimentos de aquisição da sobredita habitação, no dia … de Março de 2016, BB decidiu contactar o arguido AA, solicitando-lhe apoio jurídico e notarial, o que este último aceitou.
50. AA indicou, então, que os seus honorários ascendiam ao montante de € 3.000,00 (três mil euros), que o montante total de aquisição do imóvel que BB pretendia comprar, teria que ser depositado numa conta bancária que o arguido iria abrir exclusivamente para esse efeito e, bem assim, que a primeira transferência teria que ser efectuada antes de Maio de 2016, alegando que os impostos iriam aumentar muito brevemente.
51. No dia … de Abril de 2016, o arguido enviou para o endereço electrónico de BB, a versão final de uma procuração, denominada “Letre de Mission”, conferindo-lhe poderes para actuar em nome e representação do ofendido, que este último assinou e remeteu, via postal, para a morada indicada por AA para esse efeito, ou seja, para a Rua ….., no …...
52. Conforme acordado com o arguido, no dia … .04.2016, BB efectuou uma transferência bancária no montante de € 1.600,00 (mil e seiscentos euros), para pagamento de honorários, para a conta bancária n.º ………..94, do …. Bank, pertencente a AA.
53. Posteriormente, e conforme solicitado pelo arguido, BB transferiu para a conta bancária nº …..…57 da Caixa….., pertencente ao arguido, as quantias que infra se discriminam:
a) No dia … .4.2016, o montante de € 23.781,91 (vinte e três mil setecentos e oitenta e um euros e noventa e um cêntimos);
b) No dia …..04.2016, o montante de € 25.370,99 (vinte e cinco mil trezentos e setenta euros e noventa e nove cêntimos);
c) No dia … .04.2016 o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);e
d) No dia … .4.2016, o montante de € 98.347,10 (noventa e oito mil trezentos e quarenta e sete euros e dez cêntimos).
54. Em data não apurada do mês de Abril, o arguido contactou XX, comercial da referida agência “M.......”, a informar que BB o tinha constituído como conselheiro/consultor para tratar dos assuntos relacionados com o imóvel em causa, tendo também contactado VV, proprietária daquele imóvel, referindo-lhes, além do mais, que o dinheiro da venda do imóvel não devia ser transferido para a conta do Notário ..….., mas sim para uma conta do seu escritório.
55. Assim que BB logrou obter o aval do seu banco ….. para o empréstimo da quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), entrou em contacto com o arguido, tendo acordado com este último que a escritura deveria realizar-se no dia 24.4.2016, ficando o arguido encarregue de tratar de toda as questões com a agência imobiliária, proprietários do imóvel e notário.
56. Porém, a escritura de compra e venda não se veio a realizar, em virtude do banco … não ter elaborado a escritura de constituição da hipoteca do apartamento de BB, em …., tendo este solicitado ao arguido a alteração da data.
57. No final do mês de Maio de 2016, o arguido contactou VV informando-a que não se poderia celebrar a escritura de compra e venda na data acordada no contrato promessa de compra e venda outorgado em 10.03.2016, ou seja, até ao dia 10.06.2016, e que iria efectuar um aditamento àquele contrato, o qual seria posteriormente enviado.
58. Nessa ocasião, VV informou o arguido que o aditamento teria que ser efectuado em cartório notarial e com reconhecimento de assinaturas.
59. O arguido nunca chegou a remeter a procuração na qual o ofendido o constituía como seu procurador, nem os dados para elaboração do aditamento.
60. Não obstante, no dia 6 de Junho de 2016, VV e UU, proprietários do referido imóvel, dirigiram-se ao Cartório Notarial ..…., sito na Rua ….., local onde assinaram o aditamento ao contrato promessa de compra e venda anteriormente celebrado com o ofendido, estipulando como limite para a realização da escritura pública de compra e venda, o dia 29.07.2016.
61. O sobredito aditamento foi remetido pelos promitentes-vendedores a BB, por via postal, que o assinou num cartório em …., onde foi reconhecida a sua assinatura, e posteriormente o remeteu à mencionada agência imobiliária.
62. Em 9.06.2016, BB recebeu um e-mail do arguido informando-o que por motivos de saúde não podia continuar com o processo e que um seu colaborador asseguraria o mesmo, contudo nunca foi contactado por qualquer colaborador.
63. Após várias insistências, e depois de agendar a escritura de mútuo e hipoteca sobre o seu imóvel em …., para o dia 20.06.2016, num Cartório Notarial ..…., BB, enviou um e-mail para o arguido reiterando o pedido de envio da notificação do agendamento da escritura em Portugal para o notário ….
64. Nessa ocasião, o arguido informou o ofendido que havia enviado a dita notificação, o que não correspondia à verdade, porquanto tal documento nunca chegou àquele notário.
65. A escritura de compra e venda do referido imóvel, sito em …..….., nunca se chegou a celebrar, porquanto o arguido nunca diligenciou pela marcação de nova data para a celebração daquela escritura, tal como, não remeteu ao notário …. a missiva de agendamento da escritura em território nacional, conforme acordado.
66. A partir dessa altura o arguido deixou de contactar BB, o qual até à presente data não foi ressarcido dos montantes pagos, ou seja, a quantia global de € 199.100,00 (cento e noventa e nove mil e cem euros).
67. O arguido nunca chegou a entregar qualquer quantia monetária aos proprietários da sobredita residência, sendo que a partir do final do mês de Maio e início do mês de Junho, VV e XX, nunca mais conseguiram entrar em contacto com o arguido.
68. Nos dias seguintes à transferência efectuada pelo ofendido MM, no montante de € 43.500,00 (quarenta e três mil e quinhentos euros), ou seja, no dia 21.11.2014, o arguido procedeu ao levantamento da quantia de € 24.800,00 (vinte e quatro mil e oitocentos euros).
69. No dia seguinte à transferência efectuada pelo ofendido MM, no montante de € 42.900,00 (quarenta e dois mil e novecentos euros), ou seja, no dia 27.11.2014, o arguido procedeu ao levantamento da quantia de € 61.600,00 (sessenta e um mil e seiscentos euros).
70. Nos dias seguintes à transferência efectuada pelos ofendidos EE e FF, no montante de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), ou seja no período compreendido entre os dias 21 de Fevereiro e 25 de Março de 2015, o arguido procedeu ao levantamento, entre outros, das quantias que infra se discriminam:
a) No dia 23.02.2015, levantou a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);
b) No dia 24.02.2015, levantou a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros);
c) No dia 06.03.2015, levantou a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros); e
d) No dia 25.03.2015, levantou a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros).
71. Também nos dias seguintes à transferência efectuada pelos ofendidos EE e FF, no dia 07.04.2015, no montante de € 60.000,00 (cento e sessenta mil euros), o arguido procedeu ao levantamento das quantias que infra se discriminam:
a) No dia 14.04.2015, levantou a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros); e
b) No dia 21.04.2015, levantou a quantia de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros).
72. Nos dias seguintes às transferências efectuadas pelo ofendido BB nos montantes e datas indicados em 53., para a conta n.º …..…57. da Caixa…….., pertencente ao arguido, este último procedeu ao levantamento e transferência, entre outros montantes, das quantias que infra se discriminam:
a) No dia 15.04.2016, levantou a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);
e) No dia 26.04.2016, levantou a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros);
f) No dia 27.04.2016, transferiu a quantia de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), para a conta n.º ……… 76 do …… Banco, titulada pela sociedade “A...... UNIPESSOAL, LDA; e
g) No dia 13.05.2016, levantou a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).
73. A quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), indicada na al. d) do artigo 70.º, deste despacho acusatório, e resgatada daquela conta em 25.03.2015, foi pelo arguido utilizada, nessa mesma data, na aquisição de um veículo automóvel da marca e modelo …, de matrícula ….....-ZJ
74. Para pagamento do referido …., no valor de € 48.500,00 (quarenta e oito mil e quinhentos euros), o arguido entregou a sobredita quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), e o veículo automóvel da marca …., com a matrícula ….-ER-….. (sobre o qual se encontra pendente um inquérito crime em que é denunciado/arguido o ora arguido, AA), avaliado em € 28.500,00 (vinte e oito mil e quinhentos euros).
75. A quantia de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), indicada na al. b) do artigo 71.º, deste despacho acusatório, e resgatada daquela conta em 21.04.2015, foi pelo arguido parcialmente utilizada, no dia 24.04.2015, na aquisição de um veículo automóvel da marca e modelo ….., de matrícula …-PH-….
76. Para pagamento do sobredito …, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), o arguido entregou parte da sobredita quantia no montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), e o veículo automóvel da marca ….., com a matrícula …-FS., avaliado em € 15.000,00 (quinze mil euros).
77. A quantia de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), indicada na al. f) do artigo 72.º, deste despacho acusatório, e transferida daquela conta em 27.04.2016, foi pelo arguido utilizada, nessa mesma data, na aquisição do veículo automóvel da marca e modelo …, de matrícula …-QA-…..
78. Para pagamento do mencionado …., no valor de € 79.000,00 (setenta e nove mil euros), o arguido entregou a sobredita quantia de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), e as quantias de € 15.000,00 (quinze mil euros) e de € 20.000,00 (vinte mil euros), que o arguido pagou, respectivamente, nos dias 06.11.2015 e 12.04.2016 (quantias essas que tiveram origem nos montantes que os ofendidos EE e FF e MM entregaram ao arguido e acima identificadas).
79. AA nunca registou a aquisição daqueles veículos automóveis no seu nome. Designadamente,
80. A viatura de marca e modelo ….., de matrícula ….-ZJ, foi registada no dia 01.04.2015, em nome de AAA, filha da então companheira do arguido, BBB.
81. Em 15.06.2016, e após separação da sua então companheira BBB, o arguido registou a sobredita viatura em nome de CCC.
82. Mediante ordens e instruções do arguido, tal viatura foi posteriormente vendida, através de DDD, à sociedade “J......., Sociedade Unipessoal, Lda.”, pelo preço de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), sendo que o produto da venda reverteu a favor do arguido.
83. A viatura de marca e modelo ……, de matrícula …-PH-….., foi registada no dia 08.05.2015, em nome da então companheira do arguido, BBB.
84. Em 03.08.2015, e após separação da sua então companheira BBB, o arguido registou a sobredita viatura em nome de CCC.
85. Mediante ordens e instruções do arguido, tal viatura foi posteriormente vendida por CCC à sociedade “C........, Lda.”, pelo preço de € 39.000,00 (trinta e nove mil euros), sendo que o produto da venda (à excepção da quantia de € 1.000,00, que ficou na posse de CCC), reverteu a favor do arguido, nas datas que infra se discriminam:
a) No dia 13.08.2015, CCC transferiu a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), para a conta n.º …………94., do …..Bank, pertencente ao arguido;
b) Na mesma data (13.08.2015), CCC transferiu a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), para a conta n.º ………57, da Caixa………, pertencente ao arguido; e
c) No dia 14.08.2015, CCC transferiu a quantia de € 4.000,00 (quatro mil euros), para a conta n.º ………..94, do ……..Bank, pertencente ao arguido.
86. Apesar de ter adquirido o veículo ……, de matrícula …-QA-…., em Novembro de 2015 (data em eu lhe foi entregue aquele veículo, e a partir da qual começou a utilizar o mesmo), à sociedade “A......, UNIPESSOAL, LDA.”, o arguido nunca registou a dita viatura no seu nome.
87. Aliás, depois de efectuar o pagamento integral do preço daquele veículo, em 24 de Abril de 2016, o arguido continuou a manter o registo do mesmo em nome da sobredita sociedade, situação que se manteve até ao dia 08.06.2016 (data em que aquela viatura foi arrestada à ordem destes autos).
88. Ao adquirir os veículos referenciados nos artigos 73., 75. e 77., deste despacho acusatório, agiu o arguido com o intuito de mascarar, convertendo em bens cuja detenção é legítima, a origem ilícita do dinheiro que aplicou nas respectivas compras.
89. Sabia, pois, este arguido, que as sobreditas quantias monetárias resultavam directa e necessariamente de montantes ilicitamente obtidos à custa do património dos ofendidos e, todavia, não se coibiu de, através da aquisição dos sobreditos veículos, proceder à respectiva camuflagem e assim tentar obstar a que fosse conhecida a sua verdadeira natureza e origem.
90. De resto, e por forma a ocultar a aquisição das ditas viaturas e, desse modo, escapar ao controlo das autoridades, o arguido nunca registou a aquisição daqueles veículos automóveis em seu nome.
91. Apesar dos ofendidos EE e FF e BB terem solicitado ao arguido a devolução das quantias entregues, este nunca o fez, causando-lhes um prejuízo total de € 450.600,00 (quatrocentos e cinquenta mil e seiscentos euros) – os ofendidos EE e FF sofreram um prejuízo global de € 251.500,00, enquanto o ofendido BB sofreu um prejuízo no montante total de € 199.100,00.
92. O arguido procedeu à devolução da quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), a MM, dinheiro que proveio dos montantes que lhe foram entregues pelos ofendidos EE e FF e BB.
93. O arguido AA urdiu um plano para se locupletar à custa do património dos ofendidos EE e FF e BB, levando-os a crer que prestava aconselhamento jurídico e fiscal, e que exercia funções como mediador imobiliário na compra de imóveis em território português, o que não corresponde à verdade, já que o mesmo nunca manteve qualquer actividade jurídica e/ou comercial lícita no ramo imobiliário e nunca foi sua intenção concretizar a compra dos referidos imóveis e, deste modo, levar os ofendidos a fazerem pagamentos por conta da aquisição dos ditos imóveis, o que que quis e conseguiu.
94. Aliás, por diversas vezes, o arguido aos ofendidos, sobreditos mediadores imobiliários e proprietários dos imóveis acima indicados, intitulou-se como “Doutor” e “Advogado”.
95. O arguido logrou, do modo acima descrito, induzir os ofendidos em erro, de forma a determinar os mesmos a entregarem-lhe a importância global de € 450.600,00 (quatrocentos e cinquenta mil e seiscentos euros), com o propósito de enriquecer à custa do empobrecimento destes, intentos esses que almejou alcançar.
96. Ao congeminar todo o esquema referenciado para determinar que os ofendidos lhe entregassem as sobreditas quantias, o arguido visou criar como criou junto daqueles a convicção de que se tratava de pessoa credível fazendo-se passar por advogado e/ou consultor, e desse modo obter um benefício patrimonial não permitido.
97. Para melhor prosseguir os seus intentos e aumentar a sua credibilidade junto dos ofendidos o arguido AA constituiu as empresas “Goupe AA….SAS” e “B.........”, que apenas serviram de fachada para melhor lograr os seus intentos.
98. O arguido estava ciente de que se não fosse o engano por si provocado, os ofendidos nunca celebrariam consigo qualquer contrato de prestação de serviços, nem lhe entregariam quaisquer montantes.
99. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que toda a sua descrita conduta era proibida e punida pela lei penal.
Mais se apurou:
AA nasceu em …, país onde o pai se encontrava emigrado e a mãe residia desde a adolescência, sendo ambos de origem portuguesa. O pai dedicava-se ao comércio……, atividade que permitia ao agregado uma situação económica confortável, mantendo-se a mãe, enquanto doméstica, mais dedicada ao cuidado dos filhos.
O seu processo de crescimento foi marcado por um grave acidente de viação sofrido pelo pai, quando tinha cerca de 5 anos. Este acidente, para além de determinar um longo período de internamento e de recuperação, teve influência na dinâmica do agregado, uma vez que a figura paterna se constituía como mais próxima afetivamente, tendo a mãe uma postura mais distante.
Nessa altura, a mãe passou a exercer atividade laboral, de modo a colmatar as necessidades do agregado, face à impossibilidade de o cônjuge trabalhar.
Protagonizou uma adaptação ao contexto escolar dentro de padrões avaliados como normais ao nível da interação com os vários intervenientes na comunidade escolar, frequentando o sistema de ensino até terminar a licenciatura em ciências … .
No entanto, desde a adolescência mantinha atividade laboral com carácter sazonal, enquanto animador na edilidade onde a mãe trabalhava.
Refere ter iniciado atividade empresarial aquando do termo do ensino secundário (1997/98), em regime de sociedade, dedicando-se à comercialização de telemóveis.
Não obstante se ter tratado de uma atividade que caracteriza como muito rentável, o seu termo ocorreu ao fim de um ano e meio, por ausência do sócio para outro país.
Dedicou-se depois aos estudos superiores, na área da gestão.
Em 1999, ocorreu o falecimento do pai, episódio que caracteriza como muito penoso, quer pela perda, quer pelos efeitos a nível familiar, causando inclusivamente o internamento da mãe em unidade especializada.
Esta altura coincidiu com a decisão pessoal de se autonomizar do agregado de origem, por questões de proximidade com a faculdade onde estudava.
Ainda durante o curso, trabalhou enquanto diretor de vendas numa empresa de telecomunicações, o que motivou a sua interrupção durante cerca de 1 ano. Retomou depois os estudos, tendo realizado estágio final numa entidade bancária, onde permaneceu durante alguns meses a trabalhar. Passou depois a trabalhar numa empresa de publicidade e marketing, onde permaneceu até 2006. Neste último ano, tendo adquirido um cargo de direção na empresa, encetou atividade paralela no grupo empresarial de um amigo, no ramo … à qual gradualmente passou a dedicar-se em exclusividade.
Veio a Portugal em 2007, na sequência da doença de uma familiar, altura em que conheceu a aquela que na altura passou a ser sua companheira, o que determinou a sua permanência neste país. Ainda regressou a …. de modo a poder organizar a sua situação laboral, passando depois a residir definitivamente em Portugal.
Menciona-se uma pessoa focalizada na progressão profissional, procurando sempre novos desafios profissionais e oportunidades de negócio, caracterizando a sua atividade como financeiramente rentável, a qual lhe permitiu sempre ter um nível de vida confortável.
Em Portugal refere, numa fase inicial, ter-se dedicado ao apoio à recuperação física e emocional da sua companheira, a qual se encontraria particularmente debilitada na sequência de um processo de divórcio e afastamento dos filhos.
Em 2008, com a constituição de um agregado familiar com a companheira e filhos desta, reingressou no mercado laboral, na área……, experiência que caracteriza como ruinosa a nível financeiro. A nível laboral, dedicava-se a negócios em vários ramos, designadamente……, para além da atividade de uma associação comercial que referia ter criado com o objetivo de promover o contacto entre a oferta e a procura de modo a criar oportunidades de negócio.
O arguido viveu com a companheira até … de julho de 2015 data em que ocorreu a rutura da relação.
O arguido estabeleceu nova relação afectiva em setembro de 2015, sendo que à data afirmava residir na cidade …., mantendo postura evasiva no que referia à sua situação pessoal e, embora tenha contraído matrimónio em outubro de 2015, escusava-se a nomear o cônjuge e quando instado a identificar o seu local de residência, referia não ter domicilio em Portugal, pernoitando em casa de amigos sempre que se deslocava a este pais. O arguido, questionado sobre as razões que o levavam a não coabitar com a mulher, concluiu que a natureza da relação não implicava esta necessidade e/ou obrigação.
Profissionalmente referia desenvolver funções de consultor nas áreas administrativa, fiscal e jurídica, tendo-lhe sido solicitado que identificasse as empresas: “B..…..” e “O.......” e respectivo local de trabalho, em Portugal – Avenida……….
Solicitado a enviar comprovativos dos seus rendimentos, nunca o fez. Descrevia a sua situação económica, como confortável e isenta de constrangimentos, permitindo-lhe um padrão de vida conforme às suas expectativas.
O arguido ficou novamente sujeito à obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica a 2 de junho de 2016, à ordem do processo 180/16….., da 4ª Secção do Tribunal da Relação ….., no domicílio do cônjuge, na rua ….. na cidade ..….., situação que viria a cessar a 15 de junho de 2016.
O arguido viria a por termo à união com o cônjuge, tendo o divórcio ocorrido, segundo referia, em outubro de 2016. Afirmava que numa fase inicial ficou, algum tempo, sem residência fixa, sendo que em julho de 2017 referia ter arrendado um apartamento, tipologias 3, na rua …. – …., sendo que permanecia alguns períodos na cidade de …., afirmado que naquele país possuía uma habitação própria, localizada na rue ….. A nível profissional afirmava manter actividade em …, na sua empresa “B……..”, apesar de nunca ter apresentado qualquer tipo de comprovativo. Referia que a sua subsistência era assegurada com recurso a rendimentos que auferia no exercício da actividade profissional e de uma herança, segundo o próprio informou na altura.
No âmbito do processo 407/12…… o arguido esteve em acompanhamento com estes serviços da DGRSP de 16 de junho de 2014 a 16 de dezembro de 2018, sendo que deste período resulta que: “…. assumiu um posicionamento de coloração mínima com esta DGRSP. Manteve comparência a entrevista que alternou com períodos em que manteve um comportamento de absentismo e de ausência de contacto com as equipas da DGRSP- …. e …….” e ainda “…assumiu, tendencialmente um posicionamento de desresponsabilização e de reduzida consciência da sua situação jurídico-penal, o que se traduziu no seu comportamento de absentismo, na ausência de comprovativos… na informação da alteração da residência, assim como das deslocações para o estrangeiro.” Sendo também concluído que “..Registou dificuldades em cumprir o Plano de Reinserção Social………”.
Dos antecedentes criminais
No âmbito do processo n.º 6942/09…., foi o arguido AA condenado por sentença transitada em julgado em 10.09.2012, pela pratica em … .01.2009 de um crime de emissão de cheque sem provisão na pena de 30 dias de multa à razão diária de €5,00.
No âmbito do processo n.º 407/12…., foi o arguido AA condenado por decisão transitada em julgado em 16.06.2014, pela pratica em … .07.2010 e 09.03.2012, de um crime de burla qualificada na forma tentada e cinco crimes de falsificação ou contrafacção de documento, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo.
No âmbito do processo n.º 499/10…., foi o arguido AA condenado por decisão transitada em julgado em 02.10.2014, pela prática em … .08.2010, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 190 dias de multa à razão diária de €5,00.
No âmbito do processo n.º 1830/12…., foi o arguido AA condenado por decisão transitada em julgado em 23.06.2015, pela prática em … .08.2012, de dois crimes de burla simples, na pena única de um ano e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Do pedido de indemnização civil
Para além dos prejuízos supra descritos, o demandante sofreu incómodos advenientes da prática dos factos pelo arguido, tendo-se sido diagnosticada uma depressão em 2016 e estando a ser medicado com antidepressivos.
Da Liquidação do Património Incongruente.
1.Pela prática dos factos descritos, e respectiva qualificação jurídica, AA foi formalmente constituído como arguido a 8 de Junho de 2016.
2.O arguido AA (titular do bilhete de identidade n.º …… e NIF …..), utilizou as seguintes identificações:
- AA, com o passaporte n.º ….. (emitido pelas autoridades …..), o NIF … e o cartão de cidadão n.º …..;
- AA, com o passaporte n.º ….. (emitido pelas autoridades ….), o NIF …. e cartão de cidadão n.º …..;
- EEE (correspondente à identidade do irmão do arguido), com o passaporte … (emitido pelas autoridades portuguesas), o NIF …. e o cartão de cidadão n.º …..; e
- AA, com o passaporte …… n.º ….. e o NIF …….
3. No período compreendido entre os anos de 2011 a 2016 o arguido constituiu e possuiu participações sociais nas seguintes sociedades:
- Ap..........., Lda., NIPC ….., sociedade por quotas constituída em 02.11.2010, com o capital social de € 200.000,00, por AA e EEE;
- I…....., Lda, NIPC ….., sociedade por quotas constituída em 21/11/2010, com capital social de 7.745.000,00€, por AA (€ 7.000.000,00) e EEE (745.000,00€);
- B....., Unipessoal Lda, NIPC ……, sociedade por quotas constituída a 07/03/2012, com capital social de 100.000,00€, por AA;
- Groupe AA….. SAS, NIPC ….. …… RCS ……, constituída em …. a 05.12.2013, com o capital social de € 285.450,00, titulado por AA, registada em território nacional como “entidade estrangeira para efeitos de prática de acto isolado em Portugal”, tendo-lhe sido atribuído o NIPC português ……, figurando como representante o arguido.
- C........, Unipessoal Lda, NIPC ……, sociedade por quotas, com o capital social de € 5.000,00, constituída a 25.02.2009. por AA; e
- B……, NIPC …….., representada por AA.
4. Durante os cinco anos que antecederam a sua constituição como arguido, e tomando em consideração as identificações por si utilizadas e devidamente discriminadas em 2., AA obteve rendimentos que consequentemente apresentou perante a administração tributária, e/ou foram apurados de forma oficiosa pela administração tributária, auferindo o seguinte rendimento lícito, no montante global de € 77.058,01.
5. Apenas as sociedades A......., Lda. e B.....,Unipessoal Lda, obtiveram rendimentos, cujo montante foi apurado de forma oficiosa pela Administração Tributária, no montante total de € 14.499,48.
6. Durante os cinco anos que antecederam a sua constituição como arguido, AA juntamente com as sobreditas sociedades, obteve rendimentos que consequentemente apresentou perante a administração tributária, e/ou foram apurados de modo oficioso, auferindo o seguinte rendimento lícito disponível, no montante global de € 91.557,49.
7. O arguido AA entre o ano de 2011 e 2016 possuiu um património composto por bens móveis, participações sociais, depósitos bancários e produtos financeiros.
8. O arguido possuía ainda diversas contas bancárias nas instituições Caixa….., ….. Banco, Banco B…….., S.A., Banco B………), S.A., ….. Bank, ……Bank, …… Bank, ……Bank, S.A., Caixa ………, e Banco C……, S.A..
9. Nas sobreditas contas bancárias foram verificados movimentos/entradas a crédito resultantes de transferências credoras e depósitos em numerário, no valor global de € 544.096,80 (quinhentos e quarenta e quatro mil e noventa e seis euros e oitenta cêntimos), já expurgadas as situações de estorno e transferências entre contas analisadas do arguido, conforme dados constantes da tabela junta a fls. 735, do vol. III do apenso de Recuperação de Activos, sendo que se logrou proceder à apreensão do saldo bancário existente na conta n.º …….34, do Banco B….., titulada pelo arguido, no montante de € 46.594,90.
10. Entre 2011 e 2016 o arguido através das referidas identificações e das sobreditas sociedades, adquiriu ainda os veículos automóveis infra discriminados, pelo valor patrimonial global nunca inferior a € 275.045,00, tendo procedido à alienação de todos os veículos, à excepção do veículo ….., que se encontra arrestado à ordem dos autos:
11. O arguido possui ainda os seguintes bens móveis, com o valor global de € 17.497,50 (dezassete mil quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos), que foram apreendidos à ordem dos presentes autos, nos locais infra discriminados
2. FACTOS NÃO PROVADOS
O arguido AA urdiu um plano para se locupletar à custa do património do ofendido MM, levando-o a crer que prestava aconselhamento jurídico e fiscal, e que exercia funções como mediador imobiliário na compra de imóveis em território português, o que não corresponde à verdade, já que o mesmo nunca manteve qualquer actividade jurídica e/ou comercial lícita no ramo imobiliário e nunca foi sua intenção concretizar a compra do referido imóvel e, deste modo, levar o ofendido a fazer pagamentos por conta da aquisição do dito imóvel, o que que quis e conseguiu.
O arguido logrou, do modo acima descrito, induzir o ofendido MM em erro, de forma a determinar o mesmo a entregasse a importância global de € 87.900,00 (oitenta e sete mil e novecentos euros), com o propósito de enriquecer à custa do empobrecimento deste, intentos esses que almejou alcançar.
Ao congeminar todo o esquema referenciado para determinar que o ofendido MM lhe entregasse as sobreditas quantias, o arguido visou criar como criou junto daquele a convicção de que se tratava de pessoa credível fazendo-se passar por advogado e/ou consultor, e desse modo obter um benefício patrimonial não permitido.
Os factos atinentes ao pedido de indemnização civil que acima não constam como provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
No que concerne aos factos provados, baseou-se o Tribunal na prova documental e testemunhal que foi feita em audiência de discussão e julgamento.
De facto, no que se reporta ao arguido, o mesmo não compareceu em julgamento, pelo que não foi possível ouvir a sua versão dos factos.
No entanto, no que se à restante prova, o Tribunal iniciará com a prova transversal a toda a acusação, seguindo depois por crime/ofendidos a fim de facilitar a esquematização e apreensão da mesma.
Assim,
No que se reporta à prova que abarca transversalmente toda a acusação, foi tido em atenção:
- A testemunha FFF, Inspector da Policia Judiciaria, que confirmou o teor de o relatório do GRA por si elaborada e a prova que se socorreu para elaborar tal relatório.
- A testemunha GGG, Inspectora da PJ, que igualmente confirmou toda a investigação e toda a prova carreada para os autos. A título de exemplo, referiu que o arguido não tinha quaisquer rendimentos que não os efectuados com estes negócios (com base em toda a pesquisa efectuada às bases de dados usuais e bem assim com base nos relatórios de vigilância junto aos autos), sendo que o dinheiro que recebia dos ofendidos através de transferência bancaria eram imediatamente levantados ou transferidos para outra conta bancaria titulada pelo arguido. Acrescentou ainda que o dinheiro que o arguido terá devolvido ao ofendido MM foi o dinheiro entretanto entregue pelo ofendido BB. Ainda referiu que no que se reporta aos contratos de compra e venda dos veículos automóveis, muito embora os carros estejam em nome de terceira pessoa (companheira e filha da companheira) facto é que os contratos de venda estão assinados pelo arguido.
- A testemunha HHH, empresário, que referiu conhecer o arguido de terem efetuado 3 negócios juntos. Como possui um stand de automóveis, vendeu um veículo …. ao arguido por €74.000,00 e já tinha vendido um ….. e ainda um outro .... Confirmou as transferências bancarias e cheques que se encontram junto aos autos para compra dos mesmos, sendo que concretizou que as compras foram efectuadas com retomas de outros veículos.
- A testemunha III, referiu não conhecer o arguido. Apenas sabe que adquiriu um …. que estava em nome do arguido. Como o negócio tinha o valor de €38.000,00, fez o que lhe foi pedido na altura, uma transferência de €11.000,00 para o Dr. JJJ e um cheque de €27.000,00 para o AA.
- A testemunha BBB, ex-companheira do arguido, referiu que quando iniciou a relação ele deixava transparecer que tinha muito dinheiro e que trabalhava no comércio de veículo, que tinha clientes em …. e um restaurante. Desconhece qualquer propriedade de veículo em seu nome ou em nome da sua filha AAA sendo que nunca assinou nada.
- A testemunha LLL, representante da joalharia ….., que confirmou as faturas dos relógios …. que se encontram junto aos autos, ainda que não tenha sido o próprio a atender o cliente.
Em concreto,
Foi tido em atenção,
- O Ofendido EE, que referiu ter visto no jornal «C.....» uma publicidade do arguido, sendo que o contactou. O arguido apresentou-se como gerente de uma sociedade do tipo «compra e venda de propriedades». No início contactou para tratar da parte administrativa dos documentos a fim de poder residir em Portugal. Após o ofendido ter encontrado um apartamento que lhe interessou junto a uma imobiliária (cujo proprietário era II), o ofendido contratou o arguido para que este tratasse da compra (pois que ele falava ……). O arguido terá então pedido para fazer todas as transferências para a conta que indicou, o que foi aceite pelo ofendido. Assim procedeu às transferências que constam dos autos em tranches de €160.000,00, €60.000,00 e três de €10.000,00, sendo que estas ultimas era só para depositar na conta nem sequer eram para aquisição do apartamento, mas sim para, quando aqui residisse, já tivesse dinheiro em Portugal. Foi marcada escritura publica em Abril de 2015 e na véspera, o arguido terá dito que não podia pois estava de luto. Foram feitas mais tentativas de marcação, porem a escritura nunca foi efectuada e o ofendido nunca recebeu o dinheiro de volta. Nem sequer soube qual seria o montante dos honorários do arguido pois ele desapareceu, nunca mais conseguiu falar com ele, sendo que o dinheiro nunca lhe foi devolvido. Por fim, confirmou todos os documentos que já havia entregue nos autos.
- A testemunha II, dono do imóvel sito na Travessa ….., referiu conhecer o arguido AA pois ele apresentou-lhe potenciais clientes para a compra do seu apartamento. Tratavam-se de uns senhores ….. que queriam adquirir o apartamento pelo preço de €180.000,00. Recebeu um sinal de €5.000,00 através de transferência bancaria do arguido AA. Esteve três vezes com os senhores …. que não falavam português e tinham bastante idade e foi o arguido que marcou a escritura. Num dos dias em que foi marcada a escritura publica, o arguido apareceu e disse que tinha o dinheiro numa mala e que pagava em dinheiro, como o depoente pediu para irem ao Banco contar o dinheiro pois que era uma quantia muito elevada, o arguido recusou-se e não fizeram a escritura. Ainda tentou marcar nova data para escritura mas o arguido nunca mais atendeu qualquer telefonema e nunca mais apareceu.
- A testemunha MMM, agente imobiliário que tratava da venda do imóvel do anterior depoente II, referiu que o casal de … gostou do imóvel do II e apresentou-lhe o arguido como o seu representante em Portugal. Acompanhou o processo de venda mas não lidou directamente pois não falava …, pelo que foi a sua colega GG que tratou do assunto. Tratava-se de um apartamento T2, sendo que o comprador terá pago de sinal cerca de €10.000,00 através de transferência, o que parte foi para o vendedor. Não foi feita escritura pública, pois, o arguido, das vezes em que estavam marcadas, apresentou sempre justificação para não comparecer, sendo que era o próprio que impunha o dia, hora e local para a sua celebração. Por fim, referiu que o arguido se apresentou como advogado e gestor de negócios em Portugal ao casal …..
- A testemunha GG, agente imobiliária, referiu que inicialmente o ofendido EE apresentou-se como cliente, encontrou um imóvel que gostava e só depois apresentou o arguido AA como seu procurador, sendo que o arguido disse que tudo passaria por ele e por isso a depoente não tinha o direito de entrar em contacto directamente com o ofendido. Acordaram o preço de €185.000,00 pelo imóvel da testemunha II. Refere que desde aí, o arguido adiou sempre o negocio. Foram duas ou três vezes ao notário, sendo que apenas existiu uma transferência de dinheiros para pagamento do sinal e da comissão da imobiliária. Mais tarde, soube pelo ofendido que este terá dado o montante de €251.500 euros total ao arguido, sendo que viu os documentos das transferências bancarias.
- O ofendido MM, referiu ter conhecido o arguido em 2014 através de um jornal … «L……» que ajudava as pessoas que se queriam estabelecer em Portugal. O arguido ajudou-o e forneceu as informações necessárias para ser residente não habitual em Portugal e igualmente tratou-lhe do numero de identificação fiscal. Assinou com o arguido uma «letre de mission», a 21.10.2014, sendo que pagou logo através de transferência bancaria a quantia de €1600,00. Como queria adquirir uma casa em Portugal, através da Agencia Q......., encontrou a casa que queria, sendo que informou o arguido da casa que pretendia adquirir. O arguido referiu que tinha que fazer uma transferência imediata de €43.600,00 o que o ofendido efectuou para a conta que o arguido de disse a 17.11.2014. A 25.11.2014, o arguido pediu-lhe mais €42.900,00, o que o ofendido transferiu para a conta que o arguido lhe disse pois, segundo o arguido, o vendedor estava a pedir tal quantia. Como apresentou queixa a 5.04.2016, o advogado do arguido entrou em contacto com o advogado do ofendido e pediu para retirar a queixa em troca da devolução do dinheiro o que foi efetuado, pelo que apenas lhe falta receber a quantia de €7800,00 que seriam honorários do arguido e do advogado entretanto contratado.
- A testemunha RR, proprietário do imóvel que o ofendido MM pretendia adquirir, referiu que apenas viu o arguido uma vez, sendo que acordou a venda do imóvel por €408.000,00. Quando falou com o ofendido MM, este ter-lhe-á referido que já havia pago parte do imóvel ao arguido, sendo que o depoente não recebeu nada. Acabaram por fazer negócio na mesma posteriormente, a propriedade já foi transferida para o ofendido e este falta-lhe pagar €84.000,00 por conta do mesmo.
- O ofendido/Assistente BB referiu que conheceu o arguido num Salão Imobiliário em Junho de 2015. Na altura disse ser um «homem das leis» e que podia fazer todo o processo administrativo. Entregou-lhe um cartão e visita e um panfleto com os seus serviços (que se encontra junto aos autos). Encontrou uma casa que queria adquiri em …. O preço era €285.000,00, falou co os proprietários da casa e fizeram o contrato promessa de compra e venda a 12.03.2016. Só depois contratou o arguido. Efectuaram uma «letre de mission» e o ofendido aceitou a procuração e efetuou uma transferência de €1800,00 para despesas e honorários. Transferiu posteriormente quatro parcelas em dinheiro num total de €197.500,00 que o AA disse para transferir para a sua conta pois ele transferia posteriormente para o proprietário da casa. Não efetuaram qualquer escritura pois o dinheiro nunca foi entregue aos proprietários e por isso mesmo o ofendido também parou o processo de empréstimo do restante montante. Pediu a devolução do dinheiro ao arguido, o que este ainda assentiu por e-mail. No entanto nunca devolveu qualquer dinheiro e nunca mais conseguiu entrar em contacto com ele.
- A testemunha VV, proprietária do imóvel cujo ofendido BB pretendia adquirir, referiu ter estado com o ofendido duas vezes, sendo que o valor do imóvel era de €285.000,00. Fizeram um contrato promessa de compra e venda e o ofendido entregou-lhe €5.000,00. No decorrer do prazo e já apos a assinatura do contrato promessa, o arguido AA apareceu e identificou-se como conselheiro do ofendido BB. Ligou para pedir os documentos, e a depoente enviou um e-mail com as plantas e fotografias das mobílias que havia solicitado. Só sabe que o negócio não se concretizou pois inexistiu mais entrega de dinheiro nem escritura publica de compra e venda. Não sabe se o ofendido entregou dinheiro ao AA mas sabe que não recebeu nada do arguido.
No que se reporta à prova documental, foi tido em atenção:
No que se reporta aos factos que se subsumem ao crime de burla qualificada e que têm com ofendido EE,
(apenso B)
- Copia do anúncio colocado pelo arguido de fls. 20.
- Correspondência trocada entre arguido e os ofendidos de fls. 21 2 22.
- A “Letre de Mission” de fls. 24 e seguintes assinada pelos ofendidos a conferir poderes ao arguido.
- E-mail com o número de IBAN ……...69. enviado pelo arguido ao ofendido para que os mesmos efetuem as transferências.
- Contrato promessa de compra e venda de fls. 27 e seguintes, onde se refere que o valor da venda do imóvel é de 170.000,00 e que no acto do presente contrato promessa entregam a título de sinal a quantia de €10.000,00.
- Correspondência através de e-mails trocados entre arguido e ofendido de fls. 29 e seguintes.
- Ordem de transferência do ofendido a favor da conta indicada pelo arguido e referida supra nos montantes de €160.000,00 e de €60.000,00, de fls. 30.
- Ordem de transferência de €2500,00 para a conta bancaria do arguido AA, de fls. 34
- Carta redigida pelo ofendido ao arguido de fls. 35;
- Carta redigida pelo arguido ao ofendido e mulher de fls. 36;
- Documentos originais das transferências entregues pelos ofendidos de fls. 58 e seguintes;
- Transferência de €5000,00 efectuada a favor do proprietário do imóvel, II, de fls. 123;
- Missiva do arguido AA para o proprietário II de fls. 124 a pedir o dobro do sinal por falta de celebração da escritura publica por motivo imputável ao vendedor.
- Missiva do arguido ao vendedor a marcar data para realização da escritura publica de compra e venda de fls. 125;
(autos principais)
- Informação da propriedade que o ofendido MM e mulher querem adquirir de fls. 10 e seguintes,
- E-mail enviado pelo ofendido para a Agência Imobiliária C......., de fls. 28 e 29;
- E-mail do ofendido para a Agência Imobiliária referida a dar conhecimento da “Letre de Mission” assinada pelo ofendido a dar poderes de representação ao arguido;
- Letre de Mission de fls. 33 e 543, assinada pelo ofendido MM em 21.10.2014, onde consta que a título de honorários seriam cobrados pelo arguido uma base de €2500,00 acrescido de impostos, sendo que pela abertura do dossier teria que efetuar uma transferência de €1500,00.
- E-mail do ofendido de fls. 39, dirigido à Agência Imobiliária com o comprovativo da transferência efectuada pelo mesmo a 15.11.2014, da quantia de €43.500,00, para a conta ………..69., titulada pelo arguido;
- E-mail de fls. 40, datado de 28.11.2014, enviado pelo arguido ao ofendido a referir que a procuração ficava sem efeito e que os seus honorários era de €3400,00.
- Informação do Banco de Portugal de fls. 79, sobre as contas do arguido, onde é confirmado que o IBAN para o qual o ofendido BB efectuou a transferência bancaria é titulado pelo arguido.
- Informação do Banco B…….. de fls. 81 e seguintes onde consta que a conta é titulada pelo arguido.
- Extracto dos movimentos bancários da conta titulada pelo arguido no Banco B…., de fls. 84 e seguintes, onde consta as transferências do ofendido MM de €1500,00, datado de 03.11.2014, de €43.500, datado de 18.11.2014, de €42.900,00 datado de 26.11.2014 e o subsequente levantamento de todo o dinheiro nos dias seguintes.
As transferências do ofendido EE
De €1.500,00, datada de 04.12.2014,
De €2.500,00, datada de 20.01.2015,
De €160.000,00, datada de 20.02.2015
E o subsequente levantamento de €60.000,00 nos 15 dias seguintes.
- Apreensão do saldo bancário de fls. 168/233
- Ficha do Registo Automóvel do Veículo …. de matricula …-PH-….. em nome de BBB de fls. 193, 1003 e 1371;
- Certidão permanente da empresa «A…., Lda» de fls. 194 e 688;
- Informação da AT em relação ao arguido de fls. 285 e seguintes;
- Comprovativos de entrega de IRC das empresas do arguido de fls. 330 e seguintes;
- Informação Bancaria do Banco B…… de fls. 356 e seguintes, 362 e seguintes e 552 e seguintes
- Informação sobre a Feira de Congressos e Eventos em que o arguido participou, de fls. 430 e seguintes.
- Fatura da Camara de Exposições de fls. 446 em nome de “O….....”
- Informação/conta de fls. 570 da PJ
- Certidão permanente da empresa «S….., Lda» de fls. 664
- Certidão permanente da empresa «B…….. Unipessoal» de fls. 702 e seguintes;
- Mapas dos veículos automóveis relacionados com o arguido de fls. 702 e seguintes
- Analises dos documentos relativos aos veículos de fls. 822;
- Ficha de Registo Automóvel do veiculo …. de matricula …-QA-…, de fls. 1032 e seguintes, cujo tomador de seguro é o arguido.
- Informação da sociedade S…...... titulada pelo arguido de fls. 1041;
- Informação do Gabinete de Recuperação de Activos da PJ de fls. 1052 e seguintes;
- Informação do GRA de fls. 1080 a referir que as contas tituladas pela empresa «C….….., Lda» são movimentadas pelo arguido;
- Contrato de aluguer de cofre na Caixa….. pelo arguido elaborado em 24.02.2015, de fls. 1123.
- Contrato de aluguer de cofre no Banco B…… em nome do irmão do arguido elaborado em 14.10.2010, de fls. 1131.
- Movimentos de conta (…..……57) do arguido na Caixa…….. de fls. 1136 e seguintes, onde consta Transferências para a conta de €1537,5 efectuada em 08.07.2015, pelo ofendido EE, de €2152,5 efectuada em 10.07.2015, pelo ofendido EE, de €2460,5 efectuada em 17.07.2015, pelo ofendido EE, de €738,00 efectuada em 21.07.2015, pelo ofendido EE, de €1.000,00 efectuada em 28.07.2015, pelo ofendido EE, de €1.000,00 efectuada em 03.08.2015, pelo ofendido EE,
Levantamentos de numerário de €5000,00 efectuada em 07.09.2015; - de €5000,00 efectuada em 09.09.2015; - de €1000,00 efectuada em 11.09.2015; - de €1000,00 efectuada em 21.09.2015; - de €2000,00 efectuada em 21.09.2015; - de €3000,00 efectuada em 23.09.2015
de €7700,00 efectuada em 24.11.2015; - de €500,00 efectuada em 21.01.2016 transferências da conta em causa para ….. de €8131,00 SBC de €5000,00
Para a conta titulada pelo arguido (segundo informação do Banco de Portugal de fls. 1167) de €25.000,00, em 04.08.2015
- Informação da PJ de fls. 1172 com a confirmação que é o arguido AA que utiliza usualmente o veículo …….
-E-mails enviado pelo arguido ao ofendido MM de fls. 1184 e seguintes;
- Reportagem fotográfica ao veículo …… de fls. 1207;
- Reportagem fotográfica do Hotel …. e do veículo automóvel ….. de fls. 1216;
- Certidão permanente de fls. 1283 e 1373 da empresa «A……., Unipessoal Lda», cuja gerência está a cargo de HHH;
- Relatos de diligencia externa de fls. 1289 e seguintes e de fls. 1377 e seguintes onde é confirmado que o arguido conduz regularmente o …..-QA- …….
- Relato de diligência externa de busca de fls. 1481;
- Auto de busca e apreensão de fls. 1495 e respectiva reportagem fotográfica de fls. 1500 e seguintes.
- Relato de diligência externa à empresa «B…...B…...» de fls. 1505 e seguintes;
- Auto de busca e apreensão de fls. 1510 e seguintes e respectiva reportagem fotográfica de fls. 1513 e seguintes;
- Contrato de subarrendamento da empresa B…...B…... de fls. 1522;
- Auto de busca e apreensão de fls. 1581 (Cofre)
- Relato de diligência externa de fls. 1606 (Arresto do veiculo …..)
- Auto de apreensão do veículo de fls. 1607;
- Auto de exame directo de fls. 1628;
- Auto de exame directo ao veículo …… de fls. 1675;
- E-mail do ofendido BB enviado à PJ de fls. 1727;
- Aditamento ao contrato promessa de compra e venda do arguido BB de fls. 1734;
- Contrato de mediação imobiliaria de fls. 1731 do imóvel do ofendido BB;
- Plantas do imóvel que o ofendido BB queria adquirir de fls. 1741 e seguintes
- Imagens extraídas da Plataforma Facebook da mulher do arguido de fls. 1762,
- Consulta à base de dados da segurança social de fls. 1809;
- Auto de busca e apreensão de fls. 1920 ao Cofre Caixa…….
- Extracto da conta do Banco B…… titulada pelo arguido AA onde se verifica o deposito de €60.000,00 do ofendido EE e o levantamento de €67.500,00 e de €10.000,00 nos 15 dias subsequentes.
- Auto de apreensão de fls. 2026 (Veiculo …)
- Cópia do cheque do montante de €64.000,00 a fls. 2065 emitido pelo arguido em nome da sociedade «A......, Unipessoal LDA»
- Cópia do cheque de fls. €15.000,00 a fls.2066 emitido pelo arguido em nome da sociedade «A......, Unipessoal LDA»
- E-mail de fls. 2088 e 2096, enviado pelo arguido (em nome da empresa B……., empresa que não se encontra registada nem em Portugal ou … conforme pesquisa efectuada) ao ofendido BB;
- Extracto da conta à ordem do arguido AA na Caixa…… de fls. 2100 e seguintes, onde constam as transferências de BB - €23.781,91, a 15.04; - €25.370,00, a 20.04; - €50.000,00, a 22.04; - €98.347,10, a 25.04
E bem assim a transferência da conta para a empresa «A……..» de €44.000,00, no dia 27.04.
E retirada da conta de €100.000,00 através de cheque a 02.06.2016.
-E-mails do arguido a fls. 2138 e seguintes, enviados ao ofendido a 09.06.2016 a informar que não o poderá continuar a representar e por isso mesmo irá proceder à restituição dos fundos monetários.
- Informação da …. de fls.2182 e respetiva documentação onde consta a compra do ….. de matrícula …-PH-….. pelo preço de €39.000,00 por parte da ……. (…..) e entrega da quantia ao proprietário registado, ou seja, CCC.
- Informação bancaria da conta titulada pelo ofendido BB onde consta a transferência dos montantes referidos para a conta do arguido de fls. 2200 e seguintes.
- E-mails trocados entre arguido e o ofendido BB de fls. 2206 e seguintes.
- «Letre de Mission» assinada pelo ofendido BB a fls. 2217 e seguintes.
- Pedido de restituição das quantias entregues ao arguido por parte do ofendido BB de fls. 2235;
- Brochura da empresa S……, de fls. 2242 e seguintes, empresa essa não registada em Portugal.
- Extracto Bancário de fls. 2362, da conta de CCC, onde consta o deposito de €39.000,00 da .….., por conta do veiculo ….. vendido (a 13.08) e a transferência imediata efectuada para a conta do arguido de €30.000,00 e mais duas transferências no valor de €4000,00 cada uma para uma conta Banco….que é titulada igualmente pelo arguido (conforme consta de fls. 2440)
- Extracto da Conta ….. Bank de fls. 2442 e seguintes titulada pelo arguido com as entradas de dinheiro entre as suas contas (22.01 de €25.000,00 e 24.09 de €10.000)
- Registo Bancário de fls.2464
- Requerimento de desistência de queixa do ofendido MM de fls. 2476 em virtude de lhe ter sido restituído a quantia de €80.000,00
- Avaliação de fls. 2504 do veículo ……..
- Contrato de compra e venda do veículo ……. de fls. 2514, pago através de cheque no valor de €64.000,00 (06.11) e de cheque no valor €15.000,00 (21.12.2015), cuja copia consta de fls. 2516 e devolução do cheque no valor de €64.000,00, de fls. 2522;
- Factura do veículo automóvel no valor de €79.000,00, de fls. 2525;
- Cópia do requerimento do registo automóvel do veiculo …. titulada pela testemunha BBB e respectivo título de registo de propriedade de fls. 2536 e seguintes
- Factura do veiculo …… de matricula ….-ZJ., no valor de €48.500,00, datado de 27.03.2015, em nome de AAA, com o pagamento efectuado em numerário por duas tranches, ou seja, €20.000,00 em numerário e €28.500 em retoma de outro veiculo.
- Factura do veículo …. de fls. 2558, de matricula …-PH-…, no valor de €50.000,00, em nome de BBB.
- Tradução dos documentos entregues pelos ofendidos aos autos e supra referidos de fls.2561 e seguintes;
- Auto de exame e avaliação de fls. 2662 (Relógios ….)
- Factura emitida pela empresa ….., datada de 11.04.2015, com o pagamento de €12.850 em numerário por um relógio da marca ….. em nome do arguido.
- Fotografias da reparação de outro relógio de marca ….. de fls. 2687 e seguintes
- Auto de exame de fls. 2693
- Fotografias dos objectos apreendidos de fls. 2717
- Auto de exame directo de fls. 2769
- Auto de exame directo de fls. 2827 e 2833
- Requerimento de registo automóvel de fls. 2848 e seguintes
- Procuração emitida a favor do arguido pelo ofendido MM de fls. 2871
- Procuração emitida a favor do arguido pelo ofendido EE de fls. 2876 e seguintes
- Registo automóvel de fls. 2893
- Declaração de fls. 2899 onde é declarado que o arguido entregou o veículo …-PH-…. para venda a CCC
- Declaração de fls. 2900, onde CCC declara que vendeu o veículo …-PH-.... à C……, pelo preço de €39.000,00
- Factura da compra do veículo pela C…….. de fls. 2901
- Ordem de transferência bancaria do ordenante CCC para a conta do arguido AA no montante de €34.000,00.
- Movimentos de conta do arguido de fls. 2908 e 2911, a confirmar a entrada dos montantes referidos.
- Auto de diligência de fls. 2969
- Movimentos bancários do Banco B….. da conta titulada pelo ofendido EE de fls. 3147
- Tradução da correspondência trocada entre o ofendido EE e o arguido de fls. 3169 e seguintes
- Ficha de Registo automóvel do veículo …., onde consta que a testemunha AAA foi proprietária do veículo automóvel durante dois meses e meio;
- Histórico dos contratos de seguro dos veículos de matrícula …..-ZJ. (fls. 3203) e … (fls. 3204)
- Extracto da Conta Cartão de fls. 3268 da Caixa….. titulada pelo arguido.
- Documentos apresentados pelo demandante a fls. 4348 e seguintes.
Apenso VI – Volumes I/II/III - Documentos originais apreendidos na Busca realizada na BOX/armazém 1107, subarrendado a AA
Apenso VII – Documentos originais entregues pela empresa «A….., Unipessoal Lda.», relativos aos veículos ……-ZJ e …-PH- ….
Apenso VIII – Documentos apreendidos no cofre n.º 37 em nome do arguido na Caixa….…..
Apenso IX – Documentos que se encontravam no interior do veiculo … aquando da apreensão do mesmo.
Informação e Relatório Final da Perda Ampliada dos bens e vários anexos com informação patrimonial e financeira do arguido e nomes utilizados pelo arguido e bem assim das empresas por si geridas e das pessoas que lhe eram próximas. Todos os documentos constantes do apenso de recuperação de Activos, e dos seus anexos, nomeadamente: elementos recolhidos junto das bases de dados da AT; elementos recolhidos junto das bases de dados do IRN; todos os elementos bancários recolhidos junto das instituições bancárias juntos aos autos e do apenso de recuperação de activos (vol. I a III, anexos 1 a 16.1 e A), e respectivos mapas de tratamento da informação recolhida pelo GRA para prova do património incongruente.
Ora, aqui chegados, com base na prova supra (que considerou o Tribunal bastante clara e assertiva no que se reporta à prova testemunhal corroborada pela prova documental igualmente referida) o Tribunal deu como provado que o intuito do arguido era ficar com o dinheiro que seria para entregar aos proprietários, colocando-os em erro – o que se pode retirar através dos inúmeros e-mails enviados e recebidos e transferências bancarias referidas supra, sendo que não pretendia, nem entregar aos vendedores nem devolver aos compradores.
No que se reporta aos montantes, os mesmos foram dados como provados pelos e-mails enviados e transferências efectuadas (que não foram colocados em causa e foram confirmados pelos ofendidos), juntamente com os e-mails enviados pelo arguido (que também por este não foi posto em causa e igualmente foram confirmados pelos ofendidos).
Finalmente, foi ainda tido em atenção o Certificado de Registo criminal do arguido, junto aos autos e o relatório social que por provir de entidade isente logrou convencer o Tribunal.
Já no que se reporta ao elemento subjetivo dos factos atinentes ao crime que teve como ofendido MM, o Tribunal não deu o mesmo como provado, face à pronta devolução dos montantes em causa e respectivos e-mails trocados entre arguido e ofendido, o que deixa antever a possibilidade de um mero incumprimento contratual (sendo que a duvida beneficia o arguido) o que é dirimido em sede civil e não crime.
Igualmente os restantes factos do pedido de indemnização civil não se encontram provados, pois em relação a eles nenhuma prova foi produzida em audiência de discussão e julgamento.”
§2.(B). DE DIREITO.
§2.(B).(i). – ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CRIME DE BURLA.
Esgrime, o arguido, a sua discordância pela condenação pelo crime de burla, por incompletude da verificação de um elemento (essencial) da materialidade ilícita do crime de burla, a saber a astúcia. (“(…) a astúcia exigida para o preenchimento do tipo legal não pode resumir-se ao convencimento de que a outra parte vai cumprir a sua prestação no contrato.”)
Para que se possa aferir da questão que nucleariza o tema dissidente posto em tela de juízo, importará esquiçar os elementos definidores que recortam e delineiam o tipo de ilícito que constitui o imo divergente que passa pelo fundamento do recurso.
Anton Oneca configura o conceito de burla como “a conduta enganosa, com ânimo de lucro, próprio ou alheio, que, determinando um erro numa ou em várias pessoas, as induz a realizar um acto de disposição em do qual decorre um prejuízo no seu património ou no de terceiro” (tradução nossa). Já J.A. Choclán Montalvo, na monografia “El delito de Estafa”, define burla como aquele comportamento do sujeito activo que, com ânimo de enriquecimento injusto, induz outro a uma disposição patrimonial mediante a alegação de factos falsos ou ocultação dos verdadeiros, produzindo ou reforçando a falsa representação do sujeito passivo, inevitável com o emprego da diligência que era capaz e exigível na situação concreta, e da que resulta um prejuízo no seu património. [Vide neste sentido Francisco Muñoz Conde, in “Derecho Penal, Parte Especial”, Tirant lo Blanch, p. 404. No mesmo sentido J.A. Choclán Montalvo, em “El Delito de Estafa”, Bosch, Barcelona, 2000, p.80 e Cândido Conde-Pumpido Ferreiro, “Estafas”, Tirant lo Blanch, Valência, 1997, autores que seguiremos de perto na abordagem que faremos às questões que deixamos enunciadas no leque de matérias a analisar no recurso.]
São elementos típicos da infracção: “1º - Um engano precedente ou concorrente; 2º - o engano há-de ser bastante, quer dizer suficiente e proporcional para a consecução dos fins propostos, havendo de ter adequada entidade para que na convivência social actue como estímulo eficaz da transferência (traspasso) patrimonial, devendo valorar-se aquela idoneidade tanto atendendo aos módulos objectivos como em função das condições pessoais do sujeito afectado e das circunstâncias todas do caso concreto; a manobra defraudadora há-de revestir a aparência de realidade e seriedade suficientes para defraudar as pessoas de mediana perspicácia e diligência, a idoneidade abstracta complementa-se com a suficiência no específico suposto contemplado; 3º - Criação (Originación) ou produção de um erro essencial no sujeito passivo desconhecedor ou com conhecimento deformado e inexacto da realidade, por causa da insidia, mendacidade, fabulação ou artificio do agente, o que o leva a actuar debaixo (bajo) uma falsa pressuposição, a emitir uma manifestação de vontade partindo de motivo viciado, por cuja virtude se produz a transferência (traspasso) patrimonial; 4º - ânimo de lucro, como elemento subjectivo do injusto, exigido hoje de maneira explicita, entendido como o propósito por parte do infractor de obtenção de uma vantagem patrimonial correlativa, ainda que não necessariamente equivalente, ao prejuízo ocasionado, eliminando-se, pois, a incriminação a título de imprudência; 6º - nexo causal ou relação de causalidade entre o engano provocado e o prejuízo experimentado, oferecendo-se este como resultado do primeiro, o que implica que o dolo do agente tem de anteceder ou ser concorrente na dinâmica defraudadora, não se valorando penalmente no que ao tipo de burla se refere, o dolo subsequente, quer dizer, superveniente e não anterior á celebração do negócio de que se trate; aquele dolo característico da burla supõe a representação para o sujeito activo, consciente da maquinação enganosa, das consequências da sua conduta, quer dizer da indução que alenta ao desprendimento patrimonial como correlato do erro provocado e o consequente prejuízo suscitado no património do sujeito vítima”. [cfr. J.A. Choclán Montalvo, op. loc. cit., p. 81.]
O engano desencadeador ou provocante do prejuízo, ou merma patrimonial, como é entendimento generalizado entre os autores, há-de ocorrer num momento temporal em que o sujeito passivo desarma a sua defesa intelectual e volitiva para se deixar enlear no artifício congeminado e posto em prática pelo agente infractor. Como se decidiu na sentença do Tribunal Supremo espanhol (STS de 23 de Abril de 1997, o engano há-de ser antecedente, causante e bastante. Antecedente porquanto teria que preceder e determinar o consequente prejuízo patrimonial, não sendo aptas para originar o delito de burla as hipóteses do denominado “dolo subsequente”; causante, já que o engano deve achar-se ligado por um nexo causal com o prejuízo patrimonial, de tal forma que este haja sido gerado por aquele; e bastante, no sentido da idoneidade do engano para viciar a vontade, ou os consentimentos concretos, do sujeito passivo da argúcia.
O Professor Francisco Muñoz Conde coloca o momento da consumação do crime de burla no momento em que se verifica a produção do prejuízo patrimonial; “no es preciso que se haya producido el correspondiente provecho”. [Cfr. op. loc. cit., p. 413]
[…] “Por engano entende-se a falta de verdade no que se diz ou faz, de modo que os demais formem uma representação incerta do que realmente pretendem. Trata-se de uma ocultação ou disfarce da realidade, simulando algo que não existe ou não se tem a intenção que chegue a existir, ou ocultando ou dissimulando algo que existe e cujo conhecimento modificaria a atitude da pessoa a quem o engano se dirige.” [Cfr. Cândido Conde-Pumpido Ferreiro, op. loc. cit., p. 45.]
Os autores usam distinguir os enganos em enganos omissivos – traduzidos no silenciamento de circunstâncias negativas, como os defeitos ou gravames da coisa; – enganos implícitos – que se traduziriam na adopção de uma conduta ou atitude que leva implícita a ideia do cumprimento de uma contrapartida; os enganos verbais, que não seriam acompanhados de maquinações fácticas que os ratificassem; e, finalmente os enganos menores, que não induziriam em erro as pessoas avisadas ou perspicazes.
Qualquer engano só assume relevância penal quando seja bastante para provocar o erro da vítima. Estão subtraídos à tutela jurídico-penal aquelas situações que pela sua intensidade e densidade enganosa, ou de maquinação e artifício defraudador, não sejam suficientemente reprováveis do ponto de vista ético-jurídico que sejam merecedoras de ser enquadráveis no tipo de ilícito adrede. “A linha divisória entre o dolo penal e o dolo civil nos delitos contra a propriedade se acha dentro do conceito de tipicidade, o ilícito penal frente ao ilícito civil, de tal forma que só quando a conduta do agente encontra acomodação no preceito penal que conculca, se pode falar de delito, sem que portanto isso signifique a vulneração da lei penal, porque a norma estabelece meios suficientes para restabelecer o império do Direito ante vícios puramente civis”. O que acaba de se expressar “produz-se especialmente quando o dolo civil não é causante, mas antes incidental, isto é não constitui um vício da vontade ou do consentimento subsumível aos correspectivos preceitos civis, mas que sobrevive como uma forma de incumprimento do contrato validamente celebrado.” [Cfr. Cândido Conde-Pumpido Ferreiro, op.loc.cit., p. 55.]
A fragilidade e a ténue linha delimitadora que se pressente entre o dolo civil e o dolo penal, neste tipo de infracções, levou a que alguma jurisprudência a crismasse certas situações charneira ou de difícil enquadramento jurídico-penal como “negócios jurídicos ou contratos criminalizados”, que seriam aqueles negócios jurídicos ou contratos civis em que o ilícito penal aparece caracterizado – frente ao incumprimento civil – pela intenção inicial ou antecedente de não fazer a efectiva contraprestação ou pela consciência da impossibilidade de o fazer, de modo a que o contrato aparente é o instrumento da fraude, ou noutra formulação, nos negócios jurídicos de direito privado em que a aparência do próprio negócio constituem uma operação de engano, enquanto o autor simula um propósito de contratar quando realmente só quer aproveitar-se do cumprimento da outra parte, recebendo a contraprestação acordada, mas sem intenção de cumprir. Nestes “negócios civis criminalizados”, o contrato ou negócio jurídico erige-se em instrumento dissimulador, e ocultação, fingimento e fraude, civil ou mercantil, com aparência de quantos elementos são precisos para a sua existência correcta, ainda que a sua intenção inicial ou antecedente de não efectuar a contraprestação ou o conhecimento da sua impossibilidade de a fazer, defina a burla. [Cfr. para mais desenvolvimentos Cândido Conde-Pumpido Ferreiro, op. loc. cit., p. 62 e J.A. Choclán Montalvo, in op. loc. cit., p. 98 e segs.]
Para Groizard, citado por José António Choclán Montalvo, o critério de distinção, em função da entidade do engano, deve ser expressa pelo princípio da protecção subsidiária que compete ao direito Penal e ao seu carácter fragmentário, com a consequente limitação da reacção mediante a pena frente a condutas mais graves. Na expressiva formulação do último dos autores citados “o que caracteriza o dolo civil como vício de vontade é o efeito que provoca de indução a contratar (dolo causam dans contractu). Ao passo que no tipo subjectivo penal, o móbil concreto que impulsa a conduta dolosa (vgr. A obtenção de um proveito económico) não é relevante no dolo civil. O dolo civil causante do direito civil também consiste num engano (palavras ou maquinações) que utiliza uma parte contratante para induzir o outro a celebrar um contrato, de forma tal que supõe uma intervenção essencial no processo de formação do querer. [J.A. Conclán Montalvo, op. loc. cit., p. 93.]
Como se alcança do que vimos explanando, todos os autores colocam o momento deflagrador do ilícito penal na precedência, ou antecedência, da acção enganosa relativamente à atitude do sujeito em aderir ao pacto contratual depreciador do seu património.
Queda por analisar o engano omissivo como geradores de situações de burla, com base na doutrina causal da omissão ou das teses gerais de comissão por omissão.
Seguindo de perto a lição de Candido Conde-Pumpido, na obra que vimos citando, “entrecruzam-se neste ponto duas posições: a referente à inabilidade do silêncio para criar engano e da rejeição dos enganos omissivos. Entende-se pelos defensores dessas doutrinas que ao tratar-se de uma omissão pura, o silêncio não poderia chegar a produzir os outros elementos típicos, em especial a indução em erro do sujeito passivo. Desse modo o silêncio, ao equiparar-se à omissão pura, não pode valorar-se como engano. Por isso só seria relevante o silêncio quando começasse a formar parte de um complexo que possa interpretar-se como conduta concludente dando a entender uma situação mendaz que aparece implícita na conduta com o que, a omissão se transforma em acção através da doutrina dos facta concludentia”. Merkel assinalou que o silêncio ou a ocultação pode vir calculado para induzir em erro o contrário. Seria o caso da oferta de um negócio ou a aceitação do mesmo, que suporia a afirmação de que os contraentes se dão as condições válidas para a celebração válida do contrato. Porém, como adverte Pedrazzi, isso não quer dizer que o silêncio ou a omissão possa valorar-se á margem de uma certa cobertura jurídica de modo a que alguém esteja obrigado a desfazer a obcecação de outra pessoa ou acompanhar os seus actos com advertências para prevenir qualquer engano. Só quando o direito imponha ao sujeito que se encontra numa concreta situação o informar a outra pessoa de determinadas circunstâncias, é quando o silêncio convertendo-se em reticência (no sentido de se calar aquilo que deveria dizer-se) assume um valor concludente: “o sujeito passivo tem o direito de interpretar a falta de comunicação como afirmação de que o agente sobre quem a obrigação recai não tem nada que comunicar. “Só que essa obrigação de informar não deve ser só valorada em termos de dever jurídico mas também em atenção aos usos e costumes próprios do tráfico, de modo que há-de ter-se em conta se na situação concreta os usos do tráfico permitem contar com que seria proporcionada a informação silenciada”. Como assinala Pedrazzi “para que o silêncio adquira relevância como conduta enganosa faz falta não só que seja interpretável como conduta concludente, mas também que o sujeito passivo o tenha de facto interpretado como tal, isto é, que pelo silêncio o sujeito passivo tenha sido induzido em erro”.
Como se alcança da longa transcrição efectuada o engano tem que se constituir como um antecedente ou actual da obtenção do ganho para o autor do artifício enganoso e, concomitante, para o lesado com a atitude propiciadora do prejuízo causado na sua esfera patrimonial.
Mantêm-se vigentes e coevos os argumentos expendidos no acórdão do nosso mais Alto Tribunal de que «A construção do tipo legal de burla, descrito no artigo 217º, no 1, do Código Penal, supõe a concorrência de vários elementos, todos constituindo os seus elementos típicos: a indução em erro ou engano de uma pessoa (o lesado), fazendo com que esta pratique actos que lhe causem (ou a terceiro) prejuízos de carácter patrimonial. O erro ou engano provocado com astúcia; a prática pelo lesado de actos que lhe causem prejuízo; e o prejuízo de carácter patrimonial causado por aqueles actos do próprio lesado induzido em erro ou enganado, são, assim, os elementos do tipo objectivo do crime de burla, que, em consequência, se preencherá e consumará quando todos estes elementos se tiverem verificado” - cfr. v. g., Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, “O crime de burla no Código Penal de 982-95”, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol XXX, 1994, págs. 321).
Releva neste aspecto, porque está especificamente questionado, o elemento, que integra o tipo objectivo – o último na lógica sequencial de construção do tipo – do prejuízo de carácter patrimonial.
O bem jurídico protegido no crime de burla é o património, constituindo a burla um «crime de dano, que se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro burla constitui, também, «um crime material ou de resultado, que se consuma com a saída das coisas. A burla constitui, também, «um crime material ou de resultado, que se consuma com a saída das coisas ou valores da esfera da “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima; sendo um “crime com participação da vítima”, onde o resultado, ou seja, a saída das coisas ou valores da esfera de disponibilidade fáctica do legítimo titular resulta de um comportamento do próprio sujeito passivo. A consumação ocorre quando este resultado se verificar, isto é, quando ocorrer o empobrecimento patrimonial de lesado. Embora se exija a intenção do agente de obter para si (ou para outrem) um enriquecimento, a burla constitui um crime de resultado parcial ou cortado, já que elemento relevante para a consumação não é a concretização de tal enriquecimento, bastando para o efeito, ao nível do tipo objectivo, que se observe o empobrecimento (=dano) da vítima.
A consideração deste elemento subjectivo permite, como se salientou, qualificar a burla como um crime de resultado cortado ou parcial, não havendo «coincidência na extensão dos elementos objectivos e subjectivos do tipo: no plano objectivo basta o prejuízo patrimonial da vítima (ou de terceiro); ao nível subjectivo requer-se uma intenção de enriquecimento que não carece de concretização objectiva)) (cfr. Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, op. cit. pág. 323). A consumação do crime exige, pois, o resultado consistente na saída dos bens ou valores da disponibilidade fáctica do legítimo titular, com a verificação de um efectivo prejuízo patrimonial do lesado ou de terceiro» (cfr. A. M. Almeida Costa, op. cit., págs. 276-277).
O efectivo prejuízo patrimonial (do sujeito passivo ou de terceiro) deve, por seu lado, ser delimitado leia referência ao bem jurídico protegido no crime de burla. Há, por isso, que determinar qual o conteúdo de património relevante para este efeito, dada a verdadeira natureza do crime de burla como crime contra património.
A natureza do crime e os valores que protege apontam para um conceito específico jurídico-criminal de património (superando perspectivas estritamente económicas ou jurídicas), entendido como o conjunto de todas as “situações” ou “posições” com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica; ou a globalidade dos bens economicamente valiosos que uma pessoa detém com a aquiescência da ordem jurídica (cfr. Almeida Costa, loc. cit., págs. 283 e segs.).
O «prejuízo patrimonial», enquanto elemento do tipo objectivo e, por isso, requisito da consumação do acto, tem de ser, pois, identificado com um conceito objectivo-individual de dano patrimonial, que se traduza uma diminuição da posição económica efectiva da lesado em relação à posição em que se encontraria se não tivesse sido induzido em erro ou engano e realizado a conduta determinada por tal erro ou engano.
Nesta compreensão, que resulta directamente da construção do tipo objectivo de burla no Código Penal, não basta para a consumação do crime a entrega de dinheiro ou móveis, ou quaisquer fundos ou títulos, exigindo-se a verificação indispensável de um efectivo prejuízo patrimonial: só há burla consumada quando se verifica um prejuízo patrimonial.
O prejuízo patrimonial relevante corresponde, assim, a um empobrecimento do lesado, que vê a sua situação económica diminuída, e efectivamente diminuída quando comparada com a situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido a situação determinante da lesão. A medida do empobrecimento efectivo será, deste modo, avaliada pela diferença patrimonial entre o “antes” e o “depois”, tendo como contraponto económico-material (e não típico nem jurídico) o enriquecimento, próprio ou de terceiro, procurado pelo agente do crime.
Com efeito, o crime de burla constitui, como se referiu, um delito de intenção em que o agente procura obter um “enriquecimento ilegítimo” à custa de uma transferência de natureza ou efeitos patrimoniais. Embora este elemento não faça parte do tipo objectivo, que se preenche logo com o prejuízo patrimonial empobrecimento) do lesado, integra o tipo subjectivo do crime de burla e, quando ocorra, ou na medida em que possa ocorrer, constitui uma referência, de simetria ou de reverso, da medida correspondente do empobrecimento do sujeito passivo ou de terceiro.
O prejuízo patrimonial (o empobrecimento) do sujeito passivo ou de terceiro, como elemento que faz consumar o crime de burla, há-de ser, assim, determinado pela aplicação dos referidos critérios objectivos às circunstâncias particulares de cada caso.
O tribunal recorrido justificou e caracterizou o elemento «astúcia» utilizado pelo arguido, pela seguinte forma (sic): “a) Astúcia empregue pelo agente:
Quanto à conduta do agente, o artigo 217º nº 1 do CP determina que o erro do sujeito passivo tem de ser provocado astuciosamente.
Sendo que, “é usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro” (Ac. do STJ de 20/03/2003, disponível em www.dgsi.pt).
“Para caracterizar a acção astuciosa não bastará qualquer mentira (esta está sempre presente na burla), exigindo-se que se trate de uma mentira qualificada ou que se concretize numa manobra fraudulenta ou mise em scène” (Ac. do STJ de 09/05/2002, disponível em www.dgsi.pt).
b) erro ou engano da vítima devido ao emprego da astúcia:
O erro deve ser considerado como a falsa ou nenhuma representação da realidade concreta, que funcione como vício do consentimento da vítima.
Já no caso do engano, “o burlão terá que ter cometido a mentira adequada a lograr o burlado” (Marques Borges, citado in Código Penal Anotado, Leal-Henriques e Simas Santos, Ed. Rei dos Livros, Vol. II, pág. 839).
No entanto, não basta qualquer erro ou engano; é ainda necessário que ele tenha sido provocado ou aproveitado astuciosamente, nos termos supra referidos.
Sendo certo que o erro pode ser provocado pelo agente quando este descreve a outrem, por palavras ou declarações expressas, sob a forma oral ou escrita, uma falsa representação da realidade.
“A burla por palavras ou declarações expressas pode ocorrer, conforme se assinalou, sob a forma oral ou escrita; (…) Na modalidade de execução em apreço incluem-se, também, a apresentação de documento falso ou de documento que, não sendo falso, não fundamenta (ou não fundamenta ainda) determinada pretensão 1), a solicitação de subsídios ou comparticipações para despesas não efectuadas 2) ou o acto de invocar meios de prova falsos, desde que se observem os restantes pressupostos do delito 3)” (Almeida Costa, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Ed., Tomo II, pág. 302).
c) Prática de actos pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida:
«Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, não sendo, no entanto, inevitável que se trate de processos rebuscados ou engenhosos, podendo o burlão, numa “economia de esforço”, limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta» (cfr. Ac. do STJ de 12/12/2002, disponível em www.dgsi.pt).
Sendo certo que “Numa tal adequação de meios – adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o “ponto óptimo” no menos sofisticado dos procedimentos – radica, em suma, a inteligência ou astúcia que preside ao estereótipo social da burla e, sob pena de um divórcio perante as realidades da vida, tem de subjazer à fattispecie do nº 1 do art. 217º. Refira-se, por último, que só esta perspectiva se harmoniza com o entendimento, hoje pacífico, de que a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente se afere tomando em consideração as características do concreto burlado” (cfr. Almeida Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Ed., Tomo II, pág. 298).”
Em vista deste conceito o tribunal estimou que o arguido tinha preenchido os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito, relativamente aos lesados “BB e EE, pelo que será o mesmo condenado, tendo em atenção os factos provados.”
O conceito de astúcia que o tipo de ilícito pretende dirigir-se converge com a ideia global de um estratagema ou um espaço de ludíbrio em que é possível desenhar uma conduta de um sujeito que «engendra ou congemina” um plano susceptível de induzir outrem a que, pela sua apetência favorável ou propiciadora, adira e encaminhe bens ou coisas destinadas a satisfazer os objectivos que o plano visava. Assim se alguém, se anuncia como possuindo concretas e determinadas capacidades, civis ou empresariais, para obter bens situados noutro país e evidencia ter conhecimentos para os intermediar, sabendo que não possui as anunciadas capacidades, ou que, potencialmente, as possui mas não tem intenção de as usar, se, e quando for contactado para o efeito, naturalmente que foi criado um estratagema, ou uma «encenação», que esse sujeito sabia que era destinada a um fim (de obtenção/angariação de pessoas) que não tinha intenção de vir a efectivar e que se destinava a embair, ou enviscar, esse grupo de pessoas que, apeladas e agenciadas pelo «quadro» criado, lhe iriam propinar bens ou quantias a conferir. O estratagema, ou «encenação», criada com a antecedência, de que fala Cândido Conde-Pumpido Ferreiro, para captar, ou agenciar, os potenciais lesados, constitui um meio artificioso e envolvente apto a criar as condições para que quem obtenha a informação possa vir a ser induzido em erro (i) primeiro quanto à qualidade (real e efectiva) do agente; (ii) empós quanto à confiança que essa qualidade transmite, pela qualidade e competência dos serviços que oferece; (iii) e, por ende, quanto à confiança e tranquilidade legal e institucional que uma pessoa com as apregoadas qualidades e habilitações é capaz de conferir e propinar num relacionamento qualificado e tecnicamente adensado.
A matéria de facto provada incute a ideia de que o arguido criou este quadro de encenação para captar pessoas, num país estrangeiro, estavam predispostas a adquirir bens imóveis em Portugal – sabe-se que os estrangeiros de terceira idade possuem um regime de beneficiação de impostos em Portugal – e que não tinha intenção de corresponder às solicitações que lhe fossem endereçadas, ou só pretendia fazer até ao ponto de conseguir/lograr os proventos/quantias que lhe viessem a ser disponibilizadas e com as quais se pretendia vir a aboletar. O arguido, como resulta da matéria adquirida, engendrou, maquinou, um plano para, através de uma empresa de intermediação – em que ostentou uma qualidade técnico-profissional que não possuía – e, criando uma confiança, em pessoas que tiveram acesso aos anúncios publicitados em jornais …, alicerçada na qualidade que ostentava, vir a angariar clientes para aquisição (compra de imóveis), cuja operação não tinha intenção de concretizar, isto é, cujo preço não tinha intenção de pagar, bem como a efectivação do negócio formal (escritura de compra e venda) não tinha intenção de realizar. O arguido induziu um plano «fictício» e predisposto a um fim – angariação de pessoas para a realização de negócios de compra e venda de imóveis em Portugal – prefigurando um meio de obter meios pecuniários para si próprio. A publicitação da sua qualidade de pessoa habilitada (técnico-juridicamente) para angariar e harmonizar as condições de boa realização de um negócio fora do país onde o anúncio era efectuado, mediante a criação de uma imagem de credibilidade e capacitação de meios para o efeito, tendo a intenção de, uma vez conseguidas as pessoas propensas a lograr os fins perspectivados, não efectivar, ou concretizar, o negócio que tinha iniciado, constitui um artificio ou um quadro enganoso, ou susceptível de criar um «engano», enquadrável no conceito de astúcia, ou artificio, indicado no artigo 217º do Código Penal.
Não colhe arrimo com a factualidade adquirida e a concepção do elemento de «artifício/astúcia» a oposição pretendida pelo arguido, á decisão sob sindicância, pelo que se desestima.
§2.(B).(v). – DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA PELO CRIME DE BRANQUEAMENTO.
Desmerece, o arguido, da fundamentação operada na decisão recorrida, quanto ao quantitativo da pena imposta pelo crime de branqueamento, por, em seu juízo, (i) “nunca foi condenado por idênticos ilícitos criminais, não tendo quaisquer antecedentes a este nível”; (ii) “O grau de ilicitude dos factos relacionados com a prática deste crime, enunciados no acórdão recorrido, não se coaduna com a pena aplicada”; (iii) por “as operações realizadas são de enorme simplicidade – levantamentos em dinheiro, compra de veículos, e transferências bancárias para sociedade comercial sedeada em Portugal”; (iv) porque “o crime de branqueamento de capitais nunca pode ser punido com pena superior às penas aplicadas aos crimes precedentes”; (v) dado que “[a]pesar de o art. 368º-A, nº10 do Código Penal se referir aos limites das penas, e não às penas concretamente aplicadas, há um princípio que, claramente, decorre dessa norma: o crime de branqueamento de capitais nunca pode ser considerado mais grave do que os crimes precedentes”; (vi) [n]ão ocorre qualquer justificação para que ao arguido seja aplicada, pelo branqueamento de capitais, pena parcelar superior ao mínimo legal de 2 anos de prisão, sendo manifesto o exagero da pena aplicada.”
Genericamente, o tribunal recorrido, escolheu/determinou as penas a aplicar pelos crimes que julgou verificados e cmprovados com a sequente argumentação (sic): “O crime de burla qualificada cometido pelo arguido é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
O crime de branqueamento é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.
Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do C.P.).
Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do C.P.
A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artº 40º, nº 2 do C.P.). A prevenção geral positiva (“protecção de bens jurídicos”), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145).
No caso em análise, são elevadas as necessidades de prevenção geral, na verdade assiste-se nos últimos tempos a um incremento deste tipo de crimes envolvendo o empobrecimento dos ofendidos, existindo um sentimento de impunidade face a estes ilícitos.
Elevadas são as necessidades de prevenção especial, uma vez que o arguido já foi condenado por idênticos ilícitos criminais, denotando uma reiteração criminógena na sua conduta e mostrou uma atitude de passividade no que se reporta ao julgamento, pois nem compareceu no mesmo.
Atendendo ao valor dos montantes em causa e bem assim ao objectivo do arguido ao concretizar os factos que levaram aos crimes em causa, ao modo de execução dos factos, aos montantes em causa e à falta de arrependimento (demonstrada pela não comparência em julgamento e não ressarcimento dos ofendidos) é de concluir que é médio/elevado o grau de ilicitude dos factos e relativamente graves as suas consequências. Devendo-se ter presente que a elasticidade da pena decorre, não só do valor, mas também da multiplicidade das condutas que se compreendem na previsão das diversas alíneas da norma.
Nestes termos, e à luz do disposto nos artigos 217º, 218º, 191º, 368ºAº, n.º 1 2 e 3, todos do Código Penal, entendemos adequado e proporcional aplicar ao arguido:
- Pela prática de cada um dos dois crimes de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217º e 218º, n.º 2, alínea a), a pena de 5 (cinco) anos de prisão, por cada um dos dois crimes;
- Pela prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368ºAº, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
Cúmulo Jurídico:
De acordo com o disposto no artigo 77º nº 1 do CP “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Para tal, é ainda necessário, avaliar a conexão e o tipo de conexão existente entre os vários factos criminosos concorrentes e averiguar se eles se reconduzem a uma tendência criminosa ou apenas a uma puriocasionalidade, bem como analisar o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (cfr. Figueiredo Dias, in As Consequências jurídicas do Crime, fls. 291).
Sendo certo que, nos termos do nº 2 do artigo 77º do mesmo diploma legal, “A pena aplicável tem como limite máximo a doma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Ora, no caso em apreço, e considerando que as penas parcelares aplicadas foram duas de 5 anos e uma de cinco anos e 6 meses de prisão, a moldura varia entre os 5 anos e 6 meses de prisão e 15 anos e 6 meses de prisão.
Ponderando-se, entre esses limites, a globalidade dos factos, os montantes em causa, a longevidade da conduta do arguido, a falta de arrependimento, decide-se aplicar a pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.”
A lei penal assume e realiza, pela sua configuração, uma função estabilizadora da comunidade em que rege, orientando cognitivamente e permitindo uma conformação/assimilação de dever-estar do indivíduo de modo a assegurar a confiança nas instituições conformadoras da sociedade estabelecida. Para a consecução dos objectivos com que pretende manter a conformação institucional da comunidade existente e validade normativa viger, o sistema penal incute, através da responsabilização dos indivíduos e pela imposição de sanção penais – penas e medidas de segurança –, consequências jurídicas aos infractores das normas de comando em que se verte a essencialidade das valorações prevalentes num determinado momento histórico-social. A lei penal portuguesa consagra no artigo 40º, nº 1 do Código Penal as consequências jurídicas do facto, colimando a finalidades das penas e medidas de segurança em dois vectores axiais: (a) a protecção de bens jurídicos [“O bem jurídico-penal é um pedaço da realidade olhado sempre como relação comunicacional, com densidade axiológica a que a ordem jurídico-penal atribui dignidade penal.” – José Faria Costa, Noções Fundamentais de Direito Penal (Fragmenta iuris Poenalis), Coimbra Editora, 4ª edição, 2015, pág. 164.
“A questão de quais dos seus «bens» aparecem como dignos da protecção e que rango lhes corresponde na hierarquia dos seus interesses (ao do individuo) está sujeita tanto às mudanças históricas, como à possibilidade e medida do perigo a que possa expô-los a conduta humana.
Pense-se desde logo na problemática das ingerências da tecnologia genética no genoma humano. Nessa medida em última medida se vê remetido para convicções valorativas em geral divididas e também controvertidas acerca de quais teria de confrontar-se num discurso público, e que, sem embargo, não podem ser fundamentadas de uma maneira vinculante.” – Cfr. Günther Stratenwerth, in Depreco Penal Parte General I, El Hecho Punible, Thomsn-Civitas, Editorial Aranzadi, Cizur Menor (Navarra), 2005, pág. 58.
Para uma crítica da legitimação material do Direito Penal como meio de protecção de bens jurídicos e pela adopção de uma concepção de bem jurídico como unidade funcional, veja-se Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, 2ª edição, corrigida, Marcial Pons, 1997, págs. 47-61. “O importante é que a punibilidade se oriente não para o desvalioso per se, mas sim sempre para a danosidade social. Inclusivamente o acordo acerca da fórmula de que o Direito penal só deve proteger as condições de existência da sociedade rende escasso fruto, pois não há fronteira obrigatória alguma do social e consequentemente tão pouco há numerus cluasus das condições de existência” – op. loc. cit. pág. 58. “A contribuição que o Direito penal presta à manutenção da configuração social e estatal reside em garantir as normas. A garantia consiste em que as expectativas imprescindíveis para o funcionamento da vida social, na forma dada e na legalmente exigida, não se dêem por perdidas no caso de resultarem defraudadas. Por isso – ainda contradizendo a linguagem usual – deve-se definir como bem a proteger a firmeza das expectativas normativas essenciais frente á decepção, firmeza que tem o mesmo âmbito que a vigência da norma posta em prática: este bem se denominará a partir de agora bem jurídico-penal” – Op. loc. cit. 45.]; e (b) a reintegração do agente na sociedade. (“A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade,”) (“A pena é sempre uma reacção ante a infracção da norma. Mediante a reacção evidencia-se a necessidade de se observar a norma. E a reacção demonstrativa tem sempre lugar á custa do responsável por haver infringido a norma. (por à «custa de» se entende neste contexto a perda de qualquer bem)” – [Günther Jakobs, Derecho Penal, Parte General, Fundamentos y Teoria de la Imputación, p.8]
De passo o nº 2 do mesmo preceito rege para a fixação do parâmetro fundante e limitador da medida da pena a impor ao responsável pela infracção da norma, radicado, numa perspectiva ôntico-objectiva de reprovação e censurabilidade da atitude contrária ao comando normativo e que o aplicador deve ressumar e captar dos factos praticados no momento da escolha e determinação da sanção penal que deva impor num caso concreto. (“Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”). [“A culpabilidade do autor será o fundamento da medida da pena. Dever-se-ão considerar os efeitos derivados da pena para a vida futura do autor na sociedade” - § 46, I do StGB (Código Penal Alemán), Marcial Pons, Madrid, 2000.]
Mais detalhadamente estabelece o art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva da reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar.
Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
– A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. [Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”]
Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito Winfried Hassemer [Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127.] que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [cfr. Eduardo Crespo, op. loc.cit., pag. 121.] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.]
Num seminário sobre os fins das penas, [Cfr. Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166.] Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade [“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais” , devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz … poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” [À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «à «culpabilidade» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.]
Porém, na teorização a que procede sobre os fins das penas, ensina o Professor de Munique, que numa perspectiva integradora – teoria unificadora preventiva – “o fim da pena só pode ser de tipo preventivo. Posto que as normas penais só estão justificadas quando tendem à prossecução da liberdade individual e a uma ordem social que está ao seu serviço, também a pena concreta só pode perseguir isso, quer dizer, um fim preventivo do delito. Daí resulta que a prevenção especial e a prevenção geral devem figurar conjuntamente como fins da pena. Posto que os factos delitivos podem ser evitados tanto através da influência sobre o particular como sobre a colectividade, ambos os meios se subordinam ao fim último a que se estendem e são igualmente legítimos.” [Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito. Civitas. 1997, pág. 95.]
Depois de apontar os inconvenientes e as vantagens que uma perspectivação baseada nas duas vertentes – preventiva geral e preventiva especial – o Professor advoga que uma «ressocializa-ção forçada» não pode ser imposta ao autor do facto ilícito, posto que, se depois de «despertado» para os efeitos do cumprimento de uma pena, mantiver a sua disposição de recusa, então esta deverá ser executada: “para a sua justificação é suficiente, sem embargo, a necessidade de prevenção geral.”
O conflito que se pode plantear entre prevenção geral e prevenção especial “só se produz quando ambos os fins perseguidos exigem diferentes quantias de pena.” (Fornece como exemplo, o caso em que um jovem causou uma lesão com resultado de morte numa rixa. Num caso deste tipo, “pode parecer adequado um castigo de três anos de privação de liberdade sobre a base da prevenção geral e em aplicação do § 226 II, enquanto que as exigências de prevenção especial só permitem um ano com remissão condicional porque uma pena mais grave dessocializaria o autor e caberia esperar um tropeço em futura criminalidade. Qualquer e ambas as possíveis soluções obtém, pois, um benefício preventivo, por uma parte, a troco de um prejuízo preventivo por outra. Num caso como este é necessário sopesar os fins de prevenção especial e geral e pô-los em ordem de prelação. Nisso tem preferência a prevenção especial até a um grau em que de seguida haverá que determinar, de forma a que no nosso exemplo, a pena que se imporia seria de um ano de prisão, com remissão condicional. Pois, em primeiro lugar, a ressocialização é um imperativo constitucional que não pode ser desobedecido desde que possa ser cumprido. E em, segundo lugar, há que ter em conta que, em caso de conflito, uma primazia da prevenção geral ameaça frustrar o fim preventivo-especial, enquanto que, pelo contrário, a preferência da prevenção especial não exclui os efeitos preventivo-gerais da pena, mas sim que, acima de tudo, os debilita de forma dificilmente mensuráveis, pois também uma pena atenuada actua de forma preventivo-geral. Por outro lado, corresponde a preferência ás necessidades preventivo-especiais só até onde a necessidade mínima de preventivo-geral todavia o permita. Quer dizer, por motivos dos efeitos preventivo-especiais, a pena não pode ser reduzida até ao ponto em que a sanção já não se tome a sério na comunidade; pois isso quebrantaria a confiança no ordenamento jurídico e através disso se estimularia a imitação.” [Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 96-97.]
Remata para dizer que a teoria penal defendida se poderá resumir do seguinte modo: “a pena serve os fins da prevenção especial e geral. Se Limita na sua magnitude pela medida da culpabilidade, mas pode quedar-se por baixo deste limite se para tanto forem necessárias as exigências preventivo-especiais e a isso não se oponham as exigências mínimas preventivo-gerais. [Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 103]
Esquissada, em termos muito breves a finalidade das penas, dar-se-á passo à questão que vem enunciado como tema a resolver, a saber se o tribunal ultrapassou s limites consignados nos artigos 40º e 71º do Código Penal, nomeadamente, na vertente da ilicitude e da culpabilidade do agente.
O crime de branqueamento é um crime insidioso e de dissimulação, porquanto através da sua realização/efectivação se pretende fazer desaparecer, para/ou fazer aparecer com outra configuração (legítima e legal), o produto obtido através de uma actividade criminosa. Quem, ou aquele, que pretende, ou já logrou, dissimular o produto dos bens, que sabe ter adquirido de forma ilícita e contrária ao ordenamento jurídico-legal, tem a consciência de ter obtido um produto de forma ilícita e, ainda assim, reiterando e mantendo a veia, ou sequência volitiva criminosa, de forma capciosa e suspicaz, pretende conferir uma aparência de legalidade e legitimidade ao produto do crime anteriormente cometido. Vale dizer, o agente, ou autor de um crime, sabendo a origem ilícita e ilegítima de bens e produtos que conseguiu pela prática de um crime, através de uma operação de inversão e mimetização social-produtiva, pretende, elidir o ilícito e ostentar à sociedade um resultado legítimo e lidimo do seu agir e proceder licito.
Ao crime originário, o agente conluia ou agrega um outro proceder e agir ilícito, qual seja o de pretender aparentar e conferir uma legitimidade e legalidade aos bens que sabe ter adquirido de forma ilegítima.
A suspicácia e a perversão de carácter esmerilada neste modo de proceder ade a culpabilidade e a natureza antijurídica da actividade do agente.
No caso concreto, o agente logrou dissimular as quantias que obteve, de forma ilícita, na aquisição de viaturas de alta cilindrada e figurativas de poder e ostentação (social). O modo de dissimulação não se mostra muito especioso e/ou engenhoso – adquirir automóveis que usaria e ostentaria, não configura uma especial aptidão de dissimulação –, no entanto, não deixa de constituir um modo de dissimulação de produtos do crime que revela uma personalidade desviada e proclive a uma vivência destituída de valorações positivas e construtivas (socialmente).
Quedando a moldura penal (abstracta) estabelecida entre 2 e 12 anos, a pena de 5 anos e 6 meses afigura-se-nos ajustada e proporcional, se atendermos aos valores que forma objecto de dissimulação.
Sem reparo a medida da pena pelo crime de branqueamento de capitais.
§2(B).(vi). – DETERMINAÇÃO DA MEDIDA PELO CRIME DE BURLA.
O derradeiro “apunte” esgrimido contra a decisão condenatória prende-se com a medida da pena irrogada pelos crimes de burla, que o arguido estima ser exagerada “perante o grau de culpa”.
Sem razão, porém.
Dispensando-nos de iterar os vectores formadores de um juízo de reprovabilidade e de censura jurídico-penal, somos de entender que (i) os valores envolvidos; (ii) o modo como o agente embaiu os lesados, fazendo-os crer numa qualidade que não possuía e arrogando uma credibilidade (técnico-profissional) que não tinha, para obter os bens (imóveis) fora de um país desconhecido e de que desconheciam a língua, tendo para isso confiado nas qualidades ostentadas pelo arguido; (iii) o modo como logrou convencer os lesados da bondade dos negócios que se predispôs a realizar, levando-os a efectuar transferências de pingues quantias pecuniárias; (iv) e os montantes que conseguiu por esse meio, são de molde a qualificar de grave e intensa a censura ético-social e jurídica, a justificar uma pena que se deve situar acima da média da pena (abstracta) cominada para o tipo de ilícito praticado.
Em nosso juízo, o tribunal recorrido situou a pena dentro de limites razoáveis e proporcionais à ilicitude e à culpabilidade do agente.
§3. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida;
- Condenar o arguido nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2021
Gabriel Martim Catarino (Relator)
Manuel Augusto de Matos
(Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.)